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A EVOLUÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL.

Análise do direito à saúde sob o prisma das Constituições Brasileiras

Filipi de Souza Alves1

Resumo

A proposta do presente Trabalho de Conclusão de Curso tem por objetivo apresentar uma
perspectiva sobre a abordagem e o acolhimento do direito à saúde nos textos constitucionais
brasileiros, observando o contexto histórico, social e contemporâneo do período em análise.
Diante desta proposta, será apresentada uma dissertação expositiva, baseada em artigos
acadêmicos interdisciplinares,

Abstract
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Graduando do Curso de Bacharel em Direito da UNIGRANRIO, orientado pelo Prof. Ivano Hermann Scheidt
de Menezes Reis
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Introdução

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem por finalidade apresentar dissertação


expositiva sobre a evolução histórica do direito à saúde, evidenciando a participação do
Estado na idealização deste bem jurídico social, até sua concepção atual de direito
fundamental do ser humano, a ser garantido pelo Estado, em todo território nacional.
Inicialmente, será apresentada uma análise cronológica dos aspectos relevantes do direito à
saúde nos textos constitucionais, objetivando a demonstração das diferentes perspectivas do
conceito de direito à saúde, adotadas pelo Estado ao longo dos anos, tendo como ponto de
partida a Constituição de 1824. Será possível constatar que a condução do presente trabalho
será direcionada, especificamente, para a atuação do Estado na garantia do efetivo
cumprimento das políticas constitucionais de saúde, considerando a contemporaneidade do
texto constitucional vigente à época, em cada período a ser observado. O presente trabalho
também se submeterá a realizar uma análise subjetiva da atuação do Estado, na regulação do
setor privado das operadoras de planos de saúde. No Brasil, portanto, o direito à saúde passou por
grandes transformações e, a despeito de muitos obstáculos, opostos por setores sociais privilegiados
e retrógrados, tem havido muitos avanços na luta pelo estabelecimento de melhores condições de
vida para todos os brasileiros, dentre elas a saúde. Nesta área é possível perceber-se o evidente
progresso, podendo-se considerar superada a concepção estreita e individualista que limitava a
saúde exclusivamente ao oferecimento de serviços médico-hospitalares
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1. Evolução Histórica do Direito à Saúde no Brasil.
Brasil Império - Constituição de 1824.

Analisando o contexto histórico ao qual o Brasil estava inserido em meados do


Século XIX, época em que o Estado Colônia se estruturava em Estado Novo, após a vinda da
Família Real para o Brasil, é possível observar a concepção de uma ideia de garantia
constitucional atrelada à área da saúde pública, com a previsão da garantia aos “socorros
públicos”, positivado no primeiro texto constitucional brasileiro, dispositivado no “Título 8º,
das Disposições Gerais e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos
Brasileiros”, através do Artigo 179, XXXI da Carta de Lei de Março 18242.

Apesar do texto legal não apresentar qualquer definição específica sobre o


conceito literal de “socorros públicos”, observa-se, a partir de algumas ações pontuais
adotadas durante o governo imperial, que o termo “soccoros públicos” faz referência às
atividades de assistência médica e de amparo social. Constatação também observada e
compartilhada por Simone Elias de Souza, em seu Artigo Acadêmico “Os Socorros Públicos”
no Império do Brasil (1822-1834)”, publicado pela Universidade Estadual Paulista – UNESP
em seu Repositório de Artigos Acadêmicos3. Assim Vejamos:

“ A necessidade de ajuda aos recém-chegados, sem moradia e vínculos familiares,


ou de internação dos pacientes destituídos de recursos acarretou, desde já, a criação
de hospitais ou Santas Casas de Misericórdia com hospedarias anexas, cujas
fundações aproximadamente coincidiram com o estabelecimento das primeiras vilas.
A primeira Santa Casa de Misericórdia criada no Brasil data de 1543, fundada em
Santos para socorrer marinheiros doentes que aportavam depois da difícil travessia
do Atlântico. Organizadas segundo os moldes de Lisboa, as Santas Casas de
Misericórdia foram transplantadas pela gente comum vinda de Portugal que trazia
consigo as estruturas deixadas no além-mar, estimuladas pela especial
recomendação da Coroa e pela política metropolitana de acentuação do absolutismo
e centralização do poder. Nessa época a hospitalização buscava tão somente o fim
caritativo de acolhimento dos infelizes, sendo o “curar os enfermos” mais uma de
suas obras. Durante o período colonial, principalmente após a expulsão dos jesuítas
das terras brasileiras pela política pombalina em 1757, a assistência nas áreas
urbanas ficou praticamente restrita a essa instituição, chegando ao ponto de até
meados do século XVII quase todas as capitanias possuírem ao menos uma Santa
Casa de Misericórdia, algumas muito simples oferecendo pouquíssimos serviços,
obrigadas a fechar as suas portas nos períodos de carência. Nessa época eram
grandes os vínculos entre os hospitais e a ação caritativa, mantidas por esmolas e
doações, em luta perene contra a falta de recursos, acolhendo aqueles que não
tinham condições de realizar seu tratamento em casa. Essa relação entre o
atendimento hospitalar e a caridade se mantém do período colonial para o imperial e
esteve ligada à sua tradição religiosa de forte influência do catolicismo, somada ao

2
A garantia aos Socorros Públicos foi prevista pelo Artigo 179, XXXI da Constituição Política do Império do Brasil,
acesso em 03.05.2021, através do link - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm
3
Artigo Acadêmico “Os ‘Socorros Públicos’ no Império do Brasil (1822-1834)” de Simone Elias de Souza,
publicado pela UNESP, acesso em 12.05.2021, através do Link -
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/93420/souza_se_me_assis.pdf?s
tom paternalista dado pela sociedade escravista. A intimidade da medicina com a
assistência aos miseráveis, associando ao hospital seu sentido primitivo de
albergaria para os materialmente degradados, ou seja, sua função de hospital/asilo,
só será dissociada no início do Sec. XX, com a redefinição de seu perfil institucional
e especificação de suas atribuições terapêuticas” .

Ainda que o Estado não participasse de forma explícita na área da saúde pública,
mediante o direcionamento de políticas específicas, como ações de promoção, prevenção e
assistência à saúde – per exemplo, há de se observar a participação do Estado mediante a
imposição legal de uma garantia constitucional de “socorros públicos”, em referência às
atividades de assistência médica e de amparo social, realizadas pelas Santas Casas de
Misericórdia. Sendo possível observar que as Santas Casas de Misericórdia desempenhavam
funções públicas inerentes aos Estado, a partir da prestação de serviços de assistência médica
e de assistência social.

Conforme se observa, não havia, à época, nenhuma previsão de destinação


orçamentária destinada, exclusivamente, ao desenvolvimento políticas voltadas para o avanço
das práticas de assistência médica e de amparo social no Brasil. Sendo possível perceber, a
partir de ações pontuais do Império, o início de uma preocupação em garantir a subsistência
das Santas Casas de Misericórdia, mediante a destinação de recursos pontuais. É o que
observa Simone Elias de Souza, em seu Artigo “Os socorros público no Império do Brasil
1822 a 1834”4, publicado pela Universidade Estadual Paulista - UNESP. Assim vejamos:

“ As pesquisas referentes a essa matéria no Brasil são encontradas em número


reduzido. Concentram-se no tema das Santas Casas de Misericórdia justamente pela
influência dessa instituição na prática da assistência e o desempenho de um papel
semi-burocrático na vida pública, realizando funções hoje vistas como
responsabilidades do Estado. (...) Falta à historiografia brasileira um elo entre os
estudos da política do Estado de controle social da repressão à vadiagem e os da
prática assistencial por irmandades leigas com fins caritativos. Do tradicional
incentivo a um assistencialismo de conteúdo paternalista, informal e de cunho
religioso, há uma progressiva preocupação com a centralização dessas casas de
caridade e o controle por parte do Estado, fazendo das Misericórdias instituições a
seu serviço. (...) Entre as medidas do Estado aqui estudadas foram encontradas quase

4
Artigo Acadêmico “Os ‘Socorros Públicos’ no Império do Brasil (1822-1834)” de Simone Elias de Souza, publicado
pela UNESP, acesso em 12.05.2021, através do Link -
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/93420/souza_se_me_assis.pdf?s
anualmente concessões de loterias para as Misericórdias de diferentes vilas e
cidades. Em todas as concessões vem anexo o plano de sua extração, constando o
número de bilhetes, o valor de cada prêmio, que poderiam ser constituídos por
dinheiro, bens imóveis, escravos, móveis e objetos de decoração, e em alguns casos
como deveriam ser aplicados. Com seu valor, a quantidade e o tempo de duração
variável, foram beneficiadas entre os anos de 1822 e 1834 as Santas Casas da Vila
de São João Del Rei, da Imperial cidade de Ouro Preto, de Porto Alegre, a de São
Cristóvão - capital da Província de Sergipe, e outra anteriormente concedida à da
Misericórdia da Corte é ampliada ”.

Destaca-se, por exemplo, a destinação de receitas provenientes da cobrança de


taxas aplicáveis às embarcações que realizassem transações comerciais alfandegárias à época,
conforme se verifica em análise ao Artigo 632 e 635 da Consolidação das leis das Alfandegas
e Mesas de Rendas do Império de 18855, que determinava a taxação sobre o quantitativo da
tripulação das embarcações e sobre o quantitativo de bebidas alcoólicas despachadas pelas
embarcações. Destaca-se, também, o Decreto do Governo do Império do Brasil de Nº 3.382
de 20 de Outubro de 18886 que promoveu considerável redução da carga tributária sobre bens
imóveis que constituíam o patrimônio dos Hospitais ligados à entidades religiosas e das
Santas Casas de Misericórdia.

Brasil República - Constituição de 1891.

O advento da Proclamação da República, em 1889, marca o início de um novo


processo de reestruturação do Estado, promovendo uma nova forma de governo, com
significativas mudanças no sistema político, econômico e social do país, sendo promulgada a
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 7. Conforme se observa

5
Art. 632 da Consolidação das leis das Alfandegas e Mesas de Rendas do Império, vigente no Ano de 1885 -
acesso em 03.05.2021, através do Link -
https://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/18661/colleccao_leis_1885_parte3.pdf?sequence=3
6
Decreto do Governo do Império do Brasil de Nº 3382 de 20 de Outubro de 1888 - acesso em 03.05.2021, através
do link https://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/18664/colleccao_leis_1888_parte1.pdf?sequence=1
7
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 - acesso em 12.05.2021, através do link -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm
na obra acadêmica de Claudio Bertolli Filho, em seu livro “História da Saúde Pública no
Brasil” 8.

“ Durante a República Velha (1889-1930) o país foi governado pelas oligarquias dos
estados mais ricos, especialmente São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A
cafeicultura era o principal setor da economia, dando aos fazendeiros paulistas
grande poder de decisão na administração federal. Os lucros produzidos pelo café
foram parcialmente aplicados nas cidades. Isso favoreceu a industrialização, a
expansão das atividades comerciais e o aumento acelerado da população urbana,
engrossada pela chegada dos imigrantes desde o final do século XIX. De seu lado, a
República tratou de reformar as principais cidades e os grandes portos, buscando
modernizá-los e facilitar o fluxo de homens e mercadorias, necessários à desejada
‘ordem e progresso’. Nesse sentido, as oligarquias da República Velha buscaram
apoio na ciência da higiene para examinar detidamente o ambiente físico e social das
populações urbanas. Tratava-se, na verdade, de definir estratégias para melhorar as
condições sanitárias das áreas vitais para a economia nacional - as cidades e os
portos.”

Contudo, mediante análise textual, é possível observar que o novo texto


constitucional não apresenta relevância no processo de evolução do direito à saúde. Percepção
compartilhada por Janaína Machado Sturza e Claudine Rodembusch Rocha, em artigo
publicado pela plataforma Publica Direito, “A história do Constitucionalismo Brasileiro sob a
ótica do Direito à Saúde: Frustrações e Conquistas” 9. Assim Vejamos:

“ Já em 1891, mais precisamente na data de 24.02.1891, foi promulgada a


Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, a qual estabeleceu que a
Nação Brasileira adotasse como forma de governo a República Federativa. A
sociedade continuava em processo de estruturação e a saúde ainda era uma questão
“celestial”, sendo tais fatos agravantes do retardamento em relação à Constituição
anterior. Todavia, esta constituição representou grandes transformações com o
surgimento da federação e da república, além do incremento dos poderes regionais
ou locais, caracterizados pela política dos governadores e do coronelismo regionais,
sem, contudo, delimitar à saúde a sua verdadeira relevância ” .

8
“História da Saúde Pública no Brasil”, Claudio Bertolli Filho, editora Ática, página 16.
9
Artigo Acadêmico “A história do Constitucionalismo Brasileiro sob a ótica do Direito à Saúde: Frustrações e
Conquistas” de Janaína Machado Sturza e Claudine Rodembusch Rocha, publicado pelo portal Publica Direito,
acesso em 13.05.2021, através do Link - http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=67e103b0761e6068
Ainda que o direito à saúde não tenha sido mencionado na Constituição de 1891,
o governo da Primeira República foi marcado pelas campanhas sanitaristas que visavam o
combate às grandes epidemias de febre amarela, peste bubônica, varíola entre outras doenças.
Contudo, no campo da assistência médica individual, a maior parte da população continuava a
depender dos atendimentos médicos realizados pelas Santas Casas de Misericórdia. É o que
observa Francisco de Assis Acurcio, em seu Artigo “Evolução Histórica das Políticas de
Saúde no Brasil”10, publicado pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Assim
vejamos:

“ Foram frequentes os protestos e greves neste período. No que se refere à situação


de saúde, as epidemias continuavam a matar a escassa população, diminuindo o
número de pessoas dispostas a vir para o Brasil. Por isso, o governo da época foi
obrigado a adotar algumas medidas para melhorar esta situação. Nesse período,
foram criados e implementados os serviços e programas de saúde pública em nível
nacional (central). À frente da diretoria Geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz, ex-
aluno e pesquisador do Instituto Pasteur, organizou e implementou
progressivamente, instituições públicas de higiene e saúde no Brasil. Em paralelo,
adotou o modelo das 'campanhas sanitárias', destinado a combater as epidemias
urbanas e, mais tarde, as endemias rurais. No campo da assistência médica
individual, as classes dominantes continuaram a ser atendidas pelos profissionais
legais da medicina, isto é, pelos 'médicos de família'. O restante da população
buscava atendimento filantrópico através de hospitais mantidos pela igreja e recorria
à medicina caseira” .

Observa-se, também, que o período de governo da Primeira República se


notabilizou por uma importante transformação do setor da industrial cafeeira e,
consequentemente, da classe trabalhadora assalariada, motivada pela abolição da escravidão
em 188811. O que favoreceu a expansão das atividades econômicas com o aumento da
população urbana, impulsionada pela chegada de imigrantes vindos de toda a Europa, tendo
em vista, a escassez de mão de obra qualificada.

Com a chegada dos imigrantes e a vinda de trabalhadores do campo para as


cidades, também em busca de trabalho, evidenciou-se uma necessidade de ampliação de ações
10
Artigo Acadêmico ”Evolução Histórica das Políticas de Saúde no Brasil”, de Francisco de Assis Acurcio,
publicado pela Universidade Federal de Minas Gerais, acesso em 17.05.2021, através do Link -
https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/0243.pdf
11
Lei 3.353, de Maio de 1888, popularmente conhecida como Lei Áurea, acesso em 14.05.2021, através do Link
- http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim3353.htm
governamentais preventivas voltadas para a área da saúde pública, principalmente ações
voltadas para os problemas de saneamento básico e ações públicas de higiene. Diante deste
problema, o Estado passou a promover ações de intervenção sanitária, em todo o território
nacional na tentativa de combater as epidemias que acometiam toda a população, em especial
os trabalhadores operários, em razão das péssimas condições de trabalho e de higiene, às
quais eram submetidos. É o que se observa a partir do Artigo Acadêmico: “ História das
Políticas de Saúde do Brasil” de Tatiana Wargas de Faria Baptista, organizado e publicado
pela Fundação Oswaldo Cruz, na Obra intitulada: “Políticas de Saúde: Organização e
operacionalização do Sistema Único de Saúde”12, . Assim Vejamos:

“ A lavoura do café e toda a base para armazenamento e exportação do produto,


dependentes do trabalho assalariado, necessitava cada vez mais de mão de obra, e as
epidemias que se alastravam entre os trabalhadores, devido às péssimas condições
de saneamento, prejudicavam o crescimento da economia. Começava a busca por
conhecimento e ações na área da saúde pública, com a criação, em 1897, da
Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), o incentivo às pesquisas nas faculdades
de medicina e no exterior (no Instituto Pasteur) e a criação de institutos específicos
de pesquisa, como o Instituto Soroterápico Federal, criado em 1900, renomeado
Instituto Oswaldo Cruz (IOC) um ano depois. A partir de 1902, com a entrada de
Rodrigues Alves na presidência da República, ocorreu um conjunto de mudanças
significativas na condução das políticas de saúde pública.
(...) As ações de saneamento e urbanização foram seguidas de ações específicas na
saúde, especialmente no combate a algumas doenças epidêmicas, como a febre
amarela, a peste bubônica e a varíola. A reforma na saúde foi implementada a partir
de 1903, sob a coordenação de Oswaldo Cruz, que assume a diretoria geral de saúde
pública. Em 1904, Oswaldo Cruz propõe um código sanitário que institui a
desinfecção, inclusive domiciliar, o arrasamento de edificações consideradas nocivas
à saúde pública, a notificação permanente dos casos de febre amarela, varíola e peste
bubônica e a atuação da polícia sanitária. Ele também implementa sua primeira
grande estratégia no combate às doenças: a campanha de vacinação obrigatória” .

Em paralelo, o país atravessava um momento delicado, enfrentando uma grande


instabilidade social, em razão da agressiva expansão econômica adotada por toda a indústria
cafeeira, mediante exploração da mão de obra das classes operárias, condicionadas a péssimas
condições de trabalho e sem qualquer previsão de garantias trabalhistas. Diante deste cenário,
12
Obra Acadêmica “ Políticas de Saúde: Organização e operacionalização do Sistema Único de Saúde ”,
organizado e publicado pela Fundação Oswaldo Cruz, acesso em 14.05.2021, através do Link -
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/26570/2/Livro%20EPSJV%20007739.pdf
preocupados com possíveis prejuízos econômicos em decorrência de greves e paralisações
gerais das classes operárias que ocorriam em todo o território nacional, os fazendeiros
produtores de café tomaram a iniciativa de manifestar apoio a uma parte das reivindicações
dos trabalhadores, pressionando a classe política para o atendimento das demandas
reivindicadas, em especial as demandas apresentadas pelos trabalhadores ferroviários,
referentes à assistência médica e aposentadoria. Tal perspectiva também foi objeto de análise
de Fabiano Fernandes Segura, em sua Tese de Defesa de Mestrado “A questão previdenciária
na Primeira República - A excepcionalidade da Lei Eloy Chaves” na Universidade Estadual
Paulista - UNESP, publicado pela UNESP em seu Diretório de Artigos Acadêmicos 13. Assim
vejamos:

“ É importante registrar que, entre outras categorias profissionais que


preponderaram na cadeia de produção do café, sobressaíam-se os ferroviários,
responsáveis pelo escoamento do produto, portanto vitais ao bom funcionamento da
economia cafeeira. Disso advinha o posicionamento dos fazendeiros do café na
década de 1920 que, alertados pelas greves gerais de fins da década de 1910,
passaram a assumir, ainda que de forma tímida e por meio de seus representantes
políticos, a defesa dos pleitos trabalhistas dos ferroviários como forma de se evitar
possível embaraço às atividades sob o seu monopólio. Um desses representantes é o
deputado paulista Eloy Chaves, que formula a lei de criação das CAPs (Caixas de
Aposentadorias e Pensões) aos ferroviários, para o amparo dos mesmos nas questões
de doença e morte”.

O apoio dos fazendeiros produtores de café surtiu efeito na classe política, em


especial na figura do então deputado federal Eloy Chaves, que apresentou proposta de lei
federal que objetivava a criação e regulamentação das “Caixas de Aposentadorias e Pensões”
dos trabalhadores ferroviários, lei popularmente conhecida como Lei Eloy Chaves14. As
Caixas de Aposentadorias e Pensões eram vinculadas às empresas e funcionavam como
fundos monetários de gestão privada, responsáveis pelo recolhimento e administração das
contribuições previdenciárias, bem como pelos pagamentos das pensões e aposentadorias dos
trabalhadores.
13
Decreto Legislativo de Nº 4.682, de 24 de Janeiro de 1923, responsável pela criação das Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAP’s), acesso em 19.05.2021, através do Link -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dpl/DPL4682-1923.htm
14
Artigo Acadêmico “A questão previdenciária na Primeira República - A excepcionalidade da Lei Eloy
Chaves”, de Fabiano Fernandes Segura, publicado pela UNESP em seu Diretório de Artigos Acadêmicos ,
acesso em 19.05.2021, através do Link -
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/150667/segura_ff_me_arafcl.pdf?sequence=6&isAllowed=y
Atualmente, a Lei Eloy Chaves é considerada um dos principais marcos na
história da Previdência Social do Brasil, institucionalizando o direito à pensões e
aposentadorias, aos socorros médicos para o tratamento de doenças e obtenção de
medicamentos por preços especiais, com cobertura para atendimento dos entes familiares e
amigos próximos, que dependessem de renda do operário. É o que se observa a partir do
Artigo Acadêmico: “ História das Políticas de Saúde do Brasil” de Tatiana Wargas de Faria
Baptista, organizado e publicado pela Fundação Oswaldo Cruz, na Obra intitulada: “Políticas
de Saúde: Organização e operacionalização do Sistema Único de Saúde”15,. Assim Vejamos:

“ As Caps eram organizadas por empresas e administradas e financiadas por


empresas e trabalhadores, em uma espécie de seguro social. Nem toda empresa
oferecia ao trabalhador a possibilidade de formação de uma Caixa - esse era um
benefício mais comum nas empresas de maior porte. O Estado em nada contribuía
financeiramente e muito menos tinha responsabilidade na administração dessas
Caixas - sua atuação restringia-se à legalização de uma organização, que já se vinha
dando de maneira informal desde a década de 1910, e ao controle a distância do
funcionamento dessas caixas, mediando possíveis conflitos de interesses. Os
benefícios que os segurados recebiam eram: socorros médicos (para o trabalhador e
toda a família, inclusive amigados), medicamentos, aposentadorias e pensões para os
herdeiros. Com as Caps, uma pequena parcela dos trabalhadores do país passava a
contar com uma aposentadoria, pensão e assistência à saúde. Assim, o direito à
assistência à saúde estava restrito, nesse período, à condição de segurado. Note-se
que apesar de o Estado não ter definido um sistema de proteção abrangente e de se
ter mantido à parte dessa forma de organização privada, restringindo-se a legalizá-la
e a controlá-la a distância, esse modelo serviu de base para a constituição de um
primeiro esboço de sistema de proteção social no Estado brasileiro, que se definiu a
partir dos anos 30 no contexto do governo de Getúlio Vargas”.
Verifica-se, portanto, a partir de um conjunto de ações do Estado, uma efetivação
de ações governamentais voltadas para a promoção do direito à saúde, tornando-o um direito
social fundamental, indispensável e de responsabilidade do Estado. Tais iniciativas podem ser
evidenciadas a partir da criação da Diretoria Nacional de Saúde Pública (DNSP) 16, órgão
precursor da nacionalização das políticas de saúde e saneamento no Brasil, dotado da
15
Obra Acadêmica “ Políticas de Saúde: Organização e operacionalização do Sistema Único de Saúde ”,
organizado e publicado pela Fundação Oswaldo Cruz, acesso em 14.05.2021, através do Link -
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/26570/2/Livro%20EPSJV%20007739.pdf
16
Decreto de Nº 3.987, de 2 de Janeiro de 1920 responsável pela criação do Departamento Nacional de Saúde
Publica, acesso em 14.05.2021, através do link - https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1920-1929/lei-3987-2-
janeiro-1920-570495-publicacaooriginal-93627-pl.html
incumbência de reorganizar as políticas de saúde em todo território nacional, da promulgação
da Lei Eloy Chaves e pela inclusão do direito à saúde e assistência médica na Constituição
da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.

Segunda República - Estado Novo e Redemocratização - Constituições de 1934 - 1937 -


1946.

A segunda Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil,


promulgada em 16 de Julho de 193417 foi utilizada pelo Estado para promover uma ampla
reforma política e administrativa no país. O Estado atravessava um período de crise
financeira, motivada pelo declínio do mercado de exportação do café, minando a forte
influência que os fazendeiros produtores de café exerciam na política brasileira, criando
condições propícias para uma insurreição política. O que de fato veio a ocorrer em 1930,
conforme se observa na obra acadêmica de Claudio Bertolli Filho, em seu livro “História da
Saúde Pública no Brasil”, página 30, publicado pela editora ática18. Assim vejamos:

“ Investido na Presidência da República pela Revolução de 1930, Getúlio Vargas


procurou de imediato livrar o Estado do controle político das oligarquias regionais.
Para atingir esse objetivo, promoveu uma ampla reforma política e administrativa,
afastando da administração pública os principais líderes da República Velha. O
presidente suspendeu a vigência da Constituição de 1891 e passou a governar por
decretos até 1934, quando o Congresso Constituinte aprovou a nova Constituição.
As dificuldades encontradas para governar democraticamente a nação levaram o
presidente Vargas a promover uma acirrada perseguição policial a seus opositores e
aos principais líderes sindicais do país, especialmente, a partir de 1937, quando foi
instituída a ditadura do Estado Novo. Durante todo o seu governo - que durou até
1945, Vargas buscou centralizar a máquina governamental e também bloquear as
reivindicações sociais. Para isso recorreu a medidas populistas, pelas quais o Estado
se apresentava como pai, como tutor da sociedade, provendo o que julgava ser
indispensável ao cidadão. As políticas sociais foram a arma utilizada pelo ditador
para justificar diante da sociedade o sistema autoritário, atenuado pela ‘bondade’ do
presidente”.

17
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, acesso em 25.05.2021, através do Link -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao34.htm
18
“História da Saúde Pública no Brasil”, Claudio Bertolli Filho, editora Ática, página 30.
Dentre as ações que promoveram a ampla reforma política e administrativa do
Estado na Era Vargas, destaca-se a disposição organizacional dos ministérios responsáveis
pelas ações voltadas à promoção e garantia da saúde pública. O Estado, através do Artigo 10
da Constituição de 1934, no conjunto de artigos do Título I que tratava da “Organização
Federal”, atribuiu competência concorrente à União e aos estados nos “cuidados de saúde e
de assistências públicas”, determinando o seguinte:

” Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados:


II - cuidar da saúde e assistência públicas; “.

Em paralelo, o Estado também instituiu, através do Artigo 121, §1º, alínea H da


Constituição de 1934, no Título IV, que tratava “Da Ordem Econômica e Social”, o direito à
assistência médica e sanitária aos trabalhadores e às gestantes, assegurando ainda, melhores
condições de trabalho e algumas garantias trabalhistas a serem regulamentadas pela legislação
do trabalho, determinando o seguinte:

Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do


trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e
os interesses econômicos do País.
h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta
descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e
instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e
do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de
acidentes de trabalho ou de morte;

Por fim, o Estado, através do Artigo 157, § 2º da Constituição de 1937, no Título


V, que tratava “Da Família da Educação e da Cultura”, especificamente, no Capítulo II “Da
Educação e Da Cultura” determinou a aplicação de recursos públicos para o subsídio de
assistência alimentar, médica e dentária à alunos necessitados, determinando o seguinte:

Art 157 - A União, os Estados e o Distrito Federal reservarão uma parte dos seus
patrimônios territoriais para a formação dos respectivos fundos de educação.
§ 2º - Parte dos mesmos fundos se aplicará em auxílios a alunos necessitados,
mediante fornecimento gratuito de material escolar, bolsas de estudo, assistência
alimentar, dentária e médica, e para vilegiaturas.
Diante desta nova organização institucional, estabeleceu-se uma dualidade de
gestão das ações governamentais voltadas para a área da saúde. Sendo, instituído no início da
década de 30, por meio do Decreto de Nº 19.402 de 14 de Novembro de 1930 19, o Ministério
da Educação e Saúde Pública. Coube, ao Ministério, gerir as ações preventivas de saúde
pública, com as atribuições de garantir as condições sanitárias básicas de saneamento e de
higienização e, verticalizar as ações governamentais para o combate das doenças endêmicas,
que ainda assolavam toda a população. Necessidades sociais indispensáveis para o avanço do
processo de industrialização, ao qual o país estava economicamente e estruturalmente
envolvido à época. É o que observa Gilberto Hochman, no Artigo Acadêmico “Reformas,
20,
instituições e políticas de saúde no Brasil (1930–1945)” publicado pela Universidade
Federal do Paraná – UFPR, em seu repositório de Artigos Acadêmicos.

“ Um campo desafiado por um quadro sanitário que, mesmo com avanços do poder
público e do conhecimento biomédico, continuava sendo dramático em 1930: a febre
amarela ainda ameaçava a capital e os portos litorâneos, a malária grassava pelo
interior do país, a hanseníase ganhava a atenção dos médicos e a tuberculose
continuava sendo o mais grave problema sanitário das cidades. (...) O marco mais
definitivo no processo de construção institucional da saúde pública enquanto política
estatal foi a gestão do Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde
Pública (1934-45), a mais longa permanência de um ministro nas pastas de educação
e saúde. Foi a reforma do Ministério que, proposta em 1935 e implementada por
Capanema a partir de janeiro de 1937, definiu rumos para a política de saúde
pública, reformulando e consolidando a estrutura administrativa e adequando-a aos
princípios básicos que haviam definido a política social do Estado Novo. Foi a partir
dessa reforma que o Ministério passou a se denominar Ministério da Educação e
Saúde (MES). A segunda grande reforma ocorreu em 1941 com a criação dos
Serviços Nacionais, que verticalizaram as campanhas de combate a doenças
específicas e às grandes endemias. Portanto, serão essas duas reformas
empreendidas por Capanema − uma mais geral da estrutura do MESP e outra mais
específica nas ações de saúde − que definirão e consolidarão a estrutura
administrativa e institucional da saúde pública, que permaneceu quase inalterada até
a criação do Ministério da Saúde em 1953, e de certo modo até o final dos anos 80” .

19
Decreto de Instituição do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, acesso em 27.05.2021,
através do Link - https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19402-14-novembro-1930-
515729-publicacaooriginal-1-pe.html
20
Artigo Acadêmico ” Reformas, instituições e políticas de saúde no Brasil (1930–1945)”, de Gustavo
Hochman, publicado pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, acesso em 27.05.2021, através do Link -
https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/2242/1874
A dualidade de gestão das ações governamentais voltadas para a área da saúde
também deve ser observada a partir das ações governamentais de saúde pública, exercidas
pelo Ministério do Trabalho Indústria e Comércio. Conforme expõe Claudio Bertolli Filho,
em seu livro “História da Saúde Pública no Brasil” 21. Assim vejamos:

“ A atuação do governo de Vargas no campo da saúde dos trabalhadores representou


um avanço em relação ao período anterior. Graças à nova legislação, que
possibilitava a assistência médica a muitos que antes eram completamente
desamparados, o presidente ganhou a estima popular, sendo chamado pelo povo de
‘pai dos pobres’ - mesmo que muitos brasileiros, no campo e na cidade,
continuassem sem garantias legais de acesso aos serviços de saúde. A Constituição
de 1934 incorporou algumas garantias ao operariado, tais como a assistência médica,
a licença remunerada à gestante trabalhadora e a jornada de trabalho de oito horas.
Nos anos ,seguintes, outros benefícios, como o salário mínimo, foram incluídos na
legislação trabalhista, culminando com o estabelecimento em 1943 da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT). Pela CLT, tornavam-se definitivamente obrigatórios o
pagamento do salário mínimo, a indenização aos acidentados, o tratamento médico
aos doentes, o pagamento de horas extras, as férias remuneradas, etc. a todos os
operários portadores de carteira de trabalho. Graças à política de saúde adotada por
Vargas, o atendimento aos operários enfermos e seus dependentes expandiu-se.
Começou a estruturar-se assim o setor previdenciário que, garantido por uma
legislação específica, foi ampliado no decorrer dos anos, tornando-se o principal
canal de assistência médica da população trabalhadora dos centros urbanos” .

O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi instituído através do Decreto


de Nº 19.433 de 26 de Novembro de 193022, sendo responsável pela gestão das ações de
saúde destinadas a assistência médica dos trabalhadores formais (registrados em carteira de
trabalho), por intermédio dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), criados a partir
das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), ampliando o acesso aos benefícios, garantias
e direitos assegurados pelas Caixas de Aposentadorias e Pensões, às demais classes operárias.
Pois, até então, as Caixas de Aposentadoria eram restritas aos grupos operários dos marítimos,
portuários e ferroviários. É o que observa Maria Rita Bertolozzi e Rosangela Maria Greco, no
Artigo Acadêmico “As políticas de saúde no Brasil: Reconstrução histórica e perspectivas

21
“História da Saúde Pública no Brasil”, Claudio Bertolli Filho, editora Ática, página 34.
22
Decreto que instituiu o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, acesso em 27.05.2021, através do Link-
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19433-26-novembro-1930-517354-
publicacaooriginal-1-pe.html
atuais” 23, publicado pela Universidade de São Paulo – USP, em seu repositório de Artigos
Acadêmicos. Assim vejamos:

“ O Estado Novo, marcadamente populista, absorveu os movimentos dos grupos e


respondeu às suas reivindicações através da criação do Ministério do Trabalho e dos
Institutos de Trabalhadores. Com isso, o Estado respondia às pressões concentrando
o poder decisório e concedendo medidas distensivas como as aposentadorias e
pensões. Nesse período delineou-se uma política nacional de saúde através da
criação de estruturas como o Ministério da Educação e Saúde. Vale dizer que o
caráter dessa política continuou sendo restrito, pois limitava-se, apenas, à cobertura
de certos segmentos de trabalhadores. No que toca aos programas de Saúde Pública,
eles voltavam-se para a criação de condições sanitárias mínimas que favoreciam a
infraestrutura necessária para suportar o contingente migratório. No entanto,
permaneciam via de regra, limitados pela opção política de gastos do Estado e pelo
dispendioso modelo sanitarista adotado (campanhista). A grande aceleração do ritmo
industrial com a expansão de investimentos que se seguiu, fez com que o Estado
respondesse às reivindicações da classe trabalhadora, através do estabelecimento do
salário mínimo, que se limitava aos gastos para a sobrevivência. Isso, ao lado da
intensa inflação da época, acentuou a piora das condições de vida, fenômeno que se
refletiu nas demandas por saúde e assistência médica. Os Institutos de Assistência
Previdenciária (IAPs) que, a princípio, não se dispunham a fornecer esse tipo de
cobertura, começaram a diferenciar-se em suas estruturas, prestando serviços no
âmbito da assistência médica. O crescimento das desigualdades sociais entre as
diversas categorias de trabalhadores, no que diz respeito à legislação, recursos
financeiros e condições de trabalho, refletia o perfil da estratificação social que
caracterizava a sociedade. A aceleração do crescimento industrial aumentava a
preocupação com a manutenção da força de trabalho em condições de produção,
bem como na sua reintegração rápida ao processo de produção. Para responder a
essas demandas, várias instituições de trabalho passaram a criar serviços de
atendimento ambulatorial, de caráter terapêutico e, alguns, em nível de reabilitação.”

Verifica-se, portanto, que a evolução do direito à saúde no período de vigência das


Constituições de 1394, 1937 e 1946 esteve diretamente esteve atrelada à evolução de todo o
setor previdenciário.

23
Artigo Acadêmico ”Evolução Histórica das Políticas de Saúde no Brasil”, de Maria Rita Bertolozzi e Rosangela
Maria Greco publicado pela Universidade de São Paulo - USP, acesso em 26.05.2021, através do Link -
https://repositorio.usp.br/directbitstream/7560503b-3b91-472c-9302-420c1aa56780/BERTOLOZZI%2C%20M
%20R%20doc%2085.pdf
Regime Militar - Constituição de 1967

O Regime Militar impôs ao país uma forma de governo ditatorial, implementando


uma série de mudanças sociais e políticas em todo o país. A Constituição da República
Federativa do Brasil24 esteve vigente entre o período de 1967 até 1988. Observa-se, que o
texto constitucional promoveu alterações estruturais em toda a administração pública,
proporcionou uma forte centralização do poder na figura do Presidente da República,
privilegiando a autonomia do Executivo em detrimento da autonomia dos poderes Legislativo
e Judiciário. No campo dos direitos da coletividade, o Regime Militar suprimiu direitos
sociais e direitos trabalhistas. Percepção compartilhada por Janaína Machado Sturza e
Claudine Rodembusch Rocha, em artigo publicado pela plataforma Publica Direito, “A
história do Constitucionalismo Brasileiro sob a ótica do Direito à Saúde: Frustrações e
Conquistas” 25. Assim Vejamos:

“ A Constituição de 1967 deu mais poderes à União e ao Presidente da República,


reformulou o sistema tributário nacional e a discriminação de rendas, ampliando a
técnica do federalismo cooperativo, reduziu a autonomia individual, permitindo
suspensão de direitos e de garantias constitucionais. Porém, mais uma vez, o direito
à saúde não avançou significativamente”.

No âmbito da área da saúde, o primeiro efeito do Regime Militar foi a redução de


verbas destinadas às políticas preventivas de saúde pública, sendo possível observar uma
estagnação no processo de evolução do direito à saúde no país. Conforme expõe Claudio
Bertolli Filho, em seu livro “História da Saúde Pública no Brasil” 26. Assim vejamos:

“ O primeiro efeito do golpe militar sobre o Ministério da Saúde foi a redução das
verbas destinadas à saúde pública. Aumentadas na primeira metade da década de 60,
tais verbas decresceram até o final da ditadura. Em nome da política de ‘segurança e
desenvolvimento' cresceu o orçamento dos ministérios militares, dos Transportes e
da Indústria e Comércio. O Ministério da Saúde, enquanto isso, teve de se restringir

24
Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 24 de Janeiro de 1967, acesso em 30.05.2021,
através do Link - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm
25
Artigo Acadêmico “A história do Constitucionalismo Brasileiro sob a ótica do Direito à Saúde: Frustrações e
Conquistas” de Janaína Machado Sturza e Claudine Rodembusch Rocha, publicado pelo portal Publica Direito,
acesso em 13.05.2021, através do Link - http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=67e103b0761e6068
26
“História da Saúde Pública no Brasil”, Claudio Bertolli Filho, editora Ática, páginas 51 e 52.
quase somente à elaboração de projetos e programas, delegando a outras pastas,
como as da Agricultura e da Educação, uma parte da execução das tarefas sanitárias.
Tal decisão não trouxe melhoria aos serviços de saúde. Apesar da pregação oficial
de que a saúde constituía um ‘fator de produtividade, de desenvolvimento e de
investimento econômico’ - parte valiosa, portanto, do patrimônio da nação -, o
Ministério da Saúde privilegiava a saúde como elemento individual e não como
fenômeno coletivo. E isso alterou profundamente sua linha de atuação. Uma parte do
pouco dinheiro destinado ao setor foi desviada para o pagamento dos serviços
prestados por hospitais particulares aos doentes pobres. O Ministério utilizou verbas
também em algumas campanhas de vacinação. Quase nada sobrava para investir nos
sistemas de distribuição de água tratada e de coleta de esgotos, elementos vitais para
a prevenção de muitas enfermidades. Embora o Ministério da Saúde retomasse o
compromisso de realizar programas de saúde e saneamento, conforme estabelecido
no II Plano Nacional de Desenvolvimento (TIPND), de 1975, isso não alterou
significativamente a situação de abandono em que se encontrava a saúde pública. O
resultado foi trágico, com o aumento de enfermidades como a dengue, a meningite e
a malária. E quando tais doenças se tornavam epidêmicas, as autoridades da ditadura
recorriam à censura impedindo que os meios de comunicação alertassem o povo
sobre a ameaça.”

Outra importante mudança imposta pelo Regime Militar no âmbito da área da


saúde foi a centralização dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), mediante a
criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), unificando todos os órgãos
previdenciários que funcionavam desde 1930. O controle do INPS ficou sob responsabilidade
do Ministério do Trabalho, que através do órgão promovia as ações de saúde de caráter
curativas, inerentes aos atendimentos médicos individualizados. A unificação dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs) resultou na perda de representatividade dos trabalhadores
que participavam diretamente da gestão dos antigos sistemas previdenciários, aumentando,
ainda mais o poder de regulação do Estado sobre a sociedade. Conforme se observa na
Reedição da obra “Projeto Multiplica SUS: curso básico sobre o SUS: (Re)descobrindo o
SUS que temos para construirmos o SUS que queremos 27” organizado pelo Ministério da
Saúde. Assim vejamos:

“ Com o golpe de 1964 e o discurso de racionalidade, eficácia e saneamento


financeiro, ocorre a fusão dos IAPs, com a criação do Instituto Nacional de

27
Reedição da obra “Projeto Multiplica SUS: curso básico sobre o SUS: (Re)descobrindo o SUS que temos para
construirmos o SUS que queremos” organizado pelo Ministério da Saúde, acesso em 31.05.2021, através do Link
- http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0374_M.pdf
Previdência Social - INPS. Este fato, ocorrido em 1966, marca também a perda de
representatividade dos trabalhadores na gestão do sistema. (...) A criação do INPS
insere-se na perspectiva modernizadora da máquina estatal, aumenta o poder de
regulação do Estado sobre a sociedade e representa uma tentativa de desmobilização
das forças políticas estimuladas em períodos populistas anteriores. O rompimento
com a política populista não significou alteração em relação à política
assistencialista anterior, ao contrário, o Estado amplia a cobertura da previdência aos
trabalhadores domésticos e aos trabalhadores rurais, além de absorver as pressões
por uma efetiva cobertura daqueles trabalhadores já beneficiados pela Lei Orgânica
da Previdência Social. Excetuando os trabalhadores do mercado informal de
trabalho, todos os demais eram cobertos pela Previdência Social. Em relação à
assistência médica, observa-se um movimento ainda mais expressivo de ampliação
de cobertura. Os gastos com assistência médica, que continuaram a crescer neste
período, chegam a representar mais de 30% dos gastos totais do INPS em 76. A
ênfase é dada à atenção individual, assistencialista e especializada, em detrimento
das medidas de saúde pública, de caráter preventivo e de interesse coletivo. Exemplo
do descaso com as ações coletivas e de prevenção é a diminuição do orçamento do
Ministério da Saúde, que chega a representar menos de 1,0% dos recursos da União.
Acontece uma progressiva eliminação da gestão tripartite das instituições
previdenciárias, até sua extinção em 70. Ao mesmo tempo, a ‘contribuição do
Estado’ se restringia aos custos com a estrutura administrativa. A criação do INPS
propiciou a implementação de uma política de saúde que levou ao desenvolvimento
do complexo médico-industrial, em especial nas áreas de medicamentos e
equipamentos médicos. Ao mesmo tempo, e em nome da racionalidade
administrativa, o INPS dá prioridade a contratação de serviços de terceiros, em
detrimento de serviços próprios, decisão que acompanha a postura do governo
federal como um todo”.

Em contrapartida, é possível observar a ampliação das ações direcionadas ao


assistencialismo individual, mediante a extensão da cobertura previdenciária aos
trabalhadores domésticos e rurais. Observa-se, inclusive, que as ações curativas de saúde
inerentes ao assistencialismo individual foram se tornando cada vez mais necessárias, diante
do abandono das políticas preventivas de saúde, que resultou no aumento de enfermidades
como a dengue, a meningite e a malária, além de outras doenças epidêmicas.

2. Constituição Cidadã - Constituição de 1988 e a Construção de um Sistema Único


de Saúde - SUS.
Por fim, em Novembro de 1985, as Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal promulgaram a Emenda Constitucional de Nº 26/8528, convocando Assembleia
Nacional Constituinte, para elaboração e aprovação de um novo texto constitucional.
Posteriormente, em 05 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição da República
Federativa do Brasil de 198829. A partir de então o direito a saúde foi positivado como um
direito universal, a ser garantido pelo Estado, elevando o seu status quo ao patamar de
princípio constitucional, objeto de uma seção constitucional destinada exclusivamente à sua
proteção, promoção e regulamentação. É o que se observa em análise ao texto originalmente
promulgado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em 05 de
Setembro de 198830 :

“ Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder
público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
Parágrafo único. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195,
com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

28
Emenda Constitucional de Nº 26 de 27 de Novembro de 1985, acesso em 31.05.2021, através do Link -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc26-85.htm
29
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, acesso em 31.05.2021, através do Link -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
30
Texto originalmente promulgado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em 05 de
Setembro de 1988. Acesso em 02.06.2021, através do Link -
https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_05.10.1988/CON1988.asp
§ 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema
único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou
convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
§ 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às
instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros
na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus
derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos
termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a
saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos,
hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de
saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento
básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor
nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e
utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”.

O Artigo 198 da Constituição de Federal de 1988 apresenta uma previsão


expressa para a criação de um Sistema Único de Saúde, com as atribuições e competências
sendo delimitadas pelo Artigo 200 da Constituição de Federal de 1988. Observa-se,
também, a permissão de exploração econômica dos serviços de assistência à saúde, concedida
à livre iniciativa privada, prevista pelo Artigo 199 da Constituição de Federal de 1988.

O direito à saúde e todas as suas garantias previstas pelos artigos que compõem
toda a Seção II, do Capítulo II, do Título VIII, foram regulamentados pela Lei 8.080 de 19 de
Setembro de 199031. O texto legal foi destinado à regulamentação das ações e serviços de

31
Lei 8.080 de 19 de Setembro de 1990. Acesso em 02.06.2021, através do Link -
saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas
naturais ou jurídicas de direito Público ou privado, em todo o território nacional.
Estabelecendo, ainda, os objetivos, as atribuições e as competências do Sistema Único de
Saúde, os seus princípios e suas diretrizes e a sua forma de gestão administrativa e
orçamentária.

Destaca-se, também, a Lei 8.042 de 28 de Dezembro de 1990 32, responsável pela


inserção da sociedade na gestão do Sistema Único de Saúde e pela regulamentação das
transferências intergovernamentais de recursos financeiros destinados à área da saúde, em
especial os recursos provenientes do Fundo Nacional de Saúde (FNS).

Entre princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde - SUS e suas diretrizes


destacam-se: I – No que se se refere aos Princípios: princípio da universalidade - que
garante o direito universal ao acesso do direito à saúde; o princípio da equidade - que garante
a necessidade de reconhecer igualmente o direito de cada indivíduo, considerando os critérios
de idade, condição de saúde entre outras necessidades específicas e pessoais; princípio da
integralidade - que garante ao indivíduo um atendimento de caráter curativo e preventivo,
tratando da saúde em sua totalidade; II – No que se refere às Diretrizes: hierarquização - que
garante um planejamento contínuo das ações preventivas e curativas de acordo com os níveis
de complexidade e necessidades de caráter individual e coletivo; participação popular - que
garante a democracia nos processos decisórios, a partir da participação da sociedade por meio
das instâncias colegiadas de Conselhos e Conferências de Saúde; descentralização - que
garante à distribuição de responsabilidades inerentes às ações de caráter preventivo e curativo
entre os três níveis de governo. É o que se observa a partir do Artigo Acadêmico: “História
das Políticas de Saúde no Brasil - Uma pequena revisão 33” de Marcus Vinicius Poligano,
publicado pela Secretaria Estadual de Saúde do Mato Grosso. Assim Vejamos:

“ Foram definidos como princípios doutrinários do SUS: UNIVERSALIDADE - o


acesso às ações e serviços deve ser garantido a todas as pessoas, independentemente
de sexo, raça, renda, ocupação, ou outras características sociais ou pessoais;

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
32
Lei 8.142 de 28 de Dezembro de 1990. Acesso em 02.06.2021, através do Link -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm
33
Artigo Acadêmico: “História das Políticas de Saúde no Brasil - Uma pequena revisão” de Marcus Vinicius
Poligano, publicado pela Secretaria Estadual de Saúde do Mato Grosso. Acesso em 04.06.2021, através do Link
http://www.saude.mt.gov.br/ces/arquivo/2165/livros
EQUIDADE - é um princípio de justiça social que garante a igualdade da assistência
à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie .A rede de serviços
deve estar tenta às necessidades reais da população a ser atendida;
INTEGRALIDADE - significa considerar a pessoa como um todo, devendo as ações
de saúde procurar atender à todas as suas necessidades. Destes derivaram alguns
princípios organizativos: HIERARQUIZAÇÃO - Entendida como um conjunto
articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
referência e contra referência; PARTICIPAÇÃO POPULAR - ou seja a
democratização dos processos decisórios consolidado na participação dos usuários
dos serviços de saúde no chamados Conselhos Municipais de Saúde;
DESENCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA ADMINISTRATIVA - consolidada com a
municipalização das ações de saúde, tornando o município gestor administrativo e
financeiro do SUS;” .

As transformações estruturais e sociais inerentes ao direito à saúde, advindas a


partir da vigência do texto constitucional, possibilitaram o início de uma nova estruturação do
sistema de saúde brasileiro, mediante articulação de novas políticas econômicas e sociais -
voltadas para a área da saúde, desvinculando o direito à saúde do domínio previdenciário,
efetivando-o como direito fundamental do indivíduo. O que representa um avanço social
extraordinário, reconhecido internacionalmente como referência em termos de política de
saúde pública. Concepção compartilhada por Arthur Chioro e Alfredo Scaff, no artigo “A
implantação do sistema único de saúde 34”, publicado pela Escola de Saúde Pública do Paraná.
Assim vejamos:

“ O texto construído pela Assembleia Nacional Constituinte resultou dos


acordos possíveis dentro do Congresso Nacional, entre diferentes atores. O
texto da saúde foi defendido por um grupo de parlamentares apoiados pelo
movimento da Reforma Sanitária. A Constituição de 1988 incorpora
conceitos, princípios e uma nova lógica de organização da saúde da reforma
sanitária, expressos nos artigos de 196 a 200: A - o conceito de saúde
entendido numa perspectiva de articulação de políticas econômicas e sociais;
B - a saúde como direito social universal derivado do exercício da cidadania
plena e não mais como direito previdenciário; C - a caracterização dos
serviços e ações de saúde como de relevância pública; D - a criação de um
34
Artigo “A implantação do sistema único de saúde”, produzido por Arthur Chioro e Alfredo Scaff, publicado
pela Escola de Saúde Pública do Paraná. Acesso em 02.06.2021, através do Link -
http://www.escoladesaude.pr.gov.br/arquivos/File/Material3_ChioroA.pdf
Sistema Único de Saúde (descentralizado, com comando único em cada
esfera de governo, atendimento integral e participação da comunidade); E -
a integração da saúde a Seguridade Social. Esse texto representa um avanço
considerável, sendo reconhecido internacionalmente como uma referência
em termos de política de saúde e base jurídico-constitucional” .

Partindo deste pressuposto, é possível afirmar que o Sistema Único de Saúde -


SUS é formado por diversas instituições federais, estaduais e municipais de saúde, em
conjunto com a sociedade e a iniciativa privada. Concepção compartilhada por Arthur Chioro
e Alfredo Scaff, no artigo “A implantação do sistema único de saúde 35”, publicado pela Escola
de Saúde Pública do Paraná. Assim vejamos:

“ Conforme definido pelo artigo 4º da Lei Federal 8.080/90, o Sistema Único de


Saúde "é o conjunto de ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições
Públicas Federais, Estaduais e Municipais, da Administração Direta e Indireta e das
Fundações mantidas pelo Poder Público." e, complementarmente, "...pela iniciativa
privada." O SUS é uma nova formulação política e organizacional para o
reordenamento do serviços e ações de saúde estabelecida pela Constituição de 1988
e posteriormente às leis que a regulamentam. (...) O SUS há que ser entendido em
seus objetivos finais (dar assistência à população baseada no modelo da promoção,
proteção e recuperação da saúde) para que assim, busquemos os meios (processos,
estruturas e métodos) capazes de alcançar tais objetivos com eficiência e eficácia e,
torna-lo efetivo em nosso país. Estes meios, orientados pelos princípios
organizativos da descentralização, regionalização, hierarquização, resolutividade
(resolubilidade), participação social e complementaridade do setor privado, 21
devem se constituir em objetivos estratégicos que deem concretude ao modelo de
atenção à saúde desejado para o Sistema Único de Saúde. (...) Assim, o SUS não é
um serviço ou uma instituição, mas um Sistema que significa um conjunto de
unidades, de serviços e ações que interagem para um fim comum. Esses elementos
integrantes do sistema referem-se, ao mesmo tempo, às atividades de promoção,
proteção e recuperação da saúde ” .

Isto posto, se faz evidente e de maneira inequívoca, que a concepção do Sistema


Único de Saúde - SUS teve por objetivo proporcionar um sistema de saúde que se fizesse

35
Artigo “A implantação do sistema único de saúde”, produzido por Arthur Chioro e Alfredo Scaff, publicado
pela Escola de Saúde Pública do Paraná. Acesso em 03.06.2021, através do Link -
http://www.escoladesaude.pr.gov.br/arquivos/File/Material3_ChioroA.pdf
verdadeiramente comprometido em garantir o bem estar social através de suas políticas
públicas.

A Saúde Suplementar e o Sistema Único de Saúde - SUS

Conforme já mencionado, a Seção II, do Capítulo II, do Título VII,I responsável


por instituir e delimitar o direito à saúde no texto constitucional, também, estabelece
permissão de exploração dos serviços de assistência à saúde, em favor da livre iniciativa
privada, conforme previsão expressa e positivada pelo Artigo 198 da Constituição de
Federal de 1988.

A saúde suplementar brasileira tem o seu desenvolvimento diretamente atrelado


ao crescimento econômico do país e ao progresso do trabalho formal. Sendo possível observar
certa similaridade entre a atuação das operadoras de planos assistenciais de saúde e as Caixas
de Aposentadorias e Pensões (CAPs), que funcionavam como fundos geridos e financiados
em conjunto - pelas empresas e seus trabalhadores assalariados e também tinham por
atribuição o serviço de cobertura de assistência médica hospitalar aos trabalhadores e seus
dependentes. É o que descreve o histórico da Agência Nacional de Saúde Suplementar -
ANS36, publicado em seu portal oficial. Assim vejamos:

“ A saúde suplementar passou a conviver com o sistema público, consolidado pelo


Sistema Único de Saúde (SUS), nascido a partir da Constituição Federal de 1988.
Com o SUS, a saúde foi legitimada como um direito da cidadania, assumindo status
de bem público. O ano de 1923 é tido como o marco do início da Previdência Social
no Brasil. A Lei Eloy Chaves, promulgada naquele ano, criava: ‘(…) em cada uma
das estradas de ferro existentes no país, uma Caixa de Aposentadorias e Pensões
para os respectivos empregados.’ Estas caixas funcionavam como fundos geridos e
financiados por patrões e empregados que, além de garantirem aposentadorias e
pensões – como destacado em suas denominações – também financiavam serviços
médico-hospitalares aos trabalhadores e seus dependentes. Embora este marco
histórico não seja comumente apontado como a origem dos planos de saúde no
Brasil, é difícil não notar a similaridade das antigas caixas com as atuais operadoras
da modalidade autogestão. De fato, em 1944, o Banco do Brasil constitui sua caixa

36
Portal da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, acesso em 04.06.2021, através do Link -
http://www.ans.gov.br/aans/quem-somos/historico
de aposentadoria e pensão - Cassi, que é o mais antigo plano de saúde no Brasil
ainda em operação” .

O mercado das empresas operadoras de planos de saúde passou a ser


regulamentado décadas depois, somente a partir da vigência da Lei Federal de Nº 9.656 de
03 de Junho de 199837, que estabeleceu parâmetros e diretrizes a serem observados e
cumprido pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde no Brasil.

Posteriormente, mediante a Lei Federal de Nº 9.961 de 28 de Janeiro de 2000 38


foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, instituída como autarquia
federal responsável pela fiscalização, regulação, normatização e controle das atividades que
garantem a assistência suplementar de saúde, incumbida em promover a defesa do interesse
público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive
quanto às suas relações com prestadores de serviços e consumidores, contribuindo para o
desenvolvimento das ações de saúde no país.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, tem competência para atuar


em todo o território nacional, assegurando aos beneficiários dos planos de saúde as garantias e
direitos previstos em suas Instruções Normativas e Portarias, que incluem demandas
referentes à cobertura de procedimentos médicos, reajuste de mensalidade, tempo de carência
para a realização de determinados procedimentos médicos, entre outras atribuições aplicáveis
à relação de consumo existente entre as operadoras de plano de saúde e seus beneficiários.
Direitos e garantias que somente se faziam disponíveis quando eram expressamente
registrados nos contratos de cobertura assistencial de saúde. Sendo possível atribuir à atuação
da agência reguladora a garantia de proteção contra possíveis práticas abusivas por parte das
operadoras de planos de saúde.

Destaca-se, ainda, a competência da Agência Nacional de Saúde Suplementar -


ANS para estabelecer os parâmetros e requisitos a serem observados para a autorização de
funcionamento das operadoras de planos de saúde, para definir garantias financeiras para o

37
Lei Federal 9.656 de 03 de Junho de 1998. Acesso em 04.06.2021, através do Link -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9656.htm
38
Lei Federal 9.961 de 28 de Janeiro de 2000. Acesso em 04.06.2021, através do Link –
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9961.htm
equilíbrio econômico e funcional do mercado de saúde suplementar - promovendo uma gestão
racional e austera de recursos financeiros, tornando o mercado mais solvente. A agência
reguladora também estabelece possíveis condutas infrativas a serem evitadas pelas operadoras
de planos de saúde, aplicando penalidades nas hipóteses de descumprimento de cláusulas
contratuais e regulamentos internos do setor de saúde suplementar.

Conclusão

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