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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E SAÚDE

UNIDADE ACADÊMICA DE PSICOLOGIA

HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

Discente: Jociane da Silva Bezerra

Holocausto brasileiro

Em 1903, na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, foi inaugurado o Hospital


Colonial de Barbacena. A princípio, essa instituição se tratava de um hospital psiquiátrico em
que as famílias de pessoas com transtornos mentais buscavam tratamento para seus
parentes.

Com o passar do tempo, o Hospital Colonial de Barbacena foi ganhando notoriedade


e prestígio no que tange o cuidado e o tratamento da saúde mental da população.
Entretanto, a sociedade brasileira, historicamente constituída sob a óptica dos estigmas e
pautada pela cultura de privilégios, tratava como “doente mental” todos aqueles que eram
diferentes do padrão cultural instituído. Sendo assim, o Hospital Colonial de Barbacena
passou a não só receber pessoas que realmente necessitavam de tratamentos psiquiátricos,
mas também servia de “destino” para todos aqueles que eram julgados “doentes” pela
sociedade, como gays, moradores de rua, negros, dentre outros grupos sociais subjugados.

Além das condições ínfimas de vida no hospital, dada a superlotação, haja vista que
passou-se a receber muito mais “pacientes” do que o suportado, esses pseudopacientes
eram submetidos a inúmeros tipos de “tratamentos” psiquiátricos, mesmo que 70% dos que
ali estavam não fossem transtornados mentalmente. Esses “tratamentos” nada mais eram do
que formas de torturas, haja vista que os “pacientes” eram sujeitos a várias situações
desumanas, como banhos ferventes, exposição ao frio, tratamento de choque, privação de
alimentação. Estima-se que, entre os anos de 1930 e 1980, cerca de 60 mil pessoas foram
mortas devido às condições vivenciadas no Hospital Colonial de Barbacena.

Nesse contexto, o período da história em que tais atrocidades aconteceram no Brasil


foi intitulado como Holocausto Brasileiro. Tal qual o holocausto executado pela sociedade
nazista ao longo da Segunda Guerra Mundial, o holocausto brasileiro também funcionou
como uma ferramenta para a “higienização” da sociedade, haja vista que aqueles que não
faziam parte dos padrões socialmente imposto eram isolados, excluídos, invisibilizados,
violentados, torturados e muitas vezes mortos dentro do Hospital Colonial, que funcionou
como um campo de concentração para a “exterminação” daqueles considerados “doentes”
perante a sociedade.

Embora tais atrocidades fossem divulgadas por jornais e meios de comunicação da


época, o Estado brasileiro em nada contribuia para que esse cenário desumano fosse
resolvido, “fechando os olhos”, durante décadas, para as torturas e violências que
aconteceram dentro do Hospital Colonial de Barbacena. Essa negligência estatal se deu
pelo fato de que o Estado brasileiro era, e é até hoje, subordinado aos desejos e ditames
das elites privilegiadas e “padrões” do país que, desde as bases da construção da
identidade nacional, buscou subjugar e excluir grupos fragilizados, vulneráveis e vistos como
um “peso” para o funcionamento social adequado para as elites.

Foi nesse cenário inumano que aconteceram inúmeras denúncias de graves


negligências às leis dos direitos humanos no Hospital Psiquiátrico de Barbacena e, a partir
da década de 1980, começou uma reviravolta no modelo brasileiro de assistência
psiquiátrica, fruto do Movimento da Luta Antimanicomial, que foi composto por profissionais
de saúde mental, usuários do sistema psiquiátrico e seus familiares.

Esse Movimento de Luta Antimanicomial e a busca pela reforma nas bases da


psiquiatria no Brasil culminam, em 2001, com a instituição da Lei nº 10.216/01, que defende
o tratamento psiquiátrico em meio comunitário, os direitos humanos e a
desinstitucionalização da loucura. Dessa maneira, a fim de substituir os hospitais
psiquiátricos, cria-se os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e a Rede de Atenção
Psicossocial (Raps), instituída pela Portaria nº 3.088/11.

Entretanto, não basta apenas que haja uma mudança institucional e de bases
jurídicas para que o Movimento de Luta Antimanicomial siga constante e atrocidades como o
holocausto ocorrido no Hospital Psiquiátrico de Barbacena não voltem a acontecer. É
necessário analisar que a sociedade brasileira ainda segue sendo moldada conforme os
interesses dos grupos socialmente dominantes, que ainda buscam esconder excluir da
sociedade comunidades e indivíduos "inconvenientes" para o sistema. Sendo assim, mesmo
com a reforma nas instituições e serviços de atenção à saúde mental no Brasil, a “nova
psiquiatria” ainda busca, mesmo que por vias diferentes, retornar às bases do modelo
manicomial, se opondo, muitas vezes, à política de redução de danos instituída pelo Sistema
Único de Saúde.Portanto, faz-se necessária uma mudança nas bases ideológicas do
sistema de saúde brasileiro, sobretudo no que tange à visão da saúde mental e a identidade
do indivíduo tido como paciente psiquiátrico.
Referências

HOLOCAUSTO BRASILEIRO | Conheça a história do maior hospício do Brasil.


Produção: Bel Rodrigues. [S. l.]: You Tube, 2018. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=9Xg8XXvqRyU. Acesso em: 7 dez. 2022.

MEDRADO, Ana Carolina Cerqueira; SOUZA, Rodrigo Matos de. Dos corpos como objeto:
uma leitura pós-colonial do ‘Holocausto Brasileiro’. Saúde em Debate, v. 45, ed. 128, p.
164-177, jan-mar. 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0103-1104202112813.
Acesso em: 9 dez. 2022.

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