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A Evolução do Direito à Saúde no Brasil.

Análise do direito à saúde sob o prisma das constituições brasileiras:


Constituição de 1824 até a Constituição de 1988.

Filipi de Souza Alves1

Sumário

1. Resumo
2. Abstract
3. Introdução
4. Evolução histórica do direito à saúde no Brasil.
4.1. Brasil Império - Constituição de 1824
4.2. Brasil República - Constituição de 1891
4.3. Segunda República - Estado Novo e Redemocratização
Constituições de 1934 - 1937 e 1946
4.4. Regime Militar - Constituição de 1967
5. Constituição Cidadã - Constituição de 1988
5.1. Inspiração e criação Sistema Único de Saúde - SUS
5.2. Gestão e funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS
5.3. Judicialização do Direito de Saúde
5.4. Criação, Gestão e Funcionamento da Agência Nacional de Saúde
Suplementar - ANS
6. Conclusão

1
Graduando do Curso de Bacharel em Direito da UNIGRANRIO, orientado pelo Prof. Ivano Hermann
Scheidt de Menezes Reis
1. Resumo
A proposta do capítulo será encontrar a perspectiva do tema do direito à saúde
como um “direito constitucional”, observando todo o contexto histórico, social e
contemporâneo vigente à época, ao longo do processo de desenvolvimento e
progressão dos textos constitucionais brasileiros. Diante desta proposta, será
possível constatar, ao final do presente estudo, que a análise da evolução do direito
constitucional à saúde não é uma tarefa tão simples de ser realizada
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2. Abstract
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3. Introdução

O presente Trabalho de Conclusão de Curso tem por finalidade apresentar


dissertação expositiva sobre a evolução histórica do direito à saúde, evidenciando a
participação do Estado na idealização deste bem jurídico social, até sua concepção
atual de direito fundamental do ser humano, a ser garantido pelo Estado, em todo
território nacional. Inicialmente, será apresentada uma análise cronológica dos
aspectos relevantes do direito à saúde nos textos constitucionais, objetivando a
demonstração das diferentes perspectivas do conceito de direito à saúde, adotadas
pelo Estado ao longo dos anos, tendo como ponto de partida a Constituição de
1824. Será possível constatar que a condução do presente trabalho será
direcionada, especificamente, para a atuação do Estado na garantia do efetivo
cumprimento das políticas constitucionais de saúde, considerando a
contemporaneidade do texto constitucional vigente à época, em cada período a ser
observado. O presente trabalho também se submeterá a realizar uma análise
subjetiva da atuação do Estado, na regulação do setor privado das operadoras de
planos de saúde.
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4. Evolução Histórica do Direito à Saúde no Brasil.
4.1 Brasil Império - Constituição de 1824.

Analisando o contexto histórico ao qual o Brasil estava inserido em


meados do Século XIX, época em que o Estado Colônia se estruturava em Estado
Novo, após a vinda da Família Real para o Brasil, é possível observar a concepção
de uma ideia de garantia constitucional atrelada à área da saúde pública, com a
previsão da garantia aos “socorros públicos”, positivado no primeiro texto
constitucional brasileiro, dispositivado no “Título 8º, das Disposições Gerais e
Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros”, através do Artigo
179, XXXI da Carta de Lei de Março 18242.

Apesar do texto legal não apresentar qualquer definição específica sobre


o conceito literal de “socorros públicos”, observa-se, a partir de algumas ações
pontuais adotadas durante o governo imperial, que o termo “soccoros públicos” faz
referência às atividades de assistência médica e de amparo social. Constatação
também observada e compartilhada por Simone Elias de Souza, em seu Artigo
Acadêmico “Os Socorros Públicos” no Império do Brasil (1822-1834)”, publicado pela
Universidade Estadual Paulista – UNESP em seu Repositório de Artigos
Acadêmicos3. Assim Vejamos:

“ A necessidade de ajuda aos recém-chegados, sem moradia e vínculos


familiares, ou de internação dos pacientes destituídos de recursos
acarretou, desde já, a criação de hospitais ou Santas Casas de Misericórdia
com hospedarias anexas, cujas fundações aproximadamente coincidiram
com o estabelecimento das primeiras vilas. A primeira Santa Casa de
Misericórdia criada no Brasil data de 1543, fundada em Santos para
socorrer marinheiros doentes que aportavam depois da difícil travessia do
Atlântico. Organizadas segundo os moldes de Lisboa, as Santas Casas de
Misericórdia foram transplantadas pela gente comum vinda de Portugal que
trazia consigo as estruturas deixadas no além-mar, estimuladas pela

2
A garantia aos Socorros Públicos foi prevista pelo Artigo 179, XXXI da Constituição Política do
Império do Brasil, acesso em 03.05.2021, através do link -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm
3
Artigo Acadêmico “Os ‘Socorros Públicos’ no Império do Brasil (1822-1834)” de Simone Elias de
Souza, publicado pela UNESP, acesso em 12.05.2021, através do Link -
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/93420/souza_se_me_assis.pdf?s
especial recomendação da Coroa e pela política metropolitana de
acentuação do absolutismo e centralização do poder. Nessa época a
hospitalização buscava tão somente o fim caritativo de acolhimento dos
infelizes, sendo o “curar os enfermos” mais uma de suas obras. Durante o
período colonial, principalmente após a expulsão dos jesuítas das terras
brasileiras pela política pombalina em 1757, a assistência nas áreas
urbanas ficou praticamente restrita a essa instituição, chegando ao ponto de
até meados do século XVII quase todas as capitanias possuírem ao menos
uma Santa Casa de Misericórdia, algumas muito simples oferecendo
pouquíssimos serviços, obrigadas a fechar as suas portas nos períodos de
carência. Nessa época eram grandes os vínculos entre os hospitais e a
ação caritativa, mantidas por esmolas e doações, em luta perene contra a
falta de recursos, acolhendo aqueles que não tinham condições de realizar
seu tratamento em casa. Essa relação entre o atendimento hospitalar e a
caridade se mantém do período colonial para o imperial e esteve ligada à
sua tradição religiosa de forte influência do catolicismo, somada ao tom
paternalista dado pela sociedade escravista. A intimidade da medicina com
a assistência aos miseráveis, associando ao hospital seu sentido primitivo
de albergaria para os materialmente degradados, ou seja, sua função de
hospital/asilo, só será dissociada no início do Sec. XX, com a redefinição de
seu perfil institucional e especificação de suas atribuições terapêuticas” .

Ainda que o Estado não participasse de forma explícita na área da saúde


pública, mediante o direcionamento de políticas específicas, como ações de
promoção, prevenção e assistência à saúde – per exemplo, há de se observar a
participação do Estado mediante a imposição legal de uma garantia constitucional
de “socorros públicos”, em referência às atividades de assistência médica e de
amparo social, realizadas pelas Santas Casas de Misericórdia. Sendo possível
observar que as Santas Casas de Misericórdia desempenhavam funções públicas
inerentes aos Estado, a partir da prestação de serviços de assistência médica e de
assistência social.

Conforme se observa, não havia, à época, nenhuma previsão de


destinação orçamentária destinada, exclusivamente, ao desenvolvimento políticas
voltadas para o avanço das práticas de assistência médica e de amparo social no
Brasil. Sendo possível perceber, a partir de ações pontuais do Império, o início de
uma preocupação em garantir a subsistência das Santas Casas de Misericórdia,
mediante a destinação de recursos pontuais. É o que observa Simone Elias de
Souza, em seu Artigo “Os socorros público no Império do Brasil 1822 a 1834”4,
publicado pela Universidade Estadual Paulista - UNESP. Assim vejamos

“ As pesquisas referentes a essa matéria no Brasil são encontradas em


número reduzido. Concentram-se no tema das Santas Casas de
Misericórdia justamente pela influência dessa instituição na prática da
assistência e o desempenho de um papel semi-burocrático na vida pública,
realizando funções hoje vistas como responsabilidades do Estado. (...) Falta
à historiografia brasileira um elo entre os estudos da política do Estado de
controle social da repressão à vadiagem e os da prática assistencial por
irmandades leigas com fins caritativos. Do tradicional incentivo a um
assistencialismo de conteúdo paternalista, informal e de cunho religioso, há
uma progressiva preocupação com a centralização dessas casas de
caridade e o controle por parte do Estado, fazendo das Misericórdias
instituições a seu serviço. (...) Entre as medidas do Estado aqui estudadas
foram encontradas quase anualmente concessões de loterias para as
Misericórdias de diferentes vilas e cidades. Em todas as concessões vem
anexo o plano de sua extração, constando o número de bilhetes, o valor de
cada prêmio, que poderiam ser constituídos por dinheiro, bens imóveis,
escravos, móveis e objetos de decoração, e em alguns casos como
deveriam ser aplicados. Com seu valor, a quantidade e o tempo de duração
variável, foram beneficiadas entre os anos de 1822 e 1834 as Santas Casas
da Vila de São João Del Rei, da Imperial cidade de Ouro Preto, de Porto
Alegre, a de São Cristóvão - capital da Província de Sergipe, e outra
anteriormente concedida à da Misericórdia da Corte é ampliada ”.

Destaca-se, por exemplo, a destinação de receitas provenientes da


cobrança de taxas aplicáveis às embarcações que realizassem transações
comerciais alfandegárias à época, conforme se verifica em análise ao Artigo 632 e
635 da Consolidação das leis das Alfandegas e Mesas de Rendas do Império de
18855, que determinava a taxação sobre o quantitativo da tripulação das

4
Artigo Acadêmico “Os ‘Socorros Públicos’ no Império do Brasil (1822-1834)” de Simone Elias de
Souza, publicado pela UNESP, acesso em 12.05.2021, através do Link -
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/93420/souza_se_me_assis.pdf?s
5
Art. 632 da Consolidação das leis das Alfandegas e Mesas de Rendas do Império, vigente no Ano
de 1885 - acesso em 03.05.2021, através do link
https://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/18661/colleccao_leis_1885_parte3.pdf?
sequence=3
embarcações e sobre o quantitativo de bebidas alcoólicas despachadas pelas
embarcações. Destaca-se, também, o Decreto do Governo do Império do Brasil de
Nº 3.382 de 20 de Outubro de 1888 6 que promoveu considerável redução da carga
tributária sobre bens imóveis que constituíam o patrimônio dos Hospitais ligados à
entidades religiosas e das Santas Casas de Misericórdia.

4. Evolução Histórica do Direito à Saúde no Brasil.


4.2 Brasil República - Constituição de 1891.

O advento da Proclamação da República, em 1889, marca o início de um


novo processo de reestruturação do Estado, promovendo uma nova forma de
governo, com significativas mudanças no sistema político, econômico e social do
país, sendo promulgada a Constituição da República dos Estados Unidos do
Brasil de 18917. Conforme se observa na obra acadêmica de Claudio Bertolli Filho,
em seu livro “História da Saúde Pública no Brasil” 8.

“ Durante a República Velha (1889-1930) o país foi governado pelas


oligarquias dos estados mais ricos, especialmente São Paulo, Rio de
Janeiro e Minas Gerais. A cafeicultura era o principal setor da economia,
dando aos fazendeiros paulistas grande poder de decisão na administração
federal. Os lucros produzidos pelo café foram parcialmente aplicados nas
cidades. Isso favoreceu a industrialização, a expansão das atividades
comerciais e o aumento acelerado da população urbana, engrossada pela
chegada dos imigrantes desde o final do século XIX. De seu lado, a
República tratou de reformar as principais cidades e os grandes portos,
buscando modernizá-los e facilitar o fluxo de homens e mercadorias,
necessários à desejada ‘ordem e progresso’. Nesse sentido, as oligarquias
da República Velha buscaram apoio na ciência da higiene para examinar
detidamente o ambiente físico e social das populações urbanas. Tratava-se,

6
Decreto do Governo do Império do Brasil de Nº 3382 de 20 de Outubro de 1888 - acesso em
03.05.2021, através do link
https://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/18664/colleccao_leis_1888_parte1.pdf?
sequence=1

7
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 - acesso em 12.05.2021, através
do link - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm
8
“História da Saúde Pública no Brasil”, Claudio Bertolli Filho, editora Ática, página 16.
na verdade, de definir estratégias para melhorar as condições sanitárias das
áreas vitais para a economia nacional - as cidades e os portos.”

Contudo, mediante análise textual, é possível observar que o novo texto


constitucional não apresenta relevância no processo de evolução do direito à saúde.
Percepção compartilhada por Janaína Machado Sturza e Claudine Rodembusch
Rocha, em artigo publicado pela plataforma Publica Direito, “A história do
Constitucionalismo Brasileiro sob a ótica do Direito à Saúde: Frustrações e
Conquistas” 9. Assim Vejamos:

Já em 1891, mais precisamente na data de 24.02.1891, foi promulgada a


Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, a qual estabeleceu
que a Nação Brasileira adotasse como forma de governo a República
Federativa. A sociedade continuava em processo de estruturação e a saúde
ainda era uma questão “celestial”, sendo tais fatos agravantes do
retardamento em relação à Constituição anterior. Todavia, esta constituição
representou grandes transformações com o surgimento da federação e da
república, além do incremento dos poderes regionais ou locais,
caracterizados pela política dos governadores e do coronelismo regionais,
sem, contudo, delimitar à saúde a sua verdadeira relevância” .

Ainda que o direito à saúde não tenha sido mencionado na Constituição


de 1891, o governo da Primeira República foi marcado pelas campanhas sanitaristas
que visavam o combate às grandes epidemias de febre amarela, peste bubônica,
varíola entre outras doenças. Contudo, no campo da assistência médica individual, a
maior parte da população continuava a depender dos atendimentos médicos
realizados pelas Santas Casas de Misericórdia. É o que observa Francisco de Assis
Acurcio, em seu Artigo “Evolução Histórica das Políticas de Saúde no Brasil”10,
publicado pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Assim vejamos:

“ Foram frequentes os protestos e greves neste período. No que se refere à


situação de saúde, as epidemias continuavam a matar a escassa
9
Artigo Acadêmico “A história do Constitucionalismo Brasileiro sob a ótica do Direito à Saúde:
Frustrações e Conquistas” de Janaína Machado Sturza e Claudine Rodembusch Rocha, publicado
pelo portal Publica Direito, acesso em 13.05.2021, através do Link -
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=67e103b0761e6068
10
Artigo Acadêmico ”Evolução Histórica das Políticas de Saúde no Brasil”, de Francisco de Assis
Acurcio, publicado pela Universidade Federal de Minas Gerais, acesso em 17.05.2021, através do
Link - https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/0243.pdf
população, diminuindo o número de pessoas dispostas a vir para o Brasil.
Por isso, o governo da época foi obrigado a adotar algumas medidas para
melhorar esta situação. Nesse período, foram criados e implementados os
serviços e programas de saúde pública em nível nacional (central). À frente
da diretoria Geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz, ex-aluno e pesquisador
do Instituto Pasteur, organizou e implementou progressivamente,
instituições públicas de higiene e saúde no Brasil. Em paralelo, adotou o
modelo das 'campanhas sanitárias', destinado a combater as epidemias
urbanas e, mais tarde, as endemias rurais. No campo da assistência médica
individual, as classes dominantes continuaram a ser atendidas pelos
profissionais legais da medicina, isto é, pelos 'médicos de família'. O
restante da população buscava atendimento filantrópico através de hospitais
mantidos pela igreja e recorria à medicina caseira” .

Observa-se, também, que o período de governo da Primeira República se


notabilizou por uma importante transformação do setor da industrial cafeeira e,
consequentemente, da classe trabalhadora assalariada, motivada pela abolição da
escravidão em 188811. O que favoreceu a expansão das atividades econômicas com
o aumento da população urbana, impulsionada pela chegada de imigrantes vindos
de toda a Europa, tendo em vista, a escassez de mão de obra qualificada.

Com a chegada dos imigrantes e a vinda de trabalhadores do campo para


as cidades, também em busca de trabalho, evidenciou-se uma necessidade de
ampliação de ações governamentais preventivas voltadas para a área da saúde
pública, principalmente ações voltadas para os problemas de saneamento básico e
ações públicas de higiene. Diante deste problema, o Estado passou a promover
ações de intervenção sanitária, em todo o território nacional na tentativa de
combater as epidemias que acometiam toda a população, em especial os
trabalhadores operários, em razão das péssimas condições de trabalho e de higiene,
às quais eram submetidos. É o que se observa a partir do livro “Políticas de Saúde:
Organização e operacionalização do Sistema Único de Saúde”12, organizado e
publicado pela Fundação Oswaldo Cruz. Assim Vejamos:

11
Lei 3.353, de Maio de 1888, popularmente conhecida como Lei Áurea, acesso em 14.05.2021,
através do link http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim3353.htm
12
Políticas de Saúde: Organização e operacionalização do Sistema Único de Saúde ”, organizado e
publicado pela Fundação Oswaldo Cruz, acesso em 14.05.2021, através do link -
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/26570/2/Livro%20EPSJV%20007739.pdf
“ A lavoura do café e toda a base para armazenamento e exportação do
produto, dependentes do trabalho assalariado, necessitava cada vez mais
de mão de obra, e as epidemias que se alastravam entre os trabalhadores,
devido às péssimas condições de saneamento, prejudicavam o crescimento
da economia. Começava a busca por conhecimento e ações na área da
saúde pública, com a criação, em 1897, da Diretoria Geral de Saúde Pública
(DGSP), o incentivo às pesquisas nas faculdades de medicina e no exterior
(no Instituto Pasteur) e a criação de institutos específicos de pesquisa, como
o Instituto Soroterápico Federal, criado em 1900, renomeado Instituto
Oswaldo Cruz (IOC) um ano depois. A partir de 1902, com a entrada de
Rodrigues Alves na presidência da República, ocorreu um conjunto de
mudanças significativas na condução das políticas de saúde pública.
(...) As ações de saneamento e urbanização foram seguidas de ações
específicas na saúde, especialmente no combate a algumas doenças
epidêmicas, como a febre amarela, a peste bubônica e a varíola. A reforma
na saúde foi implementada a partir de 1903, sob a coordenação de Oswaldo
Cruz, que assume a diretoria geral de saúde pública. Em 1904, Oswaldo
Cruz propõe um código sanitário que institui a desinfecção, inclusive
domiciliar, o arrasamento de edificações consideradas nocivas à saúde
pública, a notificação permanente dos casos de febre amarela, varíola e
peste bubônica e a atuação da polícia sanitária. Ele também implementa
sua primeira grande estratégia no combate às doenças: a campanha de
vacinação obrigatória” .

Em paralelo, o país atravessava um momento delicado, enfrentando uma


grande instabilidade social, em razão da agressiva expansão econômica adotada
por toda a indústria cafeeira, mediante exploração da mão de obra das classes
operárias, condicionadas a péssimas condições de trabalho e sem qualquer previsão
de garantias trabalhistas. Diante deste cenário, preocupados com possíveis
prejuízos econômicos em decorrência de greves e paralisações gerais das classes
operárias que ocorriam em todo o território nacional, os fazendeiros produtores de
café tomaram a iniciativa de manifestar apoio a uma parte das reivindicações dos
trabalhadores, pressionando a classe política para o atendimento das demandas
reivindicadas, em especial as demandas apresentadas pelos trabalhadores
ferroviários, referentes à assistência médica e aposentadoria. Tal perspectiva
também foi objeto de análise de Fabiano Fernandes Segura, em sua Tese de
Defesa de Mestrado “A questão previdenciária na Primeira República - A
excepcionalidade da Lei Eloy Chaves” na Universidade Estadual Paulista - UNESP,
publicado pela UNESP em seu Diretório de Artigos Acadêmicos13. Assim vejamos:

“ É importante registrar que, entre outras categorias profissionais que


preponderaram na cadeia de produção do café, sobressaíam-se os
ferroviários, responsáveis pelo escoamento do produto, portanto vitais ao
bom funcionamento da economia cafeeira. Disso advinha o posicionamento
dos fazendeiros do café na década de 1920 que, alertados pelas greves
gerais de fins da década de 1910, passaram a assumir, ainda que de forma
tímida e por meio de seus representantes políticos, a defesa dos pleitos
trabalhistas dos ferroviários como forma de se evitar possível embaraço às
atividades sob o seu monopólio. Um desses representantes é o deputado
paulista Eloy Chaves, que formula a lei de criação das CAPs (Caixas de
Aposentadorias e Pensões) aos ferroviários, para o amparo dos mesmos
nas questões de doença e morte”.

O apoio dos fazendeiros produtores de café surtiu efeito na classe


política, em especial na figura do então deputado federal Eloy Chaves, que
apresentou proposta de lei federal que objetivava a criação e regulamentação das
“Caixas de Aposentadorias e Pensões” dos trabalhadores ferroviários, lei
popularmente conhecida como Lei Eloy Chaves14. As Caixas de Aposentadorias e
Pensões eram vinculadas às empresas e funcionavam como fundos monetários de
gestão privada, responsáveis pelo recolhimento e administração das contribuições
previdenciárias, bem como pelos pagamentos das pensões e aposentadorias dos
trabalhadores.
Atualmente, a Lei Eloy Chaves é considerada um dos principais marcos
na história da Previdência Social do Brasil, institucionalizando o direito à pensões e
aposentadorias, aos socorros médicos para o tratamento de doenças e obtenção de
medicamentos por preços especiais, com cobertura para atendimento dos entes
familiares e amigos próximos, que dependessem de renda do operário. É o que se
13
Decreto Legislativo de Nº 4.682, de 24 de Janeiro de 1923, responsável pela criação das Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAP’s), acesso em 19.05.2021, através do link -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dpl/DPL4682-1923.htm
14
Artigo Acadêmico “A questão previdenciária na Primeira República - A excepcionalidade da Lei Eloy
Chaves”, de Fabiano Fernandes Segura, publicado pela UNESP em seu Diretório de Artigos
Acadêmicos, acesso em 19.05.2021, através do Link -
https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/150667/segura_ff_me_arafcl.pdf?
sequence=6&isAllowed=y
observa a partir do livro “Políticas de Saúde: Organização e operacionalização do
Sistema Único de Saúde15”, organizado e publicado pela Fundação Oswaldo Cruz.
Assim Vejamos:

“ As Caps eram organizadas por empresas e administradas e financiadas


por empresas e trabalhadores, em uma espécie de seguro social. Nem toda
empresa oferecia ao trabalhador a possibilidade de formação de uma Caixa
- esse era um benefício mais comum nas empresas de maior porte. O
Estado em nada contribuía financeiramente e muito menos tinha
responsabilidade na administração dessas Caixas - sua atuação restringia-
se à legalização de uma organização, que já se vinha dando de maneira
informal desde a década de 1910, e ao controle a distância do
funcionamento dessas caixas, mediando possíveis conflitos de interesses.
Os benefícios que os segurados recebiam eram: socorros médicos (para o
trabalhador e toda a família, inclusive amigados), medicamentos,
aposentadorias e pensões para os herdeiros. Com as Caps, uma pequena
parcela dos trabalhadores do país passava a contar com uma
aposentadoria, pensão e assistência à saúde. Assim, o direito à assistência
à saúde estava restrito, nesse período, à condição de segurado. Note-se
que apesar de o Estado não ter definido um sistema de proteção
abrangente e de se ter mantido à parte dessa forma de organização privada,
restringindo-se a legalizá-la e a controlá-la a distância, esse modelo serviu
de base para a constituição de um primeiro esboço de sistema de proteção
social no Estado brasileiro, que se definiu a partir dos anos 30 no contexto
do governo de Getúlio Vargas”.

Verifica-se, portanto, a partir de um conjunto de ações do Estado, uma


efetivação de ações governamentais voltadas para a promoção do direito à saúde,
tornando-o um direito social fundamental, indispensável e de responsabilidade do
Estado. Tais iniciativas podem ser evidenciadas a partir da criação da Diretoria
Nacional de Saúde Pública (DNSP)16, órgão precursor da nacionalização das
políticas de saúde e saneamento no Brasil, dotado da incumbência de reorganizar
as políticas de saúde em todo território nacional, da promulgação da Lei Eloy
15
Políticas de Saúde: Organização e operacionalização do Sistema Único de Saúde ”, organizado e
publicado pela Fundação Oswaldo Cruz, acesso em 29.05.2021, através do link -
https://www.arca.fiocruz.br/bitstream/icict/26570/2/Livro%20EPSJV%20007739.pdf
16
Decreto de Nº 3.987, de 2 de Janeiro de 1920 responsável pela criação do Departamento Nacional
de Saúde Publica, acesso em 14.05.2021, através do link -
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1920-1929/lei-3987-2-janeiro-1920-570495-
publicacaooriginal-93627-pl.html
Chaves e pela inclusão do direito à saúde e assistência médica na Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil de 1934.

4 Evolução histórica do direito à saúde no Brasil.


4.3 Segunda República - Estado Novo e Redemocratização
Constituições de 1934 - 1937 - 1946.

A segunda Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil,


promulgada em 16 de Julho de 1934 17 foi utilizada pelo Estado para promover uma
ampla reforma política e administrativa no país. O Estado atravessava um período
de crise financeira, motivada pelo declínio do mercado de exportação do café,
minando a forte influência que os fazendeiros produtores de café exerciam na
política brasileira, criando condições propícias para uma insurreição política. O que
de fato veio a ocorrer em 1930, conforme se observa na obra acadêmica de Claudio
Bertolli Filho, em seu livro “História da Saúde Pública no Brasil”, página 30,
publicado pela editora ática18. Assim vejamos:

“ Investido na Presidência da República pela Revolução de 1930, Getúlio


Vargas procurou de imediato livrar o Estado do controle político das
oligarquias regionais. Para atingir esse objetivo, promoveu uma ampla
reforma política e administrativa, afastando da administração pública os
principais líderes da República Velha. O presidente suspendeu a vigência
da Constituição de 1891 e passou a governar por decretos até 1934,
quando o Congresso Constituinte aprovou a nova Constituição. As
dificuldades encontradas para governar democraticamente a nação levaram
o presidente Vargas a promover uma acirrada perseguição policial a seus
opositores e aos principais líderes sindicais do país, especialmente, a partir
de 1937, quando foi instituída a ditadura do Estado Novo. Durante todo o
seu governo - que durou até 1945, Vargas buscou centralizar a máquina
governamental e também bloquear as reivindicações sociais. Para isso
recorreu a medidas populistas, pelas quais o Estado se apresentava como
pai, como tutor da sociedade, provendo o que julgava ser indispensável ao
cidadão. As políticas sociais foram a arma utilizada pelo ditador para

17
Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934, acesso em 25.05.2021, através
do Link - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao34.htm
18
“História da Saúde Pública no Brasil”, Claudio Bertolli Filho, editora Ática, página 30.
justificar diante da sociedade o sistema autoritário, atenuado pela ‘bondade’
do presidente”.

Dentre as ações que promoveram a ampla reforma política e


administrativa do Estado na Era Vargas, destaca-se a disposição organizacional dos
ministérios responsáveis pelas ações voltadas à promoção e garantia da saúde
pública. O Estado, através do Artigo 10 da Constituição de 1934, no conjunto de
artigos do Título I que tratava da “Organização Federal”, atribuiu competência
concorrente à União e aos estados nos “cuidados de saúde e de assistências
públicas”, determinando o seguinte:

” Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados:


II - cuidar da saúde e assistência públicas; “.

Em paralelo, o Estado também instituiu, através do Artigo 121, §1º,


alínea H da Constituição de 1934, no Título IV, que tratava “Da Ordem Econômica
e Social”, o direito à assistência médica e sanitária aos trabalhadores e às
gestantes, assegurando ainda, melhores condições de trabalho e algumas garantias
trabalhistas a serem regulamentadas pela legislação do trabalho, determinando o
seguinte:

Art 121 - A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as


condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção
social do trabalhador e os interesses econômicos do País.
h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando
a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do
emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União,
do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da
maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;

Por fim, o Estado, através do Artigo 157, § 2º da Constituição de 1937,


no Título V, que tratava “Da Família da Educação e da Cultura”, especificamente, no
Capítulo II “Da Educação e Da Cultura” determinou a aplicação de recursos públicos
para o subsídio de assistência alimentar, médica e dentária à alunos necessitados,
determinando o seguinte:
Art 157 - A União, os Estados e o Distrito Federal reservarão uma parte dos
seus patrimônios territoriais para a formação dos respectivos fundos de
educação.
§ 2º - Parte dos mesmos fundos se aplicará em auxílios a alunos
necessitados, mediante fornecimento gratuito de material escolar, bolsas de
estudo, assistência alimentar, dentária e médica, e para vilegiaturas.

Diante desta nova organização institucional, estabeleceu-se uma


dualidade de gestão das ações governamentais voltadas para a área da saúde.
Sendo, instituído no início da década de 30, por meio do Decreto de Nº 19.402 de 14
de Novembro de 193019, o Ministério da Educação e Saúde Pública. Coube, ao
Ministério, gerir as ações preventivas de saúde pública, com as atribuições de
garantir as condições sanitárias básicas de saneamento e de higienização e,
verticalizar as ações governamentais para o combate das doenças endêmicas, que
ainda assolavam toda a população. Necessidades sociais indispensáveis para o
avanço do processo de industrialização, ao qual o país estava economicamente e
estruturalmente envolvido à época. É o que observa Gilberto Hochman, no Artigo
20,
Acadêmico “Reformas, instituições e políticas de saúde no Brasil (1930–1945)”
publicado pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, em seu repositório de
Artigos Acadêmicos.

“ Um campo desafiado por um quadro sanitário que, mesmo com avanços


do poder público e do conhecimento biomédico, continuava sendo dramático
em 1930: a febre amarela ainda ameaçava a capital e os portos litorâneos, a
malária grassava pelo interior do país, a hanseníase ganhava a atenção dos
médicos e a tuberculose continuava sendo o mais grave problema sanitário
das cidades. (...) O marco mais definitivo no processo de construção
institucional da saúde pública enquanto política estatal foi a gestão do
Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde Pública (1934-45),
a mais longa permanência de um ministro nas pastas de educação e saúde.
Foi a reforma do Ministério que, proposta em 1935 e implementada por
Capanema a partir de janeiro de 1937, definiu rumos para a política de
19
Decreto de Instituição do Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, acesso em
27.05.2021, através do Link - https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19402-
14-novembro-1930-515729-publicacaooriginal-1-pe.html
20
Artigo Acadêmico ” Reformas, instituições e políticas de saúde no Brasil (1930–1945)”, de Gustavo
Hochman, publicado pela Universidade Federal do Paraná - UFPR, acesso em 27.05.2021, através
do Link - https://revistas.ufpr.br/educar/article/view/2242/1874
saúde pública, reformulando e consolidando a estrutura administrativa e
adequando-a aos princípios básicos que haviam definido a política social do
Estado Novo. Foi a partir dessa reforma que o Ministério passou a se
denominar Ministério da Educação e Saúde (MES). A segunda grande
reforma ocorreu em 1941 com a criação dos Serviços Nacionais, que
verticalizaram as campanhas de combate a doenças específicas e às
grandes endemias. Portanto, serão essas duas reformas empreendidas por
Capanema − uma mais geral da estrutura do MESP e outra mais específica
nas ações de saúde − que definirão e consolidarão a estrutura
administrativa e institucional da saúde pública, que permaneceu quase
inalterada até a criação do Ministério da Saúde em 1953, e de certo modo
até o final dos anos 80” .

A dualidade de gestão das ações governamentais voltadas para a área da


saúde também deve ser observada a partir das ações governamentais de saúde
pública, exercidas pelo Ministério do Trabalho Indústria e Comércio. Conforme
21
expõe Claudio Bertolli Filho, em seu livro “História da Saúde Pública no Brasil” .
Assim vejamos:

“ A atuação do governo de Vargas no campo da saúde dos trabalhadores


representou um avanço em relação ao período anterior. Graças à nova
legislação, que possibilitava a assistência médica a muitos que antes eram
completamente desamparados, o presidente ganhou a estima popular,
sendo chamado pelo povo de ‘pai dos pobres’ - mesmo que muitos
brasileiros, no campo e na cidade, continuassem sem garantias legais de
acesso aos serviços de saúde. A Constituição de 1934 incorporou algumas
garantias ao operariado, tais como a assistência médica, a licença
remunerada à gestante trabalhadora e a jornada de trabalho de oito horas.
Nos anos ,seguintes, outros benefícios, como o salário mínimo, foram
incluídos na legislação trabalhista, culminando com o estabelecimento em
1943 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Pela CLT, tornavam-se
definitivamente obrigatórios o pagamento do salário mínimo, a indenização
aos acidentados, o tratamento médico aos doentes, o pagamento de horas
extras, as férias remuneradas, etc. a todos os operários portadores de
carteira de trabalho. Graças à política de saúde adotada por Vargas, o
atendimento aos operários enfermos e seus dependentes expandiu-se.
Começou a estruturar-se assim o setor previdenciário que, garantido por
uma legislação específica, foi ampliado no decorrer dos anos, tornando-se o
21
“História da Saúde Pública no Brasil”, Claudio Bertolli Filho, editora Ática, página 34.
principal canal de assistência médica da população trabalhadora dos
centros urbanos” .

O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio foi instituído através do


Decreto de Nº 19.433 de 26 de Novembro de 1930 22, sendo responsável pela
gestão das ações de saúde destinadas a assistência médica dos trabalhadores
formais (registrados em carteira de trabalho), por intermédio dos Institutos de
Aposentadorias e Pensões (IAPs), criados a partir das Caixas de Aposentadorias e
Pensões (CAPs), ampliando o acesso aos benefícios, garantias e direitos
assegurados pelas Caixas de Aposentadorias e Pensões, às demais classes
operárias. Pois, até então, as Caixas de Aposentadoria eram restritas aos grupos
operários dos marítimos, portuários e ferroviários. É o que observa Maria Rita
Bertolozzi e Rosangela Maria Greco, no Artigo Acadêmico “As políticas de saúde no
Brasil: Reconstrução histórica e perspectivas atuais” 23, publicado pela Universidade
de São Paulo – USP, em seu repositório de Artigos Acadêmicos. Assim vejamos:

“ O Estado Novo, marcadamente populista, absorveu os movimentos dos


grupos e respondeu às suas reivindicações através da criação do Ministério
do Trabalho e dos Institutos de Trabalhadores. Com isso, o Estado
respondia às pressões concentrando o poder decisório e concedendo
medidas distensivas como as aposentadorias e pensões. Nesse período
delineou-se uma política nacional de saúde através da criação de estruturas
como o Ministério da Educação e Saúde. Vale dizer que o caráter dessa
política continuou sendo restrito, pois limitava-se, apenas, à cobertura de
certos segmentos de trabalhadores. No que toca aos programas de Saúde
Pública, eles voltavam-se para a criação de condições sanitárias mínimas
que favoreciam a infraestrutura necessária para suportar o contingente
migratório. No entanto, permaneciam via de regra, limitados pela opção
política de gastos do Estado e pelo dispendioso modelo sanitarista adotado
(campanhista). A grande aceleração do ritmo industrial com a expansão de
investimentos que se seguiu, fez com que o Estado respondesse às
reivindicações da classe trabalhadora, através do estabelecimento do

22
Decreto que instituiu o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, acesso em 27.05.2021, através
do Link - https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-19433-26-novembro-1930-
517354-publicacaooriginal-1-pe.html
23
Artigo Acadêmico ”Evolução Histórica das Políticas de Saúde no Brasil”, de Maria Rita Bertolozzi e
Rosangela Maria Greco publicado pela Universidade de São Paulo - USP, acesso em 26.05.2021,
através do Link - https://repositorio.usp.br/directbitstream/7560503b-3b91-472c-9302-
420c1aa56780/BERTOLOZZI%2C%20M%20R%20doc%2085.pdf
salário mínimo, que se limitava aos gastos para a sobrevivência. Isso, ao
lado da intensa inflação da época, acentuou a piora das condições de vida,
fenômeno que se refletiu nas demandas por saúde e assistência médica. Os
Institutos de Assistência Previdenciária (IAPs) que, a princípio, não se
dispunham a fornecer esse tipo de cobertura, começaram a diferenciar-se
em suas estruturas, prestando serviços no âmbito da assistência médica. O
crescimento das desigualdades sociais entre as diversas categorias de
trabalhadores, no que diz respeito à legislação, recursos financeiros e
condições de trabalho, refletia o perfil da estratificação social que
caracterizava a sociedade. A aceleração do crescimento industrial
aumentava a preocupação com a manutenção da força de trabalho em
condições de produção, bem como na sua reintegração rápida ao processo
de produção. Para responder a essas demandas, várias instituições de
trabalho passaram a criar serviços de atendimento ambulatorial, de caráter
terapêutico e, alguns, em nível de reabilitação.”

Verifica-se, portanto, que a evolução do direito à saúde no período de


vigência das Constituições de 1394, 1937 e 1946 esteve diretamente esteve atrelada
à evolução de todo o setor previdenciário.

4 Evolução histórica do direito à saúde no Brasil.


4.4 Regime Militar - Constituição de 1967

O Regime Militar impôs ao país uma forma de governo ditatorial,


implementando uma série de mudanças sociais e políticas em todo o país. A
Constituição da República Federativa do Brasil 24 esteve vigente entre o período
de 1967 até 1988. Observa-se, que o texto constitucional promoveu alterações
estruturais em toda a administração pública, proporcionou uma forte centralização
do poder na figura do Presidente da República, privilegiando a autonomia do
Executivo em detrimento da autonomia dos poderes Legislativo e Judiciário. No
campo dos direitos da coletividade, o Regime Militar suprimiu direitos sociais e
direitos trabalhistas. Percepção compartilhada por Janaína Machado Sturza e
Claudine Rodembusch Rocha, em artigo publicado pela plataforma Publica Direito,

24
Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 24 de Janeiro de 1967, acesso em
30.05.2021, através do Link - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm
“A história do Constitucionalismo Brasileiro sob a ótica do Direito à Saúde:
Frustrações e Conquistas” 25. Assim Vejamos:

“ A Constituição de 1967 deu mais poderes à União e ao Presidente da


República, reformulou o sistema tributário nacional e a discriminação de
rendas, ampliando a técnica do federalismo cooperativo, reduziu a
autonomia individual, permitindo suspensão de direitos e de garantias
constitucionais. Porém, mais uma vez, o direito à saúde não avançou
significativamente”.

No âmbito da área da saúde, o primeiro efeito do Regime Militar foi a


redução de verbas destinadas às políticas preventivas de saúde pública, sendo
possível observar uma estagnação no processo de evolução do direito à saúde no
país. Conforme expõe Claudio Bertolli Filho, em seu livro “História da Saúde Pública
no Brasil” 26. Assim vejamos:

“ O primeiro efeito do golpe militar sobre o Ministério da Saúde foi a redução


das verbas destinadas à saúde pública. Aumentadas na primeira metade da
década de 60, tais verbas decresceram até o final da ditadura. Em nome da
política de ‘segurança e desenvolvimento' cresceu o orçamento dos
ministérios militares, dos Transportes e da Indústria e Comércio. O
Ministério da Saúde, enquanto isso, teve de se restringir quase somente à
elaboração de projetos e programas, delegando a outras pastas, como as
da Agricultura e da Educação, uma parte da execução das tarefas
sanitárias. Tal decisão não trouxe melhoria aos serviços de saúde. Apesar
da pregação oficial de que a saúde constituía um ‘fator de produtividade, de
desenvolvimento e de investimento econômico’ - parte valiosa, portanto, do
patrimônio da nação -, o Ministério da Saúde privilegiava a saúde como
elemento individual e não como fenômeno coletivo. E isso alterou
profundamente sua linha de atuação. Uma parte do pouco dinheiro
destinado ao setor foi desviada para o pagamento dos serviços prestados
por hospitais particulares aos doentes pobres. O Ministério utilizou verbas
também em algumas campanhas de vacinação. Quase nada sobrava para
investir nos sistemas de distribuição de água tratada e de coleta de esgotos,

25
Artigo Acadêmico “A história do Constitucionalismo Brasileiro sob a ótica do Direito à Saúde:
Frustrações e Conquistas” de Janaína Machado Sturza e Claudine Rodembusch Rocha, publicado
pelo portal Publica Direito, acesso em 13.05.2021, através do Link -
http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=67e103b0761e6068
26
“História da Saúde Pública no Brasil”, Claudio Bertolli Filho, editora Ática, páginas 51 e 52.
elementos vitais para a prevenção de muitas enfermidades. Embora o
Ministério da Saúde retomasse o compromisso de realizar programas de
saúde e saneamento, conforme estabelecido no II Plano Nacional de
Desenvolvimento (TIPND), de 1975, isso não alterou significativamente a
situação de abandono em que se encontrava a saúde pública. O resultado
foi trágico, com o aumento de enfermidades como a dengue, a meningite e
a malária. E quando tais doenças se tornavam epidêmicas, as autoridades
da ditadura recorriam à censura impedindo que os meios de comunicação
alertassem o povo sobre a ameaça.”

Outra importante mudança imposta pelo Regime Militar no âmbito da área


da saúde foi a centralização dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs),
mediante a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), unificando
todos os órgãos previdenciários que funcionavam desde 1930. O controle do INPS
ficou sob responsabilidade do Ministério do Trabalho, que através do órgão
promovia as ações de saúde de caráter curativas, inerentes aos atendimentos
médicos individualizados. A unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões
(IAPs) resultou na perda de representatividade dos trabalhadores que participavam
diretamente da gestão dos antigos sistemas previdenciários, aumentando, ainda
mais o poder de regulação do Estado sobre a sociedade. Conforme se observa na
Reedição da obra “Projeto Multiplica SUS: curso básico sobre o SUS:
(Re)descobrindo o SUS que temos para construirmos o SUS que queremos 27”
organizado pelo Ministério da Saúde. Assim vejamos:

“ Com o golpe de 1964 e o discurso de racionalidade, eficácia e saneamento


financeiro, ocorre a fusão dos IAPs, com a criação do Instituto Nacional de
Previdência Social - INPS. Este fato, ocorrido em 1966, marca também a
perda de representatividade dos trabalhadores na gestão do sistema. (...) A
criação do INPS insere-se na perspectiva modernizadora da máquina
estatal, aumenta o poder de regulação do Estado sobre a sociedade e
representa uma tentativa de desmobilização das forças políticas
estimuladas em períodos populistas anteriores. O rompimento com a política
populista não significou alteração em relação à política assistencialista
anterior, ao contrário, o Estado amplia a cobertura da previdência aos
trabalhadores domésticos e aos trabalhadores rurais, além de absorver as
27
Reedição da obra “Projeto Multiplica SUS: curso básico sobre o SUS: (Re)descobrindo o SUS que
temos para construirmos o SUS que queremos” organizado pelo Ministério da Saúde, acesso em
31.05.2021, através do Link - http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/07_0374_M.pdf
pressões por uma efetiva cobertura daqueles trabalhadores já beneficiados
pela Lei Orgânica da Previdência Social. Excetuando os trabalhadores do
mercado informal de trabalho, todos os demais eram cobertos pela
Previdência Social. Em relação à assistência médica, observa-se um
movimento ainda mais expressivo de ampliação de cobertura. Os gastos
com assistência médica, que continuaram a crescer neste período, chegam
a representar mais de 30% dos gastos totais do INPS em 76. A ênfase é
dada à atenção individual, assistencialista e especializada, em detrimento
das medidas de saúde pública, de caráter preventivo e de interesse coletivo.
Exemplo do descaso com as ações coletivas e de prevenção é a diminuição
do orçamento do Ministério da Saúde, que chega a representar menos de
1,0% dos recursos da União. Acontece uma progressiva eliminação da
gestão tripartite das instituições previdenciárias, até sua extinção em 70. Ao
mesmo tempo, a ‘contribuição do Estado’ se restringia aos custos com a
estrutura administrativa. A criação do INPS propiciou a implementação de
uma política de saúde que levou ao desenvolvimento do complexo médico-
industrial, em especial nas áreas de medicamentos e equipamentos
médicos. Ao mesmo tempo, e em nome da racionalidade administrativa, o
INPS dá prioridade a contratação de serviços de terceiros, em detrimento de
serviços próprios, decisão que acompanha a postura do governo federal
como um todo”.

Em contrapartida, é possível observar a ampliação das ações


direcionadas ao assistencialismo individual, mediante a extensão da cobertura
previdenciária aos trabalhadores domésticos e rurais. Observa-se, inclusive, que as
ações curativas de saúde inerentes ao assistencialismo individual foram se tornando
cada vez mais necessárias, diante do abandono das políticas preventivas de saúde,
que resultou no aumento de enfermidades como a dengue, a meningite e a malária,
além de outras doenças epidêmicas.

5 Constituição Cidadã - Constituição de 1988.

Por fim, em Novembro de 1985, as Mesas da Câmara dos Deputados e


do Senado Federal promulgarem a Emenda Constitucional de Nº 26/85 28,

28
Emenda Constitucional de Nº 26 de 27 de Novembro de 1985, acesso em 31.05.2021, através do
Link - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc26-85.htm
convocando Assembleia Nacional Constituinte, para elaboração e aprovação de um
novo texto constitucional. Posteriormente, em 05 de outubro de 1988 foi promulgada
a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 29. A partir de então o
direito a saúde foi positivado como um direito universal, reconhecido também como
um dever do Estado. Elevando o direito à saúde ao patamar de princípio
constitucional. Assim vejamos:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante


políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.

29
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, acesso em 31.05.2021, através do Link -
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

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