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Bibliografia 206
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A Mitologia Grega
O que é o mito? A palavra “mito” provêm etimologicamente da palavra grega (transliterada)
mithos – que significa “narrativa”, “palavra oral” – e pode ser definida como uma narrativa sobre a
origem de algo: do universo, dos fenômenos da natureza e acontecimentos da vida. Todos esses
fatos são atribuídos à atuação de forças e potências sobrenaturais, que estão além da experiência
mundana dos mortais. Conhecemos o mito grego na forma escrita através da literatura grega em
geral e na forma figurada através, por exemplo, dos vasos e das esculturas gregas. Entretanto, a
forma original do mito é a oralidade - que fornece o principal elemento da mitologia: suas
variações.
Os gregos cultuavam uma série de divindades, entendidas como maiores e menores,
assim como semideuses, seres originados da relação de um deus com um mortal. Entre as
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divindades maiores destacamos o panteão de doze deuses que moram no Olimpo (Zeus, Poseidon,
Hera, Ares, Hades, Deméter, Palas Atena, Apolo, Dioniso, Hermes, Hefesto, Afrodite) e entre os
semideuses ou heróis destacamos Aquiles, Ajax, Perseu, Teseu e Odisseu.
Para Homero e para Hesíodo, que constituem o ponto de referência das crenças próprias
da mitologia grega, pode-se dizer que tudo é divino, pois tudo o que acontece é explicado em
função das intervenções dos deuses. Na obra Teogonia, do poeta Hesíodo, encontramos uma narrativa
cosmogônica, que tem como finalidade descrever o modo como o universo se origina. Segundo Hesíodo -
responsável por reunir e sintetizar os mitos construídos coletivamente desde o início da civilização grega – o
universo e todas as suas manifestações naturais se iniciam a partir da relação sexual entre deuses: no princípio as
divindades e potências supremas, Caos e Gaia, unem-se e dão origem ao mundo natural e suas divindades;
posteriormente, as divindades criadas - manifestações ou potencialidades causais dos fenômenos da natureza -
também se unem para completar o processo de gênese, tanto dos deuses, como da natureza. Temos, portanto,
uma genealogia, ao mesmo tempo, divina e cósmica.
Em Homero, fica claro o modo como os fenômenos naturais são promovidos pelos
próprios deuses – entendidos, consequentemente, como potências dos mesmos: raios e
relâmpagos são arremessados por Zeus do alto do Olimpo, as ondas do mar são provocadas pelo
tridente de Poseidon, o sol é levado pelo Áureo carro de Apolo, e assim por diante. Mas também
a vida social dos homens, a sorte das cidades, as guerras e a paz são imaginadas como
vinculadas aos deuses de modo não acidental e, por vezes, até de modo essencial: é bastante
claro o modo como os deuses interferem diretamente na vida dos mortais, determinando-lhes o
destino.
Todavia, quem são esses deuses? Como os estudiosos de há muito reconheceram e
evidenciaram, esses deuses são forças naturais personificadas em formas humanas idealizadas,
ou então são forças e aspectos do homem sublimados e fixados em esplêndidas figuras
antropomórficas. Esses deuses são, pois, homens amplificados e idealizados. Apesar de
idealizados representam não apenas as virtudes humanas (boas ações), mas também representam
os vícios, os defeitos
A filosofia – como veremos - nasce em oposição ao mito, são assim narrativas opostas.
Porém, apesar disso, podemos afirmar que pretendem responder a mesma questão central: qual
a origem do cosmo? Essa oposição nasce justamente devido ao meio utilizado pelo ser humano
para elaborar uma narrativa ou outra. A filosofia é uma investigação puramente racional da natureza
que cria hipóteses e conceitos sustentados por argumentos, enquanto o mito é uma narrativa que
é elaborada através da imaginação e sustentada pela crença e pela fé. O mito nasce do medo
diante da hostilidade da natureza, a filosofia nasce do espanto daquilo que é desconhecido.
Escola de Mileto: Tales de Mileto e o surgimento da filosofia
O pensador ao qual a tradição atribuiu o começo da filosofia grega é Tales, que viveu em
Mileto, na Jônia, provavelmente nas últimas décadas do século VII e na primeira metade do século
VI a. C. Não se tem conhecimento de que tenha escrito livros. Só conhecemos seus ensinamentos
- transmitidos com base na tradição oral - graças aos escritos de seus contemporâneos,
sobretudo Aristóteles. Essa atividade é denominada doxografia - “doxa” é uma palavra grega que
significa “opinião” e grafia designa escrito, que não apenas nos permite acessar o enigmático
pensamento de Tales, mas de outros pré-socráticos que nada escreveram ou que seus textos não
puderam chegar até nós. Temos ainda como fonte de acesso ao pensamento desses filósofos a
“crítica moderna”, feita por Hegel e Nietzsche. Alguns fragmentos de textos originais, a doxografia
e a crítica moderna constituem os pontos de referência que possuímos para montar o complexo
quebra-cabeça chamado “filosofia pré-socrática”.
Segundo as grandes helenistas contemporâneos, a gênese da consciência filosófica se
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dá quando Tales, em 585 a.C., teria previsto um eclipse solar: um primeiro – mas não pequeno –
passo para racionalizar e desmitificar os fenômenos naturais, para criar o espírito filosófico-
científico ocidental. Tales, por conseguinte, foi iniciador da filosofia da physis, pois foi o primeiro
a afirmar a existência de um princípio originário único de tudo que existe no mundo natural, causa
de todas as coisas que existem no universo, sustentando que tal princípio é a água. Se inicia a
filosofia e o chamado período cosmológico - investigação racional da natureza. Por ser um
investigador da physis, Aristóteles também denomina Tales de “físico”.
A noção de "Princípio" – chamada pelos gregos de arché, que pode ser definida como:
a) “aquilo que organiza, que orquestra”; b) constituinte íntimo de tudo que existe; e c) origem da
qual deriva tudo que existe no mundo natural - não é um termo de Tales (talvez tenha sido
introduzido por seu discípulo Anaximandro), mas é certamente o termo que indica, melhor que
qualquer outro, o fenômeno ao qual o filósofo queria se referir para explicar a natureza.
Como nota Aristóteles em sua exposição sobre o pensamento de Tales e dos primeiros
físicos, o princípio é “aquilo do qual derivam originalmente e na qual se resolvem por último todos
os seres", "uma realidade que permanece idêntica no transmutar-se de suas alterações", ou seja,
uma realidade que continua a existir de maneira imutada, mesmo através do processo gerador de
todas as coisas" Em suma, o "principio" pode ser definido como aquilo do qual provêm, aquilo no
qual se concluem e aquilo pelo qual existem e subsistem todas as coisas.
A tradição indireta diz que Tales deduziu sua convicção "da constatação de que a nutrição
de todas as coisas é úmida", que as sementes e os germes de todas as coisas "têm natureza
úmida", e de que, portanto, a secura total é a morte. Assim como a vida está ligada à umidade e
essa pressupõe a água, então a água é a fonte última da vida e de todas as coisas. Tudo vem da
água, tudo sustenta sua vida com água e tudo termina na água. Tales, portanto, fundamenta suas
asserções sobre o raciocínio puro, sobre o logos; apresenta uma forma de conhecimento motivado
com argumentações racionais precisas.
Mas não se deve acreditar que a água de Tales seja o elemento físico-químico que hoje
bebemos. A água de Tales deve ser pensada de modo totalizante, ou seja, como a physis líquida
originária da qual tudo deriva e da qual a água que bebemos é apenas uma de suas tantas
manifestações. Com efeito, sua "água" coincidia com o divino. Desse modo, introduz-se nova
concepção de Deus: trata- se de uma concepção na qual predomina a razão, e destina-se,
enquanto tal, a eliminar logo todos os deuses do politeísmo fantástico-poético dos gregos.
Exercícios
1 - (UEL – 2004)
“Mais que saber identificar a natureza das contribuições substantivas dos primeiros filósofos é
fundamental perceber a guinada de atitude que representam. A proliferação de óticas que deixam
de ser endossadas acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição religiosa’, é o que mais
merece ser destacado entre as propriedades que definem a filosoficidade.” (OLIVA, Alberto;
GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invenção da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24.)
Assinale a alternativa que apresenta a “guinada de atitude” que o texto afirma ter sido promovida
pelos primeiros filósofos.
A) A confiança na tradição e na “imposição religiosa” como fundamentos para o conhecimento.
B) A desconfiança na capacidade da razão em virtude da “proliferação de óticas” conflitantes entre
si.
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C) A busca por uma verdade única e inquestionável, que pudesse substituir a verdade imposta pela
religião.
D) A discussão crítica das ideias e posições, que podem ser modificadas ou reformuladas.
E) A aceitação acrítica das explicações tradicionais relativas aos acontecimentos naturais.
2 - (UEL – 2015)
Texto III
“De onde vem o mundo? De onde vem o universo? Tudo o que existe tem que ter um começo.
Portanto, em algum momento, o universo também tinha de ter surgido a partir de uma outra coisa.
Mas, se o universo de repente tivesse surgido de alguma outra coisa, então essa outra coisa
também devia ter surgido de alguma outra coisa algumdia. Sofia entendeu que só tinha transferido
o problema de lugar. Afinal de contas, algum dia, alguma coisa tinham de ter surgido do nada.
Existe uma substância básica a partir da qual tudo é feito? A grande questão para os primeiros
filósofos não era saber como tudo surgiu do nada. O que os instigava era saber como a água podia
se transformar em peixes vivos, ou como a terra sem vida podia se transformar em árvores
frondosas ou flores multicoloridas.”
(Adaptado de: GAARDER, J. O Mundo de Sofia. Trad. de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia
das Letras, 1995. p.43-44.) 37
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o surgimento da filosofia, assinale a alternativa
correta.
a) Os pensadores pré-socráticos explicavam os fenômenos e as transformações da natureza e
porque a vida é como é, tendo como limitador e princípio de verdade irrefutável as histórias
contadas acerca do mundo dos deuses.
b) Os primeiros filósofos da natureza tinham a convicção de que havia alguma substância básica,
uma causa oculta, que estava por trás de todas as transformações na natureza e, a partir da
observação, buscavam descobrir leis naturais que fossem eternas.
c) Os teóricos da natureza que desenvolveram seus sistemas de pensamento por volta do século
VI a.C. partiram da ideia unânime de que a água era o princípio original do mundo por sua enorme
capacidade de transformação.
d) A filosofia da natureza nascente adotou a imagem homérica do mundo e reforçou o
antropomorfismo do mundo dos deuses em detrimento de uma explicação natural e regular acerca
dos primeiros princípios que originam todas as coisas.
e) Para os pensadores jônicos da natureza, Tales, Anaxímenes e Heráclito, há um princípio
originário único denominado o ilimitado, que é a reprodução da aparência sensível que os olhos
humanos podem observar no nascimento e na degeneração das coisas.
3 - (UNESP – 2020)
Em 4 de julho de 2012, foi detectada uma nova partícula, que pode ser o bóson de Higgs. Trata-se
de uma partícula elementar proposta pelo físico teórico Peter Higgs, e que validaria a teoria do
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modelo padrão, segundo a qual o bóson de Higgs seria a partícula elementar responsável pela
origem da massa de todas as outras partículas elementares.
(Jean Júnio M. Pimenta et al. “O bóson de Higgs”. In: Revista brasileira de ensino de física, vol. 35,
no 2, 2013. Adaptado.)
O que se descreve no texto possui relação com o conceito de arqué, desenvolvido pelos primeiros
pensadores pré-socráticos da Jônia.
A arqué diz respeito
a) à retórica utilizada pelos sofistas para convencimento dos cidadãos na pólis.
B) a uma explicação da origem do cosmos fundamentada em pressupostos mitológicos.
C) à investigação sobre a constituição do cosmos por meio de um princípio fundamental da
natureza.
d) ao desenvolvimento da lógica formal como habilidade de raciocínio.
Gabarito
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Aula 2
FILOSOFIA ANTIGA – Os “Naturalistas” ou filósofos da “physis” Anaximandro
de Mileto, 610 – 547 a.C. e Anaxímenes de Mileto, 585 – 528 a.C.
Anaximandro, discípulo de Tales, elaborou um tratado nomeado Sobre a Natureza ,
provavelmente o primeiro texto em prosa do mundo Ocidental. O termo usado por Anaximandro
para designar a arché é ápeiron, que significa “aquilo que está privado de limites”, ou seja, aquilo
que não se determina, “o indeterminado”. Se todas as coisas do mundo natural possuem limites,
forma, o princípio de tudo, que deve ser diferente daquilo que ele gera, é indeterminado. Já para
Anaxímenes o princípio da physis é algo igualmente infinito, mas o identifica com o ar, assim como
nossa alma: "Exatamente como a nossa alma (ou seja, o princípio que dá a vida), que é ar, se
sustenta e se governa, assim também o sopro e o ar abarcam o cosmo inteiro.”
adequadamente tal aspecto da realidade ao nível temático. E é precisamente isso que Heráclito
fez ao concetualizar a noção de devir:. "Tudo se move", "tudo escorre" (panta rhei), nada
permanece imóvel e fixo, tudo muda e se transmuta, sem exceção. Em dois de seus mais famosos
fragmentos podemos ler:
"Não se pode descer duas vezes no mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma
substância mortal no mesmo estado, pois, por causa da impetuosidade e da velocidade da
mudança, ela se dispersa e se reúne, vem e vai (...) Nós descemos e não descemos pelo mesmo
rio, nos próprios somos e não somos."
O devir, ao qual tudo está destinado e que caracteriza a estrutura íntima da physis,
caracteriza-se por continua passagem de um contrário ao outro: as coisas frias se aquecem, as
quentes se resfriam, as úmidas secam, as secas tornam- se úmidas, o jovem envelhece, o vivo
morre, mas daquilo que está morto renasce outra vida jovem, e assim por diante. Há, portanto,
guerra perpétua entre os contrários que se aproximam. Mas, como toda coisa só tem realidade
precisamente no devir, a guerra (entre os opostos) se revela essencial: "A guerra é mãe de todas
as coisas e de todas as coisas é rainha."
Trata-se, porém, de uma guerra que, ao mesmo tempo, é paz, e de um contraste que é, ao
mesmo tempo, harmonia universal. A constante mudança de todas as coisas - o devir universal -
revela-se como harmonia de contrários, em outras palavras, como perene pacificação dos
contrários. Somente em contenda entre si é que os contrários dão sentido específico um ao outro:
"A doença torna doce a saúde, a fome torna doce a saciedade e o cansaço torna doce o repouso";
"não se conheceria sequer o nome da justiça, se não existisse a ofensa."
Heráclito indicou o fogo como "princípio" fundamental, e considerou todas as coisas como
transformações do fogo. Também é evidente por que Heráclito atribuiu ao fogo a "natureza" de
pensamento platônico.
Por fim, precisamos analisar o valor estritamente lógico das premissas parmedianas. Nossa
analise se concentrou no aspecto ontológico (e muito vagamente na lógica), propriamente
existencial, que se atém a dizer o que é o mundo, o que é o real. Porém graças a formulação do
princípio de Parmênides, mais tarde Aristóteles pode elaborar as bases da lógica formal, modo
dominante de compreensão da estruturação da linguagem e do pensamento ocidental. Aristóteles
elabora três princípios fundamentais, que devem reger todo pensamento e narrativas científicas, a
saber: o princípio de identidade, de não-contradição e do terceiro excluído, que serão
investigados por nós mais tarde.
Exercícios
1- (ENEM – 2016)
Fragmento B91: “Não se pode banhar duas vezes no mesmo rio, nem substância mortal alcançar
duas vezes a mesma condição; mas pela intensidade e rapidez da mudança, dispersa e de novo
reúne. “
HERÁCLITO. Fragmentos (Sobre a natureza). São Paulo: Abril Cultural, 1996 (adaptado).
Fragmento B8: São muitos os sinais de que o ser é ingênito e indestrutível, pois é compacto,
inabalável e sem fim; não foi nem será, pois é agora um todo homogêneo, uno, contínuo. Como
poderia o que é perecer? Como poderia gerar-se?
Os fragmentos do pensamento pré-socrático expõem uma oposição que se insere no campo das
3 - (Ufu - 2013)
De um modo geral, o conceito de physis no mundo pré-socrático expressa um princípio de
movimento por meio do qual tudo o que existe é gerado e se corrompe. A doutrina de Parmênides,
no entanto, tal como relatada pela tradição, aboliu esse princípio e provocou, consequentemente,
um sério conflito no debate filosófico posterior, em relação ao modo como conceber o ser.
Para Parmênides e seus discípulos:
a) A imobilidade é o princípio do não-ser, na medida em que o movimento está em tudo o que
existe.
b) O movimento é princípio de mudança e a pressuposição de um não-ser.
c) Um Ser que jamais muda não existe e, portanto, é fruto de imaginação especulativa.
d) O Ser existe como gerador do mundo físico, por isso a realidade empírica é puro ser, ainda que
em movimento.
Gabarito
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Aula 3
Pitágoras e os Pitagóricos
Pitágoras nasceu em Samos. O apogeu de sua vida ocorre em torno de 530 a.C. e sua morte
no início do século V a.C. Crotona foi a cidade em que Pitágoras mais trabalhou e desenvolveu
sua Filosofia. É possível que seu ensinamento tenha sido apenas (ou predominantemente) oral.
Podemos dizer muito pouco, talvezpouquíssimo, sobre o pensamento original desse pensador. As
numerosas vidas de Pitágoras posteriores não têm credibilidade histórica, porque logo depois de
sua morte (e talvez já nos últimos anos de sua vida), aos olhos de seus discípulos, o filósofo já
perdera os traços humanos, eravenerado quase como um grande sábio e sua palavra tinha quase
valor de oráculo. A expressão com que se referiam sua doutrina tornou-se muito famosa: "ele o
disse".
Os Pitagóricos, ao observarem os corpos celestes, defendiam a ideia de que existe uma
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ordem e harmonia em todo o universo, ao qual chamavam “kosmos”. Segundo esses filósofos, o
intelecto humano, ao desvendar a existência de tal ordenamento, se aproxima desse próprio
ordenamento harmônico, o que torna possível a reconciliação de nossa alma com a chamada pátria
celeste, que é entendida como a origem da alma. Os pitagóricos defendiam também a ideia de
metempsicose – a alma tem várias vidas, transmigrando de corpo em corpo – e é justamente a
compreensão e entendimento do ordenamento do kosmos que poderia livrar a alma desse ciclo
de encarnação da alma – uma espécie de ascese ou iluminação espiritual.
Aristóteles, um dos contemporâneos de Pitágoras que escreveram sobre o filósofo, não tinha
à disposição elementos que lhe permitissem distinguir Pitágoras de seus discípulos, e falava dos
"assim chamados Pitagóricos, ou seja, os filósofos "que eram chamados" ou "que se chamavam
Pitagóricos", filósofos que procuravam juntos a verdade e que, portanto, não se diferenciavam
individualmente. Não é possível, portanto, falar do pensamento de Pitágoras, considerado
individualmente, e sim do pensamento dos Pitagóricos, considerados globalmente. O mais claro e
famoso texto que resume o pensamento dos Pitagóricos é a seguinte passagem de Aristóteles, que
se ocupou muito e a fundo desses filósofos:
"Os Pitagóricos foram os primeiros que se dedicaram as matemáticas e as fizeram progredir.
Nutridos pelas mesmas, acreditaram que os princípios delas fossem os princípios de todas as
coisas que existem. E, uma vez que nas matemáticas os números são, por sua natureza, os
princípios primeiros, precisamente nos números eles acreditavam ver, mais que no fogo, na terra e
na água, muitas semelhanças com as coisas que existem e se geram (...); e, além disso, como
viam que as notas e os acordes musicais consistiam em números; e, por fim, como todas as outras
coisas, em toda a realidade, pareciam-lhes serem feitas a imagem dos números e que os números
fossem aquilo que é primeiro em toda a realidade, pensaram que os elementos do número fossem
elementos de todas as coisas, e que todo o universo fosse harmonia e número."
À primeira vista, essa teoria pode causar estranheza – como as demais ideias pré-
socráticas. Porém, na realidade, a descoberta de que em todas as coisas existe regularidade
matemática, ou seja, numérica, deve ter produzido uma impressão tão extraordinária a ponto de
levar à mudança de perspectiva da qual falamos, e que marcou uma etapa fundamental no
desenvolvimento espiritual do Ocidente.
Não menos importante deve ter sido a descoberta da incidência determinante do número
nos fenômenos do universo: são leis numéricas que determinam os anos, as estações, os meses,
os dias, e assim por diante. Mais uma vez, são leis numéricas precisas que regulam os tempos da
incubação do feto nos animais, os ciclos do desenvolvimento biológico e vários fenômenos da vida.
De qualquer modo, é muito claro o processo pelo qual os Pitagóricos chegaram a pôr o
número como princípio de todas as coisas. Entretanto, o homem contemporâneo talvez tenha
dificuldade para compreender profundamente o sentido dessa doutrina, caso não procure recuperar
o sentido arcaico do "numero". Para nós o número é uma abstração mental e, portanto, ente da
razão; para o antigo modo de pensar (até Aristóteles), porém, o número era coisa real e até mesmo
a mais real das coisas - e precisamente enquanto tal é que veio a ser considerado o "princípio"
constitutivo das coisas. Assim, para eles o número não era um aspecto que nos mentalmente
abstraímos das coisas, mas sim a própria realidade, a physis das próprias coisas.
As teorias de Parmênides devem ter causado grande espanto e suscitado vivas polêmicas
no mundo antigo – assim como para nós sua interpretação se apresenta como um desafio. Mas
como, partindo do princípio de Parmênides já exposto, as consequências de suas ideias se
impõem necessariamente e, portanto, suas teorias se tornam de difícil refutação (do ponto de vista
lógico), os adversários preferem adotar outro caminho, isto é, mostrar no concreto, com exemplos
bem evidentes, que o movimento é inegável, e que, assim, Parménides se equivocava em negá-
lo. Quem procurou replicar essas tentativas foi Zenão, nascido em Eléia entre o fim do séc. VI e o
princípio do séc. V a.C.
Zenão foi homem de natureza singular, tanto na doutrina como na vida. É dito que, lutando
pela liberdade contra um tirano, foi aprisionado. Submetido à tortura para confessar os nomes dos
companheiros com os quais tramara o complô. Como “resposta” cortou a língua com os próprios
dentes e a cuspiu na face do tirano. Já uma variante da tradição diz que ele denunciou os mais
fiéis partidários do tirano e, desse modo, fez com que fossem eliminados pela própria mão do
tirano que, assim, se auto isolou e se auto derrotou. Essa narração reflete maravilhosamente o
procedimento dialético que Zenão seguiu na filosofia. De seu livro só nos chegaram alguns
fragmentos e testemunhos.
Zenão, portanto, enfrentou de peito aberto as refutações dos adversários e as tentativas de
ridicularizar Parmênides. O procedimento que adotou consistiu em fazer ver que as consequências
derivadas dos argumentos apresentados para refutar Parmênides eram ainda mais contraditórias
e ridículas do que as teses que pretendiam refutar. Ou seja, Zenão descobriu a refutação da
refutação, isto é, a demonstração por absurdo. Mostrando o absurdo em que caíam as teses
opostas ao Eleatismo, estava defendendo o próprio Eleatismo. Desse modo, Zenão fundou o
método da dialética, usando-o com tal habilidade que maravilhou os antigos. Seus paradoxos (ou
argumentos) são conhecidos por negar a existência do movimento (ou devir).
Os argumentos de Zenão contra o movimento
Paradoxo 1: Aquiles e a tartaruga: Zenão nele demonstra que se Aquiles, conhecido por
ser "o pé veloz", participasse de uma corrida com uma tartaruga e desse a largada um instante
após o vagaroso animal, nunca poderia alcança-la.
Paradoxo 2: A flecha lançada pelo arco: Zenão demonstrava que uma flecha lançada do
arco, que a opinião comum crê estar em movimento, na realidade está parada. Com efeito, em
cada um dos instantes em que o tempo de voo divisível, a flecha ocupa um espaço idêntico; mas
aquilo que ocupa um espaço idêntico está em repouso; então, se a flecha está em repouso em
cada um dos instantes, deve estar também na totalidade (na soma) de todos os instantes.
O tema central desenvolvido nos versos de Xenófanes é constituído sobretudo pela crítica à
concepção dos deuses que Homero e Hesíodo haviam fixado de modo exemplar e que era própria
da religião pública e do homem grego em geral. O filósofo identifica de modo perfeito o erro de
fundo do qual brotam todos os absurdos ligados à tal concepção. E esse erro consiste no
antropomorfismo, ou seja, em atribuir aos deuses formas exteriores, características psicológicas e
paixões iguais ou análogas as que são próprias dos homens, apenas quantitativamente mais
notáveis, mas não qualitativamente diferentes.
Xenófanes objeta que se os animais tivessem mãos e pudessem fazer imagens de deuses,
os fariam em forma de animal, assim como os Etíopes, que são negros, representam seus deuses
negros, ou os Trácios, que têm olhos azuis e cabelos ruivos, representam seus deuses com tais
características. Mas, o que é ainda mais grave, os homens também tendem a atribuir aos deuses
tudo aquilo que eles mesmos fazem, não só o
junto com sua estabilidade, são atribuídos a Deus, não em uma dimensão humana, e sim em uma
dimensão cosmológica.
Essa visão não contrasta com as informações dos antigos de que Xenófanes pôs a terra
como "princípio", nem com suas precisas afirmações: "Tudo nasce da terra e na terra termina";
"Todas as coisas que nascem e crescem são terra e água". Tais afirmações, com efeito, não se
referem ao cosmo inteiro, que não nasce, não morre e não entra em devir, e sim a esfera da nossa
terra. E Xenófanes ainda apresenta provas bastante inteligentes de suas afirmações, como a
presença de fósseis marinhos nas montanhas, sinal de que houve uma época em que além de
terra, existiu água nesses lugares.
Com efeito, a água, o ar, a terra e o fogo estão bem longe de terem condições de explicar as
inumeráveis qualidades que se manifestam nos fenômenos. As "sementes" (spermata) ou
elementos dos quais derivam as coisas deveriam ser tantas quantas são as inumeráveis
quantidades das coisas, precisamente "sementes com formas, cores e gostos de todo tipo", ou
seja, infinitamente variadas. Assim, tais sementes são o originário qualitativo pensado
eleaticamente, não apenas como incriado (eterno), mas também como imutável (nenhuma
qualidade se transforma em outra, exatamente à medida que é originária).
Aula 4
A virada antropológica na Filosofia – Sofistas e Sócrates
"Sofista" é um termo grego que etimologicamente significa "sábio", "especialista do saber".
A acepção do termo sofista, queem si mesma é positiva, tornou-se negativa sobretudo pela tomada
de posição fortemente polêmica
de Platão e Aristóteles. Durante muito tempo os historiadores da filosofia adotaram, além das
informações fornecidas por Platão e Aristóteles sobre os sofistas, também as suas avaliações, de
modo que, geralmente, o movimento sofista foi desvalorizado e considerado predominantemente
como momento de grave decadência do pensamento grego. Somente no século XX foi possível
uma revisão sistemática desses juízos e, consequentemente, uma radical reavaliação histórica dos
sofistas. A conclusão é que os sofistas constituem um elo essencial na história do pensamento
antigo.
Esse deslocamento radical do eixo da filosofia se explica pela ação conjunta de duas
diferentes ordens de causas. De um lado, como vimos, a filosofia da physis pouco a pouco exauriu
todas as suas possibilidades. Com efeito, todos os caminhos já haviam sido palmilhados e o
pensamento "físico" chegara aos seus limites extremos. Desse modo, era fatal a busca de outro
objetivo. Do outro lado, no séc. V a.C. manifestaram-se fermentos sociais, econômicos e culturais
que, ao mesmo tempo, favoreceram o desenvolvimento da Sofística e, por seu turno, foram por ele
favorecidos.
Esses fatores contribuíram fortemente para o surgimento da problemática sofística. A crise
da aristocracia implicou também a crise da antiga areté, os valores tradicionais, que eram
precisamente os valores apreciados pela aristocracia. A crescente afirmação do poder do “demos”
(povo) e a ampliação da possibilidade de ascender ao poder à círculos mais vastos, fizeram
desmoronar a convicção de que a areté estivesse ligada à nascença, isto é, que se nascia
virtuoso e não se tornava, pondo em primeiro plano a questão de como se adquire a "virtude
política".
aprimorada levavam vantagem sobre os demais, pela possibilidade de serem mais persuasivos
sobre seu ponto de vista. É nesse sentido que surge uma nova virtude no mundo clássico grego:
a virtude política, ligada as técnicas discursivas: é virtuoso aquele que expressa suas ideias da
melhor maneira. É desse modo que os sofistas viam a atividade da fala e do diálogo: a retórica é
reduzida aqui a uma ferramenta a serviço da persuasão e do convencimento e não da verdade–
fato que os colocavam em discórdia com a tríade da Filosofia Clássica: Sócrates, Platão e
Aristóteles.
Voltando a Protágoras e a razão pela qual foi levado a julgamento pelo tribunal ateniense.
Protágoras defendia uma linha de pensamento convencionalista: política, filosofia, religião,
artesanato, cultura em geral, tudo era produto do arbítrio humano, das invenções ou convecções
humanas – essas atividades nada possuíam de divino e os deuses reduzidos à criação humana, o
que gerava revolta nos defensores da cultura mítica tradicional. O convencionalismo é deduzido
do núcleo central do pensamento sofistas: o relativismo. A noção básica do relativismo é a de que
não há verdade absoluta e nem valores morais e políticos absolutos, ambos variam de indivíduo
para indivíduo e de época para época.
Sócrates
Sócrates nasceu em Atenas em 470/469 a.C. e morreu em 399 a.C., após condenação por
"impiedade" (foi acusado de não crer nos deuses da cidade, de corromper os jovens
enfraquecendo-lhes o raciocínio e de ensinar sobre os corpos celestes - mas, por trás de tais
acusações, escondiam-se ressentimentos de vários tipos e manobras políticas, por razões que
veremos adiante). Era filho de um escultor e uma obstetra. Não fundou uma Escola, como os
outros filósofos, realizou o seu ensinamento em locais públicos (nos ginásios, praças públicas,
etc.), como uma espécie de pregador leigo, exercendo imenso fascínio não só sobre os jovens,
mas também sobre homens de todas as idades, o que lhecustou inúmeras aversões e inimizades.
Os pré-socráticos procuram responder a seguinte questão: ”O que é a natureza ou a
realidade última das coisas?" Ao contrário, Sócrates procura responder à seguinte questão: " O que
é a natureza ou a realidade última do homem?", em outras palavras: " O que é a essência do
homem?". Segundo Sócrates a psiqué do homem é sua essência, pois é a sua alma que o distingue
das demais coisas existentes. Sócrates compreende a alma como a nossa razão, que é a sede de
nossa atividade intelectual e responsável por nossas reflexões éticas. Portanto, Sócrates define
nossa alma como o "eu consciente, ou seja, a consciência e personalidade intelectual e moral."
Desse modo, Sócrates elabora a tradição intelectual e moral sobre a qual o ocidente se forjou
espiritualmente, que tem como base a identidade entre alma e pensamento.
Se a alma é a essência do homem, a atividade de cuidar de si mesmo é a ação de cuidar da
alma - mais do que do corpo. A arte do educador é, portanto, ensinar aos homens que cuidem de
sua própria alma. Sócrates considera que essa é a sua missão filosófica que entende ter recebido
de Deus, como podemos ver no diálogo platônico Apologia de Sócrates:
"(...) é a ordem de Deus. E estou persuadido de que não há para vós maior bem na cidade
que esta minha obediência a Deus. Na verdade, não é outra coisa o que faço nestas minhas
andanças a não ser persuadir a vós, jovens e velhos, de que não deveis cui dar só do corpo, nem
exclusivamente das riquezas, e nem de qualquer outra coisa antes e mais fortemente que da alma,
de modo que ela se aperfeiçoe sempre, pois não é do acúmulo de riquezas que nasce a virtude,
mas do aperfeiçoamento da alma é que nascem as riquezas e tudo o que mais importa ao homem
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e ao Estado."
Para sustentar a tese da essência do homem Sócrates utiliza o seguinte raciocínio: existe
uma distinção entre um instrumento e o sujeito que utiliza esse instrumento. No caso do homem o
seu próprio corpo é o instrumento de que ele se serve para agir no mundo, de modo que a essência
do homem é diferente de seu corpo. Aquilo que é diferente do corpo é sua psiqué, portanto, sua
essência.
Areté é o conceito grego para "virtude" e os gregos a entendiam como a "excelência", ou
seja, como o melhor modo de se realizar algo e o que aperfeiçoa cada coisa naquilo que ela faz,
de modo que a virtude tornava uma coisa boa naquilo que ela é. Sócrates identifica a virtude do
homem com o conhecimento da alma, assim a ciência da alma exige o seu cuidado, que é a
atividade que a torna boa e perfeita. Ao contrário, o vício se identifica com a ignorância da alma. A
nova perspectiva socrática a respeito da virtude opera uma revolução nos valores gregos
tradicionais. A areté grega deixa de se identificar com os valores aristocráticos - riqueza, poder,
fama - nem tampouco com as virtudes do corpo - saúde, beleza física, vigor, mas sim com o
conhecimento da alma.
purificação da alma, que é a purificação da ignorância e das falsas certezas. Nas palavras de
Platão: " Por todas essas coisas(...) devemos afirmar que a refutação é a maior, a fundamental
purificação. E quem dela não se beneficiou, mesmo tratando-se do Grande Rei, não pode ser
pensado senão como impuro das mais graves impurezas, privado de educação e até mesmo feio,
precisamente naquelas coisas em relação as quais convém que fosse purificado e belo no máximo
grau, alguém que verdadeiramente quisesse ser homem feliz."
A maiêutica, por sua vez, se mostra como a "parte construtiva" do método dialético, pois a
alma pode, se purificando das incertezas, alcançar a verdade. Porém nem todos a atingem, uma
vez que para alcançar a verdade é necessário antes estar grávido dela. Por essa razão Sócrates
se declarava um obstetra espiritual – seguindo os passos da mãe - e se declarava um ignorante,
pois argumentava que de nada sabia. Sua função era auxiliar os seus interlocutores a fazer a
verdade "vir a luz," ou seja, a realizar o "parto da verdade".
Exercícios
1 - (UEL)
Sócrates, Giordano Bruno e Galileu foram pensadores que defenderam a liberdade de
pensamento frente às restrições impostas pela tradição. Na Apologia de Sócrates, a acusação
contra o filósofo é assim enunciada: “Sócrates [...] é culpado de corromper os moços e não
acreditar nos deuses que a cidade admite, além de aceitar divindades novas” (24b-c).
Ao final do escrito de Platão, Sócrates diz aos juízes: “Mas, está na hora de nos irmos: eu, para
morrer; vós, para viver. A quem tocou a melhor parte, é o que nenhum de nós pode saber, exceto
a divindade.” (42a). (PLATÃO. Apologia de Sócrates. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA,
2001. p. 122-23; 147.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a disputa entre filosofia e tradição presente na
condenação de Sócrates, assinale a alternativa correta.
a) O desprezo socrático pela vida, implícito na resignação à sua pena, é reforçado pelo
reconhecimento da soberania do poder dos juízes.
b) A aceitação do veredito dos juízes que o condenaram à morte evidencia que Sócrates consentiu
com os argumentos dos acusadores.
c) A acusação a Sócrates pauta-se na identificação da insuficiência dos seus argumentos, e a
corrupção que provoca resulta das contradições do seu pensamento.
d) A crítica de Sócrates à tradição sustenta-se no repúdio às instituições que devem ser
abandonadas em benefício da liberdade de pensamento.
e) A sentença de morte foi aceita por Sócrates porque morrer não é um mal em si e o livre pensar
permite apreender essa verdade.
2 - (PUC-PR)
Leia os enunciados abaixo a respeito do pensamento filosófico de Sócrates.
I. O texto Apologia de Sócrates, cujo autor é Platão, apresenta a defesa de Sócrates diante das
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b) I, III e IV.
c) I, III e V.
d) II, III e V.
e) I, II e III.
3 - (ENEM)
“Uma conversação de tal natureza transforma o ouvinte; o contato de Sócrates paralisa e
embaraça; leva a refletir sobre si mesmo, a imprimir à atenção uma direção incomum: os
temperamentais, como Alcibíades, sabem que encontrarão junto dele todo o bem de que são
capazes, mas fogem porque receiam essa influência poderosa, que os leva a se censurarem. É
sobretudo a esses jovens, muitos quase crianças, que ele tenta imprimir sua orientação.”
BRÉHIER,E. História da filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1977.
O texto evidencia características do modo de vida socrático, que se baseava na
a) contemplação da tradição mítica.
b) sustentação do método dialético.
c) relativização do saber verdadeiro.
d) valorização da argumentação retórica.
e) investigação dos fundamentos da natureza.
4 - (ENEM – 2015)
Trasímaco estava impaciente porque Sócrates e os seus amigos presumiam que a justiça era algo
real e importante. Trasímaco negava isso. Em seu entender, as pessoas acreditavam no certo e no
errado apenas por terem sido ensinadas a obedecer às regras da sua sociedade. No entanto, essas
regras não passavam de invenções humanas.
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5 - (Unesp - 2010)
Em 399 a.C., o filósofo Sócrates é acusado de graves crimes por alguns cidadãos atenienses. (...)
Em seu julgamento, segundo as práticas da época, diante de um júri de 501 cidadãos, o filósofo
apresenta um longo discurso, sua apologia ou defesa, em que, no entanto, longe de se defender
objetivamente das acusações, ironiza seus acusadores, assume as acusações, dizendo -se
coerente com o que ensinava, e recusa a declarar-se inocente ou pedir uma pena. Com isso, ao
júri, tendo que optar pela acusação ou pela defesa, só restou como alternativa a condenação do
filósofo à morte.
(Danilo Marcondes. Iniciação à História da Filosofia, 1998. Adaptado.)
Com base no texto apresentado, explique quais foram os motivos da condenação de Sócrates à
morte.
6 - (ENEM 2017)
“Uma conversação de tal natureza transforma o ouvinte; o contato de Sócrates paralisa e
embaraça; leva a refletir sobre si mesmo, a imprimir à atenção uma direção incomum: os
temperamentais, como Alcibíades, sabem que encontrarão junto dele todo o bem de que são
capazes, mas fogem porque receiam essa influência poderosa, que os leva a se censurarem. E
sobretudo a esses jovens, muitos quase crianças, que ele tenta imprimir sua orientação.”
BRÉHIER, E. História da filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1977.
O texto evidencia características do modo de vida socrático, que se baseava na
a) contemplação da tradição mítica.
b) sustentação do método dialético.
c) relativização do saber verdadeiro.
d) valorização da argumentação retórica.
e) investigação dos fundamentos da natureza.
Gabarito
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1 –e
2 –b
3 –b
4 –d
5 - É importante, antes de mencionar os motivos pelos quais condenaram Sócrates à morte, dizer
que quando falava, era dono de um estranho fascínio. Requ isitado por muitos jovens, passava
horas discutindo na praça pública, assim, interpelava a todos assumindo ser ignorante e fazia
perguntas aos que julgavam entender sobre um determinado assunto colocando qualquer um
em tal situação que não havia um outro jeito a não ser reconhecer sua própria ignorância. Com
isso Sócrates além de discípulos, conseguiu inúmeros inimigos. Sócrates foi acusado de
corromper a mocidade e desconhecer os deuses da cidade, por isto, foi condenado à morte. A
história de sua condenação, defesa e morte é contada num dos mais belos diálogos de Platão,
Apologia de Sócrates.
6 –b
Aula 5
Platão (428 -347 a.C.)
Arístocles nasceu e morreu em Atenas, foi apelidado de Platão provavelmente por seu vigor
físico, ou porque teria uma fronte larga - do grego platos "largueza", "amplitude". Conheceu
Sócrates com cerca de vinte anos e o convívio com o mestre mudou totalmente os rumos de sua
vida. A princípio desejava entrar para a vida política - desejo que não cessou totalmente, vide seu
projeto filosófico-político -, porém, a desilusão causada por experiências com tiranos e a
condenação de Sócrates pelo regime democrático afastaram Platão da vida política. A obra
platônica sobreviveu em sua totalidade. Cerca de trinta e seis obras – entre cartas e diálogos -
que versam sobre diversos temas, como: a justiça, o amor, a amizade, o conhecimento.
A epistemologia platônica pode ser considerada o núcleo base a partir da qual as demais
ideias do filósofo serão compreendidas – embora não a mais importante, esse lugar pertence a
política. Platão, assim como Aristóteles, buscará responder ao problema colocado pelo
heraclitianismo: o problema do devir. Se a realidade está sujeita a um fluxo perpétuo, o que nos é
possível conhecer? O que podemos afirmar inequivocamente do mundo? A resposta de Heráclito:
nada. As nossas percepções estão sujeitas ao fluxo tal como o mundo. Conclusão: não há um
sujeito uno que julgue sempre o mundo do mesmo modo – suas opiniões, portanto, oscilam, como
querem os sofistas - e não há tampouco um mundo com um comportamento uniforme a ser
conhecido. Em outras palavras: não há identidade para o sujeito que busca conhecer a realidade,
nem tampouco para os entes do mundo que são o objeto do saber. Se dependêssemos de
Heráclito, nenhuma ciência seria feita – uma vez que o conhecimento se caracteriza por encontrar
aquilo que há de constante em um dado fenômeno. Para solucionar o problema colocado por
Heráclito e seguindo uma linha racionalista mais próxima de Parmênides, Platão desenvolve a
teoria das ideias.
A filosofia platônica apresenta um ponto essencial que, para ser totalmente compreendido,
depende de uma nova formulação dos problemas da filosofia. Esse ponto essencial consiste,
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natureza e no mundo cultural humano: dos valores estéticos (Belo), dos valores morais (Bom),
dos valores políticos (Justo), das diversas realidades corpóreas (Ser humano, cavalo, árvore,
cachorro), dos diversos entes geométricos e matemáticos (números, foras geométricas), e etc.
Logo, como afirmamos, as ideias são os universais do mundo, pois unem em si uma série de
particulares, como por exemplo: existem uma série de árvores diferentes na physis (particulares),
mas que são chamadas árvores porque participam da ideia (universal) de árvore - sua forma,
modelo, essência.
O conjunto de ideias da realidade inteligível foram um sistema hierarquicamente organizado
e ordenado onde as ideias inferiores são condicionadas pelas superiores, até chegar a ideia
superior que não é condicionada por nenhuma outra. A ideia suprema incondicionada é
apresentada - mais não exatamente definida - em A República, a saber: a ideia de Bem. A ideia de
bem torna as ideias cognoscíveis e a mente capaz de conhecê-las. A ideia de Bem está além da
realidade essencial - ou da realidade inteligível -, o transcende em poder e em dignidade
hierárquica. Sobre o Bem Platão nada escreveu em seus diálogos, apenas manifestou esse
conceito nas palestras orais, por acreditar que havia apenas um modo e conhecê-lo, através do
diálogo vivo.
Platão mostra como um escravo que não conhece matemática pode resolver um problema de
geometria. Através da experiência maiêutica, de notável inspiração socrática – lembrando que
Sócrates é sempre o principal interlocutor dos diálogos platônicos -, o escravo, sem auxílio de
qualquer outro indivíduo, consegue por si mesmo resolver o problema de geometria, extraindo a
resposta da própria alma racional.
Em outro diálogo, intitulado Fédon, Platão utiliza outro argumento para defender a tese da
reminiscência, a saber: sobre os objetos matemáticos. As noções matemáticas – o quadrado, o
círculo, o triângulo – são noções perfeitas, ao passo que no mundo natural não encontramos essas
noções de forma perfeita, mas sim de forma imperfeita, semelhante às ideias. Aquilo que
constatamos por meio dos sentidos, ou seja, os dados fornecidos a eles, são apenas parecidos
com as noções matemáticas absolutamente perfeitas. Há, portanto, uma nítida distinção entre os
dados sensíveisimperfeitos e as noções perfeitas.
Portanto, o que explica esta distinção é justamente o mesmo argumento que sustenta a
divisão da realidade sensível e inteligível. As noções matemáticas perfeitas pertencem ao mundo
inteligível e o sujeito pensante não cria essas noções, mas as descobre, as recorda.
A hierarquia do conhecimento: da dóxa à episteme.
Platão explica a possibilidade de conhecimento verdadeiro através da teoria da
reminiscência. O que permite à alma ter acesso ao verdadeiro é um tipo de intuição originária da
realidade sensível. Em A República Platão determina os modos específicos deste conhecimento,
elaborando uma hierarquia destes e dos meios de acesso para cada um deles.
O filósofo defende que o conhecimento é proporcional ao ser, de modo que o máximo de
conhecimento é a ciência do Bem Supremo e o mínimo é a ignorância completa, que é o não-ser.
A realidade sensível é uma realidade intermediária entre o ser em seus graus máximos e o não-
ser. Por esta razão ela pode ser entendida como uma mescla de ser e não-ser, e é justamente por
ser uma mescla que está sujeita a ação do devir, e por isso está em constante transformação, em
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No diálogo Banquete Platão discute o que é o amor. O filósofo é justamente aquele, que
movido por amor ao conhecimento e desejo e de se aproximar do imortal, para entrar em comunhão
com sua morada original busca o conhecimento da essência das coisas. A realidade inteligível,
buscada racionalmente pelo filósofo e denominada de episteme, se subdivide em duas: dianóia –
ciência matemática – e noiésis – ciência dialética das formas.
Dialética
Os homens comuns são aqueles que se detêm nas sensações, nas duas formas mais baixas
de conhecimento, apreendidos pelos sentidos. O filósofo impulsionado por Eros (Amor) busca
elevar seu intelecto às formas, e para Platão o que permite esta ascensão é o método dialético -
caminho correto para a ciência. A palavra dialética em sua origem grega significa, de forma
genérica, diálogo. É por meio do diálogo, portanto, que o filósofo pode ter acesso às ideias, como
um processo de recordação, como já mencionamos.
O processo dialético não é individual, mas sim coletivo. Não se aspira ao saber verdadeiro
em uma investigação solitária, encerrado no próprio pensamento, mas sim através da exposição
verbal do que se pensa. A importância do diálogo como método filosófico no platonismo tem clara
influência socrática e seus diálogos pela pólis. É por meio do diálogo vivo, na exposição das
ideias contrárias, na investigação e análise das teses e proposições dos interlocutores do diálogo
que se pode superar o campo das opiniões e se alcançar a ciência do que se discute. A ciência é
alcançada, a ideia é rememorada na alma racional quando os interlocutores do diálogo
conseguem superam a mera percepção subjetiva do objeto de discussão e, por consequência,
atingem uma definição universal do objeto em questão.
Por exemplo: quando se discute sobre a justiça. É insuficiente propor teses para o conceito
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A Representação acima da chamada Alegoria da caverna, mito criado por Platão, simboliza
a distinção entre os mundos sensível e inteligível: a parte interior corresponde à realidade
sensível; as sombras projetadas na parede aos objetos que contemplamos pelos sentimos e
cremos ser verdadeiros – mas são cópias; os prisioneiros ao homem do senso comum que confia
em seus sentidos como fonte da verdade; a parte exterior corresponde ao mundo inteligível;
aqueles que estão saindo correspondem aos filósofos; aquilo que é visto por eles na parte exterior
da caverna correspondem às ideias; e o sol corresponde a ideia de Bem, que permite o
conhecimento das demais ideias.
Para Platão, assim como a realidade se expressa de forma dual - sensível e inteligível - o ser humano
também carrega essa mesma dualidade: é corpo - que se origina no sensível - e é alma - que tem origem no
inteligível. A alma, que é a parte imortal do ser humano, é dividida em três partes: concupiscente, irascível e
racional. Essa divisão da alma é análoga à divisão da cidade e do mesmo modo como a justiça da cidade
depende da virtude de suas partes, ser humano justo será aquele que atingir também a virtude em relação às
partes. Na República Platão expõe a tese de o superior deve comandar o inferior. Como a parte racional da
alma é a parte superior, é ela quem deve conduzir o ser humano ao caminho da virtude e da justiça.
As partes inferiores da alma são denominadas por Platão de concupiscente e irascível, ou
apetitiva e colética - respetivamente. A alma apetitiva manifesta a tendência que nos direciona e
impele aos objetos, ou outras palavras, é o nosso desejo. Ela é responsável também pela
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conservação do corpo, a qual todo ser vivo se dirige. A parte intermediária da alma é denominada
irascível. Pode ser entendida como a tendência pela qual nos iramos e inflamamos diante de
certas ocasiões da vida. A parte superior da alma é chamada racional, ou seja, nossa razão, que
nos permite deliberar e escolher de forma excelente – virtuosa -, bem como nos permite conhecer
as ideias.
Existe, como dissemos, uma convergência entre as virtudes das classes sociais da cidade
e as virtudes do indivíduo, e como mencionamos acima é a parte racional da alma que deve nos
conduzir ao caminho da justiça. Pratica a virtude da temperança aquele em que a parte superior
da alma domina a parte inferior, no caso a razão consegue impor limites e medida ao desejo,
consegue equilibrar os impulsos cegos e destrutivos dos apetites. É corajoso aquele em que a
parte intermediária da alma se alia aos ditames da razão, ou seja, aquele que consegue discernir
com clareza em qual conflito deve entrar e qual deve ser evitado. É sábio aquele cuja alma
racional possui a ciência do bem, ou seja, daquilo que é útil a todas as partes. A justiça do
indivíduo seja quando cada disposição da alma realiza aquilo que deve realizar e da forma que
deve realizar.
O conceito de justiça para Platão estará, portanto, vinculado com a ideia de natureza. Cada
classe social deve fazer aquilo que lhe compete fazer, do mesmo modo que cada parte da alma,
para atingir a virtude e a justiça, deve fazer aquilo que o dever lhe ordena. A justiça da cidade
depende da justiça praticada pelos indivíduos.
Política - A República
A vida cultural da Grécia Antiga girava em torno dos acontecimentos da pólis. Pólis
originalmente designa, ao mesmo tempo, conjunto de pessoas e espaço geográfico. A principal
característica da pólis é sua autonomia política e cultural, pois cada cidade-estado era constituída
por suas particularidades: leis, tradição religiosa, literatura. Platão almeja a vida política na
adolescência, por parte de mãe descendia do legislador Sólon. Porém, a condenação de Sócrates
e o conhecimento das práticas políticas causaram grande desilusão em Platão, que o fez voltar-se
para a filosofia e ciência, para que essas pudessem fornecer as bases da política.
Na Carta VII, um dos raros testemunhos autobiográficos platônicos, o filósofo nos lembra:
"...os males não cessarão para os humanos antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chega
ao poder, ou antes que os chefes das cidades, por uma graça divina, ponham-se a filosofar
verdadeiramente."
Em A República - conjunto de dez diálogos - Platão busca a forma de constituição ideal da
pólis. A democracia e a tirania já mostraram a sua ineficiência para servirem de modelo político,
pois aqueles que são governantes nestes tipos de governo não o fazem com a ciência da justiça,
mas sim de acordo com intentos particulares, portanto, corrompidos por suas partes inferiores da
alma. Espelhando a alma, a cidade perfeita é constituída de três partes e seu melhor
funcionamento será semelhante à operação das funções das partes daalma.
Segundo Platão a pólis é a organização ideal de Estado. Distante de qualquer projeto de
unificação das pólis gregas, o filósofo reflete acerca da possibilidade de sua cidade natal
abandonar o caos moral e político em que se encontra para realizar a sua finalidade mais alta e
nobre: a virtude e justiça cívica e coletiva. Para pensar a cidade perfeita, Platão parte do
pressuposto de nenhum de nós é autárquico, dependemos dos outros para sobrevivermos e nos
realizarmos como seres humanos. É na pólis que o grego se realiza como cidadão livre e é
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apenas nela que pode viver de acordo com os ditames da justiça. A pólis bem organizada
necessita daqueles que provêm as necessidades materiais, daqueles que zelam pela sua
segurança e daqueles que a governa. Desse modo, a pólis perfeita é constituída de três classes
sociais.
A classe que cabe a produção daquilo que é materialmente necessário - riqueza e bens -
para o desenvolvimento humano é formada por um grupo de pessoas nas quais prevalece a parte
concupiscível da alma, que é seu aspecto mais elementar. Essa classe social executará bem sua
função quando nela predominar a virtude da temperança, ou seja, que os indivíduos que nos
indivíduos que a compõe prevalecem uma ordem, que se manifesta na disciplina dos prazeres, que
supõe a submissão às classes superiores. Por terem uma tendência ao acumulo de bens e
rquezas, são a classe que poderia possuir propriedade privada. A ideia é que posse de
propriedades possa auxiliar na tendência desmedida ao impulso das riquezas e prazeres em
excesso. A essa classe é permitida também a cosntituição de laços familiares.
A classe que cabe a defesa da pólis será formada por um grupo de pessoas em que
predomina a parte irascível da alma, e nesse grupo de pessoas deverá prevalecer, para que a pólis
se harmonize de modo perfeito, a virtude da fortaleza e da coragem. Os guardiões da cidade são
vigilantes em relação aos perigos internos e externos que possam surgir na pólis. Defendem,
portanto, a pólis das invasões externas e cuidam para que todos os cidadãos da pólis executem
suas funções de modo virtuoso. A essa classe não seria permitido a posse de bens privados e
nem tampouco de família. Homens e mulheres viveriam em uma comunidade livre
impossibilitados de estabelecerem relações monogâmicas. Essas proibições impediriam que os
guerreiros estabelecem riquezas e uma linhagem de sangue, que por sua vez são as bases da
aristocracia.
No livro V de A República, Platão nos esclarece: “Enquanto os filósofos não forem reis nas
cidades, ou aqueles que hoje denominamos reis e soberanos não forem verdadeira e seriamente
filósofos, enquanto o poder político e a filosofia não convergirem num mesmo indivíduo, enquanto
os muitos caracteres que atualmente perseguem um ou outro destes objetivos de modo exclusivo
não forem impedidos de agir assim, não terão fim, meu caro Glauco, os males das cidades, nem,
conforme julgo, os do gênero humano, e jamais a cidade que nós descrevemos será edificada."
A terceira classe deve ser formada, portanto, por aqueles indivíduos em que a parte
racional da alma prevalece e domina as demais: o filósofo, ou melhor, o Rei-filósofo. O Rei-Filósofo
é aquele que souberam amar a cidade mais do que os demais, e por contemplarem e conhecer o
Bem e a Justiça, são aqueles que podem governar com mais zelo, e podem cumprir sua própria
função. A virtude que deve ser exercida pela Rei-Filósofo é a da sabedoria.
Pedagogia platônica
Para que a pólis se realize da maneira perfeita é necessário que cada cidadão receba um
tipo de educação especial, conforme a classe à qual pertence. Todas as crianças recebem a
mesma educação do estado até os sete anos de idade: jogos, dança, música, ginástica,
introdução à leitura e à matemática. Aos sete anos, um grupo de crianças que se mostraram
aptas ao trabalho manual são selecionadas para viver com a própria família para aprender seus
respectivos ofícios. A classe social dos produtores, responsável pela produção dos bens materiais
da pólis, portanto, não necessita exatamente de uma educação muito especial, uma vez que as
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artes e os ofícios se aprendem facilmente com a prática. Já a classe dos guardiões necessita de
uma educação um pouco mais refinada.
Aos vinte anos são selecionados os jovens que se tornaram os guardiães da pólis. Platão
defende que essa classe necessita de uma educação clássica - ginástico/musical - com o intento
de tornar mais robusta a parte da alma responsável pelas virtudes da fortaleza e coragem, bem
como torná-los aptos ao exercício militar. Todos os membros desta classe deveriam viver em uma
comunhão total de bens. Cabe à classe inferior prover as necessidades materiais desta classe.
Homens e mulheres receberiam a mesma educação e os filhos, ao nascerem, retirados
imediatamente dos pais, a fim de que não conhecessem os próprios pais. O objetivo é formar uma
grande família nesta classe, a fim de eliminar as barreiras doa bens particulares e torná-los bem
comum.
Algumas poucas crianças resistem ao rito e processo educativo e continuam sua jornada
pedagógica. Aos trinta passam por novos testes e alguns são selecionados para trabalhar na
administração pública e em cargos de liderança militar. Um número ainda mais reduzido de
adultos mulheres e homens continuam sua jornada. A educação do Rei-Filósofo - ou da classe dos
governantes - coincide com o tirocínio exigidopara o aprendizado da filosofia - o verdadeiro filósofo
é o verdadeiro político. A educação duraria até os 50 anos e Platão a chamava de "longa
estrada". A parte mais complexa da educação ocorreria entre os 30 e 35 anos, quando o pretenso
filósofo se dedicaria à dialética. Após essa etapa iniciariam os estudos na ética, física e política.
Nesta etapa a educação o Rei-Filósofo deveria levá-lo à contemplação do Bem ou seja, na
intuição das ideias ou formas, para que o Bem - conhecimento máximo da realidade inteligível -
pudesse refletir no futuro Rei.
Uma vez tendo o Bem sido refletido no rei-Filósofo, este poderia inserir o Bem na realidade
histórica, sendo o elemento-chave para a perfeita organização da cidade ideal. O Bem é, portanto,
o fundamento da Pólis e do agir político, só assim a pólis ideal poderia atingir a justiça plena.
Apenas a partir da intelecção das ideias e formas eternas, o Rei-Filósofo poderia realizar leis
justas e tomar decisões justas, não conforme seus apetites, emoções ou mesmos convenções
sociais arbitrárias, mas de acordo com a noção eterna e perfeita de justiça.
Os tipos de governos
Terminado o projeto da pólis perfeita e ideal - ou seja, de como a pólis e os homens devem
ser - em A República, Platão volta a se preocupar com a problemática da política nas obras Político
e Leis. Nestas obras Platão considera os seres humanos como efetivamente são e não exatamente
como deveriam ser, se tratando, portanto, de um segundo projeto político. Este segundo projeto
político visa responder ao problema da soberania na relação entre o homem de Estado e as leis da
pólis.
Na pólis ideal não existe o problema da soberania - se o governante deve ou não estar acima
das leis - apontado acima, uma vez que a lei é o modo como o governante realiza o Bem
contemplado por ele. Porém, na pólis real é pouco provável de se encontrar um político que possa
governar a cidade segundo a virtude e a ciência do inteligível, desse modo a soberania deve sempre
ser conferida às leis da pólis, assim é absolutamente necessário a elaboração de uma constituição
escrita.
São três os regimes políticos históricos que representam cópias ou imitações corrompidas
da constituição ideal da pólis, a saber: se o poder do Estado se concentra em um único homem ,
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temos uma monarquia; se o poder político se encontra na mão dos homens ricos, temos uma
aristocracia; se o poder político se distribui pelo povo temos uma democracia. Se essas formas
políticas se corrompem e aqueles que devem governar o fazem com fim nos próprios interesses
temos, respectivamente: a tirania, a oligarquia e a demagogia.
Se a pólis for bem governada a melhor forma de Estado é a monarquia. Se, ao contrário,
os homens se corrompem a ponto de não buscar o Bem, a melhor forma de constituição da pólis é
a democracia, uma vez que, se o bem público não é buscado de maneira alguma, em um governo
fundamentado na participação política da população, há ainda um bem fundamental preservado: a
liberdade.
Arte como imitação: Platão expulsa os poetas da cidade perfeita
Platão produz uma opinião negativa em relação a arte, pois a considera em relação ao seu
valor de verdade, ou seja, faz uma análise epistemológica da arte. Desse modo, o problema da arte
na filosofia platônica deve ser considerado com íntima relação com a metafísica. A arte não auxilia
o ser humano a alcançar o conhecimento verdadeiro da realidade, ao contrário, afasta na medida
que não revela o real, mas o oculta. Se distância o homem da verdade, não o melhora, mas o
corrompe, uma vez que é mentirosa – por não revelar o real – e faz o ser humano voltar-se para
suas faculdades irracionais, que são as partes inferiores da alma.
O poeta não se torna poeta através da ciência do verdadeiro, mas sim através de uma
intuição irracional. Quando criar suas obras encontra-se em um estado de inconsciência, está “fora
de si”, ignora a razão daquilo que faz e é incapaz de ensinar o modo com o qual compõe seus
poemas. O que determina a vida do poeta é sua conexão com a divindade por destino, não por
virtude que se deriva do conhecimento.
As epopeias de Homero e Hesíoso realizavam importante função pedagógica no mundo
grego antigo. É através delas que os valores gregos aristocráticos são passados e reproduzidos.
A sociedade grega se forma essencialmente a partir de uma casta aristocrática proprietária de
terras e em posse do poder político. Essa mesma classe que, por ter a posse do poder, pode
também transmitir os valores morais do mundo grego. É, portanto, a partir de uma moralidade
aristocrática agonística - do grego “agon”, que significa “guerra”, conflito” - que os valores gregos
são forjados e reproduzidos em suas obras artísticas. É na guerra que o grego encontra sua mais
alta e nobre atividade – pois é ela quem permite a perpetuação e aumento do poder.
Nada é mais honroso do que morrer na guerra no ápice da saúde do corpo físico - vide a
história de Aquiles que vai até a guerra de Troia em busca da glória, mesmo tendo ciência de seu
doloroso destino. É contra essa moralidade viciosa, que coloca os valores bélicos acima dos
racionais, que defende a cólera e a ira como instrumentos da vida virtuosa, que cria uma imagem
distorcida da verdadeira virtude que Platão se opõe e conclui não haver bons exemplos para a
educação dos jovens nas Epopeia gregas, fonte de corrupção e não de elevação da alma.
Do ponto de vista ontológico a arte se configura como “mimesis”, ou seja, como imitação da
realidade sensível. Se é imitação da realidade sensível e esta, por sua vez, é cópia da realidade
inteligível, a arte passa a ser a cópia da cópia, desse modo se encontra duas vezes mais distante
do real. A arte figurativa, portanto, imita a aparência, não o real. Logo, Platão nega o poder da arte.
A arte deve ser banida da cidade ideal, uma vez que corrompe o homem por cultivar as partes
irracionais e inferiores da alma e por distanciar o ser humano da verdade, uma vez que é apenas
imitação da realidade sensível, é distanciamento do verdadeiro.
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Exercícios
1 - (UENP – 2015)
“Conosco homens, aí se diz, se passa o mesmo que com prisioneiros, que se achassem numa
caverna subterrânea, encadeados, desde o nascimento, a um banco, de modo a nunca poderem
voltar-se, e assim só poderem ver a parede oposta à entrada. Por detrás deles, na entrada da
caverna, corre por toda a largura dela, um muro da altura de um homem, e por trás deste, arde uma
fogueira. Se entre esta e o muro passarem homens transportando imagens, estátuas, figuras de
animais, utensílios etc, que ultrapassem a altura do muro, então as sombras desses objetos, que o
fogo faz aparecerem, se projetam na parede da caverna, e os prisioneiros também percebem, além
da sombra, o eco das palavras pronunciadas pelos homens que passam. Como esses prisioneiros
nunca perceberam outra coisa senão as sombras e o eco, têm eles essas imagens pela verdadeira
realidade. Se eles pudessem, por uma vez, voltar-se e contemplar, a luz do fogo, os próprios
objetos, cujas sombras foram apenas o que até agora viram; e se pudessem ouvir diretamente os
sons, além dos ecos até então ouvidos, sem dúvida ficariam atônitos com essa nova realidade. Mas
se além disso pudessem, fora da caverna e à luz do sol, contemplar os próprios homens vivos, bem
como os animais e as coisas reais, de que as figuras projetadas na caverna eram apenas cópias,
então ficariam de todo fascinados com essa realidade de forma tão diversa.”
PLATÃO, 7.º livro da República, p.514 ss.
a) Os homens acorrentados no fundo da caverna são aqueles que passam a vida contemplando
sombras, acreditando que elas correspondem à realidade e à verdade.
b) Para Platão existem três níveis de conhecimento: o primeiro é chamado de agnosis, que significa
ignorância, e corresponde ao estágio dos homens no interiorda caverna; o segundo é denominado
de doxa, ou opinião, e é o primeiro estágio de conhecimento, que se forma logo após os homens
saírem da caverna e contemplarem a realidade; o terceiro é designado pela palavra grega
epistheme, que significa ciência, ou o conhecimento em sua integralidade.
c) Para Platão existe um único mundo sensível e inteligível, de forma que os homens devem
aprender com a experiência a distinguir o conhecimento verdadeiro de impressões falsas dos
sentidos.
d) O visível, para Platão, corresponde ao império dos sentidos captado pelo olhar e dominado pela
subjetividade. É o reino do homem comum preso, às coisas do cotidiano.
e) O inteligível, para Platão, diz respeito à razão. É o reino do homem sábio, que desconfia das
primeiras impressões e busca um conhecimento das causas da realidade.
2 - (UEPA - 2015)
Leia o texto para responder à questão.
Platão:
“A massa popular é assimilável por natureza a um animal escravo de suas paixões e de seus
interesses passageiros, sensível à lisonja, inconstante em seus amores e seus ódios; confiar-lhe o
poder é aceitar a tirania de um ser incapaz da menor reflexão e do menor rigor. Quanto às pretensas
discussões na Assembleia, são apenas disputas contrapondo opiniões subjetivas, inconsistentes,
cujas contradições e lacun as traduzem bastante bem o seu caráter insuficiente”.
(Citado por: CHATELET, F. História das Ideias Políticas. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 17)
a) oligarquia
b) república
c) democracia
d) monarquia
e) plutocracia
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3 - (ENEM 2014)
No centro da imagem, o filósofo Platão é retratado apontando para o alto. Esse gesto significa que
o conhecimento se encontra em uma instância na qual o homem descobre a
4 - (ENEM 2012)
“Para Platão, o que havia de verdadeiro em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um
objeto de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e
objeto sensível ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas
irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formava-se em sua mente.”
ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado).
O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um aspecto essencial da Doutrina das
Ideias de Platão (427–346 a.C.). De acordo com o texto, como Platão se situa diante dessa relação?
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5 – (UFPR – 2019)
“Quando soube daquele oráculo, pus-me a refletir assim: “Que quererá dizer o Deus? Que sentido
oculto pôs na resposta? Eu cá não tenho consciência de ser nem muito sábio nem pouco; que
quererá ele então significar declarando-me o mais sábio? Naturalmente não está mentindo, porque
isso lhe é impossível”. Por longo tempo fiquei nessa incerteza sobre o sentido; por fim, muito contra
meu gosto, decidi-me por uma investigação, que passo a expor.”
(PLATÃO. Defesa de Sócrates. Trad. Jaime Bruna. Coleção Os Pensadores. Vol. II. São Paulo:
Victor Civita, 1972, p. 14.)
O texto acima pode ser tomado como um exemplo para ilustrar o modo como se estabelece, entre
os gregos, a passagem do mito para a filosofia. Essa passagem é caracterizada:
6 - (ENEM - 2016)
“Estamos, pois, de acordo quando, ao ver algum objeto, dizemos: “Este objeto que estou vendo
agora tem tendência para assemelhar-se a um outro ser, mas, por ter defeitos, não consegue ser
tal como o ser em questão, e lhe é, pelo contrário, inferior”. Assim, para podermos fazer estas
reflexões, é necessário que antes tenhamos tido ocasião de conhecer esse ser de que se aproxima
o dito objeto, ainda que imperfeitamente.”
7 - (ENEM - 2016)
“Os andróginos tentaram escalar o céu para combater os deuses. No entanto, os deuses em um
primeiro momento pensam em matá-los de forma sumária. Depois decidem puni-los da forma mais
cruel: dividem-nos em dois. Por exemplo, é como se pegássemos um ovo cozido e, com uma linha,
dividíssemos ao meio. Desta forma, até hoje as metades separadas buscam reunir-se. Cada um
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com saudade de sua metade, tenta juntar-se novamente a ela, abraçando-se, enlaçando-se umao
outro, desejando formar um único ser”. (PLATÃO. O banquete. São Paulo: Nova Cultural, 1987)
8 - (UNESP – 2009)
“O que é terrível na escrita é sua semelhança com a pintura. As produções da pintura apresentam-
se como seres vivos, mas se lhes perguntarmos algo, mantêm o mais solene silêncio.
O mesmo ocorre com os escritos: poderíamos imaginar que falam como se pensassem, mas se os
interrogarmos sobre o que dizem (…) dão a entender somente uma coisa, sempre a mesma (…) E
quando são maltratados e insultados, injustamente, têm sempre a necessidade do auxílio de seu
autor porque são incapazes de se defenderem, de assistirem a si mesmos.”
Platão, Fedro ou Da beleza. São Paulo; Guimarães, 1998
Nesse fragmento, Platão compara o texto escrito com a pintura, contrapondo-os à sua concepção
de filosofia.
Assinale a alternativa que permite concluir, com apoio do fragmento apresentado, uma das
principais características do platonismo.
“Tudo isso ela [Diotima] me ensinava, quando sobre as questões de amor [eros] discorria, e uma
vez ela me perguntou: – que pensas, ó Sócrates, ser o motivo desse amor e desse desejo? A
natureza mortal procura, na medida do possível, ser sempre e ficar imortal. E ela só pode assim,
através da geração, porque sempre deixa um outro ser novo em lugar do velho; pois é nisso que
se diz que cada espécie animal vive e é a mesma. É em virtude da imortalidade que a todo ser
esse zelo e esse amor acompanham.” (Adaptado de: PLATÃO. O Banquete. 4.ed. São Paulo:
Nova Cultural, 1987, p.38-39. Coleção Os Pensadores.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o amor em Platão, assinale a alternativa correta.
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a) A aspiração humana de procriação, inspirada por Eros, restringe-se ao corpo e à busca da beleza
física.
b) O eros limita-se a provocar os instintos irrefletidos e vulgares, uma vez que atende à mera
satisfação dos apetites sensuais.
c) O eros físico representa a vontade de conservação da espécie, e o espiritual, a ânsia de
eternização por obras que perdurarão na memória.
d) O ser humano é idêntico e constante nas diversas fases da vida, por isso sua identidade iguala-
se à dos deuses.
e) Os seres humanos, como criação dos deuses, seguem a lei dos seres infinitos, o que lhes permite
eternidade.
10 – (UEL - 2015)
“A arte de imitar está bem longe da verdade, e se executa tudo, ao que parece, é pelo facto de
atingir apenas uma pequena porção de cada coisa, que não passa de uma aparição.”
Adaptado de: PLATÃO. A República. 7.ed. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa:
Calouste Gulbenkian, 1993. p.457.
Adaptado de: ARISTÓTELES. Poética. 4.ed. Trad. De Eudoro de Souza. São Paulo: Nova Cultural,
1991. p.203. Coleção “Os Pensadores”.
Com base nos textos, nos conhecimentos sobre estética e a questão da mímesis em Platão e
Aristóteles, assinale a alternativa correta.
a) Para Platão, a obra do artista é cópia de coisas fenomênicas, umexemplo particular e, por isso,
algo inadequado e inferior, tanto em relação aos objetos representados quanto às ideias universais
que os pressupõem.
b) Para Platão, as obras produzidas pelos poetas, pintores e escultores representam perfeitamente
a verdade e a essência do plano inteligível, sendo a atividade do artista um fazer nobre,
imprescindível para o engrandecimento da pólis e da filosofia.
c) Na compreensão de Aristóteles, a arte se restringe à reprodução de objetos existentes, o que
veda o poder do artista de invenção do real e impossibilita a função caricatural que a arte poderia
assumir ao apresentar os modelos de maneira distorcida.
d) Aristóteles concebe a mímesis artística como uma atividade que reproduz passivamente a
aparência das coisas, o que impede ao artista a possibilidade de recriação das coisas segundo
uma nova dimensão.
e) Aristóteles se opõe à concepção de que a arte é imitação e entende que a música, o teatro e a
poesia são incapazes de provocar um efeito benéfico e purificador no espectador.
11 - (UEL - 2011)
Para esclarecer o que seja a imitação, na relação entre poesia e o Ser, no Livro X de A República,
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Platão parte da hipótese das ideias, as quais designam a unidade na pluralidade, operada pelo
pensamento. Ele toma como exemplo o carpinteiro que, por sua arte, cria uma mesa, tendo
presente a ideia de mesa, como modelo. Entretanto, o que ele produz é a mesa e não a suaideia.
O poeta pertence à mesma categoria: cria um mundo de mera aparência.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria das ideias de Platão, é correto afirmar:
a) Deus é o criador último da ideia, e o artífice, enquanto co-participante da criação divina, alcança
a verdadeira causa das coisas a partir do reflexo da ideia ou do simulacro que produz.
b) A participação das coisas às ideias permite admitir as realidades sensíveis como as causas
verdadeiras acessíveis à razão.
c) Os poetas são imitadores de simulacros e por intermédio da imitação não alcançam o
conhecimento das ideias como verdadeiras causas de todas as coisas.
d) As coisas belas se explicam por seus elementos físicos, como a cor e a figura, e na materialidade
deles encontram sua verdade: a beleza em si e por si.
e) A alma humana possui a mesma natureza das coisas sensíveis, razão pela qual se torna capaz
de conhecê-las como tais na percepção de sua aparência.
12 - (UEL - 2011)
Platão, em A República, tem como objetivo principal investigar a natureza da justiça, inerente à
alma, que, por sua vez, manifesta-se como protótipo do Estado ideal. Os fundamentos do
pensamento ético-político de Platão decorrem de uma correlação estrutural com constituição
tripartite da alma humana. Assim, concebe uma organização social ideal que permite assegurar a
justiça. Com base neste contexto, o foco da crítica às narrativas poéticas, nos livros II e III, recai
sobre a cidade e o tema fundamental da educação dos governantes. No Livro X, na perspectiva da
defesa de seu projeto ético-político para a cidade fundamentada em umlogos crítico e reflexivo que
redimensiona o papel da poesia, o foco desta crítica se desloca para o indivíduo ressaltando a
relação com a alma, compreendida em três partes separadas, segundo Platão: a racional, a
apetitiva e a irascível.
Com base no texto e na crítica de Platão ao caráter mimético das narrativas poéticas e sua relação
com a alma humana, é correto afirmar:
13 - (UENP - 2011)
Platão foi um dos filósofos que mais influenciaram a cultura ocidental. Para ele, a filosofia tem um
fim prático e é capaz de resolver os grandes problemas da vida. Considera a alma humana
prisioneira do corpo, vivendo como se fosse um peregrino em busca do caminho de casa. Para
tanto, deveria transpor os limites do corpo e contemplar o inteligível. Assinale a alternativa correta.
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a) A teoria das ideias não pode ser considerada uma chave de leitura aplicável a todo pensamento
platônico.
b) Como Sócrates, Platão desenvolveu uma ética racionalista que desconsiderava a vontade como
elemento fundamental entre os motivadores da ação. Ele acreditava que o conhecimento do bem
era suficiente para motivar a conduta de acordo com essa ideia (agir bem).
c) Platão propõe um modelo de organização política da sociedade que pode ser considerado
estamental e antidemocrático. Para ele, o governo não deveria se pautar pelo princípio da maioria.
As almas têm natureza diversa, de acordo com sua composição, isso faz com que os homens
devam ser distribuídos de acordo com essa natureza, divididos em grupos encarregados do
governo, do controle e do abastecimento da polis.
d) Platão chamava o conhecimento da verdade de doxa e o contrapõe a uma outra forma de
conhecimento (inferior) denominada episteme.
e) Para Platão, a essência das coisas é dada a partir da análise de suas causas material e final.
14 - (UEL 2014)
( ) As três imagens do Bem na cidade justa de Platão, o Anel de Giges, a Imagem da Linha e a
da Caverna, correspondem, respectivamente, à organização das três classes da República.
( ) Na cidade imaginária de Platão, em todas as classes se contestam a família nuclear e a
propriedade privada, fatores indispensáveis à constituição de uma comunidade ideal.
( ) Na cidade platônica, é dever do filósofo supri-la materialmente com bens duráveis e alimentos,
bem como ser responsável pela sua defesa.
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a) V – V – F – F – F.
b) V – F – V – V – F.
c) F – V – V – F – V.
d) F – V – F – V – F.
e) F – F – F – V – V.
Gabarito
1 –c
2 –c
3 –b
4 –d
5 –b
6 –d
7 –d
8 –a
9 –c
10 – a
11- c
12 – d
13 – c
14 - e
Aula 6
Aristóteles (384-383 a.C.)
Aristóteles nasceu em Estagira, na fronteira macedônica. Seu pai, Nicomaco, era médico do
rei Filipe II da Macedônia. Ingressou na academia platônica em Atenas com cerca de dezoito anos.
Enquanto Platão viveu Aristóteles permaneceu na academia, cerca de vinte anos de estudos e
convivência com o mestre. Após a morte de Platão em 347a.C., Aristóteles abandonou a
academia a viajou para a Ásia Menor. Passa por Assos e Mitilene ensina filosofia e pesquisa
ciências naturais.
Em 343 a.C. inicia um novo período em sua vida. Filipe, rei da Macedônia, o convida para
se tornar preceptor de seu filho Alexandre, que contava 13 anos de idade. Pouco se sabe sobre
esse período. Aristóteles compartilhada da ideia de Alexandre de unificar todas as pólis gregas
sob o domínio da Macedônia, mas não compreendia a ideia de helenizar os não gregos e igualá-
los aosgregos, Aristóteles considerava-os como bárbaros.
Em 335 a.C. volta finalmente à Atenas e funda sua escola, chamada Liceu. O nome se
origina do nome anterior do templo, dedicado à Apolo Lício. Aristóteles ministrava suas aulas
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passeando peloscaminhos dos jardins próximo ao templo, assim a escola ficou também conhecida
como “Perípato”– do grego peripátos, “passeio”. Este foi o período mais fecundo da produção
aristotélica, tempo em que o filósofo terminou a maioria de seus tratados.
Os escritos aristotélicos podem ser divididos em dois grupos: exotéricos – destinos ao
público leigo – e os esotéricos – dedicados aos iniciados na filosofia aristotélica, seus discípulos. O
primeiro conjunto de escritos se perdeu totalmente, nos restando apenas os escritos do segundo
grupo, que na verdade trata-se de anotações de aula, por essa razão constituem um estilo mais
objetivo e árido, do ponto de vista literário.
Aristóteles manteve profunda relação com seu mestre Platão. Diógenes de Laércio, filósofo
da antiguidade, o define como o mais autêntico discípulo de Platão. Isso não porque Aristóteles
defendeu as mesmas posições filosóficas que o mestre, mas justamente porque foi além das
concepções platônicas. Podemos interpretar essa ruptura com a filosofia do mestre a partir de três
diferenças fundamentais.
Uma primeira distinção é que o filósofo de Estagira não utiliza – ao menos nas obras
esotéricas que nos chegaram – o elemento místico-religioso, tão fortemente presente nas obras de
Platão, submetendo seu filosofar a um rigor mais racional e científico. E uma segunda é o interesse
para a ciência que vai influenciar o filosofar. Se na filosofia platônica encontramos o elogio das
ciências matemáticas, como pré-requisito para o conhecimento do verdadeiro, em Aristóteles não
encontraremos essa preocupação.
Aristóteles se volta para a investigação das ciências empíricas - como a física, zoologia,
biologia – e para a consideração dos fenômenos empíricos em si mesmos – o que para Platão
jamais poderia se constituir como base da ciência verdadeira, a episteme -, assim nutre paixão pela
classificação e coleta de dados empíricos e não pela ciência matemática, que formula seus
postulados e axiomas a priori, ou seja, independentes da experiência empírica.
Um terceiro ponto de distinção entre mestre e discípulo é o ponto de vista literário, ligado ao
método do filosofar e a forma de constituição da teoria. Em Platão encontramos a ironia e maiêutica
socrática fundindo-se com forma poética profunda e a um discurso filosófico sempre aberto ao
filosofar. Já nas obras aristotélicas encontramos uma preocupação com sistematização e
organização estática e fixa do conhecimento, o que resulta em uma racional classificação do corpo
científico.
Divisão das ciências: hierarquia e classificação do corpo científico
Aristóteles foi o primeiro pensador a sistematizar a ciência em um conjunto unificado e
coeso, dividindo-a e classificando-a de acordo com suas características. Como resultado temos a
formulação de uma verdadeira enciclopédia do saber. O filósofo elabora alguns critérios para
poder classificá-las. Ele divide a ciências em: teoréticas, práticas e produtivas. As teoréticas
são aquelas que se dirigem ao saber por ele mesmo, as práticas aquelas que se dirigem ao saber
em busca de um fim e as produtivas aquela que se dirigem à produção de alguma obra ou objeto. A
ciência teorética é superior à prática e a produtiva por que sabe explicar o porquê, a causa das
coisas, já a prática e a produtiva, que visam, sobretudo, o fazer, nada explicam. Desse modo mais
sábio é aquele que conhece a causa primeira, o porquê, que possui a ciência teorética, pro
excelência, a Metafísica, logo possuí a o conhecimento Deus – o Primeiro Motor Imóvel.
As ciências teoréticas são compostas por: metafísica ou filosofia primeira que se subdivide
em teologia, ontologia e princípios do pensamento (lógica) ; matemática que se subdivide em
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Teoria da Substância
Aristóteles estabelece uma distinção entre mundo sublunar e mundo supralunar para se
referir à totalidade do cosmo físico. O mundo sublunar é aquele que se encontra abaixo da lua, por
essa razão sujeito à ação do devir, o mundo supralunar se encontra acima da lua e é constituído
pelos astros e estes não estão sujeitos à ação do devir e além desses dois mundos, além do
cosmo físico, se encontra o Primeiro Motor Imóvel, ou Deus. O pensador elabora uma distinção
entre os tipos de substância conforme o lugar onde elas se situam.
cadeira, por exemplo, possuí essencialmente os atributos: pernas, encosto e acento. Os atributos
acidentais são imprevisíveis, pois uma cadeira pode ser de madeira, ferro, plástico etc.
Teoria das quatro causas
Aristóteles define que conhecemos as coisas quando conhecemos sua causa. Desse modo,
a metafísica é entendida como a filosofia primeira justamente por que é a ciência das causas
primeiras. As causas podem explicar os movimentos de transformação dos objetos, melhor
dizendo, pode explicar o devir - passagem do ser para o não-ser, que pode ser entendido como a
ganha e perda de atributos. Em relação ao mundo sublunar - abaixo da lua - são quatro as causas
que explicam os movimentos de transformação das coisas.
A primeira causa é a chamada causa material. Podemos entender a causa material como a
matéria do que o objeto em questão é constituído. Uma estátua de bronze, por exemplo, possui no
bronze sua causa material. Porém, explicar do que o objeto é composto não basta para que o
conheçamos, é necessária compreender a segunda causa, a formal. A causa formal indica a forma
(essência) do objeto, que é aquilo que permite nos permite reconhecer um objeto. Aquilo que é
composto de matéria e forma é denominado substância.
Explicar a causa material e formal de um objeto se limita a determinar sua composição e
estrutura, não explica o como ele se transforma, não resolve o problema do devir. Para isso
Aristóteles desenvolve as ideias de causa eficiente e causa final. A causa eficiente pode ser
entendida como aquilo que gera, que origina o objeto e a causa final como o objetivo, a finalidade
que o objeto se dirige. Como por exemplo: a causa final da semente é ser árvore. Faz parte de
sua própria natureza. Há aqui, por conseguinte, uma identificação entre finalidade e natureza, ou
seja, a natureza de uma substância é a finalidade para a qual ela se dirige. Ainda, ao atingir sua
natureza e finalidade, a substância se torna “completa” de algum modo, assim atinge a perfeição
para a qual o cosmo a destinou.
Teologia
As substâncias são de três naturezas distintas: sensíveis e perecíveis, sensíveis e eternas
e a suprassensível - como vimos na teoria da substância, acima. A teologia - ciência que investiga
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o “theos”, que significa “Deus” - é a parte da metafísica que investiga esse terceiro tipo de
substância, que é chamada por Aristóteles de Primeiro Motor Imóvel - substância imaterial que é
além do cosmo físico e é incorruptível. Para Aristóteles tudo que é movido só está em movimento
porque um princípio motor atuou sobre ele. E a causa primeira de todo o movimento é o Primeiro
Motor.
Tomemos como exemplo um homem que arremessa uma pedra. Ao movimento da pedra
atribuímos o seu princípio motor, ou seja, sua causa de movimento ao homem e à ação do homem
atribuímos seu princípio motor à sua alma. Assim sendo, para todo movimento existente no
cosmos encontramos uma causa. Porém, essa cadeia de sucessões de causa e movimento não
pode ser infinita, pois levaríamos o argumento ao absurdo. Deve haver, por conseguinte, uma
causa primeira que ela mesma não possui causa, incausada - pois ela mesma não se move.
De que modo o Primeiro Motor a tudo movimenta sem ele mesmo se mover? A filosofia
aristotélica é considerada teleológica, ou seja, considera que tudo que tem existência possui um
fim. O fim de uma coisa é a sua atualização - potência tornando-se ato -, atualizar-se é atingir sua
natureza, alcançar sua natureza é conquistar sua finalidade - aquilo para o que a coisa tende a se
mover, pois todas as coisas são em ato e se realizam em potência. Portanto, afirmamos que o
primeiro motor é inteiramente privado de potencialidade – uma vez que não se move e que não
possui materialidade (é impossível a transformação daquilo que é espiritual, justamente por sua
natureza transcendente), é puro ato e sendo puro ato é a pura Perfeição.
O primeiro motor que é puro ato e movimenta as demais substâncias sem ela mesmo se
movimentar, é a causa primeira de tudo que se move considerada, ao mesmo tempo, do ponto de
vista da causa eficiente e da final. É eficiente porquê é aquilo que altera e movimenta as
substâncias - porém, com particularidade de ela mesma não se mover para movimentar – e é final
na medida que todas as cosas ao se dirigirem para sua finalidade e perfeição, se direcionam para
o Primeiro Motor Imóvel. Mas por qual razão? Todas as coisas que tendem a sua atualização o
fazem por amor ao Primeiro Motor Imóvel, pois quando uma coisa se atualiza e atinge sua
potência está se tornando mais perfeita, assim tudo que existe imita atividade perfeita do Primeiro
Motor Imóvel, que é pura atividade contemplativa.
Tudo o que que existe sempre existiu e sempre existirá, substâncias e movimentos são
eternos, desse modo o Primeiro Motor não a causa primeira na medida que cria tudo, ou que origina
e constitui tudo, mas sim ao passo que é a causa do devir porquê as coisas se atualizam a atingem
seu fim por amá-lo e imitá-lo. Tal como o objeto belo atrai um sujeito, movimentando-o, o Primeiro
Motor Imóvel atrai tudo para si por sua perfeição.
Lógica formal
A lógica formal aristotélica é considerada não parte do corpo científico propriamente, por
não ser uma ciência, mas parte do Organum aristotélico (do grego “órganom”, que significa
“instrumento”), um instrumento para a elaboração do conhecimento verdadeiro – seu método, de
modo mais específico, o método dedutivo. Ela estuda a forma e a regra que utilizamos para
pensar as coisas, ou seja, revela como opera o pensamento, como se estrutura um raciocínio por
meio de proposições e como são possíveis argumentos demonstrativos. As proposições são
entendidas como toda sentença em que lhe é possível atribuir um valor lógico – verdadeiro ou
falso.
Em oposição à dialética platônica, que segundo Aristóteles, por seu caráter dialógico,
poderia levar a definições imprecisas e relativas. Por essa razão Aristóteles formulou o silogismo
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das ações estão sempre condicionados e subordinados a um fim último e supremo, o qual todos
os fins são desejados em direção a ele: a felicidade. Não fosse a o ciclo de meios e fins seria
interminável e a vida carente de uma meta final. Para o filósofo a felicidade é a coisa mais nobre e
bela que podemos alcançar, é, portanto, o fim último e supremo da vida humana.
Para determinar o que é a felicidade – do ponto de vista ético – Aristóteles elege quatro tipos
principais de modos de vida e defende que apenas um deles como o único modo de se atingir a
vida feliz na pólis grega – embora não descarte os elementos constituintes dos outros tipos de
vida, apenas acredita que neles mesmos não alcançamos a felicidade. A primeira proposta é a
vida dos prazeres. Porém, o filósofo rejeita a vida hedonista como projeto de vida feliz, uma vez
que este tipo de vida se volta para partes inferiores da alma – a parte sensitiva -, defende ele que
se assemelha à vida dos escravos e dos animais.
A segunda proposta é a vida das honras – em uma tentativa de analogia, podemos dizer que ela é
equivalente à ideia de sucesso e de celebridade nos tempos atuais. A vida das honras também é
rejeitada, uma vez que as honrarias dependem mais de quem a confere do que quem a recebe,
facultando a possibilidade de felicidade do indivíduo ao outro e nãoa si próprio. A terceira proposta
aristotélica é a vida das riquezas, mas essa também é rejeitada, pois a riqueza não é um fim em si
mesmo, mas sim um meio para se atingir outros fins.
Prazer, honra e riqueza são elementos importantes para uma boa vida, mas não serão eles
em si mesmos que nos podem trazer felicidade. A quarta proposta aristotélica para projeto de vida
feliz é a vida contemplativa, eleita como oprojeto de vida feliz. É a partir da contemplação filosófica
que adquirimos os conhecimentos mais elevados e superiores. Neste caso, o bem supremo para o
ser humano e a felicidade é a possibilidade de se desenvolver e se aprimorar racionalmente. O
aprimoramento diz respeito justamente a atividade que é singular dos seres humanos e o que os
define enquanto tal: atividade racional. Viver segundo a atividade racional é se dedicar ao
conhecimento daquilo que é necessário e imutável: a metafísica, ou seja, Deus.
Como solucionar o embate entre razão e desejo? O ser humano é totalmente capaz de se
fazer valer de sua racionalidade a ponto de domesticar a faculdade desejante, de modo que essa
obedeça e escute os ditames da razão. O homem que domestica seu desejo é o homem virtuoso,
em contraposição àquele que apenas obedece a seus desejos, o vicioso.
Esse tipo de virtude se adquire através do hábito, e o hábito, por sua vez, é adquirido através
da repetição. Deste modo, é virtuoso aquele que está habituado a praticar a virtude e não aquele
que a prática de forma esporádica. Como são muitos os impulsos que a razão deve moderar,
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também muitas serão as virtudes que o ser humano deve praticar. Os impulsos, desejos e
sentimentos sempre tendem ao excesso ou falta, cabe à razão intervir e impor a estes impulsos o
meio-termo, a medida, a moderação. O justo-meio é a vitória da razão sobre os desejos. Adquirir
o hábito da virtude significa educar a razão para a prática da autonomia: o que regula as ações
são as regras internas da razão e não os objetos que nos surgem ou que buscamos e aos quais
dirigimos o nosso desejo e prazer.
A Poética
A poética é a obra aristotélica dedicada ao estudo da arte e da poesia. Para classificar os
tipos de arte e qual o seu gênero de saber, Aristóteles distingue a poesia da história e da
Filosofia. A poesia – representada por todas as formas artísticas: pintura, escultura, música,
dança, teatro e epopeia – se aproxima da filosofia e se distancia da história. A história visa a
narração de fatos concretos e particulares. A poesia é atividade imitativa. Imita ações e paixões
humanas ao representar seus vícios e suas virtudes por meio de gestos, fala, sons, formas,
figuras, etc. Ao imitar as ações e paixões humanas ela se torna uma manifestação do ser humano
em geral: ao falar de Aquiles, fala da estirpe corajosa e destemida de ser humano; ao falar de
Édipo, fala na tragédia que pode acometer a tragédia a partir de desvios de conduta.
É por essa razão que ela se distancia da história e se aproxima da Filosofia: essa também
busca os universais, porém de modo totalmente diverso, por isso uma analogia e não uma
homologia entre elas. A Filosofia é um discurso racional e a poesia um discurso mitológico. Ainda:
se distancia da história também por não se restringir aos fatos ocorridos, mas também ao que
pode vir a ocorrer, uma narrativa fantasiosa, portanto, sem compromisso exato com os fatos reais
imediatos. Porem, ao recriar o real, não o faz com uma ruptura completa com a lógica, o recria
sempre dentro de uma ótica de verossimilhança - aquilo que a razão vislumbra como possível de
ocorrer.
Exercícios
1 - (UFU - 2018)
"O filósofo natural e o dialético darão definições diferentes para cada uma dessas afecções. Por
exemplo, no caso da pergunta "O que é a raiva?", o dialético dirá que se trata de um desejo de
vingança, ou algo deste tipo; o filósofo natural dirá que se trata de um aquecimento do sangue ou
de fluidos quentes do coração. Um explica segundo a matéria, o outro, segundo a forma e a
definição. A definição é o "o que é" da coisa, mas, para existir, esta precisa da matéria."
Aristóteles. Sobre a alma, I,1 403a 25-32. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2010.
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Considerando-se o trecho acima, extraído da obra Sobre a Alma, de Aristóteles (384-322 a.C.),
assinale a alternativa que nomeia corretamente a doutrina aristotélica em questão.
a) Teoria das categorias.
b) Teoria do ato-potência.
c) Teoria das causas.
d) Teoria do eudaimonismo.
2 - (ENEM - 2017)
“Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais
é desejado no interesse desse fim; evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem. Mas
não terá o conhecimento, porventura, grande influência sobre essa vida? Se assim é, esforcemo-
nos por determinar, ainda que em linhas gerais apenas, o que seja ele e de qual das ciências ou
faculdades constitui o objeto. Ninguém duvidará de que o seu estudo pertença à arte mais
prestigiosa e que mais verdadeiramente se pode chamar a arte mestra. Ora, a política mostra ser
dessa natureza, pois é ela que determina quais as ciências que devem ser estudadas num Estado,
quais são as que cada cidadão deve aprender, e até que ponto; e vemos que até as faculdades
tidas em maior apreço, como a estratégia, a economia e a retórica, estão sujeitas a ela. Ora, como
a política utiliza as demais ciências e, por outro lado, legisla sobre o que devemos e o que não
devemos fazer, a finalidade dessa ciência deve abranger as das outras, de modo que essa
finalidade será o bem humano.”
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Pensadores. São Paulo: Nova Gunman 1991 (adaptado).
Para Aristóteles, a relação entre o sumo bem e a organização da pólis pressupõe que
a) o bem dos indivíduos consiste em cada um perseguir seus interesses.
b) o sumo bem é dado pela fé de que os deuses são os portadores da verdade.
c) a política é a ciência que precede todas as demais na organização da cidade.
d) a educação visa formar a consciência de cada pessoa para agir corretamente.
e) a democracia protege as atividades políticas necessárias para o bem comum.
Aristóteles considera a ética como pertencente ao campo do saber prático. Nesse sentido, ela
difere-se dos outros saberes porque é caracterizada como
a) conduta definida pela capacidade racional de escolha.
b) capacidade de escolher de acordo com padrões científicos.
c) conhecimento das coisas importantes para a vida do homem.
d) técnica que tem como resultado a produção de boas ações.
e) política estabelecida de acordo com padrões democráticos de deliberação.
A Igreja Católica por muito tempo impediu a divulgação da obra de Aristóteles pelo fato de a obra
aristotélica
a) valorizar a investigação científica, contrariando certos dogmas religiosos.
b) declarar a inexistência de Deus, colocando em dúvida toda a moral religiosa.
c) criticar a Igreja Católica, instigando a criação de outras instituições religiosas.
d) evocar pensamentos de religiões orientais, minando a expansão do cristianismo.
e) contribuir para o desenvolvimento de sentimentos antirreligiosos, seguindo sua teoria política.
5 - (UEL - 2015)
Leia o texto a seguir:
“É pois manifesto que a ciência a adquirir é a das causas primeiras (pois dizemos que conhecemos
cada coisa somente quando julgamos conhecer a sua primeira causa); ora, causa diz-se em quatro
sentidos: no primeiro, entendemos por causa a substância e a essência (o “porquê” reconduz-se
pois à noção última, e o primeiro “porquê” é causa e princípio); a segunda causa é a matéria e o
sujeito; a terceira é a de onde vem o início do movimento; a quarta causa, que se opõe à
precedente, é o “fim para que” e o bem (porque este é, com efeito, o fim de toda a geração e
movimento).”
Adaptado de: ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. De Vincenzo Cocco. São Paulo: Abril S. A.
Cultural, 1984. p.16. (Coleção Os Pensadores.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o tema, assinale a alternativa que indica,
corretamente, a ordem em que Aristóteles apresentou as causas primeiras.
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8- (ENEM - 2013)
“A felicidade é, portanto, a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo, e esses
atributos não devem estar separados como na inscrição existente em Delfos “das coisas, a mais
nobre é a mais justa, e a melhor é a saúde; porém, a mais doce é ter o que amamos”. Todos estes
atributos estão presentes nas mais excelentes atividades, e entre essas a melhor, nós a
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9 – (UFU-2012)
“Em primeiro lugar, é claro que, com a expressão “ser segundo a potência e ato”, indicam-se dois
modos de ser muito diferentes e, em certo sentido, opostos. Aristóteles, de fato, chama o ser da
potência até mesmo de não-ser, no sentido de que, em relação ao ser-em-ato, o ser em potência
é o não-ser em ato.”
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. Vol. II. São Paulo: Loyola, 1994, p. 349.
A partir da leitura do trecho acima e em conformidade com a Teoria do Ato e Potência de Aristóteles,
assinale a alternativa correta.
A) Para Aristóteles, ser-em-ato é o ser em sua capacidade de se transformar em algo diferente dele
mesmo, como, por exemplo, o mármore (ser-em-ato) em relação à estátua (ser-em-potência).
10 – (UFU – 2011)
“Segundo Aristóteles, tudo tende a passar da potência ao ato; tudo se move de uma para outra
condição. Essa passagem se daria pela ação de forças que se originamde diferentes motores, isto
é, causas ou seres que promovem esta mudança. No entanto, se todo o universo sofre
transformações, o estagirita afirmava que deveria haver um Primeiro Motor.”
CHALITA, Gabriel. Vivendo a filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2006, p. 58.
Com base em seus conhecimentos e no texto acima, assinale a alternativa que contenha duas
características do primeiro motor.
A) O primeiro motor é imóvel, caso contrário, alguma causa deveria movê-lo e ele não seria mais
o primeiro motor; é imutável, porque é ato puro.
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B) O primeiro motor é imóvel, mas não imutável, pois pode ocorrer de se transformar algum dia,
como tudo no Universo.
C) O primeiro motor é imutável, mas não imóvel, pois do seu movimento ele gera os demais
movimentos do Universo.
D) O primeiro motor não é imóvel, nemimutável, pois isto seria umabsurdo teórico. Para Aristóteles,
o primeiro motor é móvel e mutável, como tudo.
11 - (UEL – 2011)
Leia o texto a seguir.
“A virtude é, pois, uma disposição de caráter relacionada com a escolha e consiste numa mediania,
isto é, a mediania relativa a nós, a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem
dotado de sabedoria prática.”
(Aristóteles. Ética a Nicômaco. Trad. de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim. São Paulo: Abril
Cultural, 1973. Livro II, p. 273.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a situada ética em Aristóteles, pode-se dizer que a
virtude ética
a) reside no meio termo, que consiste numa escolha situada entre o excesso e a falta.
b) implica na escolha do que é conveniente no excesso e do que é prazeroso na falta.
c) consiste na eleição de um dos extremos como o mais adequado, isto é, ou o excesso ou afalta.
d) pauta-se na escolha do que é mais satisfatório em razão de preferências pragmáticas.
e) baseia-se no que é mais prazeroso em sintonia com o fato de que a natureza é que nos torna
mais perfeitos.
12 - (UEL - 2ª FASE)
Leia o texto a seguir.
“Aristóteles afirma que os indivíduos são compostos de matéria (hyle) e forma (eidos). A matéria é
o princípio de individuação e a forma a maneira como a matéria se constitui em si. Assim, todos os
indivíduos de uma mesma espécie teriam a mesma forma, mas difeririam do ponto de vista da
matéria, já que se trata de indivíduos diferentes, ao menos numericamente.”
(Adaptado de: MARCONDES, D. Iniciação à História da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein.
2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p.21.)
Com base na diferenciação entre matéria e forma apresentada no texto, indique o significado dos
conceitos de essência e de acidente na teoria do conhecimento de Aristóteles.
13 - (UEL - 2ª FASE)
Leia o texto a seguir.
“O homem, para Aristóteles, é por “natureza um animal político”, isto é, nele é inata a tendência a
viver em sociedade com os próprios semelhantes, não só porque tem a necessidade dos outros
para a sua conservação, mas também porque não poderia ser virtuoso sem as leis e a educação.”
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14 - (UEL - 2012)
“No ethos (ética), está presente a razão profunda da physis (natureza) que se manifesta no
finalismo do bem. Por outro lado, ele rompe a sucessão do mesmo que caracteriza a physis como
domínio da necessidade, com o advento do diferente no espaço da liberdade aberto pela práxis.
Embora, enquanto autodeterminação da práxis, o ethos se eleve sobre a physis, ele reinstaura, de
alguma maneira, a necessidade de a natureza fixar-se na constância do hábito.”
(Adaptado de: VAZ, Henrique C. Lima. Escritos de Filosofia II. Ética e Cultura. 3ª edição. São Paulo:
Loyola. Coleção Filosofia – 8, 2000, p.11-12.)
Com base no texto, é correto afirmar que a noção de physis, tal como empregada por Aristóteles,
compreende:
15 – (UEL – 2020)
[…] a arte imita a natureza [. . .] Em geral a arte perfaz certas coisas que a natureza é incapaz de
elaborar e a imita. Assim, se as coisas que são conforme a arte são em vistas de algo,
evidentemente também o são as coisas conforme à natureza.
ARISTÓTELES, Física I e II. 194 a20; 199 a13-18. Tradução adaptada de Lucas Angioni.
Campinas: IFCH/UNICAMP, 1999. p.47; 58.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre mimesis (imitação) em Aristóteles, assinale a
alternativa correta.
a) O artista deve copiar a natureza, retirando suas imperfeições ao imitá-la com base no modelo
que nunca muda.
b) O procedimento do artista resulta em imitar a natureza de maneira realista, típica do naturalismo
grego.
c) A arte, distinta da natureza, produz imitações desta, mas são criações sem finalidade ou
utilidade.
d) A arte completa a natureza por ser a capacidade humana para criar e produzir o que a natureza
não produz.
P á g i n a | 62
e) A arte produz o prazer em vista de um fim, e a natureza gera em vista do que é útil.
Gabarito
1 –c
2 –c
3 –a
4 –a
5 –c
6 –c
7 –a
8-c
9 –b
10 – a
11 – a
12 - Aristóteles considera que toda substância individual é composta de matéria e forma, o que, de
certo modo, faz com que o dualismo platônico seja contemplado no próprio ser (aquilo que é e que
existe). A forma associa-se às condições essenciais da coisa (ser), tornando-a naquilo que ela é.
É por intermédio da forma que o ser se constitui, sendo o que é. Por exemplo: diversos materiais
(matéria) podem ser utilizados para fabricar mesas e cadeiras. Ambos os seres (cadeiras e mesas)
são formados por materiais diversos. Então, o que as diferenciam do ponto de vista da essência?
O que as tornam diferentes, em essência, é a forma que cada porção de matéria recebe. Desse
modo, a mesa é mesa não em razão da matéria que a constitui, mas em razão da forma que a
determina essencialmente. As diferenças assinaladas na matéria de cada ser são consideradas
acidentes. Logo, os acidentes são as características mutáveis e variáveis que estão registradas na
matéria e não na forma. Um risco, uma mancha ou uma trinca que se observa em uma cadeira, por
exemplo, a torna singular (individual) em relação às demais, sem que isso lhe retire a sua essência
(forma) de ser cadeira.
13 - A definição dada por Aristóteles, segundo a qual o homem é por natureza um animal político,
revela que a sociabilidade é fruto da natureza, a saber, da essência constitutiva do homem. A vida
social é constatada no homem de forma potencial, mas se revela plena na medida emque ele age
na construção de si (ética) e da coletividade (política). Em Aristóteles, está a ideia de que o ser
humano é inacabado, revelando-o como ser de possibilidades, capaz de projetar-se além daquilo
que é. Essa projeção é a maneira encontrada pelo homem para construir-se, para realizar- -se
plenamente, para atualizar-se em relação àquilo que a natureza lhe concedeu apenas
potencialmente, a saber, a sociabilidade e a racionalidade. O homem constrói-se quando se realiza
coletivamente; e, ao realizar-se coletivamente, na verdade, está realizando a sua natureza política.
Contudo, a realização plena do ser humano, na visão aristotélica, está ligada aos valores
partilhados comumente dentro da estrutura política, isto é, os valores éticos. Portanto, a polis é o
lócus que alberga os valores comumente partilhados que contribuem para a realização do cidadão,
o homem político
P á g i n a | 63
14 – B
15 – D
Aula 7
Cultura Helenística e o Epicurismo
A expedição de Alexandre, o Grande (334-323) para o Oriente e suas conquistas territoriais,
com a formação de um vasto império a e teorização de uma monarquia universal divina, causaram
grande impacto na vida espiritual e política do povo grego e culminou na crise da pólis grega. O
ideal da pólis como constituição perfeita de estado – que foi o pilar das teorias políticas clássicas –
chega ao fim e este ideal é substituído pelo ideal cosmopolita. O cidadão grego se transforma em
um súdito do imperador, assim a diferença entre grego e bárbaro é superada pela ideia da igualdade
universal. Esta mudança assinala a passagem da cultura helênica para a helenística.
A cultura helênica clássica, alicerçada em Platão e Aristóteles, perde fôlego e vigor, desse
modo, surgem novas correntes filosóficas neste momento, a saber: cinismo, estoicismo, epicurismo
e ceticismo. Estas novas formas de pensamento são caracterizadas por uma mudança no eixo
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que formulam suas teorias. Deste modo, dizemos que o estoicismo assumiu várias formas, desde
os primeiros gregos como Zenão de Cítio(332-262 a. C.) até os pensadores latinos romanos como
Sêneca (1 – 125 a. C.) e Marco Aurélio 9121 – 180 a.C.). Porém, assim como o epicurismo, consistia
em uma ética de caráter imediatamente prático, voltada para possibilidade de se alcançar a
felicidade através da paz de espírito.
Segundo a perspectiva física dos estoicos, tudo que tem existência no universo é constituído
por dois princípios: um primeiro passivo que é a matéria e um segundo ativo que é a forma – que
os estoicos identificam com deus. Deste modo, Deus é imanente à realidade, e não transcendente,
pois não existe matéria sem forma, logo Deus está presente em tudo. Este ponto de vista sobre a
realidade pode ser compreendido como materialismo panteísta.
Se Deus é imanente à realidade, logo todos acontecimentos são regidos por Deus, tanto os
bons quanto os ruins, a este fato os estoicos chamavam “ordem natural e necessária de todas as
coisas”. Se Deus determina todos os acontecimentos de nossa vida – o que os estoicos chamam
de fado -, não cabe aos seres humanos escolherem aquilo que lhes vai ocorrem, mas sim como se
portar diante dos fatos inevitáveis da vida. Nesse cenário, a liberdade do sábio consiste em conciliar
a própria vontade com o fado, ou destino. Deste modo, o sábio é aquele que se resigna diante dos
acontecimentos do fado e deseja conforme o próprio fado, que é a Razão Suprema, o Logos.
Ainda, o sábio será que aquele que atinge o ideal da apatia na busca pela felicidade. Os
estoicos identificam com o bem com a retidão da vontade, que além de aceitar o logos, age de
acordo com o princípio de conservação dos seres, e sua vontade segue aquilo que conserva o
corpo e desenvolve a razão. A retidão da vontade consiste em não se deixam perturbar e nem
seguir as inclinações das paixões que levam ao prazer e ao sofrimento. Deste modo, o bem é a
retidão da razão e o mal é a inclinação dos vícios. A serenidade de espírito é alcançada através da
destruição das paixões. A reta razão não deixa as paixões tomarem conta do coração.
Cinismo
O fundador da escola cínica foi Antístenes, discípulo de Sócrates. Porém, o seu mais
célebre e importante representante foi Diógenes de Sinope. Diógenes é um grande crítico do modo
de viver dos gregos antigos, rompeu, portanto, com a imagem ideal do grego clássico. Conta-se
que perambulava as ruas atenienses, com uma lanterna acesa – claro sinal de ironia -, a procura
do homem, daquele que vivia verdadeiramente de acordo com sua essência. Foi um verdadeiro
crítico das convenções sociais e defensor da inutilidade do conhecimento. A palavra cinismo está
vinculada com o termo grego “x”, que significa cão.
Só a ação, e não a contemplação ou especulação, leva a vida feliz, simples e natural. Com
Diógenes a escola cínica se torna a mais “anti cultural” filosofia da Grécia Antiga. Diógenes
propõe um modo de vida mais autêntico e natural, voltado para as satisfações físicas do ser
humano, ou seja, para sua animalidade. A vida não possui meta, é caótica, não é necessário
moradia fixa ou qualquer tipo de comodidade. Conta-se que viveu boa parte de sua vida em um
barril, o que representa a ideia cínica de que é necessário o mínimo para a sobrevivência.
Exercícios
1 - (ENEM – 2014)
Alguns dos desejos são naturais e necessários; outros, naturais e não necessários; outros, nem
naturais nem necessários, mas nascidos de vã opinião. Os desejos que não nos trazem dor se não
satisfeitos não são necessários, mas o seu impulso pode ser facilmente desfeito, quando é difícil
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2 - (ENEM- 2018)
A quem não basta pouco, nada basta.
EPICURO. os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1985.
Remanescente do período helenístico, a máxima apresentada valoriza a seguinte virtude:
A)Esperança, tida como confiança no porvir.
B) Justiça, interpretada como retidão de caráter.
C) Temperança, marcada pelo domínio da vontade.
D) Coragem, definida como fortitude na dificuldade.
E) Prudência, caracterizada pelo correto uso da razão.
3 - (UNICENTRO - 2011)
As principais escolas filosóficas, na Grécia Antiga, a partir do século III a.C., são o estoicismo e o
epicurismo, que buscavam a realização moral do indivíduo, e, como quase todas as escolas da
Antiguidade, concebem que o homem deve buscar a sabedoria e a felicidade.
O princípio da ética epicurista está relacionado com a
A) atitude de desvio da dor e da procura do prazer, sendo que a concepção do prazer é também
espiritual e contribui para a paz de espírito e o autodomínio.
B) ideia de que é pela razão que se alcança a perfeição moral e que centra a busca dessa perfeição
no amor e na boa vontade.
C) atitude de aceitação de tudo que acontece, porque tudo faz parte de um plano superior, guiado
por uma razão universal.
D) relação individual e pessoal de cada um com Deus, que é concebido como o Criador onisciente
e onipresente.
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E) noção de que cada indivíduo pode escolher livremente entre se aproximar de Deus ou se afastar
Dele.
4 - (UEM - 2013)
“Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todos mal residem
nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a
morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-
lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade. Não existe nada de terrível na vida para
quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo,
portanto, quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque
o aflige a própria espera.”
(Epicuro, Carta sobre a felicidade [a Meneceu]. São Paulo: ed. Unesp, 2002, p. 27. In: COTRIM, G.
Fundamentos da Filosofia. SP: Saraiva, 2006, p. 97).
A partir do trecho citado, é correto afirmar que
01) a morte, por ser um estado de ausência de sensação, não é nem boa, nem má.
02) a vida deve ser considerada em função da morte certa.
04) o tolo não espera a morte, mas vive apoiado nas suas sensações e nos seus prazeres.
08) a certeza da morte torna a vida terrível.
16) a espera da morte é um sofrimento tolo para aquele que a espera.
5 - (UEM - 2010)
A filosofia de Epicuro (341 a 240 a.c.) pode ser caracterizada por uma filosofia da natureza e uma
antropologia materialista; por uma ética fundamentada na amizade e a busca da felicidade nos
princípios de autarquia (autonomia e independência do sujeito) e de ataraxia (serenidade, ausência
de perturbação, de inquietação da mente).
Sobre a filosofia de Epicuro, assinale o que for correto.
01) A filosofia de Epicuro fundamenta-se no atomismo de Demócrito. Epicuro acredita que a alma
humana é formada de um agrupamento de átomos que se desagregam depois da morte, mas que
não se extinguem, pois são eternos, podendo reagrupar-se infinitamente.
02) Para Epicuro, a amizade se expressa, sobretudo, por meio do engajamento político como forma
de amar todos os homens representados pela pátria.
04) Epicuro, como seu mestre Demócrito, foi ateu, considera que a crença nos deuses é o resultado
da fantasia humana produzida pelo medo da morte.
08) Epicuro critica os filósofos que ficavam reclusos no jardim das suas academias e ensinavam
apenas para um grupo restrito de discípulos. Acredita que a filosofia deve ser ensinada nas praças
públicas.
16) Para Epicuro, não devemos temer a morte, pois, enquanto vivemos, a morte está ausente e
quando ela for presente nós não seremos mais; portanto, a vida e a morte não podem encontrar-
se. Devemos exorcizar todo temor da morte e sermos capazes de gozar a finitude da nossa vida.
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6 - (ENEM – 2017)
XI. Jamais, a respeito de coisa alguma, digas: “Eu a perdi”, mas sim: “Eu a restitui”. O filho morreu?
Foi restituído. A mulher morreu? Foi restituída. “A propriedade me foi subtraída”, então também foi
restituída. “Mas quem a subtraiu é mau.” O que te importa por meio de quem aquele que te da a
pede de volta? Na medida em que ele der, faz uso do mesmo modo de quem cuida das coisas de
outrem. Do mesmo modo como fazem os que se instalam em uma hospedaria.
EPICTETO. Encheirídion. In: DINUCCI, A. Introdução ao Manual de Epicteto. São Cristóvão: UFS,
2012 (ADAPTADO)
A característica do estoicismo presente nessa citação do filósofo grego Epicteto é
a)explicar o mundo com números
b) identificar a felicidade com o prazer
7 - (UEM - 2018)
O estoicismo antigo advoga a ideia de que um destino inflexível governa certos aspectos de nossa
vida, imprimindo-lhes uma inevitável necessidade.
A respeito do estoicismo antigo, assinale o que for correto.
01) Para os estoicos, o mundo é um sistema de seres e de acontecimentos ordenado por uma
razão divina.
02) Todos os acontecimentos do mundo estão concatenados rigorosamente e se relacionam como
causas e efeitos.
04) Os estoicos negam qualquer tipo de liberdade, pois defendem rigorosamente a noção de
destino.
08) Os estoicos defendiam a ideia de que é preciso “viver segundo a natureza”, que entendiam
como “viver de acordo com a virtude”.
16) O homem deve abster-se das paixões para assegurar uma vida tranquila e virtuosa.
8 - (UEM - 2019)
O pensamento ético de Sêneca a respeito das paixões apresenta quatro ideias fundamentais: 1)
as paixões (fortes ou fracas) não são obedientes à razão; 2) as paixões estão na origem de certos
vícios, como a avareza e a crueldade; 3) se não podemos evitar as paixões, não podemos controlar
seu grau de intensidade; 4) tudo que é nocivo não pode ter uma justa medida, uma medida
equilibrada. (Cf. FIGUEIREDO, V. (Org). Filosofia: temas e percursos. São Paulo: Berlendis &
Vertecchia, 2013, p. 61 e 62). A respeito dos temas da paixão e da virtude na ética de Sêneca e na
Antiguidade Clássica, assinale o que for correto.
01) Sêneca se opõe à ideia de que devemos moderar ou atenuar as paixões.
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04) Sêneca possui a mesma compreensão da noção de virtu de estabelecida por Aristóteles.
08) Os vícios são, para Sêneca, doenças da alma.
16) Paixão é a inclinação da alma fixada em um hábito e decorrente de umassentimento.
9 - (UEM - 2015)
“O prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos com o bem primeiro
e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos
escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor. Embora o prazer seja nosso
bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos
muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que
consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de
suportarmos essas dores por muito tempo.”
(EPICURO. Carta sobre a felicidade. In ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando. São
Paulo: Moderna, 2009, p. 251).
A partir desta citação de Epicuro, assinale o que for correto.
01) Felicidade e infelicidade são estabelecidas pelos efeitos do prazer e da dor.
02) O sentimento de prazer é inato à natureza humana.
04) Epicuro defende o prazer sem medidas.
08) O prazer corporal é um mal causado pelo pecado original.
16) O hedonismo de Epicuro não é imediatista, mas moderado.
10 - (UEM - 2016)
“Não deve supor-se antinatural que a alma ressoe com os gritos da carne. A voz da carne diz: não
se deve sofrer a fome, a sede e o frio. E é difícil para a alma opor-se; antes, é perigoso para ela
não escutar a prescrição da natureza, em virtude da sua exigência inata de bastar-se a si própria.
Realmente não sei conceber o bem se suprimo os prazeres que se apercebem com o gosto, e
suprimo os do amor, os do ouvido e os do canto, e ponho também de lado as emoções agradáveis
P á g i n a | 70
causadas à vista pelas formas belas, ou os outros prazeres que nascem de qualquer outro sentido
do homem. Não é também verdade que a alegria espiritual seja a única da ordem dos bens, porque
sei também que a inteligência se alegra pelo seguinte: pela esperança de tudo aquilo que nomeei
antes e em cujo gozo a natureza pode permanecer isenta de dor”.
(EPICURO, Antologia de textos. In CHALITA, G. Vivendo a filosofia. São Paulo: Ática, 2011, p. 77).
A partir do texto citado, assinale o que for correto.
01) Epicuro defende uma conduta humana que evite os prazeres, visto que a alma não se incomoda
com a dor.
02) Para Epicuro, a satisfação espiritual deve, se possível, estar aliada à satisfação sensível, pois
uma não anula necessariamente a outra.
04) Para Epicuro, há duas dimensões de prazeres a serem buscadas: o prazer intelectual e o prazer
sensível. A dificuldade está na conciliação dessas duas ordens de bens.
08) Para Epicuro, a alma não consegue resistir aos desejos carnais, visto que isso seria antinatural.
16) Os prazeres carnais ou sensíveis não são antinaturais e nem contrários à razão.
11 - (UEM - 2012)
Afirma o filósofo Epicuro (séc. III a.C.), conhecido pela defesa de uma filosofia hedonista: “(…) o
prazer é o começo e o fim da vida feliz. É ele que reconhecemos como o bem primitivo e natural e
é a partir dele que se determinam toda escolha e toda recusa e é a ele que retornamos sempre,
medindo todos os bens pelo cânon do sentimento. Exatamente porque o prazer é o bem primitivo
e natural, não escolhemos todo e qualquerprazer; podemos mesmo deixar de lado muitos prazeres
quando é maior o incômodo que os segue.”
(EPICURO, A vida feliz. In: ARANHA, M. L.; MARTINS, M. P. Temas de filosofia. 3.ª ed. rev. São
Paulo: Moderna, 2005, p. 228.)
Considerando os conceitos de Epicuro, é correto afirmar que
01) estudar todo dia não é bom porque a falta de prazer anula todo conhecimento adquirido.
02) todas as escolhas são prazerosas porque naturalmente os seres humanos rejeitam toda dor.
04) comer uma refeição nutritiva e saborosa em demasia é ruim porque as consequências são
danosas ao bem-estar do corpo.
08) a beleza corporal é uma finalidade da vida humana porque o prazer de ser admirado é a maior
felicidade para o ser humano.
16) o prazer não é necessariamente felicidade porque ele pode gerar o seu contrário, a dor.
Gabarito
1) a
2)c
3)a
4) 1+16=17
P á g i n a | 71
5)1+16=17
6) c
7)1+2+8+16= 27
8)1+2+8+16=27
9)1+2+16=19
10)2+4+16= 22
11)4+16=20
Aula 8
Os desenvolvimentos e as conquistas da ciência na era helenística
Aproximadamente em 322 a.C. se inicia a construção da cidade que iria mudar os rumos
intelectuais da antiguidade: Alexandria. Foi construída próxima às margens do rio Nilo – por conta
do comércio e terra fértil – e foi logo povoada por uma grande quantidade de hebreus, porém o
elemento grego era também predominante – resultado próprio da cultural helenística, que visava
fundir a cultura grega com a cultura dos territórios conquistados. A intenção de Alexandre era
deslocar o centro cultural do mundo antigo de Atenas para Alexandria. Essa ideia começa a ganhar
forma em 297 a.C., com Demétrio de Falera, estadista grego.
Demétrio desenvolve o projeto de construir em Alexandria uma espécie de “Perípato de
múltiplas proporções”, onde pudesse reunir todos os livros e instrumentos necessários para a
pesquisa científica. Neste cenário surgem o Museu – instituição sagrada dedica as musas – que
oferecia os instrumentos para as pesquisas médicas, biológicas e astronômicas – e a biblioteca a
ele anexada (onde estima-se que chegou a abrigar aproximadamente 700 mil volumes), com o
objetivo de atrair os maiores pensadores gregos da era helenística para a cidade.
Entre os maiores espíritos científicos que pesquisar no museu e na biblioteca de Alexandria,
podemos destacar: Euclides que forneceu os fundamentos da matemática, inspirado na lógica
aristotélica, cujas base conceituais resistiram até o século XIX; Arquimedes na área da mecânica,
física e engenharia; Hiparco e a restauração do geocentrismo grego e Aristarco com a tentativa
revolucionária do heliocentrismo na astronomia; Erófilo na medicina; e Erastóstenes na área da
geografia. Por cerca de um século e meio o museu e a biblioteca de Alexandria representaram o
maior florescimento das ciências particulares no período helenístico.
O declínio da ciência helenística começa a ocorrer quando, por motivos políticos, o
governante do Ptolomeu Fiscon entrou em conflito com os intelectuais gregos. Esses passam a
abandonar a cidade e sua evasão causa o início da ruína da ciência helenística. Em 47 a.C. parte
da biblioteca é incendiada, causando danos irreparáveis. Com a ascensão do Império Romano, aos
poucos o centro cultural da antiguidade se descola de Alexandria para Roma. Com Ptolomeu na
astronomia em Alexandria – que fornece uma grande síntese do geocentrismo antigo: o sistema
ptolomaico – e Galeno na medicina, já em Roma, temos os últimos respiros da ciência helenística.
P á g i n a | 72
Filosofia Medieval
O surgimento da Patrística, fim da filosofia e cultura pagã antiga e a
Escolástica
O declínio da biblioteca de Alexandria marca também o embate religioso entre cristãos e
pagãos. A cidade de Alexandria, povoada principalmente pelos hebreus que viam nas instituições
científicas o elo entre o povo e as tradições politeístas do paganismo, viveu dois ataques de
misericórdia: o primeiro em 391 a.C. a biblioteca foi saqueada pelos cristãos e em 641 d.C., após
a tomada dos muçulmanos na cidade, a biblioteca foi incendiada. Concomitante ao fim do período
helenístico surge uma nova doutrina filosófica: a Patrística.
A complexidade da mensagem do evangelho exigiu de seus primeiros seguidores um
esforço de interpretação textual, problemas de coerência do antigo testamento, problemas de
ordem teológica e o esforço para a reunião dos textos que formariam o novo testamento. Estes
primeiros pensadores formam a primeira classe de padres da doutrina cristã, daí o nome: patrística.
A patrística pode ser dividida em três grandes momentos: o primeiro dos padres apostólicos do
século I d.C.; um segundo dos padres apologéticos do século II d.C. e os padres do século III d.C.,
que buscaram fornecer uma base teórica filosófica para a revelação cristã. Neste último grupo
encontramos o filósofo que representa o ápice da patrística, Santo Agostinho.
Santo Agostinho (354-430 d.C.) nasceu na cidade de Tagaste, na África. Suas principais
influências filosóficas são as cartas de Paulo, Cícero e os neoplatônicos, que permitem ao filósofo
formular uma síntese entre a fé cristã e a filosofia grega: nasce o filosofar na fé. A fé não substitui
nem elimina a inteligência, muito pelo contrário, não encontramos em Agostinho um fideísmo –
que é uma espécie de irracionalismo -, mas sim um complemento e equilíbrio entre fé e razão,
ambas se fortalecem. Nas palavras de Agostinho: “se não tiverdes fé, não podereis entender”, ou
seja, crerpara entender.
Destacamos ainda o aspecto ético contido em sua filosofia, que apresenta novas bases para
o conceito de virtude. Para Agostinho era a vontade a capacidade humana capaz de atingir o bem
e a liberdade e não a razão como queriam os gregos. Não basta que a razão conheça o bem –
como queria Sócrates – para garantir a boa ação do agente moral, faz-se necessário que a vontade
à escolha. Desse modo, a razão conhece e a vontade escolhe, podendo escolher o irracional ou
aquilo que está em conformidade com a reta razão.
A condição natural humana é estigmatizada pelo pecado original praticados por Adão e Eva.
Quando optam por comer a maça do conhecimento do bem e do mal, praticam o primeiro ato de
corrupção da vontade. Como os seres humanos são herdeiros de Adão e Eva, possuem uma
vontade enfraquecida e necessitam, para praticar o bem, da graça divina. Os humanos, logo, não
são autárquicos, mas podem escolher a fé na graça divina para que possam ser guiados em sua
vida moral para a prática do bem.
Segundo Agostinho a humanidade está dividida em duas cidades: Cidade terrena –
composta por aqueles que se distanciam de Deus - e a Cidade divina – composta por aqueles que
se aproximam de Deus -, e ambas possuem uma correspondência no céu. A primeira é composta
por aqueles que escolhem praticar o mal ao amar a si mesmo e as coisas do mundo em função de
si mesmo e estarão condenados a eterna danação. A segunda é composta por aqueles que
escolhem amar a Deus e as coisas do mundo em função de Deus. Estes, por sua vez, escolhem a
fé na graça divina e praticam o bem, e praticando o bem, estarão destinados à salvação eterna.
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O surgimento da Escolástica
A passagem da Patrística para a Escolástica marca a transição do pensamento antigo para
o pensamento medieval. No século V d.C. – primeira fase da Escolástica -, com o fim da maior
parte das instituições científicas helenísticas, a Igreja católica realiza uma reorganização do ensino,
formando novas escolas onde suas doutrinas poderiam ser ensinadas e se é fomentada uma nova
cultura. Entre os séculos XII e XII – da segunda para a terceira fase – surgem as primeiras
Universidades, que eram na verdade associações de mestres e discípulos. Nestas escolas e
universidades as relações entre filosofia e teologia são repensadas e encontram seu auge no
pensamento de São Tomás de Aquino.
São Tomás de Aquino Tomás de Aquino nasceu em Roccasecca em 1221 e viveu até o ano
de 1274. Em 1248 entrou para a ordem dos dominicanos e foi discípulo de Alberto Magno, também
filósofo escolástico. Tomás é considerado o representante máximo da escolástica e um dos
maiores pensadores da história. Elaborou um sistema – sintetizando a filosofia aristotélica com a
doutrina cristã – de grande transparência lógica e firme conexão entre suas partes. Sua filosofia é
considerada um preâmbulo para a fé (preambulum fidei).
Em sua Teologia encontramos a parte na qual toda a teoria ganha luz e coerência, pois nela
encontramos as cinco vias para provar a existência de Deus. Deus é o primeiro na ordem
ontológica, pois precede suas criaturas como a causa precede o efeito, e não na ordem
gnosiológica, do conhecimento. Desse modo, Deus é conhecido a posteriori, a partir dos efeitos
conhecidos no mundo. Nesse sentido, Tomás elaborou cinco vias para demonstrar a existência de
Deus, a saber: via do movimento, via da causalidade eficiente, via da contingência, via dos graus
de perfeição e via do finalismo. As cinco vias são influenciadas diretamente pelo pensamento
aristotélico.
A via do movimento parte do princípio de que algumas coisas deste mundo estão em
movimento e, destas coisas, pode-se dizer que há um princípio motor que a coloca em
movimento. Deve haver, portanto, um primeiro movente que não é movimentado: Deus. A via da
causalidade acompanha a explicação da via movimento: Deus é causa eficiente do movimento. A
via da contingência parte do princípio de entes contingentes e necessários. Tudo que existe na
natureza é contingente – pode ou não existir -, apenas Deus possui existência necessária - existe
necessariamente, não depende de outro ente para existir.
A via da perfeição parte da ideia de que tudo aquilo que existe possui um grau maior ou
menor de perfeição, quanto mais ou menos se aproxima daquilo que é o bem de cada coisa. Assim,
existe algo que é verdadeiramente bom, nobre e verdadeiro no grau máximo, esse algo é Deus. E
a quinta e última via é a do finalismo. Todos as coisas existentes no mundo natural possuem um
fim e sempre se dirigem para este mesmo fim. Não alcançam seu fim por acaso, mas por alguma
predisposição inerente as coisas. Deus é quem orienta a predisposição das coisas para que
possam atingir seu fim.
Exercícios
1 - (UFF- 2012)
A grande contribuição de Tomás de Aquino para a vida intelectual foi a de valorizar a inteligênciaa
humana e sua capacidade de alcançar a verdade por meio da razão natural, inclusive a respeito de
certas questões da religião. Discorrendo sobre a “possibilidade de descobrir a verdade divina”, ele
P á g i n a | 74
diz que há duas modalidades de verdade acerca de Deus. A primeira refere-se a verdades da
revelação que a razão humana não consegue alcançar, por exemplo, entender como é possível
Deus ser uno e trino. A segunda modalidade é composta de verdades que a razão pode atingir, por
exemplo, que Deus existe.
A partir dessa citação, indique a afirmativa que melhor expressa o pensamento de Tomás de
Aquino.
a) A fé é o único meio do ser humano chegar à verdade.
b) O ser humano só alcança o conhecimento graças à revelação da verdade que Deus lhe concede.
c) Mesmo limitada, a razão humana é capaz de alcançar certas verdades por seus meios naturais.
d) A Filosofia é capaz de alcançar todas as verdades acerca de Deus.
e) Deus é um ser absolutamente misterioso e o ser humano nada pode conhecer d’Ele.
2 - (UFU - 2011)
Segundo o texto abaixo, de Agostinho de Hipona (354-430 d. C.), Deus cria todas as coisas a
partir de modelos imutáveis e eternos, que são as ideias divinas. Essas ideias ou razões
seminais, como também são chamadas, não existem em um mundo à parte, independentes de
Deus, mas residem na própria mente do Criador,
[...] a mesma sabedoria divina, por quem foram criadas todas as coisas, conhecia aquelas
primeiras, divinas, imutáveis e eternas razões de todas as coisas, antes de serem criadas [...].
Sobre o Gênese, V
Considerando as informações acima, é correto afirmar que se pode perceber:
a) que Agostinho modifica certas ideias do cristianismo a fim de que este seja concordante com a
filosofia de Platão, que ele considerava a verdadeira.
b) uma crítica radical à filosofia platônica, pois esta é contraditória com a fé cristã.
c) a influência da filosofia platônica sobre Agostinho, mas esta é modificada a fim de concordar com
a doutrina cristã
d) uma crítica violenta de Agostinho contra a filosofia em geral.
3 - (ENEM – 2015)
Se os nossos adversários, que admitem a existência de uma natureza não criada por Deus, o Sumo
Bem, quisessem admitir que essas considerações estão certas, deixariam de proferir tantas
blasfêmias, como a de atribuir a Deus tanto a autoria dos bens quanto dos males. Pois sendo Ele
fonte suprema da Bondade, nunca poderia ter criado aquilo que é contrário à sua natureza.
AGOSTINHO. A natureza do Bem. Rio de Janeiro: Sétimo Selo, 2005 (adaptado).
d) por ser bom, Deus não pode criar o que lhe é oposto, o mal.
Gabarito
1- C
2- C
3- D
propôsuma metodologia científica pautada na indução. O processo indutivo é aquele que parte
de
P á g i n a | 78
2 - (UEL - 2013)
Em 2012, o Vaticano permitiu o acesso do público a vários documentos, entre eles o Sumário do
julgamento de Giordano Bruno e os Atos do processo de Galileu. As teorias desses estudiosos,
juntamente com o Homem Vitruviano, são exemplos de uma profunda transformação no modo de
conceber e explicar o conhecimento da natureza.
P á g i n a | 79
Com base nos conhecimentos sobre a investigação da natureza no início da ciência moderna,
particularmente em Galileu, atribua V (verdadeiro) ou F (falso) às afirmativas a seguir.
( ) A nova atitude de investigação rendeu-se ao poder de convencimento argumentativo da Igreja,
a ponto de o próprio Galileu, ao abjurar suas teses, ter se convencido dos equívocos da sua teoria.
( ) A observação dos fenômenos, a experimentação e a noção de regularidade matemática da
natureza abalaram as concepções que fundamentavam a visão medieval de mundo.
( ) O abandono da especulação levou Galileu a adotar pressupostos da filosofia de Aristóteles, pois
esse pensador possuía uma concepção de experimentação similar à sua.
( ) O método de investigação da natureza restringia-se àquilo que podia ser apreendido
imediatamente pelos sentidos, uma vez que o que está além dos sentidos é mera especulação.
( ) Uma das razões mais fortes para a condenação de Galileu foi sua identificação da imperfeição
dos corpos celestes, o que contrariava os dogmas da igreja.
O texto, extraído da carta escrita por Galileu (1564-1642) cerca de trinta anos antes de sua
condenação pelo Tribunal do Santo Oficio, discute a relação entre ciência e fé, problemática cara
no século XVII. A declaração de Galileu defende que
a) a bíblia, por registrar literalmente a palavra divina, apresenta a verdade dos fatos naturais,
tornando-se guia para a ciência.
b) o significado aparente daquilo que é lido acerca da natureza na bíblia constitui uma referência
primeira.
c) as diferentes exposições quanto ao significado das palavras bíblicas devem evitar confrontos
com os dogmas da Igreja.
d) a bíblia deve receber uma interpretação literal porque, desse modo, não será desviada a verdade
natural.
e) os intérpretes precisam propor, para as passagens bíblicas, sentidos que ultrapassem o
significado imediato das palavras.
4 - (UEL - 2010)
A obra de Galileu Galilei está indissoluvelmente ligada à revolução científica do século XVII, a qual
implicou uma “mutação” intelectual radical, cujo produto e expressão mais genuína foi o
desenvolvimento da ciência moderna no pensamento ocidental. Neste sentido, destacam-se dois
traços entrelaçados que caracterizam esta revolução inauguradora da modernidade científica: a
dissolução da ideia greco-medieval do Cosmos e a geometrização do espaço e do movimento.
(KOYRÉ, A. Estudos Galilaicos. Lisboa: Dom Quixote, 1986. pp. 13-20; KOYRÉ, A. Estudos de História do
Pensamento Científico. Brasília, Editora UnB, 1982. pp. 152-154.).
Com base no texto e nos conhecimentos sobre as características que marcam revolução científica
no pensamento de Galileu Galilei, assinale a alternativa correta.
a) A dissolução do Cosmos representa a ruptura com a ideia do Universo como sistema imutável,
heterogêneo, hierarquicamente ordenado, da física aristotélica.
P á g i n a | 81
6 - (UEL -2011)
Leia o texto a seguir.
O pensamento moderno caracteriza-se pelo crescente abandono da ciência aristotélica. Um dos
pensadores modernos desconfortáveis com a lógica dedutiva de Ari stóteles – considerando que
esta não permitia explicar o progresso do conhecimento científico – foi Francis Bacon. No livro
Novum Organum, Bacon formulou o método indutivo como alternativa ao método lógico-dedutivo
aristotélico.
P á g i n a | 82
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de Bacon, é correto afirmar que o
método indutivo consiste
a) na derivação de consequências lógicas com base no corpo de conhecimento de umdado período
histórico.
b) no estabelecimento de leis universais e necessárias com base nas formas válidas do silogismo
tal como preservado pelos medievais.
c) na postulação de leis universais com base em casos observados na experiência, os quais
apresentam regularidade.
d) na inferência de leis naturais baseadas no testemunho de autoridades científicas aceitas
universalmente.
e) na observação de casos particulares revelados pela experiência, os quais impedem a
necessidade e a universalidade no estabelecimento das leis naturais.
Gabarito
1 –C
2 –D
3 –E
4 –A
5 –C
6 –C
Aula 10
autoprodução divina é o modo de produção de todo real: Deus, ao causar a si mesmo, cria todas
as coisas, logo é imanente a tudo e não transcendente. Espinosa elimina, portanto, a base
teológica e cristã da filosofia: a ideia de criação, do Deus preexistente e criador.
A Ética pode ser dividida em três: a ontologia universal – teoria do Ser ou definição de
Deus; a lógica - explicação da inteligibilidade de Deus, ou seja, de como ele pode ser conhecido;
e a antropologia – apresenta a definição de ser humano e o modo como podemos nos
autoconhecer. O conhecimento do homem implica três elementos distintos: a causa de sua
existência singular, que são outros homens singulares; a causa de sua essência, que é Deus –
o ser humano é um modo de expressão de Deus, é dele pode ser conhecido dois atributos: corpo
e alma; e a causa de suas ações: o desejo.
Para Espinosa somos seres afetivos, sofremos afetações de outros corpos do mundo.
Os afetos produzidos através da interação necessária com outros corpos geram paixões em
nossa alma. As paixões geradas em nossa alma possuem duas origens distintas: a tristeza e a
alegria. As paixões que são geradas a partir da tristeza enfraquecem a nosso conatus e as
paixões que são geradas a partir da alegria reforçam nosso conatus. O conatus pode ser
entendido como a vontade da vida de conservar-se, de preservar-se e surge da relação dos
movimentos internos do corpo que produzem as paixões na alma. Há na alma um desejo de
satisfação de nossos desejos, para nos conservarmos.
Desse modo, nosso conatus deve direcionar-se, segundo Espinosa, para as paixões que
derivam da alegria, pois são elas que reforçam nossa vontade de conservação. Em outras
palavras, quanto mais paixões alegres sentimos, mais aumenta nosso conatus e nossa
potência de movimento e ação ou atividade. Quanto mais paixões negativas cultivamos, como
ódio, medo, compaixão, menor a nosso poder de atividade, tendemos a passividade e
diminuição de nosso conatus.
O homem que cultiva paixões tristes é servo de suas afecções. A paixão combinada à
imaginação, busca bens externos ao ser humano na busca de reforço do conatus, porém
acaba gerando confusão e indecisão, o que acaba por enfraquecer o conatus, pois o mesmo
objeto pode causar amor e ódio. Como, por exemplo, a projeção da felicidade em bens
materiais, ou mesmo a crença no Deus transcendente que pode alterar os rumos de seu
destino.
Já o homem livre é aquele que conhece as leis da natureza, que são as leis divinas. Sabe
que há um determinismo na Natureza, na medida que toda existência e acontecimento é
autoprodução divina, desse modo tudo ocorre necessariamente da melhor forma, pois é a vontade
divina. Se tudo é autoprodução divina, os acontecimentos da vida não teriam outra forma de
ocorrer, os acontecimentos de nossa vida não poderiam acontecer de outro modo. Ser livre é ter
a consciência da necessidade e não se deixar dominar pelas afecções exteriores, mas sim
dominá-las.
Não há qualquer possibilidade de destruição das paixões - ou a apatia buscada pelos
estoicos. As paixões fazem parte da natureza humana e não podem ser destruídas. Nossa alma
é um verdadeiro palco para o conflito das paixões. Ser livre é, portanto, se deixar levar elas
paixões positivas. Para cultivar paixões mais fortes, positivas, o ser humano deve direcionar seu
desejo e pensamento para amor à Deus. É o Espinosa chama de Amor Intelectual de Deus. É
a ideia de que o ser humano alcança a plenitude de sua existência ao compreender que é
parte da expressão divina, e que tudo ocorre necessariamente. Temos assim um conhecimento
claroe distinto da realidade, ou um conhecimento adequado da realidade.
P á g i n a | 85
Aquele que alcança a liberdade alcança também a felicidade e pode ser considerado
virtuoso. A virtude é a força interior da razão para se dirigir para a ciência de Deus, a mente que
compreende a ordem a conexão necessária dos eventos, da produção do real. A sabedoria
consiste, portanto, numa meditação sobre a vida. O homem livre não teme nem odeia seu
destino, age pela força interior de seu desejo que se direciona para Deus. A compreensão de
Deus e o direcionamento do desejo a ele geram um amor e alegria duradouros.
Exercícios
1 - (UEL – 2018)
“Vimos, assim, que a Alma pode sofrer grandes transformações e passar ora a uma maior
perfeição, ora auma menor, paixões estas que nos explicam as afecções de alegria e de
tristeza. Assim, por alegria, entenderei, no que vai seguir-se, a paixão pela qual a Alma passa
a uma perfeição maior; por tristeza, ao contrário, a paixão pela qual a Alma passa a uma
perfeição menor.”
(ESPINOSA, B. Ética. Trad. Antonio Simões. Lisboa: Relógio D’Água, 1992. p. 279).
2 – (UEL – 2007)
d) Quanto mais um homem se esforça por preservar o seu ser, mais ele é virtuoso.
3- (UEL - 2004)
necessidade.” (SCRUTON, Roger. Espinosa. Trad. deAngélica Elisabeth Könke. São Paulo:
Unesp, 2000. p.41.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre liberdade em Espinosa, considere as afirmativas
a seguir.
I. A liberdade identifica-se com escolha voluntária.
IV. A liberdade baseia-se na contingência, pois se tudo no universo fosse necessário não
haveria espaço para ações livres.
Estão corretas apenas as afirmativas:
a) I e II.
b) I e IV.
c) II e III.
d) I, III e IV.
Gabarito
1–c
2–d
3-c
Aula 11
René Descartes: o fundador da Filosofia Moderna
Acompanhando o espírito filosófico do Renascimento - que consistia na busca por novas
formas de saber e que colocava em dúvida a filosofia e ciência precedentes - surge o pensamento
cartesiano. René Descartes (1596- 1650) é considerado o fundador da filosofia moderna por
P á g i n a | 87
estabelecer um novo tipo de saber, centrado no homem e em sua racionalidade e não mais em
Deus. Descartes recebeu uma educação escolástica - estudou no La Flèche, principal instituição
de ensino da época do Renascimento - e assim como Bacon, faz uma crítica da tradição filosófica
e científica precedente – sobretudo a aristotélica, base da última fase do pensamento medieval.
Argumenta Descartes que a filosofia, até então, não tinha produzido nenhuma teoria
consistente o suficiente que não pudesse ter sido colocada em dúvida, influenciado pelas ideias de
Michel de Montaigne (1533-1632), filósofo que aprimorou os argumentos do ceticismo, afirmando
a determinação dos fatores pessoais na formação das opiniões e crenças. Compartilhava da visão
utilitarista da filosofia de Bacon, na medida em que defendia que a filosofia e a ciência deveriam se
voltar para o progresso da vida humana. As principais obras de Descartes são o Discurso do
método para bem guiar a razão e encontrar a verdade nas ciências de 1637 e as Meditações
metafísicas de 1640.
Para se fundar um novo “edifício filosófico”, que substituísse o aristotélico, Descartes
entende que é necessário estabelecer as regras de um novo método, que serviria de método
universal para todas as ciências. Influenciado pela matemática, por ser um exemplo de um
conhecimento verdadeiro e rigoroso, o método é entendido como mathesis universalis. O objetivo
do método é servir de instrumento para o melhor funcionamento da razão a fim de alcançar a
verdade nas ciências. Descartes então elabora as quatro regras do método. Nas palavras de
Descartes:
“O primeiro era de nunca aceitar coisa alguma como verdadeira sem que a conhecesse
evidentemente como tal; ou seja, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não incluir
em meus juízos nada além daquilo que se apresentasse tão clara e distintamente a meu espírito,
que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
O segundo, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas
fosse possível e necessário para melhor resolvê-las.
O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples
e mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos
mais compostos; e supondo certa ordem mesmo entre aqueles que não se precedem naturalmente
uns aos outros.
E, o último, fazer em tudo enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que eu tivesse
certeza de nada omitir.” (Descartes, pg.23)
Meditações metafísicas
Segundo Descartes o conhecimento pode ser entendido com uma “árvore”: sua raiz é a
metafísica – sua base, aquilo que dá sustentação -, o tronco é a física e os ramos são a medicina,
mecânica e a moral. Em 1637 Descartes publica quatro obras: o Discurso do método, a Geometria,
a Dióptrica e os Meteoros. No Discurso do método Descartes estabelece as regras que devem
orientar a razão em toda investigação científica que busca a verdade. No Meteoros Descartes
explica alguns fenômenos meteorológicos e expõe suas teses mecanicistas de universo, onde a
natureza é compreendida como uma máquina regulada por relações de causalidades necessárias,
automáticas e previsíveis. O corpo é entendido também como uma máquina. A realidade extensa,
de modo geral, é descrita através dos conceitos de: forma, figura, disposição e movimento.
Nas Meditações metafísicas Descartes aplica essas mesmas regras com a intenção de
P á g i n a | 88
encontrar a verdade indubitável que será o fundamento de seu novo sistema. O objeto de
investigação da Metafísica de Descartes é a imortalidade da alma e a existência de Deus. A obra
é dividida em seis meditações. As três primeiras são dedicadas: à dúvida metódica, à certeza do
cogito e à prova da existência de Deus. Assim inicia Descartes sua primeira meditação:
“Há já algum tempo me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera grande
quantidade de falsas opiniões como verdadeiras e que o que depois fundei sobre princípios tão mal
assegurados só podia ser muito duvidoso e incerto•; de forma que me era preciso empreender
seriamente, uma vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões que até então aceitara em
minha crença e começar tudo de novo desde os fundamentos, se quisesse estabelecer algo firme
e constante nas ciências”(DESCRATES, p. 29)
Como o ponto de partida é a regra da evidência – que é o critério da verdade -, Descartes
coloca em dúvida todo saber tradicional adquirido. Argumenta que parte deste saber foi
estabelecido por nossas percepções sensíveis e estas, por sua vez, por serem inconsistentes e
enganosos, não merecem crédito na busca pela verdade, logo, não podemos nos fiar nos sentidos
– erro dos sentidos.
“Tudo o que recebi até o presente como mais verdadeiro e seguro, aprendi-o dos sentidos
ou pelos sentidos; ora, algumas vezes experimentei que tais sentidos eram enganadores, e é de
prudência jamais confiar inteiramente naqueles que uma vez nos enganaram”. (DESCARTES, p.
30)
O argumento seguinte usado pelo filósofo é de que não possui evidência nenhuma que
comprove se ele está acordado ou dormindo – argumento do sonho. Este argumento fortalece o
argumento do erro dos sentidos, uma vez que se estamos sonhando, o mundo externo a nós não
é garantia de verdade alguma.
“E, detendo-me nesse pensamento, vejo tão manifestamente que não há indícios
concludentes nem marcas bastante certas por onde se possa distinguir nitidamente a vigília do
sono, que fico muito espantado, e meu espanto é tal que é quase capaz de persuadir-me de que
eu durmo”. (DESCARTES, p. 33)
A dúvida atinge seu grau máximo quando Descartes coloca em dúvida a existência do mundo
externo e, portanto, do próprio corpo e a existência das verdades matemáticas. Argumenta o filósofo
que sempre admitiu a existência de um Deus onipotente. Levanta a hipótese de que este Deus
onipotente pode ser enganador e maligno, e o engane que existe um mundo externo a ele e que
possui um corpo e que as operações aritméticas, por exemplo, sejam verdadeiras. Neste ponto
Descartes se encontra no máximo grau de seu ceticismo metódico.
“Todavia, há muito tempo tenho em meu espírito certa opinião de que há um Deus que pode
tudo e por quem fui criado e produzido tal como sou. Ora, quem me pode assegurar que esse Deus
não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum corpo extenso, nenhuma
figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar, [...] E até. como por vezes julgo que os outros se
equivocam, mesmo nas coisas que pensam saber com a maior certeza, pode ocorrer que ele tenha
querido que eu me engane todas as vezes que faço a adição de dois e três, ou que enumero os
lados de um quadrado [..]”. (DESCARTES)
Após atingir o grau máximo da dúvida em sua primeira meditação, ao iniciar a segunda,
Descartes encontra o ponto de apoio tão desejado. O próprio ato de duvidar é aquilo que resiste à
dúvida, pois para duvidar é necessário existir, desse modo, a verdade “eu sou, eu existo” é a
P á g i n a | 89
primeira verdade alcançada por Descartes e será o fundamento sobre o qual deverá se construir o
novo edifício científico. Descartes se pergunta: O que sou eu, eu que exi sto? Sou uma substância
pensante, sou pensamento. Desse modo, há uma identidade entre pensar e existir, ambos
coincidem. Portanto, conclui o filósofo em sua célebre sentença: “Penso, logo existo”.
“Mas há um não sei qual enganador muito potente e muito astuto, que emprega toda sua
indústria em enganar-me sempre. Não há dúvida, então, de que eu sou, se ele me engana; e que
me engane o quanto quiser, jamais poderá fazer com que eu não seja nada, enquanto eu pensar
ser alguma coisa.” (DESCRATES, p. 43)
Ao se definir como ser pensante, Descartes cria uma nova dicotomia sobre a natureza
humana que inaugura o debate da filosofia moderna, caracterizada como subjetivista, a saber:
substância pensante e substância extensa. Considerado o humano enquanto substância
essencialmente pensante, cabe a Descartes investigar os conteúdos da consciência, ou melhor, as
ideias. O eu é entendido como o lugar da multiplicidade de ideias. Descartes distingue as ideias
em três diferentes naturezas: as inatas – nascidas juntas com a consciência -, as adventícias –
que provêm de fora da consciência – e as fictícias – produzidas pela consciência.
A ideia inata de Deus é a garantia da própria existência de Deus e garantia que as faculdades
cognitivas do homem são capazes de conhecer as verdades sobre o mundo, expressam em leis da
natureza - essas também criadas por Deus. Deus é uma ideia inata, pois é a ideia de uma
substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente e produtora de tudo que existe. Ora,
Descartes se entende como substância imperfeita, e como substância imperfeita não poderia
originar em seu intelecto a ideia de uma substância perfeita.
Portanto, a ideia de Deus não é nem fictícia – não é uma quimera criada pela consciência -,
nem tampouco adventícia – adquirida através da experiência, mas sim nascida com a própria
consciência. E como argumenta Descartes, que existe tanta realidade na causa eficiente como em
seu efeito, é certo que Deus existe e é a causa de sua própria ideia na consciência humana. A ideia
de Deus é entendida como a marca do artesão em sua obra, como uma assinatura. E se é deste
modo, Deus, que é o sumamente perfeito e verdadeiro, ao depositar sua marca na razão humana,
é garantia de que a mesma possa conhecer as verdades do mundo objetivo.
Exercícios
1 - (ENEM - 2016)
Nunca nos tornaremos matemáticos, por exemplo, embora nossa memória possua todas as
demonstrações feitas por outros, se nosso espírito não for capaz de resolver toda esp écie de
problemas; não nos tornaríamos filósofos, por ter lido todos os raciocínios de Platão e Aristóteles,
sem poder formular um juízo sólido sobre o que nos é proposto. Assim, de fato, pareceríamos ter
aprendido, não ciências, mas histórias.
DESCARTES. R. Regras para a orientação do espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
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Em sua busca pelo saber verdadeiro, o autor considera o conhecimento, de modo crítico, como
resultado da
a) investigação de natureza empírica.
b) retomada da tradição intelectual.
c) imposição de valores ortodoxos.
d) autonomia do sujeito pensante.
e) liberdade do agente moral.
2 - (UNICAMP - 2014)
A dúvida é uma atitude que contribui para o surgimento do pensamento filosófico moderno. Neste
comportamento, a verdade é atingida através da supressão provisória de todo conhecimento, que
passa a ser considerado como mera opinião. A dúvida metódica aguça o espírito crítico próprio da
Filosofia.
(Adaptado de Gerd A. Bornheim, Introdução ao filosofar. Porto Alegre: Editora Globo, 1970, p. 11.)
3 - (ENEM - 2012)
TEXTO I
Experimentei algumas vezes que os sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar
inteiramente em quem já nos enganou uma vez.
DESCARTES, R. Meditações Metafísicas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
TEXTO II
Sempre que alimentarmos alguma suspeita de que uma ideia esteja sendo empregada sem
nenhum significado, precisaremos apenas indagar: de que impressão deriva esta suposta ideia? E
se for impossível atribuir-lhe qualquer impressão sensorial, isso servirá para confirmar nossa
suspeita.
P á g i n a | 91
HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento. São Paulo: Unesp, 2004 (adaptado).
Nos textos, ambos os autores se posicionam sobre a natureza do conhecimento humano. A
comparação dos excertos permite assumir que Descartes e Hume
a) defendem os sentidos como critério originário para considerar um conhecimento legítimo.
b) entendem que é desnecessário suspeitar do significado de uma ideia na reflexão filosófica e
crítica.
c) são legítimos representantes do criticismo quanto à gênese do conhecimento.
d) concordam que conhecimento humano é impossível em relação às ideias e aos sentidos.
4 - (UEL - 2011)
O principal problema de Descartes pode ser formulado do seguinte modo:
“Como poderemos garantir que o nosso conhecimento é absolutamente seguro?” Como o cético,
ele parte da dúvida; mas, ao contrário do cético, não permanece nela. Na Meditação Terceira,
Descartes afirma: “[...] engane-me quem puder, ainda assim jamais poderá fazer que eu nada seja
enquanto eu pensar que sou algo; ou que algum dia seja verdade eu não tenha jamais existido,
sendo verdade agora que eu existo [...]”
(DESCARTES. René. “Meditações Metafísicas”. Meditação Terceira, São Paulo: Nova Cultural,
1991. p. 182. Coleção Os Pensadores.)
Com base no enunciado e considerando o itinerário seguido por Descartes para fundamentar o
conhecimento, é correto afirmar:
a) Todas as coisas se equivalem, não podendo ser discerníveis pelos sentidos nem pela razão, já
que ambos são falhos e limitados, portanto o conhecimento seguro detém-se nas opiniões que se
apresentam certas e indubitáveis.
b) O conhecimento seguro que resiste à dúvida apresenta-se como algo relativo, tanto ao sujeito
como às próprias coisas que são percebidas de acordo com as circunstâncias em que ocorrem os
fenômenos observados.
c) Pela dúvida metódica, reconhece-se a contingência do conhecimento, uma vez que somente as
coisas percebidas por meio da experiência sensível possuem existência real.
d) A dúvida manifesta a infinita confusão de opiniões que se pode observar no debate perpétuo e
universal sobre o conhecimento das coisas, sendo a existência de Deus a única certeza que se
pode alcançar.
e) A condição necessária para alcançar o conhecimento seguro consiste em submetê-lo
sistematicamente a todas as possibilidades de erro, de modo que ele resista à dúvida mais
obstinada.
P á g i n a | 92
5 - (UEL - 2010)
Observe a tira e leia o texto a seguir:
Mas há um enganador, não sei quem, sumamente poderoso, sumamente astucioso que, por
indústria, sempre me engana. Não há dúvida, portanto, de que eu, eu sou, também, se me engana:
que me engane o quanto possa, nunca poderá fazer, porém, que eu nada seja, enquanto eu pensar
que sou algo. De sorte que, depois de ponderar e examinar cuidadosamente todas as coisas é
preciso estabelecer, finalmente, que este enunciado eu, eu sou, eu, eu existo é necessariamente
verdadeiro, todas as vezes que é por mim proferido ou concebido na mente.
(DESCARTES, R. Meditações sobre Filosofia Primeira. Tradução, nota prévia e revisão de Fausto
Castilho. Campinas: Unicamp, 2008, p. 25.)
da terra e de todas as comodidades que nela se acham, mas principalmente também para a
conservação da saúde, que é sem dúvida o primeiro bem e o fundamento de todos os outros bens
desta vida.”
Assinale a alternativa que resume o pensamento de Descartes.
a) O conhecimento deve ser mantido oculto para evitar que seja empregado para dominar a
natureza.
b) O conhecimento da natureza satisfaz apenas ao intelecto e não é capaz de alterar as condições
da vida humana.
c) Nosso intelecto é incapaz de conhecer a natureza.
d) Devemos buscar o conhecimento exclusivamente pelo prazer de conhecer.
e) O conhecimento e o domínio da natureza devem ser empregados para satisfazer as
necessidades humanas e aperfeiçoar nossa existência.
7 – (Enem – 2013)
TEXTO I
Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera muitas falsas
opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios tão mal
assegurados não podia ser senão mui duvidoso e incerto. Era necessário tentar seriamente, uma
vez em minha vida, desfazer-me de todas as opiniões a que até então dera crédito, e começar tudo
novamente a fim de estabelecer um saber firme e inabalável.
DESCARTES, R. Meditações concernentes à Primeira Filosofia. São Paulo: Abril Cultural, 1973
(adaptado).
TEXTO II
É o caráter radical do que se procura que exige a radicalização do próprio processo de busca. Se
todo o espaço for ocupado pela dúvida, qualquer certeza que aparecer a partir daí terá sido de
alguma forma gerada pela própria dúvida, e não será seguramente nenhuma daquelas que foram
anteriormente varridas por essa mesma dúvida.
SILVA, F.L. Descartes. a metafísica da modernidade. São Paulo: Moderna, 2001 (adaptado).
A exposição e a análise do projeto cartesiano indicam que, para viabilizar a reconstrução radical
do conhecimento, deve-se
a) retomar o método da tradição para edificar a ciência com legitimidade.
b) questionar de forma ampla e profunda as antigas ideias e concepções.
c) investigar os conteúdos da consciência dos homens menos esclarecidos.
d) buscar uma via para eliminar da memória saberes antigos e ultrapassados.
e) encontrar ideias e pensamentos evidentes que dispensam ser questionados.
P á g i n a | 94
8 – (ENEM - 2016)
Nunca nos tornaremos matemáticos, por exemplo, embora nossa memória possua todas as
demonstrações feitas por outros, se nosso espírito não for capaz de resolver toda espécie de
problemas; não nos tornaríamos filósofos, por ter lido todos os raciocínios de Platão e Aristóteles,
sem poder formular um juízo sólido sobre o que nos é proposto. Assim, de fato, pareceríamos ter
aprendido, não ciências, mas histórias.
Descartes, R. Regras para a orientação do espírito.
Em sua busca pelo saber verdadeiro, o autor considera o conhecimento, de modo crítico, como
resultado da
a) Investigação de natureza empírica
b) Retomada da tradição intelectual
c) Imposição de valores ortodoxos
d) Autonomia do sujeito pensante
e) Liberdade do agente moral
Gabarito
1–d
2- d
3 –e
4 –e
5 –e
6 –e
7 –b
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8 –e
9 – Resposta esperada
No Discurso do Método, Descartes está preocupado em encontrar o caminho para “conduzir
bem a razão”. Seu propósito, como explanado ao longo da obra, é afastar-se das incertezas do
conhecimento vigente à época, a exemplo da maioria dos ensinamentos aprendidos no La Fleche,
e buscar a “verdade presente na ciência”. Para atingir esse objetivo deve-se evitar o incerto e o
duvidoso, o que somente pode ocorrer se agirmos sob a condução de um método adequado. É
com esse propósito que Descartes apresenta as regras ou preceitos do método. O primeiro preceito
ou regra do método consiste em “acolher como verdadeiro apenas aquilo que, para ser conhecido,
seja evidente”. Para tal, deve-se evitar a “precipitação” e contemplar nos juízos tão somente aquilo
que for “claro e distinto”. Trata-se da “regra da evidência”, que acolhe apenas o que não for passível
de dúvida. A segunda regra ou preceito consiste em dividir as dificuldades em partes para
examiná- las e, assim, encontrar a resolução. A divisão e o estudo em separado de cada parte
permite enfrentar melhor as dificuldades para acessar o problema. Trata-se da “regra da análise”.
A terceira regra ou preceito consiste na organização do pensamento, partindo do mais simples
para, aos poucos, chegar ao mais complexo. Observa-se uma ordem. Trata-se da “regra da
síntese”. Por fim, a quarta regra ou preceito preconiza fazer enumerações e revisões completas
para nada ficar de fora. Trata-se da “regra do desmembramento ou enumeração”.
Aula 12
John Locke e o empirismo inglês
“Suponhamos, pois, que a mente é como dissemos, como dissemos, um papel em branco,
desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer ideias; como ela será suprida? De onde vem
este vasto estoque, que a ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela uma variedade
quase infinita? De onde obtém todos os materiais da razão e do conhecimento? A isso respondo,
numa palavra, da experiência. Todo nosso conhecimento está nela fundado, e da experiência
deriva fundamentalmente o próprio conhecimento.”
Em resposta ao racionalismo cartesiano, que defende que o intelecto humano é totalmente
capaz de acessar o conhecimento perfeito da natureza e que essa possibilidade é garantida pela
ideia inata de Deus no intelecto que o permite conhecer a verdade, surge na Inglaterra a teoria do
empirismo crítico de John Locke (Wrington, 1632 – 1704). Locke faz parte do grupo dos empiristas
britânicos, cujos maiores representantes são: Bacon, Hobbes, Hume, Berkeley e Locke.
A filosofia de Locke possui três partes principais: a gnosiológica ou epistemológica, a ética -
política e a religiosa. A epistemologia é a área da filosofia que problematiza sobre as possibilidades
de conhecimento. A filosofia moderna se volta justamente para a discussão epistemológica, ao se
perguntar sobre a origem e a natureza do conhecimento. Ao contrário tanto Bacon como de
Descartes, que se interrogaram sobre a questão do método e de qual o melhor modo de guiar a
razão em busca da verdade, Locke se voltará para o problema dos limites do intelecto.
É por esta razão que o empirismo de Locke pode ser considerado crítico, pois acredita que
a filosofia deve fazer um exame do próprio intelecto, quais são suas potencialidades, funções e
limites. Na obra Ensaio sobre o entendimento humano Locke elabora uma critica do inatismo
racionalista e constrói as bases de seu empirismo crítico. Podemos ver nesta metáfora elaborada
P á g i n a | 96
por Locke o intuito de seu projeto: “É de suma utilidade para o marinheiro conhecer o comprimento
de suas cordas, ainda que com elas não possa sondar todas as profundidades do oceano.”
subjetivas e “nada mais são do que os poderes de várias combinações das qualidades primárias.”
Exercícios
1- (UFSJ - 2012)
2 - (UNICAMP - 2015)
A maneira pela qual adquirimos qualquer conhecimento constitui suficiente prova de que não é
inato.
LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1988, p.13.
O empirismo, corrente filosófica da qual Locke fazia parte,
a) afirma que o conhecimento não é inato, pois sua aquisição deriva da experiência.
b) é uma forma de ceticismo, pois nega que os conhecimentos possam ser obtidos.
c) aproxima-se do modelo científico cartesiano, ao negar a existência de ideias inatas.
d) defende que as ideias estão presentes na razão desde o nascimento.
Gabarito
1 –d
2-a
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Aula 13
David Hume e o ceticismo
Hume nasceu em Edimburgo (1711-1776) e logo aos doze anos ingressou na universidade
local. Em 1740 publica sua obra prima o Tratado sobre a natureza humana. Com Hume o empirismo
britânico atinge seus limites, pois o filósofo anuncia a vitória da razão cética. Inspirado no método
experimental formulado por Bacon, Hume defende que a filosofia deve se fundamentar a partir de
bases experimentais e não sobre bases racionais, como defendemos cartesianos. Assim, podemos
concluir que, de modo geral, os empiristas levaram a filosofia para outro terreno e Hume foi até as
últimas consequências do novo modelo.
Assim, o homem-filosófico racionalista dá lugar ao homem-natureza empirista. Portanto, o
método que ordena a pesquisa da natureza deve servir de modelo para o método que investiga a
natureza humana. Desta nova tentativa de abordagem nascem dois problemas, como enfatiza
Hume: “qual o alcance e força do intelecto humano” e “qual a natureza das ideias que nos servimos
e das operações que realizamos em nossos raciocínios”. Ao investigar a origem das ideias e
operações intelectuais, Hume define os limites do próprio intelecto.
Ideias e Impressões
Hume admite a premissa de Locke de que todas as ideias provêm da experiência, porém
difere quanto o conteúdo que possuímos em nossa mente. Para Locke os conteúdos mentais se
limitam a “ideias”, para Hume possuímos em nosso intelecto é produto de nossa experiência, e toda
experiência é sempre uma percepção. A percepção, por sua vez, é dividida em duas naturezas
diferentes: “impressões” e “ideias”. As impressões se diferem das ideias em dois pontos
fundamentais: em relação a intensidade que se apresenta à mente e em relação a sua ordem e
sucessão. Nas palavras de Hume:
“A diferença entre impressões e ideias consiste no grau de vivacidade com que as
percepções atingem nossa mente e penetram no pensamento ou consciência. As percepções que
se apresentam com maior força e violência podem ser chamadas de impressões -e, sob essa
denominação, eu compreendo todas as sensações, paixões e emoções. Quando fazem a sua
primeira aparição em nossa alma. Por ideias, ao contrário, entendo as imagens enlanguescidas
das impressões.”
A partir da distinção de impressões e ideias sob a perspectiva da intensidade – primeiro
ponto fundamental da diferença - em que se apresentam à mente, surge a diferenciação entre
sentir e pensar. Sentimos as impressões, que são percepções que possuem mais força e
vivacidade; e pensamos ideias que são cópias ou sombras das impressões, e por serem assim
são percepções mais fracas e pálidas. Logo, toda percepção é dupla: sentida e pensada.
As impressões se originam a partir da experiência dos sentidos. O segundo ponto
fundamental que difere ideia de impressão, investigadas a partir da ótica da ordem e sucessão,
defende que a primeira é sempre dependente da segunda, de modo que a impressão sempre é
anterior à impressão e a impressão sucede a ideia. Portanto, a impressão é originária e a ideia
dependente. As impressões fornecem ao intelecto as ideias, como cópias.
Hume distingue ainda as ideias simples das ideias complexas. As ideias simples são
provenientes das impressões simples e podem ser entendidas como as qualidades dos objetos,
tais como a ideia de vermelho, de temperatura (quente ou frio), de dureza, de sabor, assim por
P á g i n a | 99
diante. Já as ideias complexas podem ser produto de uma impressão complexa que apresentam o
objeto como um todo para o intelecto e imediatamente como são, tais como a maçã, a árvore, a
mesa; mas podem prover também de outra fonte, de combinações múltiplas que ocorrem em nosso
intelecto.
Princípio de associação de ideias
“Este princípio de união entre as ideias não pode ser considerado como uma conexão
indissolúvel: com efeito, não há nada mais livre do que tal faculdade. Assim, devemos considera-
lo simplesmente como uma doce força que habitualmente se impõe, sendo, entre outras coisas, a
causa de as línguas terem tanta correspondência entre si: a natureza parece indicar para cada um
as ideias simples mais adequadas a serem reunidas em ideias complexas. As propriedades que
dão origem a essa associação fazem com que a mente seja transportada de uma ideia para outra
são três: semelhança, contiguidade, no tempo e no espaço, causa e afeito.”
A mente facilmente passa de uma ideia que se assemelhe a outra – a fotografia de uma
pessoa remete à ela - , uma ideia ligada a outra no espaço e no tempo – no espaço: a sala de aula
pode remeter a sala de aula vizinha, ao corredor, ao pátio da escola e assim por diante; tempo: a
ideia de levantar ancora suscita a ideia de partida do navio – e, por fim, a ideia de causa suscita a
de efeito e vice-versa – quando a mente pensa no fogo, inevitavelmente pensa no calor, fumaça,
cinza). Hume nos diz: “Esses são, portanto, os princípios de união e coesão entre as nossas ideais
simples, que, na imaginação, ocupam o lugar da conexão indissociável, com a qual estão unidas
na memória.”
1 - (ENEM - 2015)
Todo o poder criativo da mente se reduz a nada mais do que a faculdade de compor, transpor,
aumentar ou diminuir os materiais que nos fornecem os sentidos e a experiência. Quando
pensamos em uma montanha de ouro, não fazemos mais do que juntar duas ideias consistentes,
ouro e montanha, que já conhecíamos. Podemos conceber um cavalo virtuoso, porque somos
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capazes de conceber a virtude a partir de nossos próprios sentimentos, e podemos unir a isso a
figura e a forma de um cavalo, animal que nos é familiar.
HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano. São Paulo: Abril Cultural, 1995.
Hume estabelece um vínculo entre pensamento e impressão ao considerar que
a) os conteúdos das ideias no intelecto têm origem na sensação.
b) o espírito é capaz de classificar os dados da percepção sensível.
c) as ideias fracas resultam de experiências sensoriais determinadas pelo acaso.
d) os sentimentos ordenam como os pensamentos devem ser processados na memória.
e) as ideias têm como fonte específica o sentimento cujos dados são colhidos na empiria.
2 - (UEL – 2010)
O principal argumento humeano contra a explicação da inferência causal pela razão era que este
tipo de inferência dependia da repetição, e que a faculdade chamada “razão” padecia daquilo que
se pode chamar uma certa “insensibilidade à repetição”, ou seja, uma certa indiferença perante a
experiência repetida. Em completo contraste com isso, o princípio defendido por nosso filósofo, um
princípio para designar o qual propôs os nomes de “costume ou hábito”, foi concebido como uma
disposição humana caracterizada pela sensibilidade à repetição, podendo assim ser considerado
um princípio adequado à explicação dos raciocínios derivados de experiências repetidas.
(MONTEIRO, J. P. Novos Estudos Humeanos. São Paulo: Discurso Editorial, 2003, p. 41)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o empirismo, é correto afirmar que Hume
a) atribui importância à experiência como fundamento do conhecimento dedutivo obtido a partir da
inferência das relações causais na natureza.
b) corrobora a afirmação de que a experiência é insuficiente sem o uso e a intervenção da razão
na demonstração do nexo causal existente entre os fenômenos naturais.
c) confere exclusividade à matemática como condição de fundamentação do conhecimento acerca
dos fenômenos naturais, pois, empiricamente, constata que a natureza está escrita em caracteres
matemáticos.
d) demonstra que as relações causais obtidas pela experiência representam um conhecimento
guiado por hábitos e costumes e, sobretudo, pela crença de que tais relações serão igualmente
mantidas no futuro.
e) evidencia a importância do racionalismo, sobretudo as idéias inatas que atestam o nexo causal
dos fenômenos
3 - (UEL - 2015)
As ideias produzem as imagens de si mesmas em novas ideias, mas, como se supõe que as
primeiras ideias derivam de impressões, continua ainda a ser verdade que todas as nossas ideias
simples procedem, mediata ou imediatamente, das impressões que lhes correspondem.
HUME, D. Tratado da Natureza Humana. Trad. De Serafim da Silva Fontes. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2001. p.35.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a questão da sensibilidade, razão e verdade em
David Hume, considere as afirmativas a seguir.
I. Geralmente as ideias simples, no seu primeiro aparecimento, derivam das impressões simples
que lhes correspondem.
II. A conexão entre as ideias e as impressões provém do acaso, de modo que há uma
independência das ideias com relação às impressões.
III. As ideias são sempre as causas de nossas impressões.
IV. Assim como as ideias são as imagens das impressões, é também possível formar ideias
secundárias, que são imagens das ideias primárias.
4 - (ENEM - 2012)
TEXTO I
Experimentei algumas vezes que os sentidos eram enganosos, e é de prudência nunca se fiar
inteiramente em quem já nos enganou uma vez.
TEXTO II
Sempre que alimentarmos alguma suspeita de que uma ideia esteja sendo empregada sem
nenhum significado, precisaremos apenas indagar: de que impressão deriva esta suposta ideia?
E se for impossível atribuir-lhe qualquer impressão sensorial, isso servirá para confirmar nossa
suspeita.
HUME, D. Uma investigação sobre o entendimento. São Paulo: Unesp, 2004 (adaptado).
Gabarito
1 –a
2-d
3 –b
4-e
Aula 14
Immanuel Kant – Criticismo e o idealismo transcendental
Kant nasceu em 1924 em Konigsberg – atual Alemanha – onde também faleceu em 1804.
Recebeu rígida educação pietista – vertente do luteranismo -, além disso era um homem de
hábitos também rígidos e metódicos, fatos que refletiram claramente em seu rigor conceitual,
portanto, em sua filosofia. Foi professor na universidade de sua terra natal – a qual nunca
abandonou – onde lecionou por um tempo metafísica clássica. Seu pensamento pode ser dividido
em dois grandes momentos: a fase pré-crítica – onde Kant oscila entre o empirismo e o
racionalismo – e a fase crítica – marcada pela síntese das duas escolas e pela crítica das nossas
faculdades de conhecimento.
O fato que assinala o momento de transição de seu pensamento – como descreve o próprio
Kant - é a leitura do empirista David Hume, por volta de 1769. Segundo Kant, esse é o ano em
que ele recebeu a sua “grande luz”, despertando do chamado “sonho dogmático”. O “sonho
dogmático” ao qual Kant se refere, se trata da defesa dos sistemas metafísicos dogmáticos. Kant
percebe que ao contrário de ciências como a matemática e a física - que estabeleceram uma
unidade de método, o que faz com que haja um maior consenso em suas descobertas e princípios
- a metafísica se encontrava à época como um verdadeiro “campo de batalha”.
As três obras que constituem a essência da fase crítica são: Crítica da razão pura de
1781, que aborda o problema do conhecimento; Crítica da razão prática de 1788, que discorre
sobre os princípios morais fundamentados a priori na razão; e a Crítica do juízo de 1790, que
P á g i n a | 103
aborda o problema do julgamento estético do belo. Na Crítica da razão pura, portanto, Kant se
interroga acerca das possibilidades de conhecimento tanto de objetos sensíveis como de objetos
suprassensíveis, ou seja, se pergunta sobre os limites da racionalidade humana. Para Kant, o que
garante a validade das teses científicas e onde ela se fundamenta são os chamados juízos
sintéticos a priori, pois esses são universais e necessários.
Desse modo, o fundamento dos juízos sintéticos a priori estão no próprio sujeito que sente
e que pensa os objetos. O sujeito possui leis que que estruturam a priori sua sensibilidade e seu
intelecto. Essa é a tese base do idealismo transcendental de Kant. Em Kant, portanto, o
significado transcendental indica as estruturas ou formas a priori da sensibilidade e do
entendimento que tornam possível qualquer experiência e que são intrínsecas ao sujeito. São a
condição de cognoscibilidade dos objetos, aquilo que o sujeito coloca no objeto no próprio ato de
conhecê-lo. Assim sendo, Kant divide parte de sua investigação na primeira Crítica em estética
transcendental e analítica transcendental.
A sensação, por sua vez, é a impressão recebida pelo sujeito ao conhecer o objeto, assim,
é a modificação causada pelo objeto no sujeito. Toda sensação é intuída pelo sujeito, assim a
intuição é o conhecimento imediato do objeto que a sensibilidade recebeu pela sensação. Kant
defende que não é possível conhecer o objeto em-si-mesmo, mas apenas seu fenômeno – do
grego “fhainomenon”, que significa aquilo que “aparece”, que se “manifesta”, que “surge”. Não
captamos o objeto como ele é em si próprio, a coisa-em-si, mas sim o modo como ele se
apresenta a nós se sujeitando as regras da sensibilidade do sujeito, que são suas estruturas a
priori, a saber: tempo e espaço.
Exercícios
1 – (ENEM - 2013)
“Até hoje admitia-se que nosso conhecimento se devia regular pelos objetos; porém
todas as tentativas para descobrir, mediante conceitos, algo que ampliasse nosso
conhecimento, malogravam-se com esse pressuposto. Tentemos, pois, uma vez,
experimentar se não se resolverão melhor as tarefas da metafísica, admitindo que os
objetos se deveriam regular pelo nosso conhecimento.”
2 – (UEL – 2008)
Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 1994, p. 03.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre Kant, o domínio destas intermináveis disputas
chama-se
a) experiência.
b) natureza.
c) entendimento.
d)metafísica.
e) sensibilidade.
3 – (UFU 2014)
Considere as questões que Immanuel Kant lança ao seu leitor nas primeiras páginas da Estética
Transcendental.
“Que são então o espaço e o tempo? São entes reais? Serão apenas determinações
ou mesmo relações de coisas, embora relações de espécie tal que não deixariam de
subsistir entre as coisas, mesmo que não fossem intuídas? Ou serão unicamente
dependentes da forma da intuição e, por conseguinte, da constituição subjetiva do
nosso espírito, sem a qual esses predicados não poderiam ser atribuídos a coisa
alguma? “
KANT. Crítica da razão pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1994, p. 64. Sobre as noções kantianas
de tempo e espaço é correto afirmar que essas noções são as formas
c) a priori da razão, a partir das quais os objetos nos são dados na experiência.
4 – (UEL - 2010)
Nos Princípios Matemáticos de Filosofia Natural, Newton afirmara que as leis do movimento, assim
como a própria lei da gravitação universal, tomadas por ele como proposições particulares, haviam
P á g i n a | 106
sido “inferidas dos fenômenos, e depois tornadas gerais pela indução”. Kant atribui a estas
proposições particulares, enquanto juízos sintéticos, o caráter de leis a priori da natureza.
Entretanto, ele recusa esta dedução exclusiva das leis da natureza e consequente generalização a
partir dos fenômenos. Destarte, para enfrentar o problema sobre a impossibilidade de derivar da
experiência juízos necessários e universais, um dos esforços mais significativos de Kant dirige-se
ao esclarecimento das condições de possibilidade dos juízos sintéti cos a priori. Com base no
enunciado e nos conhecimentos acerca da teoria do conhecimento de Kant, é correto afirmar:
a) A validade objetiva dos juízos sintéticos a priori depende da estrutura universal e necessária da
razão e não davariabilidade individual das experiências.
d) Nos juízos sintéticos a priori, de natureza empírica, o predicado nada mais é do que a explicitação
do que já esteja pensado realmente no conceito do sujeito.
Gabarito
1-c
2–d
3–c
4-a
Aula 15
Immanuel Kant – Estética transcendental e as formas puras da sensibilidade
O entendimento funciona aplicando seus conceitos - que Kant nomeia categorias - aos
dados obtidos através da sensibilidade. Kant percebe que as categorias, ao unificar e ordenar
os múltiplos dados da intuição, formula juízos sobre esses dados, de modo que a faculdade de
pensar se equivale a de julgar, ao pensar sobre os dados emitimos juízos sobre eles. Assim,
elaborar uma análise da faculdade intelectiva é ordenar e classificar os tipos de juízo do
pensamento, ou seja, quais as categorias a priori que permitem ao intelecto operar deste modo.
Kant, portanto, ao contrário de Aristóteles, não entende o termo categoria como um modo
P á g i n a | 108
de ser, mas sim como um modo de pensar, como conceito puro. E é no mesmo Aristóteles que
Kant se inspira para determinar quais as categorias que compõe a faculdade do entendimento.
Se pensar é equivalente a julgar, o número de categorias será igual ao número de juízos
possíveis, estes já determinados pela lógica formal aristotélica, que contam doze juízos. Deste
modo, a tábua das categorias a priori kantianas as enumera em doze diferentes tipos, cada
uma derivada de um tipo de juízo da lógica formal, subdivididos em quatro grupos, que são
juízos de:quantidade, qualidade, relação e modalidade.
O primeiro grupo de categorias de quantidade são constituídas por: unidade pluralidade e
totalidade; e estas, por sua vez, derivam dos juízos universais, particulares e singulares. O
segundo grupo é o de qualidade, composto por: realidade, negação e limitação; que derivam dos
juízos afirmativos, negativos e infinitos. O terceiro grupo é o de relação, dividido em substância
e acidente, causa e efeito e reciprocidade, que derivam dos juízos categóricos, hipotéticos e
disjuntivos. E por fim, o quarto grupo, das categorias de modalidade: possibilidade-
impossibilidade, existência-inexistência e necessidade-contingência que derivam dos juízos
problemáticos, assertivos e apodíticos.
Deste modo, as categorias são as condições pelas quais é possível que os objetos
percebidos pela sensibilidade sejam pensados. Assim, essas condições, aplicados pelo sujeito
aos dados sensíveis da experiência, que também tornam possíveis os juízos sintéticos a priori
das ciências naturais. A ordem e a regularidade que o sujeito observa na natureza, na verdade,
são as próprias categorias a priori do entendimento que são aplicados aos fenômenos. A ordem
é, portanto, introduzida pelo sujeito pensante, assim o fundamento das sínteses a priori é
estabelecido, se encontrando nas próprias categorias puras do entendimento.
A terceira parte que compõe a Crítica da razão pura é a Dialética transcendental. Dentro
da história da filosofia a palavra dialética assumiu vários contornos e em Kant ganha um sentido
negativo, ligado a uma ideia de aparência e de engano. A estética e a analítica transcendental
mostram que o ser humano possui formas ou conceito puros, anteriores a experiência e que
valem como condições da experiência e do conhecimento possível. Tudo aquilo que extrapola
o horizonte do fenomênico, extrapola também as condições de conhecimento, portanto, a
cognoscibilidade humana.
Quando o intelecto humano busca ir além de suas próprias possibilidades de
conhecimento, cai inevitavelmente em ilusões. Acontece quando torna objeto do conhecimento
do entendimento seus próprios objetos, que são: Deus, o mundo e a alma. Essas ilusões são
chamadas por Kant de antinomias: afirmações contrárias que podem ser racionalmente
provadas, se consideradas individualmente. Como a busca da origem do cosmo. Podemos
provar racionalmente que o cosmo tem uma origem, uma causa primeira, como podemos provar
o contrário. Por essa razão a metafísica não é possível como ciência, por extrapolar os limites
do fenomênico.
P á g i n a | 109
Exercícios
1 - (UEL, 2017)
O tempo nada mais é que a forma da nossa intuição interna. Se a condição particular da nossa
sensibilidade lhe for suprimida, desaparece também o conceito de tempo, que não adere aos
próprios objetos, mas apenas ao sujeito que os intui.
(KANT, I. Crítica da razão pura. Trad. Valério Rohden e Udo Baldur Moosburguer. São Paulo:
Abril Cultural, 1980. p.47. Coleção Os Pensadores.)
Com base nos conhecimentos sobre a concepção kantiana de tempo, assinale a alternativa
correta.
TEXTO 1
A Estética sob o aspecto de mera “ciência da sensibilidade” chega ao seu fim no século XX e é
progressivamente substituída por um discurso que conjuga racionalidade e afetividade. Agora
será preciso tentar compreender aisthesis não mais através da dicotomia tradicional entre senso
(razão) e sensível (afetividade), mas como uma experiência simultânea de percepção sensível e
percepção de sentido (racional).
TEXTO 2
Inicialmente Kant opera com o termo estética na Crítica da razão pura segundo o significado de
conhecimento sensível, no campo da teoria do conhecimento. Nessa obra, a estética designa
uma importante parte da teoria do conhecimento. Segundo Kant, “sem sensibilidade nenhum
P á g i n a | 110
objeto nos seria dado, e sem entendimento nenhum objeto seria pensado. Pensamentos sem
conteúdo são vazios, intuições sem conceito são cegas”. O conhecimento possui duas partes.
(Marco Aurélio Werle. “O lugar de Kant na fundamentação da estética como disciplina filosófica”.
In: Dois pontos, vol. 2, no 2, outubro de 2005. Adaptado.)
a) Qual o principal objeto de investigação filosófica da disciplina Estética? Por que a Estética
é tradicionalmente associada à sensibilidade?
b) De acordo com o texto 2, quais são as “duas partes” do conhecimento? Qual a importância da
estética na produção do conhecimento?
Resolução (Objetivo):
a) Estética é a área da filosofia que estuda o conceito de belo, de beleza, de gosto e de produção
artística. A estética está associada à sensibilidade porque os sentidos são inicialmente
impactados pela experiência estética, julgada a partir de referências pessoais e subjetivas, em
estado passivo e receptivo.
b) Haveria para Kant, duas fontes de conhecimento: a sensibilidade, em que opera a intuição, e
o entendimento, por meio do qual os objetos são pensados nos conceitos. Assim sendo, para se
realizar algo, devemos partir de um conteúdo pré-estabelecido anterior à sensibilidade, logo “a
priori” e, passar então a conceber uma leitura do mundo baseada na experiência, ou nas
categorias “a posteriori”. A estética tem grande importân cia na produção do conhecimento, ao
passo de criar critérios para poder compreender juízos valorativos.
3 - (Unioeste - 2011)
“Já desde os tempos mais antigos da filosofia, os estudiosos da razão pura conceberam, além
dos seres sensíveis ou fenômenos, que constituem o mundo dos sentidos, seres inteligíveis
particulares, que constituiriam um mundo inteligível, e, visto que confundiam (o que era de
desculpar a uma época ainda inculta) fenômeno e aparência, atribuíram realidade unicamente
aos seres inteligíveis. De fato, se, como convém, considerarmos os objetos dos sentidos como
simples fenômenos, admitimos assim que lhes está subjacente uma coisa em si, embora não
saibamos como ela é constituída em si mesma, mas apenas conheçamos o seu fenômeno, isto
é, a maneira como os nossos sentidos são afetados por este algo desconhecido”.
Immanuel Kant
Sobre a teoria do conhecimento kantiana, conforme o texto acima, seguem as seguintes afirmativas:
I. Desde sempre, os filósofos atribuíram realidade tanto aos seres sensíveis quanto aos seres
P á g i n a | 111
inteligíveis.
II. Podemos conhecer, em relação às coisas em si mesmas, apenas seu fenômeno, ou seja, a
maneira como elasafetam nossos sentidos.
III. Porque podemos conhecer apenas seus fenômenos, as coisas em si mesmas não têm
realidade.
Gabarito
1–a
3–b
Aula 16
Immanuel Kant – Crítica da razão prática
“Duas coisas enchem o espírito de admiração e reverência sempre novas e
crescentes, quanto mais frequente e longamente o pensamento nelas se detém: o
céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim” (Kant)
estabeleceu uma crítica da faculdade racional humana ligada ao domínio das ações humanas.
Desse modo, Kant se interrogou sobre a possibilidade de se estabelecer leis morais
necessáriase objetivas, válidas universalmente.
Kant distingue, portanto, a razão em duas instâncias distintas: a razão teórica, que visa o
conhecimento; e a razão prática, que determina a vontade e a ação prática. O intento principal
da Crítica da razão prática é mostrar como a razão pura pode determinar sozinha a vontade, sem
nenhuma intervenção de impulsos sensíveis, pois é apenas deste modo que podem existir leis
morais válidas universalmente. Trata-se da tentativa de resolução do problema da ética por
excelência, que problematiza sobre o que deve determinar nossas ações: a racionalidade ou o
desejo e as paixões?
Ao eliminaras bases do Antigo Regime, a Revolução buscou eliminar qualquer traço dos
vestígios aristocráticos em relação aos direitos, eliminação essa representada na Declaração
Universal dos Direitos, que expressa a igualdade absoluta entre os homens, independente da
classe social. As ideias de Kant irão representar em absoluto os ideais da Revolução
Francesa, uma vez que ao buscar os princípios universais das leis morais, determina o critério
da ação moral válido para todos os seres humanos, independente de classe social ou
qualquer outro fator.
Portanto, Kant almejava tanto estabelecer uma resolução ao dilema ético das ações,
quanto estabelecer os fundamentos de uma moral cosmopolita própria às demandas e
mudanças de seu tempo. Para solucionar o problema, Kant defende que a razão por si só é
suficiente para determinar a ação, e não só pode, como deve estar isenta de qualquer
influência externa da experiência sensível, ou seja, livre dos impulsos sensíveis que se voltam
para os desejos e paixões. Os princípios que orientam as ações são de duas naturezas
distintas: as máximas, que são subjetivas; e os imperativos, que são objetivos.
As máximas, por serem subjetivas, jamais poderiam fundamentar uma moral universal,
uma vez que valem apenas para os indivíduos que as propõe. Desse modo, restam os
imperativos, que por serem objetivos e orientados pela racionalidade, revelam a necessidade
objetiva da ação, assim podem sustentar uma moralidade cosmopolita. Os imperativos se
dividem em dois grupos: os hipotéticos e os categóricos. Os imperativos hipotéticos são aqueles
que são condicionados por um fim determinado que se quer alcançar através dos meios
determinados pela razão. Este gênero de imperativos são, portanto, condicionados em relação
ao fim almejado.
Os imperativos categóricos são regras morais que podem fundamentara moral necessária
e universal e, portanto, se transformar em lei moral. As leis morais devem valer para todos os
P á g i n a | 113
A ética kantiana é oposta, deste modo, oposta as éticas heterônomas, que condicionam a
vontade a algo diferente da lei racional, ou seja, a um fim a ser alcançado. Exemplo desta ética
heterônoma são as éticas antigas eudemômica – que busca a felicidade, ou mesmo as éticas
utilitaristas. Ao condicionar a vontade através de meios e fins a serem alcançados, a busca da
felicidade é determinada por imperativos hipotéticos e não categóricos. Segundo Kant, não
devemos agir para alcançar a felicidade, mas devemos agir unicamente pelo puro dever, assim
o ser humano se torna “digno da felicidade”.
Kant distingue as ações autônomas das ações heterônomas. As ações heterônomas
são aqueles em que a vontade do sujeito é determinada por elementos externos à sua
racionalidade, como os desejos e os sentimentos, portanto, por algo diferente da razão. Desse
modo, não são consideradas ações livres, mas sim subordinadas ao desejo. Já as ações
autônomas são aquelas em que a vontade é determinada exclusivamente pela razão, logo
sãoas ações livres e esclarecidas.
O bem moral, se constitui, portanto, na ação que pode ser praticada universalmente. Se
a nossa máxima subjetiva pode ser elevada ao plano da universalidade, podemos concluir se
ela é moralmente boa ou má., nas palavras de Kant: “Olha tuas ações pela ótica do universal e
compreenderás se são ações moralmente boas ou não”. De certa forma, podemos afirmar que
Kant traduziu em seu imperativo categórico o princípio expresso na mensagem do Evangelho:
“Não faça aos outros aquilo que não queres que seja feito a ti”.
Exercícios
1 - (ENEM - 2017)
Uma pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir dinheiro emprestado. Sabe muito bem que
não poderá pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se não prometer firmemente
pagar em prazo determinado. Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda consciência
bastante para perguntara si mesma: não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta
maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima de ação seria: quando julgo estar em
apuros de dinheiro, vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba que tal nunca
sucederá.
KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980.
a) assegura que a ação seja aceita por todos a partir da livre discussão participativa.
b) garante que os efeitos das ações não destruam a possibilidade da vida futura naterra.
c) opõe-se ao princípio de que toda ação do homem possa valer como norma universal.
e) permite que a ação individual produza a mais ampla felicidade para as pessoas envolvidas.
“As leis morais juntamente com seus princípios não só se distinguem essencialmente, em todo o
conhecimento prático, de tudo o mais onde haja um elemento empírico qualquer, mas toda a
Filosofia moral repousa inteiramente sobre a sua parte pura e, aplicada ao homem, não toma
emprestado o mínimo que seja ao conhecimento do mesmo (Antropologia).”
a) A fonte das ações morais pode ser encontrada através da análise psicológica da consciência
moral, na qual sepesquisa mais o que o homem é, do que o que ele deveria ser.
c) O sentimento é o elemento determinante para a ação moral, e a razão, por sua vez,
somente pode dar umadireção à presente inclinação, na medida em que fornece o meio para
alcançar o que é desejado.
d) O ponto de partida dos juízos morais encontra-se nos “propulsores” humanos naturais, os
quais se direcionam
ao bem próprio e ao bem do outro.
3 - (ENEM - 2012)
4 - (UEL - 2012)
P á g i n a | 116
O desenvolvimento não é um mecanismo cego que age por si. O padrão de progresso dominante
descreve a trajetória da sociedade contemporânea em busca dos fins tidos como desejáveis, fins
que os modelos de produção e de consumo expressam. É preciso, portanto, rediscutir os
sentidos. Nos marcos do que se entende predominantemente por desenvolvimento, aceita-se
rever as quantidades (menos energia, menos água, mais eficiência, mais tecnologia), mas pouco
as qualidades: que desenvolvimento, para que e para quem?
Tendo como referência a relação entre desenvolvimento e progresso presente no texto, é correto
afirmar que, em Kant, tal relação, contida no conceito de Aufklärung (Esclarecimento), expressa:
5 - (UEL - 2011)
Na Primeira Secção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant analisa dois conceitos
fundamentais de sua teoria moral: o conceito de vontade boa e o de imperativo categórico.
Essesdois conceitos traduzem as duas condições básicas do dever: o seu aspecto objetivo, a lei
moral, e o seu aspecto subjetivo, o acatamento da lei pela subjetividade livre, como condição
necessáriae suficiente da ação.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria moral kantiana, é correto afirmar:
a) A vontade boa, enquanto condição do dever, consiste em respeitar a lei moral, tendo como
motivo da ação asimples conformidade à lei.
c) Para que possa ser qualificada do ponto de vista moral, uma ação deve ter como condição
necessária e suficiente uma vontade condicionada por interesses e inclinações sensíveis.
d) A razão é capaz de guiar a vontade como meio para a satisfação de todas as necessidades e
assim realizar seu verdadeiro destino prático: a felicidade.
e) A razão, quando se torna livre das condições subjetivas que a coagem, é, em si,
necessariamente conforme a vontade e somente por ela suficientemente determinada.
6 - (UFU - 2013) Autonomia da vontade é aquela sua propriedade graças à qual ela é para si
mesma a sua lei (independentemente da natureza dos objetos do querer). O princípio da
autonomia é, portanto: não escolher senão de modo a que as máximas da escolha estejam
incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal.
a) O Imperativo Categórico não se relaciona com a matéria da ação e com o que deve resultar
dela, mas com a forma e o princípio de que ela mesma deriva.
b) O Imperativo Categórico é um cânone que nos leva a agir por inclinação, vale dizer, tendo
por objetivo a satisfação de paixões subjetivas.
d) A boa vontade deve ser utilizada para satisfazer os desejos pessoais do homem. Trata-
se de fundamento determinante do agir, para a satisfação das inclinações.
7 - (ENEM 2017)
A moralidade, Bentham exortava, não é uma questão de agradar a Deus, muito menos de
fidelidade a regras abstratas. A moralidade é a tentativa de criar a maior quantidade de felicidade
possível neste mundo. Ao decidir o que fazer, deveríamos, portanto, perguntar qual curso de
conduta promoveria a maior quantidade de felicidade para todos aqueles que serão afetados.
RACHELS. J. Os elementos da filosofia moral, Barueri-SP; Manole. 2006.
Gabarito
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2–e
3–a
4–c
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6–a
7 -d
Aula 17
Descartes -que inaugura a filosofia moderna a partir de uma postura subjetivista da realidade –
de que o conhecimento se encontra dentro de nossa consciência. O mundo como
representação é aquele que produzimos em nossa consciência ao perceber os objetos que estão
fora dela. Naspalavras de Schopenhauer:
“O mundo é uma representação minha: eis uma verdade válida para todo ser vivo e
pensante, ainda que só o homem possa alcançá-la por consciência abstrata e reflexa.
Quandoo homem adquire essa consciência, o espírito filosófico entrou nele. Então, sabe com
clareza que não conhece o sol nem a terra, mas somente que tem um olho que vê o sol e
uma mão que sente o contato da terra; (...)”. Desse modo, para o pensador, a representação
é constituída de dois elementos: o sujeito do conhecimento – que representa o mundo – e o
objeto – que é representado pelo objeto. São duas partes essenciais, necessárias e
inseparáveis da representação.
O mundo como representação para Schopenhauer é uma ilusão. Para o filósofo não
podemos fazer uma distinção clara entre o sonho e a vigília, uma vez que a representação é
apenas fenomênica, apenas uma aparência que oculta a verdadeira realidade. Sobre esse
problema Schopenhauer afirma: “nós não nos envergonhamos de proclamá-lo, tantos foram os
grandes espíritos que o reconheceram.” De fato, esse é um pensamento já presente no
pensamento hindu, que afirma que a consciência do mundo é um “Véu -de-Maya” – aquilo que
encobre a essência verdadeira das coisas -, Platão defende que os homens vivem num sonho,
dentro da caverna, Shakespeare proclama “nós somos da mesma matéria que os sonhos e
nossa vida breve é circundada por sono”.
É por meio do corpo que sentimos prazer e dor, que percebemos o impulso de vida e o
anseio de autoconservação, em outras palavras, é pelo corpo que sentimos a vontade, que é a
essência íntima de todos os fenômenos, desse modo a ação da vontade e a ação do corpo são
uma coisa só, logo a vontade é a própria essência de nosso ser. Nas palavras de Schopenhauer:
“verá vontade (...) na força que faz crescer o vegetar a planta; na força que dá forma ao cristal;
na força que dirige a agulha magnética para o norte; na comoção que se experimenta no contato
P á g i n a | 120
entre dois metais heterogêneos; (...)e até na gravidade, que age com tal potência em toda matéria
e atrai a pedra para a terra assim como a terra para o céu”.
A vontade é entendida, portanto, como uma força irrefreável, irracional, sem objetivo, cega,
como um conflito incessante de forças que se impõe umas às outras e é, sobretudo, una. A
mesma vontade que habita na planta, no fungo, habita no homem e no universo. Desse modo, a
vida que encontra sua essência na vontade, é dor e sofrimento, dado pelo conflito incessante.
No homem esse conflito se manifesta a partir da própria vontade, que é também o desejo. A
vida oscila entre desejos satisfeitos que levam o ser humano ao tédio e desejos in satisfeitos,
que levam à dor. Assim é vida é compreendida como um pêndulo entre o tédio e a dor.
Exercícios
1 - (UNESP - 2017) Nossa felicidade depende daquilo que somos, de nossa individualidade;
enquanto, na maior parte das vezes, levamos em conta apenas a nossa sorte, apenas aquilo que
temos ou representamos. Pois, o que alguém é para si mesmo, o que o acompanha na solidão e
ninguém lhe pode dar ou retirar, é manifestamente mais essencial para ele do que tudo quanto
puder possuir ou ser aos olhos dos outros. Um homem espiritualmente rico, na mais absoluta
solidão, consegue se divertir primorosamente com seus próprios pensamentos e fantasias,
enquanto um obtuso, por mais que mude continuamente de sociedades, espetáculos, passeios
e festas, não consegue afugentar o tédio que o martiriza.
b) valoriza o aprimoramento formativo do espírito como campo mais relevante da vida humana.
SCHOPENHAUER, A. Aforismo para a sabedoria da vida. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
O trecho destaca uma ideia remanescente de uma tradição filosófica ocidental, segundo
a qual afelicidade se mostra indissociavelmente ligada à
Gabarito
1–b
2–b
Aula 18
A Renascença e o pensamento político – Nicolau Maquiavel
em 1527. Não há registros de que Maquiavel tenha recebido qualquer tipo de educação formal,
porém sabe-se que teve contato, graças à pequena biblioteca doméstica de sua casa, com
pensadores latinos como Cícero e Tito Lívio, aos quais Maquiavel nutriu grande estima. Desde
jovem, aos 14 anos, já começou a trabalhar na chancelaria florentina, o que foi a porta de entrada
na vida política e diplomática, experiências que permitiram à Maquiavel escrever sua grande
obra:O Príncipe.
Para se compreender a novo paradigma político criado por Maquiavel, bem como entender
o conteúdo de sua obra maior, é necessário contextualizá-lo historicamente. A Itália, na época
de Maquiavel, não era um Estado unificado em um único governo, mas ao contrário, era um
território constituído de governos autônomos e independentes – principados, ducados e
repúblicas. Neste contexto, a cidade de Florença era considerada o centro econômico, político e
cultural, e que alternava governos republicanos e governos autocráticos. Por ser um centro
cultural, em Florença floresceu uma grande escola de pensadores, dos quais Maquiavel fez
parte.
A obra O Príncipe - escrita em 1513 e publicada postumamente 1531 – pode ser dividida
em duas partes: a primeira em que o objeto central é o principado e suas diferentes
configurações; e a segunda em que o objeto são as capacidades necessárias ao príncipe para
se manter no poder do estado. A obra é uma resposta à situação política da Itália. Maquiavel
defendia o fortalecimento dos principados como pré-requisito para a unificação da Itália, que
posteriormente, poderia se tornar uma República, ou seja, em um governo pautado na liberdade
– tese defendida em outra obra, Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio.
Essa nova perspectiva lançada sobre a política é caracterizada pelo chamado realismo
político. Para Maquiavel, a investigação sobre a política não deve considerar as cidades como
elas deveriam ser, num plano idealizado, mas sim em suas relações reais e concretas,
portanto, de como são. No capítulo XV de sua obra magna, Maquiavel chama a atenção para la
verittà effetuale delle cose, ou seja, para a verdade efetiva das coisas, o modo como a história da
política aconteceu de fato, para poder intervir de maneira útil e prática no pano imediato. Nota-
se, logo, que o ponto de partida da indagação sobre o plano político é a experiência das
P á g i n a | 123
"Como sei que muitos já escreveram sobre o assunto, receio ser tomado por presunçoso ao tratar
mais uma vez do tema, sobretudo por apartar-me dos argumentos da maioria. Porém, sendo minha
intenção escrever coisas que sejam úteis a quem se interesse, pareceu-me mais conveniente ir direto à
verdade efetiva da coisa que à imaginação em torno dela. E não foram poucos os que imaginaram
repúblicas e principados que nunca se viram nem se verificaram na realidade."
Sem levar em consideração como as coisas deveriam ser, o príncipe que queira se manter não
deve desejar possuir a aparência de bom, mas deve se ater a efetividade das ações políticas. Nesse
sentido que Maquiavel elabora um novo conceito de virtude, a virtù política. Diferente da virtude cívica dos
gregos clássicos e da virtude moral do cristianismo, Maquiavel entende a virtude pensada em relação as
peculiaridades do universo político, como o conjunto de habilidades necessárias para o exercício do poder:
força, vontade, astúcia, capacidade de domínio da situação. Para tal tarefa é necessário que o príncipe
aprenda os meios para ser cruel e desumano quando a situação exigir. É nesse contexto que se enquadra
a máxima de Maquiavel: “os fins justificam os meios”.
"[...] a distância entre como se vive e como se deve viver é tão grande que quem deixa o que
se faz pelo que se deveria fazer contribui rapidamente para a própria ruína e compromete sua
preservação: porque o homem que quiser ser bom em todos os aspectos terminará arruinado entre
tantos que não são bons. Por isso é preciso que o príncipe aprenda, caso queira manter-se no poder,
a não ser bom e a valer-se disso segundo a necessidade."
É melhor ao príncipe, portanto, ser temido do que amado – porém, nunca odiado. Em um Estado
em que os súditos amem e não temam o seu chefe, a chance de revoltas é muito maior do que naquele
principado em que seu chefe é temido. Assim, a crueldade é justificada como meio de se manter a
obediência dos súditos. Porém, toda a autoridade e virtude do príncipe não são os únicos fatores
determinantes nas práticas políticas. Para Maquiavel, o universo das ações humanas depende
parcialmente da virtude e parcialmente do destino, ou em outras palavras, da sorte.
O príncipe, deste modo, não possui controle total sobre as situações em que pode se encontrar,
deve então contar com a sorte e aproveitar a ocasião em que ela se manifesta. Porém, se o príncipe não
pode contar com a sorte, deve ele mesmo ter a força de caráter para construir a própria, e nisto consiste
a virtude máxima, ou seja, a excelência das práticas de um chefe do principado. O novo conceito de
virtude, se apresenta, assim sendo, vinculado a nova finalidade do poder político: sua conquista e sua
conservação.
"Com frequência o que o monarca faz em seu próprio interesse prejudica o Estado – e o que
beneficia o Estado é nocivo aos interesses particulares do monarca. Assim, quando a tirania se
levanta no meio de um povo livre, o inconveniente menor que traz é a sustentação do progresso,
deixando o país de crescer em poder e riqueza; porque o normal é que, nesse caso, o Estado
regrida. [...] Para ele, o único que conta é que todas as cidades e províncias o reconheçam como
mestre. Quer semear a desunião, extraindo das suas conquistas proveito para si próprio, não para a
pátria.”
P á g i n a | 125
Exercícios
1 – (ENEM – 2012)
“Não ignoro a opinião antiga e muito difundida de que o que acontece no mundo é decidido por
Deus e pelo acaso. Essa opinião é muito aceita em nossos dias, devido às grandes
transformações ocorridas, e que ocorrem diariamente, as quais escapam à conjectura
humana. Não obstante, para não ignorar inteiramente o nosso livre-arbítrio, creio que se pode
aceitar que a sorte decida metade dos nossos atos, mas [o livre-arbítrio] nos permite o
controle sobre a outra metade.”
Em O Príncipe, Maquiavel refletiu sobre o exercício do poder em seu tempo. No trecho citado,
o autor demonstra o vínculo entre o seu pensamento político e o humanismo renascentista ao
2 – (ENEM – 2013)
“Nasce daqui uma questão: se vale mais ser amado que temido ou temido que amado.
Responde-se que ambas as coisas seriam de desejar; mas porque é difícil juntá-las, é muito
mais seguro ser temido que amado, quando haja de faltar uma das duas. Porque dos homens
se pode dizer, duma maneira geral,que são ingratos, volúveis, simuladores, covardes e ávidos
de lucro, e enquanto lhes fazes bem são inteiramente teus, oferecem-te o sangue, os bens, a
vida e os filhos, quando, como acima disse, o perigo está longe; mas quando ele chega,
revoltam-se.”
c) guiado por interesses, de modo que suas ações são imprevisíveis e inconstantes.
2- (UFU 2013)
Em seus estudos sobre o Estado, Maquiavel busca decifrar o que diz ser uma verità effettuale,
a “verdade efetiva” das coisas que permeiam os movimentos da multifacetada história
humana/política através dos tempos. Segundo ele, há certos traços humanos comuns e
imutáveis no decorrer daquela história. Afirma, por exemplo, que os homens são “ingratos,
volúveis, simuladores, covardes ante os perigos, ávidos de lucro”. (O Príncipe, cap. XVII)
Para Maquiavel:
b) Fazer política só é possível por meio de um moralismo piedoso, que redime o homem em âmbito
estatal.
c) Fortuna é poder cego, inabalável, fechado a qualquer influência, que distribui bens de forma
indiscriminada.
d) A Virtù possibilita o domínio sobre a Fortuna. Esta é atraída pela coragem do homem que possui
Virtù.
3 - (UNICAMP 2016)
“Quanto seja louvável a um príncipe manter a fé, aparentar virtudes e viver com integridade,não
com astúcia, todos o compreendem; contudo, observa-se, pela experiência, em nossos tempos,
que houve príncipes que fizeram grandes coisas, mas em pouca conta tiveram a palavra dada,
e souberam, pela astúcia, transtornar a cabeça dos homens, superando, enfim, os que foram
leais (...). Um príncipe prudente não pode nem deve guardar a palavra dada quando isso se lhe
torne prejudicial e quando as causas que o determinaram cessem de existir.
(Nicolau Maquiavel, O Príncipe. São Paulo: Nova Cultural, 1997, p. 73-85.)” A partir desse excerto
da obra, publicada em 1513, é correto afirmar que:
a) O jogo das aparências e a lógica da força são algumas das principais artimanhas da
política modernaexplicitadas por Maquiavel.
b) A prudência, para ser vista como uma virtude, não depende dos resultados, mas de estar de
acordo com osprincípios da fé.
d) A questão da manutenção do poder é o principal desafio ao príncipe e, por isso, ele não
precisa cumprir apalavra dada, desde que autorizado pela Igreja.
Gabarito
1–c
2–c
3–d
4 -a
Aula 19
O estado de natureza deve ser compreendido como uma abstração filosófica, uma
hipótese criada pelos modernos, e não como um esforço para reconstruir a história humana.
Desse modo, o estado natural não pode ser entendido como verdadeiramente existente, essa
não é a principal finalidade das explicações contratualistas, mas sim uma busca da
compreensão da natureza humana e de qual forma de governo é mais propício a ela. Para os
contratualistas em geral a liberdade é a condição natural humana. Em Hobbes, a formação do
estado social coincide com o abandono da liberdade natural.
O ser humano, segundo Hobbes, é egoísta por natureza, pois vive para satisfazer suas
necessidades de sobrevivência. O estado de natureza é caracterizado pelo direito natural,
fundamentado na liberdade absoluta, e determina que todos têm direito a tudo aquilo que julgam
necessário à sua sobrevivência e conservação. Ora, como no estado de natureza não existem o
poder e as leis do estado para frear o ímpeto e a tendência natural do ser humano de se apropriar
daquilo que julgam necessário à sua conservação, se instala uma condição natural de violência,
que resulta em uma guerra de todos contra todos.
Logo, o homem se torna seu próprio inimigo e predador, com quem compete para
sobreviver. Por essa razão Hobbes define o homem como lobo do homem. Portanto, no estado
natural, cada ser humano permanece isolado com o medo de perder a própria vida, desse modo,
seu bem fundamental se encontra em perigo constante. O que possibilita ao homem a
superação de sua condição natural são suas capacidades instintivas e racionais, ou seja, o
instinto e a razão.
para manter a paz. Se o homem deve se esforçar em manter a paz, deve também abrir mão de
seu direito natural e de sua liberdade absoluta. Logo, a segunda lei natural determina que o
homem renuncie ao seu direito natural, uma vez que é justamente a liberdade absoluta a maior
razão da origem das contendas e conflitos entre humanos.
Desse modo, ao renunciar ao seu direito natural o homem firma um primeiro acordo,
assim a terceira lei natural determina que todos os acordos sejam cumpridos. Ao firmar os
primeiros acordos com outros homens, se estabelece as noções fundamentais de justiça e de
injustiça. A justiça é definida como o ato de cumprir os acordos estabelecidos e a injustiça
justamente seu oposto, em ignorá-los. As outras dezesseis leis derivam destas três
fundamentais, que consistem em: ter gratidão, se adaptar aos demais, evitar o ódio em palavras
e gestos, a igualdade e assim por diante.
Porém, apesar de seu instinto de sobrevivência que o leva a usar sua capacidade racional
em benefício da conservação de sua vida, nada impede ao homem de praticar uma ação
contrária à lei natural, ou seja, mesmo com a descoberta das leis o homem ainda pode tender a
ignorá-las – se o seu desejo assim determinar – e não há nenhuma força externa ao homem
que o impeça de fazê-lo (a não ser os ostros homens). Nas palavras de Hobbes: “pactos sem
espadas são apenas palavras”.
Desse modo, aponta Hobbes, é necessário que uma multidão de homens renuncie ao
seu direito natural e deleguem a um soberano – ou uma assembleia soberana - a força e o
poder para governá-los, o que possibilita a redução da multiplicidade de vontades em uma só,
a vontade do soberano, capaz de impor a paz e a ordem na sociedade civil. Assim surge o
pacto social, a fundação da sociedade civil e a superação do estado de natureza, na medida
que é criada uma instância de poder capaz de obrigar os homens a cumprir e respeitar as leis
naturais.
Nas palavras de Hobbes: “é como se cada homem dissesse a cada homem: cedo e transfiro o
direito de governar-me a mim mesmo.” Portanto, o pacto social resulta de um acordo dos
súditos entre si, o soberano – ou a assembleia - é o único que não renuncia ao seu direito
natural. Hobbes aponta que se todos renunciassem ao seu direito natural, sem exceção, os
conflitos e contentas não cessariam, uma vez que existiriam contrates e divergências no
gerenciamento do poder. Por essa razão o poder do soberano deve ser absoluto e indivisível, é
necessário quetodos os poderes se concentram em suas mãos.
O soberano se encontra acima da justiça – pois a terceira regra vale apenas para os
súditos – e pode interferir em relação a propagação ou não de determinadas ideias, assim
como também a igreja deve ser submissa ao estado. O poder absoluto do estado é totalmente
radical, porém não parte de uma imposição à força do soberano, pelo contrário, nasce do ato
livre dos súditos que, ao vislumbrarem um estado pacífico, enxergam a necessidade da
delegação do direito ao soberano. Assim surge o “Leviatã” – em alusão ao monstro mitológico
da Bíblia - , ou o “deus mortal”, responsável pela promoção da ordem e da paz no estado civil.
P á g i n a | 130
Exercícios
1 – (ENEM - 2015)
“A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo e do espírito, que,
embora por vezes se encontreum homem manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito
mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a diferença
entre um e outro homem não é suficientemente considerável para que um deles possa com
base nela reclamar algum benefício a que outro não possa igualmente aspirar.”
Para Hobbes, antes da constituição da sociedade civil, quando dois homens desejavam o mesmo
objeto, eles
a)entravam em conflito.
c)consultavam os anciãos.
e) exerciam a solidariedade.
De acordo com algumas teorias políticas, a formação do Estado é explicada pela renúncia
que os indivíduos fazem de sua liberdade natural quando, em troca da garantia de direitos
individuais, transferem a um terceiro o monopólio do exercício da força. O conjunto dessas
teorias é denominado de
a)liberalismo.
b)despotismo.
c)socialismo.
P á g i n a | 131
d) anarquismo.
e) contratualismo
3 – (UFU 2013)
a) O seu poder deve ser parcial. O soberano que nasce com o advento do contrato
social deve assiná-lo, parasubmeter-se aos compromissos ali firmados.
b) A condição natural do homemé de guerra de todos contra todos. Resolver tal condição é
possível apenas com umpoder estatal pleno.
c) Os homens são, por natureza, desiguais. Por isso, a criação do Estado deve servir como
instrumento de realização daisonomia entre tais homens.
d) A guerra de todos contra todos surge com o Estado repressor. O homem não deve se
submeter de bom grado àviolência estatal.
4 – (UFF 2010)
De acordo com o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), em seu estado natural, os seres
humanos são livres, competem e lutam entre si. Mas como têm em geral a mesma força, o
conflito se perpetua através das gerações, criando um ambiente de tensão e medo
permanentes. Para Hobbes, criar uma sociedade submetida à lei e na qual osseres humanos
vivam em paz e deixem de guerrear entre si, pressupõe que todos os homens renunciem a
sua liberdade original e deleguem a um só deles (o soberano) o poder completo e
inquestionável.
a) Monarquia censitária
b) Monarquia absoluta
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c) Sistema parlamentar
d)Despotismo esclarecido
e)Sistema republicano
5 – (UFU - 2011)
Os filósofos contratualistas elaboraram suas teorias sobre os fundamentos ou origens do
poder do Estado a partir de alguns conceitos fundamentais tais como, a soberania, o estado
de natureza, o estado civil, o estado de guerra, o pacto social etc.
Com base em seus conhecimentos e no texto abaixo, assinale a alternativa correta, segundo
Hobbes.
[...] a condição dos homens fora da sociedade civil (condição esta que podemos
adequadamente chamar de estado de natureza) nada mais é do que uma simples guerra de
todos contra todos na qual todos os homens têm igual direito a todas as coisas; [...] e que
todos os homens, tão cedo chegam a compreender essa odiosa condição, desejam [...]
libertar-se de tal miséria.
a) O estado de natureza não se confunde com o estado de guerra, pois este é apenas
circunstancial ao passo que oestado de natureza é uma condição da existência humana.
b) A condição de miséria a que se refere o texto é o estado de natureza ou, tal como se pode
compreender, o estado deguerra.
c) O direito dos homens a todas as coisas não tem como consequência necessária a guerra de todos
contra todos.
d) A origem do poder nada tem a ver com as noções de estado de guerra e estado de natureza.
6 – (UFU - 2010)
Segundo Thomas Hobbes, o estado de natureza é caracterizado pela “guerra de todos contra
todos”, porque, não havendo nenhuma regra ou limite, todos têm direito a tudo o que significa
que ninguém terá segurança de seus bense de sua vida. A saída desta situação é o pacto ou
contrato social, “uma transferência mútua de direitos”.
HOBBES, T. Leviatã. Coleção Os Pensadores. Trad. João P. Monteiro e Maria B. N. da Silva. São
Paulo: Nova Cultural, 1988, p. 78-80.
Com base nestas informações e nos seus conhecimentos sobre a obra de Hobbes,
assinale a alternativa que caracteriza o pacto social.
a) Pelo pacto social, cria-se o Estado, que continua sendo uma mera reunião de indivíduos
P á g i n a | 133
b) Pelo pacto social, a multidão de indivíduos passa a constituir um corpo político, uma pessoa
artificial: o Estado.
c) Pelo pacto social, cria-se o Estado, mas os indivíduos que o compõem continuam senhores de
sua liberdade e de suas propriedades.
d) O pacto social pressupõe que o Estado deverá garantir a segurança dos cidadãos, mas em
nenhum momento fará uso da força pública para isso.
7 – (UEL - 2003)
“Sabemos que Hobbes é um contratualista, quer dizer, um daqueles filósofos que, entre
o século XVI e o XVIII (basicamente), afirmaram que a origem do Estado e/ou da
sociedade está num contrato: os homens viveriam, naturalmente, sem poder e sem
organização – que somente surgiriam depois de um pacto firmado por eles,
estabelecendo as regras de comércio social e de subordinação política.”
(RIBEIRO, Renato Janine. Hobbes: o medo e a esperança. In: WEFFORT, Francisco. Os clássicos
da política. São Paulo: Ática, 2000. p. 53.)
Com base no texto, que se refere ao contratualismo de Hobbes, considere as seguintes afirmativas:
III. O contrato ocorre por meio da passagem do estado social para o estado político.
8 – (UEL - 2005)
“Hobbes realiza o esforço supremo de atribuir ao contrato uma soberania absoluta e indivisível
P á g i n a | 134
[...]. Ensina que, por um único e mesmo ato, os homens naturais constituem-se em sociedade
política e submetem-se a um senhor, a um soberano. Não firmam contrato com esse senhor,
mas entre si. É entre si que renunciam, em proveito desse senhor, a todo o direito e toda
liberdade nocivos à paz”.
I. A renúncia ao direito sobre todas as coisas deve ser recíproca entre os indivíduos.
II. A renúncia aos direitos sobre a vida, que caracteriza o contrato político, significa a renúncia
de todos os direitos emfavor do soberano.
IV. O contrato que funda o poder político visa pôr fim ao estado de guerra que caracteriza o estado
de natureza.
a) I e II.
b) I e IV.
c) II e III.
d) I, III e IV.
9 – (UNIOESTE - 2010)
Na concepção política de Hobbes, o “acordo vigente” entre homens se dá através de um pacto, isto
é, artificialmente, acordo que para “tornar-se constante e duradouro” exige, além do pacto, a
instituição de “[...] um poder comum que os mantenha em respeito, e que dirija suas ações no
sentido comum. [...] A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los [...],
garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos
frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a sua força e poder a um
homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por
pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma
assembleia de homens como representante de suas pessoas, considerando-se e reconhecendo-
se cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa praticar ou levar
a praticar, em tudo o que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo assim suas
vontades à vontade do representante, e suas decisões a sua decisão. Isto é mais do que
P á g i n a | 135
consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa,
realizada por um pacto de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada
homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este
homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele o teu direito,
autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isto, à multidão assim
unida numa só pessoa se chama Estado […]. Graças a esta autoridade que lhe é dada por cada
indivíduo no Estado,
é-lhe conferido o uso de tamanho poder e força que o terror assim inspirado o torna capaz de
conformar as vontades de todos eles, no sentido da paz no próprio país, e ajuda mútua contra os
inimigos estrangeiros. É nele que consiste a essência do Estado, a qual pode ser assim defin ida:
Uma pessoa de cujos atos uma multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi
instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da
maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum. [...] Àquele que é
portador dessa pessoa se chama soberano, e dele se diz que possui poder soberano. Todos os
restantes são súditos.”
(Hobbes)
A partir deste texto, que trata da concepção política hobbesiana, seguem as seguintes proposições:
III – A essência do Estado consiste na transferência, por parte de uma grande multidão, mediante
pactos recíprocos, cada um com cada um, de direitos e liberdades naturais, para um Soberano,
com poder absoluto, intransferível e ilimitado.
Gabarito
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9–e
Aula 20
legitimados a partir do sangue e hereditariedade, que eram os fundamentos naturais de seu poder
e prestígio social.
É neste cenário em que os direitos naturais passam a entrar em ameaça e risco que se torna
necessário a elaboração de um contrato social, de modo que coincide, portanto, com a passagem
do estado de natureza para o estado civil ou social. O acordo é realizado para construir instâncias
apropriadas para a promoção da justiça, ou seja, criam o Estado, justamente como meio de defesa
dos direitos naturais. Logo, os membros da sociedade só aceitam o poder do Estado por
entenderem que ele pode salvaguardar os direitos naturais irrenunciáveis, que representam os
interesses individuais de todos.
Desse modo, o exercício da justiça estará de acordo com a criação de leis que se
fundamentam no direito natura le expressarão a vontade de todos, e essa se dará como
expressão da vontade da maioria. Nas palavras de Locke: “Quando qualquer número de homens
consentiu desse modo em formar uma comunidade ou governo, são, por esse ato, logo
P á g i n a | 138
incorporados e formam um único corpo político, no qual a maioria tem o direito de agir e deliberar
pelos demais”
Por essa razão existe um componente no contrato que permite que os membros da
sociedade substituam o governante se este usurpar do seu poder, e que utilizem os meios para tal,
mesmo que seja necessário o uso da força. Trata-se do de um princípio revolucionário, nomeado
por Locke de direito à resistência. O sentido de revolucionário empregado por Locke é similar ao
da astronomia e movimento dos astros. Não se trata de uma ruptura drástica na estrutura social,
mas sim um retorno à situação inicial que engendra o contrato, que é a proteção dos direitos
naturais.
Exercícios
1- (Unioeste - 2013)
Bobbio.
pelo governo, a subordinação dos poderes, a limitação do poder e o direito à resistência são
princípios fundamentais do liberalismo político de Locke.
III. A violação deliberada e sistemática dos direitos naturais e o uso contínuo da força sem
amparo legal, segundo Locke, não são suficientes para conferir legitimidade ao direito de
resistência, pois o exercício de tal direito causaria a dissolução do estado civil e, em
consequência, o retorno ao estado de natureza.
IV. Os indivíduos consentem livremente, segundo Locke, em constituir a sociedade política com
a finalidade de preservar e proteger, com o amparo da lei, do arbítrio e da força comum de
um corpo político unitário, os seus inalienáveis direitos naturais à vida, à liberdade e à
propriedade.
V. Da dissolução do poder legislativo, que é o poder no qual “se unem os membros de uma
comunidade para formar um corpo vivo e coerente”, decorre, como consequência, a
dissolução do estado de natureza.
2- (Unioeste - 2012)
“Se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto da
sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, porque abrirá ele mão dessa
liberdade, porque abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer
outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a
fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros porque,
sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem igual a ele, e na maior parte pouco observadores
da equidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui nesse estado é muito insegura,
muito arriscada. Estas circunstâncias obrigam-no a abandonar uma condição que, embora
livre, está cheia de temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de boa
vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a
mútua conservação da vida, da propriedade e dos bens a que chamo de 'propriedade'”.
Locke
II. O objetivo principal da união dos homens em comunidade, colocando-se sob governo, é a
preservação da
“propriedade”.
III. No estado de natureza, falta uma lei estabelecida, firmada, conhecida, recebida e aceita
mediante consentimento, como padrão do justo e injusto e medida comum para resolver
quaisquer controvérsias entre os homens.
3 - (UEL 2011)
Locke divide o poder do governo em três poderes, cada um dos quais origina um ramo de
governo: o poder legislativo (que é o fundamental), o executivo (no qual é incluído o judiciário) e
o federativo (que é o poder de declarar a guerra, concertar a paz e estabelecer alianças com
outras comunidades). Enquanto o governo continuar sendo expressão da vontade livre dos
membros da sociedade, a rebelião não é permitida: é injusta a rebelião contra um governo legal.
Mas a rebelião é aceita por Locke em caso de dissolução da sociedade e quando o governo
deixa de cumprir sua função e se transforma em uma tirania.
(LOCKE, John. In: MORA, J. F. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001. V.
III. p. 1770.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre John Locke, é correto afirmar:
legalidade.
II. O Estado deve cuidar do bem-estar material dos cidadãos sem tomar partido em
questões de matéria religiosa.
III. O poder legislativo ocupa papel preponderante.
IV. Na estrutura de poder, dentro de certos limites, o Estado tem o poder de fazer as
leis e obrigar que sejam cumpridas.
4 - (UEL - 2010)
“Aquele que se alimentou com bolotas que colheu sob um carvalho, ou das maçãs que retirou
das árvores na floresta, certamente se apropriou deles para si. Ninguém pode negar que a
alimentação é sua. Pergunto então: Quando começaram a lhe pertencer? Quando os digeriu?
Quando os comeu? Quando os cozinhou?
Quando os levou para casa? Ou quando os apanhou?”
(LOCKE, J. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 98)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de John Locke, é correto afirmar
que a propriedade:
I. Tem no trabalho a sua origem e fundamento, uma vez que ao acrescentar algo que é
seu aos objetos da natureza o homem os transforma em sua propriedade.
II. A possibilidade que o homem tem de colher os frutos da terra, a exemplo das maçãs,
confere a ele um direito sobre eles que gera a possibilidade de acúmulo ilimitado.
IV. Nasce da sociedade como consequência da ação coletiva e solidária das comunidades
organizadas com o propósito de formar e dar sustentação ao Estado.
5 - (Unioeste - 2010)
“Para bem compreender o poder político e derivá-lo de sua origem, devemos considerar em que
estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade
para ordenar-lhes as ações e regular-lhes as suas posses e as pessoas conforme acharem
conveniente, dentro dos limites da lei da natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade
de qualqueroutro homem. [...] Estado também de igualdade, no qual é recíproco qualquer
poder e jurisdição, ninguém tendo mais do que qualquer outro […]. Contudo, embora seja um
estado de liberdade, não o é de licenciosidade; apesar de ter o homem naquele estado
liberdade incontrolável de dispor da própria pessoa e posses, não tem a de destruir-se a si
mesmo ou a qualquer criatura que esteja em sua posse, senão quando uso mais nobre do que
a simples conservação o exija. O estado de natureza tem uma lei de natureza para governá-lo,
que a todos obriga. [...] E para impedir a todos os homens que invadam os direitos dos outros e
que mutuamente se molestem, e para que se observe a lei da natureza, que importa na paz e
na preservação de toda a Humanidade, põe-se, naquele estado, a execução da lei da natureza
nas mãos de todos os homens, mediante a qual qualquer um tem o direito de castigar os
transgressores dessa lei em tal grau que lhe impeça a violação, pois a lei da natureza seria vã,
como quaisquer outras leis que digam respeito ao homem neste mundo, se não houvesse
alguémnesse estado de natureza que não tivesse poder para pôr em execução aquela lei e, por
esse modo, preservasse o inocente e restringisse os ofensores.”
(Locke)
Considerando o texto citado, é correto afirmar, segundo a teoria política de Locke, que
a) o estado de natureza é um estado de perfeita concórdia e absoluta paz, tendo cada indivíduo
poder ilimitado para realizar suas ações como bem lhe convier, sem nenhuma restrição de
qualquer lei, seja ela natural ou civil.
c) pela ausência de um juiz imparcial, no estado de natureza todos têm igual direito de serem
executores, a seu modo, da lei da natureza, o que o caracteriza como um estado de guerra
generalizada e de violência permanente.
6 – (UFF – 2012)
O filósofo inglês John Locke (1632-1704) é umdos fundadores da concepção liberal da vida política.
Em sua defesa da liberdade como um atributo que o homem possui desde que nasce, ele diz: “Para
compreender corretamente o que é o poder político e derivá-lo a partir de sua origem, devemos
considerar qual é a condição em que todos os homens se encontram segundo a natureza. E esta
condição é a de completa liberdade para poderdecidir suas ações e dispor de seus bens e pessoas
do modo que quiserem, respeitados os limites das leis naturais, sem precisar solicitar a permissão
ou de depender da vontade de qualquer outro ser humano.”
Assinale o documento histórico que foi diretamente influenciado pelo
pensamento de Locke.
7 – (UFU – 2012)
“Para bem compreender o poder político e derivá-lo de sua origem, devemos considerar em que
estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade
para ordenar-lhes as ações e regular-lhes as posses e as pessoas conforme acharem
conveniente, dentro dos limites da lei de natureza, sem pedir permissão ou depender da vontade
de qualquer outro homem.”
LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. São Paulo: Abril Cultural, 1978.
A partir da leitura do texto acima e de acordo com o pensamento político do autor, assinale
alternativa correta.
P á g i n a | 144
b) Para Locke, o direito dos homens a todas as coisas independe da conveniência de cada um.
d) Segundo Locke, a existência de permissão para agir é compatível com o estado denatureza.
A justiça e a conformidade ao contrato consistem em algo com que a maioria dos homens parece
concordar. Constitui um princípio julgado estender-se até os esconderijos dos ladrões e às
confederações dos maiores vilões; até os que se afastaram a tal ponto da própria humanidade
conservam entre si a fé e as regras da justiça.
LOCKE, J.Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 2000 (adaptado).
De acordo com Locke, até a mais precária coletividade depende de uma noção de justiça, pois tal
noção
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Aula 21
O século XVII foi um período de grandes mudanças nos campos políticos e intelectuais. Na
área política vemos a transição do Antigo Regime para o Estado Moderno de Direito, e na área
intelectual vemos a ascensão do movimento iluminista, que se baseava na convicção de que a
racionalidade humana era totalmente capaz de libertar o homem das amarras da ignorância e
superstição. É neste contexto social que emerge o pensamento de Jean -Jacques Rousseau(1712
– 1778), nascido em Genebra, um dos grandes pensadores iluministas. Rousseau pode ser
definido como um pensador que critica o iluminismo, na medida que atribui ao avanço civilizatório
todas as malezas humanas; e pode ser considerado iluminista ao afirmar que apenas o
desenvolvimento efetivo da racionalidade humana pode levar a uma organização social justa.
As principais obras de Rousseau são: Discurso sobre as ciências e as artes (1750), Discurso
sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens (1755) e Do contrato social
(1762). Os primeiros dois discursos são respostas aos problemas propostos num concurso pela
Academia de Dijon – célebre universidade francesa. O primeiro é resposta ao problema “ O
progresso das ciências e das artes contribuiu para a melhora dos costumes?”. Rousseau
surpreende e responde na negativa, defendendo que a melhoria científica trouxe consigo a
degeneração moral dos homens. Já o segundo discurso responde ao problema da origem da
desigualdade e Rousseau aponta a propriedade privada como a grande causadora das discórdias
e diferenças entre os homens.
Para Rousseau o ser humano em seu estado natural vive guiado por suas virtudes naturais
da compaixão e da bondade. Rousseau é influenciado pelo mito do “bom selvagem”, muito difundido
na literatura francesa a partir do século XVI, quando o europeu entrou em contato com os povos
ameríndios. Desde então, pensadores como Montaigne idealizaram a vida dos povos americanos
considerados “selvagens”. Rousseau se apropria deste pensamento e contribui em boa dose para
seu desenvolvimento. Assim, ao criar sua hipótese do estado natural, Rousseau atribui ao homem
os predicados de justo, biologicamente sadio e moralmente reto.
nada, como Rousseau diz “só experimentava necessidades verdadeiras”, bastando-se a si mesmo
e é guiado por seu instinto, não pela racionalidade.
Entretanto, essa igualdade originária que assinala a existência humana anterior ao estado
social é justamente interrompida pela ganância daquele que, segundo Rousseau, demarcou um
pedaço de terra e declarou como seu.
Nas palavras do filósofo: “O primeiro que, tendo cercado um terreno, pensou afirmar: este é
meu, e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditar nisso, foi o verdadeiro fundador
da sociedade civil. Quantos delitos, guerras, homicídios, quantas misérias e horrores não teria
poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas e enchendo as valas, tivesse
gritado aos homens: “Não ouvi este impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são
de todos,e que a terra é de ninguém!”
Rousseau aponta, portanto, que a propriedade privada é o fator determinante que engendrou
a desigualdade entre os homens, se opondo ao pensamento de John Locke, por exemplo, que
afirma que a propriedade privada é o que garante a sobrevivência do gênero humano. Assim, o
estado natural em que triunfa os sentimentos e os instintos humanos, segundo Rousseau, chega
aofim, e os conflitos entre os homens se iniciam e rapidamente se multiplicam. A autoconservação
é deixada de lado dando lugar a um processo contínuo de aniquilação. A sociedade corrompe sua
bondade originária e institui uma organização social onde as vicissitudes passam a guiar o
comportamento humano, e, portanto, o homem se torna egoísta, injusto, doente e moralmente
degenerado.
Porém, antes mesmo da crítica à propriedade privada, Rousseau já havia elaborado sua
crítica ao regime social, ao apontar que a cultura piorou a vida do homem. Em seu primeiro
discurso, anterior ao que irá criticar a propriedade privada como aquela que engendra a
desigualdade do gênero humano, no Discurso sobre as ciências e as artes (1750), o pensador
genebrino, ao responder o problema proposto pela academia de Dijon - se a cultura e as artes
contribuíram para a melhora da vida do ser humano - defende que ela contribui para o
desenvolvimento de seus víciose , portanto, para o distanciamento da felicidade.
Ao defender que a cultura e as artes em geral contribuíram para o desenvolvimento dos vícios
e para o aumento da desigualdade, Rousseau se contrapõe ao espírito iluminista de sua época,
que defendia justamente o oposto – que a cultura seria o fator determinante para o salto na
evolução dos modos de se viver da humanidade. Os enciclopedistas – Diderot e D’Alembert –
representavam o espírito iluministas de sua época, pois defendiam que a felicidade do gênero
humano aumentava conforme a cultura se apresentava cada vez mais refinada. O embate entre
Diderot - D’Alembert Rousseau residia no fato de que o genebrino assinalava que as artes e
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ciências apenas
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Aquilo que para os enciclopedistas era progresso, para Rousseau era regresso, nas palavras
do genebrino: “Todos os progressos da espécie humana afastam-na continuamente de seu estado
primitivo”, e ainda “De fato, tanto se revirarmos os anais do mundo, como se suprimos com
pesquisas filosóficas as crônicas incertezas, não encontraremos para as ciências humanas uma
origem que responde à ideia que delas gostamos de ter. A astronomia nasceu da superstição; a
eloquência, da ambição, do ódio, da adulação, da mentira; a geometria, da avareza; a física, de
uma vã curiosidade; todas e a própria moral, do orgulho humano. As ciências e as artes devem,
portanto, ao seu nascimento a nossos vícios;”
Vemos, portanto, que Rousseau elabora uma visão radicalmente pessimista da história e de
seu desenrolar. Subverte, assim, a ótica hobbesiana do “homem lobo do homem”: o homem não
nasce mau, mas se torna ao longo de sua história. É extrema a antítese apresentada por
Rousseau entre natureza e cultura, entre estado primitivo e estado civil. Dizemos assim que
Rousseau é contra os iluministas, mas não contra o iluminismo. Podemos considerá-lo iluminista
pois considera que a racionalidade é uma ferramenta que concede muito privilégio ao gênero
humano, pois, se bem usada, pode servir como meio de superação de todo degeneração que o
acompanhou pelos séculos de desvio de sua condição natural.
Exercícios
1 - (UNICAMP - 2012)
“O homem nasce livre, e por toda a parte encontra-se a ferros. O que se crê senhor dos demais
não deixa de ser mais escravo do que eles. (...) A ordem social, porém, é um direito sagrado que
serve de base a todos os outros. (...) Haverá sempre uma grande diferença entre subjugar uma
multidão e reger uma sociedade. Sejam homens isolados, quantos possam ser submetidos
sucessivamente a um só, e não verei nisso senão um senhor e escravos, de modo algum
considerando-os um povo e seu chefe. Trata-se, caso se queira, de uma agregação, mas não de
uma associação; nela não existe bem público, nem corpo político.”
(Jean-Jacques Rousseau, Do Contrato Social. [1762]. São Paulo: Ed. Abril, 1973, p. 28,36.) Sobre
B)A obra inspirou os ideais da Revolução Francesa, ao explicar o nascimento da sociedade pelo
contrato social epregar a soberania do povo.
C) Rousseau defendia a necessidade de o homem voltar a seu estado natural, para assim garantir
a sobrevivência dasociedade.
D)O livro, inspirado pelos acontecimentos da Independência Americana, chegou a ser proibido e
queimado em solofrancês.
P á g i n a | 149
2 - (UEL - 2019)
“Por que só o homem é suscetível de tornar-se imbecil? [...] O verdadeiro fundador da
sociedade civil foi o primeiroque, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e
encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo.”
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre
os homens. Trad. Lourdes Santos Machado, 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. pp. 243;
259.
Com base nos conhecimentos sobre sociedade civil, propriedade e natureza humana no
pensamento de Rousseau, assinale a alternativa correta.
3 - (PUC-PR - 2016)
Leia e analise as afirmativas a seguir:
I. O processo de desigualdade consolidou-se com o estabelecimento da lei e do direito da
propriedade.
V. Realiza um elogio ao processo de socialização, uma vez que este foi responsável por ter
corrompido o ser humano, tornando-oegoísta.
A) II, III e V.
B) I, III e IV.
C) I, III e V.
D) I, II e III.
E) II, IV e V.
4-(PUC PR - 2015)
A partir da teoria contratualista de Rousseau, assinale a alternativa que representa aquilo que o
filósofo de Genebrapretende defender na obra.
a) Que a desigualdade social é permitida pela lei natural e, portanto, o Estado não é responsável
pelo conflito social.
b) Que a desigualdade social é autorizada pela lei natural, ou seja, que a natureza não se encontra
submetida à lei.
d) Que a desigualdade moral ou política é uma continuidade daquilo que já está presente no estado
natural.
e) Que há, na espécie humana, duas espécies de desigualdade: a primeira, natural, e a segunda,
moral ou política.
A questão não está mais em se um homem é honesto, mas se é inteligente. Não perguntamos se
um livro é proveitoso, mas se está bem escrito. As recompensas são prodigalizadas ao engenho
e ficam sem glórias as virtudes. Há mil prêmios para os belos discursos, nenhum para as belas
ações.
P á g i n a | 151
(ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre as ciências e as artes. 3.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983.
p.348. Coleção Os Pensadores.)
6 - (ENEM - 2012)
O homem natural é tudo para si mesmo; é a unidade numérica, o inteiro absoluto, que só se
relaciona consigo mesmo ou com seu semelhante. O homem civil é apenas uma unidade
fracionária que se liga ao denominador, e cujo valor está em sua relação com o todo, que é o corpo
social. As boas instituições sociais são as que melhor sabem desnaturar o homem, retirar-lhe sua
existência absoluta para dar-lhe uma relativa, e transferir o eu para a unidade comum, de sorte
que cada particular não se julgue mais como tal, e sim como uma parte da unidade, e só seja
percebido no todo. ROUSSEAU, J. J. Emílio ou da Educação. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
A visão de Rousseau em relação à natureza humana, conforme expressa o texto, diz que
8- (Uel - 2010)
(ROUSSEAU, J. J. Do contrato social. 5. edição. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p.43).
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a relação entre contrato social e vontade geral
no pensamento de Rousseau, é correto afirmar:
a) A vontade geral, fundamento da ordem social e política, consiste na soma e, por sua vez, na
concordância detodas as vontades individuais, as quais por natureza tendem para a igualdade.
b) Pelo contrato social, a multidão promete obedecer a um senhor, a quem transmite a vontade
coletiva e, poreste ato de doação, torna-se povo e institui-se o corpo político.
c) Pelo direito natural, a vontade geral se realiza na concordância manifesta pela maioria
das vontades particulares, reunidas em assembleia, que reivindicam para si o poder
soberano da comunidade.
d) Por força do contrato social, a lei se torna ato da vontade geral e, como tal, expressão da
soberania do povo evontade do corpo político, que deve partir de todos para aplicar-se a todos.
e) O contrato social, pelo qual o povo adquire sua soberania, decorre da predisposição natural de
cada associado,permitindo-lhe manter o seu poder, de seus bens e da própria liberdade.
Gabarito
1 –b
2–b
3–b
4–e
5–e
P á g i n a | 153
6–a
7-d
Aula 22
Nietzsche não organiza sua obra de maneira sistemática – como grande parte da tradição
filosófica -, dividindo o seu pensamento em áreas do saber. Em todas as suas obras aborda
assuntos distintos, o que reflete na estrutura de seus textos: os aforismos. Os aforismos
nietzscheanos são reflexões intensas em poucas páginas de assuntos aleatórios e possuem
relação como o pensador compreende a própria psique humana. Os assuntos são aleatórios
porque os pensamentos que vem a nossa mente também o são. É como se nossa mente fosse
um imenso mar e nossa consciência é como o pequeno ponto iluminado por um farol, ou seja,
apenas um fragmento insignificante de toda nossa mente, assim, a maior parte dela é
constituída por elementos inconscientes.
O faroleiro – que guia o farol, ou a consciência - é representado pelo que Nietzsche define
como vontade de potência, é a essa, por sua vez, é irracional. Desse modo, concluímos que
não temos controle de nossos pensamentos, não controlamos nossa consciência, e é
justamente essa aleatoriedade da consciência que se reflete na escrita aforismática, e portanto,
no modelo asistemático do filósofo. Apesar de sua difícil interpretação, produto do próprio
estilo textual de Nietzsche que por vezes abusa da literalidade e metáforas, aproximando-as
dos valores estéticos, é possível estabelecer uma unidade em sua proposta filosófica.
europeia. Nela Nietzsche apresenta uma nova concepção da cultura grega pré-clássica ou
pré- socrática, a partir do par de opostos apolíneo e dionisíaco – que Nietzsche define como
impulsos estéticos da própria vida. Esses conceitos são elaborados em alusão as chamadas
divindadesartísticas: Apolo e Dioniso.
A Grécia trágica é a pré-socrática, não à toa Nietzsche rende louvores aos filósofos pré-
socráticos, aqueles que o pensador considera realizadores da verdadeira filosofia - considera
que toda a história da filosofia é “nota de rodapé” dos pré-socráticos. Desse modo, quando
surgem as filosofias socráticas e platônicas, com suas propostas de domínio da vida dos
instintos através da racionalidade, Nietzsche assinala como a origem e degeneração da
filosofia, da vida e dos valores que a orientam. A vida prudente, consciente, racional, sem
instintos é, para Nietzsche, sintoma de doença, de fraqueza, de distanciamento da própria vida
e da saúde de espírito.
A obra de Nietzsche Humano, demasiado humano (1878), marca a cisão entre Nietzsche
e o pensamento schopenhaueriano, bem como o afastamento do músico Wagner. Nietzsche
reconhece nos românticos um pessimismo falido, que renuncia à vida, marcado pela resignação
e negação dos instintos, um falso pessimismo, portanto. Por essa razão reconhece em
Schopenhauer um herdeiro da filosofia e tradição cristão. Assim, Nietzsche elabora uma crítica
a todo pensamento que se apoia em “muletas metafísicas” para justificar a existência, como: o
idealismo - de Platão, Kant, Schopenhauer -, o positivismo, o evolucionismo e o socialismo.
Todos eles têm em comum o fato de proporem interpretações e verdades absolutas da realidade
e a existência.
Se “Deus está morto” – e foi o homem o responsável por sua morte – o homem se
P á g i n a | 155
encontra livre das amarras sobrenaturais que ele próprio criou. Como diz Dostoievski: “Se Deus
não existisse, tudo seria permitido”. É a existência de Deus que regula a moralidade, se ele está
“morto”, a moral também se encontra vazia, o homem perde a referência de como deve agir no
mundo e de como deve significar sua existência. O cristianismo representa uma nocividade para
vida, uma vez que nega os instintos, diferente do próprio Cristo, a quem Nietzsche admira e
lisonjeia como homem nobre e forte, que morreu defendendo como se deve viver.
A moral aristocrática dos fortes é aquela que orienta o indivíduo a guiar-se por forças ativas, que
tem origem na própria vida e vive para afirmá-la, vive para afirmar sua vontade de potência. Enquanto
a moral cativa dos fracos orienta o indivíduo a se guiar por forças reativas que se originam como
resposta ou negação de uma força ativa, em outras palavras, a partir do sentimento de ressentimento
contra aquilo que não pertence a ela mesma, ou seja, uma força ativa. A moral dos escravos, aponta
Nietzsche, se fundamenta em uma visão metafísica da vida, que justifica a existência a partir de um
mundo superior transcendente relacionado às verdades absolutas, e portanto, é negação da existência
imanente da vida.
Aquele que é guiado por suas forças ativas, e, por consequência, é capaz de transvalorar os
valores da existência, criando um sentido para ela, é chamado por Nietzsche de super-homem, aquele
que superou o homem. Como diz Nietzsche “o homem é uma corda entre o animal e o super-homem’.
P á g i n a | 156
O super-homem, que transvalora os valores, é aquele que ama a vida, mesmo diante de sua inevitável
fatalidade. Nietzsche define o amor à tragicidade da vida como amor fati. O desejo de que os fatos da
vida se repitam eternamente, a ponto de desejar viver a vida do mesmo tal como vive no presente,
infinitamente – sabedoria do eterno retorno.
Exercícios
1 - (Enem - 2016)
“Vi os homens sumirem-se numa grande tristeza. Os melhores cansaram-se das suas obras.
Proclamou- se uma doutrina e com ela circulou uma crença: Tudo é oco, tudo é igual, tudo
passou! O nosso trabalho foi inútil; o nosso vinho tornou-se veneno; o mau olhado amareleceu-
nos os campos e os corações. Secamos de todo, e se caísse fogo em cima de nós, as nossas
cinzas voariam em pó. Sim; cansamos o próprio fogo. Todas as fontes secaram para nós, e o
mar retirou-se. Todos os solos se
querem abrir, mas os abismos não nos querem tragar!”
NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra, Rio de Janeiro. Ediouro, 1977.
O texto exprime uma construção alegórica, que traduz um entendimento da doutrina niilista, uma
vezque
2- (UEG - 2018)
a) O Deus que morre é o Deus cristão, mas ainda vive o deus-natureza, no qual o homem
encontrará uma justificativa e um consolo para sua existência semsentido.
b) Não fomos nós que matamos Deus, ele nos abandonou na medida em que não aceitamos o
fato de que essa vida só poderá ser justificada no além, uma vez que o devir não tem finalidade.
c) O Deus que morre é o deus-mercado, que tudo nivela à condição de mercadoria, entretanto
o Deus cristão poderá ainda nossalvar, desde que nos abandonemos à experiência de fé.
d) A morte de Deus não se refere apenas ao Deus cristão, mas remete à falta de fundamento
no conhecimento, na ética, na política e na religião, cabendo ao homem inventar novos
P á g i n a | 157
valores.
e) A morte de Deus serve de alerta ao homem de que nada é infinito e eterno, e que o homem
e sua existência são momentosfugazes que devem ser vividos intensamente.
3- (UFU - 2010)
“Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) opõe à moral tradicional, herdeira do pensamento socrático-
platônico e da religião judaica-cristã, a transvaloração de todos os valores. Conforme Aranha e
Arruda (2000): “Ao fazer a crítica da moral tradicional, Nietzsche preconiza a ‘transvaloração de
todos os valores’. Denuncia a falsa moral, ‘decadente’, ‘de rebanho’, ‘de escravos’, cujos valores
seriam a bondade, a humildade, a piedade e o amor ao próximo”. Desta forma, opõe a moral do
escravo à moral do senhor, a nova moral.”
(ARANHA, M. L. de A. e MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo:
Moderna, 2000, p. 286.)
Gabarito
1–d
2–d
3-d
Aula 23
Nasceu em Viena no ano de 1902 e morreu na Inglaterra, em 1994. Foi professor de filosofia,
física e matemática e lecionou por anos na London School of Economics. Em 1934 publicou sua
obra fundamental Lógica da descoberta científica. O núcleo central do pensamento de Popper se
constitui a partir do conceito de falseabilidade. Ao contrário do que comumente se defendeu dentro
do campo científico, com a ideia de que a ciência deve expressar verdades sobre o mundo como
critério de sua validade enquanto teoria, Popper defende que uma teoria científica deve poder ser
falsificada, ou seja, deve poder se demonstrar, a partir da experiência e da observação, como falsa.
P á g i n a | 158
Como Giovanni Reale nos aponta: “Para Popper a pesquisa científica não parte de
observações, mas sempre de problemas, problemas práticos ou de uma teoria que se chocou com
dificuldades, ou seja, que despertou expectativas e depois as desiludiu.” Isso acontece por que a
mente do observador não é uma tábula rasa, não está desprovida de hipóteses, de suspeitas ou de
problemas, mas ao contrário, a pesquisa científica parte das hipóteses do pesquisador que quer
solucionar um problema. Popper chama observativismo a ideia que pressupõe a mente como uma
tábula rasa onde a natureza espelha fielmente suas leis.
Em sua obra A sociedade aberta e seus inimigos, onde Popper defende uma organização
social pautada em princípios democráticos, expõe também aquilo que ele define como paradoxo
da tolerância, nas palavras de Popper: “Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância.
Se estendermos ilimitada tolerância mesmo aos intolerantes, se não estivermos preparados para
defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e
a tolerância, com eles. — Nessa formulação, não insinuo, por exemplo, que devamos sempre
suprimir a expressão de filosofias intolerantes; desde que possamos combatê-las com com
argumentos racionais e mantê-las em cheque frente a opinião pública, suprimi-las seria,
certamente, imprudente.”
Do mesmo modo que uma religião é reconhecida por seus dogmas, que os membros de um
partido político compartilham uma ideologia, um paradigma é aquilo que forma uma comunidade
científica. São exemplos de paradigma científico o modelo cosmológico de Ptolomeu e de
Copérnico e Galileu, a teoria da evolução de Darwin, a teoria da relatividade de Einstein e assim
por diante. Quando um paradigma se instala no campo científico, opera o que Kuhn chama de
ciência normal. Nas palavras de Kuhn: “A ciência normal é a tentativa esforçada e devotada de
forçar a natureza dentro dos quadros conceituais fornecidos pela educação profissional”.
Essa situação da ciência normal se assemelha ao caso de umjogador de xadrez que quando
perde um jogo, entende que ele não foi capaz de ganhar a partida e não que as regras do xadrez
estão equivocadas. Desse modo, podemos concluir que a ciência normal é cumulativa:
instrumentos mais potentes são construídos, medidas mais exatas são realizadas, amplia-se a
teoria a outros campos. O cientista normal não procura uma novidade, não questiona os
fundamentos do paradigma, mas parte dele para formular novas teses.
“[...] paradigmas sucessivos nos dizem coisas diferentes sobre os objetos que povoam o
universo e sobre o comportamento de tais objetos [...] precisamente por se tratar de uma passagem
entre incomensuráveis, a passagem de um paradigma para o outro, oposto, não se pode realizar
com um passo de cada vez, nem imposto pela lógica ou por uma experiência neutra. Como a
P á g i n a | 160
reorientação gestáltica, ela deve se dar toda de uma vez (ainda que não em um só instante), ou
então não se realizará de modo nenhum”.
Essa passagem é uma espécie de experiência que não pode ser imposta pela força. Os
cientistas aceitam um novo paradigma por razões distintas, e nem sempre científicas. Kepler, por
exemplo, aceitou o copernicanismo por uma espécie de culto ao sol. Outras razões subjetivas
também podem influenciar a aceitação de um novo modelo científico, como a nacionalidade do
cientista ou mesmo o prestígio de seu mestre.
Exercícios
1 - (UNICENTRO - 2010)
Consideremos o campo da epistemologia contemporânea; sob esse aspecto, podemos afirmar que
a posição de Thomas Kuhn (1922-1996), em relação à ciência, se contrapôs à concepção científica
de Karl Popper (1902-1994)?
[...] não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por
todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que se torne possível
validá-lo através de recurso a provas empíricas em sentido negativo [...].
P á g i n a | 161
“Kuhn sustenta que a ciência progride quando os cientistas são treinados numa tradição intelectual
comum e usam essa tradição para resolver os problemas que ela suscita. Kuhn vê a história de
uma ciência ‘madura’ como sendo, essencialmente, uma sucessão de tradições, cada uma das
quais com sua própria teoria e seus próprios métodos de pesqui sa, cada um guiando uma
comunidade de cientistas durante um certo período de tempo e sendo finalmente abandonada.
Kuhn começou por chamar às ideias de uma tradição científica um ‘paradigma’ [...] O paradigma,
como um todo, determina que problemas são investigados, que dados são considerados
pertinentes, que técnicas de investigação são usadas e que tipos de solução se admitem. [...]
Revoluções, como as de Copérnico, Newton, Darwin e Einstein não são frequentes, diz Kuhn, e
são deflagradas por crises. Uma crise ocorre quando os cientistas são incapazes de resolver muitos
problemas de longa data com que o paradigma se defronta”.
Kneller
Considerando o texto acima e as ideias de Kuhn sobre a atividade científica, seguem as afirmativas
abaixo:
I. O paradigma determina o que uma comunidade científica pode investigar, quais os métodos e as
soluções possíveis.
II. A história da ciência mostra uma sucessão de rupturas ou revoluções, ou seja, mudanças de
paradigmas e não um processo progressivo linear contínu o do conhecimento científico.
III. Um paradigma entra em crise e pode ser substituído por outro quando ele não permite mais a
solução de problemas considerados importantes pela comunidade científica.
IV. A história da ciência não tem nenhuma importância para a investigação da atividade científica,
pois a ciência não é condicionada, de forma alguma, por seu contexto histórico.
V. O progresso científico ocorre dentro de uma tradição enquanto o paradigma permitir que os
problemas considerados importantes sejam resolvidos (ciência normal).
Das afirmativas feitas acima
P á g i n a | 162
Gabarito
1) a
2) a
3) e
Aula 24
Filosofia contemporânea: Escola de Frankfurt
No fim do século XIX para o início do século XX alguns filósofos e sociólogos, como Karl
Marx e Max Weber, apontam para a crescimento da racionalidade na sociedade contemporânea
capitalista não como uma forma de emancipação e libertação da humanidade, tal como o
movimento iluminista havia indicada nos séculos anteriores, mas sim para formas cada vez mais
sutis e refinadas de exploração da existência humana. Essas ideias influenciaram e foram
desenvolvidas pelos pensadores da Escola de Frankfurt. Entre eles podemos destacar Walter
Benjamin, Theodor Adorno, Max Horkheimer e Jürgen Habermas.
A Escola de Frankfurt surge a partir da fundação de um Instituto de Pesquisa Social, onde
os intelectuais produziram coletivamente seus trabalhos e investigações. As pesquisas realizadas
pelo Instituto, além do importante caráter coletivo, tinham, sobretudo, um aspecto interdisciplinar
que envolvia disciplinas como a economia, filosofia, sociologia, psicologia e psicanálise. Essa visão
interdisciplinar buscou explicar os fenômenos sociais a partir de uma teoria crítica da realidade, que
se opõe a visão tradicional cartesiana.
Na teoria tradicional cartesiana a pesquisa científica é indiferente aos fatores históricos e
socias, ou seja, tem a intenção apenas de interpretar o mundo e seus fenômenos, sem nele interferi-
lo. Já a teoria crítica, ao contrário, parte de uma concepção materialista-histórica de que os
fenômenos sociais não podem ser naturalizados, nem tampouco serem considerados naturais e
imutáveis. Os fenômenos sociais devem ser considerados a partir de sua complexidade histórica,
e a ciência humana, por sua vez, deve contribuir para a orientar a humanidade no rumo da
emancipação e do comportamento crítico, tal como Karl Marx escreveu em suas Teses Sobre
Feuerbach : “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo, cabe agora transformá-lo”.
Theodor Adorno e Max Horkheimer podem ser destacados como os principais expoentes da
Escola de Frankfurt. Juntos escreveram a obra Dialética do Esclarecimento, em 1947, logo após o
término da Segunda Guerra Mundial – os regimes totalitários do século XX influenciaram
diretamente os escritos dos autores. Na referida obra os filósofos fazem uma análise no movimento
P á g i n a | 163
que a racionalidade iluminista sofreu com o passar dos séculos - o termo esclarecimento em alemão
“alfklarüng” é correspondente à iluminismo. A racionalidade iluminista é considerada pelos autores
como uma razão crítica, porém acaba se transformando, no século XX, em razão instrumental.
O Iluminismo ou Século da Luzes foi um movimento intelectual do século XVIII que nasceu
e se desenvolveu a partir da valorização da racionalidade humana e da busca de sua autonomia.
Pensadores como Kant, Rousseau, Voltaire defendiam uma postura de que o conhecimento
científico da natureza e do ser humano – a razão crítica - aperfeiçoaria a humanidade como um
todo, que levaria a umprogresso moral e político e a libertaria da superstição e ignorância, que por
sua vez, culminam na violência, intolerância e estagnação social. Porém, para Adorno e Horkheimer
o projeto humanitário iluminista sofre uma inversão que leva ao seu extremo oposto: a razão
instrumental. Nas palavras de Adorno e Horkheimer:
“No sentido mais amplo de progresso do pensamento, o Esclarecimento tem perseguido
sempre o objetivo de livrar os homens do medo e investi-los na posição de senhores. Mas a terra
totalmente esclarecida resplandece sob o signo da calamidade triunfal. O programa do
esclarecimento era o desenvolvimento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos e substituir a
imaginação pelo saber.”
A razão instrumental pode ser entendida como o valor dominante da sociedade industrial do
século XX. Parte da premissa nascida no Renascimento Cultural com Francis Bacon, de que o
conhecimento tem como finalidade o domínio das forças naturais. Somado à essa ideia temos o
desenvolvimento do capitalismo no século XX, que subordina todas as esf eras da vida humana à
geração do lucro. Essa combinação de domínio da natureza e subordinação incondicional da
produção industrial ao lucro é o que vão dar base para a subversão da razão crítica em instrumental
- ou seja, aquilo que buscava superar os mitos, acaba se tornando em uma nova forma de mito
como meio de dominação.
Esse ímpeto de domínio da natureza, de busca da compreensão de leis para sua submissão,
exige uma burocratização e impessoalização que reduziu o ser humano e sua razão a um simples
instrumento. O progressivo aumento de recursos técnicos contribuiu para a desumanização da
sociedade. A razão instrumental não questiona os meios de que se servem para atingir seus fins
supremos: o lucro e maior controle e administração da sociedade. A razão n ão mais se volta para
as verdades absolutas e objetivas, mas somente para o progresso tecnológico e para objetivos
previamente estabelecidos. Nas palavras de Horkheimer:
“[...] o pensamento pode servir para qualquer objetivo, bom ou mau. É instrumento de todas
as ações da sociedade, mas não deve procurar estabelecer as normas da vida social ou individual,
que se supõe serem estabelecidos por outras formas.”
Portanto, podemos afirmar que a razão instrumental desvaloriza tudo que não pode ser
medido ou quantificado, ou seja, rejeita tudo que não possua uma utilidade imediatamenteprática,
obedecendo às leis e à lógica mercantil capitalista e também às finalidades de regimes totalitários.
Como aponta Horkheimer: ‘quemnão quer falar do capitalismo, deve se calar sobre o fascismo”. A
finalidade bélica com que as máquinas são desenvolvidas – como os aviões - ou mesmo o uso da
ciência para finalidades nazistas – como as câmaras de gás - , são expressões dessasfinalidades
da razão instrumentalizada.
P á g i n a | 164
Exercícios
1 - (UEM - 2013)
“Desde sempre, o Iluminismo, no sentido mais abrangente de um pensar que faz progressos,
perseguiu o objetivo de livrar os homens do medo e de fazer dele senhores. Mas, completamente
iluminada, a Terra resplandece sob o signo do infortúnio triunfal. O programa do Iluminismo era o
de livrar o mundo do feitiço. Sua pretensão, a de dissolver os mitos e anular a ilusão, por meio do
saber.”
(HORKHEIMER, M.; ADORNO, T. Conceito de iluminismo. In: COTRIM, G. Fundamentos da
Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 166)
Com base nesse excerto e nos seus conhecimentos sobre o Iluminismo, assinale o que for correto.
Francis Bacon, em sua obra Nova Atlântida, imagina uma utopia tecnocrática na qual o sofrimento
humano poderia ser removido pelo desenvolvimento e pelo aperfeiçoamento do conhecimento
científico, o qual permitiria uma crescente dominação da natureza e um suposto afastamento do
mito. Na obra Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer defendem que o projeto
iluminista de afastamento do mito foi convertido, ele próprio, em mito, caindo no dogmatismo e
em numa forma de mitologia. O progresso técnico-científico consiste, para Adorno e Horkeheimer,
no avanço crescente da racionalidade instrumental, a qual é incapaz de frear iniciativas que
afrontam a moral, como foram, por exemplo, os campos de concentração nazistas.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o desenvolvimento técnico-científico, é correto
afirmar:
“O saber que é poder não conhece nenhuma barreira, nem na escravização da criatura, nem na
complacência em face dos senhores do mundo. Do mesmo modo que está a serviço de todos os
fins da economia burguesa na fábrica e no campo de batalha, assim também está à disposição dos
empresários, não importa sua origem.”
4 - (UEL - 2006)
“O que os homens querem aprender da natureza é como aplicá-la para dominar completamente
sobre ela e sobre os homens. Fora isso, nada conta. [...] O que importa não é aquela satisfação
que os homens chamam de verdade, o que importa é a operation, o procedi mento eficaz. [...] A
partir de agora, a matéria deverá finalmente ser dominada, sem apelo a forças ilusórias que a
governem ou que nela habitem, sem apelo a propriedades ocultas. O que não se ajusta às medidas
da calculabilidade e da utilidade é suspeito para o iluminismo [...] O iluminismo se relaciona com as
coisas assim como o ditador se relaciona com os homens. Ele os conhece, na medida em que os
pode manipular. O homem de ciência conhece as coisas, na medida em que as pode produzir.”
(ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Conceito de Iluminismo. Trad. Zeljko Loparic e Andréa
M. A . C. Loparic. 2. ed. São Paulo: Victor Civita, 1983. p. 90-93.)
a) A razão iluminista proporcionou ao homem a saída da menoridade da qual ele era culpado e
permitiu o pleno uso da razão, dispensando a necessidade de tutores para guiar as suas ações.
b) O procedimento eficaz, aplicado segundo as regras da calculabilidade e da utilidade, está
desvinculado da esfera das relações humanas, pois sua lógica se restringe aos objetos da natureza.
c) A racionalidade instrumental gera de forma equânime conforto e bem estar para as pessoas na
esfera privada e confere um maior grau de liberdade na esfera social.
d) A visão dos autores sobre a racionalidade instrumental guarda umreconhecimento positivo para
setores específicos da alta tecnologia, sobretudo aqueles vinculados à informática.
e) Contrariando a tese do projeto iluminista que opõe mito e iluminismo, os autores entendem que
há uma dialética entre essas duas dimensões que resulta no domínio perpetrado pela razão
instrumental.
5 - (UEL)
Analise a figura a seguir.
(HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. Trad. de Sebastião Uchôa Leite. Rio de Janeiro: Editorial
Labor do Brasil, 1976. p. 6.)
Com base no texto, na imagem e nos conhecimentos sobre racionalidade instrumental, é correto
afirmar:
a) A imagem de Chaplin está de acordo com a crítica de Horkheimer: ao invés de o progresso e da
técnica servirem ao homem, este se torna cada vez mais escravo dos mecanismos criados para
tornar a sua vida melhor e mais livre.
b) A imagem e o texto remetem à ideia de que o desenvolvimento tecnológico e o extraordinário
progresso permitiram ao homem atingir a autonomia plena.
c) Imagem e texto apresentam o conceito de racionalidade que está na estrutura da sociedade
industrial como viabilizador da emancipação do homem em relação a todas as formas de opressão.
d) Enquanto a imagem de Chaplin apresenta a autonomia dos trabalhadores nas sociedades
contemporâneas, o texto de Horkheimer mostra que, quanto maior o desenvolvimento tecnológico,
maior o grau de humanização.
e) Tanto a imagem quanto o texto enaltecem a inevitável instrumentalização das relações humanas
nas sociedades contemporâneas.
5 - (UEL - 2010)
Observe a tira e leia o texto a seguir:
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Quando se concebeu a ideia de razão, o que se pretendia alcançar era mais que a simples
regulação da relação entre meios e fins: pensava-se nela como o instrumento para compreender
os fins, para determiná-los.
Segundo a filosofia do intelectual médio moderno, só existe uma autoridade, a saber, a ciência,
concebida como classificação de fatos e cálculo de probabilidades.
(HORKHEIMER, M. Eclipse da Razão. São Paulo: Labor, 1973, pp.18 e 31-32.)
Com base na tira, no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de Horkheimer a respeito da
relação entre ciência e razão na modernidade, é correto afirmar:
I. Se a razão não reflete sobre os fins, torna-se impossível afirmar se um sistema político ou
econômico, mesmo não sendo democrático, é mais ou menos racional do que outro.
II. O processo que resulta na transformação de todos os produtos da ação humana em mercadorias
se origina nos primórdios da sociedade organizada à medida que os instrumentos passam a ser
utilizados tecnicamente.
III. A razão subjetivada e formalizada transforma as obras de arte em mercadorias, das quais
resultam emoções eventuais, desvinculadas das reais expectativas dos indivíduos.
IV. As atividades em geral, independentes da utilidade, constituem formas de construção da
existência humana desvinculadas de questões como produtividade e rentabilidade.
Assinale a alternativa correta.
a) Somente as afirmativas I e II são corretas.
b) Somente as afirmativas I e III são corretas.
c) Somente as afirmativas III e IV são corretas.
d) Somente as afirmativas I, II e IV são corretas.
e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas.
Gabarito
1) 1+4+8+16=29
2) b
3) b
4) e
5) a
6) b
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Aula 25
Michel Foucault: tecnologias do poder – disciplina e biopoder
Michel Foucault (1926-1984), filósofo e professor na universidade Collège de France. Suas
reflexões filosóficas estão voltadas para uma história crítica da modernidade, que é um resultado
dos acontecimentos da primeira metade do século XX – duas Guerras Mundiais e processos
revolucionários. Para realizar uma crítica da modernidade na segunda metade do século XX,
Foucault busca articular e relacionar o modo como poder e conhecimento são utilizados como forma
de controle social, realizado pelas instituições sociais. Essas reflexões tem consequência umnovo
modo de compreender o poder nas relações sociais.
Segundo Foucault, nas sociedades ocidentais predominaram três tecnologias distintas de
poder: a soberania, a disciplina e o biopoder. A primeira forma de poder – o poder soberano – foi
hegemônica nas sociedades anteriores ao capitalismo, e no mais das vezes se manifestou em
governos monárquicos. Essa forma de tecnologia de poder era característica de sociedades que
foram analisadas a partir do padrão clássico de se pensar a política, como foi elaborado por Hobbes
e Maquiavel. Segundo Foucault, o elemento central dessa tecnologia era a possibilidade e o direito
que o soberano possuía de deliberar sobre a vida e a morte de seus súditos.
O soberano era aquele que detinha o poder de decidir diretamente sobre a vida e morte de
seus súditos, em nome da obediência civil. As leis estabelecidas pelo soberano eram aplicadas a
todos os súditos, menos a ele mesmo – como aponta Hobbes em sua teoria do pacto social. As leis
elaboradas pelo soberano tinham o objetivo de promover a vida, a segurança e a integridade física
de seus súditos. Se era estabelecida uma lei que impedia que um indivíduo tirasse a vida de outro,
essa não era válida ao soberano, que graças a natureza de seu poder, era o único indivíduo que
poderia tirar a vida de outro sem assim cometer um ato ilícito.
“Fazer morrer e deixar viver”. Esse é o princípio básico de que se valia o soberano para
governar e manter a ordem e obediência cívica. A manutenção da vida dos súditos era uma escolha
do soberano. O ponto de vista de Foucault se opõe ao de Hobbes. Ao contrário do que pensa o
filósofo moderno inglês, Foucault discorda que a instituição da sociedade põe fim ao regime de
Guerra. Para Foucault a sociedade é uma ampliação da guerra. Todas as relações políticas da
sociedade civil são um modo de gerenciar os conflitos entre os indivíduos. Ainda pra Foucault, o
poder não emana e não é possuído pelo soberano, mas sim uma rede distribuída entre os súditos
que sustenta a posição do soberano.
Foucault, para fazer uma análise do poder na modernidade, considera a tecnologia que
permitiu que o regime capitalista se instaurasse e se perpetuasse: a disciplina. A disciplina é uma
invenção da classe burguesa do século XVII que se assentou no século XVIII com um objetivo bem
específico: a submissão. É um poder que tem como finalidade controlar e dominar os indivíduos
atuando diretamente em seus corpos. Desse modo, foram criadas instituições sociais disciplinares,
para que essa tecnologia de poder pudesse operar em seu pleno potencial, tais como: a fábrica, o
exército, a prisão, os hospitais (psiquiátricos), a escola.
O que há em comum em todas essas instituições sociais disciplinares é que se alicerçam no
regime de confinamento. Nelas todos são individualizados: cada indivíduo tem manuais onde se
registra tudo o que lhe acontece. Através dos regimes de confinamento todos os indivíduos são
conhecidos, controlados e explorados. Na obra Vigiar e punir: história da violência nas prisões,
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publicada em 1975, Foucault faz uma análise das instituições penitenciárias e de como os castigos
e sanções foram usados como forma de controle social. Ainda sobre a obra, Foucault expõe como
na história ocidental as sanções aos infratores das leis se transformou de castigos físicos e torturas
para o regime de encarceramento.
Os regimes de encarceramento nas prisões impõem uma disciplina aos condenados que lhe
propiciassem uma ressocialização. Apesar da análise ter como objeto central as penitenciárias, os
raciocínios aplicados à pesquisa da disciplina podem ser usados para analisar qualquer instituição
disciplinar – em uma das partes do livro a instituição examinada é a escola. A função da disciplina
nessas instituições é a produção de corpos que possam ser moldados a partir das necessidades
sociais e demandas do regime capitalista, assim quer produzir “corpos dóceis” e obedientes às
regras das intuições disciplinares.
A obediência é o fator fundamental que permite que os corpos de estudantes, soldados,
policiais, trabalhadores sejam gerados. Essa obediência produz corpos exercitados e submissos,
prontos para executar suas funções sociais, o que permite a manutenção do status quo: aumento
da força dos corpos para a produção e diminuição da força dos corpos para se rebelarem
politicamente. Desse modo, dentro do sistema mercantil capitalista, nada mais apropriado do que
aquilo que desenvolve e potencializa a produtividade, em oposição, corpos que se rebelem e não
aceitam qualquer padrão imposto pelas instituições sociais são corpos impróprios para o status
quo.
A disciplina é definida por Foucault como a “arte das distribuições”: distribuição do espaço e
tempo vivido pelos corpos. O primeiro aspecto – o espacial - pode ser observado no modo como a
arquitetura de escolas, fábricas, hospitais e prisões são semelhantes. Há uma delimitação rígida
do espaço que os corpos ocuparão. Há todo uma lógica organizacional que distribui os corpos e
delimita o espaço ocupado por cada um. Isso transforma uma “multidão confusa” em
uma“multiplicidade organizada”. O segundo aspecto – o temporal – pode ser observado no modo
como cada atividade é controlada, existe um horário estabelecido para toda e qualquer atividade.
A disciplina adestra os corpos.
O poder disciplinador pode ser apontado como a primeira tecnologia de poder da
modernidade, a segunda pode ser definida como biopoder ou bem-estar social. O biopoder – ou
poder sobre a vida - se instaura nas sociedades ocidentais no fim do século XVIII e em nada se
assemelha ao poder soberano. O poder soberano decidia sobre a vida e morte dos seus súditos, o
biopoder, em contrapartida, administra a vida de toda uma população. Ele é complementar ao poder
disciplinador: o primeiro promove o adestramento adequando-os as normas, é, portanto,
individualizante; já o segundo garante a saúde das grandes massas, ou seja, é massificante.
O biopoder é entendido a partir da definição de “Estado de bem-estar social”: cabe ao estado
oferecer condições mínimas de existência que garantem a saúde das grandes massas. Exemplos
são: programas de previdência social e sistemas públicos de saúde. São as chamadas políticas de
segurança por parte do Estado. O estado tem o poder, então, de “fazer viver e deixar morrer”,
através da efetividade ou da ausência dos programas sociais de saúde. A vida e a morte dos
indivíduos passam a ser um problema do Estado: a certidão de nascimento constata que alguém
vive e a certidão de óbito constata que alguém morre. Os cidadãos legalmente existentes da
sociedade contemporâneas são controlados, concomitantemente, por essas duas tecnologias.
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Exercícios
1 - (UEM - 2015)
“[...] o totalitarismo difere essencialmente de outras formas de opressão política que conhecemos,
como o despotismo, a tirania e a ditadura. Sempre que galgou o poder, o totalitarismo criou
instituições políticas inteiramente novas e destruiu todas as tradições sociais, legais e políticas do
país. Independentemente da tradição especificamente nacional ou da fonte espiritual particular de
sua ideologia, o governo totalitário sempre transformou as classes em massas, substituiu o sistema
partidário não por ditaduras unipartidárias, mas por um movimento de massa, transferiu o centro
do poder do exército para a polícia e estabeleceu uma política exterior que visava abertamente o
domínio mundial.”
(ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Cia. Das Letras, 1989, p. 512).
a) declínio cultural.
b) segregação racial.
c) redução da hierarquia.
d) totalitarismo dos governos.
e) modelagem dos indivíduos.
3 - (ENEM - 2019)
“Penso que não há um sujeito soberano, fundador, uma forma universal de sujeito que poderíamos
encontrar em todos os lugares. Penso, pelo contrário, que o sujeito se constitui através das práticas
de sujeição ou, de maneira mais autônoma, através de práticas de liberação, de liberdade, como
na Antiguidade – a partir, obviamente, de um certo número de regras, de estilos, que podemos
encontrar no meio cultural.”
FOUCAULT, M. Ditos e escritos V: ética, sexualidade, política. Rio de Janeiro:Forense
Universitária, 2004.
O texto aponta que a subjetivação se efetiva numa dimensão
a) legal, pautada em preceitos jurídicos.
b) racional, baseada em pressupostos lógicos.
c) contingencial, processada em interações sociais.
d) transcendental, efetivada em princípios religiosos.
e) essencial, fundamentada em parâmetros substancialistas.
4 - (PUC PR - 2010)
Na sua obra Vigiar e punir, o filósofo francês Michel Foucault analisa as novas faces de exercício
do poder disciplinar e afirma:
“Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas
também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de
dominação. (...) O momento histórico das disciplinas e o momento em que nasce uma arte do corpo
humano, que visa não unicamente ao aumento de suas habilidades, nemtampouco aprofundarsua
sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente
quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho
sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus
comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o
desarticula e o recompõe. Uma "anatomia política", que é também igualmente uma "mecânica do
poder", está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não
simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas,
segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e
exercitados, corpos "dóceis".
(Vigiar e Punir, p. 118).
Segundo essa passagem, seria correto afirmar que:
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I. O texto mostra como, a partir dos séculos XVII e XVIII o corpo foi descoberto como objeto e alvo
de um novo poder e de novas formas de controle, pelas quais são superadas antigas formas de
domínio e instaurado um novo modelo com o fim de tornar os corpos mais dóceis.
II. O fim dessas práticas é tornar o corpo obediente e disciplinado através de um rigoroso exercício
de controle sobre gestos e comportamentos. É assim que o corpo vira um novo objeto de poder.
III. Segundo o autor, essa é a primeira vez na história que o corpo se tornara objeto de poder, já
que essas práticas eram comuns tanto nos regimes escravocratas quanto nos monásticos.
IV.Esses novos mecanismos de controle têm, segundo o autor, uma única motivação: o domínio
do corpo para exploração econômica.
5 - (PUC PR - 2009)
“O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação “ideológica” da sociedade; mas é
também uma realidade fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama
“disciplina”.”
Fonte: Foucault, Vigiar e punir, p.161.
Assinale as alternativas corretas.
I. Foucault quer afirmar que os indivíduos, nesse modelo de sociedade, são constituídos como
efeitos da atuação de estratégias de poder correlatas a técnicas de saber.
II. Para Foucault, o poder fundamentalmente reprime, recalca, censura, mascara, anulando os
desejos individuais.
III. A disciplina produz realidade, produz rituais de verdade, produz indivíduos úteis e dóceis.
IV. Para Foucault, é o indivíduo que possui o poder. É ele quem dá sentido ao mundo.
V.A disciplina, como estratégia privilegiada de fabricação do indivíduo e produção de verdades,
existe desde a época do cristianismo primitivo.
a) II, IV e V
b) I e III
c) II e III
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d) I e II
e) III, IV e V
6 - (PUC PR - 2009)
“O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar
hierárquico, a sanção normalizadora e sua combinação num procedimento que lhe é específico, o
exame.”
Fonte: Foucault, Vigiar e punir, p. 143.
I. Vigiar, muito mais que aplicar um olhar constante sobre o indivíduo, significa dispô -lo numa
estrutura arquitetural e impessoal, na qual ele se sinta vigiado.
II. Punir é o único objetivo da disciplina.
III. Punir primeiramente tem a finalidade de uma ortopedia moral, de normalização, não somente de
um comportamento, mas do conjunto da existência humana, seja obstaculizando a virtualidade
de um comportamento perigoso mediante o uso de pequenas correções, seja incentivando
condutas desejáveis a partir de recompensas e vantagens.
IV.O exame atua numa ampla rede de instituições psiquiátricas, pedagógicas e médicas,
classificando as condutas em termos de normalidade e anormalidade.
V.Para Foucault, as ciências que tomaram o homem como objeto de saber, a partir do final do
século XVIII, não têm nada a ver com a vigilância, a normalização e o exame disciplinares.
Assinale a(s) alternativa(s) correta(s):
a) II e V
b) II e IV
c) I e II
d) III, IV e V
e) I, III e IV
Gabarito
1) 1+8+16 = 25
2) e
3) c
4) b
5) b
6) e
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EXERCÍCIOS ADICIONAIS
Aula 1
1 - (UEL – 2014) Sobre a relação entre a organização da cidade de Atenas, a ideia de pólis e o
aparecimento da filosofia na Grécia Clássica, considere as afirmativas a seguir.
I.A filosofia surgiu simultaneamente à cidade-Estado, ambiente em que predominava o discurso público
baseado na troca de opiniões e no desenvolvimento da argumentação.
II. A filosofia afastava-se das preocupações imediatas da aparência sensível e voltava-se para as
questões do espírito.
III. O discurso proferido pelo filósofo era dirigido a pequen os grupos, o que o distanciava da vida
pública.
IV. O discurso da filosofia no contexto da pólis restringia-se ao mesmo tipo de discurso dos guerreiros
e dos políticos ao desejar convencer em vez de proferir a verdade.
2 - (UNESP – 2020) A Odisseia choca-se com a questão do passado. Para perscrutar o futuro e o
passado, recorre-se geralmente ao adivinho. Inspirado pela musa, o adivinho vê o antes e o além:
circula entre os deuses e entre os homens, não todos os homens, mas os heróis, preferencialmente
mortos gloriosamente em combate. Ao celebrar aqueles que passaram, ele forja o passado, mas um
passado sem duração, acabado.
a) questiona as ações heroicas dos povos fundadores da Grécia Antiga, pois se baseia na concepção
filosófica de physis.
b) valoriza os mitos em que os gregos acreditavam e que estão no fundamento das concepções
modernas de tempo e história.
c) é fundadora da ideia de história, pois concebe o passado como um tempo que prossegue no presente
e ensina os homens a aprenderem com seus erros.
d) identifica uma forma do pensamento mítico e uma visão de passado estranha à ideia de diálogo
entre temporalidades, que caracteriza a história.
e) desenvolve uma abordagem crítica do passado e uma reflexão de caráter racionalista, semelhantes
à da filosofia pré-socrática.
3 - (UNESP – 2018) O aparecimento da filosofia na Grécia não foi um fato isolado. Estava ligado ao
nascimento da pólis.
A relação entre os surgimentos da filosofia e da pólis na Grécia Antiga é explicada, entre outros fatores,
a) pelo interesse dos mercadores em estruturar o mercado financeiro das grandes cidades.
b) pelo esforço dos legisladores em justificar e legitimar o poder divino dos reis.
c) pela rejeição da população urbana à persistência do pensamento mítico de origem ru ral.
d) pela preocupação dos pensadores em refletir sobre a organização da vida na cidade.
e) pela resistência dos grupos nacionalistas às invasões e ao expansionismo estrangeiro.
4 – (UEL – 2014) Sobre a relação entre a organização da cidade de Atenas, a ideia de pólis e o
aparecimento da filosofia na Grécia Clássica, considere as afirmativas a seguir.
I.A filosofia surgiu simultaneamente à cidade-Estado, ambiente em que predominava o discurso público
baseado na troca de opiniões e no desenvolvimento da argumentação.
II.A filosofia afastava-se das preocupações imediatas da aparência sensível e voltava-se para as
questões do espírito.
III.O discurso proferido pelo filósofo era dirigido a pequenos grupos, o que o distanciava da vida pública.
IV. O discurso da filosofia no contexto da pólis restringia-se ao mesmo tipo de discurso dos guerreiros
e dos políticos ao desejar convencer em vez de proferir a verdade.
5 – (UFPR - 2020) De acordo com Tales de Mileto, a água é origem e matriz de todas as coisas. Essa
maneira de reduzir a multiplicidade das coisas a um único elemento foi considerada uma das primeiras
expressões da Filosofia, porque:
Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também Terra de amplo seio, de todos sede irrevelável sempre.
(HESÍODO. Teogonia: a origem dos deuses. 3.ed. Trad. de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 1995.
p.91.)
Segundo a mitologia ioruba, no início dos tempos havia dois mundos: Orum, espaço sagrado dos
orixás, e Aiyê, que seria dos homens, feito apenas de caos e água. Por ordem de Olorum, o deus
supremo, o orixá Oduduá veio à Terra trazendo uma cabaça com ingredientes especiais, entre eles a
terra escura que jogaria sobre o oceano para garantir morada e sustento aos homens.
(A Criação do Mundo. SuperInteressante. jul. 2008. Disponível em: . Acesso em: 1 abr. 2014.)
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No começo do tempo, tudo era caos, e este caos tinha a forma de um ovo de galinha. Dentro do ovo
estavam Yin e Yang, as duas forças opostas que compõem o universo. Yin e Yang são escuridão e
luz, feminino e masculino, frio e calor, seco e molhado.
(PHILIP, N. O Livro Ilustrado dos Mitos: contos e lendas do mundo. Ilustrado por Nilesh Mistry. Trad.
de
Com base nos textos e nos conhecimentos sobre a passagem do mito para o logos na filosofia,
considere as afirmativas a seguir.
I. As diversas narrativas míticas da origem do mundo, dos seres e das coisas são genealogias que
concebem o nascimento ordenado dos seres; são discursos que buscam o princípio que causa e
ordena tudo que existe.
II. Os mitos representam um relato de algo fabuloso que afirmam ter ocorrido em um passado remoto e
impreciso, em geral grandes feitos apresentados como fundamento e começo da história de dada
comunidade.
III. Para Platão, a narrativa mitológica foi considerada, em certa medida, um modo de expressar
determinadas verdades que fogem ao raciocínio, sendo, com frequência, algo mais do que uma opinião
provável ao exprimir o vir-a-ser.
IV. Quando tomado como um relato alegórico, o mito é reduzido a um conto fictício desprovido de
qualquer correspondência com algum tipo de acontecimento, em que inexiste relação entre o real e o
narrado. Assinale a alternativa correta.
Aula 2
7 - (UFPR – 2022) Considere o seguinte texto: Não vos deixeis enganar! É vossa curta vista, não a
essência das coisas, que vos faz acreditar ver terra firme onde quer que seja no mar do vir-a-ser e
perecer. Usais nomes das coisas, como se estas tivessem uma duração fixa: mas mesmo o rio, em
que entrais pela segunda vez, não é o mesmo da primeira vez.
(HERÁCLITO DE ÉFESO. Coleção Os Pensadores. Vol. I. São Paulo: Victor Civita, 1973, p. 109).
Os corcéis que me transportam, tanto quanto o ânimo me impele, conduzem-me, depois de me terem
dirigido pelo caminho famoso da divindade [...] E a deusa acolheu -me de bom grado, mão na mão
direita tomando, e com estas palavras se me dirigiu: [...] Vamos, vou dizer-te – e tu escuta e fixa o
relato que ouviste – quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar, um que é, que não
é para não ser, é caminho de confiança (pois acompanha a realidade): o outro que não é, que tem de
não ser, esse te indico ser caminho em tudo ignoto, pois não poderás conhecer o não-ser, não é
possível, nem indicá-lo [...] pois o mesmo é pensar e ser.
(PARMÊNIDES. Da Natureza, frags. 1-3. Trad. José Trindade Santos. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2009.
p. 13-15).
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a filosofia de Parmênides, assinale a alternativa correta.
a) Pensar e ser se equivalem, por isso o pensamento só pode tratar e expressar o que é, e não o que
não é – o não ser.
b) A percepção sensorial nos possibilita conhecer as coisas como elas verdadeiramente são.
c) O ser é mutável, eterno, divisível, móvel e, por isso, a razão consegue conhecê-lo e expressá-lo.
d) A linguagem pode expressar tanto o que é como o que não é, pois ela obedece aos princípios de
contradição e de identidade.
e) O ser é e o não ser não é indica que a realidade sensível é passível de ser conhecida pela razão.
Aula 3
Assim, a epopeia e a poesia trágica, também a cômica, [...] são, [. . . ] produções miméticas. [. . . ] mas
não há nada em comum entre Homero e Empédocles, exceto a métrica; eis porque designamos, com
justiça, um de poeta, o outro de naturalista em vez de poeta.
(ARISTÓTELES. Poética. 1447 a15; 1447 b16-21. 2. ed. Edição bilíngue. Trad. Paulo Pinheiro. Rio de
Janeiro: Editora 34, 2017. p. 37 e 39; 43 e 45)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre Aristóteles, assinale a alternativa correta.
a) Homero e Empédocles, por usarem a metrificação e discursos miméticos, falam dos deuses e heróis
da mitologia e da presença deles na natureza.
b) A escrita tanto de poetas trágicos como de filósofos naturalistas é definida pela métrica, ambos
tratando racionalmente da natureza dos deuses.
c) Mesmo usando métrica, Empédocles é um dos primeiros filósofos que tratam da natureza, enquanto
Homero narra os mitos da tradição grega.
d) Métrica e mimética de poetas e naturalistas expressavam o modo como os mitos explicavam o
funcionamento da natureza e do cosmo.
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10 – (UEL- 2016) A conexão que Pitágoras estabeleceu entre a Música e a Matemática foi absorvida
pelo espírito grego. Nessa fonte, alimentam-se novos conhecimentos normativos, que banham todos
os domínios da existência entre os gregos. Um momento decisivo é a nova concepção da estrutura da
música. A harmonia exprime a relação das partes com o todo. Está nela implícito o conceito matemático
de proporção que o pensamento grego figura em forma geométrica e intuitiva. A harmon ia do mundo é
um conceito complexo em que estão compreendidas a representação da bela combinação dos sons
no sentido musical e a do rigor do número, a regularidade geométrica e a articulação tectônica. A ideia
grega de harmonia abrange a arquitetura, a poesia e a retórica, a religião e a ética.
(Adaptado de: JAEGER, W. Paideia: a formação do homem grego. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001, p.207.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o surgimento da filosofia e dos primeiros filósofos,
assinale a alternativa correta.
a) A concepção pitagórica de mundo permitiu que os gregos formassem a consciência de que, na ação
prática dos cidadãos, existe uma norma do que é proporcional, que deve ser seguida também na esfera
do direito.
b) A filosofia pitagórica do número corresponde à ideia de que os números exprimem relações
concretas entre as coisas, o que possibilita dizer que os fenômenos naturais são reduzidos a relações
quantitativas e calculáveis.
c) Inspirando-se nos estudos sobre a música e na observação da natureza, Pitágoras concluiu que há
uma relação de proporção entre cosmos e música, qual seja, ambas são disformes e caóticas; essa
ideia norteará a concepção pitagórica de ação humana.
d) O estudo das proporções em música verifica a existência de uma relação assimétrica entre o número
de vibrações e o comprimento das cordas da lira; a partir disso, Pitágoras estabeleceu a ideia de
assimetria geométrica rigorosa do cosmos.
e) Pitágoras compreendeu que a diversidade com que a natureza se manifesta permite inferir que a
realidade última das coisas assenta-se na matéria sensível e no modo como as coisas se apresentam
aos sentidos humanos
Aula 4
Texto 1
O significado do termo kosmos para os gregos pré-socráticos liga-se diretamente às ideias de ordem,
harmonia e mesmo beleza. […] O cosmo é assim o mundo natural, bem como o espaço celeste,
enquanto realidade ordenada de acordo com certos princípios racionais. A ideia básica de cosmo é,
portanto, a de uma ordenação racional, uma ordem hierárquica, em que certos elementos são mais
básicos, e que se constitui de forma determinada, tendo a causalidade como lei principal.
Texto 2
Quando a filosofia, pela mão de Sócrates, “desceu do céu à terra”, na sugestiva expressão de Cícero,
P á g i n a | 181
o homem passou a ser o centro das indagações dos pensadores gregos. Platão atribui ao mestre a
busca obsessiva do ser e do saber humanos.
(João Pedro Mendes. “Considerações sobre humanismo”. Hvmanitas, vol. XLVII, 1995.)
Os textos caracterizam uma mudança importante na história do pensamento filosófico, trazida pela
filosofia de Sócrates e que se expressou
12 – (UNESP – 2022) A crítica de Sócrates aos sofistas consiste em mostrar que o ensinamento
sofístico limita-se a uma mera técnica ou habilidade argumentativa que visa a convencer o oponente
daquilo que se diz, mas não leva ao verdadeiro conhecimento. A consequência disso era que, devido
à influência dos sofistas, as decisões políticas na Assembleia estavam sendo tomadas não com base
em um saber, ou na posição dos mais sábios, mas na dos mais hábeis em retórica, que poderiam não
ser os mais sábios ou virtuosos.
13-(UEL – 2018) Sócrates, Giordano Bruno e Galileu foram pensadores que defenderam a liberdade
de pensamento frente às restrições impostas pela tradição. Na Apologia de Sócrates, a acusação
contra o filósofo é assim enunciada: Sócrates [...] é culpado de corromper os moços e não acreditar
nos deuses que a cidade admite, além de aceitar divindades novas (24b-c). Ao final do escrito de
Platão, Sócrates diz aos juízes: Mas, está na hora de nos irmos: eu, para morrer; vós, para viver. A
quem tocou a melhor parte, é o que nenhum de nós pode saber, exceto a divindade. (42a).
(PLATÃO. Apologia de Sócrates. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2001. p. 122-23; 147.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a disputa entre filosofia e tradição presente na
condenação de Sócrates, assinale a alternativa correta.
a) O desprezo socrático pela vida, implícito na resignação à sua pena, é reforçado pelo reconhecimento
da soberania do poder dos juízes.
b) A aceitação do veredito dos juízes que o condenaram à morte evidencia que Sócrates consentiu
com os argumentos dos acusadores.
c) A acusação a Sócrates pauta-se na identificação da insuficiência dos seus argumentos, e a
corrupção que provoca resulta das contradições do seu pensamento.
d) A crítica de Sócrates à tradição sustenta-se no repúdio às instituições que devem ser abandonadas
em benefício da liberdade de pensamento.
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e) A sentença de morte foi aceita por Sócrates porque morrer não é um mal em si e o livre pensar
permite apreender essa verdade.
Aula 5
A arte de imitar está bem longe da verdade, e se executa tudo, ao que parece, é pelo facto de atingir
apenas uma pequena porção de cada coisa, que não passa de uma aparição.
(Adaptado de: PLATÃO. A República. 7.ed. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1993. p.457.)
(Adaptado de: ARISTÓTELES. Poética. 4.ed. Trad. de Eudoro de Souza. São Paulo: Nova Cultural,
1991. p.203. (Coleção Os Pensadores.)
Com base nos textos, nos conhecimentos sobre estética e a questão da mímesis em Platão e
Aristóteles, assinale a alternativa correta.
a) Para Platão, a obra do artista é cópia de coisas fenomênicas, um exemplo particular e, por isso, algo
inadequado e inferior, tanto em relação aos objetos representados quanto às ideias universais que os
pressupõem.
b) Para Platão, as obras produzidas pelos poetas, pintores e escultores representam perfeitamente a
verdade e a essência do plano inteligível, sendo a atividade do artista um fazer nobre, imprescindível
para o engrandecimento da pólis e da filosofia.
c) Na compreensão de Aristóteles, a arte se restringe à reprodução de objetos existentes, o que veda
o poder do artista de invenção do real e impossibilita a fun ção caricatural que a arte poderia assumir
ao apresentar os modelos de maneira distorcida.
d) Aristóteles concebe a mímesis artística como uma atividade que reproduz passivamente a aparência
das coisas, o que impede ao artista a possibilidade de recriação das coisas segundo uma nova
dimensão.
e) Aristóteles se opõe à concepção de que a arte é imitação e entende que a música, o teatro e a
poesia são incapazes de provocar um efeito benéfico e purificador no espectador.
15 - (UFPR- 2022) O livro X da obra A República é, em grande parte, dedicado aos poetas em geral e
a Homero em particular. Tendo em vista os argumentos desenvolvidos nesse livro, é correto afirmar
que, para Platão:
16- (UFPR - 2022) Em determinado momento do diálogo de Hípias Menor, de Platão, Sócrates declara
que encontrou dificuldade para responder à pergunta “qual o critério para reconheceres o que é belo e
o que é feio?”.
17-(UFPR - 2022) No diálogo Hípias Maior, de Platão, Sócrates declara: “Recentemente, alguém me
pôs em grande apuro, numa discussão em que eu rejeitava determinadas coisas como feias e elogiava
outras por serem belas, havendo me perguntado em tom sarcástico, o interlocutor: qual é o critério,
Sócrates, para reconheceres o que é belo e o que é feio? Vejamos, poderás dizer-me o que seja o
belo?”.
Considerando a passagem acima e a obra de que foi extraída, é correto afirmar que, de acordo com
Sócrates:
a) só é possível dizer o que é o belo depois de se ter identificado determinadas coisas como belas.
b) a dificuldade se coloca para os juízos sobre a beleza, mas não para os juízos de verdade, tais como
“isto é uma mesa”.
c) para identificar algo como belo, é preciso antes conhecer o que é o belo.
d) o critério para distinguir entre o belo e o feio varia segundo as pessoas.
e) não há distinção entre o belo e as coisas belas.
Quando o artista [demiurgo] trabalha em sua obra, a vista dirigida para o que sempre se conserva igual
a si mesmo, e lhe transmite a forma e a virtude desse modelo, é natural que seja belo tudo o que ele
realiza. Porém, se ele se fixa no que devém e toma como modelo algo sujeito ao nascimento, nada
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belo poderá criar. [. . . ] Ora, se este mundo é belo e for bom seu construtor, sem dúvida nenhuma este
fixará a vista no modelo eterno.
PLATÃO. Timeu. 28 a7-10; 29 a2-3. Trad. Carlos A. Nunes. Belém: UFPA, 1977. p. 46-47.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a filosofia de Platão, assinale a alternativa correta.
a) O mundo é belo porque imita os modelos sensíveis, nos quais o demiurgo se inspira ao gerar o
mundo.
b) O sensível, ou o mundo que devém, é o modelo no qual o artista se inspira para criar o que
permanece.
c) O artífice do mundo, por ser bom, cria uma obra plenamente bela, queéarealidade percebida pelos
sentidos.
d) O olhar do demiurgo deve se dirigir ao que permanece, pois este é o modelo a ser inserido na
realidade sensível.
e) O demiurgo deve observar as perfeições no mundo sen sível para poder reproduzi-las em sua obra.
Os melhores de entre nós, quando escutam Homero ou qualquer poeta trágico a imitar um herói que
está aflito e se espraia numa extensa tirada cheia de gemidos, ou os que cantam e batem no peito,
sabes que gostamos disso, e que nos entregamos a eles, e os seguimos, sofrendo com eles, e com
toda seriedade elogiamos o poeta, como sendo bom, por nos ter provocado até o máximo, essas
disposições. [. . . ] Mas quando sobrevém a qualquer de nós um luto pessoal, reparaste que nos
gabamos do contrário, se formos capazes de nos mantermos tranquilos e de sermos fortes, entendendo
que esta atitude é característica de um homem [. . . ]?
PLATÃO. A República. 605 d-e. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 12. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2010. p. 470.
Com base no texto, nos conhecimentos sobre mimesis (imitação) e sobre o pensamento de Platão,
assinale a alternativa correta:
a) A maneira como Homero constrói seus personagens retratando reações humanas deve ser imitada
pelos demais poetas, pois é eticamente aprovada na Cidade Ideal platônica.
b) O fato de mostrar as emoções de maneira exagerada em seus personagens faz de Homero e de
autores de tragédia excelentes formadores na Cidade Ideal pensada por Platão.
c) Reagir como os personagens homéricos e trágicos é digno de elogio, pois Platão considera que a
descarga das emoções é benéfica para a formação ética dos cidadãos.
d) Poetas como Homero e autores de tragédia provocam emoções de modo exagerado em quem os lê
ou assiste, não sendo bons para a formação do cidadão na Cidade Ideal platônica.
e) A imitação de Homero e dos trágicos das reações humanas difere da dos pintores, pois, segundo
Platão, não estão distantes em graus da essência, por isso podem fazer parte da cidade justa.
Eis com efeito em que consiste o proceder corretamente nos caminhos do amor ou por outro se deixar
conduzir: em começar do que aqui é belo e, em vista daquele belo, subir sempre, como que servindo-
se de degraus, de um só para dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos corpos para os
belos ofícios, e dos ofícios para as belas ciências até que das ciências acabe naquela ciência, que de
nada mais é senão daquele próprio belo, e conheça enfim o que em si é belo.
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(PLATÃO. Banquete, 211 c-d. José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1972. (Os
Pensadores) p. 48).
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a filosofia de Platão, é correto afirmar que
Aula 6
No ethos (ética), está presente a razão profunda da physis (natureza) que se manifesta no finalismo
do bem. Por outro lado, ele rompe a sucessão do mesmo que caracteriza a physis como domínio da
necessidade, com o advento do diferente no espaço da liberdade aberto pela práxis. Embora, enquanto
autodeterminação da práxis, o ethos se eleve sobre a physis, ele reinstaura, de alguma maneira, a
necessidade de a natureza fixar-se na constância do hábito.
(Adaptado de: VAZ, Henrique C. Lima. Escritos de Filosofia II. Ética e Cultura. 3ª edição. São Paulo:
Loyola. Coleção Filosofia - 8, 2000, p.11-12.)
Com base no texto, é correto afirmar que a noção de physis, tal como empregada por Aristóteles,
compreende:
Para Aristóteles, a boa convivência entre os habitantes da cidade ideal não seria nunca obtida com a
mera apathia (ausência de paixões) platônica, mas somente através de uma boa medida entre razão
e afetividade. Enfim, a arte não apenas é capaz de nos trazer saber, ela tem também uma função
edificante e pedagógica.
(FEITOSA, C. Explicando a filosofia com arte. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, p.123.)
Com base na figura, no texto, nos conhecimentos sobre Aristóteles e na ideia de que os espaços do
Teatro, da Ágora, dos Templos na cidade de Atenas foram imprescindíveis para a vocação formativa
da arte na Grécia Clássica, considere as afirmativas a seguir.
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I. A catarse propiciada pelas obras teatrais trágicas apresentadas na cidade grega operava uma
transformação das emoções e tornava possível que os cidadãos se purificassem e saíssem mais
elevados dos espetáculos.
II. A obra poética educava e instruía o cidadão da cidade grega, e isso acontecia por consequência da
satisfação que este sentia ao imitar os atos dos grandes heróis que eram encenados no teatro.
III. O poeta demonstrava o universal como possível ao criar modelos de situações exemplares, que
permitem fortalecer o sentimento de comunidade.
IV. O belo nas diversas artes, como nos poemas épicos, na tragédia e na comédia, desvinculava - -se
dos laços morais e sociais existentes na pólis, projetando-se em um mundo idealizado.
24 – (UNESP - 2016) Sob o ponto de vista individual, a corrupção pode ser vista como uma escolha
racional, baseada em uma ponderação dos custos e dos benefícios dos comportamentos honesto e
corrupto. No tocante às empresas, punir apenas as pessoas, ignorando as entidades, implica adotar,
nesse âmbito, a teoria da maçã podre, como se a corrupção fosse um vício dos indivíduos que as
praticaram no seio empresarial. O que constatamos é bem diferente disso. A corrupção era, para as
empresas envolvidas na operação Lava Jato, um modelo de negócio que majorava o lucro em benefício
de todos.
(Entrevista com Deltan Martinazzo Dallagnol [procurador público]. O Estado de S.Paulo, 18.03.2015.
Adaptado.)
A corrupção é abordada no texto como um problema que pode ser explicado sob um ponto de vista
25 – (UEL – 2015)Com base no texto e nos conhecimentos sobre cosmogonia, é correto afirmar que a
concepção aristotélica apresenta um universo
a) acêntrico.
b) finito.
c) infinito.
d) heliocêntrico.
e) policêntrico.
Ao que parece, duas causas, e ambas naturais, geraram a poesia. O imitar é congênito no homem, e
os homens se comprazem no imitado. Sinal disso é o que acontece na experiência: nós contemplamos
com prazer as imagens mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com repugnância, por
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exemplo, as representações de animais ferozes e de cadáveres. Causa é que o aprender não só muito
apraz aos filósofos, mas também, igualmente, aos demais homens, se bem que menos participem dele.
Efetivamente, tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens: olhando-as aprendem e discorrem
sobre o que seja cada uma delas, e dirão, por exemplo, “este é tal”. Porque, se suceder que alguém
não tenha visto o original, nenhum prazer lhe advirá da imagem, como imitada, mas tão-somente da
execução, da cor ou qualquer outra causa da mesma espécie.
(Adaptado de: ARISTÓTELES, Poética. Trad. Eudoro de Sousa. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p.445.
Os Pensadores.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a noção de imitação (mímesis) em Aristóteles, assinale
a alternativa correta.
a) A pintura e a poesia retratam prazerosamente as coisas imitadas como mais belas do que são na
realidade.
b) A pintura e a poesia são prazerosas quando retratam coisas agradáveis, já as imitações
desagradáveis nenhum prazer causam nas pessoas.
c) Ao dizer “este é tal”, percebem-se a cor e as técnicas usadas pelo pintor, o que provoca uma
sensação desagradável.
d) As imitações da poesia e da pintura causam prazer ao se reconhecer o retratado, mesmo que seja
uma retratação de algo desagradável.
e) Diferentemente da pintura, a poesia surgiu via causas naturais, pois, nesta, a imitação é uma
característica adquirida na experiência.
Alguns julgam que a grandeza de uma cidade depende do número dos seus habitantes, quando o que
importa é prestar atenção à capacidade, mais do que ao número de habitantes, visto que uma cidade
tem uma obra a realizar. [. . . ] A cidade melhor é, necessariamente, aquela em que existe uma
quantidade de população suficiente para viver bem numa comunidade política. [...] resulta evidente,
pois, que o limite populacional perfeito é aquele que não excede a quantidade necessária de indivíduos
para realizar uma vida auto-suficiente comum a todos. Fica, assim, determinada a questão relativa à
grandeza da cidade.
(ARISTÓTELES, Política 1326b6-25 Edição bilíngue. Tradução e notas de António C. Amaral e Carlos
C. Gomes. Lisboa: Vega, 1998. p. 495- 499.)
a) As dimensões da pólis determinam a qualidade de seu governo: quanto mais cidadãos, maior e
melhor será a sua participação política.
b) A pólis não é natural, por isso é importante organizá-la bem em tamanho e quantidade de cidadãos
para que a sociedade seja autossuficiente.
c) O ser humano, por ser autossuficiente, pode prescindir da pólis, pois o bem viver depende mais do
indivíduo que da sociedade.
d) A pólis realiza a própria obra quando possui um número suficiente de cidadãos que possibilite o bem
viver.
e) O ser humano, como animal político, tende a realizarse na pólis, mesmo que esta possua quantidade
excessiva de cidadãos.
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Aula 9
28 – (UEL – 2012)
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A figura do homem que triunfa sobre a natureza bruta (Fig. 5) é significativa para se pensar a filosofia
de Francis Bacon (1561-1626). Com base no pensamento de Bacon, considere as afirmativas a seguir.
I. O homem deve agir como intérprete da natureza para melhor conhecê-la e dominá-la em seu
benefício.
II. O acesso ao conhecimento sobre a natureza depende da experiência guiada por método indutivo.
III. O verdadeiro pesquisador da natureza é um homem que parte de proposições gerais para, na
sequência e à luz destas, clarificar as premissas menores.
IV. Os homens de experimentos processam as informações à luz de preceitos dados a priori pela razão.
29 – (Unesp - 2018) Os ídolos e noções falsas que ora ocupam o intelecto humano e nele se acham
implantados não somente o obstruem a ponto de ser difícil o acesso da verdade, como, mesmo depois
de superados, poderão ressurgir como obstáculo à própria instauração das ciências, a não ser que os
homens, já precavidos contra eles, se cuidem o mais que possam. O homem se inclina a ter por
verdade o que prefere. Em vista disso, rejeita as dificuldades, levado pela impaciência da investigação;
rejeita os princípios da natureza, em favor da superstição; rejeita a luz da experiência, em favor da
arrogância e do orgulho, evitando parecer se ocupar de coisas vis e efêmeras; rejeita paradoxos, por
respeito a opiniões vulgares. Enfim, inúmeras são as fórmulas pelas quais o sentimento, quase sempre
imperceptivelmente, se insinua e afeta o intelecto.
(BACON, F. Novum Organum Trad. José Aluysio Reis de Andrade. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p.
26.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o problema do método de investigação da natureza em
Bacon, assinale a alternativa correta.
a) O preceito metodológico do “trato direto das coisas” supõe que cada um já possui em si as condições
para realizar a investigação da natureza.
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Aula 11
O desejo de evitar o erro, o caos e buscar a certeza, a ordem, por meio de um método de conhecimento,
são marcas distintivas da modernidade. A respeito do problema do conhecimento e do método em
René Descartes, assinale a alternativa correta.
a) A decisão de tentar desfazer-se das opiniões duvidosas e incertas ampara-se em uma revelação
divina, pois, ao pensar, o homem encontra Deus na origem do próprio pensamento, sendo Ele a
primeira certeza fundadora da ciência.
b) A dúvida é uma espécie de afecção episódica que toma conta dos que pensam demasiadamente no
problema dos fundamentos do conhecimento, mas cuja concepção e prática possuem uma importância
limitada.
c) A dúvida metódica pretendia inviabilizar a metafísica, uma vez que certezas científicas e verdades
metafísicas, além de possuírem âmbitos de vigência distintos, também dizem respeito a domínios
excludentes do conhecimento.
d) O método é um procedimento por meio do qual os dados da experiência são acolhidos, tratados
cientificamente e, após o processo de depuração e de crítica, são recolocados em sua relação com o
mundo, transformando nossos juízos.
e) A decisão inaugural a ser radicalizada pela dúvida, tornada metódica, por meio da qual surgirá a
certeza, é o ponto de partida da crítica à tradição, seja na figura dos conhecimentos incertos ou das
falsas opiniões.
32 - (Unesp – 2016) Todas as vezes que mantenho minha vontade dentro dos limites do meu
conhecimento, de tal maneira que ela não formule juízo algum a não ser a respeito das coisas que lhe
são claras e distintamente representadas pelo entendimento, não pode acontecer que eu me
equivoque; pois toda concepção clara e distinta é, com certeza, alguma coisa de real e de positivo, e,
assim, não pode se originar do nada, mas deve ter obrigatoriamente Deus como seu autor; Deus que,
sendo perfeito, não pode ser causa de equívoco algum; e, por conseguinte, é necessário concluir que
uma tal concepção ou um tal juízo é verdadeiro.
a) sua concepção sobre a existência de Deus exerceu grande influência na renovação religiosa da
época.
b) sua valorização da clareza e distinção do conhecimento científico baseou -se no irracionalismo.
c) desenvolveu as bases racionais para a crítica do mecanicismo como método de conhecimento.
d) formulou conceitos filosóficos fortemente contrários ao heliocentrismo defendido por Galileu.
e) se tratou de um pensamento responsável pela fundamentação do método científico moderno.
Descartes, na segunda parte do Discurso do Método, apresenta uma crítica às cidades antigas por
serem caóticas. Tais cidades, por terem sido no início pequenos burgos e havendo se transformado,
ao longo do tempo, em grandes centros, são comumente mal calculadas. Suas ruas curvas e desiguais
foram obra do acaso e não uma disposição da vontade de alguns homens que se utilizaram da razão.
(Adaptado de: DESCARTES, R. Discurso do Método. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p.43 -44.
(Coleção Os Pensadores.))
Com base no texto, nos conhecimen tos sobre o racionalismo cartesiano e sobre uma possível relação
com o tema do planejamento e da construção das cidades, assinale a alternativa correta.
E se escrevo em francês, que é a língua de meu país, e não em latim, que é a de meus preceptores, é
porque espero que aqueles que se servem apenas de sua razão natural inteiramente pura julgarão
melhor minhas opiniões do que aqueles que não acreditam senão nos livros dos antigos. E quanto aos
que unem o bom senso ao estudo, os únicos que desejo para meus juízes, não serão de modo algum,
tenho certeza, tão parciais a favor do latim que recusem ouvir minhas razões, porque as explico em
língua vulgar.
DESCARTES, R. Discurso do Método. Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Jr. São Paulo: Abril Cultural,
1973. Coleção “Os pensadores”. p. 79.
Com base nos conhecimentos sobre Descartes e o surgimento da filosofia moderna, assinale a
alternativa correta.
a) A língua vulgar, o francês, expressa de modo mais adequado o espírito da modernidade por estar
livre dos preconceitos da língua dos doutos, o latim.
b) Redigir o Discurso do Método em francês teve propósito similar à tradução da bíblia para o alemão
feita por Lutero: facilitar o acesso à sacralidade do texto em língua vulgar.
c) O desencantamento do mundo, resultante da radical crítica cartesiana à tradição, teve como
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a) científica.
b) ateísta.
c) antropocêntrica.
d) materialista.
e) teológica.
36 – (Unesp – 2022) Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu,
nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns; me persuadi também, portanto, de que eu não
existia? Certamente não, eu existia, sem dúvida, se é que eu me persuadi ou, apenas, pensei alguma
coisa. Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua
indústria em enganar-me sempre. Não há pois dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por
mais que me engane, não poderá jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma
coisa. De sorte que, após ter pensado bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as
coisas, cumpre enfim concluir e ter por constante que esta proposição, penso, logo sou, é
necessariamente verdadeira, todas as vezes que a enuncio […].
Segundo o texto, um dos pontos iniciais do método de Descartes que o levou ao cogito (“penso, logo
sou”) foi
37 – (UFPR -2020) Nas primeiras linhas das Meditações Metafísicas, Descartes declara que “recebera
muitas falsas opiniões por verdadeiras” e que “aquilo que fundou sobre princípios mal assegurados
devia ser muito duvidoso e incerto”.
A fim de dar bom fundamento ao conhecimento científico, Descartes entende que é preciso:
A partir das informações e das relações presentes no texto, conclui -se que
Aula 12
39 – (Unesp - 2018) Posto que as qualidades que impressionam nossos sentidos estão nas próprias
coisas, é claro que as ideias produzidas na mente entram pelos sentidos. O entendimento não tem o
poder de inventar ou formar uma única ideia simples na mente que não tenha sido recebida pelos
sentidos. Gostaria que alguém tentasse imaginar um gosto que jamais impressionou seu paladar, ou
tentasse formar a ideia de um aroma que nunca cheirou. Quando puder fazer isso, concluirei também
que um cego tem ideias das cores, e um surdo, noções reais dos diversos sons.
40 – (UFPR – 2022) Ampliando suas investigações para além de suas capacidades, e deixando seus
pensamentos vagarem em profundezas, a tal ponto de lhes faltar apoio seguro para o pé, não é de
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admirar que os homens levantem questões e multipliquem disputas acerca de assuntos insolúveis,
servindo apenas para prolongar e aumentar suas dúvidas, e para confirmá-los ao fim num perfeito
ceticismo.
(LOCKE. Ensaio acerca do entendimento humano. Trad. Anoar Aiex. Coleção Os Pensadores, vol.
XVIII. São Paulo: Victor Civita, 1973, introdução, p. 147.)
Considerando a passagem acima e a obra de que foi extraída, segundo Locke, os homens tornam-se
céticos porque:
41 – (UFPR – 2022)Na introdução ao Ensaio sobre o entendimento humano, John Locke declara que
nessa obra ele pretende investigar “a origem, a certeza e a extensão do conhecimento humano,
juntamente com as bases e graus da crença, opinião e assentimento”.
(LOCKE, John. Coleção Os Pensadores. Vol. XVIII. São Paulo: Victor Civita, 1973. p. 145.) Com base
nessa citação e na obra de que foi retirada, é correto afirmar que essa investigação:
Aula 13
(HUME, D. Tratado da Natureza Humana. Trad. de Serafim da Silva Fontes. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2001. p.35.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a questão da sensibilidade, razão e verdade em David
Hume, considere as afirmativas a seguir.
I. Geralmente as ideias simples, no seu primeiro aparecimento, derivam das impressões simples que
lhes correspondem.
II. A conexão entre as ideias e as impressões provém do acaso, de modo que há uma independência
das ideias com relação às impressões.
III. As ideias são sempre as causas de nossas impressões.
IV. Assim como as ideias são as imagens das impressões, é também possível formar ideias
secundárias, que são imagens das ideias primárias.
Podemos definir uma causa como um objeto, seguido de outro, tal que todos os objetos semelhantes
ao primeiro são seguidos por objetos semelhantes ao segundo. Ou, em outras palavras, tal que, se o
primeiro objeto não existisse, o segundo jamais teria existido. O aparecimento de uma causa sempre
conduz a mente, por uma transição habitual, à ideia do efeito; disso também temos experiência. Em
conformidade com essa experiência, podemos, portanto, formular uma outra defin ição de causa e
chamá-la um objeto seguido de outro, e cujo aparecimento sempre conduz o pensamento àquele outro.
Mas, não temos ideia dessa conexão, nem sequer uma noção distinta do que é que desejamos saber
quando tentamos concebê-las.
(Adaptado de: HUME, D. Investigação sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral.
Seção VII, 29. Trad. José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: UNESP, 2004. p.115.)
Com base no texto e nos conhecimentos acerca das noções de causa e efeito em David Hume, assinale
a alternativa correta.
a) As noções de causa e efeito fazem parte da realidade e por isso os fenômenos do mundo são
explicados através da indicação da causa.
b) A presença do efeito revela a causa nele envolvida, o que garante a explicação de determinado
acontecimento.
c) A causa e o efeito são noções que se baseiam na experiência e, por meio dela, são apreendidas.
d) A causa e o efeito são conhecidos objetivamente pela mente e não por hábitos formados pela
percepção do mundo.
e) A causa e o efeito proporcionam, necessariamente, explicações válidas sobre determinados fatos e
acontecimentos.
Aula 15
Rochedos audazes sobressaindo-se por assim dizer ameaçadores, nuvens carregadas acumulando-
se no
devastação deixada para trás, o ilimitado oceano revolto, uma alta queda d’água de um rio poderoso
etc. tornam nossa capacidade de resistência de uma pequenez insignificante em comparação com o
seu poder. Mas o seu espetáculo só se torna tanto mais atraente quanto mais terrível ele é, contanto
que, somente, nos encontremos em segurança; e de bom grado denominamos estes objetos sublimes,
porque eles elevam a fortaleza da alma acima de seu nível médio e permitem descobrir em nós uma
faculdade de resistência de espécie totalmente diversa, a qual encoraja a medir-nos com a aparente
onipotência da natureza.
(KANT, I. Crítica da Faculdade do Juízo. Trad. Antonio Marques e Valério Rohden. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1995. p. 107.)
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Com base no texto e nos conhecimentos sobre o juízo de gosto e o sublime na estética moderna,
particularmente em Kant, assinale a alternativa correta.
Aula 16
Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade
é a incapacidade de fazer uso do seu entendimento sem a direção de outro indivíduo ... Sapere Aude!
Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento.
a) Fazer uso do próprio entendimento implica a destruição da tradição, na medida em que o poder da
tradição impede a liberdade do pensamento.
b) A superação da condição de menoridade resulta do uso privado da razão, em que o indivíduo faz
uso restrito do próprio entendimento.
c) A saída da menoridade instaura uma situação duradoura, pois as verdadeiras conquistas do
Esclarecimento se afiguram como irreversíveis.
d) A menoridade é uma tendência decorrente da natureza humana, sendo, por esse motivo, superada
no Esclarecimento, com muito esforço.
e) A condição fundamental para o Esclarecimento é a liberdade, concebida como a possibilidade de se
fazer uso público da razão.
Dever é a necessidade de uma ação por respeito à lei. [...] devo proceder sempre de maneira que eu
possa querer também que a minha máxima se torne uma lei universal.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. São Paulo: Abril
Cultural, 1974. p. 208-209.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria kantiana do dever, assinale a alternativa correta.
a) A máxima de uma ação moral universalizável pode ter como fundamento os efeitos da ação, sendo
considerada moralmente boa uma ação cujos efeitos causam o bem.
b) A obrigação incondicional que a lei moral impõe advém do reconhecimento da possibilidade de
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Kant, mesmo que restrito à cidade de Königsberg, acompanhou os desdobramentos das Revoluções
Americana e Francesa e foi levado a refletir sobre as convulsões da história mundial. Às incertezas da
Europa plebeia, individualista e provinciana, contrapôs algumas certezas da razão capazes de
restabelecer, ao menos no pensamento, a sociabilidade e a paz entre as nações com vista à
constituição de uma federação de povos – sociedade cosmopolita.
(Adaptado de: ANDRADE, R. C. Kant: a liberdade, o indivíduo e a república. In: WEFORT, F. C. (Org.).
Clássicos da política. v.2. São Paulo: Ática, 2003. p.49-50.)
Com base nos conhecimentos sobre a Filosofia Política de Kant, assinale a alternativa correta.
a) A incapacidade dos súditos de distinguir o útil do prejudicial torna imperativo um governo paternal
para indicar a felicidade.
b) É chamado cidadão aquele que habita a cidade, sendo considerados cidadãos ativos também as
mulheres e os empregados.
c) No Estado, há uma igualdade irrestrita entre os membros da comunidade e o chefe de Estado.
d) Os súditos de um Estado Civil devem possuir igualdade de ação em conformidade com a lei universal
da liberdade.
e) Os súditos estão autorizados a transformar em violência o descontentamento e a oposição ao poder
legislativo supremo
48 – (UEL – 2013)
Texto I
O desenvolvimento não é um mecanismo cego que age por si. O padrão de progresso dominante
descreve a trajetória da sociedade contemporânea em busca dos fins tidos como desejáveis, fins que
os modelos de produção e de consumo expressam. É preciso, portanto, rediscutir os sentidos. Nos
marcos do que se entende predominantemente por desenvolvimento, aceita-se rever as quantidades
(menos energia, menos água, mais eficiência, mais tecnologia), mas pouco as qualidades: que
desenvolvimento, para que e para quem?
Tendo como referência a relação entre desenvolvimento e progresso presente no texto, é correto
afirmar que, em Kant, tal relação, contida no conceito de Aufklärung (Esclarecimento), expressa:
49 – (Unesp 2019) A maior violação do dever de um ser humano consigo mesmo, considerado
meramente como um ser moral (a humanidade em sua própria pessoa), é o contrário da veracidade, a
mentira […]. A mentira pode ser externa […] ou, inclusive, interna. Através de uma mentira externa, um
ser humano faz de si mesmo um objeto de desprezo aos olhos dos outros; através de uma mentira
interna, ele realiza o que é ainda pior: torna a si mesmo desprezível aos seus próprios olhos e viola a
dignidade da humanidade em sua própria pessoa […]. Pela mentira um ser humano descarta e, por
assim dizer, aniquila sua dignidade como ser humano. […] É possível que [a mentira] seja praticada
meramente por frivolidade ou mesmo por bondade; aquele que fala pode, até mesmo, pretender atingir
um fim realmente benéfico por meio dela. Mas esta maneira de perseguir este fim é, por sua simples
forma, um crime de um ser humano contra sua própria pessoa e uma indignidade que deve torná-lo
desprezível aos seus próprios olhos.
Aula 18
(Adaptado de: SADEK, M. T. Nicolau Maquiavel: o cidadão sem fortuna, o intelectual de virtú. In:
WEFORT, F. C. (Org.). Clássicos da política. v.2. São Paulo: Ática, 2003. p.11-24.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a filosofia política de Maquiavel, assinale a alternativa
correta.
a) A anarquia e a desordem no Estado são aplacadas com a existência de um Príncipe que age
segundo a moralidade convencional e cristã.
b) A estabilidade do Estado resulta de ações humanas concretas que pretendem evitar a barbárie,
mesmo que a realidade seja móvel e a ordem possa ser desfeita.
c) A história é compreendida como retilínea, portanto a ordem é resultado necessário do
desenvolvimento e aprimoramento humano, sendo impossível que o caos se repita.
d) A ordem na política é inevitável, uma vez que o âmbito dos assuntos humanos é resultante da
materialização de uma vontade superior e divina.
e) Há uma ordem natural e eterna em todas as questões humanas e em todo o fazer político, de modo
que a estabilidade e a certeza são constantes nessa dimensão.
P á g i n a | 199
51 – (Unesp – 2017) Deveis saber, portanto, que existem duas formas de se combater: uma, pelas
leis, outra, pela força. A primeira é própria do homem; a segunda, dos animais. Como, porém, muitas
vezes a primeira não seja suficiente, é preciso recorrer à segunda. Ao príncipe torna-se necessário,
porém, saber empregar convenientemente o animal e o homem. [...] Nas ações de todos os homens,
máxime dos príncipes, onde não há tribunal para que recorrer, o que importa é o êxito bom ou mau.
Procure, pois, um príncipe, vencer e conservar o Estado.
52 – (UFPR – 2022)Há em toda república dois humores diversos, quais sejam, aquele do povo e aquele
dos grandes, (…) todas as leis que são feitas em favor da liberdade nascem desta desunião.
(MAQUIAVEL. Discursos sobre a Primeira década de Tito Livio. Seleção de textos, tradução e notas
Carlo Gabriel Kzsam Pancera. In: MARÇAL, J. (org.) Antologia de textos filosóficos, SEED, 2009, p.
432.)
De acordo com a passagem acima e com a obra de que foi extraída, é correto afirmar que, segundo
Maquiavel:
Aula 19
As leis da natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia e a piedade) por si mesmas, na ausência
do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias às nossas paixões
naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho e a vingança. Os pactos sem a
espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar
das leis da natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e quando pode fazê-
lo com segurança), se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança, cada
um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção
contra todos os outros.
(Adaptado de: HOBBES, T. Leviatã. São Paulo: Victor Civita, 1974. p.107.)
Um dos problemas enfrentados pela Filosofia Política diz respeito às razões que levam os indivíduos a
se unirem com o objetivo de constituir uma ordem civil. Trata-se do problema da ordem política requerer
ou não um elemento coercitivo a fim de garantir a vida civil.
P á g i n a | 200
Com base no texto e nos conhecimentos sobre Thomas Hobbes, assinale a alternativa correta.
a) A ordem política é o fim natural para o qual os homens tendem, o que dispensa a força para fundar
e manter a associação política.
b) Uma multidão reunida em associação civil age espontaneamente com base na justiça e nas leis da
natureza, o que leva ao respeito mútuo sem o uso da força.
c) Os seres humanos, natural e necessariamente, entendem-se, uma vez que buscam concretizar na
vida civil fins comuns, o que dispensa o uso da coerção.
d) Os seres humanos reúnem-se politicamente porque a vida civil, em que se cultiva o diálogo sem o
uso da força, realiza a perfeição humana.
e) Os seres humanos precisam se sujeitar e obedecer a um poder comum que os mantenha em respeito
se quiserem viver em paz e em ordem uns com os outros.
54 – (UFPR – 2020)Para os filósofos contratualistas, o Estado é pensado como tendo por origem um
contrato entre os indivíduos. Segundo Thomas Hobbes, “é como se cada homem dissesse a cada
homem: autorizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este homem, ou a esta
assembleia de homens, com a condição de transferires para ele o teu direito, autorizando de maneira
semelhante todas as suas ações”.
(HOBBES, T. Leviatã, cap. 17, In: MARÇAL, J. CABARRÃO, M.; FANTIN, M. E. (org.) Antologia de
textos filosóficos, Curitiba: SEED-PR, 2009, p. 365.)
A partir do enunciado, é correto afirmar que Hobbes recorre à ideia do contrato com o fim de:
Aula 20
55 – (Unesp – 2018) Todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos
inalienáveis, entre os quais figuram a vida, a liberdade e a busca da felicidade. Para assegurar esses
direitos, entre os homens se instituem governos, que derivam seus justos poderes do consentimento
dos governados. Sempre que uma forma de governo se dispõe a destruir essas finalidades, cabe ao
povo o direito de alterá-la ou aboli-la, e instituir um novo governo, assentando seu fundamento sobre
tais princípios e organizando seus poderes de tal forma que a ele pareça ter maior probabilidade de
alcançar-lhe a segurança e a felicidade.
(Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776). In: Harold Syrett (org.). Documentos
históricos dos Estados Unidos, 1988.)
O documento expõe o vínculo da luta pela independência das treze colônias com os princípios
Por conseguinte, todo homem, ao consentir com outros em formar um único corpo político sob um
governo único, assume a obrigação, perante todos os membros dessa sociedade, de submeter-se à
determinação da maioria e acatar a decisão desta. Do contrário, esse pacto original, pelo qual ele,
juntamente com outros, se incorpora a uma sociedade, não teria nenhum significado e não seria pacto
algum, caso ele fosse deixado livre e sob nenhum outro vínculo além dos que tinha antes no estado de
natureza.
LOCKE, J. Dois tratados sobre o governo.. Trad. Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p.
470.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre o pensamento de John Locke, assinale a alternativa
correta.
a) O ser humano deve superar o estado de natureza fundando a sociedade civil e o Estado, cedendo
seus direitos em prol da paz social.
b) Os indivíduos, no estado de natureza, são juízes de si mesmos, fundam o Estado para garantir
segurança e direitos individuais por meio das leis.
c) O poder do Estado deve ser absoluto para a garantia dos direitos naturais da humanidade, como a
vida, a liberdade e a propriedade.
d) O pacto ou contrato social é o garantidor das liberdades e direitos, sendo o poder legisla tivo o menos
importante, já que é possível sua revogação por aqueles que participam do poder executivo.
e) O ser humano se realiza como um ser possuidor de bens, sendo sua posse o que garante tolerância
religiosa, livre iniciativa econômica e liberdade individual.
57 – (Unesp - 2022) […] admite, a título de direito natural, o direito de propriedade fundado sobre o
trabalho e limitado, por consequência, à extensão de terra que um homem pode cultivar, e o poder
paterno, sendo a família instituição natural e não política. […] O pacto social não cria nenhum direito
novo. É um acordo entre indivíduos que se reúnem para empregar a força coletiva no sentido de
executar as leis naturais, renunciando a executá-las por sua própria força.
(Émile Bréhier. História da filosofia, 1979.)
Aula 21
A “Querela do luxo” foi um dos mais intensos debates do século XVIII na França e consistiu em defender
o luxo como sinal do progresso da humanidade, ou em atacá-lo como signo de decadência. Rousseau,
partidário da segunda via, num dos seus textos, afirma: A vaidade e a ociosidade, que engendram
nossas ciências, também engendram o luxo. [...] Eis como o luxo, a dissolução e a escravidão foram
[...] o castigo dos esforços orgulhosos que fizemos para sair da ignorância feliz na qual nos colocara a
P á g i n a | 202
sabedoria eterna. [...] Crêem embaçar-me terrivelmente perguntando-me até onde se deve limitar o
luxo. Minha opinião é que absolutamente não se precisa dele. Para além da necessidade física, tudo é
fonte de mal.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre as ciências e as artes. Trad. Lourdes Santos Machado, 3ª
ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p.395; 341; 410.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria política e antropológica de Rousseau e a
compreensão do autor acerca das ciências, das artes e do luxo, considere as afirmativas a seguir.
I. A crítica de Rousseau às ciências e às artes e, por extensão, ao luxo, resulta da sua compreensão
da natureza humana, na qual a necessidade física é o critério decisivo sobre o que é bom para a
humanidade.
II. Em sua teoria política, Rousseau dirige a crítica às ciências, às artes e ao luxo, por identificar neles
a vigência de um princípio que sacrifica a possibilidade da criação de uma sociedade minimamente
justa.
III. A vaidade e a ociosidade, que engendram o luxo, são uma constante da natureza humana, razão
pela qual também as ciências e as artes são expressões necessárias da natureza humana.
IV. A defesa da feliz ignorância, na qual nasce cada ser humano, leva Rousseau a legitimar formas de
governo caracterizadas pelo sacrifício da inteligência e da crítica e pela obediência a um poder
soberano.
Por que só o homem é suscetível de tornar-se imbecil? [...] O verdadeiro fundador da sociedade civil
foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto é meu e encontrou pessoas
suficientemente simples para acreditá-lo.
Com base nos conhecimentos sobre sociedade civil, propriedade e natureza humana no pensamento
de Rousseau, assinale a alternativa correta.
capacidade de aperfeiçoamento.
60 – (Unesp -2020)Cada um de nós põe em comum sua pessoa e todo o seu poder sob a direção
suprema da vontade geral, e recebemos, enquanto corpo, cada membro como parte indivisível do todo.
[...] um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros quantos são os votos da assembleia [...].
Essa pessoa pública, que se forma, desse modo, pela união de todas as outras, tomava antigamente
o nome de cidade e, hoje, o de república ou de corpo político, o qual é chamado por seus membros de
Estado [...].
Em geral, são necessárias as seguintes condições para autorizar o direito do primeiro ocupante de
qualquer pedaço de chão: primeiro, que esse terreno não esteja ainda habitado por ninguém; segundo,
que dele só se ocupe a porção de que se tem necessidade para subsistir; terceiro, que dele se tome
posse não por uma cerimônia vã, mas pelo trabalho e pela cultura, únicos sinais de propriedade que
devem ser respeitados pelos outros, na ausência de títulos jurídicos.
(ROUSSEAU, J. J. Do Contrato Social. Trad. de Lourdes Machado. São Paulo: Abril S. A. Cultural,
1973. p.44. (Coleção Os Pensadores.))
Com base no texto e nos conhecimentos acerca da questão do contratualismo em Rousseau, assinale
a alternativa que apresenta, corretamente, as condições que autorizam o direito do primeiro ocupante.
A questão não está mais em se um homem é honesto, mas se é inteligente. Não perguntamos se um
livro é proveitoso, mas se está bem escrito. As recompensas são prodigalizadas ao engenho e ficam
P á g i n a | 204
sem glórias as virtudes. Há mil prêmios para os belos discursos, nenhum para as belas ações.
(ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre as ciências e as artes. 3.ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p.348.
Coleção Os Pensadores.)
O texto apresenta um dos argumentos de Rousseau à questão colocada em 1749, pela Academia de
Dijon, sobre o seguinte problema: O restabelecimento das Ciências e das Artes terá contribuído para
aprimorar os costumes? Com base nas críticas de Rousseau à sociedade, assinale a alternativa
correta.
Aula 22
63 – (Unesp 2022)Pode acontecer que, para a educação do verdadeiro filósofo, seja preciso que ele
percorra todas as gradações nas quais os “trabalhadores da filosofia” estão instalados e devem
permanecer firmes: ele deve ter sido crítico, cético, dogmático e histórico e, ademais, poeta, viajante,
moralista e vidente e “espírito livre”, tudo enfim para poder percorrer o círculo dos valores humanos,
dos sentimentos de valor, e poder lançar um olhar de múltiplos olhos e múltiplas consciências, da mais
sublime altitude aos abismos, dos baixios para o alto. Mas tudo isso é apenas uma condição preliminar
da sua incumbência. Seu destino exige outra coisa: a criação de valores.
64 – (Unesp – 2018) Convicção é a crença de estar na posse da verdade absoluta. Essa crença
pressupõe que há verdades absolutas, que foram encontrados métodos perfeitos para chegar a elas e
que todo aquele que tem convicções se serve desses métodos perfeitos. Esses três pressupostos
demonstram que o homem das convicções está na idade da inocência, e é uma criança, por adulto que
seja quanto ao mais. Mas milênios viveram nesses pressupostos infantis, e deles jorraram as mais
poderosas fontes de força da humanidade. Se, entretanto, todos aqueles que faziam uma ideia tão alta
de sua convicção houvessem dedicado apenas metade de sua força para investigar por que caminho
haviam chegado a ela: que aspecto pacífico teria a história da humanidade!
Aula 23
POPPER, Karl. Conjecturas e refutações. Trad. Sérgio Bath. Brasília: UnB, 1982. p. 284.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a filosofia de Popper, assinale a alternativa correta.
a) A concepção de ciência da qual fala Popper é aquela que possui o princípio de verificabilidade, com
proposições rigorosas que procuram corrigir as teorias científicas.
b) A ciência busca alcançar o conhecimento de tipo essencial, pois ele garante a verdade de uma teoria
científica, permitindo o desenvolvimento em direção à verdade objetiva visada pela ciência.
c) Uma teoria científica é verdadeira se suas proposições são empiricamente falsificáveis via testes,
permitindo que sejam autocorrigidas e desenvolvidas na direção de uma verdade objetiva.
d) Os testes empíricos nas ciências humanas, tais como psicologia e sociologia, visam confirmar seu
valor de cientificidade, pois suas teorias são falsificáveis.
e) A concepção de ciência que Popper sustenta é a passivista ou receptacular, na qual as teorias
científicas são elaboradas por meio dos sentidos e o erro surge ao interferirmos nos dados obtidos da
experiência.
Popper negava a afirmação positivista de que os cientistas podem provar uma teoria por indução, ou
por testes empíricos ou por observações sucessivas. Segundo ele, nunca se sabe se as observações
foram suficientes, pois a observação seguinte pode contradizer tudo o que a precedeu.
(Adaptado de: HORGAN, J. O Fim da Filosofia. In. HORGAN, J. O Fim da Ciência. Uma discussão
sobre os limites do conhecimento científico. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.50.)
Com base no texto e nos conhecimentos acerca da crítica de Karl Popper à concepção positivista de
ciência, considere as afirmativas a seguir.
I. Popper critica os positivistas por almejarem a aniquilação da metafísica e também por entenderem
que o propósito da ciência era alcançar enunciados certos e verdadeiros.
II. Popper, assim como os positivistas, acredita que a verificabilidade é o critério de demarcação de um
sistema científico.
III. Popper sustenta que, para os positivistas, a característica distintiva dos enunciados empíricos é a
possibilidade de serem suscetíveis de revisão, isto é, serem criticados e substituídos por enunciados
mais adequados.
P á g i n a | 206
IV. Para Popper, contrariamente aos positivistas, as observações são incapazes de provar uma teoria;
elas só podem refutá-la.
67 – (Unesp – 2021)
Texto 1
Só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for passível de comprovação pela
experiência. Essas considerações sugerem que deve ser tomada como critério de demarcação […] a
falseabilidade de um sistema. Em outras palavras, não exigirei que um sistema científico seja suscetível
de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma
lógica seja tal que se torne possível validá-lo por meio de recurso a provas empíricas, em sentido
negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um sistema científico empírico.
Texto 2
(Salvador Nogueira. “Não há respostas finais na ciência, diz Marcelo Gleiser”. www.folha.uol.com.br,
11.08.2014.)
De acordo com os textos, para assegurar a validade do conhecimento produzido, é necessário que a
ciência
Aula 24
A ideia de que a razão, a mais alta faculdade intelectual do homem, interessa-se apenas pelos
instrumentos, ou melhor, é ela mesma apenas um instrumento, é formulada de modo mais claro e
aceita mais amplamente hoje do que no passado. [...] O indivíduo outrora concebeu a razão
P á g i n a | 207
exclusivamente como um instrumento do eu. Agora, ele experiencia o inverso dessa autodeificação. A
máquina ejetou o piloto; ela corre cegamente pelo espaço. No momento da consumação, a razão
tornou-se irracional e estultificada.
HORKHEIMER, Max. Eclipse da razão. Trad. Carlos Henrique Pissardo. São Paulo: Editora da UNESP,
2015. p. 118; 143 A respeito do problema da racionalidade instrumental em Horkheimer, assinale a
alternativa correta.
À medida que as obras de arte se emancipam do seu uso cultual, aumentam as ocasiões para que elas
sejam expostas. A exponibilidade de um busto [...] é maior que de uma estátua divina, que tem sua
sede fixa no interior do templo. [...] a preponderância absoluta conferida hoje a seu valor de exposição
atribui-lhe funções inteiramente novas, entre as quais a “artística”, a única de que temos consciência,
talvez se revele mais tarde como rudimentar.
BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica (Primeira versão)”. In: Obras
escolhidas I. Trad. Sérgio Paulo Rouanet, 8ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. p. 187 -188.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria benjaminiana da reprodutibilidade técnica e do
valor cultual e de exposição da obra de arte, assinale a alternativa correta.
a) O valor de exposição da obra de arte reforça os laços sociais, na medida em que a exposição
intensifica a coesão social, possibilitando, democraticamente, o acesso à obra.
b) A mudança do valor de culto para o valor da exposição da obra de arte revela transformações nas
quais esta passa a ser concebida a partir da esfera pública.
c) O valor de culto da obra de arte expressa a gradativa desvinculação entre o humano e o sagrado,
considerando que a obra substitui a relação direta do humano com o sagrado.
d) O valor material atribuído a uma obra de arte é constituído pela persistência de um valor de culto na
exposição, evidenciado na “aura” que paira sobre as grandes obras, as chamadas obras clássicas.
e) O elemento comum entre o valor de culto e o valor de exposição da obra de arte é o reconhecimento
de que a função “artística” é a sua dimensão mais importante.
O programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos e
P á g i n a | 208
substituir a imaginação pelo saber. [..] O mito converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera
objetividade. O preço que os homens pagam pelo aumento de poder é a alienação daquilo sobre o que
exercem o poder. [...] Quanto mais a maquinaria do pensamento subjuga o que existe, tanto mais
cegamente ela se contenta com essa reprodução. Desse modo, o esclarecimento regride à mitologia
da qual jamais soube escapar.
ADORNO & HORKHEIMER. Dialética do esclarecimento. Fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antonio
de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p.17; 21; 34.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a crítica à racionalidade instrumental e a relação entre
mito e esclarecimento em Adorno e Horkheimer, assinale a alternativa correta.
a) O mito revela uma constituição irracional, na medida em que lhe é impossível apresentar uma
explicação convincente sobre o seu modo próprio de ser.
b) A regressão do esclarecimento à mitologia revela um processo estratégico da razão, com o objetivo
de ampliar e intensificar seus poderes explicativos.
c) A explicação da natureza, instaurada pela racionalidade instrumental, pressupõe uma compreensão
holística, em que as partes são incorporadas, na sua especificidade, ao todo.
d) O esclarecimento implica a libertação humana da submissão à natureza, atestada pelo poder
racional de diagnosticar, prever e corrigir as limitações naturais.
e) O esclarecimento se caracteriza por uma explicação baseada no cálculo, do que resulta uma
compreensão da natureza como algo a ser conhecido e dominado.
As reações mais íntimas das pessoas estão tão completamente reificadas para elas próprias que a
ideia de algo peculiar a elas só perdura na mais extrema abstração: personality si gnifica para elas
pouco mais que possuir dentes deslumbrantemente brancos e estar livres do suor nas axilas e das
emoções. Eis aí o triunfo da publicidade na indústria cultural.
) A abstração a respeito da própria personalidade é uma capacidade por meio da qual o sentido da
experiência, esvaziado pela Indústria Cultural, pode ser reconfigurado e ressignificado.
b) A superficialização da personalidade e o esvaziamento do sentido da experiência são efeitos
secundários da Indústria Cultural, decorrentes dos exageros da publicidade.
c) A superficialização da personalidade resulta da ação por meio da qual a Indústria Cultural esvazia o
sentido da experiência ao concebê-la como um sistema de coisas.
d) O esvaziamento do sentido da experiência criado pela Indústria Cultural atesta a superficialidade
inerente à personalidade na medida em que ela é uma abstração.
e) O poder de reificação exercido pela Indústria Cultural sobre a personalidade consiste em criar um
equilíbrio entre sensibilidade (emoções) e pensamento (máxima abstração).
estruturada pela igualdade e pela liberdade, quando eles têm as mesmas chances de fazer uso de
direitos subjetivos igualmente distribuídos. Portanto, o prejuízo que pode surgir não se situa no nível
de uma privação de direitos. Ele consiste, antes, na insegurança que um portador de direitos civis sente
em relação à consciência de seu próprio status. Pessoas programadas não podem mais se considerar
como autores únicos de sua própria história de vida, pois, em relação às gerações que as precederam,
elas não podem mais se considerar ilimitadamente como pessoas nascidas sob iguais condições.
(Adaptado de: HABERMAS, J. O futuro da natureza humana. A caminho de uma eugenia liberal? 2.ed.
São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010, p.107-108.)
A intervenção genética possibilita uma reflexão sobre a mudança de compreensão da natureza humana
tradicionalmente concebida como permanente.
Com base no texto e nos conhecimentos sobre ética em Jürgen Habermas, considere as afirmativas a
seguir.
(ADORNO; HORKHEIMER. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. p.21.)
P á g i n a | 210
O uso da razão para fins irracionais criou, principalmente no século XX, uma desconfiança crônica a
respeito da sua natureza e dos seus usos. Com base nos conhecimentos sobre a raciona lidade
instrumental presente no texto, assinale a alternativa correta.
a) Tanto a dominação da natureza quanto a alienação do homem são o preço inevitável a ser pago
pela razão, pois o conhecimento ocorre quando o mundo e o homem se tornam objetos.
b) O esclarecimento, na medida em que efetiva a superação do mito, atualiza a essência e o próprio
destino do homem, que consiste em transformar a natureza, produzindo objetos que tornam a vida
mais confortável.
c) Mito e razão são forças primitivas antagônicas de natureza distinta: o mito caracteriza-se pela
imaginação, fantasia e falta de objetividade; já a razão, pela objetividade, por cujos processos de
formalização a certeza é instituída.
d) Dada a dimensão puramente formal da ciência, os aspectos práticos do mundo da vida lhe são
alheios, razão pela qual os usos com vistas à dominação são estranhos à sua essência, resultando na
dominação de um mau uso prático.
e) A instrumentalização da razão e a objetivação da natureza são dois momentos de um mesmo
processo, cujo resultado consiste em conceber o homem e o mundo como objetos disponíveis à
manipulação e ao exercício de poder.
Generalizando, podemos dizer que a técnica da reprodução retira do domínio da tradição o objeto
reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra por
uma existência massiva. E, na medida em que essa técnica permite à reprodução vir ao encontro do
espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto reproduzido.
(BENJAMIN, W. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica – primeira versão. In. Magia e
técnica, arte e política – Obras Escolhidas I. 8.ed. São Paulo: Brasiliense, 2012. p.182-183.)
Com base no texto e nos conhecimentos sobre a reprodutibilidade técnica, segundo Walter Benjamin,
assinale a alternativa correta.
a) A atualização constante dos objetos é o primeiro passo para a instauração de uma teoria materialista
revolucionária da arte na era da reprodutibilidade técnica, pois tal atualização libera as forças do
entendimento e da imaginação.
b) A fotografia e o cinema, obras reproduzidas tecnicamente, operam em registros de criação similares
às formas tradicionais de arte, pois a criação artística resulta indistintamente da pulsão criativa genial.
c) Ao homogeneizar os objetos pela reprodução massiva, a técnica destrói os traços materiais e
históricos característicos e únicos que permitem vincular uma obra de arte à tradição.
d) Embora a reprodução técnica afete alguns elementos que compõem a obra de arte, ainda assim, os
mais fundamentais e característicos, facilmente identificáveis, como a “aura”, permanecem intocados.
e) O que torna a obra de arte única, na era das técnicas de reprodução, e o que permite o
estabelecimento do seu vínculo com a tradição, depende do modo como ela é recebida
absolutamente capazes de uma audição concentrada. Não conseguem manter a tensão de uma
concentração atenta, e por isso se entregam resignadamente àquilo que acontece e flui acima deles,
e com o qual fazem amizade somente porque já o ouvem sem atenção excessiva.
(ADORNO, T. W. O fetichismo na música e a regressão da audição. In: Adorno et all. Textos escolhidos.
São Paulo: Abril Cultural, 1978, p.190. Coleção Os Pensadores.)
As redes sociais têm divulgado músicas de fácil memorização e com forte apelo à cultura de massa. A
respeito do tema da regressão da audição na Indústria Cultural e da relação entre arte e sociedade em
Adorno, assinale a alternativa correta.
Marcuse critica o modelo de produção da sociedade industrial, que, segundo o texto, se expressa na
Aula 25
77 – (Unesp – 2021)
Presídio da Ilha de Pinos, em Cuba, construído no final da década de 1920, a partir do modelo do
panóptico, e hoje abandonado.
(https://medium.com)
O princípio é: na periferia, uma construção em anel; no centro, uma torre; esta possui grandes janelas
que se abrem para a parte interior do anel. A construção periférica é dividida em celas, cada uma
ocupando toda a largura da construção. Estas celas têm duas janelas: uma abrindo-se para o interior,
correspondendo às janelas da torre; outra, dando para o exterior, permite que a luz atravesse a cela
P á g i n a | 213
de um lado a outro. Basta então colocar um vigia na torre central e em cada cela trancafiar um louco,
um doente, um condenado, um operário ou um estudante. Devido ao efeito de contraluz, pode-se
perceber da torre, recortando-se na luminosidade, as pequenas silhuetas prisioneiras nas celas da
periferia. Em suma, inverte-se o princípio da masmorra; a luz e o olhar de um vigia captam melhor que
o escuro que, no fundo, protegia. […] As mudanças econômicas do século XVIII tornaram necessário
fazer circular os efeitos do poder por canais cada vez mais sutis, chegando até os próprios indivíduos,
seus corpos, seus gestos, cada um de seus desempenhos cotidianos. Que o poder, mesmo tendo uma
multiplicidade de homens a gerir, seja tão eficaz quanto se ele se exercesse sobre um só. […] Bentham
[…] coloca o problema da visibilidade, mas pensando em uma visibilidade organizada inteiramente em
torno de um olhar dominador e vigilante. Ele faz funcionar o projeto de uma visibilidade universal, que
agiria em proveito de um poder rigoroso e meticuloso.
78 – (UFPR – 2020)Eis como ainda no início do século XVII se descrevia a figura ideal do soldado. O
soldado é antes de tudo alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais naturais de seu vigor e
coragem, as marcas também de seu orgulho: seu corpo é o brasão de sua força e de sua valentia. [...]
Na segunda metade do século XVIII, o soldado tornou-se algo que se fabrica; de uma massa informe,
de um corpo inapto, fez-se a máquina de que se precisa; corrigiram-se aos poucos as posturas;
lentamente uma coação calculada percorre cada parte do corpo, se assenhoreia dele, dobra o conjunto,
torna-o perpetuamente disponível e se prolonga, em silêncio, no automatismo dos hábitos.
(FOUCAULT, Michel. Os corpos dóceis. In: FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes,
1999, p. 162.)
Levando em conta essa passagem e a obra em que está inserida, é correto afirmar que, para Michel
Foucault, instituições como escolas, quartéis, hospitais e prisões são exemplos de espaços em que, a
partir do século XVIII, os indivíduos:
79 – (Unesp – 2021)O tema do mal, em Hannah Arendt, não tem como pano de fundo a malignidade,
a perversão ou o pecado humano. A novidade da sua reflexão reside justamente em evidenciar que os
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seres humanos podem realizar ações inimagináveis, do ponto de vista da destruição e da morte, sem
qualquer motivação maligna. O pano de fundo do exame da questão, em Arendt, é o processo de
naturalização da sociedade ocorrido na contemporaneidade. O mal é abordado, desse modo, na
perspectiva ético-política e não na visão moral ou religiosa. O mal banal caracteriza-se pela ausência
do pensamento. Essa ausência provoca a privação de responsabilidade. O praticante do mal banal não
se interroga sobre o sentido da sua ação ou dos acontecimentos ao seu redor.
Estas reflexões foram causadas pelos eventos e debates dos últimos anos comparados com o
background do século vinte, que se tornou realmente, como Lênin tinha previsto, um século de guerras
e revoluções; um século daquela violência que se acredita 3comumente ser o denominador comum
destas guerras e revoluções. Há, todavia, um outro fator na situação atual que, embora não previsto
por ninguém, é pelo menos de igual importância. O desenvolvimento técnico dos implementos da
violência chegou a tal ponto que nenhum objetivo político concebível poderia corresponder ao seu
potencial destrutivo, ou justificar seu uso efetivo num conflito armado. Assim, a arte da guerra – desde
tempos imemoriais o impiedoso árbitro final em disputas internacionais – perdeu muito de sua eficácia
e quase todo seu fascínio. O “apocalíptico” jogo de xadrez entre as superpotências, ou seja, entre os
que manobram no plano mais alto de nossa civilização, está sendo jogado segundo a regra “se
qualquer um ‘ganhar’ é o fim de ambos”; é um embate sem qualquer semelhança com os outros
embates militares precedentes. Seu objetivo “racional” é intimidação e não vitória, e a corrida
armamentista, já não sendo uma preparação para a guerra, só pode ser justificada agora pela ideia de
que quanto mais intimidação houver maior é a garantia de paz.
(Extraído e adaptado de: Arendt, H. Crises da República. SP: Perspectiva, 2017.)
a) Para a filósofa Arendt, o século XX, de guerras e revoluções como previu Lênin, foi o século mais
violento da humanidade.
b) Para a autora, a resolução dos conflitos armados dispensa objetivos políticos que não justifiquem o
uso de material bélico tecnológico.
c) Segundo a filósofa, a arte da guerra perdeu sua eficácia porque ficou esquecida pelos tempos
imemoriais e consequentemente perdeu seu fascínio.
d) As superpotências internacionais são responsáveis, segundo a pensadora, por garantir a civilização
no seu plano mais alto.
e) Segundo a filósofa alemã, Hannah Arendt, o que move os embates violentos contemporâneos é a
demonstração de força por intimidação.
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1. A autora não concorda com o político russo, Lênin, acerca da aval iação que ele fez a respeito da
violência do século XX.
2. Segundo Arendt, existe um fator relativo à belicosidade e à violência na atualidade que não foi
considerado pelo político russo.
3. Há, no jogo de poder das superpotências, um objetivo político cuja racionalidade é a corrida
armamentista e a busca da superioridade majoritária.
82 – (UFPR – 2022) Segundo Hannah Arendt, "para os gregos, forçar alguém mediante violência,
ordenar ao invés de persuadir, eram modos pré-políticos de lidar com as pessoas, típicos da vida fora
da polis, característicos do lar e da vida em família, na qual o chefe da casa imperava com poderes
incontestes e despóticos”.
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Trad. Celso Lafer. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1997, p. 36.)
Considerando a passagem acima e a obra de que foi extraída, segundo H. Arendt, para os gregos
antigos:
83 – (UFPR – 2022)Em A Condição Humana, Hannah Arendt observa que o pensamento político dos
gregos antigos estava baseado na distinção bem demarcada entre a esfera pública (a Cidade) e a
privada (a família), e que no mundo moderno essa distinção deixou de ser clara. Assinale a alternativa
que, de acordo com a autora, explica essa mudança.
Gabarito
1- A 31- E 61- E
2- D 32- E 62- E
3- D 33- A 63- B
4- A 34- E 64- E
5- A 35- E 65- C
6- D 36- D 66- B
7- B 37- D 67- D
8- A 38- B 68- E
9- C 39- D 69- B
10- A 40- B 70- E
11- C 41- E 71- C
12-C 42- B 72- A
13- E 43- C 73- E
14- A 44- D 74- C
15- D 45- E 75- A
16- C 46- B 76- E
17- C 47- D 77- A
18- B 48- C 78 - E
19- D 49- B 79 - B
20- D 50- B 80 - E
21- B 51- D 81 - B
22- B 52- D 82 - E
23- D 53- E 83 - A
24- C 54- B
25- B 55- C
26- D 56- B
27- D 57- A
28- A 58- A
29- A 59- B
30- E 60- E
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Bibliografia:
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da Filosofia: Filosofia pagã antiga. São Paulo, 2009.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da Filosofia: Patrística e Escolástica. São Paulo,
2009.
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2009.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da Filosofia: De Spinoza a Kant. São Paulo, 2009.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da Filosofia:Do Romantismo ao Empiriocriticismo.
São Paulo, 2009.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da Filosofia: De Nietzsche à Escola de FrankfurtSão
Paulo, 2009.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dário. História da Filosofia: De Freud à atualidade. São Paulo, 2009.