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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

RELATÓRIO DE ESTÁGIO E
MONOGRAFIA

MESTRADO EM ANÁLISES CLÍNICAS

HELENA ISABEL COELHO LIMA

2016
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

RELATÓRIO DE ESTÁGIO

MESTRADO EM ANÁLISES CLÍNICAS


ORIENTAÇÃO: DOUTORA MARGARIDA CAROCHO
HELENA ISABEL COELHO LIMA

2016
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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

RESUMO
O presente relatório de estágio descreve as actividades desenvolvidas durante o
estágio curricular em Análises Clínicas, realizado no Laboratório SOERAD, em Torres
Vedras, nas áreas de Bioquímica Clínica, Hematologia, Imunologia e Gasimetria.
Durante o período de estágio, que teve duração de seis meses, desenvolvi uma
série de aptidões que incluem aptidões interpretativas, através da análise e resolução de
casos clínicos, aptidões sociais a partir do contacto directo com os utentes e com as
técnicas superiores que muito me ajudaram e que sempre se mostraram disponíveis para
esclarecerem as minhas dúvidas, e aptidões técnicas através do manuseio dos aparelhos
automáticos e da realização de procedimentos das técnicas manuais.
Na área da Bioquímica Clínica tive a oportunidade de proceder à determinação
de vários parâmetros químicos, em amostras de plasma, soro, urina, e outros líquidos
biológicos, com recurso ao aparelho automático RX Daytona e à realização de técnicas
manuais, nomeadamente a pesquisa de sangue oculto nas fezes.
Na área da Hematologia realizei o estudo dos vários componentes constituintes
do sangue, da coagulação, e da velocidade de sedimentação eritrocitária, com recurso
aos aparelhos automáticos Sysmex XT-1800i, Sysmex CA-500 e Sediplus S2000,
respectivamente, e aperfeiçoei técnicas manuais como são exemplos a coloração das
lâminas dos esfregaços sanguíneos, o teste de imumofenotipagem sanguínea do sistema
ABO e Rh, e a contagem dos reticulócitos.
Na área de Imunologia procedi à determinação automática dos parâmetros CK-
MB e Troponina I, e à realização de técnicas manuais, nomeadamente VDRL-RPR,
Monoteste, pesquisa de canabinóides na urina, e o teste imunológico da gravidez.
Por fim na área da gasimetria estudei a avaliação do pH e dos gases do sangue
arterial, através da determinação do pH, da concentração do ião bicarbonato, da pressão
parcial de dióxido de carbono, do excesso de bases, da pressão parcial de oxigénio, da
saturação do oxigénio, e da concentração das várias fracções de hemoglobina, pelo
aparelho automático Rapidpoint 400.
Durante o presente estágio também foram observadas as fases pré e pós-analítica
através da assistência de colheitas de amostras biológicas no posto de colheitas Doutora
Isabel Tinoco, e através da visualização, validação e interpretação de boletins de
resultados.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

ABSTRACT
The present internship report describe the activities developed during the
traineeship in Clinical Analysis, that was developed in SOERAD Laboratory, in Torres
Vedras, on the areas of Clinical Biochemistry, Hematology, Immunology and
Gasometry.
During the traineeship, which lasted six months, I developed several skills,
which include interpretative skills, by analyzing and solving clinical cases, social skills
through the direct contact with the patients and with the clinical technicians that help me
a lot and always answer to my questions, and technical skills by handling the auto-
analyzers and by performing manual procedures.
In the Clinical Biochemistry area I had the opportunity to make the
determination of several parameters on plasma, serum, urine and other fluids, using the
RX Daytona auto-analyzer and performing manual procedures as the fecal occult blood
test.
In the Hematology area I accomplished the study of several components of the
blood, the study of coagulation and the study of erythrocyte sedimentation rate, using
the Sysmex XT-1800i, Sysmex CA-500, and Sediplus S-2000 auto-analyzers,
respectively, and I improved some manual procedures like staining of slides of blood
smears, the immunophenotyping test ABO and Rh system, and the reticulocytes count.
In the Immunology area I preceded the automatic determination of CK-MB and
Troponin I, using the auto-analyzer Mini-Vidas, and I perform manual procedures that
include VDRL-RPR test, Monotest, screen test of cannabinoids in urine and the immune
pregnancy test in urine.
Finally in the gasometry area I studied the evaluation of pH and gases on the
arterial blood, trough determination of pH, concentration of bicarbonate ion, carbon
dioxide partial pressure, base excess, oxygen partial pressure, oxygen saturation, and
concentration of the hemoglobin fractions, in the Rapidpoint 400 auto-analyzer.
During the traineeship, the pre and pos-analytical phase were also observed by
watching biological samples crops, in the crops post Isabel Tinoco Doctor, and by
visualization, validation and interpretation of results sheets.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

ÍNDICE

Introdução e Descrição do local de estágio……………………………………………….. 7

1. Fase pré-analítica………………………………………………………………………. 9

1.1. Colheita de amostras biológicas………………………………………………….. 10

1.2.Triagem…………………………………………………………………………… 15

2. Fase analítica…………………………………………………………………………… 17

2.1. Bioquímica Clínica……………………………………………………………….. 18

2.1.1. Técnicas automatizadas……………………………………………………… 18


2.1.1.1. Fundamentação teórica dos métodos utilizados pelo aparelho RX
19
Daytona……………………………………………………………………………………
2.1.1.2. Valores de sensibilidade e linearidade dos métodos utilizados na
28
determinação de cada parâmetro…………………………………………………………..
2.1.1.3. Importância biológica da determinação dos diferentes parâmetros
31
bioquímicos………………………………………………………………………..............
2.1.1.4. Análise sumária urina II…………………………………………............. 59

2.1.2. Técnica manual……………………………………………………………… 79

Pesquisa de sangue oculto nas fezes……………………………………………... 79

2.2. Hematologia……………………………………………………………………… 80

2.2.1. Técnicas automatizadas……………………………………………………… 80

2.2.1.1. Estudo dos elementos figurados do sangue……………………………… 80


2.2.1.2. Descrição dos métodos utilizados pelo aparelho automático Sysmex
81
XT-1800i…………………………………………………………………………………..
2.2.1.3. Índices eritrocitários……………………………………………………... 84

2.2.1.4. Alterações da linhagem eritrocitária…………………………………….. 86

2.2.1.5. Alterações da linhagem leucocitária…………………………………….. 91

2.2.1.6. Alterações da linhagem megacariocítica………………………………… 100

2.2.1.7. Estudo da coagulação……………………………………………............. 104

2.2.1.8. Determinação da velocidade de sedimentação eritrocitária……………... 109

2.2.2. Técnicas manuais……………………………………………………………. 112


Realização de esfregaços de sangue periférico e Coloração de May-Grünwald-
112
Giemsa……………………………………………………………………………………..
Contagem manual de reticulócitos………………………………………….......... 113

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Determinação do grupo sanguíneo – Sistemas ABO e Rhesus…………………... 114

2.3. Imunologia……………………………………………………………………….. 118

2.3.1. Técnicas automatizadas…………………………………………………........ 118

2.3.1.1. Significado clínico do CK-MB………………………………………….. 119

2.3.1.2. Significado clínico da Troponina I………………………………………. 120

2.3.2. Técnicas manuais……………………………………………………………. 122

Monoteste……………………………………………………………………........ 121
VDRL (Veneral Disease Research Laboratory) – RPR (Rapid Plasma
121
Reagin)…………………………………………………………………………………….
Diagnóstico imunológico da gravidez (DIG)…………………………………….. 123

Pesquisa de canabinóides na urina……………………………………………….. 124

2.4. Gasimetria……………………………………………………………………....... 127

3. Controlo de qualidade…..……………………………………………………………… 139

3.1. Controlo de qualidade interno..……………………………………………........... 139

3.2. Avaliação externa da qualidade…..………………………………………………. 143

4. Fase pós-analítica……………….…………………………………………………........ 145

5. Conclusão………………………………………………………………………………. 147

6. Bibliografia…………………………………………………………………….............. 148

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INTRODUÇÃO E DESCRIÇÃO DO LOCAL DE ESTÁGIO

Nos últimos anos, o laboratório de análises clínicas tem desempenhado um papel


cada vez mais importante no diagnóstico e monitorização de patologias, na avaliação de
factores de risco, no controlo de pandemias, epidemias e bioterrorismo, e no controlo
dos efeitos ambientais na saúde pública.
A aposta na educação e formação de pessoal qualificado torna-se, assim,
fundamental para a obtenção de resultados de qualidade, em tempo útil e em condições
económicas e financeiras razoáveis. Neste âmbito, o mestrado em Análises Clínicas
proporciona uma sólida formação, teórica e prática na realização e validação de técnicas
laboratoriais aplicadas à prevenção, diagnóstico e monitorização de doenças.
Este curso é composto por três semestres de formação teórica, através da
assistência de aulas teóricas e laboratoriais, e por um semestre de formação prática,
através da realização de um estágio curricular num laboratório de análises clínicas, e
pela elaboração do relatório de estágio.
O Hospital SOERAD foi o local escolhido para a realização do meu estágio
curricular integrado no plano de estudos do Curso de Mestrado em Análises Clínicas da
Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. A principal razão que esteve na base
da minha escolha é a relação de proximidade entre o laboratório e o doente que o
ambiente hospitalar proporciona, permitindo conhecer a história clínica do doente,
relacionar os resultados dos exames laboratoriais com outros exames complementares
de diagnóstico e com a observação feita pelo clínico para se chegar a um diagnóstico, e
por fim acompanhar a evolução dos doentes. Também a pequena dimensão do
laboratório permite acompanhar todo o percurso das várias e diferentes amostras, desde
a sua colheita até à saída do boletim de resultados.
Situado actualmente na Rua Cândido dos Reis, na zona norte de Torres Vedras, a
SOERAD começou por ser uma clínica prestadora de serviços de radiologia geral. Ao
longo de três décadas foi crescendo e aumentando os serviços médicos prestados,
culminando na construção do Hospital que se iniciou em 2009 e findou em 2013.
O Hospital SOERAD é então um espaço que resultou de uma ideia ambiciosa de
juntar no mesmo espaço físico os melhores cuidados de saúde acessível a todos através
da oferta de um elevado número de serviços médicos, com instrumentos de tecnologia
de ponta, e com uma óptima relação custo/benefício. Possui quartos de internamento,
blocos operatórios, serviço de atendimento permanente, consultas em mais de vinte

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especialidades, espaços para a realização de um vasto leque de exames médicos,


avançadas infra-estruturas de medicina física e de reabilitação (que inclui piscina de
hidroterapia, dois ginásios e doze boxes de tratamento), auditório, salas de reunião e
formação, zona de restauração, loja de produtos ortopédicos e parque de estacionamento
subterrâneo.
O laboratório SOERAD está instalado no interior do Hospital, encontra-se sob a
direcção técnica da Doutora Margarida Carocho e da Doutora Catarina Machado, e
possui uma parceria com o Laboratório Doutora Isabel Tinoco situado em Lisboa.
O laboratório é constituído por várias secções que incluem a triagem, o sector da
Química analítica, o sector de Hematologia, o sector de Imunologia, e o sector da
Gasimetria. A grande maioria das análises é feita através do recurso a equipamentos
automáticos, no entanto ainda se realizam muitas técnicas manuais, que serão descritas
mais à frente.
As amostras que chegam ao laboratório provêm de vários postos de colheita que
incluem o posto de colheitas Doutora Isabel Tinoco, o posto de colheitas SOERAD, o
serviço de atendimento permanente que está aberto 24h todos os dias, e os serviços de
internamento.
As amostras provenientes do posto de colheita SOERAD, do atendimento
permanente e do serviço de internamento são analisadas no laboratório, com excepção
de alguns parâmetros, como são exemplos as hormonas tiroideias (TSH, T3, T4),
albumina, hemoglobina glicosilada A1C (HbA1C), proteínas totais e a grande maioria
das análises pertencentes à secção de imunologia, nomeadamente a pesquisa de
anticorpos e antigénios, cuja análise é feita no Laboratório Doutora Isabel Tinoco, em
Lisboa. Também neste laboratório são analisadas todas as amostras provenientes do
posto de colheitas Doutora Isabel Tinoco. Existem ainda amostras que são enviadas para
o Laboratório Doutor Joaquim Chaves e para o CERBA pois são parâmetros raramente
pedidos e que por essa razão, financeiramente, não se justifica a aquisição dos kits. Um
exemplo é o doseamento dos D-dímeros, que se realiza no laboratório Doutor Joaquim
Chaves, e o doseamento do Ácido vanilmandélico e do 17-Hidroxicorticosteróides
realizado no CERBA.

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1. FASE PRÉ-ANALÍTICA

A fase pré-analítica engloba os processos de marcação dos exames, a recolha de


informação sobre a preparação do utente, a inscrição do utente, a recolha e preparação
das amostras biológicas e o seu transporte para o laboratório. É considerada a fase mais
importante das análises clínicas pois é onde ocorrem a maior percentagem de erros que
afectam a fase analítica e dificultam a interpretação e validação dos resultados. Os
principais erros da fase pré-analítica que levam à rejeição das amostras incluem a perda
de amostras ou da requisição médica, a má preparação do utente, como por exemplo o
utente não estar em jejum, a incorrecta identificação da amostra devido por exemplo à
troca dos códigos de barras dos tubos, a má conservação das amostras biológicas, o
transporte incorrecto das amostras, a recolha de quantidade de sangue insuficiente
causando um desequilíbrio na razão sangue/anticoagulante, a contaminação de
amostras, e a obtenção de amostras não conforme como são exemplos as amostras
hemolisadas, lipémicas ou contendo coágulos.
É assim muito importante o estabelecimento de regras e procedimentos que
visam avaliar, monitorizar e melhorar todas as etapas constituintes da fase pré-analítica.
Em consequência têm sido criados indicadores de qualidade da fase pré-analítica, que
são informações de natureza qualitativa ou quantitativa que permitem avaliar os
processos constituintes da fase pré-analítica, sendo uma ferramenta útil para destacar os
processos mais críticos, analisar e resolver as principais causas de não conformidades,
diminuir os erros da fase pré-analítica e melhorar o desempenho do laboratório. Na
tabela 1 estão descritos exemplos de indicadores de qualidade da fase pré-analítica.

Tabela 1 – Indicadores da fase pré-analítica.


Indicadores da fase pré-analítica
Percentagem de credenciais contendo identificação errada do utente
Percentagem de análises requisitadas não legíveis
Percentagem de amostras mal identificadas
Percentagem de amostras colhidas para os tubos errados
Percentagem de amostras conservadas e transportadas incorrectamente
Percentagem de amostras hemolisadas, lipémicas e contendo coágulos
Percentagem de amostras com razão incorrecta entre o volume de sangue e
anticoagulante

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No entanto a utilização destes indicadores é um processo muito moroso e ainda


não está estandardizado, na medida em que o método e o período de recolha de dados
ainda não estão definidos, não permitindo assim comparar dados inter-laboratoriais.
Porém a observação da diminuição de ocorrência de erros da fase pré-analítica, da
diminuição de gastos que estes erros acarretam e da diminuição de repetições de
operações desnecessárias causadas pela ocorrência destes erros demostram que as
desvantagens apresentadas são largamente superadas, evidenciando deste modo a
importância da implementação dos indicadores na melhoria da qualidade dos resultados
obtidos.

1.1. COLHEITAS DE AMOSTRAS BIOLÓGICAS

Após a marcação dos exames e a inserção das análises prescritas na credencial


médica do utente no sistema informático MAXDATA, procede-se à colheita dos
produtos biológicos. Existem uma grande variedade de amostras biológicas que podem
ser analisadas.
As amostras que mais comumente aparecem no laboratório e que são analisadas
nas áreas descritas no presente relatório de estágio são o sangue, a urina tipo II, a urina
aleatória, a urina de vinte e quatro horas (urina 24h), e as fezes.
Na fase da colheita das amostras biológicas, para além da realização correcta dos
procedimentos de colheita, conservação e transporte das mesmas, é muito importante
também a redacção de questões a serem feitas a todos os utentes de forma a confirmar
se o nome, a data de nascimento e os contactos presentes na ficha de inscrição estão
correctos e se correspondem ao utente presente na sala; tomar conhecimento de
possíveis patologias pré-existentes, terapêuticas que possam estar submetidos ou a
prática de exercício físico; e saber se o utente se encontra em jejum, para o caso de não
estar e de ser necessário, avisá-lo para voltar noutro dia. No acto das colheitas
biológicas é também importante pedir ajuda a um colega mais experiente caso a colheita
esteja a ser difícil; no caso das urinas de 24h perguntar ao utente como é que fez a
recolha da urina de modo a saber se a colheita foi correctamente feita, e assim poder
decidir- se se a amostra pode ser aceite ou não; e ter presente nas salas de colheita
tabelas de procedimentos de conservação e transporte dos vários tipos de amostras
biológicas para que estes sejam feitos do modo correcto, de maneira a minimizar a
ocorrência de erros da fase pré-analítica mencionados anteriormente.

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1.1.1. COLHEITA DE SANGUE

O sangue é a amostra biológica mais amplamente requisitada. A sua colheita


deve proceder-se da seguinte maneira: em primeiro lugar deve-se colocar as etiquetas
nos respectivos tubos; em segundo lugar tem que se desinfectar com uma solução
alcoólica a 70% a zona a puncionar e colocar o garrote a uma distância de mais ou
menos um palmo da zona a puncionar; de seguida procura-se qual a melhor veia a
puncionar e introduz-se a agulha; assim que o sangue começa a correr alivia-se o garrote
e colhe-se o sangue para os respectivos tubos; após a colheita faz-se pressão sobre o
local puncionado com o objectivo de parar a hemorragia e agita-se os tubos para
homogeneizar o sangue com o anticoagulante; no final as amostras devem ser
conservadas correctamente, transportadas para o laboratório o mais rápido possível e o
material deve ser descartado para recipientes próprios, nomeadamente o material
contaminado com sangue deve ser colocado em contentores revestidos por sacos de
plástico brancos e as agulhas colocadas em recipientes de plástico rígido devidamente
identificados.
Durante a colheita do sangue é importante ter uma maior atenção a alguns
procedimentos para evitar a colheita de amostras biológicas não conformes, como não
apertar o garrote durante mais de um minuto de modo a evitar que ocorra hemólise,
respeitar a marca de enchimento, especialmente nos tubos com anticoagulante, para
manter a relação amostra/anticoagulante que é essencial para a qualidade dos resultados,
e respeitar uma ordem de distribuição do sangue de modo a evitar contaminações que
podem alterar os resultados obtidos.
No posto de colheita SOERAD são utilizados quatro tipos de tubos
correspondentes ao soro, EDTA, citrato VS e citrato coagulação. Os primeiros tubos
para o qual o sangue deve ser colhido primeiramente são os tubos de citrato
correspondentes aos testes de coagulação e VS pois os testes de coagulação são
fortemente afectados pela presença de aditivos; de seguida o sangue é colhido para os
tubos de soro, que não contém nenhum aditivo, prevenindo a contaminação para os
restantes tubos; por fim o sangue deve ser colectado para os tubos de EDTA uma vez
que o anticoagulante utilizado é responsável por alterar um maior número de parâmetros
como são exemplos o sódio e o potássio, nos quais se vão obter valores falsamente
aumentados, e o cálcio e ferro, nos quais se vão obter resultados falsamente diminuídos.

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1.1.2. COLHEITA DE URINA TIPO II

A colheita da urina tipo II é de execução fácil, sendo geralmente realizada pelo


próprio utente. Neste caso apenas tem que se recolher a primeira urina da manhã e
enviar o mais rapidamente possível para o laboratório. Caso não seja possível é
recomendável guardar a amostra no frigorífico. No caso dos doentes algaliados a
amostra de urina deve ser retirada da junção entre o cateter e o saco colector, nunca do
saco colector, após esvaziamento e higienização sem o uso de antissépticos.
A urina do tipo II é geralmente utilizada para a análise sumária da urina, e por
ser a mais concentrada permite a detecção de analitos que durante o dia podem não estar
presentes ou estarem presentes em baixas quantidades, ou ainda sofrerem variações
significativas durante o dia devido à alimentação ou ao exercício físico.

1.1.3. COLHEITA DE URINA ALEATÓRIA

A urina aleatória é uma amostra biológica que é colhida a qualquer hora do dia,
sendo muito utilizada na determinação da microalbuminúria, e da glicosúria nas provas
de tolerância à glucose oral.
A sua colheita é feita do mesmo modo que a urina tipo II.

1.1.4. COLHEITA DE URINA DE 24H

A urina de 24h é uma amostra biológica utilizada na determinação de analitos


que sofram variações significativas nos seus níveis durante vinte e quatro horas, como
são exemplos a creatinina (amostra biológica muito utilizada no cálculo da depuração da
creatinina), o cortisol e o péptico C.
Para a sua colheita deve-se começar por registar a hora da primeira urina da
manhã do dia em que inicia a colheita. Esta é rejeitada, devendo de seguida recolher
toda a urina excretada durante o dia e noite e a primeira urina da manhã do dia seguinte
à mesma hora do dia anterior, para uma garrafa grande ou garrafão. Durante a colheita
deve-se manter a urina sempre refrigerada. Terminando a colheita deve-se enviar a
amostra o mais rapidamente possível para o laboratório.

1.1.5. COLHEITA DE FEZES

A colheita das fezes é pedida mais comumente para a pesquisa de sangue oculto,
para a pesquisa de ovos, quistos ou parasitas ou para a realização de coprocultura.

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Para a pesquisa de sangue oculto nas fezes e de ovos, quistos ou parasitas, a


colheita deve ser realizada durante três ou seis dias diferentes, nos quais o utente deve
recolher para frascos apropriados, as fezes expelidas espontaneamente e não
contaminadas por urina ou outros fluídos, ou por sangue devido a casos de hemorróidas
ou por outras razões conhecidas. No caso das mulheres, a recolha não deve ser feita
durante o período menstrual. Durante o procedimento, não é necessário a realização de
uma dieta especial, deve-se recolher apenas uma pequena amostra de fezes, não se
devendo encher os frascos, e se presentes, devem ser de partes que contenham sangue,
muco ou pús visíveis. Também os frascos devem ser mantidos no interior das portas do
frigorífico ao abrigo da luz e deve-se entregar as amostras ao laboratório até dois dias
após a colheita.
No caso de suspeita de Enterobius vermicularis (Oxiúros) a técnica da fita
adesiva é a mais recomendável. Nesta situação cola-se fita adesiva nas margens do ânus
sem tocar em material fecal e evacua-se. As amostras preferenciais são as colhidas à
noite, após o início do sono, ou logo pela manhã, antes da realização de qualquer prática
de higiene. No final retira-se as fitas adesivas e cola-se em lâmina de microscopia.
Assim que acabar o procedimento acima referido deve-se enviar imediatamente ao
laboratório.
Para a realização de coprocultura apenas é necessário a recolha de uma amostra
de fezes. Após evacuação retira-se uma pequena amostra de fezes para um frasco
apropriado contendo meio de transporte fornecido pelo laboratório. As fezes recolhidas,
se presentes, devem ser de partes que contenham sangue, muco ou pús visíveis e não
devem estar contaminadas com urina ou água. O volume de amostra não deve ser
superior a um quarto do frasco para que não haja o extravasamento das fezes. No final a
amostra deve ser enviada imediatamente para o laboratório. Caso não seja possível
deve-se guardar as fezes no frigorífico de modo as manter refrigeradas.

1.1.6. PROVA DE TOLERÂNCIA À GLUCOSE ORAL (PTGO)

A prova de tolerância à glucose é um teste utilizado no diagnóstico de Diabetes


Mellitus no qual é realizado o doseamento da glucose, no plasma ou soro e na urina, a
tempos diferentes, após sobrecarga com 75g de glucose, no caso dos adultos, ou com
1,75g/Kg até uma dose máxima de 75g, no caso das crianças.
A Associação Americana dos Diabetes (ADA) não recomenda a realização desta
prova como método de rotina para o diagnóstico de Diabetes Mellitus pois é muito

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inconveniente para o utente, pois é um teste moroso, na medida em que o paciente tem
que ficar na sala de colheitas durante um período de duas horas, requer que sejam
realizadas duas a três (no caso das grávidas) colheitas de sangue com um intervalo de
uma hora, que o utente ingira uma solução aquosa glicosada, e realize uma preparação
prévia na qual deve estar em jejum pelo menos nas últimas 8 a 14 horas, não devendo
porém realizar uma dieta restrita em hidratos de carbono nem diminuir o ritmo de
exercício físico nos três dias que antecedem a prova.
O procedimento geral desta prova inclui o doseamento inicial da glucose na
urina seguida das colheitas de sangue em jejum e após a sobrecarga com glucose. No
entanto o modo de proceder é diferente no caso das grávidas e no caso dos adultos
diabéticos, não diabéticos e não grávidas. No caso das grávidas, o doseamento dos
níveis de glucose no sangue são avaliados em três tempos diferentes, nomeadamente aos
0, 60 e 120 minutos, enquanto os níveis de glucose na urina apenas são determinados no
tempo zero. O primeiro passo é a recolha de sangue para o tubo de soro e a recolha da
primeira urina da manhã para um frasco de urina do tipo II. Nesta última amostra, com a
ajuda de tiras-teste, procede-se à determinação dos níveis de glucose na urina com o
objetivo de se saber se é possível prosseguir a prova ou não. Caso o nível de glicosúria
for inferior a 120 mg/dL pode-se prosseguir a prova, realizando a sobrecarga com 75g
de glucose através da ingestão de um soluto glicosado, que não deve prolongar-se para
além de três minutos. Pelo contrário, caso o nível de glicosúria for superior a 120 mg/dL
não se pode efectuar a sobrecarga com glucose, tendo-se que enviar o sangue para o
laboratório para se proceder ao doseamento da glucose no sangue. Se o nível de glucose
no sangue for inferior a 120 mg/dL pode-se prosseguir a prova, realizando o
procedimento acima referido; caso o nível de glucose no sangue for superior a 120
mg/dL a prova não é executada.
No caso dos indivíduos adultos (diabéticos, não diabéticos e não grávidas) o
procedimento é semelhante ao descrito para o caso das mulheres grávidas com a
diferença de que os níveis de glucose no sangue e urina são determinados aos 0 e 120
minutos.
Tendo como base esta prova, é critério de diagnóstico de Diabetes Mellitus a
obtenção de um valor de glicémia aos 120 minutos após sobrecarga com 75g de glucose
superior ou igual a 200 mg/dL. Pelo contrário se o valor de glicémia aos 120 minutos
após a sobrecarga com 75g de glucose for inferior a 140 mg/dL considera-se que o
utente apresenta um grau normal de tolerância à glucose. Existem ainda casos de

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tolerância diminuída à glucose, em que os níveis de glucose aos 120 minutos após
sobrecarga com 75g de glucose não obedecem aos critérios de diagnóstico de Diabetes
Mellitus e são mais elevados que os considerados de referência, situando-se entre
valores de 140 mg/dL a 199 mg/dL.
No caso das grávidas, o diagnóstico de diabetes gestacional é realizado quando
dois ou mais dos seguintes critérios forem obtidos: valor da glicémia em jejum (tempo
zero) superior a 95 mg/dL; valor da glicémia ao fim de uma hora após sobrecarga com
75g de glucose superior ou igual a 180 mg/dL; ou valor da glicémia ao fim de duas
horas após sobrecarga com 75g de glucose superior ou igual a 155 mg/dL.

1.2. TRIAGEM

A seguir à colheita das amostras biológicas procede-se à sua triagem, a qual é


realizada numa sala anexa ao laboratório. Nesta fase procede-se ao registo das amostras
biológicas entregues, não entregues ou entregues tardiamente no sistema informático,
com o auxílio de um leitor de códigos de barras, ao tratamento das amostras não
conformes, à avaliação da conformidade das amostras de acordo com o Manual de
Colheitas, ao processamento das amostras de acordo com o sector analítico a que
destinam, e à sua distribuição para os vários sectores analíticos do laboratório e dos
laboratórios externos contratados para a realização de análises mais específicas.
Os tubos de soro, EDTA, citrato VS e citrato coagulação são as primeiras
amostras a serem processadas. Os tubos de soro e de citrato coagulação são colocados a
centrifugar a 2500×g durante dez minutos. Importante referir que os tubos de soro
apenas são centrifugados após a retracção do coágulo ocorrer. Depois de centrifugados,
os tubos de citrato coagulação são triados e enviados para o laboratório para a secção de
Hematologia, para a realização das análises. Os tubos de soro são retirados para um
suporte e ordenados numericamente. De seguida são triados e enviados para o
laboratório. No laboratório, apenas as amostras provenientes do posto de colheita
SOERAD são enviadas para a secção da Química analítica. As restantes amostras são
enviadas, em malas refrigeradoras, para os laboratórios externos.
Os tubos de EDTA utilizados na Hematologia e os tubos de citrato utilizados
para o doseamento da velocidade de sedimentação eritrocitária não são centrifugados,
sendo transportados para o laboratório para as respectivas secções após serem triados.
Depois de as amostras de sangue estarem triadas, segue-se a triagem das
amostras de urina seguida das amostras de fezes.

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Nas amostras de urina do tipo II, procede-se primariamente à sua triagem


seguido da recolha de uma amostra de urina para um tubo de plástico para que possa
depois ser analisada pelo aparelho automático.
No caso das amostras de urina aleatória, que são maioritariamente utilizadas
para o doseamento da microalbuminúria, após serem triadas, recolhe-se um volume de
amostra para um tubo de hemólise e envia-se para a secção da Química analítica.
As urinas de 24h são primariamente triadas, seguida da medição manual do seu
volume através da utilização de uma proveta. Por fim recolhe-se uma amostra de urina
para um tubo de vidro, que depois seguirá para o aparelho de Química analítica. No
caso da determinação da depuração da creatinina procede-se à recolha de duas amostras
de urina para dois tubos de vidro, em que um tubo fica guardado no frigorífico no
Laboratório SOERAD enquanto o outro é enviado, juntamente com o soro do doente,
para o Laboratório Doutora Isabel Tinoco em Lisboa onde são calculados os valores de
creatinina no soro e na urina e assim o valor da depuração.
Por fim no caso das amostras de fezes apenas se tem de proceder à sua triagem.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

2. FASE ANALÍTICA

A fase analítica compreende os processos de montagem e validação das técnicas,


de execução das análises e de validação dos resultados. É caracterizada pela ocorrência
da menor percentagem de erros ocorridos em todas as etapas constituintes das análises
clínicas, pois ao longo dos anos tem sofrido maior atenção por parte dos profissionais
por ter sido considerada, durante vários anos, a etapa mais importante. Como
consequência têm sido desenvolvidos métodos e equipamentos com maior
sensibilidade, especificidade, exactidão e precisão, e criados sistemas de controlo de
qualidade, nos quais se inserem os controlos internos de qualidade e os programas de
avaliação externa da qualidade, que permitiram diminuir os erros associados à execução
das técnicas, e assim melhorar a qualidade dos resultados.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

2.1. BIOQUÍMICA CLÍNICA

2.1.1. TÉCNICAS AUTOMATIZADAS

A Bioquímica Clínica é uma das várias secções pertencentes à fase analítica, que
por meio do emprego de metodologias e técnicas químicas, imunológicas e cinéticas,
permite a determinação de uma vasta gama de parâmetros no soro, plasma, urina ou em
outros líquidos biológicos, e a análise sumária da urina do tipo II, possibilitando o
diagnóstico, tratamento e monitorização de processos patológicos.
Na realização das análises químicas é utilizado o auto-analisador RX Daytona da
Randox (figura 1). Este equipamento permite a determinação de vários parâmetros em
várias amostras diferentes como soro, plasma, urina, sobrenadantes e líquido
cefalorraquidiano, através da execução de técnicas de espectrofotometria, cinética
enzimática, potenciometria indirecta e turbidimetria. Apesar de ter capacidade de
efectuar a determinação de um maior número de parâmetros, no laboratório SOERAD
apenas se realizam os seguintes testes: Fosfatase alcalina, Amilase, Alanina
aminotransferase (ALT), Aspartato aminotransferase (AST), Gama glutamil
transpeptidase (γGT), Bilirrubina total, Bilirrubina directa, Bilirrubina indirecta,
Colesterol total, Colesterol HDL (high- density lipoprotein), Colesterol LDL (low-
density lipoprotein), Triglicéridos totais, Creatina cinase (CK-NAC), Creatinina,
Glucose, Lactato desidrogenase (LDH), Ureia, Ácido úrico, Proteína C-Reactiva (PCR),
Imunoglobulinas do tipo A, G e M (IgA, IgG e IgM), Microalbuminúria, Ionograma
(Na+, K+ e Cl-) e iões Cálcio, Ferro, Magnésio e Fósforo inorgânico.

Figura 1 – Aparelho automático da Química Analítica: RX Daytona.

18
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

2.1.1.1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DOS MÉTODOS UTILIZADOS PELO APARELHO

AUTOMÁTICO RX DAYTONA

Espectrofotometria
A espectrofotometria é uma técnica laboratorial, que com recurso a
espectrofotómetros, permite a determinação da concentração de uma solução contendo
cromóforos, que são moléculas com capacidade de absorver radiação, com base na
interacção da matéria com a radiação electromagnética. Nesta técnica faz-se incidir
radiação electromagnética monocromática numa solução, e devido à presença do
cromóforo, parte da energia radiante é absorvida, enquanto a maior parte é transmitida e
reflectida pela superfície da cuvette ou pelo solvente. A energia transmitida é depois
captada e convertida por um fotodetector em energia eléctrica, cuja corrente é
directamente proporcional à energia transmitida. No final a percentagem de energia
transmitida é automaticamente convertida em valores de absorvência, que são exibidos
em algarismos.
Durante a realização desta técnica é necessário utilizar soluções de referência ou
também denominados brancos de amostra, cuja constituição é igual à amostra a analisar
com excepção do cromóforo, de modo a obviar o efeito de absorção de energia pelas
paredes das cuvettes e pelo solvente, fazendo com que a absorção medida corresponda à
diferença entre a energia incidente e transmitida unicamente pela amostra. Existem
ainda situações em que o reagente utilizado absorve energia na mesma região do
espectro electromagnético que a amostra, sendo neste caso necessário utilizar um branco
de reagente de modo a obviar o seu efeito de absorção da energia radiante.
A relação entre a energia absorvida pela solução e a sua concentração é
demonstrada pela Lei de Lambert-Beer na qual a concentração da solução é
directamente proporcional à energia absorvida, à sua absortividade molar (Ɛ) e ao
comprimento do feixe de luz que atravessa a solução (b).
A=Ɛ×b×c

Na tabela 2 estão descritos os parâmetros determinados por espectrofotometria,


os tipos de amostra de biológica em que podem ser determinados, e o método utilizado
na sua análise.

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Tabela 2 – Parâmetros determinados por espectrofotometria e seus respectivos tipos de


amostras, métodos e descrição metodológica.
Parâmetro Amostras Método utilizado Discrição do método
Soro O substrato na presença de
Gama- Substrato L-γ-
Plasma glicilglicina e γGT é convertido
Glutamil glutamil-3-carboxi-
EDTA, em 5-amino-2-nitro-benzoato
transferase 4-nitroanilida
Heparina que absorve a 405 nm.
A bilirrubina total liga-se ao
Soro Reacção entre a
ácido sulfanílico diazotado após
Bilirrubina Plasma bilirrubina total com
adição de cafeína-benzoato,
total EDTA, o ácido sulfanílico
formando-se azobilirrubina que
Heparina diazotado
absorve a 540 nm.
Soro Reacção entre a A bilirrubina directa liga-se ao
Bilirrubina Plasma bilirrubina directa ácido sulfanílico diazotado,
directa EDTA, com o ácido formando-se azobilirrubina que
Heparina sulfanílico diazotado absorve a 570 nm.
Em meio ácido, ocorre a
dissociação do à transferrina e a
Reacção do ferro em
Soro sua redução ao estado ferroso.
estado ferroso com
Ferro Plasma De seguida o ferro no estado
um composto
Heparina ferroso reage com o cromogéneo
cromogéneo
formando-se um cromóforo que
absorve a 546 nm.
Primeiro por acção da uricase o
ácido úrico é convertido a
Soro alantoína e peróxido de
Plasma hidrogénio. De seguida o
EDTA, peróxido de hidrogénio, por
Ácido úrico Uricase
Heparina acção da peroxidase, oxida o
Urina 0,9 TOOS e o 4-aminofenazona,
NaCl formando-se um composto
quinoneimina que absorve a 546
nm.
O substrato é hidrolisado pela
Soro
Fosfatase Substrato para- fosfatase alcalina, na presença de
Plasma
alcalina nitrofenil fosfato iões magnésio, a para-nitrofenol
Heparina
que absorve a 405 nm.
Substrato oligosídeo
Soro
com um
Plasma O substrato é hidrolisado pela α-
agrupamento 4-NP
Amilase Heparina amilase em compostos corados
ligado às suas
Urina 0,9 que absorvem a 415 nm.
extremidades
NaCl
redutoras
Soro
O Arsenazo III liga-se
Plasma
especificamente ao cálcio
Cálcio Heparina Arsenazo III
formando-se um composto
Urina 0,9
corado que absorve a 660 nm.
NaCl
Creatinina Soro Picrato alcalino sem Em meio alcalino a creatinina

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Plasma desproteinização reage com o picrato, formando-


Heparina se um composto corado que
Urina 0,9 absorve a 520 nm.
NaCl
A glucose é oxidada pela
glucose oxidase, formando-se
Soro peróxido de hidrogénio. O
Plasma Glucose oxidase sem peróxido de hidrogénio por
Glucose
Heparina desproteinização acção da peroxidase reage com o
Urina fenol e o 4-aminofenazona
formando-se um composto
corado que absorve a 505 nm.
Em meio alcalino, o magnésio
Soro reage com o azul de xilidil,
Plasma formando-se um composto
Magnésio Heparina Azul de Xilidil corado solúvel cuja intensidade
Urina 0,9 de cor é directamente
NaCl proporcional à concentração de
magnésio presente na amostra.
Os triglicéridos são
primariamente hidrolisados por
lipases. O glicerol resultante, por
acção da glicerol cinase, é
convertido em glicerol-3-fosfato.
Este é oxidado formando-se
Soro peróxido de hidrogénio, que no
Plasma Lipase/Glicerol fim, por acção de peroxidase,
Triglicéridos
EDTA, fosfato oxidase reage com 4-aminofenazona e
Heparina com um composto fenólico,
levando à formação de um
composto corado cuja
intensidade de cor é
directamente proporcional à
concentração de triglicéridos
presente na amostra.
Primariamente o colesterol é
hidrolisado pela colesterol
esterease. De seguida é oxidado
pela colesterol oxidase, levando
à formação de peróxido de
Soro hidrogénio. O peróxido de
Colesterol Plasma hidrogénio no fim, pela acção da
Colesterol oxidase
Total EDTA, peroxidase, reage com o 4-
Heparina aminoantipirina e com o fenol,
formando um composto corado
cuja intensidade é directamente
proporcional à concentração de
colesterol total presente na
amostra.
Colesterol Soro Detergente selectivo Ocorrem dois passos reaccionais

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

HDL Plasma HDAOS distintos: no primeiro passo


EDTA, ocorre a eliminação das
Heparina quilomicras, colesterol-VLDL e
colesterol-LDL por acção da
colesterol esterease, seguida da
oxidação do colesterol pela
colesterol oxidase e da acção da
catalase. No segundo passo
ocorre o doseamento do
colesterol-HDL após a sua
libertação devido à acção de um
detergente selectivo. Após a
acção da colesterol esterease e
colesterol oxidase, o peróxido de
hidrogénio, por acção da
peroxidase, reage com o 4-
aminofenazona e HDAOS,
formando-se um composto
corado que absorve a 600 nm e
cuja intensidade é directamente
proporcional à concentração de
colesterol-HDL presente na
amostra.
Calculado através da fórmula de
Friedwald: LDL (mg/dL) =
Soro Colesterol total –
Colesterol Plasma (Triglicéridos/5 + Colesterol-
-
LDL EDTA, HDL). Porém esta fórmula é
Heparina inválida no caso do valor dos
triglicéridos for superior a 400
mg/dL.
O fósforo inorgânico, na
presença de ácido sulfúrico,
reage com o molibdato de
Soro amónia para formar um
Fósforo Plasma EDTA complexo fosfomolibdato que
Fosfomolibdato
inorgânico Urina 0,9 absorve a 340 nm e cuja
NaCl intensidade é directamente
proporcional à concentração de
fósforo inorgânico presente na
amostra.

Cinética enzimática
Os métodos de cinética enzimática aplicados à clínica permitem determinar a
actividade catalítica das enzimas com utilidade diagnóstica e, deste modo, com base nas
alterações das suas actividades, concluir acerca da localidade e natureza de situações
patológicas.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Esta técnica tem como fundamento a medição espectrofotométrica do aumento


da concentração de um produto, da diminuição da concentração de um substrato ou da
diminuição ou aumento da concentração de uma coenzima, produzidos num intervalo de
tempo definido, resultante de uma reacção enzimática realizada em condições de
temperatura e pH óptimos e na presença de excesso de substrato ou coenzima. Nestas
condições a velocidade de reacção depende unicamente da quantidade de enzima
presente no sistema reaccional, sendo independente da concentração do substrato.
Nestes casos diz-se que a reacção segue a cinética de grau ou ordem zero.
Existem vários métodos a partir dos quais é possível medir a quantidade de
variação produzida pelas enzimas, como são exemplos os métodos de monitorização a
tempo fixo e o método de monitorização contínua. As reacções enzimáticas,
monitorizadas a tempos fixos, medem a quantidade de variação produzida pelas enzimas
após paragem da reacção ao fim de um intervalo de tempo fixo, enquanto o segundo
método mede a quantidade de variação produzida pelas enzimas em intervalos de tempo
frequentes ou através da monitorização contínua da marcha da reacção.
Os autores da literatura recomendam o uso sempre que possível do método de
monitorização contínua pois é mais fácil e rápido observar um desvio da linearidade
entre a velocidade de reacção e a quantidade de enzima característico das reacções
cinéticas de grau zero. No método de tempo fixo também é possível detectar o desvio à
linearidade, no entanto é necessário realizar a determinação da absorvência a vários
intervalos de tempo, o que implica um maior gasto de amostra e tempo.
As unidades da actividade catalítica de uma enzima correspondem à medida da
velocidade da reacção, que é definida como a quantidade de substrato consumido ou de
produto formado por unidade de tempo. Visto que a quantidade de substrato consumido
ou produto formado pode ser representada em várias unidades, a Comissão de Enzimas
da União Internacional de Bioquímica, de modo a uniformizar os resultados
quantitativos, propôs a criação da Unidade Internacional (U ou UI) como unidade de
actividade enzimática. Esta é definida como a quantidade de enzima que catalisa a
reacção de um micromol (µmol) de substrato por minuto em determinadas condições de
pH, temperatura, natureza do substratos, força iónica e concentração dos activadores.
Assim o valor da actividade catalítica de uma enzima é expressa em U ou UI e a
concentração enzimática é expressa em unidades internacionais por litro (U/L) ou
miliunidades internacionais por litro (mU/L).

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Na tabela 3 estão descritos os parâmetros determinados por cinética enzimática,


os tipos de amostra de biológica em que podem ser determinados, e o método utilizado
na sua análise.

Tabela 3 – Parâmetros determinados por cinética enzimática e suas respectivas amostras,


métodos e descrição metodológica.
Tipos de
Parâmetro Método utilizado Descrição do método
amostras
A creatina cinase vai
converter a fosfato creatina
em creatina e ATP. O ATP
por acção da hexocinase vai
fosforilar a glucose,
formando-se glucose-6-
fosfato. No fim, por acção da
Soro desidrogenase, ocorre a
NAC (N-acetil-L-
Creatina cinase Plasma EDTA, conversão da glucose-6-
cisteína)
Heparina fosfato em gluconato-6-
fosfato com a concomitante
redução do NADP+ a
NADPH, que pode ser
monitorizada a 340 nm. O
cálculo da actividade da CK é
realizado a partir da fórmula
U/l = 8095 × ΔA340 nm/min.
Na presença de ALT o α-
oxoglutarato reage com a L-
alanina para formar L-
glutamato e piruvato. O
piruvato é depois reduzido
pela lactato desidrogenase em
Soro Tampão Tris sem
Alanina L-lactato enquanto o
Plasma EDTA, piridoxal -5’-
aminotransferase coenzima NADH é oxidado a
Heparina fosfato (P’-5-P’)
NAD+. A consequente
redução da absorvência é
monitorizada a 340 nm e é
directamente proporcional à
actividade da enzima presente
na amostra.
Na presença de AST o α-
oxoglutarato reage com o L-
aspartato para formar L-
Soro Tampão Tris sem glutamato e oxaloacetato. O
Aspartato
Plasma EDTA, piridoxal -5’- oxaloacetato é depois
aminotransferase
Heparina fosfato (P’-5-P’) reduzido pela malato
desidrogenase em L-malato,
enquanto o coenzima NADH
é oxidado a NAD+. A

24
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

consequente redução de
absorvência é monitorizada a
340 nm e é directamente
proporcional à actividade da
enzima presente na amostra.
A lactato desidrogenase
converte o piruvato em L-
lactato enquanto o NADH é
oxidado a NAD+. A
Soro
Lactato consequente redução da
Plasma EDTA, Piruvato a lactato
desidrogenase absorvência é monitorizada
Heparina
espectrofotometricamente a
340 nm e é directamente
proporcional à actividade da
enzima presente na amostra.
A ureia é hidrolisada pela
urease levando à formação de
amónia e dióxido de carbono.
A amónia reage com o α-
oxoglutarato e este na
presença de glutamato
Soro
desidrogenase é reduzido a L-
Plasma
Ureia Urease glutamato enquanto o NADH
Heparina
é oxidado a NAD+. A
Urina
consequente redução da
absorvência é monitorizada
espectrofotometricamente a
340 nm e é directamente
proporcional à concentração
de ureia presente na amostra.

Turbidimetria
A turbidimetria é um método utilizado na medição da luz dispersa, no qual o
aumento da turvação, causada pela presença de partículas em suspensão, de uma dada
amostra causa uma diminuição da intensidade da radiação incidente devido à sua
dispersão, reflexão e absorção.
A turbidimetria, à semelhança da espectrofotometria, é a medida da luz
transmitida pela solução após incidência de radiação, sendo medida a um ângulo de
180ᴏ em relação à luz incidente. É determinada com recurso a espectrofotómetros ou
analisadores de química clínica automatizados e depende não só da concentração das
partículas em suspensão mas também do seu tamanho.
Assim, na imunoturbidimetria, após ocorrer a ligação antigénio-anticorpo, vai
haver a formação de complexos, que são insolúveis, e que após incidência de energia
radiante, causam a sua dispersão. No fim, a determinação da concentração destes
25
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

complexos é realizada através da construção de curvas de calibração a partir de soluções


padrão de concentração conhecida. Como alternativa, a concentração dos complexos
antigénio-anticorpo também pode ser determinada através de ensaios cinéticos, em que
a formação dos complexos é acompanhada e monitorizada turbidimetricamente. O
ponto em que não se detectar formação de complexo antigénio-anticorpo é determinado
e é directamente proporcional à concentração de antigénio ou anticorpo presente na
amostra em estudo.
Na tabela 4 estão descritos os parâmetros determinados por imunoturbidimetria,
os tipos de amostra de biológica em que podem ser determinados, e o método utilizado
na sua análise.

Tabela 4 – Parâmetros determinados por imunoturbidimetria e suas respectivas amostras,


métodos e descrição metodológica.
Parâmetros Tipos de amostras Descrição do método
A adição da amostra de soro ou plasma
a partículas de latex revestidas por
anticorpos anti-PCR vai causar a
Soro formação de complexos anticorpo-
Proteína C Reactiva Plasma EDTA, antigénio que podem ser determinados
Heparina, Citrato turbidimetricamente a 570 nm e com o
auxílio de uma curva de calibração
construída a partir de soluções padrão
de concentração conhecida.
A adição da amostra de soro ou plasma
a um anti-soro específico para cada
IgA imunoglobulina vai causar a formação
Soro de precipitados que podem ser
IgM Plasma Heparina determinados turbidimetricamente a 340
nm e com o auxílio de uma curva de
IgG calibração construída a partir de
soluções padrão de concentração
conhecida.
A adição da amostra de urina a uma
solução contendo anticorpos específicos
de albumina sérica humana vai causar a
formação de precipitados que podem ser
Urina de 24h ou
Microalbumina determinados turbidimetricamente a 340
aleatória
nm e com o auxílio de uma curva de
calibração construída a partir de
soluções padrão de concentração
conhecida.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Potenciometria indirecta
A determinação da concentração dos iões sódio, potássio e cloro nos fluidos
biológicos (soro, plasma e urina) é realizada com recurso à tecnologia ISEs, que tem
como princípio o uso de eléctrodos selectivos iónicos. Neste método a passagem dos
iões pelos respectivos eléctrodos vai causar a geração de um potencial cujo valor é
determinado em relação a um eléctrodo de referência, e varia logaritmicamente com a
concentração iónica, de acordo com a equação de Nernst:
RT log (μC)
E = Eᵒ + nF

Em que E é o potencial gerado pela amostra; Eᵒ é o potencial gerado pela


amostra desenvolvido em condições padrão; RT/nF é uma constante; µ é o coeficiente
da actividade dos iões da amostra; e C é a concentração iónica que se pretende
determinar.
O módulo ISEs incorporado no auto-analisador RX Daytona permite a
determinação da concentração dos iões sódio, potássio e cloro, e possui três eléctrodos
correspondentes a cada ião e um eléctrodo de prata/cloreto de prata correspondente ao
eléctrodo de referência.
A concentração iónica vai ser então igual à diferença dos potenciais gerados pela
passagem nos eléctrodos de sódio, potássio e cloro, da amostra e do Calibrador A, que é
uma solução de potencial e concentração iónicos conhecidos. Sabendo que a diferença
dos dois potenciais varia logaritmicamente com o quociente da concentração dos iões
sobre a concentração dos iões no calibrador, e sabendo que os valores do potencial e
concentração iónica presentes no Calibrador A são conhecidos, através da equação
derivante da equação de Nernst apresentada em (1), é possível determinar a
concentração iónica da amostra:

(1) E - Eᵒ = S log (CX/CS)

Em que E é o potencial ISE gerado pela amostra; Eᵒ é o potencial ISE gerado


pelo Calibrador A; S é o declive da curva de calibração obtido durante a calibração com
o Calibrador A e B que possuem níveis de sódio, potássio e cloro conhecidos; CX é a
concentração iónica da amostra; CS é a concentração iónica do Calibrador A.

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2.1.1.2. VALORES DE SENSIBILIDADE E LINEARIDADE DOS MÉTODOS UTILIZADOS


NA DETERMINAÇÃO DE CADA PARÂMETRO

Na tabela 5 estão representados os valores de referência de todos os parâmetros


analisados no sector da Química Analítica, os valores de sensibilidade e linearidade dos
métodos utilizados na sua análise e alguns factores que interferem na sua determinação,
podendo originar resultados que não correspondem à realidade.

Tabela 5 – Representação dos valores de referência, sensibilidade, linearidade e factores


interferentes dos métodos utilizados na determinação dos vários parâmetros da Química Analítica.

Sensibilidade Linearidade Interferentes


Parâmetro Valores de referência
do método do método do método
Soro Homem: 11-50
Gama-Glutamil Hemólise
U/L 3,90 U/L 1297 U/L
transferase Lipémia
Soro Mulher: 7-32 U/L
Hemólise
Lipémia
Bilirrubina total Soro: < 1 mg/dL 0,025 mg/dL 29 mg/dL
Exposição à
luz
Hemólise
Bilirrubina Lipémia
Soro: < 0,25 mg/dL 0,024 mg/dL 8,1 mg/dL
directa Exposição à
luz
Soro Homem: 59 –
158 µg/dL
Ferro 33,6 µg/dL 3309 µg/dL Hemólise
Soro Mulher: 37 - 145
µg/dL
Soro Homem: 3,4-7,0
mg/dL Soro: 0,35
Soro Mulher: 2,4-5,7 mg/dL Hemólise
Ácido úrico 23,1 mg/dL
mg/dL Urina: <2,18 Lipémia
Urina 24h: 250-750 mg/dL
mg/24h
Soro Homem: 30-90
U/L
Soro Mulher até 60
Fosfatase anos: 30-80 U/L Hemólise
18 U/L 843 U/L
alcalina Soro Mulher com mais Lipémia
de 60 anos: 30-90 U/L
Soro Crianças: 47 –
406 U/L
Soro: < 95 U/L
Urina: < 490 U/L
Amilase 17,9 U/L 880 U/L Hemólise
Urina 24h: < 450
U/24h
Cálcio Soro: 8,10 - 10,4 Soro: 0,36 Soro: 17,24 Hemólise

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mg/dL mg/dL mg/dL


Urina 24h: 100 - 249 Urina: 0,4 Urina: 23,69
mg/24h mg/dL mg/dL
Hemólise
Soro Homem: 0,6-1,1 Lipémia
Soro: 0,29 Soro: 32,5
mg/dL Elevadas
mg/dL mg/dL
Creatinina Soro Mulher - 0,5-0,9 quantidades
Urina: 3,51 Urina: 761
mg/dL de
mg/dL mg/dL
Urina 24h: 1-1,5 g/24h substâncias
redutoras
Soro: 75 - 115 mg/dL Soro: 6,04 Soro: 614
Urina aleatória: 1 -15 mg/dL mg/dL Hemólise
Glucose
mg/dL Urina: 9,73 Urina: 630 Lipémia
Urina 24h: < 0,5 g/24h mg/dL mg/dL
Soro: 1,70 - 2,70 Soro: 0,506 Soro: 8,01
mg/dL mg/dL mg/dL
Magnésio Hemólise
Urina 24h: 50 - 200 Urina: 0,484 Urina: 52
mg/24h mg/dL mg/dL
<150 mg/dL
Para valores superiores
Hemólise
a 150 - 200 mg/dL
Triglicéridos 11,9 mg/dL 1124 mg/dL Lipémia
deve-se investigar
factores de risco para
hipertrigliceridémia.
Valores desejavéis: <
200 mg/dL Hemólise
Colesterol Total 33,4 mg/dL 640 mg/dL
Valores elevados: ≥ Lipémia
240 mg/dL
Valores baixos: < 40
mg/dL Hemólise
Colesterol HDL 7,30 mg/dL 144 mg/dL
Valores elevados: ≥ 60 Lipémia
mg/dL
Soro: 2,4 Soro: 25
Fósforo Soro: 2,7 - 4,5 mg/dL mg/dL mg/dL
Hemólise
inorgânico Urina: 0,4 - 1,3 g/24h Urina: 0,0191 Urina: 375
g/dL mg/dL
Soro Homem: 24-195
U/L
Creatina cinase 21,7 U/L 2804 U/L Hemólise
Soro Mulher: 24-170
U/L
Soro Homem - < 40
Alanina U/L
9,70 U/L 666 U/L Hemólise
aminotransferase Soro Mulher - < 31
U/L
Soro Homem: < 37
Aspartato
U/L 18,7 U/L 657 U/L Hemólise
aminotransferase
Soro Mulher: < 31 U/L
Lactato
Soro: 230 - 460 U/L 42,3 U/L 1150 U/L Hemólise
desidrogenase
Ureia Soro: 10 - 50 mg/dL Soro: 14,55 Soro: 340 Hemólise

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Urina 24h: 20 - 35 mg/dL mg/dL Lipémia


g/24h Urina: 219 Urina: 5300
mg/dL mg/dL
Adultos: 0 - 5 mg/L
Hemólise
Proteína C Bebes: < 0,6 mg/L
0,3 mg/L 161 mg/L Lipémia
Reactiva 4º Dia a 1 mês: <1,6
Icterícia
mg/L
Adultos: 90 - 450
mg/dL Índices
Crianças (8 - 10 anos): elevados de
IgA 21 mg/dL 590 mg/dL
96 – 206 mg/dL hemólise e
Recém-nascidos (2-8 lipémia
dias): 0,7 – 1,3 mg/dL.
Adultos Homem: 60 -
250 mg/dL
Adultos Mulher: 70 - Índices
280 mg/Dl elevados de
IgM 23 mg/dL 377 mg/dL
Crianças (8 - 10 anos): hemólise e
74 – 142 mg/dL lipémia
Recém-nascidos (2-8
dias): 5 – 37mg/dL
Adultos: 800 - 1800
mg/dL
Índices
Crianças (8 - 10 anos):
elevados de
IgG 855 – 1255 mg/dL 288 mg/dL 2757 mg/dL
hemólise e
Recém-nascidos (2-8
lipémia
dia): 863 – 1466
mg/dL
Normal: < 30 mg/24h
Microalbuminúria: 30
Microalbumina - 299 mg/24h 5,11 mg/L - -
Albuminúria: ≥ 300
mg/24h.
Soro: 135 – 145 Soro: 24 Soro: 200
mmol/L mmol/L mmol/L
Sódio Hemólise
Urina: 40 – 220 Urina: 20 Urina: 1000
mmol/L mmol/L mmol/L
Soro: 3,5 – 5,1 Soro: 0,3 Soro: 11
mmol/L mmol/L mmol/L
Potássio Hemólise
Urina: 25 – 125 Urina: 7 Urina: 500
mmol/L mmol/L mmol/L
Soro: 97 – 107 Soro: 45 Soro: 210
mmol/L mmol/L mmol/L
Cloro Hemólise
Urina: 110 – 250 Urina: 28 Urina: 1000
mmol/L mmol/L mmol/L

30
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

2.1.1.3. IMPORTÂNCIA BIOLÓGICA DA DETERMINAÇÃO DOS DIFERENTES

PARÂMETROS BIOQUÍMICOS

Avaliação da função hepática


O fígado é um órgão de extrema importância no bom funcionamento do
organismo humano, estando envolvido nos processos de excreção, síntese,
desintoxicação e eliminação de substâncias nocivas.
A bilirrubina é uma das principais substâncias excretadas pelo fígado, sendo o
principal pigmento constituinte da bílis. A sua formação ocorre no baço em
consequência da degradação dos glóbulos vermelhos, que ao serem destruídos, causam
a libertação de moléculas de hemoglobina. A hemoglobina é depois decomposta nos
seus constituintes os quais inclui o grupo heme. Este é convertido em bilirrubina, que
após a sua formação, se liga a albumina e é transportada para o fígado. Neste órgão, a
bilirrubina é conjugada com o ácido gluconórico, ficando solúvel em água, podendo,
assim, ser secretada para os canalículos biliares e posteriormente para os intestinos, nos
quais através da acção da flora comensal, é convertida em urobilina, que é finalmente
excretada do organismo nas fezes. Durante o processo metabólico da bilirrubina existe a
formação de dois tipos de bilirrubina que se denominam bilirrubina não conjugada e
bilirrubina conjugada. A bilirrubina não conjugada corresponde à bilirrubina ligada à
albumina e que é insolúvel, não podendo ser nesta forma eliminada do nosso organismo.
A bilirrubina conjugada é a forma solúvel, constituída por moléculas de bilirrubina
ligadas a moléculas de ácido gluconórico, que torna as moléculas de bilirrubina mais
hidrofílicas.
A síntese de hidratos de carbono, lípidos e proteínas é outra das funções vitais
desempenhadas pelo fígado. Este órgão representa o principal local de armazenamento
de glucose na forma de glicogénio, e de síntese da grande maioria das proteínas que
fazem parte da constituição do organismo humano, como são exemplos a albumina e os
fatores de coagulação. É também responsável pela manutenção da concentração de
glucose do organismo, na medida em que em situações de hipoglicémia ocorre a
degradação do glicogénio em glucose e a sua distribuição pelos vários tecidos de
maneira a satisfazer as necessidades nutricionais dos mesmos; em situações de depleção
de glicogénio ocorre a gluconeogénese que consiste na síntese de glucose a partir de
compostos não glucídicos, e a sua conversão em glicogénio.

31
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Tendo em conta que o fígado é um órgão vital para a sobrevivência do


organismo humano, a monitorização da função hepática, através da determinação
periódica de parâmetros hepáticos, é um processo muito importante pois permite não só
identificar anormalidades na função hepática, como permite, em muitos casos,
identificar o tipo e local da lesão, e fazer o prognóstico da evolução de alguns processos
patológicos.
Os principais testes da função hepática incluem a determinação de substâncias
que são libertadas como resultado da ocorrência de um dano tecidular, como são
exemplos as enzimas gama-glutamil transferase (γGT), a aspartato aminotransferase
(AST), a alanina aminotransferase (ALT) e a fosfatase alcalina, e a determinação de
substâncias metabolizadas ou sintetizadas pelo fígado, como são exemplos as várias
formas de bilirrubina, bilirrubina total, bilirrubina directa e bilirrubina indirecta.

Bilirrubina
A icterícia é um dos principais sinais de disfunção hepática, sendo causada pela
retenção sérica de bilirrubina e seus conjugados, pelo excesso de produção de
bilirrubina e seus conjugados ou pela deficiente depuração da bilirrubina e seus
conjugados. É caracterizada pela descoloração das mucosas, pela cor amarelada
apresentada pela pele e escleróticas, e em alguns casos pelo escurecimento da urina.
Clinicamente apenas é evidente quando a concentração de bilirrubina total no soro
atinge valores entre 2-3 mg/dL e não é um indicador específico de doença hepática,
podendo estar presente em outras doenças.
Clinicamente a hiperbilirrubinémia pode ser classificada como pré-hepática,
hepática ou pós-hepática, de acordo com o local em que ocorreu a desordem. Na
hiperbilirrubinémia pré-hepática, o erro ocorre antes do metabolismo hepático, sendo
caracterizada pelo aumento da bilirrubina não conjugada. Exemplos de patologias que
causam hiperbilirrubinémia pré-hepática são a anemia hemolítica e a icterícia fisiológica
do recém-nascido. A hiperbilirrubinémia hepática é causada pela ocorrência de um erro
primário ao nível do fígado, e que pode ser devido a alterações no metabolismo e
transporte da bilirrubina ou devido a lesões hepatocelulares. Os Síndromes de Crigler-
Najjar tipo I e II e o Síndrome de Gilbert são exemplos de patologias em que a
hiperbilirrubinémia é de origem hepática e é causada pela ocorrência de mecanismos
deficientes de conjugação, sendo deste modo caracterizados pelo aumento da bilirrubina
não conjugada. Existem ainda patologias, denominadas Síndrome de Dubin-Jonhson e

32
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Síndrome de Rotor, em que a hiperbilirrubinémia hepática é caracterizada pelo aumento


da concentração de bilirrubina conjugada devido a erros que ocorrem no transporte da
bilirrubina até aos canalículos biliares após a sua conjugação. As lesões hepatocelulares,
como são exemplos a cirrose, as hepatites e a colestase intra-hepática também causam
hiperbilirrubinémia hepática, sendo caracterizadas pelo aumento da bilirrubina
conjugada e não conjugada.
Finalmente a hiperbilirrubinémia pós-hepática é causada por doenças biliares
obstrutivas, nas quais devido à existência de um obstáculo físico, como cálculos biliares
ou tumores, a passagem da bilirrubina conjugada para os canalículos biliares é
interrompida, impossibilitando a sua excreção do organismo. Como consequência há
acumulação de bilirrubina conjugada no organismo e a bílis não é drenada para os
intestinos, fazendo com que as fezes percam a sua fonte de pigmentação, tornando-se
acólicas.

Enzimas hepáticas
A determinação das enzimas hepáticas é muito útil na detecção de lesões
hepatocelulares que causam a citólise ou necrose celular, e na diferenciação de
patologias de origem funcional de patologias de origem obstrutiva.
Quando ocorre uma lesão num órgão, existe a morte de algumas células que
causam o extravasamento do seu conteúdo para o meio exterior, nomeadamente de
enzimas. A AST e a ALT são as principais enzimas utilizadas para a detecção clínica de
lesão hepatocelular. Estas enzimas estão presentes no interior dos hepatócitos e são
responsáveis pela transferência do grupo amina de um α-aminoácido para um cetoácido.
No entanto não são específicas dos hepatócitos pois encontram-se também distribuídas
no interior de células de outros órgãos como o músculo-esquelético, o coração e os rins.
Porém a ALT é considerada mais específica que a AST pois encontra-se
maioritariamente no interior dos hepatócitos, ao contrário da AST cuja distribuição é
equitativa entre os vários órgãos.
Os seus níveis, em casos de hepatite viral, necrose celular induzida pela
exposição a drogas ou toxinas e isquemia hepática podem aumentar abruptamente,
podendo alcançar valores até cem vezes o limite superior de referência. Porém em casos
de lesões obstrutivas pode-se não observar aumento dos seus níveis ou observar apenas
um aumento ligeiro.

33
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Ambas as enzimas possuem duas isoenzimas, uma situada no citosol e outra


situada na mitocôndria. Perante um dano celular moderado apenas as isoenzimas
citosólicas da AST e da ALT são libertadas para a corrente sanguínea enquanto no caso
de um dano celular grave são libertadas as isoenzimas citosólicas e mitocondriais da
AST e apenas as isoenzimas citosólicas da ALT. Como tal para avaliar a extensão das
lesões, a razão AST/ALT é muito utilizada, na medida em que caso a razão for inferior a
um está-se perante uma lesão reversível, na qual o fígado, após tratamento, recupera
totalmente a sua funcionalidade; pelo contrário se a razão AST/ALT for superior a 1 a
lesão causada pela patologia é irreversível e portanto há perda parcial da função do
fígado.
No entanto visto que estas enzimas também estão presentes em outros órgãos, é
comum observar-se níveis aumentados da actividade da AST após a ocorrência de um
infarto agudo do miocárdio e em casos de distrofia muscular progressiva, embolia
pulmonar e pancreatite aguda.
A fosfatase alcalina é uma enzima localizada nas microvilosidades dos
canalículos, sendo muito utilizada como marcador de casos de obstrução biliar
extrahepática e colestase intrahepática. À semelhança das enzimas marcadoras de lesão
hepatocelular também a fosfatase alcalina está presente em outros órgãos como os ossos
e a placenta. Como tal, a sua determinação tem particular interesse também na
investigação na doença óssea, como são exemplos a Doença de Paget, osteomalacia e
raquitismo.
A gama-glutamil transferase é uma enzima localizada na membrana
citoplasmática e à semelhança da fosfatase alcalina também é útil como marcador de
lesões obstrutivas. Porém a sua actividade é maior em casos de obstrução biliar intra ou
pós-hepática, alcançando níveis de cinco a trinta vezes o nível superior de referência, e é
considerado um marcador mais sensível que a fosfatase alcalina na detecção de
colangite, colecistite e colestase. Também em casos de carcinoma hepático primário e
secundário é normal observar níveis aumentados de actividade de γGT.
A determinação dos níveis de actividade da γGT juntamente com os da fosfatase
alcalina, em muitos casos, é útil para verificar se o aumento dos níveis de actividade da
fosfatase alcalina é devido a doenças do esqueleto ou reflectem a presença de doença
hepatobiliar, pois ao contrário da fosfatase alcalina, a γGT não está presente nos ossos.
Por esta razão e pelo fato de raramente se encontrarem valores normais na presença de

34
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

doença hepatobiliar, a γGT é considerada o indicador enzimático mais sensível de


doença hepatobiliar.
No entanto, visto que se trata de uma enzima hepática microssomal, é normal
observar-se valores elevados de actividade de γGT em alcoólicos e em doentes com
cirrose alcoólica.

Avaliação da função pancreática


O pâncreas é uma glândula constituída por tecido endócrino e exócrino, e
participa no processo digestivo, auxiliando na digestão e absorção dos nutrientes.
Enquanto o tecido endócrino tem como principal função a produção de hormonas como
a insulina e a glucagina, que participam no metabolismo dos hidratos de carbono, o
tecido exócrino é responsável pela secreção do fluido pancreático. Este fluido, de pH
alcalino, é rico em proteínas e em enzimas proteolíticas com capacidade de degradar os
glúcidos, lípidos e proteínas.
A amilase pancreática é uma das enzimas líticas excretada pelo pâncreas e cujo
doseamento no soro e urina é utilizado no diagnóstico de patologias pancreáticas. A
amilase pancreática é uma hidrolase responsável pela clivagem dos glúcidos complexos
constituídos por cadeias de α-D-glucose, como são exemplos a amilose, a amilopectina
e o glicogénio. A sua determinação no soro é maioritariamente útil para o diagnóstico
de pancreatite aguda, onde se observa um aumento de quatro a seis vezes dos seus
níveis de actividade nas primeiras duas a doze horas após início dos sintomas, atingindo
o pico às vinte e quatro horas, e retomando aos seus valores normais em três a cinco
dias devido à eliminação renal.
O carcinoma do pâncreas, o abcesso pancreático e as lesões traumáticas do
pâncreas são exemplos de outras patologias em que se observa elevação da actividade
da amilase pancreática no soro. No entanto esta enzima não é específica da função
pancreática, podendo-se observar um aumento da sua actividade em casos de
cetoacidose diabética, insuficiência renal, colecistite, apendicite aguda e lesões nas
glândulas salivares. Como tal, muitos estudos sugerem a realização do doseamento
conjunto da amilase e da lipase, outro exemplo de enzima lítica excretada pelo pâncreas,
pois aumenta significativamente a especificidade da determinação dos níveis de
actividade da amilase pancreática no diagnóstico de pancreatite aguda.
A determinação da depuração da amilase pancreática na urina tem surgido como
parâmetro alternativo e mais sensível para o diagnóstico de pancreatite aguda pois os

35
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

seus níveis de actividade na urina são mais elevados e persistentes durante períodos de
tempo mais longos que os encontrados no soro.
Existem ainda outros métodos que podem ser aplicados na avaliação da função
pancreática como são exemplos a pesquisa de lípidos nas fezes, o teste da D-xilose e o
doseamento das isoenzimas da amilase. No entanto não serão abordadas detalhadamente
no presente relatório de estágio pois não são executadas no laboratório SOERAD.

Avaliação da função cardíaca


O sistema cardiovascular desempenha um papel de extrema importância na
sobrevivência do organismo humano pois é responsável pela distribuição de sangue a
todas as células do organismo, permitindo a oxigenação, a chegada dos nutrientes e a
eliminação de substâncias tóxicas resultantes do seu metabolismo. Como tal a avaliação
e a monitorização periódica da função cardíaca é muito importante para a detecção
precoce das doenças cardiovasculares, que continuam a ser a principal causa de morte
em todo o mundo.
A creatina cinase é um biomarcador da função cardíaca cujo doseamento é
recomendado para a detecção precoce de casos de enfarto agudo do miocárdio.
A creatina cinase é uma enzima dimérica composta por duas subunidades, as
subunidades B e M, responsável pela fosforilação reversível da creatina pela adenosina
trifosfato (ATP). Possui três isoenzimas, denominadas CK-MM, CK-BB e CK-MB,
distribuídas por diferentes órgãos. A CK-MM existe maioritariamente no músculo -
esquelético e no coração, a CK-BB encontra-se em maior concentração no cérebro,
enquanto a CK-MB é específica dos cardiomiócitos, tornando-se, deste modo, a
isoenzima de maior importância para o diagnóstico precoce do enfarto agudo do
miocárdio. Visto que o método utilizado para o doseamento da actividade da CK-MB
pertence à secção de Imunologia, a sua importância na avaliação da função cardíaca será
explicada no ponto 2.3 do presente relatório de estágio.
A lactato desidrogenase foi também considerada, durante muitos anos, um
biomarcador para a detecção de casos de enfarto agudo do miocárdio. Esta enzima,
responsável pela catalisação da oxidação do L-lactato a piruvato utilizando como
aceitador de iões hidrogénio o NAD+, encontra-se presente no interior de vários tecidos,
como são exemplos o fígado, o baço, o músculo-esquelético e os rins, na forma de
diferentes isoenzimas. No músculo cardíaco e nas hemácias as isoenzimas
predominantes são a LDH-1 e LDH-2. Após a ocorrência de lesões ou necrose dos

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

cardiomiócitos há a libertação desta enzima para o soro, onde os seus níveis de


actividade em situações normais são significativamente inferiores. Assim, através da
detecção de níveis de actividade de lactato desidrogenase aumentados no soro é possível
revelar a presença de situações patológicas, como são exemplo a miocardite, a
insuficiência cardíaca e o enfarto agudo do miocárdio.
Nos casos de enfarte agudo do miocárdio, é possível detectarem-se níveis de
actividade de LDH três a quatro vezes superior ao limite superior de referência,
podendo atingir valores até dez vezes superior. Porém, com a descoberta de
biomarcadores mais sensíveis e específicos da actividade cardíaca, como são exemplo o
complexo das troponinas, o doseamento da actividade da lactato desidrogenase no
diagnóstico do enfarte agudo do miocárdio tem sido abandonado, não sendo
actualmente recomendado.
Devido à sua elevada distribuição existem outras patologias de origem não
cardíaca que causam o aumento dos níveis de actividade da lactato desidrogenase como
são exemplos a anemia megaloblástica, as doenças hepáticas, neoplasias hematológicas
e a distrofia muscular progressiva.

Avaliação da função renal


Os rins, à semelhança dos órgãos anteriormente mencionados, também são
muito importantes para a sobrevivência do organismo humano, tendo como principais
funções a excreção de compostos tóxicos e do excesso de substâncias inorgânicas
ingeridas da dieta, a manutenção dos equilíbrios hídrico, electrolítico e ácido-base, e a
produção de hormonas.
Os compostos azotados não proteicos são compostos tóxicos que são produzidos
pelo organismo em consequência dos processos de degradação dos ácidos nucleicos,
dos aminoácidos e das proteínas, e que devido à função excretora do sistema renal são
expulsos do organismo. Existem três principais produtos de excreção, a creatinina, a
ureia e o ácido úrico.
A creatinina é um composto que resulta da desidratação e ciclização espontânea
da creatina cinase fosforilada presente nos músculos e cuja concentração depende da
massa muscular do individuo. A ureia é sintetizada no fígado a partir do catabolismo
das proteínas e representa a maior percentagem dos compostos azotados não proteicos
excretados pelo rim. Por fim o ácido úrico é o produto final resultante do metabolismo
das purinas, nomeadamente da adenina e da guanina.

37
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

A manutenção dos equilíbrios hídrico, electrolítico e ácido-base é um processo


extremamente importante e exigente pois todos os parâmetros envolvidos possuem um
intervalo de referência muito estreito, necessitando de mecanismos de controlo muito
sensíveis e eficientes. O equilíbrio hídrico é regulado essencialmente pela hormona
ADH, cuja resposta varia com ocorrência de alterações na osmolalidade plasmática ou
no volume intravascular, de maneira que o aumento da osmolalidade plasmática ou a
diminuição do volume intravascular estimula a produção de ADH pela glândula
pituitária posterior. A ADH causa o aumento da permeabilidade dos túbulos distal e
ductos colectores havendo como consequência uma maior reabsorção de água e
produção de urina mais concentrada. Pelo contrário em situações de excesso de água
não há produção de ADH, havendo uma menor reabsorção de água por parte dos
túbulos renais e a produção de urina mais diluída.
A manutenção da concentração dos principais iões existentes no interior do
organismo humano também é da responsabilidade do sistema renal, através dos
processos de reabsorção e excreção ao nível dos túbulos e das ansas de Henle, e da
produção de hormonas, como a renina, que respondem a alterações da osmolalidade, a
alterações da pressão sanguínea e a variações na concentração dos electrólitos.
A manutenção do equilíbrio ácido-base é vital para o bom funcionamento do
organismo humano porque permite que o pH fisiológico não sofra alterações bruscas. O
sistema renal representa um dos três mecanismos envolvidos na manutenção do
equilíbrio ácido-base através da regeneração de iões bicarbonato e da excreção de
ácidos metabólicos a partir de reacções com a amónia e com o ião hidrogenofosfato.
Por último, a função endócrina dos rins inclui a síntese de hormonas como a
eritropoietina, a renina e a prostaglandina, a síntese de vitamina D3 a partir do
hidroxicolecalciferol e a degradação de hormonas como a insulina e a aldosterona.
A avaliação e monitorização da função renal inclui geralmente o doseamento no
soro dos compostos azotados não proteicos referidos anteriormente pois um aumento da
sua concentração é consequência do mau funcionamento do sistema renal. No entanto,
em muitos casos apenas se detecta aumento da concentração destes compostos quando
já existe uma perda significativa da função renal.
A determinação da clearence de determinadas substâncias é um método que
permite detectar mais precocemente casos de falência renal pois representa a taxa à qual
uma determinada substância é removida do plasma para a urina, permitindo avaliar a
função de filtração glomerular dos rins. A substância maioritariamente utilizada para a

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

determinação da clearence é a creatinina, apesar de ser um marcador pouco sensível


pois a sua concentração apenas é detectável quando a função renal se encontra lesada
em 50%.

Creatinina
A determinação do valor da clearence da creatinina é o método mais utilizado
para o cálculo da Taxa de Filtração Glomerular. Este valor é obtido através de uma
expressão matemática, que está representada em baixo, e que relaciona a concentração
sérica de creatinina com a concentração urinária da creatinina excretada durante um
determinado período de tempo, geralmente vinte e quatro horas.
[Creatinina]urina × Vurina 1,73
×
[Creatinina]plasma × 1440 A

A [Creatinina]urina representa a concentração de creatinina na urina em unidades de


mg/dL, Vurina corresponde ao valor do volume de urina excretada durante vinte e
quatro horas expresso em mL/24h, [Creatinina]plasma é a concentração plasmática de
creatinina em unidades de mg/dL, 1440 corresponde a vinte e quatro horas em minutos,
1,73 é um factor que representa a superfície corporal do individuo e A é o verdadeiro
valor da superfície corporal do individuo.
Os valores de referência da clearence da creatinina diferem em ambos os
géneros, variando no homem entre valores de 97 a 137 mL/min e na mulher entre 88 a
128 mL/min.
Em situações patológicas, como são exemplos os casos de glomerulonefrite
aguda, insuficiência renal aguda, insuficiência renal crónica, falência renal crónica ou
obstrução causada por carcinomas da bexiga ou próstata ou por cálculos renais, ocorre
diminuição do valor da Taxa de Filtração Glomerular como consequência da diminuição
do número ou alteração estrutural dos glomérulos funcionais.
Outro método que permite avaliar a função de filtração glomerular é o estudo da
proteinúria. Em situações fisiológicas normais os glomérulos não têm a capacidade de
filtrar macromoléculas e proteínas de massa molecular elevada, como são exemplos a
β2-Microglubolina, a Mioglobina e a Albumina. No entanto devido a ocorrência de
defeitos na permeabilidade dos glomérulos, na reabsorção tubular, ou na existência de
um aumento significativo na concentração sérica de imunoglobulinas, a capacidade
filtrante dos glomérulos é diminuída, resultando no aparecimento de proteínas na urina.

39
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Os estudos utilizados na avaliação da proteinúria incluem a determinação da


concentração proteica numa amostra de urina de 24h, a electroforese das proteínas
urinárias e a determinação da depuração selectiva de proteínas de diferentes tamanhos
moleculares. No laboratório SOERAD apenas se realiza o doseamento da
microalbuminúria em amostras de urina aleatória ou urina de 24h.

Microalbuminúria
O doseamento da microalbuminúria consiste na determinação da concentração
de albumina na urina e é particularmente importante nos doentes diabéticos, pois estes
indivíduos possuem um elevado risco para o desenvolvimento de nefropatias devido ao
aumento progressivo da permeabilidade dos glomérulos. Assim, através do estudo da
proteinúria é possível avaliar e detectar precocemente alterações na função de filtração
glomerular, e através da adopção de programas de controlo dos níveis de glicémia mais
rígidos juntamente com tratamentos que previnem a hipertensão, atrasar a progressão
das lesões renais para situações de falência renal crónica.

Ureia
A determinação da concentração da ureia no soro é outro teste muito importante
utilizado para avaliar a função renal. A presença de elevadas concentrações de ureia no
plasma acompanhado de falência renal é denominada urémia ou síndrome urémico e
pode ser clinicamente classificada como pré-renal, renal ou pós-renal de acordo com as
causas que estão na origem do seu aparecimento. A urémia pré-renal é causada pela
diminuição do fluxo sanguíneo que irriga os rins, podendo ser devida a situações de
insuficiência cardíaca congestiva, hemorragias ou desidratação. A urémia renal é
consequência da ocorrência de uma disfunção renal que causa uma excreção deficiente
de ureia, podendo ser causada por casos de falência renal crónica ou aguda, nefrite
glomerular ou necrose tubular. Por fim a urémia pós-renal é devida à existência de
obstruções do fluxo urinário cujas causas podem incluir cálculos renais ou carcinoma da
bexiga ou próstata.
No entanto a concentração de ureia no soro não depende exclusivamente da
função renal, sendo influenciada também pela dieta do individuo, pela função hepática,
pelo grau de hidratação do indivíduo e pelo aumento do catabolismo proteico. Assim, a
principal utilidade clínica da determinação da concentração da ureia no soro assenta na

40
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

sua determinação conjunta com a concentração plasmática da creatinina para diferenciar


as causas e discriminar a urémia pré e pós-renal.

Ácido úrico
A determinação do ácido úrico não é um indicador muito útil na avaliação da
função renal pois existem muitos factores não renais que influenciam a sua
concentração plasmática. No entanto a presença de elevados níveis de ácido úrico
podem indicar situações de gota, insuficiência renal e cálculos renais, enquanto a
presença de baixos níveis de ácido úrico (inferior a 2,9 mg/dL) podem indiciar um
defeito na reabsorção tubular renal de ácido úrico.

Análise da urina tipo II


Por fim, a análise sumária da urina tipo II representa outro teste para avaliar a
função renal, permitindo a detecção de elementos que em situações normais não estão
presentes ou estão presentes em baixas quantidades na urina. No presente relatório a
análise sumária da urina tipo II está explicada mais detalhadamente no ponto 2.1.4.

Metabolismo dos glúcidos


A glucose é a principal fonte de energia do organismo, de tal modo que o
cérebro depende exclusivamente do seu metabolismo para obter energia. A dieta é a
principal via de importe de glucose no nosso organismo. Os glúcidos presentes nos
alimentos existem maioritariamente na forma de polímeros, como são exemplos o
amido e o glicogénio.
Geralmente, estes compostos após serem ingeridos, são hidrolisados por acção
das amilases salivares e pancreáticas, formando-se dextrinas e dissacáridos. As
dextrinas e os dissacáridos são posteriormente convertidos em monossacáridos, que são
absorvidos ao nível das células da mucosa intestinal e seguidamente transportados para
o fígado através da via porta. No fígado os monossacáridos são convertidos em glucose.
A glucose é depois transportada através da corrente sanguínea até às restantes células do
organismo, onde pode ser utilizada como fonte de energia para a realização das reacções
metabólicas celulares, ou armazenada na forma de glicogénio.
Em condições fisiológicas normais a concentração da glucose encontra-se
controlada devido à acção de hormonas e do fígado e músculos, que modulam a entrada
e saída de glucose da circulação sanguínea. Assim, em situações de abundância de

41
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

glucose há libertação de insulina pelas células β do pâncreas, causando o aumento da


entrada de glucose nas células, estimulando a glicólise, a lipogénese e a glicogénese, e
inibindo a glicogenólise, e o armazenamento de glucose sob a forma de glicogénio
através do processo de glicogénese no fígado e no músculo. Em situações de jejum,
devido à presença da enzima glucose-6-fosfatase, e sob a acção das hormonas epinefrina
e glucagina, ocorre o processo de glicogenólise no fígado, havendo a conversão do
glicogénio em glucose, e a sua distribuição, via corrente sanguínea, para todas as células
do organismo. Em situações de jejum prolongado, há libertação de cortisol e hormona
do crescimento que estimulam a ocorrência do processo de neoglucogénese, resultando
na produção de glucose pelo fígado a partir de compostos não glucídicos,
nomeadamente o glicerol resultante do metabolismo dos triglicéridos, o lactato
resultante do metabolismo dos músculos, e os aminoácidos, resultantes do catabolismo
das proteínas.
A participação de todos os processos anteriormente referidos permite que,
independentemente da quantidade de glucose ingerida pelo ser humano, a concentração
de glucose se mantenha constante e em níveis que permitam o bom funcionamento do
organismo, não entrando em situações de carência ou excesso incompatíveis com a vida.
Quando estes mecanismos falham geram-se situações de desequilíbrio que se designam
por hiperglicemia e hipoglicémia, cujo diagnóstico assenta essencialmente na
determinação da concentração da glucose no sangue ou urina.

Hiperglicémia
A hiperglicemia consiste num aumento patogénico dos níveis de glucose no
sangue. Existem vários distúrbios que causam hiperglicemia, sendo a diabetes mellitus a
mais importante e relevante clinicamente.
A diabetes mellitus é um grupo de doenças metabólicas caracterizada por
hiperglicemia, polidipsia, poliúria, polifagia e perda de peso, afecta milhares de pessoas,
tendo impacto não só na qualidade de vida das mesmas, mas também na economia do
país devido ao surgimento de complicações a longo termo que incluem retinopatia,
nefropatia e neuropatia periférica e autónoma.
As causas que estão na sua origem de desenvolvimento são várias, podendo
incluir a destruição das células β do pâncreas, a produção insuficiente de insulina, a
resposta ineficiente dos tecidos à acção da insulina, a existências de patologias no
pâncreas, e a produção de insulina não activa. Dependendo da causa, a Organização

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Mundial de Saúde e a Associação americana dos diabetes classificaram a diabetes em


quatro categorias principais: a diabetes tipo 1, diabetes tipo 2, diabetes gestacional e
idiopática.
A diabetes tipo 1 constitui apenas 10 a 20% dos casos de diabetes, ocorre
principalmente nas crianças e nos adolescentes, e resulta da destruição auto-imune das
células β do pâncreas, causando uma produção deficiente de insulina. É caracterizada
por um estado de insulino-dependência dos doentes e pela ocorrência de cetoacidose,
numa fase mais avançada da doença, e o seu aparecimento está muito associado à
presença de doenças auto-imunes que afectam os ilhéus de Langerhans e a uma
predisposição genética.
A diabetes tipo 2, também denominada diabetes não dependente de insulina,
constitui a maioria dos casos existentes de diabetes, resultando de uma resposta
ineficiente dos tecidos à acção da insulina. Esta patologia afecta maioritariamente
indivíduos obesos ou com elevada percentagem de gordura corporal distribuída
preferencialmente na região abdominal, e é caracterizada pela produção de níveis
normais de insulina mas insuficientes para manter a concentração de glucose em níveis
normais. O seu aparecimento está associado a uma predisposição genética e a factores
ambientais como obesidade, dieta rica em lípidos e sedentarismo.
A diabetes idiopática é rara, ocorrendo quando não se conhece a etiologia da
diabetes tipo 1. É caracterizada por insulinopénia, cetoacidose e por episódios
alternados de dependência de insulina.
A diabetes gestacional é definida como ocorrência de intolerância à glucose
durante a gravidez, e representa um sério problema de saúde, causando complicações
graves tanto no bebé como na mãe. As principais complicações para a mãe são a
hipertensão crónica e o risco aumentado de cesariana, pré-eclampsia e desenvolvimento
de diabetes tipo 2. No feto as complicações incluem macrossomia, malformação fetal,
hipoglicemia fetal, hipocalcémia e problemas respiratórios. De modo a diagnosticar
mais precocemente a diabetes gestacional e assim evitar ou diminuir a gravidade das
suas complicações, e devido ao aumento do número de pessoas que sofrem de
obesidade e de um estilo de vida mais sedentário, recomenda-se que todas as grávidas
que não tenham diagnóstico de diabetes gestacional, entre as 24 e 28 semanas de
gestação, realizem uma PTOG com sobrecarga de 75g de glucose, sendo critério de
diagnóstico a obtenção de valores da glicémia em jejum (tempo zero) superior a 95
mg/dL, superior ou igual a 180 mg/dL ao fim de uma hora após sobrecarga ou superior

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ou igual a 155 mg/dL ao fim de duas horas após sobrecarga com 75g de glucose. No
caso das grávidas de risco, que compreendem as mulheres obesas, com histórico
familiar de diabetes tipo 2 e com gravidez anterior com diagnóstico de diabetes
gestacional, a realização da PTOG é recomendada antes das 24-28 semanas de gestação.
Laboratorialmente a obtenção de concentrações casuais de glucose superior ou
igual a 200 mg/dL associada a sintomatologia característica da diabetes, de
concentração de glucose em jejum igual ou superior a 126 mg/dL, de concentração de
glucose aos 120 minutos após sobrecarga de 75g de glucose superior ou igual a 200
mg/dL ou valor de hemoglobina glicosilada superior ou igual a 6,5% constitui critério
de diagnóstico de diabetes.
A hemoglobina glicosilada é formada a partir da reacção não enzimática de
moléculas de glucose com grupos amina da cadeia β da hemoglobina, e depende
somente da concentração de glucose no sangue e do tempo médio de vida dos glóbulos
vermelhos, reflectindo assim a concentração de glucose das 6 a 8 semanas que
antecedem a colheita.
Nos últimos anos a determinação da concentração de hemoglobina glicosilada
tem tido maior importância não só no diagnóstico da diabetes, como na monitorização
dos doentes como avaliador de risco para o desenvolvimento de complicações micro e
macrovasculares, e apresenta vantagens relativamente ao doseamento da concentração
de glucose, como maior estabilidade pré-analítica, pois não necessita de jejum, e maior
estabilidade analítica pois não depende do exercício físico, da alimentação e da variação
diária da concentração de glucose. Contudo em indivíduos com patologias que afectam
o tempo médio de vida dos eritrócitos, a sua estrutura ou a estrutura das moléculas de
hemoglobina, o seu doseamento não é útil, sendo nestes indivíduos a determinação da
concentração de glucose, o método de diagnóstico a aplicar.

Hipoglicémia
A hipoglicémia é outro exemplo de desequilíbrio da concentração de glucose,
sendo caracterizado pela presença de baixas concentrações de glucose no sangue.
Existem várias causas que originam hipoglicémia e que incluem a ocorrência de
processos infecciosos generalizados como é exemplo a septicémia, o excesso de
produção de insulina, a ingestão de álcool em excesso, que pode inibir o processo de
neoglucogénese, tumores nas células β do pâncreas, deficiências no metabolismo das
hormonas glucocorticóides e da hormona do crescimento, a diabetes como consequência

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de um desequilíbrio entre a dose de insulina e o aporte ou consumo de glucose, e a mais


comum a ingestão de medicamentos como são exemplos o propranolol, os salicilatos e a
disopiramida.
Em muitos casos, o diagnóstico de hipoglicémia é muito difícil devido à
existência de inúmeras causas que estão na sua origem e à dificuldade em estabelecer
limites específicos que distinguem um estado hipoglicémico patológico de um estado
hipoglicémico não patológico. É muito comum observar valores de concentração de
glucose de 50 mg/dL duas horas após ingestão de sobrecarga oral de glucose, ou valores
de concentração de glucose de 30 mg/dL em mulheres que estejam na pré-menopausa,
sem sintomas ou evidências de doença subjacente.
Contudo é muito importante o estudo de uma condição de hipoglicémia, de
maneira a investigar se se trata de uma condição patológica ou benigna, pois a principal
e a mais grave complicação que lhe está subjacente é a disfunção do sistema nervoso
central, que se não for evitada pode-se tornar incompatível com a vida.

Metabolismo lipídico
Os lípidos são compostos orgânicos insolúveis em soluções aquosas, apresentam
estruturas químicas diversas e possuem várias funções vitais para o bom funcionamento
do organismo que incluem o armazenamento e fornecimento de energia, a manutenção
da estrutura das células e a participação nos processos de digestão e da condução
nervosa no sistema nervoso central.
Os lípidos mais importantes clinicamente são os triglicéridos, o colesterol e os
fosfolípidos. O seu importe para o organismo realiza-se quer através da dieta quer
através da sua síntese por parte dos hepatócitos. Depois de sintetizados, estes são
hidrolisados por acção de lipases e estereases de colesterol e absorvidos ao nível das
células da mucosa intestinal com a intervenção de ácidos biliares, que funcionam como
detergentes, permitindo a formação de micelas que ajudam na solubilização e facilitam
o transporte para a superfície do lúmen das células intestinais. Após a absorção, os
lípidos são transportados para todas as células do organismo, via corrente sanguínea, no
interior de estruturas denominadas lipoproteínas.
As lipoproteínas são estruturas esféricas compostas por lípidos e proteínas
denominadas apoliproteínas, têm como principal função o transporte dos lípidos no
plasma até aos vários tecidos do organismo, e são classificadas de acordo com base nas
suas densidades e das suas mobilidades electroforéticas. Assim, com base na densidade

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por ultracentrifugação, as lipoproteínas podem ser do tipo quilomicras, VLDL (“Very


low density lipoprotein”), IDL (Intermediate density lipoprotein”), LDL (“Low density
lipoprotein”), HDL (“Hight density lipoprotein”) e lipoproteína A.
Todas as classes de lipoproteínas possuem a mesma composição lipídica,
variando na quantidade relativa de lípidos básicos, na origem dos triglicéridos e no
conteúdo em apoliproteínas.
As quilomicras são as partículas que possuem maior diâmetro e menor
densidade, são constituídas maioritariamente por triglicéridos provenientes da dieta e
por pequenas quantidades de colesterol esterificado, colesterol livre, fosfolípidos e
apoproteínas B48 e A-I, e têm como principal função a distribuição dos triglicéridos
provenientes da dieta a todas as células do organismo. A sua formação ocorre no
intestino após os processos de absorção dos lípidos, entrando posteriormente para a
circulação sanguínea onde adquirem a apo C e apo E das HDL circulantes, e sofrem
vários processos de hidrólise catalisados por lipoproteínas lipases, causando a hidrólise
dos triglicéridos aos seus vários componentes constituintes, que podem depois ser
internalizados pelas células onde são utilizados como fonte de energia ou armazenados
sob a forma de gordura. Da hidrólise das quilomicras resulta a formação de quilomicras
remanescentes que são removidas da circulação sanguínea por endocitose, após serem
reconhecidas por receptores presentes na superfície dos hepatócitos. Nos hepatócitos o
colesterol esterificado e o colesterol livre presente nas quilomicras remanescentes são
libertados, sendo utilizados pelas células na síntese de ácidos biliares, na re-síntese de
lipoproteínas ou na síntese de membranas e hormonas esteróides.
As VLDL são sintetizadas no fígado e são as lipoproteínas responsáveis pelo
transporte dos triglicéridos sintetizados nos hepatócitos até às restantes células do
organismo. Estas partículas são constituídas maioritariamente por triglicéridos
endógenos e por quantidades menores de colesterol esterificado, colesterol livre,
fosfolípidos e apoproteínas B-100, E e C. À semelhança do que ocorre no metabolismo
das quilomicras, também as VLDL depois de serem libertadas para a corrente sanguínea
sofrem processos de hidrólise, a apo C é transferida para as HDL circulantes, e forma-se
as VLDL remanescentes. Parte das VLDL remanescentes formadas são reconhecidas
pelos hepatócitos enquanto outra parte é convertida em partículas mais densas e mais
pequenas denominadas IDL.
As IDL são partículas de vida curta e são constituídas por igual percentagem de
colesterol e triglicéridos e por apoproteínas do tipo B-100 e E. Depois de formadas,

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parte das IDL são removidas pelo fígado enquanto a restante é convertida em LDL após
a ocorrência de processos de hidrólise e de os triglicéridos serem substituídos por
colesterol esterificado.
As LDL formam-se a partir da lipólise das VLDL remanescentes e são
responsáveis pelo transporte do colesterol do fígado para as restantes células do
organismo. Estas partículas são constituídas maioritariamente por colesterol esterificado
e por pequenas percentagens de colesterol livre, triglicéridos e fosfolípidos, e pela
apoproteína do tipo B-100. Devido à existência de receptores específicos para as LDL, e
do seu reconhecimento pela apo B-100, estas lipoproteínas são facilmente internalizadas
pelas células, no interior das quais ocorre a degradação da apo B-100 e a formação de
colesterol livre resultante da hidrólise dos ésteres de colesterol. O colesterol livre é
depois utilizado pelas células na síntese das membranas celulares, das hormonas
esteróides e dos ácidos biliares, e como regulador da sua homeostasia através da
supressão da actividade da enzima responsável pela síntese de colesterol, a HMG-CoA,
do aumento da actividade da enzima que catalisa a esterificação do colesterol, a ACAT
(Acil-CoA: colesterol aciltransferase) (que previne que o excesso de colesterol livre seja
esterificado e armazenado), e da modulação no número de receptores de LDL presentes
na superfície das células (que evita a entrada e acumulação de elevadas quantidades de
colesterol no interior das células). Devido ao seu reduzido tamanho, estas lipoproteínas
podem também se infiltrar nos espaços extracelulares dos vasos sanguíneos, onde, após
se oxidarem, podem ser internalizadas e removidas do plasma, por macrófagos através
de receptores scavenger.
As HDL são as lipoproteínas de menor tamanho e maior densidade, são
sintetizadas no fígado e no intestino e têm como principal função o transporte do
excesso de colesterol presente nos tecidos extra-hepáticos de novo para o fígado.
A avaliação do perfil lipídico é muito importante para o cálculo do risco de
desenvolvimento de doenças cardiovasculares e para o diagnóstico das hiperlipidémias,
e inclui a determinação da concentração do colesterol total, do colesterol HDL, do
colesterol LDL, dos triglicéridos, e nos casos mais complexos das apoliproteína A e B e
da lipoproteína a.
Ao longo dos anos têm surgido muitos estudos que sugerem a existência de uma
relação de proximidade entre elevados níveis de lípidos e a ocorrência de doenças
cardiovasculares, que continua a ser uma das principais causas de morte nos países
desenvolvidos. Esta relação é devida à deposição de lípidos, principalmente na forma de

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colesterol, nas paredes do endotélio vascular, que causa a formação de placas de


ateroma responsáveis pelo bloqueio da circulação sanguínea, que pode levar à
ocorrência de um enfarto agudo do miocárdio.
Assim, a determinação da concentração do colesterol e das lipoproteínas LDL e
HDL tem sido encarada como uma ferramenta poderosa na prevenção da ocorrência de
acidentes vasculares na medida em que concentrações elevadas de LDL e baixas de
HDL representam um elevado risco para o desenvolvimento de doenças
cardiovasculares, e baixas concentrações de LDL em indivíduos com doenças
cardiovasculares permite a estagnação ou mesmo a regressão dos processos de formação
das placas de ateromas, diminuindo deste modo o risco de evolução da doença. Como
forma de avaliação do risco cardiovascular, a determinação do perfil lipídico está
indicada nos indivíduos com diabetes mellitus tipo 2, doença cardiovascular,
hipertensão arterial, índice de massa corporal superior a 30 kg/m2, histórico familiar
com doença cardiovascular prematura, doença inflamatória crónica, doença renal
crónica e com história familiar de dislipidémia familiar.
As dislipidémias representam outro conjunto de patologias cujo estudo lipídico
auxilia no seu diagnóstico. Estas patologias são subdivididas em dois grandes grupos, as
hiperlipoproteinémias e as hipolipoproteinémias.
As hiperlipoproteinémias caracterizam-se pela existência de níveis aumentados
de lipoproteínas, podendo ser classificadas como primárias ou secundárias. As
hiperlipidémias primárias são causadas por defeitos genéticos no metabolismo ou
síntese das lipoproteínas, tendo sido classificadas por Frederickson e colaboradores com
bae no seu perfil electroforético (tabela 6). As hiperlipoproteinémias secundárias são
consequência da existência de uma outra patologia, como são exemplos a diabetes
mellitus, a obesidade, o hipotiroidismo ou as doenças hepáticas obstrutivas, da ingestão
de determinados medicamentos ou da implementação de estilos de vida menos
saudáveis.
Tabela 6 – Classificação de Frederickson das Hiperlipoproteinémias.
Níveis de Frequência
Tipo Lipoproteína elevada Níveis de colesterol
triglicéridos relativa
I Quilomicras Normal ou aumentados Aumentados Rara
IIa LDL Aumentados Normal Comum
IIb VLDL e LDL Aumentados Aumentados Comum
III IDL Aumentados Aumentados Rara
IV VLDL Normal ou aumentados Aumentados Comum
V VLDL e Quilomicras Aumentados Aumentados Rara

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As hipoproteinémias são caracterizadas pela existência de baixas quantidades de


lipoproteínas, existindo dois tipos, a hipo-alfalipoproteinémia e a
hipobetalipoproteinémia. Ambas as patologias são caracterizadas geralmente pela
ausência de hipertriglicerémia, e pela diminuição dos níveis de colesterol HDL, devido
possivelmente ao défice de síntese de Apo A-I ou pelo aumento do catabolismo das
HDL e da Apo A-I.
Importa referir que na avaliação do perfil lípido é muito importante a realização
de um período de jejum de pelo menos dez horas, de maneira a evitar a obtenção de
resultados falsamente aumentados. Esta condição é facilmente visualizada a partir do
soro do doente, pois um jejum incorrecto causa o aparecimento de uma camada leitosa à
superfície, correspondente à presença das quilomicras, ou a obtenção de soro ou plasma
leitoso devido à presença das lipoproteínas do tipo VLDL.

Avaliação do equilíbrio electrolítico e do equilíbrio de outros iões importantes


clinicamente
Os electrólitos são substâncias com capacidade de carregar carga eléctrica e são
classificados como aniões ou catiões caso possuam carga negativa ou positiva,
respectivamente.
No organismo humano os electrólitos desempenham funções diversas que
incluem a manutenção da pressão osmótica, a distribuição de água nos vários
compartimentos líquidos do organismo, a manutenção do pH, a activação de enzimas e
o auxílio na contractilidade do miocárdio e na excitabilidade neuromuscular.
Os electrólitos de maior importância para a bioquímica clínica e que são
determinados pelo aparelho automático Daytona RX são o sódio, o potássio e o cloro.
No nosso organismo, os electrólitos estão presentes em valores de concentrações
muito restritos devido à presença de mecanismos de regulação muito eficientes. Porém
existem diversas situações patológicas que causam um desequilíbrio electrolítico,
podendo a determinação da concentração dos electrólitos auxiliar no seu diagnóstico.

Sódio
O sódio é o catião mais abundante presente no espaço extracelular, sendo
responsável pela maior parte da osmolalidade do plasma. A sua principal função é a
manutenção da pressão osmótica do compartimento extracelular e a distribuição de água
nos compartimentos líquidos do organismo.

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Em condições fisiológicas normais, a sua concentração não sofre variações


significativas devido à existência de mecanismos de controlo muito eficientes, que
incluem a participação do sistema renal através do sistema renina-angiotensina-
aldosterona, e do péptido natriurético atrial. Ao nível do sistema renal, os iões sódio são
inicialmente filtrados pelos glomérulos, sendo a maior parte posteriormente reabsorvida
ao nível dos túbulos proximal, distal e da ansa ascendente de Henle. Nos túbulos
proximais os iões sódio são reabsorvidos juntamente com os iões bicarbonato e com a
água, na ansa ascendente de Henle a reabsorção dos iões sódio ocorre juntamente com
os iões cloro e com a água, e nos túbulos distal é devido à acção da aldosterona. O
sistema renina-angiotensina-aldosterona actua ao nível dos túbulos proximal e distal,
causando a reabsorção de sódio, em resposta à diminuição da pressão sanguínea ou dos
níveis de sódio.
Por fim, o péptido natriurético atrial é excretado pelas células do miocárdio em
resposta ao aumento do volume de sangue, e causa a inibição da produção de renina,
causando em consequência a excreção de maior quantidade de iões sódio e água.
Quando ocorre falha destes mecanismos de controlo, surgem situações de
desequilíbrio, que se denominam hiponatrémia e hipernatrémia.
A hiponatrémia é uma condição patológica muito comum que surge quando a
concentração de sódio no plasma atinge valores inferior a 135 mmol/L. Existem três
principais causas que estão na origem do seu aparecimento, nomeadamente o aumento
da excreção de sódio, o aumento da retenção de água ou a ocorrência de um defeito na
manutenção do equilíbrio hídrico.
O aumento da excreção de sódio pode ser causado por um defeito na produção
de aldosterona que provoque uma diminuição na sua excreção, por queimaduras, por
episódios prolongados de vómitos e diarreia e por uma deficiente produção de potássio
que provoque situações de hipocaliémia, que fazem com que ao nível dos túbulos renais
ocorra reabsorção de potássio com excreção de sódio. O fenómeno de retenção de água
pode ter como causas o síndrome nefrótico ou a cirrose hepática. Nestas patologias
ocorre diminuição do volume plasmático devido à perda de proteínas do fluido
intravascular, e estimulação da produção de ADH que leva ao aumento da reabsorção de
água e como consequência à diluição do sódio. Por fim o síndrome da secreção alterada
da ADH (SIADH) é um exemplo de um desequilíbrio hídrico, que se caracteriza pela
produção aumentada de ADH, e como consequência provoca o aumento da reabsorção

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de água. Esta patologia está muito associada com a ocorrência de doenças pulmonares,
doenças do sistema nervoso central e de infecções causadas por Pneumocystis carinii.
A hipernatrémia é caracterizada pela presença de concentrações elevadas de iões
sódio no sangue. As principais causas do seu aparecimento são a perda de elevadas
quantidades de água, a ingestão de baixas quantidades de água e o aumento da ingestão
ou retenção de sódio. Episódios prolongados de vómitos e diarreia, sudorese excessiva,
diabetes mellitus com deficiente excreção de ADH, síndrome de Conn e síndrome de
Cushing são outros exemplos de situações patológicas que causam episódios de
hipernatrémia.

Potássio
O potássio é o catião que se encontra em maior concentração no interior das
células e tem como principais funções a manutenção do volume intracelular e da
concentração de protões, e a regulação dos processos de excitação neuromuscular e
contracção do coração.
A manutenção da concentração dos iões potássio é devida aos processos de
reabsorção ao nível do túbulo proximal, e da acção da aldosterona que causa a sua
excreção ao nível do túbulo distal e dos ductos colectores em troca com a reabsorção de
iões sódio.
À semelhança dos iões sódio, erros na ocorrência dos mecanismos de controlo
causam desequilíbrios na concentração sérica dos iões potássio, que podem ser
divididos em dois grandes grupos, hipocaliémia e hipercaliémia.
A hipocaliémia, à semelhança da hiponatrémia, caracteriza-se pela presença de
baixas concentrações de potássio e pode ter como causas distúrbios gastrointestinais,
como vómitos e diarreia, que provocam a excreção dos iões potássio, por situações de
acidose tubular renal que causam diminuição da excreção de protões e em consequência
aumento da excreção de iões potássio, uma vez que os iões potássio trocam com os
protões, e por situações de hiperaldosteronismo, pois a produção aumentada de ADH
causa a retenção de iões sódio e em consequência o aumento da excreção de iões
potássio, uma vez que os iões potássio trocam com os iões sódio.
A hipercaliémia é a situação antagónica da hipocaliémia, surgindo quando estão
presentes no organismo elevadas concentrações de iões potássio. Exemplos de algumas
situações que podem estar na origem do seu surgimento são a realização de tratamentos
usando infusões intravenosas de potássio, a transferência de iões potássio para o líquido

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extracelular em casos de desidratação, hemólise, cetoacidose diabética e queimaduras


graves, e a excreção diminuída de iões potássio em casos de insuficiência renal aguda.

Cloro
O cloro é o anião mais abundante presente no espaço extracelular e tem como
principais funções a manutenção da osmolalidade, do volume sanguíneo e da
neutralidade eléctrica. À semelhança dos iões anteriormente referidos, a concentração
dos iões cloro também não sofre variações significativas devido à ocorrência dos
processos de reabsorção ao nível do túbulo proximal, aos processos de excreção pela
urina e suor, e pela acção da hormona aldosterona, que em situações de sudorese
excessiva, actua ao nível das glândulas sudoríparas, causando uma diminuição na
produção de suor e como consequência uma diminuição na excreção de cloro.
Estes iões, de modo a manter a neutralidade eléctrica dos fluídos, movimentam-
se na mesma direcção que os iões sódio, fazendo com que as causas do desequilíbrio da
concentração de sódio sejam também responsáveis pela ocorrência de alterações na
concentração dos iões cloro. Porém existem algumas situações excepcionais. A
hiperclorémia pode surgir em casos em que existe excreção excessiva de iões
bicarbonato, como são exemplos condições de acidose metabólica, patologias renais
como a acidose tubular renal ou a ocorrência de distúrbios gastrointestinais como a
diarreia. A hipoclorémia pode surgir em resultado de excreção excessiva de iões cloro,
como acontece nos casos de vómito prolongado, cetoacidose diabética e pielonefrite, ou
em resultado do aumento de retenção de iões bicarbonato, como são exemplos as
situações compensatórias da acidose respiratória ou alcalose metabólica.

Magnésio
O magnésio é o quarto catião mais abundante presente no organismo e é um
cofactor essencial para o funcionamento e activação de várias enzimas que participam
nos processos de glicólise, de transmissão neuromuscular e de síntese de hidratos de
carbono, lípidos e ácidos nucleicos. A manutenção da sua concentração no organismo é
quase exclusivamente por via do sistema renal através dos processos de reabsorção ao
nível do túbulo proximal, da ansa ascendente de Henle e do túbulo distal, e do processo
de excreção pela urina.

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Também no caso destes iões, o mau funcionamento dos mecanismos de


regulação da sua concentração sérica causam desequilíbrios, nomeadamente
hipomagnesémia e hipermagnesémia.
A hipomagnesémia é uma situação patológica mais frequentemente observada
em doentes internados nos cuidados intensivos ou sujeitos a terapias diuréticas e que
pode ter várias causas. A existência de distúrbios gastrointestinais, como vómitos ou
diarreia, ou a realização de cirurgias causam a perca de elevadas quantidades de iões
magnésio através das fezes devido à sua mal absorção; glomerulonefrite e pielonefrite
são exemplos de patologias renais que causam o aumento da excreção de iões magnésio
e como tal a diminuição da sua concentração; e o hiperparatiroidismo e o
hiperaldosteronismo são patologias endócrinas que devido ao excesso de produção de
hormonas causam a retenção de iões cálcio e sódio, respectivamente, e como
consequência a excreção aumentada de iões magnésio.
A hipermagnesémia é uma situação patológica que é menos frequente que a
hipomagnesémia e que pode ter como causas situações de falência renal, a ingestão em
excesso de medicamentos que contenham na sua constituição magnésio, como são
exemplos os antiácidos e os catárticos, e patologias oncológicas como o mieloma
múltiplo e metástases ósseas.

Cálcio
O cálcio é um catião divalente muito importante nos processos de contracção das
células do miocárdio. A regulação dos seus níveis é devida à acção de três hormonas, a
PTH, a vitamina D e a calcitonina. A PTH é excretada quando ocorre diminuição dos
seus níveis no sangue, sendo responsável pela activação dos osteoclastos que degradam
a matriz óssea e causam a libertação de iões cálcio, e pela estimulação dos processos de
reabsorção por parte dos túbulos renais. Nos rins, a PTH vai ainda estimular a produção
de vitamina D, que aumenta a absorção deste ião ao nível dos intestinos e dos rins. Por
fim, a calcitonina não participa no mecanismo normal de regulação, sendo apenas
excretada em situações de hipercalcémia, onde é responsável pela inibição da acção da
PTH e da vitamina D.
A hipocalcémia é uma situação patológica caracterizada pela presença de
concentrações baixas de cálcio no sangue, e que aparece por exemplo em consequência
de casos de hipoparatiroidismo primário devido à baixa excreção de PTH que causa
excreção aumentada de cálcio por parte do sistema renal, de casos de rabdomiólise,

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onde os iões fosfato libertados das células destruídas se ligam aos iões cálcio,
provocando a diminuição da sua concentração na forma livre, e de casos de
hipoalbuminémia devido à redução da ligação dos iões cálcio à albumina.
A hipercalcémia contrariamente significa a presença de elevadas concentrações
de cálcio no sangue, e tem como principais causas o hiperparatiroidismo primário e as
patologias oncológicas. No hiperparatiroidismo primário há um aumento significativo
na produção de PTH enquanto nas patologias oncológicas, as células malignas
produzem um péptido de estrutura muito semelhante à hormona PTH e com capacidade
de se ligar aos seus receptores.

Fósforo
O fósforo é um anião que se encontra distribuído por todo o organismo,
desempenhando um papel muito importante nos mecanismos de transdução de sinais, e
sendo parte constituinte de várias moléculas, como os ácidos nucleicos, as enzimas, os
principais reservatórios de energia sob a forma de ATP, e os compostos importantes
para a sobrevivência das células como é exemplo o 2,3-bifosfoglicerato, responsável
pela modulação da afinidade da hemoglobina para as moléculas de oxigénio.
Visto os iões fósforo possuírem funções vitais para a sobrevivência do
organismo, é muito importante a existência de mecanismos de controlo da sua
concentração, como são exemplos o sistema renal devido aos processos de reabsorção e
excreção, a vitamina D que em casos de depleção de iões fósforo aumenta a sua
absorção no intestino e a sua reabsorção ao nível dos rins, e a PTH que é excretada na
presença de elevadas concentrações de fósforo, e que actua ao nível do sistema renal
para que ocorra a sua excreção.
No entanto, na presença de situações patológicas, os mecanismos de regulação
deste ião tornam-se ineficientes, surgindo casos de hipofosfatémia e hiperfosfatémia.
A hipofosfatémia é uma situação patológica que surge maioritariamente nos
indivíduos hospitalizados, ou em casos de cetoacidose diabética, doença pulmonar
obstrutiva crónica, asma, doenças inflamatórias crónicas, hiperparatiroidismo e
deficiência em vitamina D.
A hiperfosfatémia surge maioritariamente em indivíduos com insuficiência renal
aguda ou crónica, em recém-nascidos devido ao desenvolvimento imaturo do
metabolismo da PTH e da vitamina D, e em casos de leucemia linfoblástica devido à

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presença de quantidades de fósforo mais elevadas nos linfoblastos comparativamente


aos linfócitos.

Avaliação do metabolismo do ferro


O ferro é um ião presente em baixas quantidades no organismo humano, estando
distribuído maioritariamente nos eritrócitos e nos seus percursores medulares como
parte constituinte da hemoglobina, encontrando-se ligado a várias enzimas, actuando
como cofactor, e estando armazenado na forma de ferritina e hemossiderina.
A alimentação é a principal fonte de ferro. Na comida, este ião encontra-se
maioritariamente no estado férrico (Fe III). Após a ingestão dos alimentos, o ferro, por
acção de agentes como a vitamina C, é reduzido ao seu estado ferroso e é absorvido
pelas células da mucosa intestinal, onde se ligam à apoferritina e são oxidados ao seu
estado férrico pela ceruloplasmina. No seu estado férrico, os iões são transportados no
plasma ligados à transferrina, sendo, posteriormente, absorvido pelas células do
organismo. Ao nível das células existem duas proteínas que são responsáveis pela
manutenção da homeostasia do ferro no organismo, a ferroportina e a hepcidina. A
hepcidina actua como regulador do influxo de ferro para o plasma a partir dos tecidos,
nomeadamente dos enterócitos que absorvem o ferro proveniente da dieta, dos
macrófagos que reciclam o ferro a partir dos eritrócitos senescentes, e dos hepatócitos
que constituem o principal reservatório de ferro. Assim na presença de excesso de ferro,
após a ligação da hepcidina à ferroportina, que representa o único exportador celular de
ferro conhecido e receptor da hepcidina, o complexo hepcidina-ferroportina é
internalizado nos domínios da membrana basolateral dos macrófagos e hepatócitos, a
ferroportina é degradada causando o bloqueio da libertação de ferro das células para a
circulação sanguínea, havendo, como consequência acumulação de ferro nos
hepatócitos e macrófagos. Deste modo vai ocorrer redução da passagem de ferro para o
plasma, resultando numa diminuição da saturação da transferrina, na existência de uma
menor quantidade de ferro na circulação sanguínea e na normalização dos níveis de
ferro.
A determinação do ferro sérico reflecte principalmente a concentração do ferro
ligado à transferrina e auxilia no diagnóstico de algumas patologias como são exemplos
a anemia ferropénica e a hemocromatose.
A anemia ferropénica é um dos desequilíbrios do metabolismo do ferro mais
comum em todo o mundo, afectando maioritariamente mulheres grávidas e em idade

55
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

reprodutiva, crianças e adolescentes. A deficiência de ferro surge quando ocorre


depleção das reservas de ferro existentes na forma de ferritina e hemossiderina,
acompanhado da diminuição dos níveis de ferro e da saturação da transferrina. As
causas que estão na sua origem são inúmeras, podendo incluir deficiências funcionais
ou estruturais das principais proteínas envolvidas no metabolismo do ferro, a ferritina e
a transferrina, a ingestão de baixas quantidades de ferro, hemorragias, e situações
patológicas que provocam má absorção intestinal e deficiência na produção de
eritropoietina. O seu diagnóstico não inclui somente a determinação da concentração do
ferro, que se encontra diminuída, mas também são uteis a determinação da concentração
da hemoglobina, do hematócrito, da concentração da ferritina, da saturação da
transferrina, os quais se encontram diminuídos, da capacidade de fixação do ferro, da
concentração de transferrina, que se encontram aumentados, e dos índices
hematimétricos que na maioria dos casos revelam uma anemia microcítica e
hipocrómica. Existem ainda outros exames mais específicos, como são exemplos o
mielograma, a biópsia da medula óssea e a electroforese das hemoglobinas, que apesar
de não serem utilizados rotineiramente, podem ajudar no diagnóstico e prognóstico
desta situação patológica.
A hemocromatose é outro exemplo de desequilíbrio do metabolismo do ferro, e
consiste numa doença genética autossómica recessiva caracterizada pelo aumento da
absorção de ferro e pela sua acumulação em vários órgãos, nomeadamente o fígado, o
pâncreas, o coração e a hipófise. O ferro, sendo um metal, quando presente em excesso
é tóxico para o organismo, fazendo com que os indivíduos que sofram desta doença
possuam maior risco de desenvolvimento de problemas cardíacos, cirrose, fibrose e
cancro hepático. Na avaliação laboratorial desta patologia a concentração do ferro, da
ferritina e da saturação da transferrina encontram-se geralmente aumentadas, enquanto a
concentração da transferrina e a capacidade de fixação do ferro encontram-se
ligeiramente diminuídas.

Na tabela 7 estão representadas outras situações patológicas causadas por


desequilíbrios do metabolismo do ferro e as respectivas alterações bioquímicas
(respeitantes à concentração do ião ferro, e aos níveis de transferrina, ferritina, saturação
de ferritina e capacidade de fixação do ferro) que auxiliam no seu diagnóstico.

56
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Tabela 7 – Patologias que causam desequilíbrio da concentração sérica do ião ferro e o seu
respectivo perfil dos vários marcadores que avaliam o estado do ferro no organismo.
Nível da Nível da
Condição Concentração Nível da Nível da saturação capacidade
patológica do ião ferro transferrina ferritina de de fixação
ferritina do ferro
Doenças
Diminuído Diminuído Aumentado Diminuído Diminuído
oncológicas
Normal ou
Hepatite viral Aumentado Aumentado Aumentado Aumentado
aumentado
Anemia Normal ou Normal ou
Aumentado Aumentado Aumentado
sideroblástica diminuído diminuído
Anemia Normal ou Normal ou Normal ou
Diminuído Diminuído
crónica diminuído aumentado diminuído

Síndromes infecciosos
Os síndromes infecciosos são inúmeros, podem ter várias etiologias e o seu
diagnóstico é complexo, envolvendo a realização de inúmeros exames. No âmbito das
análises clínicas, o diagnóstico de infecções e processos inflamatórios engloba a
determinação de uma vasta gama de parâmetros, como são exemplos a Proteína C
Reactiva e as Imunoglobulinas.

Proteína C Reactiva
A Proteína C Reactiva é sintetizada no fígado e tem a capacidade de se ligar a
polissacáridos presentes na parece celular dos microorganismos, opsonizando-os, e a
substâncias tóxicas libertadas por tecidos lesionados, activando a via clássica do
complemento, e promovendo, como consequência, a fagocitose e a lise de células
invasoras. É considerada uma proteína de fase aguda positiva, observando-se aumento
dos seus níveis na presença de qualquer processo infeccioso causado por
microorganismos ou de etiologia auto-imune, sendo por esta razão também muito
inespecífica e tendo um papel muito restrito na pesquisa da etiologia de processos
inflamatórios.
O seu doseamento é assim muito importante na detecção de infecções, lesões
tecidulares, processos inflamatórios e de doenças auto-imunes.
A sua determinação revelou-se também importante na avaliação de risco de
desenvolvimento de doenças cardiovasculares, na medida em que estudos realizados
demonstram que a existência de níveis aumentados de Proteína C Reactiva aumentam o

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

risco de ocorrência de enfarto agudo do miocárdio pois estimulam a produção de factor


tissular, que ao ligar-se às LDL, promove a formação das placas de ateromas, e a
consequente obstrução dos vasos sanguíneos.

Imunoglobulinas
As imunoglobulinas são glicoproteínas sintetizadas pelos plasmócitos em
resposta à presença de antigénios e têm como principais funções o reconhecimento de
antigénios e a estimulação de mecanismos imunológicos eficientes capazes de destruir
os antigénios. Estas proteínas são constituídas por duas cadeias pesadas e duas cadeias
leves unidas por ligações dissulfito, e podem ser classificadas em cinco classes
denominadas IgG, IgA, IgM, IgE e IgD, de acordo com o tipo de cadeia pesada que
possuem.
As IgG são a classe de imunoglobulinas que existem em maior abundância no
sangue e são responsáveis pela opsonização dos agentes patogénicos, pela neutralização
de toxinas e pela activação do sistema do complemento. Na presença de situações
patológicas os seus níveis sofrem alterações, podendo o seu doseamento ser útil para o
diagnóstico de doenças hepáticas, gamapatias monoclonal, como é exemplo o mieloma
do tipo IgG, gamapatias policlonais e de infecções parasitárias, nos quais se encontram
valores aumentados de IgG; e em situações de imunodeficiência adquirida, mielomas
não-IgG e síndrome nefrótico nos quais se detectam níveis diminuídos de IgG.
As IgA são a classe de imunoglobulinas encontradas nas secreções das mucosas,
como são exemplos a saliva, as lágrimas, fluido vaginal e as secreções dos sistemas
respiratórios e digestivo, contribuindo para a sua protecção contra agentes patogénicos.
O seu doseamento é útil na detecção do síndrome nefrótico, leucemias linfoblásticas
agudas e crónicas e de síndromes de má absorção, nos quais os seus níveis estão
diminuídos; e em casos de cirrose portal, gamapatias monoclonal, como é exemplo o
mieloma do tipo IgA, gamapatias policlonais, doenças inflamatórios do tracto digestivo
e respiratório e imunodeficiência como o síndroma de Wiskott-Aldrich, nos quais os
seus níveis estão aumentados.
As IgM são as primeiras imunoglobulinas a aumentar de níveis em resposta à
presença de antigénios, estando aumentadas em casos de cirrose biliar primária,
Macroglobulinémia de Waldenström, infecções parasitárias como a malária e a
toxoplasmose, e em infecções virais como a rubéola, o citomegalovírus e os herpes.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Por fim, as IgD e IgE não doseadas no laboratório SOERAD, no entanto as suas
determinações são importantes no diagnóstico de algumas situações patológicas. As IgD
são imunoglobulinas que, apesar de se conhecer pouco acerca das suas funções, estão
aumentadas em situações infecciosas, em doenças hepáticas e em infecções do tecido
conectivo. As IgE são imunoglobulinas que, em situações fisiológicas normais, estão
presentes em baixas concentrações, observando-se aumento dos seus níveis em
episódios agudos de asma, na ocorrência de reacções anafilácticas, febre dos fenos, e em
consequência de uma situação patológica mais rara, o mieloma do tipo IgE.

2.1.1.4. ANÁLISE SUMÁRIA DA URINA TIPO II

A análise sumária da urina tipo II engloba o exame físico, a análise química e o


exame microscópico do sedimento urinário, e representa uma forma fiável de avaliar a
função renal e hepática, e de identificar desequilíbrios do metabolismo dos glúcidos, a
partir de um produto biológico facilmente acessível.
No laboratório SOERAD as urinas tipo II são analisadas no aparelho automático
Aution Max 4280 (figura 2), que permite o estudo da cor e da turvação, e a
determinação da densidade específica, do pH, e das concentrações de glucose,
eritrócitos, bilirrubina, urobilinogénio, cetonas, proteínas, nitritos e leucócitos.

Figura 2 – Aparelho automático Aution Max 4280 responsável pela análise


física e química da urina tipo II.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Na tabela 8 estão representados os parâmetros determinados no aparelho


automático Aution Max 4280 e os respectivos métodos utilizados.

Tabela 8 – Representação dos parâmetros determinados pelo analisador automático Aution Max
4280, os métodos utilizados e os valores correspondentes ao limite de detecção e ao valor limite.
Valor
Parâmetro Método utilizado Limite de detecção
limite*
Medição da reflectância a
Cor 635nm, 565nm, 430nm e a -
760nm
Gravidade Método do índice de
-
específica refracção
Reacção glucose oxidase-
Glucose 10 mg/dL 60 mg/dL
peroxidase-cromogéneo
Reacção de erro da proteína
Proteínas 5 mg/dL 25 mg/dL
do indicador de pH
Reacção da bilirrubina com
Bilirrubina 0,2 mg/dL 0,35 mg/dL
um sal de diazónio
Reacção do urobilinogénio
Urobilinogénio 0,2 mg/dL 1,5 mg/dL
com um sal de diazónio
Alteração de cor de
-
pH indicadores entre pH 4,5 e pH
9
Detecção de actividade da Hemoglobina: 0,03
Sangue pseudoperoxidase da mg/dL; Eritrócitos: 10 0,045 mg/dL
hemoglobina eritrócitos/µL
Cetonas Reacção legal 5 mg/dL 7,5 mg/dL
Quantidade de
Nitrito Reacção de Griess bactérias: 105/mL; 0,08 mg/dL
Nitritos: 0,08 mg/dL
Detecção da actividade da 50
Leucócitos 25 leucócitos/µL
esterase nos leucócitos leucócitos/µL
*O valor limite representa o valor máximo considerado normal pelos autores do
manual de utilizador do aparelho automático Aution Max 4280. Os resultados com um
valor superior devem ser considerados positivos.

Exame físico da urina tipo II


O exame físico da urina tipo II inclui o estudo da cor, do aspecto ou turvação, da
gravidade específica e do cheiro.

 Cor
A cor da urina pode variar desde incolor até preto, dependendo da concentração
de elementos presentes na urina, do grau de hidratação, da actividade física, de
compostos ingeridos e da existência de determinadas condições patológicas.

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A variação observada na cor da urina deve-se à excreção de diferentes


pigmentos. Assim, a urina pode apresentar uma coloração amarela devido à presença de
urocromo e de pequenas quantidades de urobilina e uroeritrina; coloração amarela ou
verde acastanhada resultante da presença de pigmentos biliares como a bilirrubina;
coloração vermelha acastanhada derivado da presença de hemoglobina ou eritrócitos; ou
coloração preta nos casos de alcaptonúria, em que há excreção de ácido homogentísico,
ou nos casos de melanoma, onde ocorre a oxidação dos percursos da melanogénese em
melanina.

 Aspecto ou turvação
A avaliação do aspecto ou turvação da urina é um passo muito importante para a
avaliação microscópica do sedimento urinário pois o aumento de turvação poderá
indicar a presença de elementos sólidos, que podem ser patológicos ou benignos,
possíveis de se encontrar na avaliação do sedimento urinário.
A existência de turvação depende essencialmente do pH da urina e da presença
de compostos sólidos dissolvidos, e deve ser avaliada a partir da observação da urina
contida num recipiente transparente, e contra uma fonte de luz.
As causas que estão na origem do aparecimento de turvação da urina podem ser
de natureza patológica e não patológica. As principais causas não patológicas incluem a
existência de cristais de fosfatos amorfos ou carbonatos em urinas alcalinas refrigeradas
ou conservadas incorrectamente, a presença de cristais de uratos em urinas ácidas
refrigeradas ou conservadas incorrectamente, e a presença de células epiteliais de
descamação e muco, de cremes vaginais e de contaminação fecal e seminal.
Relativamente às principais causas patológicas que estão na origem do aparecimento de
turvação na urina tem se a presença de leucócitos, eritrócitos, células epiteliais que não
de descamação ou muco, bactérias, leveduras, fungos, cristais anormais e lípidos.

 Gravidade específica
A gravidade específica indica a densidade das substâncias químicas que estão
dissolvidas na urina, permitindo avaliar a função de reabsorção e o poder de
concentração do sistema renal, o estado de hidratação e possíveis defeitos na síntese ou
acção das hormonas antidiuréticas. Em condições fisiológicas normais, os valores da
gravidade específica situam-se entre 1,005 e 1,030. Porém em situações patológicas
como são exemplos a diabetes insipidus, pielonefrite e glomerulonefrite, os valores de

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gravidade específica encontram-se diminuídos devido à reduzida capacidade de


concentração do sistema renal. Contrariamente a existência de diabetes mellitus,
insuficiência cardíaca congestiva, desidratação, insuficiência adrenal e doenças
hepáticas, podem causar o aumento da gravidade específica.
O método de determinação deste parâmetro baseia-se no índice de refracção da
urina. Neste método após incidência de luz monocromada na amostra de urina, a luz
incide numa escala de gravidade específica calibrada, num determinado ângulo
dependente da concentração das substâncias dissolvidas na urina.
Na calibração do método são utlizados dois níveis de calibradores, que são
fornecidos em estado líquido, e que após serem introduzidos no aparelho automático
pela ordem correcta, primeiro o CAL 1 e depois o CAL 2, o analisador calcula
automaticamente os factores de calibração, utilizando-os posteriormente para registar os
resultados.

 Cheiro
O cheiro é uma característica física considerada com pouco significado clínico.
No entanto existem patologias que causam um odor característico, permitindo ao
analista orientar a sua investigação. Como exemplos tem se a urina dos indivíduos com
diabetes não controlada, que possui um odor adocicado devido à presença de cetonas
resultantes do catabolismo lipídico, os casos de fenilcetonúria, em que a urina possui
um odor a mofo, e as situações de infecção do tracto urinário, que causam a excreção de
urina com um odor fétido.

Exame químico da urina tipo II


A análise química da urina tipo II é realizada pelo aparelho automático Aution
Max 4280, no qual são introduzidas tiras-teste, que por via da produção de diferentes
colorações como resultado da reacção dos reagentes com a urina, permite a
determinação semi-quantitativa dos parâmetros glucose, proteínas, bilirrubina,
urobilinogénio, pH, sangue, cetonas, nitrito e leucócitos.

Descrição dos métodos utilizados para o doseamento dos parâmetros químicos e


importância clínica do seu aparecimento nas amostras de urina tipo II

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Glucose
O método utilizado na determinação da concentração da glucose na urina é
denominado oxidase-peroxidase-cromogénio. Neste método a glucose sofre oxidação
por parte da glucose oxidase levando à formação de ácido glucorónico e peróxido de
hidrogénio. Seguidamente o peróxido de hidrogénio, por acção da peroxidase, oxida o
composto cromogénio (4-Aminoantipirina) causando a formação de um composto
colorido, cuja detecção é feita espectrofotometricamente e cuja absorvência é
directamente proporcional à concentração de glucose. Porém a presença de elevadas
concentrações de ácido úrico, bilirrubina e ácido ascórbico podem causar a obtenção de
valores falsamente diminuídos, pois são compostos que sofrem oxidação pela
peroxidase, e a presença de substâncias fortemente oxidantes como o hipoclorito e o
cloro, bem como uma urina com elevado grau de acidez (pH <4) podem causar a
obtenção de valores falsamente aumentados.
A determinação da concentração de glucose na urina é um teste muito utilizado e
de grande importância no diagnóstico de diabetes mellitus, pois situações de
hiperglicemia causam a saturação dos sistemas de transporte tubular renal e a sua
consequente incapacidade de absorver glucose. Também é um teste que permite a
monitorização do sistema renal destes doentes pois uma das complicações a longo prazo
é insuficiência renal, que quando instalada provoca uma deficiência na reabsorção de
glucose e outras substâncias por parte dos túbulos renais, levando ao aparecimento de
glucose na urina.
A glicosúria também pode ser observada em consequência de patologias como a
pancreatite, tumor pancreático, síndrome de Cushing e hipertiroidismo, devido à
diminuição de produção de insulina e à elevada síntese de hormonas hiperglicemizantes,
como a hormona do crescimento, epinefrina e cortisol, que provocam o aumento dos
níveis de glucose no sangue.
Contudo é possível detectar-se pequenas quantidades de glucose na primeira
urina da manhã em indivíduos saudáveis.

Proteínas
O método utilizado na determinação da concentração de proteínas na urina
baseia-se na reacção de erro da proteína do indicador do pH. Este teste é muito sensível
para a determinação da albumina e menos sensível para a determinação das globulinas,
proteína de Bence-Jones e das mucoproteínas, e sofre interferências em amostras de

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urina com pH inferior a 3, obtendo-se valores falsamente diminuídos, e em urinas com


pH superior a 8 e com concentrações elevadas de hemoglobina e substâncias de alto
peso molecular, obtendo-se valores falsamente aumentados.
A proteinúria é um parâmetro muito importante na avaliação do sistema renal,
nomeadamente na função de filtração glomerular. Em condições fisiológicas normais é
possível detectar-se presença de proteínas na urina devido a alterações fisiológicas que
ocorrem como consequência de excesso de exercício físico, stress ou alimentação
desequilibrada. Nestas situações, a proteinúria é inferior a 10 mg/dL ou 100 mg/24h, e
as proteínas existentes maioritariamente são as de baixo peso molecular, como a
albumina, as produzidas no tracto urinário, como é exemplo a proteína de Tamm-
Horsfall, as microglobulinas, e as proteínas presentes nas secreções prostática, e
seminal. No entanto, a presença de situações patológicas que provocam uma diminuição
da capacidade de reabsorção dos túbulos renais, um aumento da carga de filtração, ou a
ocorrência de alterações na permeabilidade dos glomérulos que diminuem a capacidade
filtrante dos mesmos causam o aparecimento de maior quantidade de proteínas na urina,
algumas de massa molecular elevada.
Contudo para um estudo mais preciso da proteinúria, é útil proceder-se à
determinação da concentração de proteínas em amostras de urina de 24h, ou à realização
de electroforese de proteínas de modo a identificar as proteínas existentes na urina.

Bilirrubina
A bilirrubina directa na urina é determinada com base na sua reacção com um
sal de diazónio que resulta na formação de um composto castanho-avermelhado cuja
formação pode ser detectada espectrofotometricamente, e a sua intensidade
directamente proporcional à concentração de bilirrubina. Este teste sofre interferências
na presença de elevadas concentrações de ácido ascórbico, ácido úrico e nitrito,
podendo-se obter valores falsamente diminuídos, e na presença de urobilinogénio e
etodolac (anti-inflamatório não esteróide), podendo-se obter valores falsamente
aumentados. Também é possível obter valores alterados deste parâmetro caso a tira-teste
sofra acção da luz pois a bilirrubina sofre processos de degradação pela luz.
Em condições fisiológicas normais não se detecta presença de bilirrubina na
urina, devendo o encontro de pequenas quantidades de bilirrubina na urina ser
encarados como significativos. Situações patológicas que causam o aparecimento de
bilirrubinúria incluem cirrose hepática, hepatites, obstrução biliar e hepatocarcinomas.

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Urobilinogénio
O urobilinogénio é um produto resultante dos processos de redução da
bilirrubina por parte das enzimas da flora bacteriana intestinal. O seu método de
determinação baseia-se no mesmo princípio que o método utilizado para a determinação
da concentração de bilirrubina, sendo afectado pela presença de carbapenem (antibiótico
beta-lactâmico) e bilirrubina.
O aumento da sua concentração na urina surge em casos de doenças hemolíticas
devido à destruição de maior quantidade de eritrócitos, e em casos de doenças hepáticas
como a hepatite e a cirrose hepática. Contudo o urobilinogénio é um pigmento que
existe em pequenas quantidades na urina, sendo possível detectar a sua presença
também em indivíduos saudáveis, ou em situações de cansaço, obstipação ou após
realização de exercício físico ou ingestão de bebidas alcoólicas.

pH
A determinação do pH baseia-se na utilização de indicadores, nomeadamente o
verde de bromocresol e o azul de bromoxilenol, que alteram a sua cor de acordo com o
pH.
Em condições fisiológicas normais, o valor do pH da urina é aproximadamente
6, podendo variar num intervalo entre 4,5 e 8. A alteração do pH da urina para valores
inferiores e superiores dos limites de intervalo podem ser indicativo da presença de
situações patológicas que causam a formação de urinas ácidas e básicas.
A acidez da urina está associada à excreção de compostos derivados do fosfato e
a ácidos não voláteis como são exemplos o ácido pirúvico, o lactato e o citrato, e
surgem em casos de acidose sistémica, diabetes mellitus e acidose tubular renal. Porém,
neste último caso, pode não haver alteração do pH da urina devido a uma incapacidade
de excretar iões H+ por parte dos túbulos renais.
Contrariamente urinas alcalinas estão associadas a casos de infecções
bacterianas do tracto urinário, ao síndrome de Fanconi, uma doença hereditária que se
caracteriza pela disfunção do túbulo proximal, e a situações patológicas que causam
alcalose respiratória e metabólica. Também o armazenamento durante um longo período
de tempo, mesmo a temperaturas baixas, causa a alcalinização das amostras, sendo
recomendado, por este motivo, que a determinação do pH das amostras de urina seja
realizada em amostras frescas.

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Sangue
A determinação de sangue na urina inclui a pesquisa da presença de eritrócitos,
hemoglobina ou mioglobina. O método utilizado pelas tiras-teste consiste na reacção
entre o hidroperóxido de cumeno e o cromogéneo 3,3’,5,5’-tetrametilbenzidina
catalisada pela pseudoperoxidase da hemoglobina, havendo a formação de um composto
de coloração azul cuja intensidade é directamente proporcional à concentração de
sangue presente na amostra de urina. A área de teste possui maior sensibilidade para a
detecção de hemoglobina e mioglobina relativamente a eritrócitos, sofrendo
interferências na presença de elevadas concentrações de ácido ascórbico e proteínas, e
de valores aumentados de gravidade específica, podendo obter-se valores falsamente
diminuídos.
A presença de eritrócitos e hemoglobina na urina podem surgir em casos de
cálculos renais, tumores do tracto urinário, traumatismos vasculares, pielonefrites,
cistite, litíase renal, síndrome nefrótico e, nas mulheres durante o período menstrual,
tratando-se nesta situação de uma contaminação.
A presença de mioglobina na urina está associada à prática de exercício físico
intenso e à existência de situações patológicas que causam a destruição do tecido
muscular como são exemplos traumatismos musculares, distrofia muscular progressiva
e polimiosite.

Corpos cetónicos
Os corpos cetónicos produzidos pelo organismo são o ácido acetoacético, o
ácido beta-hidroxibutírico e a acetona. Estes compostos são produtos do catabolismo
lipídico sintetizados em situações de baixa concentração de hidratos de carbono. Em
condições fisiológicas normais a quantidade de corpos cetónicos existentes no plasma e
na urina é muito baixa, não sendo, em muitos casos, possível detectar-se a presença de
corpos cetónicos na urina. No entanto em casos de jejum prolongado, excesso de
exercício físico, diabetes mellitus descompensada, deita rica em lípidos, vómitos
prolongados e doenças que afectam o armazenamento da glucose soba forma de
glicogénio, existe a diminuição da concentração de glucose no sangue e a consequente
formação de corpos cetónicos que ao atingirem um determinado limiar, são eliminados
pela urina.
A determinação da cetonúria é útil em indivíduos com diabetes mellitus na sua
fase aguda, com sinais e sintomas de cetoacidose, com concentração de glucose no

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sangue superior a 300 mg/dL, e nas grávidas. O método utilizado no seu doseamento na
urina baseia-se na reacção de legal, na qual a reacção entre os corpos cetónicos e o
nitroprussiato de sódio em meio alcalino provoca a formação de um complexo de cor
violeta cuja intensidade é directamente proporcional à concentração dos corpos
cetónicos na amostra. A área de teste possui maior sensibilidade ao ácido acetoacético
relativamente à acetona, não reage com o ácido β-hidroxibutírico e sofre interferências
com a presença de elevadas concentrações de fenilcetona, cefalosporina, L-DOPA e
enzima redutora de aldose, podendo obter-se valores falsamente aumentados.

Nitritos
O teste de pesquisa de nitritos na urina possui um papel muito importante no
diagnóstico de infecções bacterianas do tracto urinário pois permite a detecção de
bactérias na urina através da reacção de Griess. Neste método, os nitritos reagem com a
sulfanilamida em meio ácido levando à formação de um sal diazónico, que
posteriormente reage com o dicloridrato N-1-naftiletilenediamina, formando-se um
composto de coloração vermelha. Este teste reage unicamente com o nitrito, a
intensidade da cor do composto de coloração vermelha formado não é directamente
proporcional à quantidade de bactérias presente na amostra, e sofre interferências na
presença de elevadas concentrações de ácido ascórbico e de valores aumentados de
gravidade específica, podendo obter-se valores falsamente diminuídos.
A obtenção de um resultado positivo é indicativa de presença de bactérias,
porém um resultado negativo não implica a inexistência de bactérias na urina pois as
bactérias presentes podem não possuir a enzima responsável pela redução dos nitratos a
nitritos, como são exemplos as bactérias pertencentes aos géneros Staphylococcus sp.,
Enterococcus sp., e Streptococcus sp., ou, alternativamente, um resultado negativo pode
ser resultado da retenção da urina na bexiga durante um curto período de tempo,
fazendo com que na amostra esteja presente uma quantidade de bactérias indetectável
pelo método presente na tira-teste.

Leucócitos
A determinação do número de leucócitos na urina é realizada através da
detecção da actividade da esterase, que é uma enzima presente nos leucócitos,
especialmente nos fagócitos. Neste teste há a formação de um composto violeta, cuja
intensidade é directamente proporcional à quantidade de leucócitos presente na amostra,

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e que resulta da reacção entre um sal diazónico (2-metoxi-4-(N-


morfolino)benzenediazónio) com o produto de hidrólise do 3-(N-toluenosulfonil-L-
alaniloxi)indol catalisado pela enzima esterase. No entanto a presença de elevadas
concentrações de bilirrubina e formaldeído podem causar a obtenção de valores
falsamente aumentados, enquanto a existência de elevadas concentrações de glucose e
proteínas, baixo pH e valores aumentados de gravidade específica poderão causar a
obtenção de valores falsamente diminuídos.
A presença de leucócitos na urina está maioritariamente associada a infecções do
tracto urinário, podendo também estar presentes em patologias renais, traumas e na
consequência de ingestão de substâncias irritantes.

Exame microscópico do sedimento urinário


O exame microscópico do sedimento urinário consiste na identificação e
quantificação de elementos figurados na urina, que incluem células epiteliais,
eritrócitos, cilindros, leucócitos, granulações, cristais, leveduras, bactérias, parasitas e
filamentos de muco, cuja presença ou existência em quantidades anormais está
associada a determinadas situações patológicas.
O sedimento urinário é obtido após centrifugação da urina a 715×g durante 10
minutos, e decantação do sobrenadante.
No laboratório SOERAD, após a análise física e química da urina no aparelho
automático, realiza-se a observação microscópica do sedimento apenas das amostras de
urina que apresentam resultado positivo nos parâmetros sangue, bilirrubina, nitritos,
turbidimetria e leucócitos, concentração de proteínas superior ou igual a 30 mg/dL,
concentração de glucose superior ou igual a 60 mg/dL, concentração de corpos
cetónicos superior ou igual a 8 mg/dL e valores aumentados da gravidade específica.

Células epiteliais
A existência de células epiteliais nas amostras de urina não está associada
directamente a situações patológicas, sendo muito comum a sua presença em mulheres
devido à contaminação vaginal.
No exame microscópio do sedimento urinário a quantificação das células
epiteliais é reportada como raras, algumas ou muitas.

68
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Existem três tipos principais de células epiteliais que incluem as células


epiteliais de descamação, as células epiteliais de transição ou uroteliais e as células
epiteliais redondas.
As células epiteliais de descamação (figura 3) apresentam citoplasma abundante
e irregular, e núcleo pequeno e evidente, são resultado do processo de descamação
natural dos nefrónios e do epitélio do tracto urinário, estando presentes em raras
quantidades em amostras de indivíduos saudáveis. Porém quando presentes em elevado
número ou morfologicamente alteradas (figura 4), é importante referir a sua existência
pois em muitos casos estão associadas a processos patológicos.

Figura 3 – Aglomerado de células epiteliais de Figura 4 – Aglomerado de células


descamação (×400). epiteliais de descamação com forma
alterada (×400).

As células epiteliais de transição ou uroteliais (figura 5) possuem menor


tamanho que as células epiteliais de descamação, podem apresentar-se de várias formas,
esféricas, poliédricas ou caudadas (figura 6), e em raras quantidades a sua presença é
possível ser detectada em condições fisiológicas normais. No entanto o aumento da sua
quantidade na urina está associado a casos de indivíduos algaliados, inflamação na
bexiga e neoplasias.

Figura 5 – Sincícios de células epiteliais Figura 6 – Células epiteliais de transição


de transição (×400). de forma caudada (×400).

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

As células tubulares renais (figuras 7, 8 e 9) são uninucleadas e a sua presença é


indicativa de existência de processo patológico, estando associadas a situações de
necrose tubular renal. Estas células possuem várias formas dependentes da zona de
origem, podendo assumir uma estrutura rectangular, no caso de necrose das células do
túbulo proximal, ou redonda no caso de necrose das células do túbulo distal.
As causas que estão na origem do seu aparecimento são várias, que podem
incluir infecções virais, pielonefrites, neoplasias, rejeição de transplantes renais e
exposição a metais pesados.

Figura 7 – Células epiteliais Figura 8 – Células Figura 9 – Células epiteliais


tubulares renais ovais epiteliais tubulares tubulares renais cubóides
características do túbulo distal renais rectangulares características do ducto
(×400). características do colector (×400).
túbulo proximal
(×400).

Eritrócitos
Os eritrócitos (figuras 10 e 11) são células anucleadas, de tamanho reduzido, e
de várias formas, como redondas, crenadas ou esbatidas, fazendo com que em alguns
casos seja difícil a sua identificação. A sua presença na urina pode ocorrer em situações
fisiológicas normais, resultando de contaminação menstrual ou da prática de exercício
físico, ou em consequência de situações patológicas como obstrução por cálculos renais,
traumas vasculares, pielonefrites e cistites.
A quantificação dos eritrócitos é reportada de forma quantitativa e resulta da
média da contagem dos eritrócitos realizada em 10 campos. Assim, os eritrócitos podem
ser descritos como raros, caso estejam presentes <2 ou 2-4 eritrócitos, alguns, caso
estejam presentes 4 a 10 eritrócitos, ou muitos, caso o número de eritrócitos seja
superior a 10. A presença de raros eritrócitos, geralmente <2 por campo, pode ocorrer
em indivíduos sem que esteja associado a ocorrência de patologia. Contudo a existência

70
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

de alguns ou muitos eritrócitos é indicativo de doença renal ou do tracto urinário, como


são exemplos as situações patológicas mencionadas anteriormente.

Figura 10 – Eritrócitos normais (×400). Figura 11 – Eritrócitos dimórficos (×400).

Leucócitos
Os leucócitos (figura 12) são células nucleadas, de maior dimensão que os
eritrócitos, e podem estar presentes na urina em condições fisiológicas normais, em
baixas quantidades, geralmente num número inferior a 5 por campo.
O aumento do número de leucócitos na urina (figura 13) é observado em
inúmeras patologias, nomeadamente pielonefrite, cistite, prostatite, uretrite,
glomerulonefrite, infecções do sistema renal, e tumores.

Figura 12 – Leucócitos (×400). Figura 13 – Aglomerado de leucócitos


(×400).

O tipo de leucócitos maioritariamente encontrados na urina são os fagócitos


polimorfonucleados (neutrófilos), que ao possuírem granulações, são facilmente
identificados. Porém, em determinadas situações patológicas, pode ocorrer o
aparecimento de eosinófilos na urina, como são exemplos a nefrite intersticial
provocada por fármacos, e a rejeição de transplantes renais. Neste último caso, pode
ocorrer ainda o aparecimento de células mononucleares, nomeadamente linfócitos,
monócitos e macrófagos. Porém não é fácil realizar a sua identificação
microscopicamente, pois os linfócitos, devido ao seu reduzido tamanho, muitas vezes

71
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

são confundidos com eritrócitos, e os monócitos e os macrófagos são difíceis de


distinguir de neutrófilos desintegrados e de células epiteliais tubulares renais.
A quantificação dos leucócitos é reportada quantitativamente e resulta da média
da contagem dos leucócitos realizada em 10 campos. Assim, os leucócitos podem ser
descritos como raros, caso estejam presentes <2 ou 2-4, alguns, caso estejam presentes 4
a 12, ou muitos, caso o número seja superior a 12.

Cilindros
Os cilindros são as únicas estruturas provenientes exclusivamente do sistema
renal, sendo formados a partir da precipitação de mucoproteínas, nomeadamente da
proteína Tamm-Horsefall, em situações de estase urinária, diminuição do pH da urina, e
na presença de elevadas concentrações de sais e proteínas. Existem vários tipos de
cilindros, como são exemplos os hialinos, os granulares e os celulares.
Os cilindros hialinos (figuras 14 e 15) possuem uma matriz clara e gelatinosa,
não apresentam inclusões celulares, surgindo na urina como resultado de situações que
provocam um aumento da permeabilidade dos glomérulos, que podem ou não serem
patológicas. Como tal estes cilindros podem aparecer na sequência de episódios de
febre, desidratação ou stress, fazendo com que a sua presença em alguns casos não seja
de origem patológica.

Figura 14 – Cilindro hialino (I) (×400). Figura 15 – Cilindro hialino (II) (×400).

Os cilindros granulares são constituídos por grânulos de várias dimensões e


podem ser parte constituinte do sedimento urinário em situações benignas ou em
consequência de intoxicação prolongada por chumbo, ou de casos de pielonefrite.
Os cilindros celulares incluem vários tipos de cilindros como são exemplos os
cilindros constituídos por eritrócitos (figura 16) e leucócitos (figura 17). A presença
deste tipo de cilindros está na maioria dos casos associada à presença de patologia. Os

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

cilindros de eritrócitos surgem em casos de endocardite de origem bacteriana, infarto


renal, doenças do colagénio e glomerulonefrite aguda, enquanto a presença de cilindros
de leucócitos surgem maioritariamente em consequência de casos de pielonefrite e
síndrome nefrótico.

Figura 16 – Cilindro eritrocitário com Figura 17 – Cilindro leucocitário


presença de eritrócitos hipocrómicos livres desintegrado (×400).
(×400).

Os cilindros de células epiteliais são exemplo de outro tipo de cilindros celulares


que em indivíduos saudáveis podem surgir na urina em quantidades baixas devido ao
processo natural de renovação celular dos sistemas renal e urinário. Porém a existência
de elevado número deste tipo de cilindros está associada a situações patológicas como
intoxicação por metais pesados, toxicidade renal, eclampsia, síndrome nefrótico e
amiloidose.
Na urina a quantificação de todas as estruturas anteriormente referidas é
reportada pelo número observado por campo, sendo o valor final resultado da média dos
cilindros observados no mínimo em dez campos.

Cristais
Os cristais são resultado da precipitação de compostos orgânicos, sais
inorgânicos e compostos iatrogénicos devido à ocorrência de alterações na temperatura,
pH e na concentração de solutos.
Existem vários tipos de cristais, patológicos e não patológicos, que dependendo
da sua constituição auxiliam na detecção de erros hereditários do metabolismo, e de
patologias hepáticas e renais. Na avaliação do sedimento urinário, estes elementos são
reportados como raros, alguns e muitos, com excepção dos cristais patológicos que
devem ser contabilizados e registado o número observado por campo.

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Nas urinas ácidas os cristais mais frequentemente observados sem significado


clínico incluem os cristais de ácido úrico (figura 18), oxalato de cálcio (figura 19), urato
amorfo (figura 20), urato ácido e urato de sódio.
Os cristais de uratos amorfos são característicos de amostras refrigeradas
conferindo uma coloração rosa ao sedimento urinário. Os cristais de ácido úrico, apesar
de serem considerados cristais não patológicos, quando presentes em elevadas
quantidades estão associados à existência de elevados níveis de purinas e ácidos
nucleicos, situações de gota, e em indivíduos com leucemia e em tratamento
quimioterápico. Os cristais de oxalato de cálcio são incolores, podem ser mono ou
dihidratados e tal como os cristais de ácido úrico também podem estar associados à
existência de situações patológicas, especialmente quando se encontram ligados a
filamentos de muco. Exemplos de patologias em que se observa um elevado número
deste tipo de cristais são a existência de cálculos renais e envenenamento por
etilenoglicol.
Os cristais de urato ácido e urato de sódio são observados com menor frequência
que os referidos anteriormente, sendo frequentemente encontrados juntamente com
cristais de urato amorfo.

Figura 18 – Cristais de ácido úrico (×400). Figura 19 – Cristais de oxalato de cálcio


desidratados (×400).

Figura 20 – Cristais amorfos de urato (×400).

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Nas urinas alcalinas, os cristais não patológicos mais frequentemente observados


são os cristais de triplo fosfato (figura 21), fosfato amorfo (figura 22), fosfato de cálcio
e carbonato de cálcio. Os cristais triplo fosfato apesar de apresentarem reduzido
significado clinico, estão associados a urinas fortemente alcalinas e à presença de
bactérias produtoras de amónia. Os cristais de fosfato de cálcio quando presentes em
elevadas concentrações podem indicar a presença de cálculos renais pois a produção de
cálculos de fosfato de cálcio é comum. Os cristais de carbonato de cálcio são de
pequena dimensão, incolores, e a sua presença não está associada à existência de
nenhum processo patológico.

Figura 21 – Cristal triplo fosfato Figura 22 – Cristais de triplo fosfato e de fosfatos


(×400). amorfos (×400).

Os cristais patológicos são encontrados maioritariamente nas urinas ácidas e


incluem os cristais de cistina, colesterol, tirosina, leucina e bilirrubina.

Os cristais de cistina (figura 23) são incolores e são característicos da cistinúria,


que consiste num desequilíbrio genético que provoca a incapacidade de reabsorção da
cistina por parte dos túbulos renais.

Figura 23 – Cristais de cistina (×400).

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Os cristais de colesterol (figura 24) estão associados ao síndrome nefrótico e a


situações patológicas que causam lipúria, no entanto raramente são observados em
amostras frescas devido à presença de baixas quantidades de lípidos na urina.

Por fim, os cristais de tirosina (figura 25), leucina e bilirrubina (figura 26) são
raramente observados, surgindo em patologias hepáticas graves.

Figura 24 – Cristais de colesterol (×400). Figura 25 – Cristais de tirosina (×400).

Figura 26 – Cristais de bilirrubina (×400).

Bactérias
Na avaliação do sedimento urinário a observação de bactérias é importante
essencialmente no diagnóstico de infecções do tracto urinário, sendo reportadas como
raras, algumas ou muitas.
Em amostras de urina normal colhidas para contentores estéreis, geralmente não
se observa a presença de bactérias.
A bacteriúria surge maioritariamente em consequência de contaminação fecal,
vaginal e uretral, infecções do tracto superior e inferior urinário, bacteriúria
assintomática e amostras não frescas e não refrigeradas.
As infecções do tracto urinário são caracterizadas pela presença de bactérias e
leucócitos na urina (figura 27). No entanto, a avaliação do sedimento urinário não
permite a identificação do microorganismo nem auxilia no seu tratamento. Para tal,
sempre que se suspeita de infecção do tracto urinário, procede-se à cultura da urina, à

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realização de testes de identificação e se necessário à execução de antibiogramas. Existe


um número vasto de bactérias causadoras de infecção do tracto urinário, que incluem as
pertencentes ao género Escherichia coli Proteus sp., Staphylococcus sp. e Enterococcus
sp.
A bacteriúria assintomática é caracterizada pela presença de bactérias
acompanhada de ausência de sintomas, surge maioritariamente em jovens mulheres,
grávidas e diabéticos, e deve ser correctamente detectada pois se não tratada causa
complicações graves como são exemplos a pielonefrite e insuficiência renal
permanente.

Leveduras
A candida albicans é um exemplo de levedura possível de se encontrar em
amostras de urina, podendo aparecer na forma de levedura (figura 28) ou hifa septada
ramificada (figura 29), em casos de infecções severas. A população mais
frequentemente associada ao seu aparecimento são os diabéticos descompensados,
devido à elevada concentração de glucose na urina, os indivíduos imunocomprometidos,
nos quais é responsável por infecções disseminadas e graves, e nas mulheres com
candidíase vaginal, sendo nestes casos o agente etiológico.
Tal como as bactérias, infecção por leveduras apenas é considerada quando há
presença de microorganismos e leucócitos, sendo reportadas como raras, algumas ou
muitas.

Parasitas
O parasita maioritariamente encontrado em amostras de urina é a Trichomonas
vaginalis, responsável por uma doença sexualmente transmissível, causando na maior
parte dos casos inflamação vaginal sintomática na mulher, e inflamação uretral e
prostática assintomática nos homens. Estes parasitas apenas são encontrados na forma
de trofozoíto, possuindo uma forma de pera e contendo flagelo e membrana ondulante.
Exemplos de outros parasitas que podem ser encontrados na urina são o
Enterobius vermicularis, por contaminação fecal, e o Schistosoma heamatobium. O
Schistosoma heamatobium é o agente etiológico da Esquistosomose urinária ou vesical,
afecta maioritariamente nas regiões de África e Médio Oriente e é contraído através da
ingestão de água contaminadas com caracóis ou lesmas infectados.

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O Enterobius vermicularis (figura 30) é um parasita que infecta mais


frequentemente crianças em idade escolar e pré-escolar, é responsável por vaginite e
salpingite nas mulheres, e é transmitindo por inalação de aerossóis gerados pelos ovos,
pessoa a pessoa através da manipulação de roupa ou lençóis, ou por auto-infecção
devido à transferência de ovos infecciosos para a boca com as mãos após coçar a zona
perianal. A infecção por este parasita não afecta uma região endémica específica,
estando distribuída globalmente, inclusive em Portugal.
Na avaliação do sedimento urinário, estes elementos, à semelhança das bactérias
e leveduras, são reportados como raros, alguns e muitos.

Figura 27 – Bactérias e leucócitos (×400). Figura 28 – Leveduras (×400).

Figura 29 – Leveduras com formas Figura 30 – Ovo embrionado de


micelares (×400). Enterobius vermicularis (×400).

Filamentos de muco
O muco é uma substância de natureza proteica produzido pelas células epiteliais
do tracto urinário inferior e pelas células tubulares renais, e consistem em estruturas
filiformes irregulares e incolores. A sua presença não possui significado clínico
relevante, porém é importante não confundir estes elementos com cilindros hialinos, que
em alguns casos surgem na sequência da presença de processos patológicos.
Na avaliação do sedimento urinário, os filamentos de muco são reportados como
raros, alguns ou muitos.

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2.1.2. TÉCNICA MANUAL

Pesquisa de sangue oculto nas fezes


A pesquisa de sangue oculto nas fezes é um exame muito importante na detecção
precoce de muitas patologias gastro intestinais, sendo o cancro do colon é a mais
relevante, devido à sua alta taxa de diagnóstico e mortalidade.
No laboratório SOERAD, para a detecção de sangue oculto nas fezes, utiliza-se
um teste rápido que em 10 minutos permite determinar qualitativamente os níveis de
hemoglobina, com uma sensibilidade de 30 ng/mL. Este teste baseia-se num método
imunocromatográfico, no qual há migração da amostra de fezes por capilaridade numa
membrana, onde estão impregnados anticorpos anti-hemoglobina. Assim, na presença
de sangue nas fezes, ocorre ligação das moléculas de hemoglobina aos anticorpos
específicos anti-hemoglobina, originando o aparecimento de duas linhas vermelhas na
cassete, uma correspondente ao controlo e outra correspondente ao teste. Na ausência de
sangue oculto nas fezes, na cassete apenas aparecerá uma linha vermelha
correspondente à linha do controlo. Pode ocorrer ainda casos em que o teste é
considerado inválido, não havendo o aparecimento de nenhuma linha na cassete.

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2.2. HEMATOLOGIA

2.2.1. TÉCNICAS AUTOMATIZADAS

A Hematologia é a área analítica responsável pelo estudo dos elementos


figurados do sangue, os eritrócitos, os leucócitos e as plaquetas, que juntamente com a
observação e estudo dos órgãos hematopoiéticos, permite o diagnóstico e monitorização
de várias doenças hematológicas, como são exemplos a anemia, as hemoglobinopatias,
as leucemias e as patologias relacionadas com a disfunção das plaquetas.
Nesta área são também realizadas a determinação da velocidade de sedimentação
globular, e a análise da coagulação.
Nesta secção são utilizados os tubos que contêm anticoagulante, nomeadamente
os tubos de EDTA, que são utilizados para a realização do hemograma, e os tubos de
citrato de sódio, utilizados para a determinação da velocidade de sedimentação
eritrocitária e para o estudo da coagulação. Os tubos de citrato de sódio diferem na
proporção de anticoagulante/volume de sangue, na medida em que na determinação da
velocidade de sedimentação dos eritrócitos, a proporção de anticoagulante/volume de
sangue é 1:4, e no estudo da coagulação são adicionados 9 volumes de sangue para 1
volume de citrato de sódio.

2.2.1.1. Estudo dos elementos figurados do sangue

O estudo dos elementos figurados do sangue é realizado com recurso ao


aparelho automático Sysmex XT – 1800i (figura 31) e é parte constituinte do
hemograma, no qual se avalia todas as linhagens celulares do sangue, através da
contagem dos eritrócitos, leucócitos e plaquetas, da determinação dos índices
eritrocitários, da concentração de hemoglobina, e do hematócrito.

O analisador automático hematológico realiza a contagem dos eritrócitos, dos


leucócitos e das plaquetas, a determinação da concentração da hemoglobina, do valor do
hematócrito, dos índices eritrocitários Volume Globular Médio (VGM), Hemoglobina
Globular Média (HGM) e Concentração de Hemoglobina Globular Média (CHGM)), e
dos coeficientes de dispersão eritrocitária e plaquetáriado, com base nas técnicas de SLS
– Hemoglobina, Focagem Hidrodinâmica, e Citometria de Fluxo e Impedância.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Figura 31 – Aparelho automático utilizado Sysmex XT-1800i na


realização do hemograma.

2.2.1.2. Descrição dos métodos utilizados pelo aparelho automático Sysmex XT-
1800i

 Método SLS – Hemoglobina

O método SLS – Hemoglobina permite a determinação da concentração de


hemoglobina e baseia-se na utilização de um composto surfactante, o lauril sulfato de
sódio (SLS), que provoca a lise da membrana dos glóbulos vermelhos, causando a
consequente libertação das moléculas de hemoglobina. Posteriormente as cadeias das
moléculas de hemoglobina sofrem alterações por acção dos grupos alquilo hidrofílicos
do SLS, induzindo a conversão da hemoglobina do estado ferroso para o estado férrico,
e a consequente formação de meta-hemoglobina. Por fim esta liga-se ao SLS, formando-
se um complexo corado que é detectado espectrofotometricamente e cuja absorção é
directamente proporcional à concentração de hemoglobina.

 Método de Impedância e Focagem Hidrodinâmica

O método da impedância e focagem hidrodinâmica permite a contagem dos


eritrócitos e das plaquetas, e a determinação do hematócrito e dos índices Volume
Globular Médio (VGM) e Volume Plaquetário Médio (VPM).
Neste método, as células sanguíneas previamente diluídas são injectadas pela
aplicação de uma pequena pressão até a uma câmara, onde são sujeitas à acção de uma

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

corrente eléctrica contínua, que causa o alinhamento das células. De seguida, as células
atravessam um pequeno orifício, no qual a sua passagem provoca um aumento da
resistência, devido à sua baixa capacidade condutora de corrente eléctrica, provocando
interrupção do circuito eléctrico e originando impulsos eléctricos. A amplitude dos
impulsos eléctricos são, posteriormente, directamente proporcionais ao volume da
célula, e o número de impulsos gerados durante um intervalo de tempo directamente
proporcional ao número de células que atravessaram o orifício.

 Método de Citometria de Fluxo de Fluorescência

O método de citometria de fluxo de fluorescência está na base da execução da


fórmula leucocitária obtida pelo analisador automático Sysmex XT – 1800i.
A citometria de fluxo é uma técnica que permite a análise física e química de
partículas com base em informações ópticas, que incluem sinais de luz dispersa ou
sinais de fluorescência.
Neste método, a amostra de sangue é primeiramente aspirada, diluída a um
determinado factor e corada com um composto fluorescente, que aumenta o poder de
absorção de luz por parte dos leucócitos, através da sua ligação aos ácidos nucleicos dos
leucócitos. O corante fluorescente utilizado por este aparelho automático consiste num
derivado polimetilado, que absorve radiação ao comprimento de onda do laser,
consegue penetrar as membranas citoplasmáticas e nucleares, liga-se especificamente e
com elevada afinidade aos ácidos nucleicos, e na sua forma livre não emite
fluorescência, evitando a geração de sinais interferentes.
Posteriormente, o sangue é conduzido até a uma câmara de fluxo, onde sofre
incidência de radiação de baixa energia e de comprimento de onda 633 nm, proveniente
de um laser semi-condutor. A radiação, ao incidir na amostra biológica, sofre várias e
diferentes dispersões, que são captadas por foto-díodos e foto-multiplicadores,
responsáveis pela conversão dos sinais ópticos em sinais eléctricos, possibilitando,
assim, a obtenção de vários tipos de informações acerca das células (figura 32).

As dispersões da radiação incidente são de três tipos:

 Dispersão de radiação lateral (side scattered light) – providencia informações


relativamente ao conteúdo intracelular, nomeadamente à forma, tamanho e

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

densidade do núcleo e das granulações citoplasmáticas, sendo influenciada


principalmente pela ausência ou presença de granulações intracelulares.
 Dispersão de radiação frontal (forward scattered light) – providencia
informações acerca do tamanho das células, sendo influenciada principalmente
pelo tamanho, forma e índice de refracção das células.
 Emissão de fluorescência (side fluorescent light) – a medição da intensidade de
fluorescência providencia informações acerca do conteúdo de RNA e DNA das
células, contribuindo para a identificação e quantificação de granulócitos
imaturos (que incluem os metamielócitos, mielócitos, e promielócitos) e
linfócitos atípicos uma vez que estas células apresentam sinais de intensidade de
fluorescência maior que as células maduras, nomeadamente neutrófilos,
linfócitos e monócitos, devido ao seu maior conteúdo em RNA e DNA.
A detecção deste sinal ocorre separadamente da detecção do sinal de dispersão
radiação lateral pois a radiação de fluorescência possui um comprimento de
onda maior, não ocorrendo interferências na detecção destes dois sinais.

Figura 32 – Representação do princípio do método de citometria de


fluxo de fluorescência.

No final, a combinação de todas as informações provenientes de todos os sinais


de dispersão de radiação originam a formação de um gráfico de dispersão (figura 33),
no qual as células com propriedades físicas e químicas semelhantes são agrupadas.

A contagem dos basófilos é realizada separadamente da contagem dos restantes


leucócitos, com recurso à utilização de um reagente de lise ácido, que provoca a lise dos
eritrócitos, plaquetas e leucócitos, à excepção dos basófilos, e com base nas

83
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

propriedades relativas ao tamanho celular e ao conteúdo intracelular, nomeadamente à


forma, tamanho e densidade do núcleo e das granulações citoplasmáticas.

Figura 33 – Gráfico de dispersão dos


leucócitos obtidos por citometria de fluxo.

2.2.1.3. Índices eritrocitários

Os índices eritrocitários são calculados automaticamente pelo analisador


automático Sysmex XT-188i com base nos valores do hematócrito, da concentração de
hemoglobina e da contagem dos eritrócitos.
O Volume Globular Médio (VGM) corresponde ao volume médio de um glóbulo
vermelho, resulta da razão entre o hematócrito e o número absoluto de eritrócitos, e é
expresso em fentolitros. Os valores normais deste índice situam-se dentro do intervalo
78-99 fL.
A determinação deste parâmetro permite a classificação dos eritrócitos em
micrócitos, caso o VGM seja inferior a 80 fL; normócitos, caso o VGM se situa no
intervalo de referência; e macrócitos, caso o VGM seja superior a 96 fL.
Ht (L/L)
VGM (fL) =
GV (×1012 /L)

A Hemoglobina Globular Média (HGM) corresponde ao peso médio da


hemoglobina presente no interior de um glóbulo vermelho, resulta da divisão da
concentração da hemoglobina pela contagem absoluta dos eritrócitos, e é expressa em
picogramas. Os valores normais deste índice situam-se no intervalo 27-32 pg.

Hb (g/dL)
HGM (pg) = ×10
GV (×1012 /L)

84
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A Concentração de Hemoglobina Globular Média (CHGM) indica a


concentração média da hemoglobina por unidade de volume de eritrócitos, resulta da
razão entre a concentração de hemoglobina e o hematócrito e é expressa em g/dL. Os
valores normais de CHGM situam-se no intervalo 32-36 g/dL.
A sua determinação permite classificar os eritrócitos como hipocrómicos caso o
valor de CHGM seja inferior a 32 g/dL, e normocrómicos caso o valor de CHGM se
situa dentro do intervalo de referência. Nos casos em que o CHGM é superior a 36 g/dL
os eritrócitos não se denominam hipercrómicos, podendo resultar da presença de um
número elevado de eritrócitos esféricos e microcíticos, de um erro técnico na
determinação da concentração de hemoglobina ou do valor do hematócrito, ou de
hemólise da amostra que causa um aumento do valor da concentração de hemoglobina,
e em consequência um aumento do valor deste índice.
Hb (g/dL)
CHGM (g/dL) = Ht (L/L)

O coeficiente de dispersão eritrocitária reflecte a variação do tamanho dos


eritrócitos, é calculado a partir do histograma de distribuição de volume dos eritrócitos e
é expresso em percentagem. Os valores normais situam-se abaixo de 15%, sendo a
obtenção de um valor de RDW superior a 15% indicativo de anisocitose. Nestes casos é
aconselhável observar o esfregaço de sangue periférico pois a anisocitose pode ter como
origem a existência de uma condição patológica.

Actualmente os aparelhos automáticos utilizados na determinação dos vários


parâmetros hematológicos possuem uma elevada precisão e exactidão, permitindo obter
um elevado número de resultados fiáveis num curto espaço de tempo. Porém é
importante salientar a falibilidade dos contadores electrónicos devido à ocorrência de
situações pontuais como a passagem de duas células em simultâneo que são
contabilizadas como uma, a presença de bolhas de ar, a aglutinação das células, e a
recirculação de células já contadas, que resultam na obtenção de resultados anormais.
Exemplos de factores que contribuem para a ocorrência de erros na contagem das
células sanguíneos são a presença de imunoglobulinas da classe IgM (aglutininas frias)
que promovem a aglutinação dos eritrócitos, causando em consequência a obtenção de
valores falsamente diminuídos de eritrócitos e plaquetas; a fragilidade dos leucócitos,
causada por situações de leucemia, no decorrer da contagem leva à destruição de
algumas células causando a obtenção de valores falsamente diminuídos de leucócitos; a

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presença de níveis aumentados de crioglobulinas decorrente de mieloma, leucemia,


macroglobulinemia, etc. pode elevar a contagem dos leucócitos e diminuir a dos
eritrócitos e plaquetas; e a presença de eritroblastos, determinados parasitas e eritrócitos
resistentes à lise interfere na precisão da contagem dos linfócitos.

Contudo, caso não ocorram erros na realização das análises, a obtenção de


valores situados fora do intervalo de referência é indicativo da presença de alterações
das condições normais fisiológicas, sendo em muitos casos os primeiros sinais da
existência de um processo patológico.

Na tabela 9 estão representados os valores de referência de parâmetros


hematológicos constituintes do hemograma.

Tabela 9 – Valores de referência de parâmetros constituintes do hemograma.


Parâmetro Valores de referência
Homem: 13,5 – 18 g/dL
Hemoglobina
Mulher: 12,5 – 16 g/dL
Homem: 4,70×1012 – 6,0 ×1012/L
Eritrócitos
Mulher: 4,20×1012 – 5,40 ×1012/L
Homem: 42,0 – 52,0%
Hematócrito
Mulher: 37,0- 47,0%
Leucócitos 4,0×109 – 11,0×109/L
Neutrófilos Adulto: 1,5×109– 6,6 ×109/L
Eosinófilos Adulto: 0,1×109 – 1,0×109/L
Basófilos Adulto: 0,01×109– 0,1×109/L
Linfócitos Adulto: 1,5×109– 3,5×109/L
Monócitos Adulto: < 0,1×109/L
Plaquetas 150×109 – 400×109/L
PDW 11,0 – 18,0%
VPM 9,4 – 12,4 fL
PCT 0,15 – 0,50%

2.2.1.4. Alterações da linhagem eritrocitária

Anemia
A anemia é a condição patológica mais comum que afecta a série eritrocitária,
sendo caracterizada pela presença de concentrações de hemoglobina inferior aos valores
normais de referência. As causas que estão na origem do seu aparecimento são variadas,
e, com base no tamanho dos eritrócitos e na concentração de hemoglobina, pode ser
classificada em três tipos. Assim, tem-se anemia microcítica e hipocrómica, caso a
maioria dos eritrócitos possuírem reduzido tamanho e concentração de hemoglobina,

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normocítica e normocrómica, caso a maioria dos eritrócitos possuírem tamanho e


concentração de hemoglobina normais, e macrocítica caso ocorra aumento do tamanho
dos eritrócitos.
O estudo da anemia é muito importante pois sendo a hemoglobina a molécula
responsável pelo transporte de oxigénio a todas as células do organismo, uma
diminuição da sua produção causa menor oxigenação dos tecidos e órgãos, que em
casos extremos pode levar à morte do organismo. Também, em muitos casos é o
primeiro sinal de existência da presença de situações patológicas, como são exemplos as
neoplasias hematológicas, permitindo a sua detecção precoce e o aumento da eficiência
das medidas terapêuticas.

Anemias microcíticas
As anemias microcíticas são o tipo de anemia mais comum, atingindo um
elevado número de pessoas em todo o mundo. As principais causas que estão
subjacentes ao seu aparecimento são a ocorrência de alterações estruturais da membrana
dos eritrócitos, como é exemplo a eliptocitose hereditária, ou a deficiência nos níveis de
ferro.

• Anemia ferropénica

A deficiência de ferro é a principal causa de anemia, originando a anemia


ferropénica. A diminuição da concentração de ferro presente no organismo pode ter
várias origens, que incluem o aporte deficiente nutricional, a ocorrência de episódios
hemorrágicos graves ou crónicos e síndromes de mal-absorção.
Clinicamente este tipo de anemia é caracterizado por valores baixos dos índices
eritrocitários, aumento do RDW (anisocitose) e anisocromia, devido à presença de
reticulócitos, nomeadamente nos casos de anemia regenerativa, baixa concentração de
ferro, elevados níveis de transferrina, e baixos níveis de ferritina.

• Anemia da doença crónica

A anemia da doença crónica é outro exemplo de anemia microcítica, e que surge


em consequência de infecções, inflamações crónicas ou doenças oncológicas, onde
existe a produção em excesso de citocinas inflamatórias, nomeadamente IL-6, IL-1 e
TNF-α, que estimulam a produção de hepcidina, levando como consequência a uma
menor expressão do transportador celular do ferro, a ferroportina, ao nível dos

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enterócitos. A diminuição da expressão da ferroportina vai causar uma diminuição da


libertação de ferro das células para a circulação sanguínea, levando a uma diminuição
da produção de moléculas de hemoglobina, e a instauração da anemia. Assim, neste tipo
de anemia, ao contrário do que acontece nos casos de anemia ferropénica, as reservas de
ferro não estão diminuídas, existindo nestes casos um bloqueio na incorporação do ferro
no grupo heme da hemoglobina, que causa a diminuição da sua produção.
Em muitos casos a distinção entre anemia da doença crónica e anemia
ferropénica é muito difícil. No entanto é muito importante investigar a origem das
anemias microcíticas pois num caso de anemia de doença crónica, a terapêutica com
ferro ou compostos derivados do ferro geralmente realizada nos casos de anemia
ferropénica, causa acumulação de ferro no organismo, levando à ocorrência de
consequências graves, como é exemplo a acumulação deste metal em níveis tóxicos em
vários órgãos importantes como o coração e o fígado.
Clinicamente este tipo de anemia é caracterizado por valores de VGM
diminuído, HGM e CHGM normais (normocrómica), RDW normal, concentração de
ferro diminuída, nível de transferrina normal ou diminuído, e nível de ferritina normal
ou aumentado.

Anemias normocíticas
As anemias normocíticas são características de várias situações patológicas
incluindo insuficiência renal, anemias hemolíticas, anemia das doenças crónicas e
infiltrações na medula óssea.
A anemia devido à insuficiência renal surge maioritariamente por via de perdas
de sangue, por exemplo em consequência do aumento da permeabilidade dos
glomérulos, ou por deficiências na produção ou função da eritropoietina.
No caso de infiltrações na medula, a existência de anemia normocítica é devida à
diminuição de produção de eritrócitos em consequência da substituição de tecido
medular por células neoplásicas ou tecido fibroso.
Por fim, as anemias hemolíticas são caracterizadas pelo aumento da taxa de
destruição dos eritrócitos pelos macrófagos do sistema reticuloendotelial, causando
como consequência a diminuição da concentração de hemoglobina no plasma. A
hemólise pode ser do tipo intravascular ou extravascular. Nos casos de anemia
hemolítica intravascular os eritrócitos são destruídos quando ainda estão na circulação
sanguínea, enquanto na anemia hemolítica extravascular, os eritrócitos são destruídos no

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baço. A principal causa da anemia hemolítica extravascular é a ocorrência de alterações


estruturais da membrana dos eritrócitos observada em casos de esferocitose hereditária,
eliptocitose hereditária e estomatocitose hereditária.

Anemias macrocíticas
A macrocitose é caracterizada pela existência de eritrócitos com tamanho
superior ao considerado normal. As causas que estão na origem do seu aparecimento são
variadas, incluindo erros na síntese do ADN dos percursores eritrocitários, originando a
anemia megaloblástica, hiperestimulação da eritropoiese, e reticulocitose.
Clinicamente este tipo de anemia é caracterizado por pancitopenia, aumento dos
valores de VGM e RDW, valores normais de HGM e CHGM (normocromia),
poiquilocitose com presença de numerosos macrócitos ovais e dacriócitos, e algumas
células fragmentadas.

• Anemia megaloblástica
A anemia megaloblástica é causada por deficiências em vitamina B12, e em
folatos.
A deficiência em vitaminal B12 é responsável pelo aparecimento da anemia
perniciosa, sendo causada por vários factores, nomeadamente pelo deficiente aporte
nutricional, por exemplo nas dietas vegetarianas, ou pela existência de patologias ou
condições gastrointestinais que dificultam e diminuem a absorção da vitamina B12 como
são exemplos a doença de Crohn, as patologias que causam uma menor expressão do
factor intrínseco de Castle, gastrectomias e infecção por Helicobacter pylori.
A deficiência em folatos surge maioritariamente nas mulheres grávidas, devido
ao aumento das necessidades de folatos para a síntese de ADN do feto, em casos de
alcoolismo, e em casos de ingestão de certos fármacos como são exemplos os
anticonvulsionantes, antituberculoestáticos e os contraceptivos orais.

• Hiperestimulação da eritropoiese
A hiperestimulação da eritropoiese é um fenómeno observado em casos de
anemia aplásica. Este tipo de anemia é caracterizado pela destruição das células
estaminais hematopoiéticas, mediada por linfócitos T citotóxicos em resposta a
estímulos, que podem possuir várias origens, desde infecções bacterianas ou virais, a
exposição a determinadas drogas ou fármacos. Como consequência não ocorre

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formação das formas maduras das células produzidas na medula óssea, havendo
diminuição do número de leucócitos, eritrócitos e plaquetas (pancitopénia).

• Reticulocitose

A reticulocitose é caracterizada pela presença de um número elevado de


reticulócitos no sangue periférico e por possuírem um tamanho superior aos eritrócitos
causam um aumento do valor do VGM. Esta situação é observada por exemplos em
casos de anemias regenerativas, anemias hemolíticas e hemorragias, sendo um sinal de
estimulação da medula e resposta por parte desta à diminuição do número de eritrócitos.
Existem ainda situações menos comuns que causam a formação de macrócitos
como são exemplos os síndromes mielodisplásicos, processos de aglutinação dos
eritrócitos, e determinados fármacos, como os utilizados nos tratamentos de
quimioterapia.

Hemoglobinopatias

As hemoglobinopatias são um conjunto heterogéneo de doenças hereditárias


autossómicas recessivas que alteram a estrutura e função da hemoglobina, afectam
maioritariamente a população africana, e podem ser classificadas como
hemoglobinopatias do tipo quantitativo ou do tipo qualitativo.
As hemoglobinopatias do tipo qualitativo são causadas por mutações missense
que provocam alterações na estrutura das cadeias globínicas da hemoglobina, enquanto
as hemoglobinopatias do tipo quantitativo são causadas por mutações que provocam
diminuição ou ausência de síntese de cadeias globínicas.

Drepanocitose
A drepanocitose é a mais frequente das patologias hereditárias hematológicas do
tipo qualitativo, é causada pela substituição do aminoácido ácido glutâmico pelo
aminoácido valina no codão 6 do gene que codifica para a cadeia beta da hemoglobina,
e é caracterizada pela existência de anemia microcítica e hipocrómica, ausência de
eritrocitose, e eritrócitos em forma de foice resultante da polimerização das moléculas
de hemoglobina S em condições de baixa oxigenação. As suas manifestações clínicas
são variadas consoante o grau de mutação, sendo a forma mais agressiva e grave
característica dos indivíduos homozigóticos.

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Talassémias
As talassémias são um dos conjuntos de patologias mais importantes
pertencentes às hemoglobinopatias do tipo quantitativo, podendo ser de dois tipos, alfa-
talassémia e beta-talassémia.
A alfa-talassémia é caracterizada pela ausência ou diminuição na síntese das
cadeias alfa-globínica.
As cadeias alfa-globínicas são codificadas por quatro genes alfa, podendo a
mutação afectar um gene, ou todos os genes, originando diferentes fenótipos clínicos e
hematológicos. O défice de síntese de cadeias alfa, quando acentuado, provoca a
formação de homotetrâmeros de hemoglobina, HbH, resultante do excesso de síntese de
cadeias beta, que causa a baixa oxigenação dos tecidos devido à sua alta afinidade para
as moléculas de oxigénio, e o aumento da taxa de destruição dos eritrócitos devido à
deposição de corpos de inclusão.
Clinicamente, à excepção dos casos em que ocorre mutação em todos os genes
codificantes, nos quais há morte do feto, todos os fenótipos são caracterizados por
anemia microcítica e hipocrómica.
A beta-talassémia é caracterizada pela ausência ou diminuição da síntese das
cadeias beta globínica, originando diferentes fenótipos. Indivíduos heterozigóticos para
a mutação geralmente são assintomáticos, apresentando eritrocitose, anemia microcítica
e hipocrómica e níveis de hemoglobina A2 superior a 3,5%; enquanto os indivíduos
homozigóticos para a mutação apresentam o mesmo fenótipo hematológico que os
indivíduos heterozigóticos juntamente com esplenomegália e hepatomegália,
deformações ósseas e eritropoiese extramedular.
A principal complicação que surge em consequência desta patologia é a
destruição dos percursores eritrocitários devido à precipitação do excesso de cadeias
alfa que ocorre no seu interior.

2.2.1.5. Alterações da linhagem leucocitária


As patologias que afectam os leucócitos dividem-se essencialmente em
alterações benignas e alterações malignas.

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Alterações benignas dos leucócitos


As alterações benignas dos leucócitos devem-se essencialmente à ocorrência de
patologias de natureza não oncológica, ou estados fisiológicos que provocam um
aumento ou diminuição do número de leucócitos.
Assim, as principais alterações benignas dos leucócitos podem ser neutrofilia,
neutropenia, eosinofilia, basofilia, monocitose, monocitopénia, linfocitose e linfopenia.

A neutrofilia ocorre quando existe um aumento do número de neutrófilos


circulantes (superior a 7,5×109/l) e pode surgir em consequência de infecções
bacterianas, enfarto agudo do miocárdio, gravidez, tabagismo e tratamento com
corticosteróides.
Nos casos de neutrofília, os neutrófilos podem apresentar várias características
que por vezes são uteis na identificação das causas da neutrofília. Assim, casos de
infecções bacterianas e de reacções leucemóides estão associados à presença de um
desvio à esquerda, no qual a maior parte dos neutrófilos possuem núcleo
hiposegmentado; casos de anemia megaloblástica e infecções crónicas estão
frequentemente associados à presença de um desvio à direita, no qual os neutrófilos
possuem maioritariamente núcleo hipersegmentado.
Podem ainda ocorrer alterações morfológicas nos neutrófilos na consequência de
condições patológicas como são exemplos as granulações tóxicas, observadas por
exemplo em infecções bacterianas e queimaduras; os corpos de Döhle, presentes em
casos de escarlatina, queimaduras e uso de citotóxicos; a vacuolização tóxica verificada
em casos de infecções bacterianas resultante da fagocitose de bactérias com grande
actividade lisossómica; e os neutrófilos pseudo-Pelger-Huët, que surgem como reacção
aos fármacos utilizados nos tratamentos de quimioterapia.

A neutropenia observa-se quando existe uma diminuição do número de


neutrófilos circulantes (inferior a 1,5×109/l) surgindo em casos de lúpus eritematoso
disseminado, infecção pelo vírus HIV, e em consequência da ingestão de determinados
fármacos, como são exemplos alguns antibióticos (cloranfenicol, sulfasalazina e
imipenemo), anticonvulsantes (fentoína) e hipoglicémicos (tolbutamida).

A eosinofilia ocorre quando há aumento do número de eosinófilos circulantes,


podendo ser observada em casos de infecções por parasitas, reacções de

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hipersensibilidade e síndromes pulmonares como pneumonia eosinofílica, síndrome de


Loeffler e granulomatose alérgica.

A basofília ocorre quando há aumento do número de basófilos no sangue


periférico e está muito associada a alterações malignas dos leucócitos, sendo um
indicador de mau prognóstico em casos de leucemia mielóide crónica e leucemia
linfóide aguda, e um factor diferenciador entre os síndromes mieloproliferativos e as
condições reaccionais, na medida em que geralmente a basofília apenas é observada nos
primeiro casos.

A monocitose ocorre quando há aumento do número de monócitos em


circulação, e pode surgir em casos de tuberculose, brucelose, endocardite bacteriana,
malária e doenças inflamatórias crónicas como são exemplos a doença de Crohn, a
sarcoidose e artrite reumatóide.

A monocitopénia ocorre quando há diminuição do número de monócitos no


sangue periférico e pode ser observada em consequência de terapias com esteróides e
glucocorticóides.

A linfocitose ocorre quando há aumento do número de linfócitos no sangue


periférico e surge em consequência de infecções bacterianas, mononucleose infecciosa
(caracterizada pela presença de linfócitos T reactivos), enfarto agudo do miocárdio,
choque séptico e reacções de hipersensibilidade.

A linfopenia ocorre quando há diminuição do número de linfócitos circulantes, e


está associada a terapêuticas com corticosteróides, stress, e imunodeficiências, como é
exemplo a infecção pelo vírus HIV.

Alterações malignas dos leucócitos


As alterações malignas dos leucócitos consistem essencialmente nas neoplasias
hematológicas como são exemplos as leucemias, os síndromes mieloproliferativos e os
síndromes mielodisplásicos.

• Leucemias
As leucemias são um grupo heterogéneo de doenças malignas caracterizadas
pela infiltração de células neoplásicas do sistema hematopoiético na medula óssea,
sangue, timo e gânglios linfáticos. As células neoplásicas têm capacidade de replicação

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mas não de diferenciação até formas maduras e normais, havendo acumulação de


blastos nos tecidos.
Estas patologias originam-se quando ocorre uma alteração genética específica
numa célula progenitora hematopoética incapaz de alterar a capacidade replicativa
destas células e com capacidade de transformar as células em células malignas, havendo
como consequência o crescimento e expansão clonal de células alteradas.
As leucemias podem ser classificadas de acordo com a linhagem da célula
hematopoiética onde ocorrem as mutações, tendo-se leucemias mielocíticas (figura 34)
e linfocíticas (figura 35). Dentro das leucemias linfocíticas ainda é possível diferenciar
entre leucemia linfocítica de linhagem B (causada por mutação numa célula progenitora
hematopoiética da linhagem B) e leucemia linfocítica de linhagem T (causada por
mutação numa célula progenitora hematopoiética da linhagem T). Todos estes tipos de
leucemia podem ainda ser classificados de aguda (caso o número de blastos no sangue
periférico ou medula óssea for superior a 20%) ou crónica (caso o número de blastos no
sangue periférico ou medula óssea for inferior a 20%).

Figura 34 – Mieloblastos no Figura 35 – Leucemia aguda


sangue periférico característicos linfocítica, com presença de
da leucemia mielóide. blastos de grande dimensão no
sangue periférico.

O diagnóstico laboratorial das leucemias inclui o hemograma, que pode revelar


anemia normocítica e normocrómica, trombocitopénia e leucocitose; o mielograma, no
qual se observa a morfologia de todas as linhagens hematopoiéticas e se realiza a
contagem celular em que a presença de mais de 20% de blastos faz diagnóstico de
leucemia aguda; a biópsia osteomedular, na qual se observa que a medula encontra-se
hipercelular com substituição dos espaços adiposos e medulares por células leucémicas;
técnicas de biologia molecular, que permitem o estudo das alterações genéticas das
células neoplásicas, são de grande utilidade para o diagnóstico, classificação, orientação

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terapêutica e prognóstico das leucemias; citogenética, que permite a detecção de


anomalias cromossómicas; citoquímica, na utilização das reacções mieloperoxidase e
negro de sudão, uteis para diferenciar entre leucemia linfocítica aguda e leucemia
mielóide aguda, na medida em que os linfoblastos são negativos em ambas as reacções;
e imunofenotipagem que permite diferenciar entre leucemia de linhagem B e leucemia
de linhagem T de acordo com a expressão de antigénios específicos por parte dos
blastos.

• Síndromes Mieloproliferativos
Os síndromes mieloproliferativos são causados por mutações nas células
percursoras hematopoiéticas, que provocam a proliferação e a produção de grandes
quantidades de eritrócitos, granulócitos e plaquetas.
Existem quatro principais síndromes mieloproliferativos, a leucemia mielóide
crónica (figuras 36 e 37), a policitémia vera, a trombocitémia essencial e a mielofibrose
primária.

Leucemia mielóide crónica


A leucemia mielóide crónica é caracterizada pela presença de anemia
normocrómica, trombocitose, e leucocitose, devido ao aumento do número de basófilos,
eosinófilos e neutrófilos, e ao aparecimento de um número elevado de mielócitos no
sangue periférico. A principal causa que está na origem do seu aparecimento é a
mutação genética t(9;22)(q34;q11) que consiste na translocação reciproca dos genes
ABL1, presente no braço longo do cromossoma 9, e BCR, presente no braço longo do
cromossoma 22, resultando na formação de um novo cromossoma anormal denominado
cromossoma de Filadélfia. O cromossoma anormal neoformado codifica para a proteína
de fusão bcr-abl, que possui uma actividade de tirosina cinase e que é responsável pelo
aumento de proliferação, resistência à apoptose e alteração das propriedades de adesão
características das células neoplásicas.
Esta patologia possui três estádios denominados, fase crónica, fase acelerada, e
crise blástica. A fase crónica é caracterizada pela presença de células diferenciadas e por
uma taxa de replicação celular baixa. A fase acelerada surge quando não se realizam
tratamentos ou estes não são eficazes durante a fase crónica, sendo diagnosticada
quando ocorre aumento das células imaturas e aumento da sua taxa de replicação. É
também nesta fase que podem ocorrer novas mutações como a formação de um segundo
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cromossoma Filadélfia. Por fim a fase de crise blástica, ou também denominada fase de
leucemia aguda, é a que possui maior taxa de mortalidade devido ao aparecimento de
infecções, hemorragias e falência orgânica, em consequência da predominância de
células muito imaturas na medula óssea e sangue periférico.

Figura 36 – Basófilos e Figura 37 – Leucemia mielóide


eosinófilos imaturos no sangue crónica com presença de
periférico em casos de leucemia micromegacariócitos.
mielóide crónica.

Policitémia vera
A policitémia vera é caracterizada pela presença de eritrocitose acompanhada de
elevada concentração de hemoglobina, leucocitose e trombocitose. A sua origem está na
grande maioria dos casos, associada à mutação JAK (Janus tyrosine cinase) 2 V617 na
qual à substituição de uma guanina por timina no exão 14 do gene JAK2, que causa a
substituição de um resíduo de aminoácido valina por um resíduo de aminoácido
fenilalanina na posição 617, de uma proteína pertencente à família das Janus cinases.
Em consequência da ocorrência desta mutação há alteração da cascata de sinalização
JAK/STAT que provoca uma activação constante da eritropoiese intrínseca.
O diagnóstico desta patologia é realizado através da combinação de vários
critérios estabelecidos pela organização mundial de saúde, que incluem o aumento da
massa eritrocitária superior a 25%; níveis de hematócrito superior ou igual a 60% nos
homens ou superior ou igual a 56% nas mulheres; ausência de causas de eritrocitose
secundária; detecção de esplenomegalia no exame físico; presença da mutação JAK2
V617F; trombocitose; neutrofília; e crescimento de BFU-E na ausência ou em
ambientes com níveis reduzidos de eritropoietina. O diagnóstico de policitémia vera é
executado quando se observa presença dos quatro primeiros sinais; ou na presença dos

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três primeiros sinais juntamente com a mutação JAK2 V617F; ou na presença dos três
primeiros sinais juntamente com pelo menos dois dos três últimos sinais.
À semelhança da leucemia mielóide cronica, a policitémia vera também possui
várias etapas denominadas fase assintomática, fase eritrocítica, fase inactiva, fase de
metaplasia mielóide e fase de leucemia aguda. Na fase assintomática apenas se detecta
esplenomegalia e trombocitose ou eritrocitose isolada; na fase eritrocítica observa-se
eritrocitose, trombocitose, leucocitose, esplenomegália e hemorragia; a fase inactiva é
caracterizada pela manutenção dos níveis da massa eritrocitária; as fases de
mielodisplasia e leucemia aguda ocorrem em sequência da evolução da doença,
podendo evoluir também para casos de mielofibrose.
A existência de uma elevada massa de eritrócitos faz com que estes doentes
possuam um elevado risco de ocorrência de eventos trombóticos, como são exemplos o
AVC (acidente vascular cerebral), enfarto agudo do miocárdio e embolia pulmonar, que
além de poderem provocar sequelas físicas e emocionais graves, podem causar a morte.

Trombocitémia essencial
A trombocitémia essencial é um síndrome mieloproliferativo que afecta a
linhagem megacariocítica, sendo caracterizada pela presença de trombocitose
acompanhada de plaquetas gigantes e fragmentos de megacariócitos, basofília, anemia
microcítica e hipocrómica, devido à ocorrência de hemorragias, e em alguns casos
leucocitose.
A principal causa que está na origem desta patologia é a ocorrência da mutação
JAK2 V617F, estando presente em 50% dos casos. Contudo nos casos em que não se
detecta a mutação JAK2 V617F o diagnóstico desta patologia torna-se de difícil
execução.
O avanço da tecnologia e do conhecimento acerca da fisiopatologia deste
síndrome mieloproliferativo têm permitido a detecção de novas mutações, como são
exemplos as mutações MPL W515L/K/A presente em 5% dos doentes, a mutação CALR
presente em 70% dos doentes, e a mutação JAK2 do exão 12, que é específica desta
patologia, mas que apenas está presente em 3% dos doentes que não possuam a mutação
JAK2 V617F.
O diagnóstico desta patologia é realizado com base em critérios estabelecidos
pela organização mundial de saúde, que incluem a presença de um número elevada de
plaquetas (geralmente superior 450×109/L), a não evidência de trombocitose reactiva, a

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ausência de critérios de diagnóstico de policitémia vera, mielofibrose primária, leucemia


mielóide crónica ou de síndrome mielodisplásico, o aumento do número de
megacariócitos maduros e de grande tamanho, e a presença da mutação JAK2 V617F ou
outra associada ao aparecimento desta patologia.

Mielofibrose primária
A mielofibrose primária é um síndrome mieloproliferativo caracterizado pelo
aumento da proliferação da linhagem megacariocítica e granulocítica devido à
ocorrência de mutações nas células hematopoiéticas, como são exemplos a mutação
JAK2 V617, observada em cerca de 50% dos doentes, a mutação MPL observada em
11% dos doentes, a mutação ASXL1 observada em 40-50% dos doentes, e a mutação
CALR observada em 86% dos doentes que não possuem a mutação JAK2 V617.
Esta patologia é caracterizada também pela ocorrência da evolução de um
estadio pré-fibrótico para um estadio fibrótico. O estadio pré-fibrótico representa a
primeira fase da doença, sendo caracterizado pela existência de hipercelularidade
medular devido ao aumento da proliferação dos megacariócitos e dos neutrófilos. O
estadio fibrótico representa a fase evolutiva da doença e é representado pela existência
de leucoeritroblastose no sangue periférico, anemia, poiquilocitose com predominância
de dacriócitos, leucocitose ou leucopénia, trombocitose ou trombocitopenia, anisocitose
plaquetária, e hematopoiese extramedular que leva ao aparecimento de
hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, e efusão pleural.
O diagnóstico desta patologia, à semelhança dos exemplos de síndromes
mieloproliferativos referidos anteriormente, também se baseia em critérios
desenvolvidos pela organização mundial de saúde, que incluem aumento da proliferação
da linhagem megacriocítica e a existência de displasia medular acentuada com aumento
da reticulina; ausência de critérios de diagnóstico de leucemia mielóide crónica,
policitémia vera, síndrome mielodisplásico ou outra neoplasia mielóide; presença da
mutação JAK2 V617F ou outra associada ao aparecimento desta patologia;
leucoeritroblastose no sangue periférico; aumento da concentração sérica de lactato
desidrogenase; anemia; e hepatoesplenomegália detectada no exame físico. O
diagnóstico de mielofibrose primária é realizado quando os três primeiros critérios de
diagnóstico juntamente com dois dos quatro últimos critérios estão presentes.

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• Síndromes mielodisplásicos
Os síndromes mielodisplásicos são um conjunto heterogéneo de patologias
caracterizadas pela existência de hipercelularidade medular, pela alteração dos padrões
de maturação de uma ou mais linhagens celulares, e pela presença de citopénias no
sangue periférico devido à hematopoiese ineficaz ocorrente em consequência de
mutações genéticas, tratamentos quimio- e radioterápicos, ou mais raramente, exposição
a elementos ambientais.
Em 2008, a Organização Mundial de Saúde classificou os diferentes síndromes
mielodisplásicos com base na morfologia celular, etiologia e apresentação clínica, sendo
a anemia refractária, a anemia refractária com sideroblastos em anel, a anemia
refractária com excesso de blastos e a citopénia refractária com displasia multilinhagem,
alguns exemplos (tabela 10).

Tabela 10 – Descrição clínica de exemplos de síndromes mielodisplásicos.


Tempo médio Alterações
Síndrome
Fisiopatologia de vida dos genéticas
Mielodisplásico
doentes associadas
Ocorre eritropoiese ineficaz, sendo
caracterizada pela presença de
Varia entre 2 a
anemia macrocítica acompanhada
5 anos, sendo a
de reticulocitopénia; ausência de
Anemia evolução para
blastos no sangue periférico; -
refractária leucemia
medula hipercelular com presença
mielóide aguda
de menos de 5% de blastos e
rara.
apresentando hiperplasia
eritrocitária e/ou deseritropoiese.
É caracterizada pela presença dos
mesmos sinais clínicos que o caso
de anemia refractária, acompanhado Varia entre 2 a
da presença de mais de 15% de 5 anos,
Anemia
sideroblastos em anel na medula ocorrendo
refractária
óssea. Os sideroblastos em anel evolução para
com -
correspondem a células percursoras leucemia
sideroblastos
eritrocitárias que possuem mais de mielóide aguda
em anel
um terço do seu núcleo rodeado por em 1 a 2% dos
deposições de ferro, visualizados casos.
através da aplicação da coloração de
Perls.
É caracterizada pela ocorrência de No tipo I, a
Anemia diseritropoiese, disgranulopoiese e esperança +8, - 5,
refractária dismegacariopoiese, e é classificada média de vida del(5q), -
com excesso de em dois tipos, denominados tipo I e é de 18 meses, 7, del(7q),
blastos tipo II. O tipo I é caracterizado pela ocorrendo del(20q)
presença de anemia, neutropenia e evolução para

99
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

trombocitopenia, ausência de leucemia


bastonetes de Auer, existência de mielóide aguda
medula hipercelular com 5% a 9% em 25% dos
de blastos, e presença de menos de casos. No tipo
5% de blastos no sangue periférico. II, a esperança
O tipo II possui sinais clínicos média de vida
semelhantes ao tipo I, no entanto é é 10 meses,
característico a presença de mais de ocorrendo
5% de blastos no sangue periférico, evolução para
a existência de 10 a 19% de blastos leucemia
na medula óssea, e a presença de mielóide aguda
bastonetes de Auer. Este tipo possui em 33% dos
um pior prognóstico que o tipo I, casos.
tendo os doentes uma esperança
média de vida menor e um risco
mais elevado de evolução para
leucemia mielóide aguda.
É caracterizada por bicitopénia ou
A esperança
pancitopenia; displasia nas células
média de vida
percursoras de duas ou mais
dos doentes
linhagens celulares; presença de
com Citopénia
menos de 1% de blastos no sangue
refractária com
periférico; ausência de bastonetes
Citopénia displasia
de Auer; e existência de menos de
refractária multilinhagem +8, - 7,
5% de blastos na medula óssea.
com displasia é de 33 meses, del(7q), - 5
Também pode ter presente
multilinhagem ocorrendo
sideroblastos em anel, em que caso
evolução para
exceda os 15% dos percursores
leucemia
eritróides, a patologia é classificada
mielóide aguda
como Citopénia refractária com
em 11% dos
displasia multilinhagem e
casos.
sideroblastos em anel.

2.2.1.6. Alterações da linhagem megacariocítica


As plaquetas são células anucleadas sintetizadas por fragmentação
citoplasmática dos megacariócitos, e desempenham um papel fundamental no
organismo, contribuindo para a manutenção do equilíbrio entre os eventos hemorrágicos
e trombóticos.
Na presença de lesões vasculares, a homeostasia resulta da ocorrência de três
processos sequenciais denominados homeostase primária, secundária e terciária.
A homeostase primária é o primeiro mecanismo a actuar, levando à formação do
trombo plaquetário. Nesta fase, quando ocorre lesão vascular, a exposição do colagénio
endotelial vai promover a adesão das plaquetas ao endotélio, através da sua ligação às
glicoproteínas GP Ia/IIa presentes na superfície da membrana plaquetária, e a activação

100
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

das mesmas, através da ligação de substâncias libertadas pelo endotélio, como a


trombina, tromboxano A2 e epinefrina, aos seus receptores específicos. Em
consequência do processo de activação, as plaquetas sofrem uma alteração
conformacional, passando da forma discóide para a forma esférica, e, expõem as
glicoproteínas GP IIb/IIIa, que são receptores do fibrinogénio, e uma superfície lipídica,
importante para a activação dos factores de coagulação. Concomitantemente ocorre
também a expulsão dos seus grânulos, que promovem a agregação plaquetária, e a
consequente formação do trombo plaquetário, e a amplificação do processo de
activação.
Na fase de adesão das plaquetas ao endotélio ocorre também a ligação do factor
de von Willebrand, sintetizado pelas células endoteliais, às glicoproteínas GP Ib/IX, que
permite estabilizar a adesão das plaquetas ao endotélio, que na ausência deste factor, por
acção da força da corrente sanguínea, não aguentaria tempo suficiente para a ocorrência
da formação do trombo plaquetário.
Durante a estimulação do processo de activação das plaquetas ocorre ainda um
influxo transiente de cálcio, que promove a libertação do conteúdo dos grânulos,
contribuindo também desta forma para a amplificação do processo de activação
plaquetário e a formação do trombo plaquetário.
A presença de situações patológicas que causam a formação anormal ou
deficiente produção de plaquetas ou de outras substâncias ou moléculas intervenientes
da fase homeostase primária, levam a que todo este processo se realize de uma forma
não eficiente, trazendo consequências graves que ameaçam a sobrevivência do
organismo.

Alterações qualitativas das plaquetas


A alteração qualitativa das plaquetas mais frequente é a doença de von
Willebrand. Esta patologia, de caracter autossómico dominante ou menos
frequentemente recessivo é causada pela produção qualitativa ou quantitativa ineficiente
do factor von Willebrand, apresentando assim como principal sintoma a ocorrência de
eventos hemorrágicos.
Existem três tipos de doença de von Willebrand que apresentam diferentes
fenótipos e sintomatologia clínica, sendo denominados tipo 1, tipo 2 e tipo 3.

101
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

A doença de von Willebrand tipo 1 é a patologia mais comum, representando


cerca de 70% dos casos, possui caracter autossómico dominante e é caracterizada pela
presença do factor von Willebrand funcional mas em quantidades baixas.
A doença de von Willebrand tipo 2 está subdividida em vários subtipos
denominados 2A, 2B, 2M, e 2N, apresentando assim formas clínicas muito
heterogéneas.
O subtipo 2A possui caracter autossómico dominante e é causada pela
ocorrência de mutações que levam à não produção do multímero de intermédio e alto
peso molecular, causando a perda de função deste factor.
O subtipo 2B tem caracter autossómico dominante, e é causado pela ocorrência
de mutações que conferem um aumento na capacidade de ligação às glicoproteínas GP
Ib, fazendo com que mesmo na ausência de lesão vascular haja a ligação deste factor às
plaquetas circulantes, levando como consequência à ocorrência de trombocitopenia. Um
dos testes muito utilizados no diagnóstico deste sub-tipo de doença de von Willebrand,
e que permite evidenciar o aumento da afinidade do factor às glicoproteínas GP Ib,
baseia-se no aumento da sensibilidade de agregação plaquetária induzida pela
ristocetina, quando esta entra em contacto com os soros dos doentes ricos em plaquetas.
O subtipo 2M possui caracter autossómico dominante, e é causada por mutações
que provocam a síntese do factor von Willebrand não funcional, mas ao contrário do
que acontece no subtipo 2A, nestes casos há síntese do multímero de alto peso
molecular.
O subtipo 2N é de caracter autossómico recessivo e é caracterizado pela síntese
de moléculas de factor von Willebrand anormais que resultam na sua incapacidade de
ligar ao factor VIII.
Por fim a doença de von Willebrand do tipo 3 possui caracter autossómico
recessivo e é caracterizado pela produção de quantidades muito baixas ou mesmo pela
total não produção de factor von Willebrand. Geralmente estes doentes apresentam um
risco hemorrágico mais elevado pois apresentam simultaneamente alterações nos
mecanismos de homeostase primária e secundária devido à disfunção plaquetária e à
deficiente circulação do factor VIII.
O diagnóstico de qualquer tipo e subtipo da doença de von Willebrand baseia-se
essencialmente na análise dos multímeros constituintes do factor von Willebrand,
importante especialmente no diagnóstico dos sub-tipos 2A e 2B, e na realização de
testes funcionais que permitem o estudo da interacção entre o factor de von Willebrand

102
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

e as plaquetas, como é exemplo o teste com a ristocetina, entre o factor von Willebrand
e o colagénio, e entre o factor von Willebrand e o factor VIII. A contagem das
plaquetas, nesta patologia não é um teste muito útil na diferenciação dos vários tipos e
sub-tipos pois todos eles são caracterizados pela presença de quantidades normais de
plaquetas, à excepção da doença de von Willebrand sub-tipo 2B que apresenta
trombocitopenia.

Alterações quantitativas das plaquetas


As alterações quantitativas das plaquetas são classificadas em dois tipos,
geralmente denominadas trombocitose e trombocitopenia.

Trombocitose
A trombocitose surge quando ocorre aumento do número de plaquetas (superior
a 400×109/L) no sangue periférico, e é classificada em dois tipos denominados essencial
ou primária, e relativa ou secundária.
A trombocitose essencial ou primária é marcada pela presença de plaquetas em
número superior a 1000×109/L e surge principalmente em casos de síndromes
mieloproliferativos como são exemplos a trombocitémia essencial, a policitémia vera e
mielofibrose primária.
A trombocitose relativa ou secundária é caracterizada pela presença de número
de plaquetas até 800×109/L, surgindo maioritariamente em casos de doenças
inflamatórias crónicas, após hemorragias agudas, anemia hemolítica, anemia
ferropénica grave e após esplenectomia.

Trombocitopénia
A trombocitopenia ocorre quando existe uma diminuição do número de
plaquetas (inferior a 150×109) no sangue periférico, e pode ser devida a uma diminuição
na produção de plaquetas, ao aumento da sua destruição, ou à sua distribuição anormal
devido por exemplo ao aumento da sequestração esplénica, em situações de
esplenomegalia.
A diminuição da produção de plaquetas pode ter como causas a aplasia medular,
a existência de infiltrações medulares como são exemplos as neoplasias hematológicas,
ou a ocorrência de processos de trombopoiese ineficaz devido à deficiência em vitamina

103
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B12 e ácido fólico, ao consumo excesso de álcool, e à ingestão de determinados


fármacos.
O aumento da destruição de plaquetas pode ser devido à existência de auto-
anticorpos, por exemplo em casos de Púrpura Trombocitopénica Imune (PTI), em que
há destruição de plaquetas opsonizadas por parte do sistema imunitário; à ocorrência de
infecções virais, como HIV, sarampo e malária; em doenças linfoproliferativas, como
são exemplos as leucemias linfocíticas; e como consequência de casos de Púrpura
Trombocitopénica Trombótica (PTT), a qual é caracterizada pela formação de
microtrombos em vários órgãos, resultando no consumo de plaquetas, fragmentação dos
eritrócitos, e manifestações renais e cerebrais.
Na obtenção de situações de trombocitopenia, pelos aparelhos automáticos, é
importante a realização de nova contagem de plaquetas no esfregaço de sangue
periférico, ou em tubos de citrato de sódio (tubos de VS ou coagulação) para excluir
situações de falsa trombocitopénia que surgem devido à existência de agregações
plaquetárias causadas pelo anticoagulante, ou à presença de plaquetas gigantes, que nos
aparelhos automáticos, podem ser confundidas com leucócitos.
Quando se realiza a observação do esfregaço sanguíneo, é importante também
observar a granulação das plaquetas, e a sua distribuição, de maneira a detectar
possíveis situações de anisocitose plaquetária e satelitismo plaquetário.

2.2.1.7. ESTUDO DA COAGULAÇÃO

No laboratório SOERAD, o estudo da coagulação ou homeostase secundária


realiza-se com recurso ao aparelho automático Sysmex CA-500 (figura 38), no qual são
determinados o Tempo de Protrombina (PT), o Tempo de Tromboplastina Parcial
Activado (APTT) e a Razão Normalizada Internacional (INR), cujos valores de
referência estão representados na tabela 11.

Os parâmetros Tempo de Protrombina e Tromboplastina Parcial Activado são


determinados através do método de detecção foto-óptico, no qual o tempo de
coagulação é medido a partir da alteração da dispersão da luz devido ao aumento de
turvação da amostra resultante da conversão do fibrinogénio em fibrina que ocorre
quando o reagente é adicionado à amostra de plasma. A luz dispersa é absorvida por um
fotodíodo, que converte posteriormente a intensidade de luz em sinais eléctricos, que

104
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são monitorizados e utilizados por um microprocessador para o cálculo do tempo de


coagulação da amostra.
Este método sofre interferências de factores como a hemólise, icterícia e lipémia
pois a bilirrubina e a hemoglobina absorvem radiação a um comprimento de onda
próximo ao utilizado, e devido ao aumento da turvação conferido pelo aspecto lipémico.

Figura 38 – Aparelho automático Sysmex CA-500 responsável pelo


estudo da coagulação.

Tabela 11 – Valores de referência dos parâmetros Tempo de Protrombina, Tempo de


Tromboplastina Parcial Activado e Razão Normalizada Internacional, utilizando o aparelho
Sysmex CA-500.

Parâmetro Valores de referência


Tempo de Protrombina (PT) 10 – 3 segundos
Tempo de Tromboplastina Parcial Activado (APTT) 21 – 35 segundos
< 1,2%
Doentes submetidos a uma
terapêutica com
anticoagulantes orais para a
profilaxia de trombose
venosa profunda: entre 2,0
Razão Normalizada Internacional (INR) e 3,0
Doentes submetidos a uma
terapêutica com
anticoagulantes orais para
prevenir a embolia
sistémica recorrente: entre
3,0 e 4,5

105
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Homeostase secundária
A homeostase secundária consiste no processo da coagulação e culmina na
formação de trombina, responsável pela conversão do fibrinogénio em fibrina.
O processo da coagulação envolve a acção de uma série de proteínas, que a
partir de uma sequência complexa de reacções químicas permite a formação do coágulo
de fibrina. Por forma a melhor compreender todo este processo, recorre-se ao estudo da
cascata de coagulação.
A cascata de coagulação (figura 39) é constituída por duas vias principais, a via
extrínseca e a via intrínseca, e pela via comum resultante da convergência das vias
principais.

Figura 39 – Representação esquemática da cascata de coagulação.

Via intrínseca
Na via intrínseca, inicialmente os factores XII e XI são activados na presença de
calicreína, quininogénio de alto peso molecular e colagénio subendotelial, causando a
formação dos factores XII e XI activados. O factor XI activado, posteriormente,
converte o factor IX em factor IX activado. O factor IX activado, no final, na presença
de cálcio, factor VIII activado e fosfolípidos provoca a activação do factor X, resultando
na formação do factor X activado, que é parte constituinte do complexo protrombinase.

106
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Via extrínseca
A via extrínseca é iniciada pela activação do factor VII, na presença de cálcio e
do factor tecidular, resultando na formação do factor VII activado. Posteriormente, o
factor VII juntamente com o factor tecidular e o cálcio, transformam o factor X em
factor X activado, que juntamente com o factor V activado, fosfolípidos e cálcio
formam o complexo protrombinase na via comum.

Via comum
A via comum inicia-se com a formação do complexo protrombinase, que é
responsável pela conversão da pró-trombina em trombina. A trombina irá,
posteriormente, degradar o fibrinogénio causando a libertação de monómeros solúveis
de fibrina denominados fibrinopeptido A e fibrinopeptido B, que acabam por
polimerizar e formar a fibrina insolúvel. Também por acção da trombina, há activação
do factor XIII que promove a formação de ligações covalentes cruzadas entre os
polímeros de fibrina, estabilizando-os.

Estudo da Homeostase secundária

Determinação do Tempo de Protrombina


O Tempo de Protrombina consiste no tempo que demora a formação do coágulo
sanguíneo de um plasma citrato tratado com cálcio e excesso de tromboplastina. Nesta
reacção, o factor tissular presente no reagente tromboplastina liga-se ao factor VII e
inicia a cascata de coagulação. A determinação deste parâmetro permite, assim, o
diagnóstico e monitorização de patologias genéticas ou adquiridas que envolvem as vias
extrínseca e comum, resultantes de deficiências nos factores V, VII, X, II (protrombina)
e fibrinogénio, bem como a monitorização da terapia com anticoagulantes orais,
nomeadamente varfine, e a detecção de deficiências em vitamina K, uma vez que os
factores protrombina, VII e X são vitamina K dependentes.
Os valores deste parâmetro encontram-se elevados em doenças hepáticas, como
são exemplos a cirrose e a hepatite; em situações de deficiência de vitamina K que
ocorrem em doenças biliares, síndromes de mal-absorção, terapia com varfine,
antibioterapia e malnutrição; em casos de Coagulação intravascular disseminada, devido
ao consumo de plaquetas e dos factores I, II, V e VIII; e mais raramente na presença de

107
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anticorpos específicos dos factores de coagulação, mais frequentemente dos factores V


ou VIII, que causam a sua destruição pelas células fagocitárias do sistema imunitário.

Determinação do valor da razão normalizada internacional


A razão normalizada internacional (INR) foi desenvolvida com o objectivo de
padronizar os valores de Tempo de Protrombina, através de fórmulas matemáticas,
devido à falta de padronização do reagente tromboplastina, que causa uma baixa
reprodutibilidade inter e intra-laboratórios dos resultados.
Assim, a razão normalizada internacional é calculada a partir da seguinte
expressão:
PT
INR = ( MNPT)ISI

Em que PT é o tempo de protrombina, o MNPT é a média de valores de tempo


de protrombina obtidos em amostras normais, pelo método de referência e utilizando o
reagente tromboplastina referenciado pela Organização Mundial de Saúde, e o ISI é o
Índice de Sensibilidade Internacional.
Este índice é o declive da recta resultante da representação gráfica do logaritmo
dos valores de protrombina de várias amostras obtidos pelo método de trabalho em
função do logaritmo dos valores de protrombina de várias amostras obtidos pelo método
de referência, e deve ser o mais próximo de 1, pois significa que o reagente
tromboplastina utilizado possui uma sensibilidade muito próxima da sensibilidade do
método de referência. Idealmente cada laboratório devia calcular o próprio valor de ISI.
Porém devido à falta de pessoal especializado e de recursos económicos, na maioria dos
laboratórios de análises clínicas, incluindo o laboratório SOERAD, o valor de ISI é
determinado pelo fabricante do reagente tromboplastina.
A determinação deste parâmetro é útil na monitorização da terapia com varfine,
de maneira a ajustar a dose de anticoagulante a administrar e avaliar o risco de
hemorragia, e na monitorização de casos de patologias hepáticas, transplantes hepáticos
e cirurgias hepáticas.

Determinação do tempo de tromboplastina parcial activado


O Tempo de Tromboplastina consiste no tempo que demora a formação do
coágulo sanguíneo de um plasma citrato tratado primariamente com o reagente APTT,
constituído por fosfolípidos e um composto que serve de superfície activa como a sílica

108
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ou o caulino. Desta reacção resulta a activação da via intrínseca, com a formação dos
factores XII activado, XI activado, e IX activado. Posteriormente é adicionado cálcio,
que juntamente com os factores X e V activados forma o complexo protrombinase, que
converte a protrombina em trombina. A reacção finda com a conversão do fibrinogénio
em fibrina por acção da trombina.
A determinação deste parâmetro permite, assim, o diagnóstico e monitorização
de patologias genéticas ou adquiridas que envolvem as vias intrínseca e comum, bem
como a monitorização da terapia com heparina, e a detecção do anticoagulante lúpico.
Os valores deste parâmetro encontram-se elevados em situações patológicas que
provocam a diminuição dos níveis da precalicreína, quininogénio de alto peso
molecular, e dos factores VIII, IX, XI, XII, fibrinogénio, protrombina, v e X; nos casos
de Hemofilia, devido à diminuição da actividade dos factores VIII ou IX; em casos de
Coagulação intravascular disseminada; e na presença do anticoagulante lúpico
observado em casos de lúpus eritematoso sistémico, e associado à ocorrência de abortos
e a tromboses vasculares.

Homeostase terciária
A homesotase terciária é a última etapa da coagulação e consiste na fibrinólise, a
qual é característica pela destruição do coágulo de fibrina de modo a manter a
permeabilidade e evitar a oclusão permanente dos vasos sanguíneos.
A destruição do coágulo de fibrina é catalisada por uma enzima denominada
plasmina, que deriva da conversão do plasminogénio por parte do activador do
plasminogénio tecidular (t-PA) e pela urocinase (u-PA). Da fibrinólise resulta a
formação de fragmentos, denominados D-dímeros, que são posteriormente eliminados
do organismo.
No laboratório SOERAD não é realizado o estudo da homeostase terciária,
porém é importante a sua referência neste relatório de estágio pois é uma etapa muito
importante na manutenção do equilíbrio da homeostase, juntamente com as fases de
homeostase primária e secundária.

2.2.1.8. DETERMINAÇÃO DA VELOCIDADE DE SEDIMENTAÇÃO GLOBULAR

A determinação da velocidade de sedimentação globular realiza-se no aparelho


automático Sediplus S2000 (figura 40), que mede as alturas da superfície da coluna

109
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líquida total e da superfície de sedimentação dos eritrócitos no início e ao fim de uma


hora. O valor da velocidade sedimentação corresponderá posteriormente, à diferença de
altura entre as duas superfícies.
A velocidade de sedimentação corresponde à velocidade de queda espontânea
dos eritrócitos em suspensão no plasma durante uma hora, e baseia-se na tendência que
os eritrócitos possuem, no estado de repouso, devido à sua forma bicôncava,
empilharem-se uns sob os outros, formando os rouleax. Todo este processo resulta da
diferença de gravidade específica existente entre os eritrócitos e o plasma, da atracção
electrostática gerada entre as cargas eléctricas negativas presentes na membrana dos
eritrócitos e as cargas eléctricas positivas de certas proteínas plasmáticas, e da contra-
corrente plasmática.
Este teste, apesar de ser pouco específico, pois não está associada a nenhuma
patologia específica, é bastante utilizado, na medida em que variações dos valores
normais podem ser indicativos de certas condições patológicas. Assim, valores
aumentados da velocidade de sedimentação são encontrados em casos de infecções
agudas e crónicas, como são exemplos a tuberculose, a sífilis e a artrite reumatóide;
neoplasias hematológicas; gamapatias monoclonais; e anemias normocíticas e
macrocíticas. Contrariamente, valores diminuídos de velocidade de sedimentação
podem surgir devido a poliglobulias, como é exemplo a policitémia vera; alterações na
forma do eritrócito, como é exemplo a drepanocitose; hipofibrinogenémia; e diminuição
de globulinas plasmáticas, como são exemplos as hipogamaglobulinémias.

Figura 40 – Aparelho automático Sediplus S2000 responsável pela


determinação da velocidade de sedimentação eritrocitária.

110
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Na tabela 12 estão representados os valores de referência da velocidade de


sedimentação.

Tabela 12 – Valores de referência da velocidade de sedimentação utilizando o


aparelho automático Sediplus S2000.

Parâmetro Valores de referência


Mulher com menos de 50 anos: < 20 mm
Velocidade de Mulher com mais de 50 anos: <30 mm
sedimentação Homem com menos de 50 anos: < 15 mm
Homem com mais de 50 anos: < 20 mm

No laboratório SOERAD, em casos de colheita difícil em que não é possível


efectuar a colheita de sangue para um tubo de citrato VS, ou para confirmar resultados
muito elevados obtidos no aparelho automático, executa-se a determinação deste
parâmetro através da aplicação do Método de Westergren em sistemas fechados
descartáveis. Neste método, adiciona-se aproximadamente 1 mL de sangue colhida em
tubo com EDTA para um tubo próprio que contém anticoagulante citrato trissódico, e
após perfuração da rolha do tubo com anticoagulante citrato trissódico, através de uma
diferença de pressões, enche-se com sangue o tubo graduado fechado até à marca de 0
mm. Ao fim de uma hora, mede-se a distância percorrida pela superfície de
sedimentação dos eritrócitos.

111
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2.2.2. TÉCNICAS MANUAIS

Esfregaços de sangue periférico e coloração de May-Grünwald-Giemsa


No laboratório SOERAD, os esfregaços de sangue periférico são realizados
maioritariamente em situações em que é necessário confirmar resultados obtidos pelos
aparelhos automáticos, uma vez que permite a observação da morfologia das células
sanguíneas, a realização da fórmula leucocitária, e a contagem das plaquetas.
Idealmente, um bom esfregaço sanguíneo deve ser liso, regular, homogéneo,
relativamente fino, apresentar bordos bem definidos e franja, a espessura deve diminuir
gradualmente da cabeça para a cauda, e deve ser executado com sangue fresco, de
preferência imediatamente após a colheita e sem adição de anticoagulante.
O procedimento da execução de esfregaços sanguíneos inclui os seguintes
passos: primeiro coloca-se uma gota de aproximadamente 3 mm de diâmetro numa
lâmina, de seguida através de um movimento à retaguarda de uma outra lâmina até à
frente da bolha de sangue, espalha-se a gota em toda a largura da lâmina.
Posteriormente num ângulo de 30 a 45º entre as duas lâminas realiza-se o esfregaço,
puxando rápida e suavemente a segunda lâmina para a frente.
Na observação ao microscópio do esfregaço sanguíneo, a zona óptima de
contagem é a central, estando os leucócitos distribuídos não uniformemente, na medida
em que os pequenos linfócitos encontram-se sobretudo no centro do esfregaço, os
granulócitos (neutrófilos, eosinófilos e basófilos) situam-se essencialmente nos bordos,
e os leucócitos mais volumosos, como os monócitos, grandes linfócitos e células
percursoras (blastos) predominam nos bordos e franja do esfregaço.
Após a realização dos esfregaços sanguíneos, de modo a ser possível a sua
visualização ao microscópio, procede-se à coloração das lâminas usando a técnica de
coloração de May-Grünwald-Giemsa. Nesta técnica são utilizados três reagentes,
nomeadamente a Solução de May-Grünwald, o Tampão de fosfatos, e a solução de
Giemsa, tendo diferentes acções.
A solução de May-Grünwald consiste numa solução metanólica de eosinato de
azul de metileno e é responsável pela fixação do esfregaço; o tampão de fosfatos é
responsável pela dissociação do corante May-Grünwald em eosina e azul de metileno; e
a Solução de Giemsa é responsável pela coloração das células sanguíneas devido à
acção dos corantes individuais, eosina, azul de metileno e azur de metileno, formados
por dissociação da solução Giemsa pelo tampão de fosfatos.

112
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

A eosina é um corante ácido e como tal é responsável pela coloração dos


componentes citoplasmáticos de natureza básica, como a hemoglobina e os grânulos
eosinofílicos; o azul de metileno é um corante básico, sendo deste modo, responsável
pela coloração dos núcleos celulares e dos componentes citoplasmáticos de natureza
ácida, como os grânulos dos basófilos; por fim, o azur de metileno cora as granulações
azurófilas de vermelho púrpura. Assim, num esfregaço de sangue periférico
correctamente corado os eritrócitos apresentarão coloração rosa ou côr salmão; os
núcleos coloração azul-escuro ou roxo; os grânulos citoplasmáticos dos neutrófilos,
coloração rosa; os grânulos citoplasmáticos dos basófilos coloração azul escura ou
preta; os grânulos citoplasmáticos dos eosinófilos coloração laranja; e a área intercelular
deverá ser incolor, límpida, e não conter precipitados de corante.

Contagem manual dos reticulócitos


Os reticulócitos são os percursores dos eritrócitos maduros, não possuem núcleo,
mas devido à sua imaturidade contém restos de RNA, sobretudo RNA ribossomal que
permitem a sua visualização através de uma coloração supravital.
No laboratório SOERAD, a contagem dos reticulócitos executa-se
exclusivamente por via do método manual, através da utilização do corante de natureza
básica, o azul de cresil brilhante.
Nesta técnica, para um tubo de hemólise adicionam-se quantidades iguais de
sangue colhido em EDTA e de corante, seguido de incubação na estufa por um período
aproximado de vinte minutos. Posteriormente realiza-se um esfregaço de sangue
periférico, deixa-se secar e observa-se ao microscópico, onde a contagem é feita com a
objectiva de imersão 100x, com o campo restrito através da aplicação de um disco de
papel com perfuração central colocado sob a ocular, e com a contagem de 1000 células
anucleadas (eritrócitos e reticulócitos). O resultado final pode ser expresso em
percentagem ou em valor absoluto, e é obtido através das fórmulas matemáticas
seguintes.
número de reticulócitos contados
Nº de reticulócitos (%) = ×100
1000
número de reticulócitos contados × número de eritrócitos por litro
Nº de reticulócitos (/L) = 1000

A contagem dos reticulócitos é útil na diferenciação de uma anemia regenerativa


de uma anemia arregenerativa, na medida em que anemias regenerativas são
caracterizadas por aumento de reticulócitos no sangue periférico; na monitorização do

113
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

tratamento de vários tipos de anemia como a anemia ferropénica, perniciosa e por


deficiência em ácido fólico, em que a diminuição de reticulócitos no sangue periférico
está associada à recuperação do estado anémico; e na detecção de actividade
eritropoiética medular aumentada após eventos que causam uma perda globular
significativa, como a hemólise, e hemorragias graves.

Determinação do grupo sanguíneo - Sistemas ABO e Rhesus


A determinação do grupo sanguíneo é um procedimento muito utilizado nos
testes de paternidade, no estudo antropológico de diferentes populações, e na área da
transfusão sanguínea, onde assume um papel determinante.
Actualmente existem 35 sistemas de grupos sanguíneos, entre os quais o grupo
ABO e Rhesus.
Os grupos sanguíneos consistem em proteínas, glicoproteínas, ou glicolípidos,
presentes na superfície das células sanguíneas (Sistema ABO) ou na membrana
citoplasmática, como parte integrante (Sistema Rhesus).

Sistema ABO
Os antigénios do grupo sanguíneo ABO estão distribuídos ubiquamente pelo
organismo, são codificados por um único gene, o gene ABO, presente no cromossoma
9, e são transmitidos hereditariamente, sendo transmitindo um alelo de cada progenitor,
dos três alelos constituintes do locus ABO, dando origem a quatro fenótipos, o fenótipo
A, fenótipo B, fenótipo AB, e fenótipo O (tabela 13).

Tabela 13 – Representação dos fenótipos ABO obtidos de acordo com os alelos herdados de
ambos os progenitores.
Alelos ABO herdados pela mãe
A B O
Alelos ABO
A A AB A
herdados pelo
B AB B B
pai
O A B O

O fenótipo A é caracterizado pela expressão de glicotransferase A, codificada


pelo alelo A, responsável pela síntese do antigénio A, composto por N-
acetilgalactosamina (açúcar imunodominante) e antigénio H, que consiste num
complexo açucarado composto por N-acetilglucosamina, fucose, e D-galactose. O
fenótipo B é caracterizado pela expressão de glicotransferase B, codificada pelo alelo B,
114
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responsável pela síntese do antigénio B composto por D-galactose (açúcar


imunodominante) e antigénio H. Por fim, o fenótipo O é caracterizado pela expressão de
uma enzima não funcional, e pela consequente não formação de antigénio A ou
antigénio B e pela não alteração do antigénio H.
No interior do nosso organismo, em resposta à ausência dos antigénios A e B, e
pela semelhança estrutural existente entre os açúcares constituintes dos antigénios A e
B, com os açúcares presentes na alimentação e na constituição dos microorganismos
comensais, existe a produção, por parte do sistema imunitário, de anticorpos,
denominados anticorpos anti-A e anti-B. Estes anticorpos são geralmente do tipo IgG e
IgM, e originam uma resposta imunitária, de intensidade menor que os anticorpos
produzidos em resposta à presença de antigénios estranhos ao organismo.
Assim, indivíduos com fenótipo A produzem anticorpos anti-B, indivíduos com
fenótipo B produzem anticorpos anti-A, e indivíduos com fenótipo O produzem
anticorpos anti-A e anti-B.
A produção destes anticorpos representa um dos motivos pelo qual a
determinação do grupo sanguíneo ABO é importante na área da transfusão na medida
em que, nos casos de incompatibilidade do sistema ABO, há destruição das células
sanguíneas do receptor, provocando em muitos dos casos, a morte do individuo.
No laboratório SOERAD, a determinação do grupo sanguíneo ABO é realizado
com recuso a um método baseado no princípio de aglutinação, no qual a ocorrência de
hemoaglutinação traduz um resultado positivo devido à ligação anticorpo-antigénio.
Deste modo, nos indivíduos com fenótipo A, devido à presença do antigénio A,
observa-se hemoaglutinação quando o sangue reage com o reagente A constituído por
anticorpos anti-A; nos indivíduos com fenótipo B, devido à presença do antigénio B,
observa-se hemoaglutinação quando o sangue reage com o reagente B constituído por
anticorpos anti-B; nos indivíduos com fenótipo AB, devido à presença dos antigénios A
e B, observa-se hemoaglutinação quando o sangue reage com os reagentes A e B
constituídos por anticorpos anti-A e anti-B; nos indivíduos com fenótipo O, devido à
ausência de antigénio, não se observa hemoaglutinação quando o sangue reage com os
reagentes A e B.

Sistema Rhesus
O sistema Rh é um dos sistemas sanguíneos conhecidos mais complexos do
organismo humano, devido ao elevado polimorfismo dos genes que codificam os

115
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

antigénios Rh, que causam a formação de genes Rh híbridos e a consequente expressão


de numerosos antigénios, sendo conhecidos actualmente 61 antigénios.
Os antigénios Rh estão presentes exclusivamente nas células eritrocíticas, e são
codificados por dois genes presentes no cromossoma 1, denominados RHD e RHCE. O
gene RHD codifica para o antigénio D, que é o mais imunogénico e clinicamente
importante do sistema Rh.
Os principais fenótipos relacionados com o antigénio D existentes são o RhD
positivo e o RhD negativo.
Este antigénio está presente em quase toda a população mundial, fazendo com
que o fenótipo mais frequentemente encontrado seja RhD positivo, encontrando-se em
apenas cerca de 15% da população caucasiana e 8% da população negra, o fenótipo
RhD negativo. Este fenótipo na população caucasiana é devido à deleção do gene RHD,
enquanto na população negra, para além da deleção do gene RHD, também é devido à
existência de um pseudogene RHD que contém um codão stop prematuro, ou à
existência de um gene RHD híbrido que contém sequências nucleotídicas do gene RHD
e do gene RHCE, que causa a não produção do antigénio D e a síntese de um antigénio
C anormal.
Porém devido à presença de numerosos epitopos na constituição do antigénio D,
podem ainda ocorrer fenótipo de D fraco e fenótipo de D parcial, presentes numa
pequena percentagem da população. O fenótipo D fraco surge em consequência de
mutações missense no gene RHD que provoca uma redução dos níveis de expressão do
antigénio D. Nestes indivíduos não ocorre alteração dos epitopos do antigénio D e como
tal não existe produção de anticorpos anti-D, pelo que, em situações de transfusão
sanguínea, um receptor RhD fraco pode receber sangue de um dador RhD positivo.
No fenótipo RhD parcial, ocorre um processo de conversão génica, em que parte
do gene RHD é substituído por uma região equivalente do gene RHCE, levando à
formação de proteínas RhD anormais. Como tal, nestes indivíduos há produção de
anticorpos anti-D, fazendo com que, em situações de transfusão sanguínea, um receptor
RhD parcial apenas pode receber sangue de um dador RhD negativo, RhD fraco ou RhD
parcial.
A determinação da fenotipagem RhD também assume um papel fulcral nas
grávidas, nomeadamente no diagnóstico e prevenção da doença hemolítica do recém-
nascido. Esta patologia surge quando uma mulher RhD negativo, após sofrer
aloimunização anti-RhD prévia, por acção de transfusões sanguíneas ou subsequente a

116
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uma gravidez em que o feto fosse RhD positivo, fica grávida de um feto RhD positivo.
Em consequência há produção por parte da mulher grávida, de anticorpos imunes anti-D
que atravessam a placenta, opsonizam os eritrócitos fetais, causam a sua destruição por
parte do sistema imunitário, e a sua remoção pelo sistema reticulo-endotelial fetal,
levando, nas formas mais severas, à morte do recém-nascido.
Assim, a descoberta e o desenvolvimento de metodologias que permitem a
realização da fenotipagem ABO/RhD, permitiu o desenvolvimento de medidas
profilácticas, como a administração de imunoglobulina anti-RhD no início da gravidez,
e consequentemente possibilitou a prevenção da aloimunização materna e, a
consequente diminuição de mortes dos nados-vivos por doença hemolítica do recém-
nascido.
Laboratorialmente, a determinação do Rh é realizada em paralelo e de forma
semelhante à fenotipagem ABO, sendo que a obtenção de hemoaglutinação corresponde
a um resultado Rh positivo, e a ausência de hemoaglutinação corresponde a um
resultado Rh negativo. Neste último caso, procede-se à lavagem das células sanguíneas
com soro fisiológico e envia-se para o laboratório de Lisboa para confirmação do
resultado e para a pesquisa de D fraco.
Na figura 41 está representada um exemplo de um resultado do teste de
fenotipagem ABO/RhD.

Figura 41 – Teste ABO e Rhesus com resultado fenótipo A RhD


negativo.

117
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2.3. IMUNOLOGIA

2.3.1. TÉCNICAS AUTOMATIZADAS

No laboratório SOERAD, na área da imunologia executa-se a determinação


automática da concentração do CK-MB (isoenzima MB da creatina cinase) e da
troponina I, com recurso ao aparelho automático Mini Vidas (figura 42), e a realização
de várias técnicas manuais, nomeadamente o monoteste, VDRL-PPR, teste imunológico
da gravidez, e pesquisa de canabinóides na urina.

Figura 42 – Aparelho automático Mini-Vidas responsável pela determinação


da concentração do CK-MB e da troponina I.

A determinação da concentração do CK-MB e troponina I é realizada através de


métodos imunoenzimáticos de fluorescência (ELFA – Enzyme linked fluorescent assay).
Nesta técnica, após a colheita da amostra de sangue ser realizada, esta é colocada num
poço que contém os anticorpos anti-troponina e anti-CK-MB, marcados com um
conjugado, a fosfatase alcalina, de modo a haver ligação do CK-MB ou troponina I aos
anticorpos e ao conjugado, e a formação de uma sandwich. De seguida é adicionado o
substrato 4-metil-umbeliferil-fosfato, que é hidrolisado pela enzima fosfatase alcalina,
formando-se o produto 4-Metil-Umbeliferona, cuja florescência é emitida, a um
comprimento de onda de 450 nm, e cujo valor de sinal é proporcional à concentração de
CK-MB e troponina I.

118
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No aparelho automático Mini Vidas, para cada teste, são realizadas duas
medidas de fluorescência na cuvette de leitura, a primeira correspondente ao branco da
cuvette, ou seja antes do substrato ser adicionada à sandwich; e a segunda efectuada
após inoculação do substrato com a enzima. O valor final de fluorescência é o resultado
da diferença das duas medidas referidas anteriormente.
Terminado o teste, os resultados são calculados automaticamente pelo auto-
analisador, em relação a uma curva de calibração pré-definida no sistema informático,
correspondente às duas medidas de fluorescência.
Na tabela 14 estão respresentados os valores de referência dos parâmetros
determinados pelo aparelho automático, os valores de sensibilidade e linearidade dos
métodos utilizados na sua análise, e os tipos de amostras biológicas em que podem ser
determinados.

Tabela 14 – Descrição do tipo de amostra, sensibilidade, linearidade e valores de referência


dos parâmetros CK-MB e Troponina I calculados através do método ELFA.
Sensibilidade Linearidade Valores de
Parâmetros Amostras
do método do método referência
Soro
CK-MB Plasma EDTA ou 0,8 ng/mL 300 mg/mL < 5,1 ng/mL
Heparina de lítio
Soro
Troponina I Plasma EDTA ou 0,01 µg/L 30 µg/L < 0,01 µg/L
Heparina de lítio

2.3.1.1. Significado clínico do CK-MB


O CK-MB é uma das isoenzimas da creatina cinase, juntamente com a CK-MM
e a CK-BB. Das três isoformas é a mais específica do tecido cardíaco, existindo em
grandes quantidades no interior das células do miocárdio. Por esta razão, é considerado
um dos marcadores de eleição para o diagnóstico de síndromes coronários agudos,
como é exemplo o enfarto agudo do miocárdio.
Em casos de necrose miocárdica, observa-se um aumento dos níveis de CK-MB
4 a 6 horas após o início da sintomatologia, atinge o pico por volta das 18 horas, e volta
aos seus valores de referência às 48 horas.
A determinação da sua concentração é muito útil no diagnóstico de enfarto
agudo do miocárdio 12h após início de sintomas, possuindo uma sensibilidade de
detecção entre 93% e 100%; e no diagnóstico de reinfarte devido à sua curta semi-vida.

119
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Demonstrou-se também que um aumento dos seus níveis após revascularização do


miocárdio está associado ao aumento da mortalidade por enfarto agudo do miocárdio.
Porém, a sua importância clínica para o diagnóstico de enfarto agudo do
miocárdio tem vindo a diminuir devido à pouca sensibilidade de diagnóstico nas
primeiras 6h de evolução, e à baixa especificidade, visto estar aumentado também em
casos de exercício físico intenso, doenças musculares crónicas, como a polimiosite e
dermatomiosite, rabdomiólise, e ingestão de álcool e determinadas drogas, como a
cocaína.

2.3.1.2. Significado clínico da troponina I


As troponinas são um conjunto de proteínas musculares que juntamente com a
tropomiosina regulam a interacção cálcio dependente entre os filamentos de actina e
miosina, sendo responsáveis pelo ciclo dinâmico de contracção e relaxamento muscular
durante o processo de contracção muscular.
A troponina I é parte constituinte do complexo troponínico, juntamente com a
troponina T e a troponina C, correspondendo à componente inibitória do complexo
troponínico.
Esta proteína é responsável pela inibição da contracção muscular quando a
concentração do cálcio plasmático está baixa, pois a ligação da actina ao domínio
inibitório faz com que a troponina I iniba o efeito activador da actina sobre a ATP-ase
da miosina, conduzindo ao relaxamento muscular.
Devido à sua elevada especificidade e sensibilidade, a determinação da sua
concentração é útil no diagnóstico de casos de enfarto agudo do miocárdio, por exemplo
em situações em que não se observa elevação do CK-MB e/ou que apresentam supra-
desnivelamento do segmento ST (EMCSST); como factor de prognóstico, uma vez que
demonstrou-se que indivíduos suspeitos de doenças coronárias agudas com elevados
níveis de troponinas cardíacas estão associados a um risco maior de morte e reinfarte
comparativamente aos que não apresentam níveis elevados de troponina; e como
marcador de exclusão de EAM em indivíduos que não possuem elevação do segmento
ST e/ou que apresentem baixo risco de doença coronária, se vier negativa nas 12 – 14h
seguintes ao início dos sintomas.
Em casos de necrose miocárdica, observa-se aumento dos seus níveis nas
primeiras 4h – 6h, atinge o pico por volta das 48h – 72h, permanecendo em
concentrações elevadas por um período de 5 – 10 dias.

120
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Porém é importante referir que a sua elevação não ocorre unicamente em casos
de EAM, verificando-se também em casos de miocardite, embolismo pulmonar e
insuficiência renal.

121
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2.3.2. TÉCNICAS MANUAIS

Monoteste
O Monoteste é utilizado no diagnóstico de Mononucleose Infecciosa, em
indivíduos com sintomatologia clínica sugestiva, através da detecção qualitativa de
anticorpos heterófilos IgM em amostras de sangue total, plasma ou soro.
Este teste baseia-se num método imunocromatográfico, no qual a amostra
biológica migra por capilaridade numa membrana impregnada com antigénios
heterófilos na zona de teste. Deste modo, na presença de anticorpos heterófilos, há
formação de complexos anticorpo-antigénio, cuja visualização é possível com o
aparecimento de duas linhas vermelhas nas zonas de teste e controlo da cassete. Nestas
situações o teste é então considerado positivo. Na ausência de anticorpos heterófilos, na
cassete apenas irá aparecer uma linha vermelha correspondente ao controlo, sendo o
teste considerado negativo. Nos casos negativos é importante ter em consideração
alguns aspectos como o estadio da doença, visto que numa fase muito inicial a produção
de anticorpos pode não ser suficiente para a sua detecção através deste teste, e a idade
do individuo, pois em crianças e jovens adultos a produção deste tipo de anticorpos é
em baixas quantidades, originando resultados com menor positividade. Como tal, em
casos de suspeita de mononucleose pelo vírus de Epstein-Barr heterófilos negativo, é
aconselhável para confirmação de diagnóstico a detecção de anticorpos específicos do
vírus Epstein- Barr, como são exemplos os anticorpos anti-VCA, anti-EA e anti-EBNA.
Durante a realização deste teste pode ainda ocorrer situações em que não surge a
linha do controlo, sendo o teste considerado inválido.

VDRL (Veneral Disease Research Laboratory) – RPR (Rapid Plasma Reagin)


O VDRL-RPR é um teste qualitativo não treponémico utilizado no diagnóstico
clínico da sífilis, através da detecção de anticorpos inespecíficos, denominados reaginas,
produzidos em consequência da infecção causada pelo Treponema pallidum.
Este teste baseia-se no método imunocromatográfico, no qual as amostras de
soro ou plasma migram por capilaridade numa membrana impregnada com antigénio
não treponémico VDRL. O antigénio VDRL utilizado neste teste contém
micropartículas de carbono, que permite evidenciar visualmente a diferença entre um
resultado positivo e um resultado negativo. Assim, na presença de anticorpos anti-
VDRL, formam-se flóculos pretos em todo o círculo de teste, visíveis

122
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macroscopicamente devido à presença de partículas de carbono, obtendo-se um


resultado positivo. Contrariamente, quando não estão presentes anticorpos anti-VDRL
obtém-se um resultado negativo, evidenciado pela não ocorrência de floculação e pelo
aparecimento, no centro do círculo de teste, uma concentração de carbono polido ou
uma suspensão ténue de cor cinzenta. Pode ainda ocorrer a obtenção de resultados
fracos positivos, cujo aspecto macroscópico consiste numa concentração de agregados
pretos finos contornados por uma área difusa composta por agregados pretos finos.
No entanto existem situações em que os resultados obtidos não são específicos,
podendo obter-se resultados falsos positivos, por exemplo em casos de mononucleose
infecciosa, lepra, lúpus eritematoso sistémico, malária, e pneumonia viral. Também os
resultados negativos são necessário ter em atenção, especialmente em casos de suspeita
de infecção de sífilis com um quadro clínico fortemente sugestivo, uma vez que o
resultado pode dever-se à presença de anticorpos numa quantidade abaixo do valor
limite de detecção. Nestas situações é aconselhável a realização de testes de
confirmação como são exemplos o TPHA (Treponema pallidum Hemagglutination),
que consiste num teste de hemaglutinação no qual ocorre aglutinação de eritrócitos
sensibilizados com antigénios específicos do Treponema pallidum na presença de
anticorpos específicos contra os antigénios; e os Trepanostika TP recombinant e FTA-
ABS que consistem em métodos de imunofluorescência indirecta e ELISA
respectivamente, nos quais a presença de anticorpos contra antigénios específicos de
Treponema pallidum, origina a formação de complexos antigénio-anticorpo que
mediante uma reacção de hidrólise de um substrato catalisada por uma enzima origina
um sinal cuja intensidade é directamente proporcional à quantidade de anticorpos
presente na amostra biológica.
O método VDRL-RPR permite também a realização de uma identificação semi-
quantitativa das reaginas presentes na amostra biológica, nos casos de resultados
positivos, através da técnica de diluição, na qual se executam sucessivas diluições da
amostra, sendo o título da amostra a última diluição onde, ainda, se visualiza a presença
de agregados.

Diagnóstico imunológico da gravidez (DIG)


O diagnóstico imunológico da gravidez é um teste realizado em tiras
impregnadas com anticorpos monoclonais anti-hcG, permitindo a detecção qualitativa

123
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da hormona gonadotrofina coriónica humana (hcG) em amostras de urina ou soro, com


uma sensibilidade de 10 IU/L.
A hcG consiste numa glicoproteína que é produzida pela placenta muito pouco
tempo depois do processo de fecundação ocorrer, podendo numa gravidez normal ser
detectada na urina ou no soro 7 a 10 dias após a concepção, e cuja concentração
aumenta muito rapidamente no início da gravidez. Como tal, a hcG tornou-se num
excelente marcador para o diagnóstico precoce da gravidez.
Este teste baseia-se no método de imunocromatografia, no qual após mergulhar a
tira na amostra de urina ou soro, caso o resultado for positivo, observa-se o
aparecimento de duas linhas coloridas correspondentes à linha do controlo e à linha de
teste, resultado da formação de complexos antigénio-anticorpo na zona de teste. Nos
resultados negativos apenas se observa o aparecimento da linha colorida correspondente
ao controlo, e nos testes inválidos não há aparecimento de nenhuma linha colorida.
Á semelhança do que ocorre nos testes serológicos anteriormente referidos, neste
teste pode também ocorrer resultados falsos negativos e falsos positivos. Assim,
resultados falsos negativos podem ser obtidos em amostras de urina muito diluídas, isto
é com densidade específica muito reduzida, devido à presença de quantidades de hcG
não significativas; ou em situações em que o valor da concentração de hcG se situe
abaixo do limiar de sensibilidade do teste. Resultados positivos são também
característicos de doenças trofoblásticas e de determinadas neoplasias não trofoblásticas
como são exemplos o cancro da mama e do pulmão. Também nos homens se pode
observar aumento da concentração de hcG em casos de cancro da próstata e dos
testículos.

Pesquisa de canabinóides na urina


A pesquisa de canabinóides na urina é um teste qualitativo que permite a
detecção de vários tipos de canabinóides e seus metabolitos na urina (tabela 15), com
base no método imunocromatográfico. Este método baseia-se no princípio de
competição de ligação a anticorpos entre as substâncias presentes na urina e os
respectivos conjugados presentes no teste. Assim, na ausência de canabinóides na urina,
na cassete de teste irá aparecer duas linhas, uma na zona de controlo e outra na linha de
teste, resultado da ligação dos anticorpos aos conjugados dos canabinóides, uma vez
que a ausência de canabinóides na urina não causa a saturação dos locais de ligação dos
anticorpos, possibilitando, deste modo, a ligação dos conjugados aos anticorpos.

124
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Contrariamente, a presença de canabinóides na urina causa o aparecimento apenas da


uma linha correspondente ao controlo na cassete de teste, pois os canabinóides ligam-se
aos anticorpos, saturando os seus locais de ligação, e causando como consequência o
não aparecimento de linha colorida na zona de teste.

Tabela 15 – Substâncias detectadas pelo Teste de pesquisa de canabinóides na urina, e


seus respectivos cut-off.
Parâmetro Nível de cut-off (ng/mL)
Anfetamina (AMP 300) 300
Anfetamina (AMP 500) 500
Anfetamina (AMP) 1000
Barbituratos (BAR) 300
Benzodiazepinas (BZO 200) 200
Benzodiazepinas (BZO) 300
Buprenorfina (BUP) 10
Cocaína (COC 150) 150
Cocaína (COC) 300
Cotinina (COT) 100
Fentanil (FTY) 20
Quetamina (KET) 1000
Marijuana (THC 20) 20
Marijuana (THC) 50
Marijuana (THC 150) 150
Metadona (MTD) 300
Metabolito da metadona (EDDP 100) 100
Metabolito da metadona (EDDP 300) 300
Metanfetamina (MET 300) 300
Metanfetamina (MET 500) 500
Metanfetamina (MET) 1000
Metillenedioximetanfetamina (MDMA) 500
Morfina (MOP 300) 300
Opiáceos (OPI 2000) 2000
Oxicodona (OXY) 100
Fenciclidina (PCP) 25
Propoxifeno (PPX) 300
Tramadol (TRA) 100
Antidepressivos tricíclicos (TCA) 1000

No entanto, é importante referir que este teste apresenta algumas limitações que
incluem a não indicação, num resultado positivo, da concentração das substâncias, e da
via de administração; a não distinção de situações de abuso, de situações em que estas
substâncias sejam usadas como medidas terapêuticas; e a obtenção de resultados falsos
negativos na presença de canabinóides em concentrações abaixo do limite de detecção

125
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do teste. Deste modo caso seja necessário confirmar algum resultado ou realizar a
quantificação dos canabinóides presentes na urina, é obrigatório o recurso a outros
métodos, sendo o mais recomendável a cromatografia gasosa acoplada a espectrometria
de massa.

126
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2.4. GASIMETRIA

A gasometria é a área responsável pelo estudo do pH e dos gases sanguíneos, em


amostras de sangue arterial.
A colheita de amostras de sangue arterial é um acto médico, pelo que o
laboratório é apenas responsável pela validação técnica e biopatológico dos resultados.
No laboratório SOERAD, na área da gasimetria realizam-se a determinação do
pH, da concentração do ião bicarbonato, da saturação de oxigénio (sO2), da pressão de
dióxido de carbono (pCO2), e do excesso de base (B.E.) em amostras de sangue arterial,
com recurso ao aparelho automático Rapidpoint 400 (figura 43).

Figura 43 – Aparelho automático Rapidpoint 400 responsável pelo


estudo do pH e dos gases do sangue arterial.

pH
O pH é um parâmetro que reflecte a actividade dos iões hidrogénio, na formal do
logaritmo negativo da concentração destes iões.
Diariamente, no interior do nosso organismo são produzidos grandes
quantidades de iões hidrogénio, em consequência das reacções metabólicas. Contudo,
em condições fisiológicas normais, não se observam alterações significativas do valor
de pH, sendo este mantido num intervalo muito restrito. Tal facto é devido à acção dos
tampões, e de mecanismos pulmonares e renais, que são os responsáveis pela regulação
do equilíbrio ácido-base, e que desta forma providenciam um ambiente óptimo para o
metabolismo celular.

127
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Os principais sistemas tampão presentes no organismo são o tampão


bicarbonato-ácido carbónico, o tampão fosfato (HPO42- - H2PO4-), e o tampão
constituído pelos grupos imidazólicos dos resíduos de histidina. Estes tampões têm a
capacidade de ligar os iões H+ ou OH-, levando à formação de conjugados que depois,
através de outros processos, como são exemplos os processos respiratórios e renais, são
facilmente eliminados do organismo.
O sistema respiratório mantém o pH fisiológico através da retenção ou
eliminação de dióxido de carbono, alterando a taxa e volume de ventilação, enquanto o
sistema renal regula o tampão bicarbonato através da eliminação de iões H+ e da
reabsorção de iões bicarbonato do filtrado glomerular.
Porém na presença de situações que não permitem aos sistemas tampão e de
regulação manter constante o valor de pH no sangue, surgem perturbações no equilíbrio
ácido-base.
Estas situações podem ser divididas em acidoses, caso o valor de pH diminua
para níveis inferior a 7,37, e em alcaloses, caso o valor de pH aumente para níveis
superiores a 7,45.
As alcaloses e acidoses, dependente da causa que está na sua origem, podem ser
classificadas em respiratórias e metabólicas. Assim, se a causa for uma alteração
primária da pressão de dióxido de carbono no sangue, está-se perante uma perturbação
respiratória, enquanto uma alteração nas concentrações de iões bicarbonato e das bases
tampão apontam para uma perturbação metabólica.
A acidose metabólica é caracterizada pela presença de baixas concentrações de
ião bicarbonato, e surge em consequência de uma disfunção renal que não permite a
excreção pela urina de iões H+, a situações de cetoacidose devido a diabetes
descompensada, jejum, consumo excessivo de álcool, devido ao aumento da
concentração de ácidos não voláteis, e a casos de diarreia, fístula pancreática ou biliar
que causam a perda de secreções ricas em iões bicarbonato. Esta condição patológica é
compensada, em minutos, por via respiratória, em que a diminuição do valor do pH
estimula a respiração, ocorrendo aumento de excreção de dióxido de carbono
(hiperventilação).
A alcalose metabólica caracteriza-se pela presença de excesso de iões
bicarbonato ou pela perda de iões H+, que resultam no aumento do valor do pH, e que
surgem em casos de vómitos prolongados, devido à perda do suco gástrico, em
situações de hipocaliémia, associadas ao uso excessivo de laxante, e em consequência

128
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de terapia para acidose metabólica, por exemplo devido à administração de bicarbonato.


Esta condição patológica está sempre associada a hipocaliémia, e é compensada por via
respiratória, em que o aumento do valor do pH causa atenuação da respiração, fazendo
com que a pressão de dióxido de carbono aumente (hipoventilação). A compensação
também pode dever-se a mecanismos renais, desde que a origem da alcalose metabólica
não seja renal, através do aumento de excreção de iões bicarbonato.
A acidose respiratória é caracterizada pelo aumento da pressão de dióxido de
carbono causada pela reduzida eliminação de dióxido de carbono por parte dos pulmões
(hipoventilação). Esta situação surge em consequência de doenças pulmonares,
insuficiência cardíaca e obstrução das vias respiratórias, e apresenta um elevado risco de
morte devido à carência aguda de oxigénio subjacente à hipoventilação, ao
estabelecimento de níveis críticos reduzidos de pH devido à reduzida compensação
renal, e à difusão de dióxido de carbono pelas células devido à hipercapnia. Esta
condição fisiológica é compensada por via renal, através do aumento de reabsorção
renal de iões bicarbonato e aumento de excreção de iões H+. Ao contrário da
compensação por via respiratória, a compensação por via renal é mais lenta,
observando-se apenas aumento dos níveis dos iões bicarbonato ao fim de alguns dias.
Por fim, a alcalose respiratória caracteriza-se pela diminuição da pressão de dióxido de
carbono causado pela sua eliminação excessiva por parte dos pulmões (hiperventilação),
e surge em casos de fibrose pulmonar, em situações de permanência em altitudes
elevadas, e em momentos de maior agitação, nervos e medo, pois ocorre estimulação da
respiração. Esta situação patológica está sempre associada a uma hipocaliémia e é
compensada por via renal através do aumento de excreção de iões bicarbonato.
Podem ainda ocorrer perturbações mistas, nas quais as condições ácido-base
compensam-se umas às outras relativamente ao valor de pH. Como tal, na avaliação das
perturbações ácido-base torna-se fundamental a determinação de outros parâmetros,
nomeadamente a concentração do ião bicarbonato e a pressão parcial de dióxido de
carbono. Deste modo, a observação de valores diminuídos de pH e concentração de ião
bicarbonato juntamente com valores normais de pressão parcial de dióxido de carbono
são indicativos de acidose metabólica aguda; a existência de pH baixo, pressão parcial
de dióxido de carbono aumentada e concentração de ião bicarbonato normal são
indicativos de acidose respiratória aguda; o aumento dos níveis de pH e concentração de
ião bicarbonato juntamente com pressão parcial de dióxido de carbono normal são
indicativos de alcalose metabólica; e por fim o aumento do pH, a diminuição da pressão

129
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

parcial de dióxido de carbono e a existência de níveis normais de concentração de ião


bicarbonato são indicativos de alcalose respiratória.
A determinação do pH permite, assim, detectar perturbações no equilíbrio ácido-
base, contribuindo consequentemente para o diagnóstico de patologias dos sistemas
respiratório, renal e gastrointestinal.

Princípio de medição:
A determinação do pH realiza-se com recurso a um eléctrodo de pH, o qual é
constituído por um fio de prata/cloreto de prata envolvido numa solução tampão, e uma
membrana permeável aos iões hidrogénio. O fio de prata/cloreto de prata consiste no
eléctrodo de referência e possui potencial constante e conhecido, e a solução tampão
consiste num electrólito com valor de pH conhecido. Assim, quando a amostra
biológica entra em contacto com a membrana permeável, a passagem dos iões H+ por
esta membrana provoca a formação de um potencial de membrana, que depois é
conduzido pelo condutor de prata/cloreto de prata para um voltímetro, onde é
comparado com o potencial do eléctrodo de referência. O potencial final medido é a
diferença entre o potencial do eléctrodo de referência e o potencial da amostra, e é
directamente proporcional à concentração de iões H+. Visto que o pH é igual ao
logaritmo negativo da concentração de iões H+, sabendo a concentração de iões H+ e
aplicando a expressão logarítmica é possível obter o valor de pH da amostra.
Na tabela 16 estão representados os valores de referência do parâmetro pH para
o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue arterial.

Tabela 16 – Valores de referência do pH para o aparelho automático Rapidpoint e para


amostras de sangue arterial.

Valores de referência respeitantes a


Parâmetro
sangue total arterial
Adultos: 7,37 – 7,45
Recém-nascidos (1 dia): 7,20 – 7,41
pH
Crianças (10-90 dias): 7,34 – 7,45
Crianças (4-12 meses): 7,38 – 7,45

130
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Pressão parcial de dióxido de carbono


O dióxido de carbono é um dos produtos resultantes do metabolismo celular,
sendo transportado para os rins e pulmões, via corrente sanguínea, na forma de
bicarbonato, dióxido de carbono dissolvido, e ácido carbónico.
Nos pulmões, o oxigénio difunde dos alvéolos para a corrente sanguínea, onde
se liga às moléculas de hemoglobina. Concomitantemente iões H+ são libertados do
sangue venoso, reagem com iões bicarbonato, levando á formação de ácido carbónico.
O ácido carbónico, posteriormente dissocia-se em água e dióxido de carbono, sendo
depois o dióxido de carbono difundido pelos alvéolos e eliminado do organismo através
dos processos de ventilação.
Nos rins, o dióxido de carbono assume um papel importante na reabsorção dos
iões bicarbonato, na medida em que ao nível dos túbulos renais o sódio presente no
filtrado glomerular troca com os iões H+, os quais reagem depois com iões bicarbonato
do filtrado, levando à formação de ácido carbónico. O ácido carbónico é posteriormente
convertido pela anidrase carbónica em água e dióxido de carbono. O dióxido de carbono
formado difunde facilmente para os túbulos renais, reage com água, forma novamente
ácido carbónico, que depois se dissocia em iões H+ e iões bicarbonato. No final, os iões
bicarbonato são reabsorvidos para o sangue juntamente com os iões sódio.
A determinação da pressão parcial de dióxido de carbono é assim útil na
detecção de alterações do sistema respiratório, permite monitorizar o estado
compensatório de casos de acidose e alcalose metabólicas, e juntamente com a
determinação do valor de pH, contribui para a diferenciação de perturbações ácido-base.

Princípio de medição
O método que está na base da determinação da pressão parcial de dióxido de
carbono é a utilização de uma célula electroquímica, a qual é constituída por um
eléctrodo de medição, que consiste num eléctrodo de pH, por um eléctrodo de
referência, e por uma membrana permeável ao dióxido de carbono. O eléctrodo de
medição está envolvido numa solução tampão, enquanto o eléctrodo de referência está
envolvido por uma solução de cloreto e bicarbonato.
A pressão parcial do dióxido de carbono será directamente proporcional à
alteração de pH da solução de cloreto e bicarbonato detectada pelo eléctrodo de
medição, em consequência da passagem de dióxido de carbono pela membrana

131
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

permeável para a solução de cloreto e bicarbonato, na qual altera a actividade dos iões
hidrogénio.
Na tabela 17 estão representados os valores de referência da pressão parcial de
dióxido de carbono para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de
sangue arterial.

Tabela 17 – Valores de referência da pressão parcial do dióxido de carbono para o aparelho


automático Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.

Valores de referência respeitantes a


Parâmetro
sangue total arterial
Adultos: 35 – 46 mmHg
Recém-nascidos (1 dia): 29,4 – 60,6
pCO2 mmHg
Crianças (10-90 dias): 26,5 – 42,5 mmHg
Crianças (4-12 meses): 27,0 – 39,8 mmHg

Concentração de iões bicarbonato


O ião bicarbonato é parte constituinte do principal sistema tampão do
organismo, o tampão bicarbonato-ácido carbónico, que juntamente com o sistema
respiratório constituem a primeira linha de defesa do organismo em casos de
desequilíbrio ácido-base com origem não respiratória. Deste modo, em situações de
acidose, o ião bicarbonato (HCO-3) reage com os iões H+, levando à formação de ácido
carbónico, que depois se dissocia em CO2 e H2O. O CO2 é eliminado a uma taxa maior,
por acção dos pulmões, ocorrendo aumento da respiração (hiperventilação), e os iões H+
são eliminados na forma de água; contrariamente em casos de alcalose, os iões OH-
reagem com o ácido carbónico, formando-se água e iões bicarbonato. Os iões
bicarbonato são depois eliminados a uma taxa mais elevada ao nível dos túbulos renais,
permitindo a diminuição dos níveis de pH.
A determinação da concentração do ião bicarbonato é então útil na detecção de
perturbações do equilíbrio ácido-base, nomeadamente de casos de acidose ou alcalose
de origem metabólica, e na monitorização de situações de acidose e alcalose
respiratória, na medida em que o aumento ou a diminuição, respectivamente, da
concentração de iões bicarbonato permite acompanhar o estado compensatório destes
desequilíbrios acido-base de origem respiratória.

132
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Princípio de medição
O valor de concentração dos iões bicarbonato é determinado automaticamente
pelo auto-analisador, através do recurso a algoritmos matemáticos. No aparelho
automático Rapidpoint 400/405 o princípio de cálculo é a equação de Henderson-
Hasselbalch, resolvida segundo o logaritmo da concentração de bicarbonato, e a partir
do cálculo dos valores de pH e pressão de dióxido de carbono.
A concentração do ião bicarbonato resulta então da aplicação da seguinte
expressão:
[HCO-3] = 10(pH - 6,11) × pCO2 × 0,0307

Na tabela 18 estão representados os valores de referência da concentração dos


iões bicarbonato para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue
arterial.

Tabela 18 – Valores de referência da concentração de iões bicarbonato para o aparelho


automático Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.
Valores de referência respeitantes a
Parâmetro
sangue total arterial
Adultos: 21 – 26 mmol/L
Recém-nascidos (1 dia): 18,6 – 22,6
mmol/L
Ião bicarbonato (HCO23-) Crianças (10-90 dias): 18,5 – 24,5
mmol/L
Crianças (4-12 meses): 19,8 – 24,2
mmol/L

Excesso de base
O parâmetro excesso de base designa a quantidade de ácido (valor de B.E.
positivo) ou de base (valor de B.E. positivo) necessária para repor o pH na parte
metabólica.
A sua determinação é útil na detecção de desequilíbrios ácido base de origem
não respiratória, estando os seus valores fora do intervalo de referência em casos de
perturbações metabólicas, como são exemplos a diabetes mellitus, ou situações de
acidose ou alcalose metabólica; perturbações renais; perturbações intestinais que
envolvam a perda de suco gástrico (que leva à perda de iões H+) ou secreções duodenais
(perda de iões HCO-3), perturbações hepáticas; e em consequência de administração de
iatrogénicos, como são exemplos as infusões com lactato ou malato.

133
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Na tabela 19 estão representados os valores de referência do parâmetro excesso


de base para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue arterial.

Tabela 19 – Valores de referência do parâmetro excesso de base para o aparelho automático


Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.
Valores de referência respeitantes a
Parâmetro
sangue total arterial
Excesso de base (B.E.) -2 a +3 mmol/L

Oxigénio
O oxigénio é um gás que desempenha um papel crucial na sobrevivência dos
organismos vivos, intervindo na cadeia respiratória mitocondrial que culmina na
produção de energia sob a forma de ATP.
A principal fonte de oxigénio do ser humano é o ar atmosférico, que é
constituído por aproximadamente 78% de azoto, 21% de oxigénio, e pequenas
percentagens de dióxido de carbono e outros gases, principalmente gases inertes.
O caminho percorrido pelo oxigénio desde os pulmões até às mitocôndrias
celulares é longo e depende dos sistemas respiratórios, cardíaco, e circulatório, e da
capacidade de transporte da hemoglobina. Assim, após a inspiração do ar atmosférico,
este é transportado para locais de pressão mais baixa, nomeadamente os alvéolos
pulmonares. Durante este percurso, ocorre diminuição da pressão parcial do oxigénio,
que diminui dos iniciais 160 mmHg no ar circundante para 100 mmHg nos alvéolos, em
consequência da diluição do ar inspirado pelo ar retido da última expiração, e da sua
saturação com vapor de água. De seguida, ao nível dos alvéolos ocorrem as trocas
gasosas pulmonares, durantes as quais há aumento de perfusão dos pulmões e a
passagem do oxigénio dos alvéolos para o sangue capilar, devido à diferença de pressão
parcial do oxigénio existente entre a ramificação capilar venosa (40 mmHg) e os
alvéolos (100 mmHg). Nos capilares, o oxigénio é transportado até todas as células do
organismo, nas quais irão ocorrer novas trocas gasosas, em que há passagem do
oxigénio do sangue para as células, e passagem do dióxido de carbono das células para
os capilares sanguíneos.
A molécula responsável pelo transporte do oxigénio no sangue é a hemoglobina,
tendo capacidade de ligar reversivelmente quatro moléculas de oxigénio.
A capacidade da hemoglobina de fixar as moléculas de oxigénio depende do pH,
da pressão do dióxido de carbono, da pressão do oxigénio, da concentração de 2,3-

134
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

difosfoglicerato e da temperatura. Desta forma, ao nível dos tecidos, devido aos


processos metabólicos oxidativos, estão presentes quantidades de iões H+, pressão de
dióxido de carbono, concentração de 2,3-difosfoglicerato e temperatura mais elevados
que nos capilares sanguíneos, fazendo com que a afinidade da hemoglobina para as
moléculas de oxigénio diminua, permitindo, assim, a libertação de oxigénio para as
células. Ao nível dos pulmões, o pH, a concentração de 2,3-difosfoglicerato, a pressão
de dióxido de carbono, e a temperatura são mais baixas relativamente aos capilares
sanguíneos, e como tal há aumento da afinidade da hemoglobina para as moléculas de
oxigénio, permitindo a passagem do oxigénio dos alvéolos para o sistema circulatório.
Todo este processo de oxigenação da hemoglobina referido anteriormente pode ser
identificado através da curva de dissociação do oxigénio. Esta curva descreve a relação
quantitativa entre o oxigénio que é libertado fisicamente (mensurável como pressão
parcial do oxigénio) e a absorção de oxigénio por parte da hemoglobina (mensurável
como saturação de oxigénio), demonstrando que a relação entre estas duas grandezas
não é linear, mas sim sigmóide. Esta conformação é explicada por uma adaptação
crescente da molécula de hemoglobina, que facilita a sua oxigenação, e é muito
importante para a eficácia do transporte do oxigénio no sangue pois significa que
mesmo na presença de pressões parcial de oxigénio alveolares baixas, é atingido um
nível de saturação de oxigénio razoável, e que a ocorrência de alterações na pressão
parcial do oxigénio causa uma imediata alteração da saturação de oxigénio, provocando
uma grande dessaturação do oxigénio do sangue, e consequentemente, um melhor
fornecimento aos vários tecidos.
Como tal, devido à sua enorme importância, é fundamental o estudo da
oxigenação do organismo na detecção de situações patológicas.
A avaliação do estado de oxigenação do organismo é realizada através da
determinação da pressão parcial do oxigénio, indicador da absorção de oxigénio nos
pulmões; da saturação do oxigénio, indicador do transporte de oxigénio; da
concentração de oxigénio, indicador do fornecimento de oxigénio; e dos derivados da
hemoglobina, indicadores da afinidade entre a hemoglobina e o oxigénio nos tecidos.

Pressão parcial de oxigénio


A pressão parcial do oxigénio descreve o oxigénio libertado no sangue, é
indicativo da capacidade dos pulmões de enriquecer o sangue com oxigénio, e a sua
determinação permite avaliar o funcionamento dos pulmões.

135
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

A presença de valores aumentados deste parâmetro é indicativa de risco de


toxicose por oxigénio, que pode causar danos graves nos pulmões devido ao aumento da
quantidade de radicais livres de oxigénio.

Princípio de medição
A determinação da pressão parcial de oxigénio é feita com recurso a células
electroquímicas constituídas por um amperímetro, por um cátodo de platina, um ânodo
de prata, uma solução de electrólitos, por uma membrana permeável ao oxigénio, e por
uma tensão de referência colocada entre o ânodo e o cátodo. Assim, a pressão parcial de
oxigénio será directamente proporcional à corrente gerada pelo fluxo de electrões, entre
o ânodo e o cátodo, formados em consequência da redução do oxigénio no cátodo.
Na tabela 20 estão representados os valores de referência da pressão parcial do
oxigénio para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue arterial.

Tabela 20 – Valores de referência da pressão parcial do oxigénio para o aparelho automático


Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.
Valores de referência respeitantes a
Parâmetro
sangue total arterial
Adultos: 70 – 100 mmHg
pO2
Crianças (10-90 dias): 70 – 85 mmHg

Saturação do oxigénio
A saturação do oxigénio indica a relação entre a hemoglobina oxigenada e a
hemoglobina não oxigenada e permite avaliar a capacidade dos pulmões de oxigenar o
sangue. A sua determinação é realizada através da aplicação da seguinte fórmula
matemática.
Concentração da oxihemoglobina
sO2 = Concentração da oxihemoglobina+concentração da desoxihemoglobina × 100

Na tabela 21 estão representados os valores de referência da saturação do


oxigénio para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue arterial.

Tabela 21 – Valores de referência da saturação do oxigénio para o aparelho automático


Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.

Valores de referência respeitantes a


Parâmetro
sangue total arterial
sO2 Adultos: > 96%

136
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Derivados da hemoglobina
A hemoglobina é o principal parâmetro avaliador da capacidade de transporte de
oxigénio do organismo.
O valor da concentração de hemoglobina determinada nos hemogramas é a soma
do valor da concentração de todas as fracções de hemoglobina, que incluem a
oxihemoglobina (fracção de hemoglobina ligada ao oxigénio), a desoxi-hemoglobina
(fracção de hemoglobina oxigenável mas que não se encontra ligada ao oxigénio), a
meta-hemoglobina (fracção de hemoglobina em que o ião ferro está no estado de
oxidação +3), a carboxi-hemoglobina (fracção da hemoglobina ligada ao monóxido de
carbono), e a sulfa-hemoglobina (fracção de hemoglobina ligada a átomos de enxofre).
Em condições fisiológicas normais, o valor em percentagem, de todas as
fracções de hemoglobina, excepto a oxi-hemoglobina, é muito baixo, fazendo com que
o aumento dos níveis das fracções de hemoglobina não oxigenáveis seja indicativo da
presença de algumas situações patológicas, pois a hemoglobina diminui a sua
capacidade em transportar o oxigénio, podendo causar hipoxia e cianose. Assim, a
presença de valores aumentados de meta-hemoglobina surgem em casos de meta-
hemoglobinémias congénitas, após o contacto com substâncias tóxicas, como são
exemplos os nitratos, os nitritos e os corantes de anilina, e em consequência da
administração de certos fármacos como a prilocaína, resorcina, fenacetina e
nitroglicerina; o aumento dos níveis da fracção carboxi-hemoglobina é observado em
indivíduos fumadores, em vítimas de queimaduras, ou em trabalhadores industriais ou
agrícolas que estejam expostos a monóxido de carbono; por fim níveis elevados da
fracção sulfa-hemoglobina são detectados em consequência de medidas terapêuticas
com sulfonamidas e antidiabéticos orais.
Em todas as situações referidas anteriormente, a determinação da concentração
das fracções de hemoglobina é de extrema importância no diagnóstico pois, em alguns
casos, a concentração da hemoglobina total pode estar dentro do intervalo dos valores
de referência, no entanto a capacidade de transporte de oxigénio está diminuída devido à
presença de valores aumentados de fracções não oxigenáveis de hemoglobina.

Princípio de medição
A determinação da concentração das várias fracções de hemoglobina realiza-se
com base em métodos espectrofotométricos, em que o comprimento de onda de

137
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

absorção utilizado é característico de cada fracção, e a concentração resulta da aplicação


da Lei de Lambert-Beer.
Na tabela 22 estão representados os valores de referência das diferentes fracções
da hemoglobina para o aparelho automático Rapidpoint 400, e para amostras de sangue
arterial.

Tabela 22 – Valores de referência das diferentes fracções da hemoglobina para o aparelho


automático Rapidpoint e para amostras de sangue arterial.

Valores de referência respeitantes a


Parâmetro
sangue total arterial
FO2Hb > 96%
FCOHb < 2,0%
FMetHb < 1,5%
FHHb 0,0 – 5,0%

138
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3. CONTROLO DE QUALIDADE
Os sistemas de controlo de qualidade desempenham um papel muito importante
na avaliação da qualidade dos resultados obtidos através da detecção de erros analíticos
e da implementação de acções correctivas. Neste âmbito existem dois programas, o
controlo de qualidade interno e a avaliação externa da qualidade.

3.1. CONTROLO DE QUALIDADE INTERNO


O controlo de qualidade interno consiste num conjunto de procedimentos
realizados diariamente no laboratório e com recurso a soluções controlo e programas
estatísticos, com o objectivo de avaliar a precisão e exactidão dos métodos analíticos,
contribuindo para a fiabilidade dos resultados obtidos.
As soluções controlo são amostras de concentração conhecida, possuem matriz
igual às amostras biológicas, são analisadas nas mesmas condições que as amostras
biológicas e geralmente são fornecidas por uma empresa externa no estado líquido ou
mais frequentemente liofilizadas, sendo neste último caso necessário realizar a sua
reconstrução. Durante a reconstrução dos controlos devem-se respeitar todos os passos
do procedimento descrito pela empresa produtora, pois uma reconstrução do controlo
mal executada pode levar à obtenção de valores fora do intervalo de controlo e à
consequente realização de calibrações e outros procedimentos de manutenção
desnecessários.
A monitorização dos métodos analíticos inclui a análise das amostras controlo e
a comparação dos resultados obtidos com os valores expectáveis, que correspondem a
um intervalo de valores aceitáveis constituído por um limite inferior e superior
denominados limites de controlo, calculados em função do valor médio e do desvio
padrão do controlo. Deste modo, caso o valor das amostras controlo se situar dentro do
intervalo de referência, significa que os resultados obtidos pelo método analítico
analisado são muito próximos da realidade, garantido a fiabilidade dos resultados das
amostras biológicas; caso o valor das amostras controlo ultrapassar os valores limite do
intervalo de referência, significa que está a ocorrer erros, não havendo garantia da
qualidade e fiabilidade dos resultados obtidos pelo método analítico.
Os principais erros que ocorrem no trabalho de rotina de um laboratório podem
ser do tipo aleatório ou do tipo sistemático. Os erros aleatórios correspondem a erros
cuja direcção e magnitude não são previstos, sendo detectados quando os valores de

139
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

medição de uma mesma amostra estão dispersos em redor de um valor médio. São como
tal responsáveis por alterações na precisão do método analítico, podendo ser
identificados através da análise das cartas do controlo interno. Os erros sistemáticos são
caracterizados pela ocorrência de um desvio da média dos valores obtidos ao valor
convencionalmente verdadeiro, afectam a exactidão do método analítico e são
detectados preferencialmente pelos processos de controlo externo da qualidade.
No laboratório SOERAD, antes do início do dia de trabalho, em todos os
aparelhos automáticos procede-se à análise das amostras controlo, e à sua interpretação
através de representações gráficas.
Na área da Química Clínica, existem três amostras de controlo correspondentes
ao controlo universal, que permite o controlo de vários parâmetros e que existe em dois
níveis, o normal e o patológico alto; o controlo específico do parâmetro
microalbuminúria, existente em dois níveis, o normal e o patológico alto; e o controlo
específico dos parâmetros Proteína C Reactiva e Imunoglobulinas, existente em três
níveis, patológico baixo, normal e patológico alto.
A análise das amostras controlo universal permite o controlo dos parâmetros
fosfatase alcalina, ALT, AST, amilase, bilirrubina directa, bilirrubina total, cálcio,
colesterol, creatinina, gama-glutamil transferase, glucose, ferro, lactato desidrogenase,
magnésio, fósforo, sódio, potássio, cloro, triglicéridos, ácido úrico, ureia, CK total, e
colesterol HDL, é realizada todos os dias, no inicio do dia de trabalho, utilizando-se os
diferentes níveis de controlo em semanas alternadas.
O controlo específico do parâmetro microalbuminúria também é analisado todos
os dias, utilizando-se ambos os níveis de controlo em semanas alternadas.
Existem ainda parâmetros, nomeadamente o cálcio, fósforo e imunoglobulinas,
cujo controlo é analisado apenas nos dias de segunda e quinta-feira, ou apenas em
situações de atendimento permanente como no caso da amilase, da lactato
desidrogenase e do magnésio.
O aparelho automático Aution Max 4280 responsável pela análise da urina do
tipo II, também possui amostras de controlo interno, denominados AUTO CHECK I e
AUTO CHECK II. Estas amostras controlo têm diferente composição e consistem em
amostras liofilizadas de urina humana contendo substâncias químicas e bioquímicas, e
constituintes de origem humana, e têm como principal objectivo verificar a precisão e
rigor do aparelho automático e das tiras de teste.

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Na área da Hematologia, a análise dos controlos realiza-se nos aparelhos


Sysmex XT-1800i e Sysmex CA-500.
O controlo da qualidade interno do aparelho Sysmex XT-1800i é realizado com
recurso a amostras controlo existentes em três níveis, o patológico baixo, o normal, e o
patológico alto, em que o controlo de nível normal é analisado aos dias de segunda-feira
e quinta-feira, o controlo de nível patológico baixo é analisado aos dias de terça-feira e
sexta-feira, e o controlo de nível patológico alto é analisado à quarta-feira e ao sábado.
No aparelho Sysmex CA-500 o controlo da qualidade interno consiste numa
pool de soros de utentes com valores de PT e APTT dentro dos valores de referência.
Na área da Imunologia e no caso das técnicas manuais, o controlo da qualidade
interno é realizado com recurso a amostras controlo presentes em cada cassete de teste,
e apenas quando existem análises para serem executadas.
Na área da gasimetria, as amostras controlo apenas são analisadas à sexta-feira,
pois as determinações dos gases do sangue arterial só se realizam no último dia da
semana de trabalho.
Depois da análise dos controlos pelos aparelhos automáticos, a avaliação e
comparação dos valores obtidos com os limites de controlo são realizadas através da
utilização do sistema multiregras desenvolvido por Westgard, e de cartas de controlo,
nas quais estão representados gráficos de Levey-Jennings.
Os gráficos de Levey-Jennings representam a dispersão dos valores do controlo
em torno do seu valor alvo em função do seu desvio padrão, são representativos de cada
teste e de cada nível de controlo, e permitem de uma forma rápida avaliar se o valor
obtido se encontra dentro dos valores limites do controlo. Este gráfico é assim
construído por uma linha central correspondente ao valor médio do analito, e por várias
linhas respeitantes aos valores limite do controlo estabelecidos, expressos na forma do
valor médio mais ou menos o desvio padrão.
As regras de Westgard permitem interpretar os dados das amostras controlo
presentes nos gráficos de Levey-Jennings, e através da combinação de vários critérios
de decisão, julgar se os valores obtidos por um determinado método são confiáveis.
Existem seis regras de Westgard, divididas em regras de aviso e de rejeição.
Na tabela 23 estão representadas as regras de Westgard e o seu respectivo
significado.

141
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Tabela 23 – Descrição das Regras de Westgard.


Regra de
Significado da regra de Westgard
Westgard
É uma regra de aviso, indica a ocorrência de um erro aleatório e é
1:2s quebrada quando o valor da amostra controlo ultrapassa o intervalo
delimitado pela média mais ou menos dois desvios padrão.
É uma regra de rejeição, indica a ocorrência de um erro aleatório grave
ou o início de um erro sistemático grave, e é quebrada quando o valor
1:3s
da amostra controlo ultrapassa o intervalo delimitado pela média mais
ou menos três desvios padrão.
É uma regra de rejeição, indica a ocorrência de um erro sistemático e é
quebrada quando os valores de duas amostras de controlo ultrapassam
2:2s
o intervalo delimitado pela média mais ou menos dois desvios padrão,
do mesmo lado da média.
É uma regra de rejeição, indica a ocorrência de um erro aleatório
grave, e é quebrada quando a diferença entre dois valores de duas
R:4s
amostras controlo consecutivas é superior a quatro vezes o valor do
desvio padrão.
É uma regra de rejeição, indica a ocorrência de um erro sistemático, e
4:1s é quebrada quando os valores de quatro amostras controlo ultrapassam
o intervalo delimitado pela média mais ou menos um desvio padrão.
É uma regra de rejeição, indica a ocorrência de um erro sistemático, e
10:χ é quebrada quando os valores de dez amostras controlo consecutivas se
situam no mesmo lado da média.

No laboratório SOERAD, em geral, os limites aceitáveis de erro, em relação à


média, é de dois desvios padrão. Assim, caso os valores do controlo estiverem dentro do
intervalo definido, o controlo é validado. Pelo contrário, se os valores do controlo
encontrarem-se fora do intervalo permitido, o controlo não é validado, procedendo-se à
calibração do método.
A calibração de um método consiste num conjunto de operações que permite
estabelecer, sob determinadas condições e com a maior exactidão possível, a
correspondência entre os vários valores indicados por um instrumento de medida e o
valor de um material de referência, denominado calibrador.
No laboratório SOERAD, geralmente o processo de calibração, à excepção do
módulo ISE que é realizado todos os dias, apenas é realizado quando o valor das
amostras controlo não se encontra dentro dos limites de controlo, quando ocorre
mudança de lote dos reagentes, ou de acordo com um intervalo de tempo predefinido
pelo fornecedor.
No entanto existem situações em que os valores das amostras controlo estão fora
do intervalo de referência e cuja realização da calibração não é eficaz. Estes casos,

142
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

muitas vezes têm como principais causas anomalias no aparelho automático, como são
exemplos a contaminação de cuvettes, o entupimento de tubos, pipetas tortas, e soluções
de lavagem mal preparadas e/ou contaminadas. Nestes casos é necessário contactar a
assistência técnica do aparelho automático, procedendo-se posteriormente à análise dos
controlos e à realização da calibração.

3.2. AVALIAÇÃO EXTERNA DA QUALIDADE


A avaliação externa da qualidade é feita por uma entidade exterior ao
laboratório, a qual envia amostras a vários e diferentes laboratórios, permitindo, deste
modo, a avaliação do desempenho de um laboratório em comparação com outros
laboratórios.
Existem vários programas de avaliação externa disponíveis. No laboratório
SOERAD é utilizado o programa RIQAS.
Nos programas de avaliação externa, após o envio e a recepção das amostras a
analisar, no laboratório é feita a reconstituição das amostras como indicado no
procedimento proveniente da entidade avaliadora. De seguida, procede-se à análise das
amostras, realizada nas mesmas condições que as amostras dos utentes.
No laboratório SOERAD, a avaliação externa da qualidade é realizada nas áreas
da Química Analítica, Hematologia, e Hematologia – Coagulação. Na área da Química
analítica, a avaliação externa da qualidade é realizada mensalmente, e nos seguintes
parâmetros: fosfatase alcalina, ALT, amilase, AST, bilirrubina directa, bilirrubina total,
cálcio, cloro, colesterol, creatina cinase, creatinina, gama glutamil-transferase, glucose,
colesterol-HDL, ferro, lactato desidrogenase, magnésio, fósforo, potássio, sódio,
triglicéridos, ureia e ácido úrico.
Na área da Hematologia, a avaliação externa da qualidade é também realizada
mensalmente, nos seguintes parâmetros: hemoglobina, hematócrito, número de
eritrócitos, volume globular médio (VGM), hemoglobina globular média (HGM),
concentração de hemoglobina globular média (CHGM), número de paquetas, número de
leucócitos, volume médio plaquetário, e o coeficiente de dispersão eritrocitário.
Na área de Hematologia – Coagulação, a análise das amostras controlo externo
também é executada mensalmente, e aos parâmetros Tempo de Protrombina (TP) e
Tempo de tromboplastina parcial activado (APTT).
Após a análise das amostras, são enviados os resultados à entidade respectiva.
Posteriormente, a entidade externa, após realizar o tratamento dos dados provenientes
143
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

de todos os laboratórios participantes, transmite um relatório onde consta a apreciação


dos resultados obtidos pelo nosso laboratório. Dependendo dos resultados, caso se
verifique uma discrepância significativa dos nossos resultados em relação à média dos
resultados obtidos pelos outros laboratórios, é necessário a implementação de acções
correctivas e/ou preventivas de modo a melhorar o desempenho do nosso laboratório.
Este sistema de avaliação, através da avaliação da exactidão dos resultados
obtidos, representa, então, um modo de garantir a qualidade dos resultados obtidos pelo
nosso laboratório, promovendo a confiança nos resultados obtidos, tanto nos utentes,
como no pessoal clínico, e até nos profissionais que trabalham no laboratório.

144
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

4. FASE PÓS-ANALÍTICA

A fase pós-analítica corresponde à ultima etapa das análises clínicas e inclui os


processos de validação dos resultados, emissão dos boletins de resultados, e a entrega
dos resultados ao doente e/ou médico.
A validação dos resultados permite assegurar que os valores obtidos para todos
os parâmetros requisitados pelo médico foram determinados em condições técnicas
adequadas, e que se encontram em conformidade com a história clínica do utente. Este
processo inclui a validação técnica, executada pelas técnicas de análises clínicas, e a
validação biopatológica realizada pela directora técnica do laboratório de análises
clínicas.
A emissão dos boletins de resultados é realizada após a execução da validação
dos resultados, e é da responsabilidade da directora técnica do laboratório.
Por fim, a entrega dos resultados pode ser feita por várias vias, nomeadamente
via presencial, mediante a apresentação do talão de levantamento, via fax, via endereço
electrónico ou via telefone.
O levantamento por via fax, endereço electrónico, e telefone requer o
preenchimento de um formulário por parte do utente, no qual indica o número do fax, o
número de telefone, ou o endereço electrónico, respectivamente, e dá consentimento que
os resultados sejam enviados por uma via alternativa da presencial. Porém existem
situações em que os resultados são emitidos pela directora técnica do laboratório
directamente para o médico prescritor porque podem perturbar emocionalmente o
utente. São exemplos, casos positivos de HIV, valores alterados do hemograma
sugestivo de neoplasia hematológica, e casos de infecção recente e activa por
citomegalovírus ou rubéola em utentes grávidas.
À semelhança das fases pré-analítica e analítica, a fase pós-analítica é também
fonte de erros que afectam o processo de análises clínicas, estando os principais
associados à presença nos boletins de resultados do nome, idade, e género do utente,
errados; erros na transcrição de análises; erros nos valores de referência; falta de
análises prescritas; presença de análises não prescritas; resultados incompatíveis com a
história clínica do utente; e prazo de entrega dos resultados não cumprido.
De modo a avaliar e a diminuir os erros da fase pós-analítica, à semelhança do
que ocorre na fase pré-analítica, foram criados indicadores de qualidade (tabela 24), que
têm como principal objectivo diminuir a ocorrência das principais causas das não

145
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

conformidades pós-analíticas, contribuindo para o prestígio do pessoal técnico e do


próprio laboratório clínico.

Tabela 24 – Exemplos de indicadores de qualidade da fase pós-analítica.


Indicadores da qualidade
Número de análises presentes no boletim mas não requisitadas
Número de análises solicitadas e não enviadas
Número de boletins de resultados com dados errados do utente
Número de boletins de resultados corrigidos enviados
Número de boletins de resultados enviados que excederam o prazo de entrega
Intervalo de tempo de resposta de resultados urgentes
Nível de satisfação do utente e do pessoal médico com o serviço do laboratório
clínico prestado

146
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

5. CONCLUSÃO
O estágio curricular realizado no âmbito do mestrado em Análises Clínicas foi
uma experiência muito enriquecedora, tanto a nível profissional como pessoal. Conheci
pessoas fantásticas, boas profissionais, boas colegas, e que me ensinaram imenso, tendo
a disponibilidade de responder a todas as minhas dúvidas.
O contacto com os utentes possibilitou o desenvolvimento das aptidões
comunicativas, no sentido de ter que adaptar o discurso para os diferentes tipos de
utentes, e o conhecimento das suas histórias clínicas, juntamente com a realização de
técnicas laboratoriais a diferentes amostras biológicas, permitiu aplicar o conhecimento
adquirido durante a fase curricular, e assim proceder à validação técnica de resultados.
Durante o presente estágio curricular tive também oportunidade de desenvolver
capacidades de organização de tarefas a realizar no laboratório, e de trabalho autónomo.
Em conclusão, a realização do estágio curricular complementou a minha
formação teórica e prática, e cimentou a minha certeza em relação ao meu futuro
profissional, que agora sei, passará por tornar-me uma técnica qualificada na área das
Análises clínicas.

147
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

6. BIBLIOGRAFIA
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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

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150
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE FARMÁCIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

MONOGRAFIA
GALACTOSÉMIA CLÁSSICA: DA RESTRIÇÃO DIETÉTICA
ÀS NOVAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS

MESTRADO EM ANÁLISES CLÍNICAS


ORIENTAÇÃO: PROFESSORA DOUTORA ISABEL MARIA ANTOLIN RIVERA

HELENA ISABEL COELHO LIMA

2016

151
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

RESUMO

A galactosémia clássica é um erro hereditário do metabolismo da galactose


resultante da ocorrência de mutações no gene GALT. Esta patologia, de transmissão
autossómica recessiva, caracteriza-se pela acumulação em níveis tóxicos de galactose e
seus metabolitos em consequência da diminuta ou ausente actividade da enzima GALT.
Os primeiros sinais e sintomas característicos da galactosémia clássica surgem
uma a duas semanas após o início da ingestão de leite, e incluem vómitos, diarreia, e
perda de peso, os quais podem evoluir para quadros de cataratas e septicémia, muitas
vezes fatal.
Devido ao desenvolvimento dos programas de rastreio neonatal, hoje em dia é
possível fazer o diagnóstico da galactosémia clássica e iniciar o tratamento de uma
forma precoce. Actualmente, o tratamento baseia-se na restrição dietética em alimentos
que contêm galactose. A terapia alimentar mostra-se eficaz na melhoria do quadro
clínico das crianças galactosémicas, verificando-se, em uma ou duas semanas, o
desaparecimento completo das disfunções renal e hepática. Contudo, continua a
verificar-se o desenvolvimento de complicações a longo prazo, cujo fenótipo é variado e
dependente das mutações presentes, e que incluem deficiências no desenvolvimento
neurológico e psiconeurológico, complicações ósseas, e disfunção ovárica precoce nas
mulheres.
Com o objectivo de melhorar a qualidade de vida dos doentes com galactosémia
clássica, nos últimos anos têm sido estudadas novas alternativas terapêuticas, como são
exemplos os chaperones químicos/farmacológicos, os oligonucleótidos antisense, os
inibidores da enzima GALK e as moléculas que mimetizam a acção da enzima
superóxido dismutase.

152
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

ABSTRACT

Classic galactosemia is an inherited error of galactose metabolism, resulting


from mutation in the GALT gene. This pathology, presenting an autosomal recessive
pattern of inheritance, is characterized by the accumulation of galactose and its
metabolites in the body fluids at toxic levels, resulting from the impaired or absent
GALT enzyme activity.
The initial characteristic signs and symptoms of classic galactosemia occur after
one to two weeks of galactose ingestion due to milk feeding, and include vomits,
diarrhea, and weight loss. If untreated, the patients can also develop cataracts and
septicemia, which may be fatal.
Due to the development of newborn screening programs, nowadays it is possible
to diagnose classic galactosemia and initiate treatment very early. Currently, the
treatment is based on a galactose-restricted diet, which improves the clinical condition
of galactosemic children in one or two weeks, causing the complete disappearance of
liver and kidney dysfunctions. However, despite the dietary therapy, the patients still
develop long-term complications, whose phenotype is varied and mutation dependent,
and include neurological and psychoneurological disturbances, bone complications, and,
in women, early ovarian insufficiency.
In the past few years, in order to improve the quality of life of patients with
classic galactosemia, new therapies are being studied, which include
chemical/pharmacological chaperones, antisense oligonucleotides, galactokinase
inhibitors, and manganese-based compounds that mimic superoxide dismutase.

153
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

ÍNDICE

1. Introdução……………………………………………………………………………… 155
1.3. Metabolismo da galactose………………………………………………………... 156
1.4.Tipos de galactosémia…..………………………………………………………… 157
2. Galactosémia clássica…………………………………………………………………... 159
2.1. Caracterização do gene GALT……………………………………………………. 159
2.2. Caracterização estrutural da enzima GALT……………………………………… 159
2.3. Principais mutações associadas ao aparecimento da galactosémia clássica……... 162
2.4. Efeitos de mutações na estrutura e função das variantes GALT…………………. 166
2.5. Fisiopatologia e apresentação clínica…………………………………………….. 169
2.5.1. Complicações neurológicas e psiconeurológicas……………………………. 170
2.5.2. Complicações ósseas………………………………………………………… 172
2.5.3. Disfunção gonadal…………………………………………………................ 174
2.6. Diagnóstico………………………………………………………………………. 175
2.6.1. Diagnóstico bioquímico e enzimático……………………………………….. 176
2.6.2. Diagnóstico molecular……………................................................................. 179
2.6.3. Diagnóstico pré-natal………………………………………………………... 180
2.7. Rastreio neonatal…………………………………………………………………. 180
2.8. Terapia – restrição dietética………………………………………….................... 182
2.9. A galactosémia clássica em Portugal………………….......................................... 185
3. Novas alternativas terapêuticas ………………………………………………………... 188
3.1. Mutações de splicing – oligonucleótidos antisense……………………………… 188
3.2. Mutações missense – chaperones químicos/farmacológicos (Arginina)…………. 192
3.3. Inibidores da enzima GALK……………………………………………………... 194
3.4. Moléculas que mimetizam a acção da enzima superóxido dismutase (SOD)……. 196
4. Conclusão……………………………………………………………………................. 199
5. Bibliografia…………………………………………………………………………….. 202

154
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

1. INTRODUÇÃO

A galactose é um monossacárido presente nas bactérias, plantas e animais,


maioritariamente na conformação D, estando envolvida em inúmeras funções vitais do
organismo, como fonte de energia, especialmente no período neonatal e infância, e
como parte constituinte de elementos estruturais (Coelho et al. 2015).
As principais vias de aporte de galactose são a dieta alimentar e a sua produção
endógena (Coelho et al. 2015). Na última via a UDP-glucose é inicialmente epimerizada
em UDP-galactose pela enzima UDP-galactose-4’-epimerase (GALE) (EC 5.1.3.2). De
seguida, a UDP-galactose é hidrolisada pela UTP-glucose/galactose pirofosforilase
(UGP; EC 2.7.7.10), e como resultado formam-se UTP e galactose-1-fosfato. No final,
através da acção da inositol monofosfatase (IMPase), a galactose-1-fosfato é convertida
em galactose (Fridovich-Keil e Walter 2008).
Em condições fisiológicas normais, esta via assume um papel muito importante
em situações de carência de galactose, por exemplo em casos de jejum prolongado, e na
produção de moléculas derivadas da galactose, como é exemplo a UDP-galactose
(Fridovich-Keil e Walter 2008).
Porém em casos de desequilíbrio metabólico da galactose, Berry e colaboradores
demonstraram que a via endógena de síntese de galactose possui também um papel
preponderante, contribuindo significativamente para o aparecimento de complicações
secundárias em doentes sujeitos a restrição alimentar de galactose, pois representa uma
fonte de aporte de galactose, e conduzindo consequentemente à permanência de
elevadas concentrações de galactose e seus metabolitos no organismo (Berry et al.
2004).
Através da dieta alimentar, a principal via de aporte de galactose consiste na
hidrólise da lactose, pela lactase dissacaridase, nos seus monossacáridos constituintes, a
galactose e a glucose, ao nível das membranas de borda em escova dos enterócitos,
seguida da sua absorção ao nível das vilosidades intestinais. Como resultado verifica-se
a passagem da galactose para a circulação sanguínea, a partir da qual é transportada para
o fígado, onde a maior percentagem fica armazenada sob a forma de galactose-1-
fosfato, e a restante é transportada para os órgãos e tecidos, como o cérebro e a glândula
mamária (Coelho et al. 2015).

155
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

1.1.METABOLISMO DA GALACTOSE

Ao nível das células, inicialmente a β-galactose é convertida em α-galactose,


reacção mediada pela galactose mutarotase (EC 5.1.3.3), entrando então na via de
Leloir, a principal via de metabolismo da galactose. A primeira reacção desta via
consiste na fosforilação da α-galactose pela galactocinase (GALK, EC 2.7.1.6), levando
à formação de galactose-1-fosfato. Posteriormente, a galactose-1-fosfato-
uridililtranferase (GALT, EC 2.7.7.10) catalisa a transferência de um grupo uridina
monofosfato, proveniente da UDP-glucose, para a galactose-1-fosfato, resultando na
formação de glucose-1-fosfato e UDP-galactose. No final, por acção da UDP-galactose-
4’-epimerase (GALE, EC 5.1.3.2), a UDP-galactose é convertida em UDP-glucose
(figura 1) (Holden at al. 2003).

Figura 1 – Metabolismo da galactose: (1) antes de entrar na via de Leloir, a β-galactose é convertida em α-
galactose pela galactose mutarotase; (2) a α-galactose é fosforilada a galactose-1-fosfato pela galactocinase;
(3) a galactose-1-fosfato uridiltransferase transfere um grupo UMP para a galactose-1-fosfato para formar
glucose-1-fosfato e UDP-galactose; (4) a UDP-galactose 4’-epimerase converte a UDP-galactose em UDP-
glucose. Em alternativa à via de Leloir existem três outras vias metabólicas da galactose: (5) a via de
conversão da galactose em galactitol catalisada pela aldose reductase, (6) a conversão da galactose em
galactonato catalisada pela galactose desidrogenase, e (7) a conversão da galactose-1-fosfato em UDP-
galactose pela UDP-glucose/galactose pirofosforilase (Coelho et al. 2015).

A via de Leloir desempenha, então, papéis cruciais para a sobrevivência do


organismo humano, através da produção de UDP-glucose e UDP-galactose, pois são
importantes compostos dadores de hexoses nas reacções de glicosilação, que estão
envolvidas em vários processos celulares como o crescimento, diferenciação,
morfogénese e migração; e através da produção de glucose-1-fosfato, uma vez que é um

156
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

composto intermediário da via da glicólise, via metabólica principal de produção de


energia (Coelho et al. 2015).
Alternativamente existem ainda outras vias responsáveis pela metabolização da
galactose, que também estão representadas na figura 1, como são exemplos a via de
redução da galactose catalisada pela aldose reductase (EC 1.1.1.21), que leva à
formação de galactitol; a via de oxidação da galactose, catalisada pela galactose
desidrogenase (EC 1.1.1.48), que leva à formação de galactonato; e a via catalisada pela
pirofosforilase, na qual a galactose é convertida a UDP-glucose através da acção
sequencial das enzimas galactocinase e UDP-glucose/galactose pirofosforilase (UGP,
EC 2.7.7.10) (Coelho et al. 2015).
Devido à sua enorme importância, a ocorrência de alterações em qualquer uma
das enzimas constituintes da via de Leloir irá provocar desequilíbrios no metabolismo
da galactose, levando à sua acumulação nos fluídos biológicos e originando assim os
vários tipos de galactosémia.

1.2.TIPOS DE GALACTOSÉMIA
A galactosémia consiste num grupo de doenças genéticas causadas por mutações
nos genes que codificam para as enzimas da via de Leloir, sendo caracterizadas pela
incapacidade do organismo em metabolizar a galactose, tendo maior impacto nos
recém-nascidos e crianças uma vez que a galactose, juntamente com a glucose, é a
principal componente do leite (Coelho et al. 2015).
Actualmente são conhecidos três tipos de galactosémia, denominados
galactosémia tipo I ou clássica, galactosémia tipo II, e galactosémia tipo III.
A galactosémia tipo I ou clássica é a patologia mais comum e sobre a qual existe
maior conhecimento, e será o objecto de estudo da presente monografia.
A galactosémia tipo II é causada por mutações no gene GALK, que codifica a
enzima galactocinase, e caracteriza-se por níveis plasmáticos elevados de galactose. O
principal sintoma corresponde ao aparecimento de cataratas em idade precoce, mas os
fenótipos clínicos apresentam gravidade intermédia. Porém, a sintomatologia
característica desta patologia é em muitos casos, atenuada pela realização de uma dieta
restrita em galactose, de modo a evitar a acumulação desta hexose e de produtos do seu
metabolismo, nomeadamente galactitol, no organismo (Timson 2015).
A galactosémia tipo III foi a última patologia a ser descoberta, e é causada por
mutações no gene GALE, que codifica a enzima UDP-galactose 4-epimerase, e pode

157
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

originar dois fenótipos distintos, um correspondendo a uma forma grave e generalizada,


e outro a uma forma benigna e periférica. O fenótipo grave é caracterizado pela
presença de valores de actividade muitos baixos, ou mesmo nulos, da enzima UDP-
galactose 4-epimerase, causando aparecimento de cataratas numa idade muito precoce,
seguida de perturbações em vários órgãos como o cérebro, fígado e sistema renal.
Contrariamente, o fenótipo correspondente à forma periférica mais suave caracteriza-se
pela presença de níveis de actividade da enzima UDP-galactose 4-epimerase
ligeiramente inferiores aos de referência, fazendo com que os doentes, em alguns casos,
não manifestem qualquer sintomatologia, possuindo apenas níveis alterados no sangue
de galactose e galactose-1-fosfato (Timson 2006).

158
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

2. GALACTOSÉMIA CLÁSSICA

A galactosémia clássica é um erro hereditário do metabolismo da galactose,


potencialmente letal, resultante de uma diminuição ou ausência de actividade da enzima
GALT (galactose-1-fosfato uridililtransferase) provocada por mutações no gene GALT,
e apresenta um padrão de transmissão autossómico recessivo. O fenótipo apresentado
pelos doentes é variado e dependente da(s) mutação(ões) presentes (Camelo et. al 2009;
Timson 2015).

2.1.CARACTERIZAÇÃO DO GENE GALT


A enzima GALT é codificada pelo gene GALT (figura 2), o qual se encontra
localizado no braço pequeno do cromossoma 9, na região 9p13, e é constituído por 11
exões e 10 intrões, distribuídos em 3900 pb de DNA genómico. Alguns dos exões
constituintes estão altamente conservados a nível de todas espécies, nomeadamente os
exões 6 (que codifica o local activo da enzima GALT), 9 e 10, ao contrário dos exões
1,2, 5 e 7 que possuem níveis de conservação muitos baixos (Viggiano et al. 2015;
Leslie et al. 1992).
A região codificante desta enzima corresponde a 1,2 kb, a qual é traduzida num
polipéptido formado por 379 resíduos de aminoácidos. A enzima activa é um
homodímero com a massa molecular de 86,6 kDa (Reichardt e Woo 1991; Viggiano et
al. 2015).

Figura 2 – Representação do gene GALT humano. Os exões estão numerados em numeração romana, os
intrões estão representados como caixas brancas, e as zonas não codificantes estão a sombreado (Leslie et al.
1992).

2.2.CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL DA ENZIMA GALT

No organismo humano, a galactose-1-fosfato uridililtransferase existe sob duas


formas em equilíbrio, correspondentes à apo-hGALT (forma da enzima não ligada ao

159
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

grupo UMP), e à UMP-hGALT (forma da enzima ligada ao grupo UMP), de massas


moleculares iguais a 86 900 Da e 87 510 Da, respectivamente (McCorvie et al. 2016)
Esta enzima pertence à superfamília da tríade de histidina, sendo responsável
pela transferência de um grupo UMP proveniente da UDP-glucose para a α-D-
galactose-1-fosfato, através do mecanismo de substituição enzimática. Neste mecanismo
o grupo UMP liga-se covalentemente ao resíduo histidina 186 presente no centro activo
da enzima, e como consequência resulta a libertação de moléculas de glucose-1-fosfato.
De seguida, a galactose-1-fosfato liga-se ao grupo UMP, provocando a libertação deste
grupo do centro activo da enzima, e a consequente regeneração da enzima, que poderá
iniciar novo ciclo catalítico, e a formação da UDP-galactose (McCorvie e Timson
2011).
O centro activo da enzima GALT possui um tripéptido H-P-H, altamente
conservado, constituído por um resíduo prolina 185 ligado a dois resíduos de histidina,
um dos quais a histidina 186, que como já foi referido possui um papel catalítico
importante (Quimby et al. 1996).
À semelhança do resíduo de histidina 186, também o resíduo de prolina 185
possui um papel muito importante na actividade enzimática, especialmente na
manutenção da estrutura da enzima. Este facto foi demostrado por Quimby e
colaboradores, que através de estudos de mutagénese dirigida, observaram que a
substituição deste resíduo de aminoácido por resíduos de outros aminoácidos
(nomeadamente alanina, glicina, serina, glutamina e ácido glutâmico) causa diminuição
dos níveis de actividade da enzima GALT, diminuição dos níveis de actividade
específica (<10% de actividade comparativamente ao valor apresentado pelo wild-type),
e diminuição do valor das constantes cinéticas, nomeadamente do Km e Km aparente
(Quimby et al. 1996).
Até recentemente a estrutura tridimensional da enzima GALT ainda não estava
completamente elucidada. A partir de estudos de cinética enzimática, estudos de
inibição enzimática, utilização de radioisótopos, estudos de mutagénese dirigida, e
estudos cristalográficos, apenas tinha sido possível determinar a estrutura da enzima da
Escherichia coli, e assim extrapolar para a enzima humana. Assim, descobriu-se que
estruturalmente, a enzima GALT é um homodímero, em que cada subunidade possui
um local activo, e dois centros metálicos constituídos por um ião ferro coordenado por
três resíduos de histidina e por um resíduo de ácido glutâmico na região hidrofóbica, e
por um ião zinco coordenado por dois resíduos de cistina e dois resíduos de histidina.

160
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Estes dois centros metálicos possuem funções importantes e distintas: o ião ferro
é essencial para a estabilização da estrutura dimérica, enquanto o ião zinco possui um
papel vital para a actividade da enzima, orientando os resíduos para o local activo da
enzima (McCorvie e Timson 2011).
No presente ano de 2016, McCorvie e colegas conseguiram determinar a
estrutura cristalográfica da enzima GALT humana, a qual apresenta diferenças
estruturais significativas do modelo homólogo bacteriano ao nível da ligação metálica e
da interacção entre os dímeros.
À semelhança da enzima da Escherichia coli, estes investigadores demonstraram
que a enzima GALT humana é um homodímero de massa molecular 87 205 Da, e
possui dois sítios activos, em que cada um é formado por ambas as subunidades
diméricas e nos quais a histidina 186 possui um papel catalítico importante através da
ligação ao grupo UMP. Uma das grandes diferenças estruturais desta enzima foi
observada ao nível da interface entre as duas subunidades, a qual é constituída por
apenas uma ponte salina na bactéria, enquanto no Homem existem duas pontes salinas
inter-diméricas estabelecidas pelos resíduos Asp113 – Arg228 e His114 – Glu220. Na
enzima humana, as duas pontes salinas parecem substituir o centro metálico de ferro,
que está presente na bactéria e ausente na forma humana, pois conferem estabilidade à
estrutura dimérica através da geração de uma cadeia rica em folhas β que une as duas
subunidades. A outra grande diferença detectada foi a presença de um único centro
metálico constituído por um ião zinco em cada monómero. Este facto deve-se à
presença dos resíduos Asn72 e Ser135 na forma humana em substituição dos resíduos
Cys52 e His115 da forma bacteriana, que estabelecem ligações por ponte de hidrogénio
com os resíduos Asn182 e Cys75, respectivamente, substituindo as interacções do ião
zinco. Segundo estes autores, na forma humana, o ião zinco parece ter um papel
importante na estabilização da proteína, uma vez que a deficiência de zinco aparenta
exacerbar os efeitos negativos de muitas enzimas mutantes.
Este estudo demonstrou ainda que a ligação do grupo UMP à enzima causa
alterações na sua conformação tridimensional, tornando-a numa estrutura mais
compacta, com menor flexibilidade, especialmente na zona envolvida na ligação deste
grupo, e com maior resistência à degradação.
Todas as descobertas feitas por estes investigadores acerca da estrutura
tridimensional da enzima GALT humana são muito importantes pois permitirão
entender melhor, ao nível da proteína, as consequências moleculares causadas pela

161
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

ocorrência das mutações, e assim contribuir para o desenvolvimento de compostos


farmacológicos eficazes no tratamento da galactosémia clássica (McCorvie et al. 2016).

2.3.PRINCIPAIS MUTAÇÕES ASSOCIADAS AO APARECIMENTO DE GALACTOSÉMIA

CLÁSSICA

Ao longo dos últimos anos, graças à descoberta e desenvolvimento de técnicas


de biologia molecular mais sofisticadas e sensíveis, foi possível não só a caracterização
do gene GALT, como a detecção de alterações génicas causadoras de doenças.
Actualmente são conhecidas inúmeras mutações no gene GALT associadas ao
aparecimento de galactosémia clássica, sendo o maior número do tipo missense (62%).
Os restantes tipos de mutação apresentam proporções semelhantes, e incluem mutações
nonsense (6,5%), splicing (4,3%) e deleções (7,4%) (Calderon et al. 2007).
Na literatura, as mutações maioritariamente associadas à galactosémia clássica
são a p.Q188R (resulta da transição A→G no nucleótido c.563 do exão 6 (CAG →
CGG), que leva à substituição do resíduo glutamina 188 pelo resíduo arginina na
proteína GALT), p.K285N (resulta da transição G→T no nucleótido c.855 do exão 9
(AAG → AAT) que leva à substituição do resíduo lisina 285 pelo resíduo asparagina na
proteína GALT), e p.S135L (resulta da transição C→T no nucleótido c.404 do exão 5
(TCpG → TTG) que leva à substituição do resíduo serina 135 pelo resíduo isoleucina
na proteína GALT) (Calderon et al. 2007; Dobrowolski et al. 2003; Tyfield et al. 1999;
Jama et al. 2007), cuja distribuição e prevalência varia de acordo com os vários grupos
étnicos. Deste modo, a mutação p.Q188R é detectada em maior frequência na população
caucasiana oriunda da Europa Ocidental (aproximadamente 65%) (Tyfield et al. 1999),
enquanto a mutação p.S135L está presente maioritariamente na população com
ascendência africana, na qual apresenta uma frequência de aproximadamente 50% (Lai
et al. 1996).
As mutações p.Q188R e p.K285N estão associadas ao aparecimento do fenótipo
mais grave de galactosémia, resultado da síntese de enzimas GALT mutantes com
actividade enzimática nula (Fridovich-Keil e Robertson 1993). Riehman e
colaboradores observaram que, comparativamente a estirpes wild-type, após adição de
galactose ao meio de cultura, a taxa de crescimento de leveduras contendo ambos os
alelos mutantes foi interrompida, não se verificando crescimento, e que os níveis de
galactose-1-fosfato eram significativamente mais elevados, resultado da sua acumulação
devido ao não funcionamento da enzima GALT (Riehman et al. 2001). A razão pela

162
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

qual a substituição do resíduo glutamina 188 pelo resíduo arginina causa a produção de
enzimas GALT não funcionais ainda não está claramente esclarecida, porém têm
surgido novos conhecimentos que, aos poucos, podem vir a responder a esta questão.
Elsevier e colegas, no seu estudo que tinha como principal objectivo descobrir se in vivo
ocorre dimerização entre subunidades wild-type e subunidades mutantes
(nomeadamente subunidades mutantes p.Q188R e p.R333W), observaram que há
formação de heterodímeros, e que o heterodímero formado por uma subunidade GALT
mutante p.Q188R e uma subunidade GALT wild-type possui cerca de 12-16% de
actividade comparativamente ao homodímero wild-type, enquanto o heterodímero
formado por uma subunidade GALT mutante p.R333W e uma subunidade GALT wild-
type possui cerca de 50% de actividade comparativamente ao homodímero wild-type.
Estes dados levaram os autores a sugerir que a subunidade mutante p.Q188R exerce um
efeito dominante negativo na dimerização de ambas as subunidades. Segundo os
autores, este efeito é concordante com a localização do resíduo de arginina 188, pois por
homologia à estrutura da enzima GALT da Escherichia coli, sabe-se que este resíduo é
um ponto importante na estabilização da estrutura secundária da enzima, pois está
envolvido na formação de uma das nove ligações constituintes das estruturas em folhas
beta, presentes no core das subunidades (Elsevier e Fridovich-Keil 1996). Também
Field e colaboradores demonstraram que este resíduo se encontra localizado próximo de
um tripéptido altamente conservado, constituído pelos resíduos Histidina-Prolina-
Histidina, localizado no centro activo da enzima, e detentor de um papel essencial para a
actividade catalítica da enzima (Field et al. 1989).
Contrariamente, a mutação p.S135L está associada a fenótipos de gravidade
intermédia, sendo responsável pela síntese de enzimas GALT com valores de actividade
diminuídos em alguns tecidos (Riehman et al. 2001). Está relatado que ao nível dos
eritrócitos e linfoblastos de galactosémicos homozigóticos para esta mutação não é
detectada qualquer actividade de enzima GALT, porém ao nível dos leucócitos é
detectada enzima GALT com valores de actividade catalítica de 5%. A razão pela qual a
ocorrência desta mutação apenas causa redução da actividade da enzima GALT em
certos tecidos não está claramente esclarecida, porém foi proposta uma teoria. De modo
a tornar a enzima funcional, tem que ocorrer ligação de um grupo hidroxilo ao resíduo
de aminoácido Serina 135. Esta ligação sendo dependente da existência de iões zinco,
não vai ocorrer ubiquamente com a mesma eficácia, pois os níveis de zinco diferem de

163
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

tecido para tecido, fazendo com que a estabilidade e a função catalítica da enzima
GALT sejam diferentes nos vários tecidos do organismo (Elsas e Lai 1998).

Variantes Duarte e Los Angeles

Outro exemplo de mutação do tipo missense é a que origina a proteína p.N314D,


também denominada variante Duarte, cujo nome deriva do facto de a primeira descrição
ter sido feita na cidade de Duarte, em 1965, localizada no estado americano da
Califórnia (Elsas et al. 2002).
A variante Duarte resulta da transição A→G no nucleótido c.940 do exão 10
(AAC → GAC) que leva à substituição do resíduo aspartato pelo resíduo asparagina na
posição 314 da proteína GALT (Elsas et al. 2001; Elsas et al. 1994). Bioquimicamente,
o alelo Duarte é definido como uma isoforma com perfil electroforético distinto do alelo
wild-type e com actividade enzimática alterada (Elsas et al. 1994).
Esta mutação possui uma elevada prevalência na população não galactosémia
(aproximadamente 5,9%), sendo reconhecida como um polimorfismo e presente em
duas formas enzimáticas variantes, denominadas Duarte-1 (também conhecida por
Variante Los Angeles) e Duarte-2 (também conhecida por Variante Duarte D2) (Elsas et
al. 1994; Reichardt e Woo 1991).
As duas formas variantes Duarte são caracterizadas pela presença de valores de
actividade da enzima GALT alterados, sendo a variante Duarte-1 associada à existência
de enzima GALT com valores de actividade superiores aos detectados em indivíduos
normais, e a variante Duarte-2 associada a valores de actividade de enzima GALT
parcialmente diminuídos, cerca de 50% da actividade da enzima normal. Assim, os
indivíduos heterozigóticos compostos para os alelos normal e Duarte-2 apresentam 75%
de actividade da enzima GALT, e os indivíduos homozigóticos para o alelo Duarte-2
revelam 50% de actividade. Carney e colegas observaram que a existência do alelo
Duarte D2 causa diminuição da produção de mRNA GALT, e que nos indivíduos
heterozigóticos compostos para a galactosémia clássica e para a variante Duarte D2, o
valor da actividade da enzima GALT é 21% do valor de actividade da enzima GALT
dos indivíduos não galactosémicos (Carney et al. 2009).
Os alelos de ambos os tipos de variante Duarte, além da mutação p.N314D,
possuem outras alterações que são específicas de cada variante e que podem justificar os
valores de actividade da enzima GALT detectados. Na variante Duarte-1, a mutação

164
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

p.N314D está em linkage disequilibrium com o polimorfismo neutro p.L218L, que


resulta da substituição da base citosina na posição 1721 pela base timina (c.652 C→T),
enquanto na variante Duarte D2, o polimorfismo comumente detectado consiste na
deleção dos quatro nucleótidos GTCA na região 5´ do promotor do gene GALT
(c.−119del4) (Langley et al. 1997; Kozak et al. 1999).
Os mecanismos pelos quais estes polimorfismos alteram a actividade da enzima
GALT ainda não estão claramente esclarecidos, no entanto algumas teorias têm sido
propostas. No caso da variante Duarte-1, Langley e colaboradores propõem que o
aumento da actividade da enzima GALT não é devido ao aumento da síntese de
moléculas de mRNA, ou do aumento da sua estabilidade, mas sim ao aumento da
eficiência do processo de tradução, o qual designaram por desvio de codões no codão
218. Em condições fisiológicas normais, cada molécula de mRNA GALT contém 38
resíduos de leucina, e apenas um é codificado pelo codão TTA. No entanto, na presença
da mutação p.L218L existe maior número de codões TTA nas moléculas de mRNA.
Visto este codão ser raro no mRNA GALT, é provável que no meio celular haja tRNA’s
específicos para este codão em abundância. Como tal, a ocorrência desta mutação vai
causar aumento da eficiência da síntese proteica, pois a célula passa a utilizar
preferencialmente um codão cujo tRNA correspondente é relativamente mais
abundantes que os tRNA´s correspondentes as outros codões que codificam o mesmo
resíduo de aminoácido, neste caso a leucina (Langley et al. 1997)
No caso da variante Duarte-2, postula-se que um dos mecanismos responsáveis
pela redução parcial da actividade da enzima GALT será a diminuição da síntese de
moléculas de mRNA. De acordo com Kozak e colaboradores, o polimorfismo
(−119del4) envolve resíduos localizados numa região de ligação de factores de
transcrição, fazendo com que a sua deleção impeça o reconhecimento destes factores,
causando, em consequência, diminuição da síntese de moléculas de mRNA GALT, daí
resultando uma diminuição de proteína produzida e da actividade enzimática global
(Kozak et al. 1999).
A presença do alelo variante Duarte em heterozigotia com uma variante clássica
origina a denominada galactosémia Duarte que é responsável pelo aparecimento de
fenótipo de gravidade intermédia, não causando complicações graves a longo prazo.
Ficicioglu e colegas estudaram e compararam a evolução clínica e bioquímica de vinte e
oito crianças, com idades compreendidas entre um e seis anos, com galactosémia
Duarte, que seguem uma dieta restrita em galactose, com crianças da mesma faixa

165
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

etária, com o mesmo genótipo, mas que não fazem qualquer restrição alimentar. Estes
investigadores observaram que nenhuma das crianças, até à idade em que este estudo foi
realizado, apresentava deficiente função hepática, presença de cataratas, e deficiente
desenvolvimento cognitivo, social e da linguagem. Observaram ainda que as crianças
com galactosémia Duarte respondem mais eficientemente à dieta restrita em galactose
que os doentes com galactosémia clássica, pois detectaram níveis normais de galactose-
1-fosfato e galactitol urinário, ao contrário do que acontece nos indivíduos com
galactosémia clássica, que apesar da realização da dieta restrita em galactose, possuem
sempre níveis de galactose-1-fosfato e galactitol urinário elevados. Os resultados
levaram estes autores a concluírem que a galactosémia Duarte possui um bom
prognóstico, não provocando o aparecimento de sinais e sintomas característicos da
galactosémia clássica. Porém ressalvam a importância da realização de mais estudos,
nomeadamente a doentes com galactosémia Duarte adultos, de modo a aferir e estudar
quais as possíveis complicações a longo prazo que possam surgir em consequência
desta patologia, bem como o impacto dessas complicações na vida destes doentes
(Ficicioglu et al. 2008).

2.4.EFEITOS DE MUTAÇÕES NA ESTRUTURA E FUNÇÃO DAS VARIANTES GALT


Nos últimos anos, muitos são os investigadores que dedicam parte da sua
carreira ao estudo das mutações envolvidas no aparecimento da galactosémia, e como a
sua ocorrência afecta a estrutura tridimensional e a actividade da enzima GALT. Devido
à elevada heterogeneidade alélica do gene GALT e ao facto de a maioria dos doentes
serem heterozigóticos compostos de duas mutações diferentes, as alterações estruturais
que se observam nas enzimas mutantes são complexas, originando fenótipos clínicos
muito diversos, variando de assintomático até grave. Reichardt e colegas relataram o
caso de um individuo heterozigótico composto para as mutações p.Q188R e p.R333W
que não apresentava níveis detectáveis de actividade da enzima GALT, e desenvolveu
complicações neurológicas graves, que incluíram atraso de desenvolvimento mental,
tremor e ataxia (Reichardt et al. 1991). Contrariamente, Cocanougher e colaboradores
descreveram o caso de um jovem de 19 anos, heterozigótico composto para as mutações
p.H132Q e p.S222N, que apesar de não possuir níveis detectáveis de actividade da
enzima GALT nos eritrócitos, não apresentou qualquer sintomatologia clínica. Os
autores referem que o fenótipo apresentado por este doente é atípico, e apesar de não o
compreenderem, os médicos puseram a hipótese de que a combinação da ocorrência

166
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

destes dois tipos de mutação causa a produção de uma enzima GALT com
especificidade de tecido. A presença destas mutações inibe a produção da enzima
GALT ao nível dos eritrócitos mas não ao nível de outras células, fazendo com que o
doente apresente ausência de sintomas e complicações a longo-termo característicos da
galactosémia (Cocanougher et al. 2015).
A grande maioria das mutações causadoras de galactosémia ocorre em locais do
gene GALT que codificam para estruturas fora do sítio activo da enzima, causando
diminuição da actividade enzimática, e alteração na estabilidade e flexibilidade
estruturais, através da alteração global da rede das ligações por ponte de hidrogénio e
hidrofóbicas (Facchiano e Marabotti 2009; Acierno et al. 2009).
Bosch e colaboradores, durante o estudo do espectro mutacional de
galactosémicos holandeses, detectaram a presença de cinco mutações causadoras de
galactosémia clássica, nomeadamente p.R51Q, p.S135W, p.K229N, p.Q252H e
p.X380C, que provocam a formação de enzima não funcional, com consequente
ausência de actividade enzimática, e o aparecimento de fenótipos graves, impedindo o
correcto e normal desenvolvimento físico e cognitivo dos doentes (Bosch et al. 2005).
Garcia e colegas, no decurso do estudo das mutações presentes nos doentes com
galactosémia clássica brasileiros, demonstraram que a ocorrência da mutação
IVS3+1G>A não permite o reconhecimento da região 5’-GU do dador de splice do
intrão 3 por parte das subunidades constituintes do spliceossoma, responsáveis pelo
processo de splicing, havendo em consequência a excisão do exão 3 da molécula de
mRNA, e a síntese de uma proteína truncada. Também a existência da mutação p.M1T,
que afecta o codão iniciador, impede a leitura e o reconhecimento do próximo codão
iniciador AUG, levando em consequência à produção de proteínas não estáveis e não
funcionais (Garcia et al. 2016).
McCorvie e colegas, no ano 2013, estudaram os efeitos estruturais e funcionais
resultantes da ocorrência das mutações p.D28Y, p.L74P, p.F171S, p.F194L e p.R333G
na enzima GALT. Através da realização de técnicas de biologia molecular e químicas,
estes investigadores observaram uma série de alterações: a) as variantes p.D28Y and
p.R333G apresentam alterações na carga global e nos valores de pI dos resíduos de
aminoácidos constituintes, modificando em consequência a estrutura primária da
enzima; b) as leveduras que continham plasmídeos com os genes GALT mutantes
apresentaram níveis de actividade enzimática significativamente mais baixos que as
leveduras contendo plasmídeos com o gene GALT wild-type; c) a expressão de enzimas

167
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

GALT mutantes altera a taxa de sobrevivência das leveduras na presença de galactose,


pois as leveduras que contém os genes mutantes e que expressam todas as enzimas da
via de Leloir excepto a enzima GALT, quando colocadas em meio sem galactose
possuem um crescimento normal, idêntico às leveduras que contêm genes GALT widlt-
type, porém quando são semeadas em meio com galactose, apresentam crescimento
significativamente mais reduzido que as leveduras contendo o gene GALT wild-type; d)
as mutações p.L74P, p.F171S e p.F194L originam variantes com susceptibilidade
aumentada à degradação proteolítica, fazendo com que estas sejam degradadas mais
rapidamente do organismo; e) a superfície da enzima torna-se mais hidrofóbica, e
portanto menos estável em meio aquoso (McCorvie et al. 2013).
Também Coelho e colegas, em 2014, no seu estudo relativo ao impacto que a
ocorrência das mutações p.Q188R, p.S135L, p.K285N, p.N314D, p.R148Q, p.G175D,
p.P185S, p.R231C, e p.R231H possui na estrutura e funcionalidade da enzima GALT,
obtiveram dados concordantes com os resultados observados pelos investigadores
anteriores. Nesse trabalho, estes autores observaram que, à excepção da mutação
p.N314D, todas as restantes mutações causam misfolding da enzima GALT, e a síntese
de enzimas mutantes que possuem valores de actividade catalítica significativamente
inferiores ou mesmo nulos, relativamente à enzima wild-type. Estes autores publicaram
ainda dados que explicam o papel patogénico da mutação mais prevalente na população
caucasiana, p.Q188R. A representação tridimensional da variante p.Q188R, construída a
partir do template wild-type da Escherichia coli sugere que a ligação entre esta enzima
mutante e o substrato UDP-galactose se estabeleça via três ligações por ponte de
hidrogénio, em vez de duas ligações por ponte de hidrogénio, que é o que ocorre na
variante wild-type, causando como consequência, a saturação da enzima, não permitindo
o estabelecimento de mais ligações enzima-substrato posteriores (Coelho et al. 2014);
curiosamente, esta observação veio a ser corroborada pela estrutura cristalográfica da
GALT humana (McCorvie et al. 2016). Os autores detectaram ainda, que a substituição
do resíduo glutamina pelo resíduo arginina altera a superfície electrostática do
microambiente em redor da posição 188. A substituição de um aminoácido neutro por
um carregado positivamente, vai fazer com que a enzima mutante possua globalmente
carga mais positiva, o que vai alterar a afinidade de ligação da enzima a substratos
carregados negativamente, como são exemplos as hexoses fosforiladas (Coelho et al.
2014).

168
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Singh e colaboradores estudaram também os efeitos na estrutura da enzima


GALT de sete novas mutações não descritas na literatura e descobertas durante o seu
trabalho na população indiana. Concordantemente com os autores referidos
anteriormente, estes investigadores observaram: a) na variante p.Y89H, a substituição
do resíduo tirosina pela histidina altera as ligações por ponte de hidrogénio e a
estabilidade da enzima em solução aquosa; b) as mutações que originam as variantes
p.Q103R e p.R333L afectam a estrutura secundária da enzima, e a interacção entre as
várias subunidades constituintes da enzima, visto os resíduos arginina 333 e glutamina
103 estarem envolvidos na ligação entre as duas subunidades do homodímero; c) na
variante p.S181F, a substituição do resíduo serina pela fenilalanina causa também
destabilização da ligação entre as subunidades constituintes da enzima, e afecta a
ligação do substrato e a capacidade de catálise, diminuindo assim o nível de actividade
da enzima mutante; d) a variante p.K285R causa alterações da rede de ligações por
ponte de hidrogénio; e) a variante p.S307X, resultante de mutação nonsense, vai
originar a síntese de enzimas truncadas (Singh et al. 2012).

2.5.FISIOPATOLOGIA E APRESENTAÇÃO CLÍNICA


Os primeiros sinais e sintomas da galactosémia clássica aparecem geralmente
nas primeiras semanas de vida, após ingestão de galactose, maioritariamente derivada
da lactose presente no leite. Os principais sinais e sintomas incluem vómitos, diarreia,
perda de peso, défice de crescimento, letargia, hipotonia, hepato-esplenomegália e
icterícia, que indicam insuficiência hepática, cataratas, e sépsis causada por Escherichia
coli, que é a principal causa de morte dos indivíduos com galactosémia clássica não
tratados (Mahmood et al. 2012).
Os recém-nascidos suspeitos de galactosémia clássica, mesmo antes de o
diagnóstico ser confirmado, são submetidos a uma dieta alimentar restrita em galactose
com o objectivo de eliminar os sinais e sintomas causados pela toxicidade da galactose
e de evitar o aparecimento de complicações a longo prazo graves. Está demonstrado que
a adopção desta medida terapêutica, num espaço de uma a duas semanas, é eficaz no
desaparecimento da hepatomegalia, da disfunção hepática e da doença tubular renal, e
na normalização dos níveis eritrocitários de galactose-1-fosfato, num espaço de dois a
três meses. Contudo não evita o aparecimento e desenvolvimento de complicações a
longo prazo, cujas manifestações causam a diminuição, de uma forma significativa, da
qualidade de vida dos doentes com galactosémia clássica (Thompson e Netting 2010).

169
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

As principais complicações a longo prazo incluem deficiente desenvolvimento


motor e cognitivo, dispraxia verbal, e nas mulheres falência ovárica prematura, como é
exemplo o hipogonadismo hipergonadotrófico (Bosch 2006).
Actualmente ainda não se conhecem os mecanismos bioquímicos e moleculares
que estão na base da fisiopatologia da galactosémia clássica, porém de acordo com
vários estudos realizados, o que parece estar na origem do aparecimento de todas estas
complicações a longo prazo são a acumulação de elevadas quantidades de galactose-1-
fosfato, galactitol, ou outros compostos resultantes do metabolismo da galactose, e a
ocorrência deficiente dos processos de glicosilação (Fridovich-Keil et al. 2010).
Para além da acumulação de metabolitos da galactose e da deficiência em UDP-
galactose, é importante referir a importância da síntese endógena de galactose como um
factor contribuinte para o aparecimento das complicações a longo prazo, na medida em
que contribui para a persistente elevação dos níveis dos metabolitos da galactose, apesar
da realização da dieta restrita em galactose. Neste momento sabe-se que a produção
endógena de galactose não é um processo constante ao longo da vida, diminuindo com o
avançar da idade, e que é responsável pelo aumento significativo dos níveis fisiológicos
de galactose. Segundo Bosch e colaboradores, para um homem adulto de 70 Kg,
enquanto a ingestão de galactose diária, durante a realização de uma dieta restrita em
galactose, é menor que 50 mg, a síntese endógena de galactose diária atinge níveis
superiores a 900 mg. Assim, tendo em conta estes resultados, conclui-se que a síntese
endógena possui um papel vital na fisiopatologia da galactosémia clássica, estimulando
vias alternativas do metabolismo da galactose responsáveis pela produção de
metabolitos tóxicos, como são exemplos a galactose-1-fosfato e o galactitol (Bosch
2006).

2.5.1. Complicações neurológicas e psiconeurológicas


Os distúrbios neurológicos são as complicações a longo prazo mais comuns da
galactosémia clássica, afectando aproximadamente 50% dos doentes tratados (Potter et
al. 2013).
Em termos neurológicos, os doentes com galactosémia clássica apresentam
geralmente valores diminuídos de quociente de inteligência (QI), atraso no
desenvolvimento motor, da fala e linguagem, especialmente em termos de articulação e
vocabulário, dispraxia verbal e ataxia (Waisbren et al. 2012; Webb et al. 2003).

170
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Segundo Potter e colegas, os distúrbios da fala possuem uma etiologia


neurológica comum aos distúrbios motores, nomeadamente força e coordenação, uma
vez que verificaram uma elevada co-ocorrência de distúrbios da fala e motores nos
doentes com galactosémia clássica, uma diminuição da força das mãos e da língua nos
doentes com galactosémia clássica que apresentavam distúrbios da fala, e reduzidos
níveis de equilíbrio e destreza manual nos doentes galactosémicos que apresentavam
maior número de erros na fala. De acordo com estes autores, esta associação deve-se à
ocorrência de danos difusos no cerebelo uma vez que várias áreas desta estrutura estão
envolvidas no controlo dos movimentos motores, no aperfeiçoamento da fala, e no
controlo do equilíbrio (Potter et al. 2013).
Também, na literatura, existe referência de um caso datado de 1971, no qual se
observou anomalias no cérebro de um doente galactosémico não tratado, tendo-se
detectado degeneração neuro-cortical, atrofia e esclerose da massa branca, assim como
degeneração do cerebelo (Bosch 2006).
À semelhança dos investigadores anteriores, também Timmers e colaboradores,
com recurso a técnicas imagiológicas e à ferramenta neurite orientation dispersion and
density imaging (NODDI), observaram inúmeras anomalias no cérebro de doentes com
galactosémia clássica. Observaram que os doentes, relativamente aos indivíduos
controlo, apresentaram valores de densidade de neuritos mais baixos, especialmente nas
zonas anteriores do cérebro, e valores mais elevados de dispersão de orientação de
neuritos, essencialmente no lado esquerdo do cérebro. Segundo estes autores, a
diminuição dos valores de densidade de neuritos e o aumento dos valores de dispersão
de orientação dos neuritos observados são resultado da deficiente mielinização, que
causa a síntese de menor número de neuritos e a síntese de axónios com menor grau de
organização. Estes investigadores relacionaram ainda as anomalias detectadas na
microestrutura da massa branca com o aparecimento de algumas complicações a longo
prazo. Assim, concluíram que a existência de valores aumentados de dispersão de
orientação dos neuritos nas zonas do lado esquerdo do cérebro está associada às
complicações neuromotoras. As anormalidades detectadas nas zonas UF (Fascículo
Unciforme) e SLF (Fascículo Longitudinal Superior) estão associadas à dificuldade de
linguagem, uma vez que estas são áreas envolvidas no processamento da linguagem,
enquanto as alterações na zona IC (cápsula interna) estão associadas ao fraco
desenvolvimento motor. Esta zona contém fibras motoras, como são exemplos as
corticoespinhais, que fazem parte do tracto corticoespinhal, que é o principal

171
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

componente voluntária da motricidade, e cuja constituição inclui inúmeros axónios que


viajam entre o córtex cerebral e a medula espinhal. Concluíram ainda que as alterações
dos valores de dispersão de orientação nas zonas anteriores do cérebro e na zona da
corona radiata parecem estar associadas ao desenvolvimento deficiente das funções de
memória visual e atenção (Timmers et al. 2014).
De facto, na literatura são reportados casos de dificuldade de memória em
doentes com galactosémia clássica, que juntamente com as dificuldades na escrita, na
leitura e na área da matemática, contribuem para o insucesso académico destes doentes,
fazendo com que na maioria dos casos apresentem pobres qualificações profissionais e
um índice de empregabilidade muito baixo (Waisbren et al. 2012).
Além da vida académica e profissional, os distúrbios cognitivos e a dificuldade
na fala afectam também a vida social destes doentes. Hoffmann e colegas reportaram
que dois terços dos doentes galactosémicos adultos estudados eram solteiros e que a
grande maioria ainda vivia na casa dos pais, devido em grande parte à incapacidade de
conviverem e de estabelecerem uma relação íntima com outras pessoas (Hoffmann et al.
2012).
Hoje em dia, pouco é ainda conhecido acerca da neurofisiopatologia da
galactosémia clássica, porém acredita-se que o principal factor é a deficiente ocorrência
dos processos de glicosilação. Este mecanismo parece estar muito associado às
complicações neurológicas, pois a glicosilação possui um papel muito importante na
mielinização visto os glicoesfingolípidos constituídos por galactose ou N-
acetilgalactosamina serem das principais moléculas constituintes da mielina (Fridovich-
Keil e Walter 2008).

2.5.2. Complicações ósseas


A diminuição da densidade mineral óssea é outra complicação a longo prazo que
ocorre nos indivíduos com galactosémia clássica, principalmente nas mulheres, em
consequência da falência ovárica precoce (Bosch 2006).
A maior incidência de complicações ósseas ocorre na fase adulta, no entanto têm
surgido casos clínicos que relatam a presença de índices de massa óssea inferiores aos
limites de referência em crianças, aumentando a predisposição à ocorrência de
osteoporose e fracturas ósseas em idade adulta (Erven et al. 2014). Rubio-Gozalbo e
colaboradores, ao estudarem onze doentes com galactosémia clássica, com idades entre
2 e 18 anos e sujeitas a dieta alimentar restrita em galactose, observaram que apesar

172
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

destas crianças possuírem níveis séricos de cálcio, fósforo, paratormona, vitamina D,


fosfatase alcalina óssea, e osteocalcina dentro dos valores de referência, os valores da
densidade mineral óssea e do NTX (telopéptido N-terminal do colagénio tipo 1) são
significativamente menores que os das crianças controlo. Os autores não descobriram a
razão pela qual os níveis de NTX são inferiores nos indivíduos com galactosémia
clássica, contudo sugeriram que a ocorrência deficiente dos processos de glicosilação
das moléculas de colagénio pode levar à sua síntese incorrecta, e à consequente
ocorrência deficiente dos processos de formação, mineralização e reabsorção ósseas. É
importante lembrar que o NTX é um marcador da reabsorção óssea, resultando da
quebra do terminal amina do colagénio tipo 1 durante os processos de reabsorção óssea,
que o colagénio é o principal composto constituinte da matriz óssea, e que um dos seus
principais componentes são os resíduos de galactose uridina difosfato, que na ausência
da enzima GALT não são formados, e consequentemente não são incorporados nas
moléculas de colagénio (Rubio-Gozalbo et al. 2002).
De facto a fisiopatologia das complicações ósseas ainda não está totalmente
esclarecida, porém vários factores são apontados como responsáveis pela alteração da
homeostase óssea observada nos indivíduos com galactosémia clássica. Um dos factores
foi referido anteriormente, e prende-se com a deficiente glicosilação das moléculas de
colagénio e de outras glicoproteínas envolvidas no metabolismo ósseo, que leva à
síntese incorrecta de proteínas. Outro factor é a dieta alimentar restrita em galactose,
que aumenta o risco de desenvolvimento de deficiências nutricionais, principalmente
deficiências em cálcio, já que o consumo de lactose é praticamente nulo. Assim, é
importante que os indivíduos com galactosémia clássica façam periodicamente o
doseamento de parâmetros que permitam avaliar a saúde óssea, como são exemplos a
vitamina D (25-Hidroxivitamina D), o fósforo, a vitamina K, a fosfatase alcalina óssea,
NTX (telopéptido do terminal amina), CTX (telopéptido do terminal carboxilo), e a
osteocalcina carboxi e descarboxilada (Erven et al. 2014).
Nas mulheres, a insuficiência ovárica precoce é também responsável pela
diminuição dos valores de densidade mineral óssea, devido à diminuição dos níveis de
estradiol e estrogénio. Em condições fisiológicas normais, estas hormonas sexuais são
um potente inibidor da reabsorção óssea através da sua ligação a receptores presentes na
superfície dos osteoblastos e osteoclastos, que induz a apoptose dos osteoclastos e inibe
a libertação de factores estimuladores da actividade dos mesmos. Em muitos casos de
hipogonadismo hipergonadotrófico, as mulheres são sujeitas a terapia de reposição

173
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

hormonal, de forma a aumentar os níveis de estrogénio, e assim atenuar os efeitos


ósseos e melhorar a sua qualidade de vida (Erven et al. 2014).

2.5.3. Disfunção gonadal


A disfunção prematura dos ovários é a complicação a longo prazo mais
frequente nas mulheres, atingindo mais de 80% das mulheres galactosémicas
(Fridovich-Keil et al. 2010).
A falência ovárica prematura consiste na ausência de menarca ou na interrupção
precoce (em idades inferiores a 40 anos) do processo de foliculogénese, devido à
resposta ineficiente das gónadas, ou ao défice de síntese de gonadotrofinas,
nomeadamente FSH (Follicle-Stimulating Hormone ou Hormona Estimulante dos
Folículos) e LH (Luteinizing Hormone ou Hormona Luteinizante), que
consequentemente provoca a não produção de hormonas sexuais esteróides,
nomeadamente o estradiol, e de gâmetas (óvulos). Em consequência ocorre atraso na
maturação sexual da mulher, evidenciado pela ausência de desenvolvimento de
característica sexuais secundárias, e pelo aparecimento de hirsutismo moderado,
levando em muitas situações ao aparecimento de casos de infertilidade (Fridovich-Keil
et al. 2010; Dwyer et al. 2016).
Contrariamente ao que é observado nas mulheres com galactosémia clássica, nos
homens existem evidências de que o seu sistema reprodutor não é tão sensível a níveis
tóxicos de galactose-1-fosfato como o sistema reprodutor feminino, fazendo com que o
desenvolvimento e maturação sexual não sejam significativamente afectados
(Fridovich-Keil et al. 2010; Rubio-Gozalbo et al. 2009). A razão deste facto ainda não
está claramente esclarecida, no entanto sugere-se que é pelo facto de os ovários
possuírem níveis de actividade de todas as enzimas envolvidas na via de Leloir
superiores aos detectados nos testículos, fazendo com que o bom funcionamento dos
ovários, relativamente aos testículos, seja mais fortemente dependente da expressão da
enzima GALT (Forges et al. 2006).
À semelhança das complicações neurológicas, psiconeurológicas e ósseas, os
mecanismos fisiopatológicos subjacentes ao aparecimento da disfunção gonadal ainda
não estão totalmente esclarecidos, porém parecem incluir a acumulação de metabolitos
da galactose tóxicos, nomeadamente o galactitol e a galactose-1-fosfato, e a deficiente
produção de UDP-galactose.

174
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

A presença de excesso de galactitol é responsável pela apoptose aumentada dos


oócitos e das células do estroma ovariano devido à alteração da permeabilidade da
membrana celular por indução de stress osmótico e inchamento celular, e à diminuição
dos níveis de glutationa, que devido à maior permeabilidade celular, saem mais
facilmente para o espaço extracelular, permitindo a acumulação de espécies reactivas de
oxigénio, como é exemplo o peróxido de hidrogénio. (Leslie 2003; Forges et al. 2006).
A acumulação de galactose-1-fosfato causa alterações na produção de energia
através da inibição de várias enzimas constituintes da via metabólica da glucose, como
são exemplos a fosfoglucomutase, glicose-6-fosfato desidrogenase, glicogénio
fosforilase e UGP2, interferindo, deste modo, no processo de crescimento celular, e
aumentando o stress celular (Leslie 2003; Forges et al. 2006).
Por fim, a deficiência em UDP-galactose interfere na interacção entre as
gonadotrofinas e os seus receptores, pois os processos de glicosilação fazem parte das
modificações pós-traducionais, importantes para a síntese de receptores totalmente
funcionais (Forges et al. 2006).

2.6.DIAGNÓSTICO
Na prática clínica, o diagnóstico da galactosémia não é simples, uma vez que
não sendo a galactosémia uma condição patológica singular e existindo ainda poucos
conhecimentos bioquímicos, clínicos e fenotípicos das outras formas variantes de
galactosémia, os resultados obtidos pelos vários testes podem ser confusos, não
permitindo a realização de um diagnóstico diferencial. Adicionalmente, a elevada
heterogeneidade alélica do gene GALT confere heterogeneidade fenotípica e origina a
formação de enzimas GALT com diferentes valores de actividade, podendo existir por
exemplo indivíduos com galactosémia Duarte com valores de actividade da enzima
GALT quase indetectáveis (Pyhtila et al. 2014; Liu et al. 2015).
Contudo, na grande maioria dos casos, as investigações laboratoriais iniciais
revelam muitas vezes insuficiência hepática, através da obtenção de valores aumentados
de bilirrubina conjugada e não conjugada, e de níveis aumentados das transaminases e
de aminoácidos no plasma, particularmente fenilalanina, tirosina e metionina; doença
tubular renal apresentando acidose metabólica, galactosúria, glicosúria, albuminúria e
aminoacidúria. Pode também ocorrer disfunções hematológicas, nomeadamente anemia
hemolítica e eventos hemorrágicos em consequência da deficiente produção de factores
de coagulação por parte do sistema hepático (Walter et al. 1999).

175
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Actualmente existem várias técnicas que permitem a realização do diagnóstico


da galactosémia clássica baseadas em métodos bioquímicos, enzimáticos e moleculares,
que incluem a pesquisa de compostos redutores na urina, a determinação da
concentração da galactose e seus metabolitos, a determinação da actividade da enzima
GALT, e a pesquisa de potenciais mutações no gene GALT causadoras de galactosémia
clássica, respectivamente (Elsas 2007).

2.6.1. Diagnóstico bioquímico e enzimático

Pesquisa de substâncias redutoras na urina

A pesquisa de substâncias redutoras na urina, nomeadamente de galactose,


constitui um dos primeiros passos no rastreio neonatal da galactosémia clássica. Porém
este método apresenta pouca sensibilidade e especificidade visto ser possível detectar-se
pequenas quantidades de galactose na urina em casos de doenças hepáticas, e haver
presença de quantidades de galactose indetectáveis em indivíduos com galactosémia
clássica em situações de administração intravenosa de fluídos. Como tal, este método
não pode ser utilizado para confirmação ou refutação de diagnóstico de galactosémia
clássica (Fridovich-Keil e Walter 2008).

Determinação da concentração da galactose e seus metabolitos

Um dos métodos mais específicos empregues no diagnóstico da galactosémia


clássica consiste na pesquisa e quantificação da galactose e seus metabolitos,
nomeadamente a galactose-1-fosfato, no sangue e urina.
O doseamento da concentração de galactose-1-fosfato é muito utilizado na rotina
para monitorização do tratamento dietético da galactosémia clássica. Antes do início da
dieta restrita em galactose, os níveis de galactose-1-fosfato estão significativamente
elevados no sangue, sofrendo uma redução gradual após semanas ou meses do início da
dieta. No entanto, apesar da realização contínua deste tratamento, os níveis de
galactose-1-fosfato no sangue mantém-se ligeiramente acima do valor limite superior de
referência. Geralmente o valor limite superior de referência da concentração de
galactose-1-fosfato é aproximadamente 5 mg/dL, e o valor de concentração de
galactose-1-fosfato nos indivíduos tratados com galactosémia clássica varia entre 2 e 5
mg/dL (Elsas 2007; Fridovich-Keil e Walter 2008).

176
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Ao longo dos anos têm surgido vários métodos que permitem a realização do
doseamento de galactose-1-fosfato, nomeadamente métodos cromatográficos,
enzimáticos, fluorimétricos e, mais recentemente, a espectrometria de massa. Chen e
colaboradores desenvolveram um método de diluição isotópica de quantificação de
galactose-1-fosfato eritrocitária por Cromatografia Gasosa acoplada a Espectrometria de
Massa (GCMS), após trimetilsilação da galactose-1-fosfato. Durante este estudo, das
amostras de sangue proveniente de indivíduos com galactosémia clássica, de indivíduos
controlo e de indivíduos suspeitos de galactosémia clássica, foram inicialmente obtidos
hemolisados, aos quais foram adicionados galactose-1-fosfato marcado com isótopos de
carbono 13 (que servirá como padrão interno na técnica de cromatografia gasosa), e
BSTFA + TMCS (N,O-bis (trimetilsilil)trifluoroacetamida + Trimetilclorosilano),
responsável pelo processo de trimetilsilação das hexoses fosforiladas (entre elas a
galactose-1-fosfato). De seguida, as amostras foram injectadas no cromatógrafo, no qual
foi possível separar completamente a galactose-1-fosfato das restantes hexoses
fosforiladas trimetilsilazadas, nomeadamente a galactose-6-fosfato, a glucose-1-fosfato,
a glucose-6-fosfato e a manose-1-fosfato. Posteriormente, com recurso à espectrometria
de massa e usando o método de diluição isotópica, obteve-se um pico de razão
massa/carga correspondente à galactose-1-fosfato, tendo sido possível,
consequentemente, a sua quantificação. Estes investigadores, e paralelamente a este
método, realizaram também a quantificação da galactose-1-fosfato pelo método
enzimático da galactose desidrogenase, não tendo sido obtido valores significativamente
diferentes por ambas as técnicas. Os autores demonstraram ainda que este método é
linear até uma concentração tóxica de galactose, e possui elevada precisão e
sensibilidade, levando-os a concluir que este método pode ser aplicado na prática clínica
para o doseamento da concentração da galactose-1-fosfato (Chen et al. 2002).
O doseamento do galactitol urinário é exemplo de outro teste que é utilizado no
diagnóstico de galactosémia clássica. Muitos são os estudos que demonstram que nos
indivíduos com galactosémia clássica os níveis deste metabolito, mesmo realizando uma
dieta alimentar restrita em galactose, mantêm-se em níveis significativamente elevados
quando comparados aos de indivíduos saudáveis. Um dos métodos mais utilizados para
o doseamento do galactitol na urina é também a Cromatografia Gasosa acoplada a
Espectrometria de Massa com diluição isotópica (Elsas 2007; Fridovich-Keil e Walter
2008).

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Determinação da actividade da enzima GALT

O método mais recomendável para o diagnóstico da galactosémia clássica


baseia-se na determinação da actividade da enzima GALT nos eritrócitos. A técnica
mais comumente utilizada denomina-se teste de Beutler. Neste teste, ao hemolisado
obtido a partir da amostra de sangue total é adicionado a UDP-glucose, galactose-1-
fosfato, e NADP. Por acção da enzima GALT, vai haver formação de glucose-1-fosfato,
que por via endógena, é convertida em glucose-6-fosfato. A glucose-6-fosfato, por
acção da glucose-6-fosfato desidrogenase e na presença de NADP, é oxidada a 6-
fosfogluconato, havendo concomitantemente redução do NADP a NADPH. Esta última
reacção é acompanhada por técnicas de espectrofotometria de fluorescência, fazendo
com que a presença de fluorescência após 1h de incubação do hemolisado com a
mistura reaccional representa um resultado negativo (a enzima GALT possui nível de
actividade considerado normal), enquanto a ausência de fluorescência após 1h de
incubação do sangue com a mistura reaccional representa um resultado positivo
(Fridovich-Keil e Walter 2008).
Este teste, apesar de se apresentar como um método pouco dispendioso, de fácil
execução e de não depender da dieta alimentar, apresenta algumas desvantagens como a
obtenção de um elevado número de resultados falso-positivos, a obtenção de resultados
falso-negativos e a baixa especificidade e sensibilidade do método utilizado,
especialmente na quantificação de valores de actividade da enzima GALT inferiores a
5% do valor de referência (Pyhtila et al. 2014; Li et al. 2010).
Em consequência das desvantagens apresentadas pelo teste de Beutler houve
necessidade de estudar novos métodos mais sensíveis e que reduzam o número de
resultados falso positivos. Como alternativa surge a espectrometria de massa em
tandem, cujo acoplamento a técnicas de cromatografia líquida de alta eficiência (LC-
MS) aumenta a sua sensibilidade e especificidade. Li e colegas, utilizando amostras de
sangue de doentes com galactosémia clássica e de doentes com outras variantes de
galactosémia, investigaram se a LC-MS pode ser aplicada no diagnóstico neonatal de
galactosémia clássica. Para tal utilizaram amostras de hemolisados os quais foram
adicionados a uma mistura reaccional constituída por solução tampão, UDP-glucose e
galactose-1-fosfato marcada com isótopo de carbono 13. A actividade da enzima GALT
foi determinada com base na quantidade formada de UDP-galactose marcada com
isótopo de carbono 13. Estes investigadores concluíram que o uso acoplado destas duas

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

técnicas permite: a) a detecção de níveis mais baixos de actividade da enzima GALT


(permitiu a detecção de valores de actividade de 0,2% dos valores controlo); b) não
requer preparação muito laboriosa das amostras; c) não necessita de tantos reagentes
como o teste de Beutler, diminuindo assim os custos de análise; d) permite obter
resultados mais conclusivos, pois contrariamente a este método, no teste de Beutler a
redução de actividade da enzima GALT pode dever-se a uma deficiência de uma das
enzimas constituintes da reacção acoplada (por exemplo uma deficiência na Glucose-6-
fosfato desidrogenase); e) possui maior especificidade devido ao alto poder de resolução
das técnicas de LC-MS, que permitem separar completamente e quantificar,
respectivamente, os isómeros galactose-1-fosfato e glucose-1-fosfato; e f) permite
quantificar a concentração de galactose-1-fosfato endógena, podendo actuar também
como técnica de monitorização desta doença, visto o doseamento deste metabolito ser
utilizado na rotina para monitorizar o estado bioquímico dos doentes com galactosémia
clássica (Li et al. 2010).

2.6.2. Diagnóstico molecular


O diagnóstico molecular da galactosémia clássica consiste na detecção de
mutações no gene GALT através de técnicas de sequenciação. O diagnóstico molecular
realiza-se geralmente quando os resultados dos testes bioquímicos confirmam o
diagnóstico de galactosémia clássica ou galactosémia variante Duarte. Nestas situações,
o diagnóstico de galactosémia Duarte tipo 2 é confirmado pela presença das mutações
p.N314D e c.-116-119-del-GTCA em linkage disequilibrium, enquanto em casos de
galactosémia Duarte tipo 1 se verifica a presença da mutação missense p.N314D e da
mutação silenciosa p.L218L, mas ausência da deleção na região reguladora. Nos casos
de galactosémia clássica, o diagnóstico molecular tem como principal objectivo
descobrir as mutações que estão na origem do aparecimento da patologia. Geralmente
inicia-se com a detecção das mutações mais comumente associadas à galactosémia
clássica, nomeadamente p.Q188R, p.S135L, p.K285N, p.L195P, p.Y209C, p.F171S,
Δ5kb (envolve a deleção de 3163 nucleótidos na região do promotor, a deleção da
região 5’ e a deleção de 2295pb da região 3’), e IVS2-2A>G. Caso não forem
detectadas nenhuma das mutações anteriormente referidas é possível fazer-se a análise
sequencial do gene GALT com o objectivo de procurar novas mutações causadoras de
galactosémia clássica (Elsas 2007).

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2.6.3. Diagnóstico pré-natal

O diagnóstico pré-natal da galactosémia clássica também é possível realizar-se,


sendo recomendável essencialmente em casos em que há histórico familiar de
galactosémia clássica (Elsas 2007).
O diagnóstico pré-natal da galactosémia pode ser realizado através da
determinação da actividade da enzima GALT nos amniócitos ou nas células das
vilosidades coriónicas, ou através do doseamento do galactitol no fluido amniótico
(Fridovich-Keil e Walter 2008). Um dos métodos laboratoriais utilizados no
doseamento do galactitol no fluido amniótico é a GC-MS com diluição isotópica, a qual
provou ser uma técnica rápida, sensível e precisa no diagnóstico pré-natal da
galactosémia clássica (Jakobs et al. 1984).
Em casos em que a história mutacional familiar seja conhecida, é também
possível realizar-se testes moleculares, a partir do DNA fetal, que pode ser obtido das
vilosidades coriónicas, dos amniócitos, ou do sangue fetal (caso a cultura dos
amniócitos não seja bem sucedida), com o objectivo de investigar a presença das
mesmas mutações no DNA fetal (Fridovich-Keil e Walter 2008).

2.7.RASTREIO NEONATAL
O aparecimento na década de 60 do século XX dos programas de rastreio
neonatal de inúmeras doenças metabólicas hereditárias, nomeadamente a galactosémia
clássica, permitiu o diagnóstico e a implementação de medidas terapêuticas antes do
aparecimento dos primeiros sinais e sintomas. A detecção e o tratamento precoces
levaram a que, nos últimos anos, ocorresse diminuição do índice de mortalidade e
diminuição da gravidade das complicações a longo prazo, conduzindo
consequentemente a um melhoramento na qualidade de vida destes doentes. Está
descrito que por cada mês de atraso no diagnóstico e tratamento de doenças metabólicas
hereditárias, há redução significativa do quociente de inteligência, aparecimento de
casos graves de atraso no desenvolvimento mental, doenças hepáticas, doenças renais,
deficiências visuais, doenças cardíacas, e agravamento do estado económico e
financeiro do país (Hatam et al. 2013).
O método de rastreio neonatal da galactosémia clássica actualmente mais
aconselhável deve ser feito a partir de uma amostra de sangue, a qual deve ser colhida a
partir do calcanhar do recém-nascido. A amostra biológica é depois depositada num

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

papel de filtro, seguindo-se a determinação da actividade da enzima GALT nos


eritrócitos, a qual é realizada mais comumente através do teste de Beutler, cuja
descrição está referida anteriormente (Elsas 2007).
Existem alguns testes de rastreio neonatal que juntamente com o doseamento da
actividade da enzima GALT realizam também a quantificação da galactose total
(galactose + galactose-1-fosfato), em que a presença de níveis elevados de galactose
total é detectada em crianças galactosémicas. Porém, este teste é fortemente afectado
pela dieta do recém-nascido, podendo dar resultados falsos positivos, na medida em que
se pode obter um valor de concentração de galactose total elevado, caso haja consumo
de leite antes da realização do teste (Pyhtila et al. 2014).
Adicionalmente, tal como foi referido anteriormente, o teste de Beutler apresenta
desvantagens como são exemplos a obtenção de resultados falso-positivos e falso-
negativos. A obtenção de resultados falso-positivos nos métodos de rastreio neonatal da
galactosémia clássica é elevada. Em muitos casos deve-se à exposição das amostras
biológicas a condições de humidade ou temperaturas elevadas, que causam a
degradação da amostra biológica e a consequente diminuição da actividade da enzima
GALT, fazendo com que determinadas situações (galactosémia (tipo II ou tipo III),
portadores de polimorfismos no gene GALT, ou indivíduos homozigóticos para a
variante Duarte) sejam confundidas com galactosémia clássica (Pyhtila et al. 2014).
Resultados falso-negativos podem ser obtidos em casos de transfusão sanguínea.
Nestas situações, este teste de rastreio neonatal não pode ser executado pelo menos nos
quatro meses seguintes ao acto médico, anulando, deste modo, a sua função como meio
de diagnóstico precoce para a detecção de galactosémia clássica (Fridovich-Keil e
Walter 2008).
Actualmente, na maioria dos países do mundo, ao contrário da fenilcetonúria, a
galactosémia não faz parte da lista de doenças hereditárias metabólicas rastreadas pelos
programas de diagnóstico precoce. Na literatura são referidas três razões que justificam
esta realidade: o facto de a galactosémia clássica ser uma doença que pode ser
diagnosticada clinicamente, a elevada taxa de resultados falsos-positivos apresentada
pelos métodos utilizados no rastreio neonatal, e o aparecimento de complicações a
longo prazo mesmo que as medidas terapêuticas sejam implementadas numa idade
precoce (Ohlsson et al. 2011). Contudo, é recomendado que todas as amostras que
possuem níveis elevados de fenilalanina sejam rastreadas para a galactosémia, pois
existem evidências de que o diagnóstico precoce, apesar de não evitar o aparecimento

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

de complicações a longo prazo, diminui o tempo de exposição da galactose e seus


metabolitos às células e tecidos do organismo, reduzindo o impacto negativo no
organismo humano desta patologia (Shakespeare et al. 2010; Padilla 2008).

2.8.TERAPIA - RESTRIÇÃO DIETÉTICA


O tratamento clássico da galactosémia clássica é a restrição alimentar de
produtos que contêm galactose. Esta medida terapêutica deve ser iniciada nas primeiras
semanas de vida do recém-nascido, imediatamente após suspeita de galactosémia
clássica, de forma a atenuar a gravidade das complicações a longo prazo (Bosch 2006).
Nos recém-nascidos com suspeitas de galactosémia clássica são prescritas fórmulas
pobres em galactose, como são exemplos a fórmula de soja, feita a partir de hidratos de
carbono à base de milho e proteína de soja; a fórmula livre de lactose; e a fórmula
baseada em hidrolisados de caseína e dextrina de maltose como fonte de hidratos de
carbono, que contém pequenas quantidades de galactose (O’Connor 2009).
Porém, com o aumento da idade, a ingestão de galactose é inevitável, através do
consumo de alimento sólidos, como a fruta, os vegetais, o pão, o queijo, os iogurtes, e
os legumes (Bosch 2011). No meio científico e clínico existe uma enorme controvérsia
em relação à quantidade máxima de galactose exógena que um individuo com
galactosémia clássica pode ingerir diariamente. Enquanto alguns centros europeus
especializados em doenças metabólicas recomendam que os indivíduos com
galactosémia clássica devem realizar, durante toda a sua vida, uma dieta restrita em
galactose, não devendo ingerir nenhum alimento contendo galactose (por exemplo
frutas e vegetais); outros centros localizados na Alemanha, Reino Unido e Estados
Unidos da América defendem uma abordagem menos radical, recomendado apenas a
realização de uma dieta restrita em lactose (Bosch 2006).
Muitos estudos têm sido realizados com o objectivo de investigar qual a
tolerância de galactose dos indivíduos com galactosémia clássica, e assim determinar
qual a forma de restrição alimentar mais correcta a aplicar nestes casos. Bosch e
colaboradores tiveram como objectivo determinar a tolerância de ingestão de galactose
exógena, em três doentes galactosémicos adolescentes, homozigóticos para a mutação
p.Q188R, e que realizam uma dieta restrita em galactose. Para tal, durante seis meses
estes autores sujeitaram os adolescentes estudados à toma de suplementos que contém
galactose. Os investigadores observaram que o aumento da quantidade de galactose
ingerida por dia (o consumo diário de galactose passou de 17-22 mg para 640-1027

182
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

mg), nestes três doentes adolescentes, não causou alterações físicas, oftalmológicas, e
bioquímicas, levando-os a sugerir que a restrição total de galactose na dieta, incluindo
fruta e vegetais, não é necessária, sendo a dieta restrita em lactose suficientemente
eficaz no tratamento da galactosémia clássica. Contudo, estes autores alertam para o
facto de, caso a dieta restrita em galactose seja abolida, ser necessária a realização de
estudos de monitorização, que incluam exames físicos, bioquímicos e psicológicos, de
modo a avaliar a evolução clínica dos doentes (Bosch et al. 2004).
Estes resultados estão de acordo com a ausência de casos de cataratas e doenças
hepáticas reportados na literatura do Reino Unido, onde o consumo de frutos e vegetais
é uma realidade, e apenas a restrição em alimentos que contém maior quantidade de
lactose é aplicável (Bosch 2011).
Adicionalmente, o aparente aumento da tolerância à galactose com o aumento da
idade, devido possivelmente à diminuição na produção endógena de galactose, apoia a
tese de que a restrição alimentar de frutas e vegetais não acrescenta valor terapêutico à
dieta restrita em lactose, já que na literatura é reportado um caso de dois adultos
galactosémicos homozigóticos para a mutação p.Q188R, que suspenderam o tratamento
dietético aos 3 anos de idade, apresentando uma ingestão diária de galactose entre 2690
e 9000 mg de galactose. Estes doentes não apresentam sinais de cataratas e doença
hepática, nem anomalias neurológicas e psicológicas, e possuem níveis de galactose-1-
fosfato eritrocitária e de galactitol urinário dentro dos valores considerados normais
(Bosch 2011).
Contudo, na literatura é aconselhável não generalizar a abolição da dieta restrita
em galactose, pelo menos até se compreender totalmente a fisiopatologia do
aparecimento das complicações a longo prazo. Para tal, é necessário a realização de
mais estudos com fim de investigar novos biomarcadores da toxicidade da galactose, e
de entender os efeitos bioquímicos e clínicos da galactose exógena tanto nas crianças
como nos indivíduos adultos com galactosémia clássica (Bosch 2011).
Outra grande questão que também se coloca em relação ao tratamento dietético
relaciona-se com os indivíduos com galactosémia Duarte que apresentam níveis de
actividade da enzima GALT de 14-25%, e diz respeito à necessidade de realização, por
parte destes doentes, de uma alimentação restrita em galactose durante toda a vida.
Existe uma enorme controvérsia entre os vários centros metabólicos e os centros de
rastreio neonatal espalhados pelo mundo acerca desta questão, na medida em que parte
dos centros recomendam a não realização de uma dieta pobre em galactose enquanto

183
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

outra parte aconselha a realização de uma dieta alimentar restrita em galactose pelo
menos durante o primeiro ano de vida (Fernhoff 2010).
Actualmente, a escolha relativamente à aplicação do tratamento dietético durante
o primeiro ano de vida a um doente com galactosémia Duarte recai, geralmente, sobre
os profissionais de saúde e os pais. Assim, caso se opte por não sujeitar o recém-nascido
com galactosémia Duarte a uma dieta restrita em galactose, é aconselhável realizar o
doseamento da galactose-1-fosfato eritrocitária aos 12 meses de idade de forma a
observar se os níveis deste índice bioquímico se estão aproximar dos valores de
referência (<1,0 mg/dL). Caso se opte por sujeitar o recém-nascido com galactosémia
Duarte a uma dieta restrita em galactose, é recomendável primeiramente obter uma
linha de base do nível de galactose-1-fosfato eritrocitária na altura do diagnóstico e após
a introdução dos alimentos sólidos (por volta dos seis meses de idade da criança); e
seguidamente, aos 12 meses de idade, introduzir na dieta alimentar, de uma forma
gradual, alimentos que contenham galactose e medir o nível de galactose-1-fosfato
eritrocitária um mês depois. Nesta fase, caso a concentração de galactose-1-fosfato se
encontre dentro do intervalo dos valores de referência, a dieta restrita em galactose não
é retomada; pelo contrário, se o valor da concentração de galactose-1-fosfato obtida for
superior aos valores de referência, a dieta restrita em galactose deve ser retomada e o
doente deve ser monitorizado para que as possíveis complicações a longo prazo sejam
detectadas precocemente (Fridovich-Keil et al. 2014).
O aparecimento de casos clínicos que relatam situações de indivíduos com
galactosémia Duarte que realizam uma dieta não restrita em galactose e que não
apresentam complicações a longo prazo característicos da galactosémia clássica torna
urgente o encontro da resposta à questão “Será que os doentes com galactosémia Duarte
devem seguir uma dieta restrita em galactose?” De facto Ficicioglu e colegas no seu
estudo que englobou trinta crianças com galactosémia Duarte, com idades entre 1 e 6
anos, observou que estas crianças, realizando uma dieta alimentar não restrita em
galactose, apresentam, relativamente a indivíduos controlo, níveis normais de galactose-
1-fosfato eritrocitária e galactitol urinário, e níveis superiores de galactose plasmática e
de outros metabolitos da galactose, nomedamente galactonato urinário, galactonato
eritrocitário, galactitol eritrocitário, e galactitol plasmático. Contudo, apesar do aumento
verificado dos índices bioquímicos, estas crianças não exibiram sinais e sintomas de
falência hepática, problemas oftalmológicos e anomalias neurológicas. No entanto, estes
resultados levantam outra questão. Será que a exposição das células a elevados níveis de

184
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

outros metabolitos da galactose, que não a galactose-1-fosfato e o galactitol, levará ao


aparecimento de complicações a longo prazo, numa fase mais tardia da vida destas
crianças? (Ficicioglu et al. 2010)
Para responder às duas questões anteriores, Fernhoff propõe a realização de um
estudo epidemiológico, cujo principal objectivo será determinar se os doentes com
galactosémia Duarte, que nunca realizaram uma dieta alimentar restrita em galactose
possuem uma incidência elevada de ocorrência de complicações a longo prazo
característicos da galactosémia clássica. Para tal teria que se englobar um número
significativamente elevado de doentes adultos (entre 20 e 40 anos) com galactosémia
Duarte, que nunca foram sujeitos a uma dieta alimentar restrita em galactose, e
compará-los com indivíduos controlo saudáveis, através da realização de exames
bioquímicos e clínicos que permitam monitorizar os níveis dos metabolitos da galactose
no sangue, plasma e urina, e permita também estudar a evolução dos estados de
crescimento, nutricional, desenvolvimento e oftalmológico destes doentes. Obviamente
que a realização deste estudo requererá um enorme investimento financeiro, no entanto
acredita-se que as conclusões obtidas por esta investigação poderá ter um impacto
positivo na economia de vários países, pois, actualmente, uma boa parte do dinheiro do
estado é empregue no aconselhamento genético e nutricional, e nos processos de
monitorização bioquímico destes doentes (Fernhoff 2010).

2.9.A GALACTOSÉMIA CLÁSSICA EM PORTUGAL


Em Portugal, o rastreio neonatal de doenças raras é da responsabilidade do
Programa Nacional de Diagnóstico Precoce, realizado no Instituto de Genética Médica.
Este programa foi implementado há 37 anos, iniciando-se com o rastreio da
fenilcetonúria, passando posteriormente em 1981 a incluir o rastreio do hipotiroidismo
congénito (HC) (Vilarinho et al. 2006).
Devido ao desenvolvimento tecnológico, nomeadamente ao aparecimento da
espectrometria de massa em tandem, hoje em dia já é possível realizar o rastreio a vinte
e quatro Doenças Hereditárias do Metabolismo (Aminoacidopatias, Acidúrias Orgânicas
e Doenças hereditárias da β-oxidação mitocondrial dos ácidos gordos) e ao
Hipotiroidismo Congénito, estando a decorrer também um estudo-piloto para a Fibrose
Quística (Osório e Vilarinho 2010).
Em Portugal, o rastreio neonatal de doenças raras é voluntário, abrange cerca de
99% da população, e é realizado através da colheita de sangue, por picada no calcanhar

185
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

do pé, para uma ficha com papel de filtro adequado. A colheita do sangue é actualmente
efectuada nos Hospitais, Maternidades ou Centros de Saúde, entre o terceiro e sexto dias
de vida, devendo, após a colheita, ser enviada para o Laboratório Nacional de Rastreios,
onde é feita a determinação de metabolitos que possibilitam a detecção de condições
patológicas (Vilarinho et al. 2006).
A galactosémia clássica, apesar de ser uma doença hereditária do metabolismo,
não está incluída na lista de doenças rastreadas pelo Programa Nacional de Diagnóstico
Precoce. No entanto, todas as amostras que apresentem níveis aumentados dos
aminoácidos fenilalanina e/ou tirosina são rastreadas para a galactosémia clássica
através da determinação semi-quantitativa da actividade da enzima GALT pelo teste de
Beutler, seguido da quantificação dos níveis de galactose total. Segundo o relatório de
2014 do Programa Nacional de Diagnóstico Precoce, nesse ano foram estudados 83.100
recém-nascidos, tendo sido identificados dois novos casos de galactosémia clássica,
com um tempo médio de início de tratamento de 11 dias após o nascimento (Vilarinho
et al. 2015).
No nosso país, a mutação prevalente no gene GALT responsável pelo
aparecimento da galactosémia clássica é a p.Q188R. Coelho e colegas, num estudo
realizado em 42 doentes portugueses com galactosémia clássica, identificaram a
presença de 14 mutações diferentes, em que a maioria é do tipo missense e o genótipo
prevalente é a homozigotia para a mutação p.Q188R. Surpreendentemente, a segunda
mutação detectada em maior frequência (8.0%) foi uma variação intrónica c.820+13a>g
(IVS8+13a>g), tendo sido identificada num doente homozigótico e em cinco doentes
em heterozigotia composta com outras mutações. Seguidamente, com frequência igual a
4%, as terceiras mutações maioritariamente detectadas foram as p.S135L e p.G175D. A
mutação p.S135L foi encontrada em heterozigotia com as mutações p.Q188R e p.F171C
em indivíduos com ascendência africana, enquanto a mutação p.G175D apenas foi
detectada em Portugal. Juntamente com esta última mutação também as mutações
p.P185S, p.R259W e p.F171C foram identificadas exclusivamente na população
galactosémica portuguesa (Coelho et al. 2013). Contudo, curiosamente, em Portugal não
foram detectadas as mutações p.K285N e p.L195P, cuja prevalência é elevada no
continente Europeu, nomeadamente em Espanha (Gort et al. 2009). Estes últimos
autores demonstraram que, no país irmão, a mutação p.L195P é a segunda mutação
mais prevalente, com uma taxa de 15,7%, seguida da mutação p.K285N que possui uma
taxa de prevalência de 9,8%. Estes resultados levaram os autores a sugerir que, apesar

186
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

da proximidade geográfica de Portugal e Espanha, a vinda de diferentes tipos de


população para a Península Ibérica, através das migrações, levou ao aparecimento de
diferentes genótipos. Estes investigadores referem que Portugal terá sofrido maior
influência de populações Nórdicas, pois Portugal apresenta uma semelhança de
genótipos com as Ilhas Britânicas, enquanto Espanha terá sido mais fortemente
influenciada por populações migratórias mediterrânicas vindas do Norte de África,
Grécia, Fenícia, e Arábia (Gort et al. 2006).

187
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

3. NOVAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS

Devido ao insucesso da terapia baseada na realização de uma dieta alimentar


restrita em galactose no aparecimento de complicações a longo prazo, que diminuem
significativamente a qualidade de vida dos doentes, nos últimos anos têm surgido
estudos que apresentam novas alternativas terapêuticas promissoras.
Algumas das novas abordagens terapêuticas emergentes, que actuam ao nível do
RNA mensageiro e da proteína, são desenvolvidas de acordo com o tipo de mutação que
está na origem do aparecimento da doença, consistindo, respectivamente, na utilização
de oligonucleótidos antisense capazes de corrigir processos de splicing aberrantes, e de
moduladores da proteostase que são capazes de auxiliar os processos de folding
alterados ou de inibir a formação de agregados proteicos, ambos potenciados pela
ocorrência de mutações missense (Coelho et al. 2015). Também ao nível da proteína, a
aplicação de inibidores da enzima GALK em fibroblastos provenientes de doentes com
galactosémia clássica tem mostrado resultados muito interessantes na inibição da
acumulação do principal metabolito responsável pelo aparecimento de complicações a
longo prazo, a galactose-1-fosfato (Tang et al. 2012). Por fim, a administração oral, em
modelos animais, de moléculas que mimetizam a acção da enzima superóxido dismutase
tem-se revelado eficaz na diminuição do stress oxidativo celular, surgindo, assim,
também como potencial estratégia terapêutica para a galactosémia clássica, visto haver
cada vez mais evidências acerca do papel do stress oxidativo na fisiopatologia deste
erro hereditário do metabolismo (Jumbo-Lucioni et al. 2014).

3.1.MUTAÇÕES DE SPLICING – OLIGONUCLEÓTIDOS ANTISENSE


Com a descoberta de que a ocorrência de erros nos processos de splicing
constitui um dos principais mecanismos patogénicos no aparecimento dos erros
hereditários do metabolismo (incluindo a galactosémia clássica), nos últimos anos têm
surgido várias estratégias terapêuticas que visam corrigir ou evitar anomalias durante
este processo pós-transcricional (Faustino e Cooper 2003).
As mutações que afectam o splicing podem ocorrer tanto nos intrões como nos
exões, e dão origem à síntese de proteínas aberrantes com perda parcial ou total da sua
actividade, devido à criação de novos locais de splicing, ou à ocorrência de erros no
reconhecimento de nucleótidos dos exões, que em alguns casos leva à alteração do
código de leitura da sequência da molécula de mRNA (Beaulieu et al. 2012).

188
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

As várias estratégias terapêuticas incluem sobre-expressão de proteínas que


alteram o splicing do exão alvo, uso de oligonucleótidos que bloqueiam os locais de
splice aberrantes e obrigam o uso de locais de splice canónicos, uso de pequenas
moléculas que afectam a fosforilação dos factores de splicing ou que estabilizam
estruturas secundárias putativas, e a aplicação de processos de trans-splicing com o
objectivo de substituir exões mutados por exões wild-type. (Faustino e Cooper 2003).
Actualmente, ao nível das mutações de splicing, a técnica terapêutica mais
comumente aplicada baseia-se na utilização de oligonucleótidos anti-sense. Os
oligonucleótidos anti-sense consistem em pequenas cadeias simples de DNA
sintetizadas quimicamente, com capacidade de hibridar, por complementariedade de
bases, com uma sequência especifica de mRNA e/ou pré-mRNA, causando a inibição da
expressão da molécula de mRNA ou a correcção de processos de splicing aberrantes
(Dias e Stein 2002).
O modo como a ligação dos oligonucleótidos anti-sense diminui os níveis de
transcrição da sequência de mRNA alvo depende das propriedades químicas dos
oligonucleótidos anti-sense e do local de hibridação, envolvendo mecanismos subtis e
complexos (Chan et al. 2006). No tratamento da galactosémia clássica, visto esta
patologia ser causada apenas por mutações que causam perda de função, os
oligonucléotidos antisense utilizados actuam inibindo a assemblagem da maquinaria
enzimática responsável pelos processos de splicing nos novos locais criados pela
mutação, forçando a sua ligação aos sítios canónicos (Dias e Stein 2002).
Um dos grandes desafios da aplicação terapêutica dos oligonucleótidos diz
respeito à rápida degradação in vivo dos oligonucleótidos não modificados por parte das
nucleases endógenas, e à dificuldade de penetração na membrana plasmática devido à
sua carga global. Assim, de modo a aumentar a resistência à degradação pelas
nucleases, a aumentar o tempo de semi-vida, e a aumentar a afinidade à sequência de
mRNA alvo, os oligonucleótidos têm sofrido modificações químicas, levando ao
aparecimento de três gerações de análogos de DNA (Kurreck 2003).
A primeira geração de oligonucleótidos modificados (figura 3) designa-se
fosforotioato (PS-ASO) e resulta da substituição de um dos átomos de oxigénio não
ligante constituinte do grupo fosfato do nucleótido por um átomo de enxofre. Esta
alteração leva a que estes oligonucleótidos não sejam tão facilmente degradados pelas
nucleases, porém demonstrou-se que apresenta menor afinidade para o mRNA alvo e

189
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

maior toxicidade celular devido ao estabelecimento de interacções não específicas com


proteínas intracelulares e de superfície (Kurreck 2003; Chan et al. 2006).
De forma a superar as desvantagens apresentadas pelos oligonucleótidos de
primeira geração, surgiram os oligonucleótidos de segunda geração (figura 3), cuja
alteração consiste na substituição do átomo de hidrogénio ligado ao carbono 2’ da
ribose por um grupo O-alquilo. Estes oligonucleótidos possuem uma maior afinidade de
ligação à sequência complementar de RNA e menor toxicidade celular. Contudo, devido
à incapacidade de induzir a clivagem do mRNA alvo através da acção da RNase H, a
eficácia/potência terapêutica antisense apresentada por esta geração de oligonucleótidos
é menor que a primeira geração. Em consequência foi desenvolvida a tecnologia
gapmer, na qual ao carbono 2’ da ribose é adicionado uma gap central, que consiste
numa pequena cadeia de DNA ou monómeros de DNA fosforotioatizados, cujos
nucleótidos das extremidades 5’ e 3’ estão modificados através da introdução de grupos
O-metil. Assim, nestes oligonucleótidos quiméricos a presença da gap central permite
que a RNase catalise a degradação do mRNA, enquanto a existência dos grupos alquilo
nas extremidades protege os oligonucleótidos da degradação por parte das nucleases
(Kurreck 2003; Dias e Stein 2002).
Por fim, os oligonucleótidos de terceira geração (figura 3) surgiram com o
objectivo de aumentar a afinidade de ligação ao mRNA alvo, a resistência à degradação
proteolítica por parte das nucleases, a bioestabilidade e a farmacocinética dos
oligonucleótidos, sendo sintetizados através de alterações químicas do anel furanose do
nucleótido (Chan et al. 2006).
O campo de aplicação da terapia antisense com recurso a oligonucleótidos é
muito vasto, tendo-se já comprovado in vivo a sua eficácia terapêutica no tratamento de
vários tipos de doenças como o cancro (nomeadamente na inibição de expressão de
genes que codificam para oncoproteínas e moléculas de sinalização), a asma (através da
diminuição dos níveis de mRNA que codificam para substâncias alergénicas que
estimulam as células produtoras de muco), e a Distrofia Muscular de Duchenne (através
da remoção específica do exão afectado, e da consequente alteração da mutação out-of-
frame para uma mutação in-frame, que permite a síntese da proteína distrofina com
actividade parcial e a diminuição da severidade da doença) (Kunze et al. 2010).

190
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Figura 3: Modificações químicas dos oligonucleótidos antisense (Chan


et al. 2006).

Também, através dos resultados obtidos por Coelho e colegas, a terapia


antisense parece representar o futuro terapêutico em determinados casos de
galactosémia clássica.
Estes autores tiveram como um dos principais objectivos observar se a aplicação
de oligonucleótidos antisense é capaz de corrigir o efeito da mutação c.820+13A>G
(IVS8+13A>G). Esta alteração intrónica representa a segunda mutação mais frequente
na população portuguesa, tendo sido classificada como causadora de galactosémia
clássica por estes investigadores no presente estudo. Através de análises ex vivo, os
autores descobriram que a ocorrência desta mutação causa a activação de um local
dador de splice latente (c.820+14_820+15), provocando a inclusão dos primeiros 13
nucleótidos do intrão 8 no mRNA maduro e a consequente ocorrência de processos de
splicing aberrantes do transcrito GALT.
Visto que o local dador de splice latente se situa próximo do local dador de
splice canónico, os autores construíram dois oligonucleótidos LNA (oligonucleótidos de
terceira geração) complementares ao local de splice latente e com capacidade de
bloquear estereoquimicamente o acesso do complexo spliceossoma a este local, com o
objectivo de determinar se a aplicação de terapia antisense é eficaz na restauração do
processo de splicing correcto. Para tal, transfectaram duas linhas celulares diferentes

191
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

(HeLa e COS-7) com minigenes wild-type e mutantes com oligonucleótidos LNA


presentes em quatro valores de concentração diferentes (0,25µM; 0,5µM; 0,75µM;
1µM). Os resultados obtidos revelaram que o uso de concentrações elevadas de
oligonucleótidos LNA (superior a 0,5µM) inibiu a ocorrência do processo de splicing
alternativo e permitiu a ocorrência do mecanismo de splicing original. Este artigo
representa, assim, a primeira descrição do uso de oligonucleótidos antisense como
agentes terapêuticos da galactosémia clássica, permitindo restabelecer o perfil do
splicing constitutivo e consequentemente inibir a produção de proteínas GALT
aberrantes (Coelho et al. 2015). Contudo, é importante referir que a terapia antisense é
altamente específica para o tipo de mutação, fazendo com que caso seja aprovada como
forma terapêutica nos indivíduos com galactosémia clássica, apenas será aplicável a
determinados doentes. Adicionalmente, ainda têm que ser realizados estudos para
optimizar o design dos oligonucleótidos, com o objectivo de aumentar a sua actividade
biológica, aumentar a eficácia de ligação à sequência alvo, e determinar a eficiência à
qual este tratamento corrige os defeitos de splicing, para que o uso de oligonucleótidos
antisense seja considerado uma estratégia terapêutica eficaz no tratamento de doenças
hereditárias do metabolismo, como a galactosémia clássica (Dias e Stein 2002; Beaulieu
et al. 2012; Chan et al. 2006).

3.2.MUTAÇÕES MISSENSE – CHAPERONES QUÍMICOS/FARMACOLÓGICOS

(ARGININA)
A galactosémia clássica é causada maioritariamente pela ocorrência de mutações
missense no gene GALT. Através da realização de estudos estruturais e funcionais
demonstrou-se que a ocorrência deste tipo de mutação é responsável pela síntese de
proteínas GALT misfolded, cujos perfis cinéticos, de susceptibilidade à degradação
proteolítica, de estabilidade conformacional, de ligação ao substrato, e de agregação,
estão alterados (McCorvie et al. 2013; Coelho et al. 2014).
A descoberta de que as mutações missense potenciam os processos de agregação
proteica em solução foi muito importante não só na evolução do conhecimento da
fisiopatologia da galactosémia clássica, pois provou-se que contribui para o
desequilíbrio da homeostase celular (aumentando, por exemplo o stress do retículo
endoplasmático associado à acumulação de proteínas unfolded no lúmen do retículo
endoplasmático) mas também no desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas
(De–Souza et al. 2014).

192
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

Visto que um dos mecanismos patogénicos envolvidos na galactosémia clássica


se baseia no aumento de propensão de agregação das proteínas misfolded, um exemplo
de uma nova abordagem terapêutica que tem surgido na literatura nos últimos anos é a
utilização de chaperones químicos/farmacológicos (McCorvie et al. 2013).
Chaperones químicos/farmacológicos são pequenas moléculas químicas ou
biológicas, com capacidade de estimular a proteostase celular, permitindo deste modo
restaurar o folding parcial, o correcto transporte das proteínas desde o local de síntese
até ao local de actuação, e assim a correcta função das proteínas variantes (Mu et al.
2008).
Um exemplo de chaperone químico que nos últimos anos está a ser alvo de
estudos com o objectivo de determinar o seu potencial terapêutico em várias doenças
hereditárias do metabolismo é a arginina. O primeiro caso descrito foi o de um doente
com défice no complexo da piruvato desidrogenase cujo fenótipo bioquímico e clínico
melhorava drasticamente após a toma da arginina (Silva et al. 2009). Posteriormente, no
ano de 2013, Berendse e colaboradores demonstraram que a suplementação com
arginina em fibroblastos provenientes de indivíduos com doença da biogénese do
peroxissoma com mutações nos genes PEX1, PEX6 e PEX12 é capaz de restaurar a
biogénese peroxissomal e melhorar a função metabólica dos peroxissomas, aumentando
a eficiência da β-oxidação do D3-C22:0 em D3-C16:0, suscitaram curiosidade no meio
cientifico acerca do potencial terapêutico da arginina no tratamento de doenças
metabólicas hereditárias (Berendse et al. 2013).
Deste modo, no ano de 2014, Coelho e colaboradores realizaram um estudo que
tinha como principais objectivos estudar os efeitos das principais mutações patogénicas
na função da enzima GALT e determinar se a administração de arginina tem capacidade
de restaurar a função de variantes mutantes da enzima GALT. Para tal, estes
investigadores desenvolveram um modelo procariótico sensível à galactose, o qual foi
depois transformado com vectores contendo sequências mutantes GALT, nomeadamente
p.S135L, p.G175D, p.P185S, p.Q188R, p.R231C, pR231H, p.K285N, e p.N314D. Após
tratamento das culturas transformadas com arginina, e na presença de galactose, os
autores observaram que houve replicação das colónias variantes p.Q188R, p.K285N, e
p.G175D, levando à conclusão de que a introdução da arginina inibiu a perda da função
da enzima GALT causada pela ocorrência das mutações e diminui a toxicidade da
galactose nas culturas mutantes, permitindo o seu crescimento em meios suplementados
com galactose. Contudo, as restantes variantes estudadas mostraram-se pouco sensíveis

193
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

ao efeito estabilizador da arginina já que as curvas de crescimento celular com e sem


adição de arginina não são significativamente diferentes.
No entanto, este estudo representa um passo muito importante na investigação
de novas estratégias terapêuticas para a galactosémia clássica pois demonstrou o enorme
potencial terapêutico da arginina, especialmente para a variante p.Q188R, que é a
mutação missense mais comumente associada à galactosémia clássica, representando
mais de 60% dos alelos mutantes GALT, e cujos efeitos clínicos e bioquímicos são
muito graves, causando baixa qualidade de vida a estes doentes. Adicionalmente, ao
contrário dos oligonucleótidos antisense dirigidos a mutações de splicing, a utilização
da arginina mostra-se aplicável a inúmeros doentes com galactosémia clássica com
mutações diferentes uma vez que não possui especificidade para uma única mutação.
Assim, tendo como base os resultados obtidos pelos investigadores anteriores, é
necessário a realização de mais estudos de modo a entender o mecanismo de acção da
arginina, e perceber a razão pela qual o efeito terapêutico apenas se observa em
determinadas mutações, o que conduzirá ao estudo de estratégias alternativas de forma a
aumentar o espectro de acção terapêutico deste aminoácido (Coelho et al. 2015).

3.3.INIBIDORES DA ENZIMA GALK


A utilização de inibidores da enzima GALK é outro exemplo de estratégia
terapêutica que tem sido alvo de estudos para o tratamento da galactosémia clássica.
A fisiopatologia desta doença, apesar de todos os estudos que têm sido
realizados nas últimas décadas, ainda não é um processo totalmente conhecido. Porém,
devido ao aumento do conhecimento acerca da caracterização molecular e bioquímica
da galactosémia clássica, sabe-se que a acumulação do metabolito galactose-1-fosfato é
responsável pelo aparecimento de complicações a longo prazo, apesar da realização de
uma dieta restrita em galactose. A ausência de acumulação deste metabolito e do
aparecimento de complicações a longo prazo característicos da galactosémia clássica em
indivíduos com galactosémia tipo II, a observação de crescimento em meios com
galactose de estirpes leveduriformes que não expressam as enzimas GALT e GALK e o
não crescimento em meios com galactose de estirpes leveduriformes que não expressam
apenas a enzima GALT, e a constatação, a partir de modelos procarióticos, de que a
deficiência na enzima GALT e não a deficiência na enzima GALK induz a ocorrência
de uma resposta celular ao stress ambiental, representam achados científicos que

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

indicam fortemente que a galactose-1-fosfato é o principal responsável pela toxicidade


da galactose em células deficientes na enzima GALT (Wierenga et al. 2008).
Deste modo, visto que ao nível das células a galactose-1-fosfato é o resultado da
conversão da α-D-galactose por parte da enzima galactocinase, o meio cientifico pensa
que a inibição farmacológica desta enzima poderá evitar o aparecimento de
complicações a longo prazo, através da inibição da acumulação do metabolito galactose-
1-fosfato (Odejinmi et al. 2011).
Vários estudos que visam investigar o potencial, a toxicidade, o índice de
selectividade e as interacções moleculares de compostos inibidores da enzima GALK
têm revelado resultados promissores. Tang e colaboradores demonstraram que a adição
de um composto inibidor da enzima GALK a fibroblastos primários de doentes com
galactosémia clássica causou diminuição dos níveis de galactose-1-fosfato, e que a
diminuição da acumulação deste metabolito provocou a expressão de níveis mais
reduzidos de uma proteína de resposta ao stress (Tang et al. 2012). Também estes
autores, num outro estudo em 2010, observaram que o tratamento de linhas celulares de
fibroblastos primários que não expressam a enzima GALT, com inibidores da enzima
GALK inibe a acumulação de níveis tóxicos de galactose-1-fosfato. Através de estudos
computacionais e cinéticos, estes autores demonstraram ainda um possível mecanismo
de acção. Segundo estes investigadores os inibidores estabelecem ligações por ponte de
hidrogénio com os átomos de hidrogénio dos grupos hidroxilo de resíduos localizados
próximo do local de ligação do ATP, nomeadamente o resíduo Serina 140, actuando
como inibidores competitivos do ATP. A ligação destes compostos à enzima GALK
impede, assim, a ligação das moléculas de ATP ao complexo enzimático, inibindo a
transferência do grupo fosfato para as moléculas de galactose, e a consequente formação
de galactose-1-fosfato. Contudo, a exposição prolongada aos inibidores da enzima
GALK mostrou-se tóxica para as células (Tang et al. 2010).
Assim, de forma a optimizar e tornar os inibidores da enzima GALK uma futura
estratégia terapêutica da galactosémia clássica é necessária a realização de estudos que
visem investigar in vivo a potência e eficácia destes compostos, o seu modo de inibição,
os perfis de selectividade e toxicidade, e o seu modo de interacção com a enzima GALK
ao nível estrutural (Tang et al. 2010).

195
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

3.4.UTILIZAÇÃO DE MOLÉCULAS QUE MIMETIZAM A ACÇÃO DA ENZIMA

SUPERÓXIDO DISMUTASE (SOD)

Outro exemplo de uma possível estratégia terapêutica que pode ser aplicada no
tratamento da galactosémia clássica é a utilização de pequenas moléculas,
nomeadamente MnTnBuOE-2-PyP5 +
e MnTE-2-PyP5 +, que actuam mimetizando a
acção da enzima superóxido dismutase, diminuindo o stress oxidativo celular através da
eliminação de espécies reactivas de oxigénio e azoto (Batinic-Haberle et al. 2012).
Apesar dos inúmeros estudos que são realizados e do enorme desenvolvimento
tecnológico que permitiu tornar métodos bioquímicos e moleculares mais sensíveis e
precisos, actualmente ainda existe uma grande lacuna acerca do conhecimento dos
processos constituintes da fisiopatologia da galactosémia clássica. Hoje em dia sabe-se
que a acumulação de compostos resultantes do metabolismo da galactose assume um
papel preponderante no aparecimento de complicações a longo prazo (Fridovich-Keil e
Walter 2008). Contudo, na última década, através da utilização de modelos
geneticamente modificados de Drosophila melanogaster novos factos têm sido
descobertos acerca da fisiopatologia da galactosémia clássica. Lucioni et al, estudando o
impacto de oxidantes e anti-oxidantes alimentares na sobrevivência e desenvolvimento
de Drosophila melanogaster que não expressa a enzima GALT, medindo a acumulação
de biomarcardores de stress oxidativo, e quantificando os níveis de expressão de genes
envolvidos na resposta ao stress oxidativo (GSTD6 e GSTE7), concluíram que um dos
mecanismos de toxicidade da galactose na ausência de síntese da enzima GALT é a
indução do estado de stress oxidativo. Estes investigadores observaram que na presença
de galactose e de compostos oxidantes, a taxa de sobrevivência de espécies larvares e
adultas mutantes de Drosophila melanogaster é significativamente menor à taxa de
sobrevivência de espécies larvares e adultas wild-type; na presença de galactose e
compostos oxidantes os níveis dos biomarcadores de stress oxidativo GSSG e CySS
aumentaram significativamente em ambos os genótipos; e na presença de galactose as
espécies mutantes apresentaram níveis de expressão dos genes GSTD6 e
GSTE7significativamente mais elevados que as espécies wild-type (Jumbo-Lucioni et al.
2013).
Tendo em conta as descobertas feitas no seu estudo anterior, Lucioni et al, no
ano 2014, propuseram e provaram que a síntese de compostos capazes de restabelecer a
homeostase redox celular poderá representar outra alternativa terapêutica para os
indivíduos com galactosémia clássica. Estes investigadores demonstraram que na

196
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

presença de galactose, a adição de MnTnBuOE-2-PyP5 +


e MnTE-2-PyP5 +
aumentou
em 30% a 50% a taxa de sobrevivência de estados larvares de Drosophila melanogaster
mutantes, e restaurou um defeito de movimento das espécies Drosophila melanogaster
adultas mutantes, que nestes organismos representa um exemplo de complicação a
longo prazo (Jumbo-Lucioni et al. 2014).
Estes compostos capazes de mimetizar a acção da enzima superóxido dismutase
são quimicamente classificados por metaloporfirinas, cuja constituição base é composta
por grupos porfíricos e por metais como o ferro e o manganês. Esta constituição
química confere a estes compostos propriedades únicas como moduladores do stress
oxidativo pois a presença de ligandos porfíricos confere estabilidade e assegura a
integridade do metal; a presença dos iões metálicos é responsável pelas propriedades
redox, através da sua capacidade de aceitação e doação de electrões; e a possibilidade de
realização de inúmeras alterações estruturais que permite sintetizar compostos mais
eficientes, com maior biodisponibilidade, e com menor toxicidade (Batinic-Haberle et
al. 2011).
As moléculas MnTnBuOE-2-PyP5 +
e MnTE-2-PyP5+ são metaloporfirinas
catiónicas constituídas por um centro metálico deficiente em electrões, responsável pela
afinidade e ligação às espécies reactivas de oxigénio e azoto, como são exemplos O2 ·−,
ONOO−, ONOOCO2−, CO3 ·−, ClO−, que são espécies carregadas negativamente.
Adicionalmente o seu carácter catiónico permite a sua acumulação no interior das
mitocôndrias, o que faz aumentar a sua eficiência catalítica de dismutação das espécies
reactivas de oxigénio e azoto, visto que este organito é um dos principais locais de
formação de compostos oxidantes (Batinic-Haberle et al. 2011).
O mecanismo de acção das metaloporfirinas ainda não está totalmente
esclarecido. Existem evidências que a eliminação de espécies reactivas de oxigénio e
azoto inibe a activação e expressão de factores de transcrição sensíveis a alterações no
estado redox celular, causando a diminuição da expressão de moléculas constituintes de
vias metabólicas envolvidas nos processos inflamatórios (Batinic-Haberle et al. 2012).
Por exemplo em estudos realizados em casos de cancro, demonstrou-se que o
tratamento de células malignas com metaloporfirinas exerce um efeito negativo na
expressão dos factores de transcrição HIF-1α e AP-1. No caso do factor de transcrição
HIF-1α, que é um factor pró-angiogénico (favorece o crescimento das células tumorais),
a diminuição dos níveis de espécies reactivas de oxigénio inibe a sua activação e
consequentemente a expressão de um dos principais factores angiogénicos, o VEGF,

197
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

contribuindo deste modo para a supressão do crescimento de tumores malignos.


Também no caso do factor de transcrição AP-1, o tratamento com metaloporfirinas
afecta a proliferação de células malignas pois inibe a activação deste factor, que é
responsável pela regulação de expressão de genes envolvidos nos processos de
sobrevivência, proliferação e morte celulares (Batinic-Haberle et al. 2012).
Actualmente ainda há muito por descobrir acerca do potencial das
metaloporfirinas no tratamento de patologias, e portanto é necessário o desenvolvimento
de pesquisas que visam descobrir o seu mecanismo de acção; no caso da galactosémia
clássica, a realização de ensaios clínicos em indivíduos doentes para concluir acerca da
sua eficácia terapêutica, uma vez que o potencial terapêutico apresentado nesta
monografia se refere a um modelo animal; e o desenvolvimento de estudos que visam
optimizar estes compostos, no sentido da formação de compostos que apresentem
menor toxicidade, maior lipofilia e maior eficiência redox capaz de modular o estado
oxidativo tanto de células saudáveis como de células alteradas (Batinic-Haberle et al.
2012; Jumbo-Lucioni et al. 2014; Batinic-Haberle et al. 2011).

198
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

4. CONCLUSÃO

Desde que, em 1908, von Reuss documentou o primeiro caso de


hipergalactosémia associado a um estado patológico num recém-nascido, a galactosémia
tem sido alvo de estudos que visam compreender as causas do seu aparecimento e a
fisiopatologia que está na base do aparecimento das complicações a longo prazo, e a
procura de alternativas terapêuticas que contribuam para o melhoramento da qualidade
de vida destes doentes.
Nos Estados Unidos da América, o início do ano de 1960 representou um marco
revolucionário no diagnóstico complementar, através da introdução de programas de
rastreio neonatal. Hoje em dia, através da colheita de sangue do recém-nascido nos
primeiros dias após o parto, e a posterior pesquisa de metabolitos que se encontram
alterados em situações patológicas, é possível realizar a detecção precoce de muitas
patologias e a administração atempada do tratamento adequado. No caso da
galactosémia clássica, embora a sensibilidade dos clínicos seja um factor determinante
para o diagnóstico precoce dos casos mais graves, a implementação dos programas de
rastreio neonatal foi muito importante porque veio contribuir para a diminuição da
mortalidade e morbilidade agudas da maioria dos casos desta doença. Assim sendo,
todos os recém-nascidos cujo resultado dos testes de rastreio neonatal for positivo,
iniciam de imediato a dieta restrita em galactose com o objectivo de evitar o
aparecimento de complicações a longo prazo. No entanto, estas complicações, que
incluem deficiências neurológicas, ósseas, e no caso das mulheres, disfunção ovárica
precoce, parecem ser independentes de um diagnóstico precoce e de uma adesão do
doente à terapia uma vez que se manifestam, geralmente, em todos os doentes, por
vezes de forma grave, especialmente em indivíduos homozigóticos.
Deste modo, nos últimos anos com vista a encontrar um tratamento definitivo
para a galactosémia clássica, têm surgido algumas alternativas terapêuticas à restrição
dietética, que apesar de se mostrarem eficazes, possuem ainda alguns obstáculos que
necessitam de ser ultrapassados.
A primeira nova abordagem terapêutica para a galactosémia clássica apresentada
na presente monografia refere-se à utilização de oligonucleótidos antisense, que ao
hibridarem por complementaridade de bases a uma sequência específica de RNA
conseguem inibir a expressão de molécula de mRNA ou corrigir processos de splicing
aberrantes. Nos últimos anos, a tecnologia antisense tem ganho muita atenção como

199
VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

agente terapêutico ou como ferramenta de estudo dos genes, tendo sido já aprovado pela
Food and Drug Administration a comercialização do primeiro oligonucleótido
antisense, o Vitravene, para o tratamento da retinite por citomegalovírus. Contudo, para
que o uso de oligonucleótidos antisense seja considerado uma estratégia terapêutica
eficaz no tratamento de doenças hereditárias do metabolismo, como a galactosémia
clássica, é necessário realizar estudos que visam optimizar o seu design de modo a
aumentar a sua eficiência terapêutica e especificidade, e diminuir os seus efeitos
tóxicos. Uma possível estratégia que está a ser investigada para diminuir a sua
toxicidade, e que parece promissora, é a construção e utilização de nanopartículas, que
contêm no seu interior o fármaco, e que permitem o transporte mais eficiente e
direccionado dos oligonucleótidos até às células alvo, e o aumento do seu tempo de
exposição.
Outro exemplo de alternativa terapêutica para a galactosémia clássica que foi
aqui descrito foi o uso de chaperones químicos/farmacológicos, como é exemplo a
arginina, capazes de prevenir a formação de agregados proteicos. Os agregados
proteicos resultam de erros de função dos complexos moleculares responsáveis pelo
controlo de qualidade do processo de folding das proteínas, estando na base do
aparecimento de inúmeras patologias neurodegenerativas como são exemplos a doença
de Alzheimer, a doença de Parkinson, a diabetes tipo II e a encefalopatia espongiforme
bovina. Também na galactosémia clássica existem evidências de que a agregação de
proteínas misfolfded, resultantes essencialmente de mutações missense, está envolvida
na sua fisiopatologia. Como tal, pensa-se que uma das estratégias terapêuticas passará
pela utilização de chaperones químicos/farmacológicos que, ao contrário da terapia
antisense, apresenta a vantagem de não ser específica para uma determinada mutação
podendo ser eficaz terapeuticamente num maior número de casos.
A administração de inibidores da enzima GALK também tem sido estudada
como uma nova alternativa terapêutica para a galactosémia clássica. A sua acção visa
inibir a formação de galactose-1-fosfato catalisada pela enzima galactocinase, um dos
principais compostos resultantes do metabolismo da galactose associado ao
aparecimento das complicações a longo prazo. Até agora, os resultados dos estudos que
investigam o potencial terapêutico dos inibidores da enzima GALK parecem
promissores, demonstrando que a inibição farmacológica da enzima galactocinase
juntamente com a realização da restrição dietética é eficaz na redução da acumulação de
níveis tóxicos de galactose-1-fosfato em células provenientes de doentes com

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VIII Mestrado em Análises Clínicas Helena Lima

galactosémia clássica. No entanto, é importante a construção de modelos animais com


deficiência na enzima GALT de modo a averiguar in vivo a eficácia terapêutica e
toxicidade destes compostos para que possam representar o futuro terapêutico para os
doentes galactosémicos.
Por fim, a utilização de moléculas que mimetizam a acção da enzima superóxido
dismutase (SOD) constitui outro exemplo de uma possível alternativa terapêutica para a
galactosémia clássica. Estes compostos, denominados metaloporfirinas, têm como acção
restabelecer a homeostase redox celular através da inibição de expressão de moléculas
constituintes de vias de sinalização activadas em resposta a uma alteração do estado
redox da célula, e cujo produto final é a estimulação de respostas fisiológicas que
causam o aparecimento de condições patológicas.
Em conclusão, a galactosémia clássica apesar de resultar de mutações num único
gene continua a representar um enorme desafio tanto para a comunidade médica como
para a comunidade científica, em parte devido à elevada heterogeneidade alélica e à
enorme complexidade fisiopatológica. Acredita-se que a descoberta e o entendimento
dos mecanismos moleculares que estão na base da sua fisiopatologia levará ao
desenvolvimento de terapias mais eficazes, capazes de dar aos doentes galactosémicos
uma melhor qualidade de vida. Por esta razão é importante investir na realização de
projectos de investigação que visam responder a todas as questões que permanecem sem
resposta acerca do universo da galactosémia clássica, pois tal como Marie Skłodowska-
Curie disse Nothing in life is to be feared, it is only to be understood. (“Nada na vida é
para ser temido, é só para ser entendido”).

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