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APADRINHAMENTO CIVIL

1. Conceito e origens do instituto


O apadrinhamento civil surge da necessidade de desinstitucionalizar crianças e jovens face à
constatação de permanências demasiado prolongadas em instituições por parte das crianças
em Portugal. Falamos de casos de crianças ou jovens que não reúnem as condições para se
tornarem adotáveis ou, reunindo-as, nunca o venham a ser efetivamente. Esta figura está
consagrada na Lei n.º 103/2009, de 11 de Setembro, alterada pela Lei n.º 141/2015, de 8
de setembro.

Falamos de um instituto jurídico que está intrinsecamente associado ao professor Dr.


Guilherme de Oliveira pois o anteprojeto de Lei que viria dar origem ao regime foi iniciativa
do Observatório Permanente da Adoção, um grupo de investigação do Centro de Direito da
Família da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e que era, precisamente,
dirigido pelo professor Dr. Guilherme Oliveira, sendo este considerado o verdadeiro
“padrinho” do Apadrinhamento Civil em Portugal.

Segundo o artigo 2º da Lei do Apadrinhamento Civil, o apadrinhamento civil é uma relação


jurídica, tendencialmente de carácter permanente, entre uma criança ou jovem e uma
pessoa singular ou uma família que exerça os poderes e deveres próprios dos pais e que com
ele estabeleçam vínculos afetivos que permitam o seu bem-estar e desenvolvimento.

É importante referir que, à época do seu surgimento vigorava, no ordenamento jurídico


português, um sistema de adoção que distinguia a adoção plena da adoção restrita. A
adoção plena implicava a inserção tendencialmente exclusiva do adotado no seio familiar do
adotante, extinguindo-se as relações jurídico-familiares com os seus pais biológicos, já a
adoção restrita implicava a manutenção das relações familiares do adotado com a sua
família biológica, conferindo-se, essencialmente, ao adotante o exercício de
responsabilidades parentais. Este instituto acabaria por ser extinto em 2015 essencialmente
pela fraca representatividade estatística e, tal como indicado na exposição de motivos,
porque podia ser substituído pela figura do Apadrinhamento Civil.

Outra figura jurídica com caraterísticas semelhantes é a figura da tutela que, por sua vez, é
uma forma de suprir a incapacidade do menor, funcionando nos casos em que as
responsabilidades parentais não podem, em absoluto, ser exercidas pelos progenitores e
não tiver sido constituído um vínculo de apadrinhamento civil. No entanto, não temos neste
instituto a presença de uma dimensão afetiva que se deseja para o Apadrinhamento Civil e,
ao contrário deste, não tem um caráter tendencialmente permanente, uma vez que cessa
com a maioridade.

O Apadrinhamento Civil surgiria assim de forma a fazer face aos pressupostos demasiado
exigentes da adoção restrita, situando-se num patamar entre esta e a tutela, criando-se uma
relação jurídica nova no direito português.

2. Natureza do instituto

A natureza deste instituto jurídico tem sido alvo de várias discussões na nossa doutrina. A lei
é omissa quanto à apresentação de uma noção de relação jurídica familiar, sendo que
apenas nos fornece aquelas que são consideradas fontes de relações familiares (cf. artigo
1576º do CC) - o casamento, o parentesco, a afinidade e a adoção. A Proposta de Lei
desenhava já o apadrinhamento civil enquanto uma relação parafamiliar, que não pretendia
ascender a um vínculo semelhante ao da filiação e cujos laços com a família biológica não se
cortariam.

Maria Margarida Silva Pereira pronunciou-se também já sobre este instituto, defendendo
não se estar no domínio das relações familiares pelo facto de o padrinho civil poder sempre,
no seu interesse, e só de acordo com ele, pôr fim ao apadrinhamento, nos termos do artigo
25.º da LAC. Refere ainda a autora que o papel do padrinho não se pode equiparar ao de
relação familiar pois admitir que assim fosse seria dizer que a família afinal pode ser
circunstancial e isentar-se das suas funções para com as crianças em razão de vários
fundamentos.

Jorge Duarte Pinheiro, por outro lado, considera que o apadrinhamento civil não é apenas
mais uma relação familiar, mas sim uma nova relação familiar inominada, a par das
nominadas. É seguido por Rui do Carmo que também considera que o apadrinhamento civil
faz parte das relações familiares pois depende de uma intervenção estatal para a sua
constituição e revogação, a sua duração ultrapassa o período de menoridade do afilhado e o
seu objetivo é o da integração familiar do afilhado junto dos padrinhos.

3. O Apadrinhamento Civil no Direito Comparado


3.1. No Direito Inglês temos a figura de “Special Guardianship” (na qual se inspirou o
apadrinhamento civil português), a vigorar desde 2005. Tem como semelhanças com
o instituto português o facto de: a) os padrinhos atuam na vida da criança enquanto
protetores dos interesses pessoais e patrimoniais; b) nos dois casos, é atribuído o
exercício das responsabilidades parentais de forma mitigada entre a família natural e
o padrinho/guardian; c) está também prevista a possibilidade de revogação; d) está
em causa o estabelecimento de uma ligação afetiva. Quanto às principais diferenças,
verifica-se que: a) ao contrário do apadrinhamento civil o special guardianship não
tem necessariamente um carater permanente, b) A special guardianship exige uma
prévia situação de guarda efetiva dos menores pelo futuro padrinho civil.

3.2. Já no Brasil existe um regime mais informal, chamado “Apadrinhamento Afetivo”, que
consiste num programa social onde há cooperação com alimentação, vestuário,
educação e saúde por parte de voluntários em parceria com algumas instituições de
acolhimento de forma a proporcionar a crianças institucionalizadas um ambiente mais
próximo ao ambiente familiar. Diz-se afetiva porque acima de tudo a guarda continua
sempre a pertencer à instituição de acolhimento, apesar de ser expectável que a
criança possa participar na vida familiar do padrinho (em férias escolares, ocasiões
especiais, entre outras)

4. Capacidade Ativa e Passiva

O principal requisito geral para se ser padrinho está previsto no artigo 4º da LAC:

 Idade mínima de 25 anos (aos quais se acrescenta, por dedução, o critério da


idoneidade e o critério da autonomia de vida);

Quanto aos requisitos gerais para se ser afilhado, estes estão previstos no artigo 5º LAC:

 Apresentar reais vantagens para a criança ou jovem;


 Não se verifiquem os pressupostos da confiança com vista à adoção;
 Ser menor de 18 anos1

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Quanto ao requisito da idade, Guilherme de Oliveira considera que ainda que o menor se
emancipe pelo casamento por via do artigo 1649º do código civil, se, em algum caso, o
Apadrinhamento Civil apresentar reais vantagens para o jovem, não se veem razões para
excluir a sua aplicação.
Torna-se interessante sublinhar aqui que, para além do requisito da idade máxima, foi
inicialmente ponderada uma idade mínima para o afilhado, de modo a que se encaminhassem
as crianças mais novas para o instituto jurídico da adoção, no entanto este aspeto acabou por
não ser transposto para a versão final da lei.

Já quanto aos requisitos específicos para os afilhados verificam-se os seguintes:

a) Que esteja a beneficiar de uma medida de acolhimento em instituição;


b) Que esteja a beneficiar de outra medida de promoção e proteção;
c) Que se encontre numa situação de perigo confirmada em processo de uma comissão de
proteção de crianças e jovens ou em processo judicial;
d) Que seja encaminhada para o apadrinhamento civil por iniciativa das pessoas ou das
entidades referidas no artigo 10.º

O regime legal prevê ainda a proibição de constituição de outro apadrinhamento quanto ao


mesmo afilhado, exceto se os padrinhos viverem em família. Aqui, tem a doutrina entendido
que, podemos estar a falar tanto de casos de pessoas singulares, de casais, de casais e os seus
filhos, ou ainda, conforme alguns autores defendem, de uma relação familiar constituída por
dois irmãos.

5. Legitimidade para a iniciativa do Apadrinhamento Civil


A legitimidade para a iniciativa encontra-se prevista no artigo 10º da LAC e pode partir:
a) Do Ministério Público;
b) De uma comissão de proteção de crianças e jovens;
c) Do organismo competente da segurança social ou de instituição por esta habilitada;
d) Dos pais, representante legal da criança ou do jovem ou pessoa que tenha a sua guarda
de facto;
e) Da criança ou do jovem maior de 12 anos (representado por patrono)
f) Ser constituído oficiosamente pelo Tribunal.

6. Habilitação e designação
A habilitação “consiste na certificação de que a pessoa singular ou os membros da família que
pretendem apadrinhar uma criança ou jovem possuem idoneidade e autonomia de vida que
lhes permitam assumir as responsabilidades próprias do vínculo de apadrinhamento civil.” (Art.
12º da LAC)

Trata-se de uma primeira fase da constituição do vínculo de apadrinhamento civil e que cabe
ao organismo competente da segurança social ou a instituições que tenham celebrado acordos
com aquele organismo.

Já a designação é o ato de escolha do padrinho de entre pessoas ou famílias habilitadas,


constantes de uma lista regional do organismo competente da segurança social (nos casos de
candidatura espontânea). A designação pode também ocorrer por iniciativa dos pais, do
representante legal da criança ou do jovem, ou da pessoa que tenha a sua guarda de facto, ou
ainda da criança, aquele ou aqueles por estes designados, só se tornando efetiva após a
respetiva habilitação.

A doutrina tem elogiado bastante esta circunscrição regional da escolha do padrinho, pois um
dos pressupostos principais deste regime é que não se cortem laços entre a criança e os seus
pais.

Note-se ainda que a escolha dos padrinhos é feita com respeito pelo princípio da audição
obrigatória e da participação no processo da criança ou do jovem e dos pais.

O Instituto de Segurança Social, IP (ISS, I.P.) elaborou um manual de procedimentos, divulgado


por todas as equipas dos centros distritais do ISS, IP com definição de critérios para a
apreciação da situação de “apadrinhabilidade”, que vão desde:

a) personalidade e maturidade do candidato;


b) capacidade de dar resposta às necessidades da criança
c) condições habitacionais e de higiene;
d) Não existência de problemas de saúde limitadores por parte do candidato a Padrinho
Civil;
e) Disponibilidade para cooperar com os serviços do Instituto de Segurança Social e com
os pais biológicos;
f) Possuir um registo criminal compatível e não se encontrar inibido ou limitado de
responsabilidades por violação do artigo 1918.º do CC

7. Constituição da relação de apadrinhamento civil


O artigo 13º da LAC prevê duas formas de constituição deste vínculo. Por um lado, por decisão
judicial e, por outro, através de compromisso de apadrinhamento civil homologado pelo
tribunal.

O apadrinhamento civil pode constituir-se em qualquer altura de um processo de promoção e


proteção ou de um processo tutelar cível e, quando tiver lugar após a aplicação de uma
medida de promoção e proteção ou após uma decisão judicial sobre responsabilidades
parentais com que se mostre incompatível, determina necessariamente a sua cessação.

8. Compromisso de apadrinhamento e apoio ao apadrinhamento civil


O artigo 16º da LAC define os requisitos essenciais a constar do compromisso, a saber:
a) A identificação da criança ou do jovem;
b) A identificação dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto;
c) A identificação dos padrinhos;
d) As eventuais limitações ao exercício, pelos padrinhos, das responsabilidades parentais;
e) O regime das visitas dos pais ou de outras pessoas, familiares ou não, cujo contacto com a
criança ou jovem deva ser preservado;
f) O montante dos alimentos devidos pelos pais, se for o caso;
g) As informações a prestar pelos padrinhos ou pelos pais, representante legal ou pessoa
que tinha a sua guarda de facto, à entidade encarregada do apoio do vínculo de
apadrinhamento civil.

O regime prevê ainda um apoio ao apadrinhamento, que tem com objetivo criar ou intensificar
as condições necessárias para o sucesso da relação de apadrinhamento e avaliar o êxito do
vínculo estabelecido. Trata-se de um mecanismo da competência das comissões de proteção
de crianças e jovens ou da delegação competente da segurança social, consoante onde tenha
sido celebrado o compromisso de apadrinhamento.

Este apoio termina quando a entidade responsável concluir que a integração familiar normal
do afilhado se verificou, ou passados 18 meses da constituição do vínculo.
Efeitos principais:

 Exercício de responsabilidades parentais pelos padrinhos/madrinhas (art.


1878.º CC)

Os afilhados, passam a viver com os padrinhos que têm de velar pela sua segurança, saúde,
prover o sustento, dirigir a educação, representar e administrar os bens. Por outro lado, os
afilhados, devem obediência, embora devam ter em conta a sua opinião e reconhecer-lhe uma
progressiva autonomia.

Podem existir restrições nos termos do art. 7 n.º 1 LAC – no compromisso de apadrinhamento
civil ou decisão judicial –, tendo em vista assegurar os direitos dos pais do menor ou mesmo
deste.

Há ainda limitações decorrentes da lei que equiparam o padrinho ao tutor ao determinar que,
certos atos, ficam dependentes de autorização do Ministério Público - art. 7.º e 8.º LAC.

QUESTÃO: E em caso de separação dos padrinhos? Tem vindo a entender-se, nomeadamente


CRISTINA ARAÚJO DIAS, GUILHERME OLIVEIRA E MARGARIDA SILVA PEREIRA, que deve ser
feita a regulação das responsabilidades parentais no caso dos padrinhos deixarem de viver em
comum, tal como previsto no art. 43.º RGPTC.

 Direitos dos pais:

Um dos aspetos principais é que, no apadrinhamento civil, não se quebram os laços com a
família natural pelo que são previstos na LAC vários direitos dos pais. Apenas podem ser
afetados o direito de contactar e visitar o filho caso esteja em causa a segurança ou saúde
física ou psíquica da criança.

Há um dever de cooperação e respeito mútuo entre os pais e os padrinhos e também quanto a


outras pessoas relevantes para as crianças, sendo certo que, após o apadrinhamento civil, caso
a relação entre os padrinhos e os pais se deteriore a tal ponto que seja prejudicial para o
interesse da criança, pode ser requerido que sejam limitados os contactos com os pais ou
mesmo revogado o apadrinhamento.
Não fará sentido aumentar em demasia os direitos dos pais de tal forma que as restrições
sejam tais que acabem por tornar os padrinhos quase como uma figura acessória e cheguem
mesmo a ser considerados dispensáveis.

Os direitos que constam no art. 8.º LAC podem ser reconhecidos a qualquer pessoa relevante
para a criança – avós, tios, etc..

 Ausência de efeitos sucessórios

 Obrigação de prestação de alimentos a título subsidiário – art. 21.º LAC

Os padrinhos são equiparados a ascendentes em 1º grau mas respondem, para efeitos de


dever de prestação de alimentos, a título subsidiário cfr. refere GUILHERME DE OLIVEIRA, ou
seja, apenas quando os pais não puderem cumprir.

Esta opção legislativa prende-se com o facto de, mesmo quanto os pais estiverem inibidos das
responsabilidades parentais, serem obrigados a prestar alimentos – art. 1917.º CC.

Por outro lado, os afilhados também respondem, subsidiariamente, relativamente aos filhos
dos padrinhos.

 Benefícios recíprocos:

A lei equiparou padrinhos/madrinhas e afilhados a pais e filhos – ex: art. 23.º LAC - regime de
faltas, de assistência na doença, etc.

Foi discutida a questão de saber se os padrinhos deviam receber algum subsídio específico (no
acolhimento recebem, sendo que acabou por não se atribuir porque há uma ideia de
voluntariedade e altruísmo e essencialmente porque o enfoque maior é o bem-estar da
criança e podia até haver conflito com o direito/dever a alimentos; provavelmente também
por questões governamentais e de gestão de fundos)

 Impedimento ao casamento:
Absolutos (Da pessoa que casa com qualquer outra
pessoa). Ex.: menor de 16 anos
Dirimentes
Relativos (Da pessoa que casa com aquela em específico
Impedimentos com quem quer casar). Ex.: parentesco na linha
Impedientes reta
(Suscetíveis de dispensa). Ex.:
maior de 16 e menor de 18.

Segundo a LAC, o apadrinhamento civil é um impedimento impediente – art. 22.º -, ou seja, é


suscetível de dispensa nos casos em que se admita que haja motivos sérios que justifiquem a
celebração do casamento.

Por outro lado, caso tenha sido realizado sem a dispensa, não determina a sua invalidade mas
apenas tem efeitos sobre a capacidade de receber benefícios ou doações por parte do outro
cônjuge durante o casamento.

No entanto, analisado o regime dos impedimentos matrimoniais – art. 1602.º CC – verificamos


que o exercício de responsabilidades parentais anterior consubstancia um impedimento
matrimonial dirimente e, por isso, como defende MARGARIDA SILVA PEREIRA, há uma
incompatibilidade insanável entre os regimes, que apenas pode ser resolvida aplicando uma
interpretação ab-rogante do art. 22.º.

Modificação do vínculo?

É admissível? Com acordo?

Crítica: GUILHERME DE OLIVEIRA entende que devia ter sido prevista a possibilidade de
revisão, à semelhança do que acontecia com a adoção restrita, sendo certo que, de alguma
forma, se pode ultrapassar esta questão ao considerar que há vários fundamentos que
permitem a revogação e consequente extinção do vínculo. Contudo, a eficácia tem efeitos
temporais diversos (na revogação é ex nunc e na revisão é ex tunc).

Extinção do vínculo – art. 25.º LAC

O vínculo do apadrinhamento civil é, em princípio, permanente mas os vários direitos e


deveres que o compõe cessam nos termos gerais ou de acordo com o que for homologado no
compromisso de apadrinhamento civil: as responsabilidades parentais cessam com a
maioridade; o dever de alimentos com a maioridade ou enquanto durar a formação
profissional. Verifica-se aqui também distinção face ao regime da tutela, em que esta cessa por
ser atingida a maioridade ou emancipação – art. 1961.º CC.

Não obstante, embora seja tendencialmente permanente, pode vir a terminar por revogação
judicial – art. 25.º LAC, sendo que, antes de operar esta revogação pode ser determinado que
os serviços de mediação intervenham, sendo que a concretização (da revogação e da
constituição do apadrinhamento civil) está sujeita a registo obrigatório e não pode ser
invocado antes de concretizado esse registo.

GUILHERME DE OLIVEIRA agrupa os fundamentos de revogação em dois grandes grupos:


aqueles em que há acordo (de todos os intervenientes, ou entre o afilhado maior e o padrinho)
e aqueles em que o apadrinhamento deixa de satisfazer os interesses da criança porque os
padrinhos não cumprem as suas obrigações ou as crianças não cumprem as suas,
reiteradamente.

O certo é que, ao contrário da adoção, não é irrevogável (a adoção foi na tentativa de criar um
laço semelhante ao da filiação biológica) e se assim fosse, talvez pudesse haver mais
investimento afetivo na relação. Por outro lado, para garantir a proteção da infância, não pode
ser permitia a revogação sem qualquer pretexto e num regime livre.

QUESTÃO: O que fazer quando apenas um dos padrinhos violou os deveres? A revogação deve
dar-se relativamente a ambos ainda que isso prejudique aquele que cumpriu diligentemente
ou apenas diz respeito ao padrinho que violou os deveres e pode levar à situação de apenas
um dos padrinhos ter o exercício das responsabilidades parentais embora vivam em conjunto?

No caso de extinção do apadrinhamento civil por motivos não imputáveis aos padrinhos, a lei
consagra direitos específicos quanto aos padrinhos – art. 26.º LAC – para assegurar as
expectativas que foram criadas que podem cessar caso o seu exercício se torne contrário aos
interesses da criança.

RELATÓRIO CASA 2021, que trata essencialmente do tratamento estatístico quanto ao


acolhimento familiar:
- em 2021, 93% das crianças tiveram o seu projeto de promoção e proteção definido sendo
que destas, apenas a 0.6% foi aplicado o apadrinhamento civil sendo mais expressivo na faixa
etária 0-11.

- os casos de apadrinhamento civil como motivo de término da cessação do acolhimento


familiar, corresponderam a 0,1% dos casos (de cessação do acolhimento), ou seja, 3 casos em
2020 e 3 casos em 2021 dos 2.214 que cessaram acolhimento em 2021;

- o apadrinhamento civil ocorre, regra geral, após medida de promoção e proteção de


confiança a pessoa idónea;

CONCLUSÕES:

Possíveis causas para a ineficácia do apadrinhamento civil:

1) Desconhecimento da figura quer por parte do público em geral quer dos próprios
institutos envolvidos – segurança social -;
2) Desinteresse pelos possíveis padrinhos motivado pela possível 2.ª causa - relação que
se mantém com os pais biológicos do afilhado;
3) Relação entre os padrinhos e os pais biológicos e o dever de cooperação entre ambos
nomeadamente o direito de visita que deve ser entendido como um direito de tutela
da criança;
4) Falta de apoio financeiro (no acolhimento familiar há, na adoção não);

BREVE ANÁLISE DO ACÓRDÃO:

- poucos acórdãos e apenas um com conteúdo e alguma fundamentação e não meras


referências a esta figura do apadrinhamento civil.;

- AC. Relação de Lisboa, de 27-11-2012, relator ROQUE RODRIGUES, PJ 5557/10.5TBCSC.L1-7:


Duas menores que foram acolhidas em que uma delas foi abusada sexualmente pelo pai,
tendo vindo a ser, ambas, acolhidas residencialmente.

Decisão da 1.ª instância:


 Quanto à menina que foi abusada, entendeu-se que à mesma devia ser aplicada a
medida de apadrinhamento civil, mantendo-se as visitas da mãe (e outros familiares) –
mãe numa primeira fase não acreditava na possibilidade de abusos sexuais relatados e
até culpava a menor, tendo vindo a pedir desculpa e visitado frequentemente na
instituição;
 Quanto à menina que não foi abusada, a medida de promoção aplicada foi a de apoio
junto da mãe, durante 1 ano, porque quanto a esta, não se verificou que a mãe não
tenha sido capaz de cuidar e proteger.

Recurso:

 MP entendeu que devia ser aplicada medida de confiança com vista à adoção quanto a
ambas as menores;

Acórdão:

 Entende que não se verificam os pressupostos para a adoção e que não estavam
irremediavelmente comprometidos os vínculos com a mãe (embora com o pai, admita
que sim) – quanto à menina vítima de abusos sexuais, que acabou também por referir
que não queria afastar-se e deixar de ter contactos com a mãe;
 Considera, por isso, que é de manter a sentença recorrida na parte em que determina
a aplicação da medida tutelar cível de apadrinhamento civil;
 Entende que a medida de apoio junto da mãe, por 1 ano, também não salvaguarda os
interesses da menor que não foi abusada, por não ser exequível mantê-la sem
contacto com o pai que vive na mesma casa, sendo que a mãe sempre se ausentaria
(trabalhava por turnos) e ela teria que ficar com o pai;
 Tribunal revoga a medida quanto à criança não abusada, “aproveitando-se” do prazo
que faltava para terminar a prorrogação da medida de acolhimento familiar, sugerindo
que, no período de tempo restante, fosse aferida da situação atual do relacionamento
e condições dos pais para, após, se aplicar uma medida de promoção e proteção
consentânea com a proteção desta criança.

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