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Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.4 no.1 São Paulo jun. 2002
ARTIGOS
O presente artigo tem por objetivo descrever as principais alterações cognitivas encontradas na
depressão, bem como as suas correlações com estudos de neuroimagem. Não está claro, no
entanto, se as alterações seriam relacionadas a disfunções no funcionamento cerebral ou se
seriam um epifenômeno da alteração de humor ou das ruminações depressivas. Nesta revisão,
objetiva-se, também, ressaltar a importância da avaliação neuropsicológica em idosos para
favorecer o diagnóstico diferencial entre processos demenciais e a pseudodemência
depressiva, assim como descrever fatores que podem predizer deficits cognitivos em
deprimidos como a presença de traços psicóticos.
ABSTRACT
The aim of the present paper is to describe the main cognitive impairment found in the
depression, as well as its correlations with neuroimage studies. It is not clear, however, if the
impairment would be related to disturbed cerebral functioning or to an epiphenomenon of
disordered mood or depressive rumination. This review will emphasize the importance of
neuropsychological assessment in the elderly in order to improve the differential diagnosis
between dementia and pseudodementia, as well as to describe factors that can predict cognitive
impairment in depression, as for example, psychotic features.
A neuropsicologia vem-se desenvolvendo cada vez mais nos Estados Unidos e começou a se
desenvolver recentemente no Brasil. Tem por objetivo, o estudo das relações entre o cérebro e
o comportamento e conta com várias áreas de atuação e de investigação. Esta área da
psicologia utiliza baterias de testes específicos para a avaliação de cada função cognitiva, além
da anamnese e da avaliação clínica. A neuropsicologia, aliada à medicina e à tecnologia
médica, pode ajudar o paciente deprimido, à medida que identifica áreas cognitivas que
estejam comprometidas.
Alterações cognitivas
A depressão é uma síndrome que pode cursar com alterações cognitivas. Investigações
clínicas têm explorado a função neuropsicológica de pacientes deprimidos há pelo menos duas
décadas. No entanto, pouco se sabe sobre a especificidade dos distúrbios cognitivos nesses
quadros. A dificuldade observada no desempenho cognitivo de pessoas com depressão é
também critério para o diagnóstico de quadros em que lesões ou disfunções cerebrais estejam
em jogo. Desta forma, é importante reconhecer o perfil cognitivo tanto quantitativo quanto
qualitativo da depressão e tentar traçar a partir daí a sua neuroanatomia funcional e reconhecer
seus subtipos (unipolar, bipolar, primária ou secundária).
A atenção é uma das principais funções da cognição estudadas nos processos depressivos,
talvez pela facilidade com que é avaliada sua alteração que pode ser observada mesmo ao
exame clínico superficial. Outro fator fundamental para o desempenho do paciente com
depressão é o seu nível de motivação, fator psicológico que interfere sobremaneira no
funcionamento cognitivo e comportamental desses indivíduos (Laks et al, 1999).
Depressão no idoso
Estudos prévios com grandes amostras de idosos (Forsell, Fratiglioni, Grut e Winblad, 1993)
indicaram que os sintomas de depressão podem dividir-se em duas categorias:
Existem algumas evidências que sugerem que os sintomas motivacionais descritos acima
estariam mais relacionados ao desempenho do funcionamento cognitivo de idosos revelados
pelos testes neuropsicólogicos do que os sintomas de humor (Backman, Hill e Forsell, 1996).
Uma possível razão para isso é que os sintomas motivacionais afetam a habilidade de atenção.
Um fator que pode predizer deficits cognitivos em deprimidos é a presença de traços psicóticos.
Indivíduos deprimidos com traços psicóticos têm distúrbio significativo na forma e conteúdo do
pensamento e são propensos a se distraírem com seu próprio estado interno. Dessa forma,
parece que algumas características podem potencialmente comprometer o desempenho do
paciente na avaliação neuropsicológica. Além do mais, indivíduos deprimidos com traços
psicóticos tendem a apresentar os sintomas da depressão de maneira mais grave do que os
indivíduos deprimidos sem traços psicóticos (Corley, 1996, citado por Basso 1999). Portanto,
como a disfunção na memória está positivamante associada ao Transtorno de Humor grave
(Bornstein, 1991 citado por Basso 1999), indivíduos psicóticos deprimidos podem mostrar de
forma mais acentuada comprometimento da memória e outros deficits cognitivos.
Neuroimagem
A ressonância magnética não oferece informações muito específicas para correlação entre
neuroimagem e o quadro depressivo porque, de 16 estudos realizados com essa técnica, 8
elaboraram hipóteses e compararam com grupo controle quanto à hipersensibilidade de sinal
na substância branca, 5 examinaram bipolares e 5 estudaram depressivos idosos sem
especificação de bipolaridade ou unipolaridade (Doughert e Rauch, 1997). As principais regiões
onde se encontraram as alterações são a substância branca subcortical, periventricular e
frontal e o núcleo caudado, especificamente em bipolares e idosos unipolares. Esses dados
dão reforço à idéia de que a depressão seja um processo subcortical, ao menos em algumas
de sua formas de apresentação (Brumback, 1993).
As estruturas límbicas também não apresentam alterações com tomografia por emissão de
fóton único (SPECT) ou tomografia por emissão de pósitron (PET), embora um trabalho de
Drevets e colaboradores em 1992 tenha encontrado aumento no fluxo sanguíneo no
hipocampo e amígdala direita em pacientes unipolares puros não medicados. Essa exceção
aos achados negativos na maioria dos estudos pode indicar a necessidade de refinamento da
seleção para que os resultados positivos sejam encontrados, definindo assim subtipos de
disfunção em que a explicação dos transtornos e disfunções seja correlacionada aos
respectivos circuitos. Seguindo essa linha de raciocínio, o giro do cíngulo tem recebido atenção
especial devido às suas complexas e ricas aferências e eferências representando
possivelmente diferentes sistemas neurais do ponto de vista funcional (Elbert e Edmeier, 1996).
A porção anterior do córtex cingulado tem papel fundamental nas funções motoras e
emocionais, enquanto a região posterior está envolvida com funções visuoespaciais e de
memória com pouca influência sobre o afeto. As alterações de comportamento mais descritas
em animais após lesões no giro do cíngulo anterior incluem agressividade diminuída, menos
timidez, medo do ser humano, empobrecimento emocional, diminuição da motivação,
impaciência e comportamento social inapropriado com seres da mesma espécie. Um estudo de
uma mulher em momentos de tristeza e alegria mostrou elevação do fluxo sanguíneo no córtex
cingulado anterior sendo que o estado de alegria era inversamente proporcional ao fluxo
sanguíneo da amígdala. Na tristeza, o aumento do fluxo na amígdala era diretamente
proporcional ao estado (George et al, 1997).
Embora seja necessário ter a devida cautela na correlação desses achados em pessoa normal
com os dados encontrados em pacientes deprimidos, uma possível explicação para o aumento
do metabolismo na tristeza pode residir na avaliação do tempo em que a investigação é feita.
Padrões de hiperfrontalidade e aumento do metabolismo em áreas correlacionadas do ponto de
vista funcional são substituídos por hipofrontalismo num curso mais crônico da depressão
(Elbert e Edmeier, 1996).
Discussão
Grande parte dos estudos relatam uma relação entre deficits cognitivos e Transtorno
Depressivo Maior, porém, ainda há controvérsias a respeito da gravidade ou magnitude desses
deficits (Bieliauskas, 1993). A função cognitiva de pacientes com Transtorno Depressivo Maior,
pode variar de preservada a extremamente prejudicada, tornando, com isso, difícil a descrição
das disfunções cognitivas que podem fazer o diagnóstico diferencial entre depressão e
demência em idosos.
Conclusão
A Depressão foi abordada, neste trabalho, sob as visões anatômica e neuropsicológica. Isso
possibilitou a percepção do quanto cada uma dessas áreas têm a contribuir. Contudo,
compreender a depressão nestes aspectos isolados pode não ser suficiente. É possível uma
interação entre o psicológico e o biológico. Assim sendo, essas áreas não precisam ser
consideradas como excludentes, pois são enfoques diferentes que lidam com o mesmo
substrato. Com isso, a depressão não deve ser considerada somente uma alteração bioquímica
ou psicológica, mas de ambos.
Concluímos que a depressão deve ser entendida e avaliada sob múltiplos aspectos, e daí a
importância de uma equipe multidisciplinar visando a uma melhor qualidade de tratamento.
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1
Psicóloga da equipe de avaliação neuropsicológica. Endereço para Correspondência: Rua
Noronha Torrezão, 605, Santa Rosa - Niterói – RJ – 242240- 181. E-
mail patrícia_rporto@hotmail.com
2
Psicóloga da equipe de avaliação neuropsicológica. E-mail hermolin@iis.com.br
3
Ambos os autores contribuíram igualmente para a execução do trabalho
4
Psicóloga e supervisora da equipe de avaliação neuropsicológica. E-
mail ventura@imagelink.com.br
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Jornal de Pediatria
Print version ISSN 0021-7557On-line version ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.80 no.2 suppl.0 Porto Alegre Apr. 2004
http://dx.doi.org/10.1590/S0021-75572004000300014
ARTIGO DE REVISÃO
Avaliação neuropsicológica da criança
I
Psicólogas pós-graduadas em Neuropsicologia das Epilepsias e Neuropsicologia Infantil,
Programa de Neurologia Infantil e Unidade de Neuropsicologia, Serviço de Neurologia, Hospital
São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
II
Professora adjunta, Departamento de Medicina Interna e Pediatria, Disciplina de neurologia,
Faculdade de Medicina, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (FAMED-
PUCRS)
III
Professor titular, Departamento de Medicina Interna, Disciplina de Neurologia, FAMED-
PUCRS
RESUMO
Introdução
O conjunto dos instrumentos utilizados nos possibilita uma avaliação global das capacidades
da criança, bem como das dificuldades encontradas por ela em seu desempenho dia a dia. Não
se trata de "rotular" ou "enquadrar" a criança como integrante de grupos problemáticos, e sim
de evitar que tais dificuldades possam impedir o desenvolvimento saudável da criança.
Ainda quanto à avaliação em crianças, torna-se importante salientar algumas questões, entre
elas o fato de o desenvolvimento cerebral ter características próprias a cada faixa etária.
Portanto, dentro desse padrão de funcionamento cerebral, é importante a elaboração de provas
de acordo com o processo maturacional do cérebro. Por exemplo, "quando se fala de
imaturidade na infância, esta não deve ser entendida unicamente como deficiência"3, devido às
peculiaridades do desenvolvimento cerebral na infância. Diferentemente do adulto, o cérebro
da criança está ainda em desenvolvimento, tendo características próprias que garantem uma
diferenciação e especificidade de funções.
Testes utilizados
Inteligência
Entre eles, o de Stanford-Binet4 foi o primeiro nos Estados Unidos. Adaptado das escalas
originais de Binet-Simon, baseia-se maciçamente no desempenho verbal e cobre desde os 2
anos até a idade adulta (23 anos), fornecendo uma idade mental e um quociente de inteligência
(QI).
O teste WPPSI5 (do inglês Wechsler Preschool and Primary Scale of Intelligence - Escala de
Inteligência Wechsler para Pré-Escolares e Primário) é uma versão para crianças menores das
escalas Wechsler, permitindo avaliar a inteligência de crianças entre 4 e 6,5 anos. É constituída
por seis subtestes verbais e cinco de natureza manipulativa. Normalmente, a aplicação de
cinco subtestes de cada uma das subescalas (verbal e de execução) é suficiente para uma
análise fidedigna. A escala também permite recolher algumas informações sobre a organização
do comportamento da criança.
O WISC-III6 (Wechsler Intelligence Scale for Children-III - Escala de Inteligência Wechsler para
Crianças-III) é a escala mais usada para avaliar a inteligência de crianças cobrindo as idades
de 6 anos a 16 anos, 11 meses e 30 dias. Fornece escores nas escalas verbal e de execução,
bem como um QI de escala total. Inclui muitos tipos de tarefas, oportunizando a observação
das dificuldades da criança e de suas habilidades. É importante salientar que crianças com
dificuldades motoras em geral são penalizadas neste teste, que não deve ser usado quando tal
deficiência estiver presente. O subteste Cubos do WISC-III (Figura 1) visa averiguar a
capacidade de análise, síntese e planejamento de coordenadas vísuo-espaciais e a praxia
construtiva. Pede-se ao sujeito que reproduza, com cubos de faces coloridas, desenhos que
lhe são mostrados. Para cada modelo é estipulado um prazo limite para execução.
Embora o QI não seja uma medida para localizar disfunções cerebrais, o resultado de QI
contribui para dar maiores informações sobre o nível geral de funcionamento do paciente e,
assim, servir de referência para outras funções mais específicas, como memória, linguagem,
etc. Tanto o Stanford-Binet como o WISC-III e o WIPPSI são administrados individualmente a
cada sujeito.
Com o propósito de avaliar a inteligência de uma forma global, foi padronizada para a
população brasileira a bateria de provas de raciocínio (BPR-5) 11, a qual oferece estimativas do
funcionamento cognitivo geral e das habilidades do indivíduo em cinco áreas específicas:
raciocínio abstrato, verbal, espacial, numérico e mecânico. Este instrumento auxilia os
examinadores a tomarem decisões sustentadas na avaliação das aptidões e raciocínio geral,
tais como, por exemplo, na avaliação das dificuldades de aprendizagem. É organizado em duas
formas: A) para estudantes da 6ª à 8ª série do ensino fundamental; B) para alunos da 1ª à 3ª
série do ensino médio.
Memória
Para esta função, são utilizados instrumentos que avaliam a capacidade de aprendizado de
funções de memória, como, por exemplo, o Teste de Aprendizado Auditivo Verbal de Rey (Rey
Auditory Verbal Learning Test - RAVLT) e o Teste de Aprendizado Visual de Desenhos de Rey
(Rey Visual Design Learning Test - RVDLT)12. Os testes que envolvem aprendizado, isto é, a
repetida exposição ao material a ser recordado, são mais sensíveis para detectar prejuízos de
memória do que testes apresentados somente uma vez. No teste de Aprendizado Auditivo
Verbal de Rey (Figura 3), lê-se a lista de palavras para o examinando, pausadamente, cinco
vezes consecutivas. Após cada uma das vezes em que são apresentadas as 15 palavras, o
sujeito deve fazer a evocação do material, sem precisar seguir a mesma ordem de
apresentação.
O WRAML (do inglês Wide Range Assessment of Memory and Learning _ Short Form)13 é um
instrumento psicométrico destinado a avaliar a capacidade de aprender e memorizar
ativamente vários tipos de informação em pacientes na faixa etária de 5 a 17 anos (memória
visual, aprendizado verbal, memória para histórias).
Linguagem
Um dos testes mais utilizados para a avaliação da linguagem é o Boston Naming Test14, que
utiliza figuras de objetos para avaliar a capacidade de reconhecimento e nomeação. É
empregado em crianças com dificuldades de compreensão ou produção de palavras ou
material verbal escrito. Pode ser usado a partir dos 6 anos de idade. Também são utilizados o
Teste de Fluência verbal (FAS, do inglês Verbal Fluency), testes de compreensão, como o
Teste de Token15, compreensão de textos, escrita e leitura. A avaliação inclui, ainda, os
seguintes tópicos: órgãos fonoarticulatórios, hábitos orais e desenvolvimento da linguagem.
Algumas particularidades precisam ser respeitadas e levadas em conta quando se avalia uma
criança com lesão cerebral. Cabe ao profissional ter clareza dos propósitos, conhecimentos,
habilidade e adequação das técnicas e instrumentos de investigação a serem utilizados, como
também ter conhecimento das possíveis alterações e limitações decorrentes da lesão cerebral,
para que não sejam cometidos equívocos ao concluir-se a avaliação neuropsicológica.
Em muitas das crianças com lesão cerebral, encontram-se alterados os canais formais de
expressão e comunicação com o meio. Sendo assim, o profissional por vezes precisa criar
estratégias a fim de que a criança possa se comunicar e, então, interagir e melhor entender o
que se passa com ela.
Devemos auxiliar a criança a nos mostrar seu potencial e a comunicar-se utilizando recursos
que lhe possibilitem compreender o que está sendo solicitado, a representar o que compreende
e/ou quer realizar (através de gestos, mímicas, fala, expressão gráfica ou ação).
Lobos frontais
Nos últimos anos, cresceu muito o interesse pelas funções do lobo frontal. É nessa parte do
cérebro que se encontram as maiores diferenças entre os seres humanos e seus antepassados
na evolução. Os lobos frontais constituem uma das maiores regiões do encéfalo, com funções
ainda pouco conhecidas, embora nos últimos anos tenham se acumulado importantes
conhecimentos sobre suas atividades. Agora se sabe que é no lobo frontal que se situam as
habilidades humanas mais complexas, como o planejamento de ações seqüenciais, a
padronização de comportamentos sociais e motores, parte do comportamento automático
emocional e da memória.
Para a adequada avaliação das funções "frontais" (funções executivas), é necessário ter
conhecimento das etapas evolutivas desta estrutura, isto é, do seu processo de maturação, o
que é particularmente importante quando avaliamos uma criança. A avaliação do lobo frontal é,
em geral, mais difícil de ser realizada, pois envolve funções mais complexas e pouco
conhecidas. Entre as diversas funções dos lobos frontais estão a plasticidade do pensamento,
a capacidade de julgamento, a habilidade de produzir idéias diferentes, a organização da
informação, a capacidade de dar respostas adequadas aos estímulos, de estabelecer e trocar
estratégias e de planejar uma ação. Essas habilidades podem ser avaliadas através do teste de
fluência verbal, fluência para desenhos, Wisconsin Card Sort Test (WCST)16, Trail Making
Test17 e Stroop Test18, que avaliam a capacidade de manter a atenção concentrada e de não
sofrer interferências de respostas não-exigidas no momento. No teste Trail, a tarefa do sujeito
na parte A (Figura 4) é ligar, com o lápis, círculos consecutivamente numerados, distribuídos
aleatoriamente em uma folha de papel; na parte B (Figura 5), existem, além dos números,
também letras impressas na folha de resposta, e a seqüência a ser ligada deve intercalar as
duas séries, números e letras (1-A, 2-B, 3-C). A tarefa deve ser realizada o mais rapidamente
possível.
O WCST avalia a função executiva do lobo frontal. Mede a modulação de respostas impulsivas,
a direção do comportamento, as habilidades em desenvolver e manter uma estratégia na
solução de um problema, apesar das mudanças de contingência, a flexibilidade, o
planejamento, a organização, a ineficiência de conceitualização inicial e a dificuldade em
encontrar soluções para problemas cotidianos, bem como o nível de perseveração, que vem a
ser o problema que muitas pessoas têm de ficar remoendo um mesmo assunto ou repetindo
um mesmo comportamento motor. Pode ser aplicado a partir dos 6 anos de idade.
Diversos subtestes da Escala de Inteligência Wechsler (WISC III e WPPSI) também auxiliam na
investigação de disfunções frontais, tais como analogias, compreensão, códigos, etc.
Lobos parieto-occipitais
A escala motora avalia o grau de coordenação corporal (aspectos como sentar, levantar,
caminhar, subir e descer escadas) e motricidade fina das mãos e dedos.
Mencionamos alguns dos testes que são utilizados na avaliação de crianças. Sugere-se a
utilização de mais de um teste ao avaliar cada função, para uma maior fidedignidade das
conclusões neuropsicológicas.
O psicólogo interessado nessa área deve estar ciente da complexidade de cada função e das
formas de avaliá-la através de testes. Estando inteirado dessas questões, deve aprofundar
seus estudos sobre o funcionamento cerebral e as diversas patologias do sistema nervoso
central. Diante do resultado quantitativo obtido através dos testes, faz-se necessária uma
avaliação qualitativa detalhada e estudos das funções intelectuais implicadas em cada um dos
itens de cada prova, permitindo que se faça a relação entre função/disfunção e área cerebral.
Só após essa análise criteriosa será possível contribuir com recomendações e condutas ao
programa de reabilitação dessa criança e corroborar a investigação clínica.
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Psico-USF, v. 13, n. 1, p. 125-133, jan./jun. 2008 125 1 Endereço para
correspondência: Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Núcleo de Estudos e
Pesquisas em Adolescência (NEPA/UFRGS) Rua Ramiro Barcelos, 2.600 – sala 115 – Santa
Cecília – 90035-003 – Porto Alegre-RS E-mail: jelessinger@ig.com.br
Resumo
Este artigo apresenta uma revisão da literatura sobre a avaliação neuropsicológica dos
déficits cognitivos associados aos transtornos psicológicos na infância e adolescência, com
base em pesquisas publicadas no período de 2000 a 2006. Foi realizado um levantamento
abrangendo publicações nacionais e internacionais indexadas nas bases de dados Medline,
SciELo e PsycInfo. Os resultados indicaram um aumento da produção científica na área da
avaliação neuropsicológica do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, autismo,
transtornos de humor e transtorno de conduta. Observou-se a presença de poucos estudos
nacionais, indicando a necessidade de pesquisas na área de avaliação neuropsicológica no
Brasil. Palavras-chave: Avaliação neuropsicológica; Transtornos psicológicos; Testes; Infância.
Neuropsychological assessment of psychological disorders in childhood: A review study
Abstract This study comprises a review about neuropsychological assessment of Borges, J. L.,
Trentini, C. M., Bandeira, D. R., Dell’Aglio, D. D. Avaliação neuropsicológica dos transtornos
psicológicos na infância... Psico-USF, v. 13, n. 1, p. 125-133, jan./jun. 2008 126 têm sido
realizadas (Cataldo, Nobile, Lorusso, Battaglia & Molteni, 2005). De um modo geral, essas
pesquisas demonstram alterações no funcionamento dos sistemas cerebrais em relação aos
transtornos mentais na infância e na adolescência, contribuindo para uma melhor compreensão
teórica sobre as bases neurobiológicas subjacentes a esses quadros. Contudo, parece haver
uma lacuna na literatura brasileira no que se refere a este tema. Assim, considerando a
importância da avaliação neuropsicológica infantil para a investigação clínica dos transtornos
psicológicos, este estudo apresenta uma revisão da literatura sobre o tema e descreve
brevemente os instrumentos neuropsicológicos mais utilizados nesta área. Método Foi
realizada uma revisão de literatura investigando os estudos teóricos e empíricos relacionados à
avaliação neuropsicológica dos transtornos psicológicos em crianças e adolescentes nos
seguintes Bancos de Dados: Medline, SciELo e PsycInfo. “Os descritores utilizados foram os
seguintes termos: “avaliação neuropsicológica”, “testes neuropsicológicos”, “neuropsychological
evaluation”, “neuropsychological assessment” e “neuropychological battery”, tendo sido
selecionada a faixa etária de zero a 14 anos. Neste estudo, foram selecionados artigos
publicados em revistas científicas nacionais e internacionais no período de janeiro de 2000 a
junho de 2006. Inicialmente, foram encontrados 1.919 artigos. Buscou-se, então, refinar esta
primeira seleção, buscando dar uma maior ênfase aos estudos sobre o uso da avaliação
neuropsicológica dos transtornos psicológicos na infância e adolescência. O título e o resumo
dos artigos foram utilizados nesta segunda etapa e, ao final, 154 artigos foram selecionados
para esta revisão. A partir desse resultado, uma análise de freqüência da avaliação
neuropsicológica e o tipo de transtorno psicológico foi realizada. Resultados A Tabela 1
apresenta a freqüência de artigos sobre os prejuízos neuropsicológicos associados a diferentes
transtornos psicológicos em crianças e adolescentes, por transtorno e por ano. De um modo
geral, observou-se que há uma crescente produção científica referente ao TDAH (65,60%).
Ainda foram encontrados estudos sobre a avaliação neuropsicológica do autismo (16,80%), dos
transtornos de humor (9,74%) e transtorno de conduta (7,80%) em crianças e adolescentes.
Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) Para a descrição sobre as pesquisas
na área da avaliação neuropsicológica do TDAH foram selecionados 26 estudos, dos 101
encontrados nesta revisão, os quais têm ressaltado a importância do papel das funções
executivas (FE) e do córtex frontal neste transtorno. Ressalta-se que foram encontrados dois
estudos nacionais. No primeiro, Amaral e Guerreiro (2001) apresentaram uma proposta de
avaliação neuropsicológica para o diagnóstico de TDAH. No segundo, Schmitz e colaboradores
(2002) sugeriram diferenças no desempenho cognitivo entre adolescentes com diferentes
subtipos de TDAH, indicando a necessidade de diagnóstico específico. Os artigos revisados
revelaram uma associação entre prejuízos nas FE e o TDAH (Reeve & Schandler, 2001;
Shallice e colaboradores, 2002). Crianças com TDAH têm apresentado baixo desempenho na
inibição de resposta, no planejamento de tarefas e na atenção seletiva, e um maior aumento na
perseveração de resposta, quando comparadas a grupos controle (Papadopoulos, Panayiotou,
Spanoudis & Natsopoulos, 2005; Schulz e colaboradores, 2005). Pesquisas indicaram
diferentes direções de desfecho no desempenho cognitivo quando são avaliadas as variáveis
(a) subtipos do TDAH: desatento, hiperativo e misto (Hinshaw, Sam, Treuting, Carte & Zupan,
2002; Nigg, Blaskey, Huan-Pollock & Rappley, 2002; Schmitz e colaboradores, 2002); (b)
gênero (Seidman e colaboradores, 2005); (c) período do desenvolvimento (Drechsler, Brandeis,
Foldenyi, Imhof & Steinhausen, 2005); e (d) presença de comorbidade psiquiátrica (Fischer,
Barkley, Smallish & Fletcher, 2005; Oosterlaan, Scheres & Sergeant, Tabela 1 – Descrição da
freqüência de artigos por transtorno e por ano na avaliação neuropsicológica infantil Transtorno
psicológico/ano 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 n % Avaliação neuropsicológica do
TDAH 10 17 19 8 18 29 101 65,60 Avaliação neuropsicológica do autismo 6 5 2 2 7 4 26 16,80
Avaliação neuropsicológica dos Transtornos de humor 1 2 5 7 15 9,74 Avaliação
neuropsicológica do transtorno de conduta 3 3 4 2 12 7,80 Total 19 23 26 8 29 45 4 154 100
Borges, J. L., Trentini, C. M., Bandeira, D. R., Dell’Aglio, D. D. Avaliação neuropsicológica dos
transtornos psicológicos na infância... Psico-USF, v. 13, n. 1, p. 125-133, jan./jun. 2008 127
2005; Sarkis, Sarkis, Marshall & Archer, 2005). Ainda foram citados déficits na memória
imediata como um importante componente neuropsicológico do TDAH (Cornoldi e
colaboradores, 2001; Westerberg, Hirvikoski, Forssberg & Klingberg, 2004). Estudos
investigaram o uso do metilfenidato em crianças com TDAH, apontando os benefícios deste na
atenção, memória imediata e tarefas visoespaciais (Bedard, Ickowicz & Tannock, 2002; Bedard,
Martinussen, Ickowicz & Tannock, 2004; O’Driscoll e colaboradores, 2005). Na mesma direção,
os resultados indicaram que o efeito do Metilfenidato interfere de forma diferenciada na
atenção, dependendo da dose utilizada (Konrad, Günther, Hanisch & Herpertz-Dahlmann,
2004). Os artigos revisados apontaram uma maior validade preditiva e discriminante para o
diagnóstico de TDAH e seus déficits cognitivos quando se utilizam múltiplos instrumentos
neuropsicológicos para avaliação de FE (Doyle, Biederman, Seidam, Weber & Faraone, 2000;
Perugini, Harvey, Lovejoy, Sandstrom & Webb, 2000). Um estudo de metanálise descreveu os
principais instrumentos neuropsicológicos utilizados para a avaliação do TDAH, entre eles, o
Continuous Performance Test (CPT), Gordon Diagnostic System (GDS), Children’s Checking
Task (CCT), Stop Signal Task, Trail Making Test, Wisconsin Card Sorting Test (WCST), Stroop
Interference Task, entre outros (Frazier, Demaree & Youngstrom, 2004). Particularmente, dois
instrumentos foram mais utilizados na avaliação cognitiva do TDAH nas pesquisas revisadas: o
Wisconsin Card Sorting Test (WCST) (ou Teste Wisconsin de Classificação de Cartas) e o
Stroop Color-Word Test. Em relação ao WCST, uma metanálise (32 artigos) realizada por
Romine e colaboradores (2004) apontou características de sensitividade e especificidade
adequadas deste instrumento entre grupos com TDAH e grupos controle. Conforme esses
autores, o tamanho do efeito (effect size) das variáveis do WCST variaram entre um efeito
médio (0.5) (percentual de acertos, total de erros, número de categorias e erros perseverativos)
e um baixo efeito (erros não-perseverativos e fracasso em manter o contexto). Tais dados
suportam as evidências de outro estudo de metanálise, indicando em 70% dos estudos da
avaliação de déficits do lobo frontal o uso do WCST (Alvarez & Emory, 2006). Embora um pior
desempenho no WCST possa indicar prejuízos no funcionamento do córtex frontal, esse
resultado isolado não pode ser considerado suficiente para o diagnóstico de TDAH (Romine e
colaboradores, 2004). Em relação ao Stroop Test, o estudo de metanálise, realizado por
Homack e Riccio (2004), apontou que diferentes versões desse instrumento têm sido utilizadas
na avaliação de FE em crianças e adolescentes, sendo a versão de Charles Golden a mais
comumente citada (em 22 dos 33 estudos revisados). De acordo com esses autores, o Stroop é
capaz de discriminar prejuízos neuropsicológicos em crianças com TDAH quando comparadas
a grupos não-clínicos. No entanto, não há consistência nos resultados para discriminar o grupo
de crianças TDAH de outros grupos clínicos. Os resultados indicaram especificidade do Stroop
para discriminar crianças com TDAH de crianças com transtorno de conduta, comportamento
disruptivo e problemas emocionais; mas não foi capaz de discriminar crianças com problemas
de aprendizagem, autismo e síndrome de Tourette. Nesse sentido, embora um pior
desempenho no Stroop seja indicativo de prejuízos frontais, este não é suficiente para o
diagnóstico de TDAH. Autismo Foram encontradas 26 pesquisas enfocando os aspectos
neuropsicológicos do autismo. A maioria desses estudos (n= 10) apontou déficits em FE e na
memória (n= 6). De um modo geral, baixo desempenho no WCST (Shu, Lung, Tien & Chen,
2001) e falhas nas habilidades sociais, na comunicação, na memória de trabalho, na atenção e
no comportamento direcionado a metas foram relacionadas ao baixo desempenho nas FE
(Bishop & Norbury, 2005; Gilotty, Kenworthy, Sirian, Black & Wagner, 2002; Ruble, & Scott,
2002). Contudo, pesquisas têm apontado peculiaridades na disfunção executiva no autismo e
entre os diferentes grupos de crianças com transtornos do desenvolvimento. Nesse sentido, um
estudo investigou a presença de prejuízos em FE em crianças autistas e em crianças com
TDAH, comparando-as ao grupo controle, enfocando a inibição de resposta, o planejamento, a
flexibilidade cognitiva e a memória (working memory) (Goldberg e colaboradores, 2005). Os
resultados indicaram que o grupo autista obteve pior desempenho na memória imediata, porém
não foi encontrada diferença significativa entre os grupos nas demais tarefas. Déficits em
tarefas verbais, que necessitavam de maior habilidade em mudança cognitiva, e na iniciativa
para estratégias de recuperação léxica foram encontrados em jovens adultos com autismo e/ou
transtorno de Asperger, enquanto a inibição de resposta não apresentou alteração (Kleinhans,
Akshoomoff & Delis, 2005). O estudo de Ozonoff e Strayer (2001) apontou que não houve
diferença entre crianças com autismo e o grupo controle em tarefas neuropsicológicas que
avaliavam working memory. Em contrapartida, prejuízos nessa função foram encontrados em
crianças autistas, bem como inibição de controle e planejamento, embora estes não tenham
sido correlacionados a déficits de linguagem (Joseph, McGrath & Tager-Flusberg, 2005). Nesse
sentido, é necessária certa cautela na afirmação de que FE estão afetas no autismo, uma vez
que os prejuízos podem ser Borges, J. L., Trentini, C. M., Bandeira, D. R., Dell’Aglio, D. D.
Avaliação neuropsicológica dos transtornos psicológicos na infância... Psico-USF, v. 13, n. 1, p.
125-133, jan./jun. 2008 128 específicos e não globais. Ainda, ao avaliar a presença da
diferença de desempenho em FE entre crianças autistas, crianças com transtorno de Asperger
e crianças com transtorno do desenvolvimento não especificado, uma pesquisa observou que
este último grupo apresentou melhor desempenho do que os dois primeiros (Verte, Geurts,
Roeyers, Oosterlaan & Sergeant, 2006). Em relação à memória, um pior desempenho no
funcionamento visual, verbal e espacial foi encontrado em crianças autistas (Williams,
Goldstein & Minshew, 2006). Mediante uma bateria neuropsicológica da memória e de
ressonância magnética, foi encontrada uma associação entre os prejuízos dessa função e o
lobo temporal medial (Salmond, Ashburner, Conelly, Friston, Gadian & VerghaKhadem, 2005).
Em oposição a este dado, crianças autistas não apresentaram falhas nem em tarefas de
memória implícita nem de memória explícita, sugerindo que não há evidências de déficits no
lobo temporal medial (Renner, Klinger & Klinger, 2000). Ainda, crianças com diferentes níveis
de autismo apresentaram desempenhos variados em tarefas de memória (Bebko & Ricciuti,
2000) e usaram mais estratégia de recência na recuperação de conteúdo verbal (Renner e
colaboradores, 2000). Transtornos de humor Na literatura revisada, observou-se uma maior
ênfase sobre a avaliação neuropsicológica do transtorno bipolar (TB) entre os transtornos de
humor na infância e adolescência (11 de 15 estudos). De um modo geral, pacientes pediátricos
com TB apresentaram prejuízos na memória declarativa, atenção sustentada, atenção visual,
flexibilidade cognitiva e velocidade psicomotora (Dickstein e colaboradores, 2004; Doyle e
colaboradores, 2005; Glahn e colaboradores, 2005). Pior desempenho em tarefa de cognição
social e flexibilidade de resposta foram encontrados em um grupo pediátrico de TB (McClure e
colaboradores, 2005). Ao revisarem estudos neuropsicológicos e de neuroimagem, Caetano e
colaboradores (2005) indicaram déficits na atenção, memória e em FE em crianças e
adolescentes com TB, quando comparados a grupo controle e outros grupos clínicos. Os
estudos de neuroimagem sugeriram anormalidades no funcionamento do circuito frontallímbico
associadas ao TB. Pesquisas realizadas, ainda, propuseram que os déficits neuropsicológicos
do TB tanto podem estar associados a comorbidade com o TDAH, para tarefa de atenção
mapeada em fMRI scans (Adler e colaboradores, 2005), quanto podem ser independentes,
para atenção sustentada, memória e velocidade de processamento (Doyle e colaboradores,
2005). Um estudo longitudinal indicou que 67% dos jovens adultos com TB apresentaram
desempenho mais baixo no WCST, avaliados na adolescência, quando foram comparados a
indivíduos sem depressão maior (17%) e com depressão unipolar (19%) (Meyer e
colaboradores, 2004). Além disso, diferenças no desempenho cognitivo entre crianças
deprimidas e crianças ansiosas foram investigadas. Nesse sentido, crianças e adolescentes
com depressão (grupo depressão) e ansiedade (grupo ansiedade) foram avaliadas mediante
tarefas de atenção e de memória, e comparadas a grupo controle (Günther, Holtkamp, Jolles,
Herpertz-Dahlmann & Konrad, 2004). O resultado desse estudo apontou uma dissociação entre
os grupos depressão e ansiedade, tendo sido encontrados prejuízos na memória verbal apenas
em crianças deprimidas. Não foram observadas diferenças no desempenho da atenção entre
esses dois grupos. Em outro estudo, meninos ansiosos e deprimidos apresentaram déficits na
seqüência, na alternância e na resolução de problemas, evidenciando prejuízo no
funcionamento do lobo frontal (Emerson, Mollet & Harrison, 2005). Ainda crianças deprimidas
obtiveram pior desempenho no Verbal Fluency Test e no Stroop Test do que o grupo controle,
sugerindo problemas na atenção e em FE (Cataldo, Nobile, Lorusso, Battaglia & Molteni, 2005).
Transtorno de conduta Nesta revisão foram encontrados 12 estudos referentes aos prejuízos
neuropsicológicos do transtorno de conduta (TC), transtorno desafiador opositivo (TDO) e/ou
comportamento delinqüente. O TC na infância e a delinqüência juvenil têm sido relacionados à
presença de déficits em FE (Kelly, Richardon, Hunter & Knapp, 2002; Veneziano, Veneziano,
LeGrand & Richards, 2004). Foram encontradas três pesquisas de revisão teórica sobre a
presença de prejuízos cognitivos relacionados ao TC (Hill, 2002; Raine, 2002; Teichner &
Golden, 2000). Tais pesquisas providenciam um suporte teórico acerca de déficits
neuropsicológicos associados às FE, particularmente, em relação a falhas na inibição do
controle de impulso, na avaliação das conseqüências e na regulação do afeto. Da mesma
forma, esses estudos indicaram a presença de outras variáveis (genéticas, temperamentais e
ambientais) no desenvolvimento do TC, bem como sugeriram um continuum desses déficits ao
longo do desenvolvimento. Um outro aspecto apontado nos estudos sobre prejuízos
neuropsicológicos do TC diz respeito à presença de comorbidade com o TDAH (Oosterlaan e
colaboradores, 2005; Toupin, Déry, Pauzé, Mercier & Fortin, 2000). No estudo longitudinal de
Toupin e colaboradores (2000), crianças com TC, em follow-up de um ano, apresentaram pior
desempenho em quatro de cinco tarefas de FE. Os sintomas de TDAH foram considerados
preditores de TC, mas não o desempenho cognitivo. Já na Borges, J. L., Trentini, C. M.,
Bandeira, D. R., Dell’Aglio, D. D. Avaliação neuropsicológica dos transtornos psicológicos na
infância... Psico-USF, v. 13, n. 1, p. 125-133, jan./jun. 2008 129 pesquisa de Oosterlaan e
colaboradores (2005) não foram encontrados déficits em FE, em crianças com TC. Porém a
presença TDAH parece predizer um pior desempenho em FE nos casos de comorbidade entre
TDAH/TDO/TC. Desta forma, os déficits nas FE envolvidos nos casos de TC ainda não estão
totalmente esclarecidos. Considerações finais O presente estudo buscou apontar um panorama
das publicações científicas recentes na área da avaliação neuropsicológica da criança e do
adolescente. Como pode ser visto na sessão de resultados, os estudos que investigam
aspectos neuropsicológicos dos transtornos na infância dedicam-se basicamente à avaliação
das FE, sobretudo no que se refere aos prejuízos do córtex pré-frontal no TDAH, autismo, TB e
TC. Em relação ao autismo, os resultados controversos impedem uma generalização dos
déficits em FE. Crianças deprimidas apresentaram pior desempenho na memória e em FE, e
nos casos de TB pediátrico foram encontrados prejuízos na memória, na atenção e em FE.
Esses dados corroboram o estudo de Rocca e Lafer (2006), referente aos aspectos
neuropsicológicos do TB. Na mesma direção, aspectos neuropsicológicos da depressão,
incluindo alterações na atenção sustentada, no controle inibitório e na capacidade de
alternância de foco atentivo foram apontados por Rozenthal, Lakc e Engelhard (2004). Em
relação aos problemas de conduta na infância e adolescência, pesquisas futuras se fazem
necessárias, por não haver maior clareza nos achados neuropsicológicos encontrados até o
momento. A presença de prejuízos nas FE também tem sido encontrada com adultos com
comportamento antisocial e psicopatia (Morgan & Lilienfeld, 2000). Nesse sentido, pesquisas
longitudinais podem fornecer elementos para uma maior compreensão sobre mudanças ou
permanência dos déficits cognitivos na evolução do TC na infância para comportamento anti-
social na vida adulta. Tendo em vista a predominância de alterações funcionais das FE nos
transtornos psicológicos revisados, ressalta-se a importância de uma maior compreensão dos
aspectos neurodesenvolvimentais das FE na área da neuropsicologia infantil, uma vez que
estas se desenvolvem até o final da adolescência. A avaliação neuropsicológica das FE na
criança pode fornecer subsídios à prevenção e à intervenção clínica, bem como elementos
para um modelo conceitual mais complexo sobre os quadros psicológicos, integrando os
prejuízos cognitivos às alterações comportamentais e emocionais. Em relação aos
instrumentos utilizados na avaliação das FE, destaca-se a importância de novos estudos sobre
a validação e a normatização de testes neuropsicológicos, buscando apontar critérios de
fidedignidade e validade apropriados ao contexto sociocultural, à amostra selecionada (clínica e
não-clínica) e aos diferentes quadros psicopatológicos e/ou neurológicos. Ressalta-se, ainda,
que poucos estudos brasileiros foram encontrados nesta revisão. Uma hipótese é que a
avaliação neuropsicológica ainda seja um campo de atuação recente e pouco explorado pelos
psicólogos, apesar da aprovação da neuropsicologia como uma área de especialização, pelo
Conselho Federal de Psicologia. Nesse sentido, destaca-se a importância deste campo de
atuação profissional, que pode contribuir para um maior conhecimento sobre as relações entre
prejuízos cognitivos e psicopatologia. Sugere-se, ainda, a realização de estudos longitudinais
que possam contribuir para uma melhor compreensão dos prejuízos cognitivos e dos efeitos da
cronificação ou remissão dos sintomas ao longo do desenvolvimento. Uma maior integração
entre as pesquisas clínicas e os estudos de neuroimagem pode aumentar a validade dos
resultados sobre prejuízos cognitivos associados a transtornos psicológicos na infância.
Algumas limitações foram encontradas nos estudos revisados. A presença de comorbidades
psiquiátricas, o uso de medicação psicotrópica, o pequeno tamanho das amostras, amostras
muito específicas e a utilização de instrumentos reduzidos são algumas das limitações que
podem comprometer a generalização dos resultados. Dessa forma, observa-se que são
necessários cuidados metodológicos, principalmente na composição das amostras e na
escolha dos instrumentos, para que os estudos sobre prejuízos neuropsicológicos na infância
sejam mais consistentes.
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Reformulado em abril de 2007 Aprovado em maio de 2007 Borges, J. L., Trentini, C. M.,
Bandeira, D. R., Dell’Aglio, D. D. Avaliação neuropsicológica dos transtornos psicológicos na
infância... Psico-USF, v. 13, n. 1, p. 125-133, jan./jun. 2008 133 Sobre as autoras: Jeane
Lessinger Borges é psicóloga, graduada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(UNISINOS), aluna de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Curso de Especialização em
Neuropsicologia (UFRGS). Clarissa Marceli Trentini é psicóloga, especialista em Psicologia
Clínica: ênfase em Avaliação Psicológica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), mestre em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS) e Doutora em Ciências Médicas – ênfase em Psiquiatria (UFRGS). Atualmente é
professora adjunta do Instituto de Psicologia (UFRGS). Denise Ruschel Bandeira é psicóloga,
mestre e doutora em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS), professora e coordenadora do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Débora Dalbosco Dell’Aglio é psicóloga, mestre e doutora em Psicologia do
Desenvolvimento (UFRGS), professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do Departamento de Psicologia
do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia (UFRGS).
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ARTIGOS
Irani Iracema de Lima Argimon I; Mônica Giaretton Bicca II; Juciclara Rinaldi III
I
Psicóloga, Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Psicologia
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Supervisora de Estágio de Psicologia
Clínica do Serviço de Atendimento e Pesquisa em Psicologia no Laboratório de Intervenções
Cognitivas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
II
Psicóloga, Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
III
Estudante do último semestre de Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul
RESUMO
ABSTRACT
This report presents the case of a female teenager with Obsessive-Compulsive Disorder (OCD).
OCD is the fourth most frequent psychiatric disorder, affecting 1-3% of the population. The
patient reports that the reasons she presents this disorder are the high number of medications
she ingests everyday, learning difficulties, sleeping problems, and relationship problems with
her classmates. Thus, the objective of this article is to present the patient’s previous and current
history, as well as her diagnosis. In addition to that, the report highlights her history of treatment
interruptions throughout her life, as well as her secondary gains. We will also present the
adaptations utilized in the treatment of OCD, as well as the behavioral and cognitive techniques
used.
Introdução
Na infância, comumente as compulsões antecedem o início das obsessões, que podem ser
menos habituais nos adultos (Rosário-Campos & Mercadante, 2000). Em relação à idade em
que se iniciam os sintomas, pode-se subdividir os grupos quanto ao gênero: os homens os
apresentam mais precocemente. Para eles, o transtorno se inicia na infância, enquanto para as
meninas na adolescência. Conforme a idade avança, a prevalência tanto para homens quanto
para mulheres se assemelham, ou seja, chega a 1:1 na vida adulta (Zohar, 1999; Rosário-
Campos, 2001). Esta característica é embasada por achados, como o de Del-Porto (2001), que
realizou um estudo com 105 pacientes, no qual os homens foram diagnosticados com menos
idade do que as mulheres.
Relato do Caso
A mãe referiu que a filha teve desenvolvimento adequado durante a infância, porém, salientou
que a paciente não se relacionava com crianças da sua idade, porque se dizia doente. Aos sete
anos, foi diagnosticada com TOC, passando a usar medicação pelo período de um ano. Após
este tempo, a mãe concluiu que a filha havia melhorado, então cessou o tratamento. Aos nove
anos, seu avô paterno faleceu. Segundo relato da mãe, esse episódio foi difícil para a filha,
mesmo tendo pouco contato com o avô. O falecimento do avô coincide com o início das
dificuldades escolares na 4ª série do Ensino Fundamental. A paciente desenvolveu uma
inflamação intraocular (uveíte). O relacionamento com os colegas de aula era difícil. No geral,
quando a paciente buscou tratamento, as notas escolares estavam abaixo ou na média exigida.
A paciente relatou que se sentia triste e diferente das colegas de mesma idade, e não
conseguia dormir à noite, pois tinha medo do escuro. Na semana da primeira consulta, relatou,
ainda, que havia urinado na cama por não ter ido ao banheiro. O motivo desse comportamento
foi a tentativa de evitar ter que contar os objetos do banheiro e, na volta, ter que contar os
objetos do quarto. Em seus relatos, acrescentou insatisfação em outros aspectos de sua vida,
como: (a) não possuir amigas na escola; (b) estar acima do peso; (c) precisar fazer várias
contagens, estando estas circunscritas à sua casa. Acrescentou que havia sido diagnosticada
com possível Transtorno de Humor Bipolar (THB) há dois anos, sendo tratada com fármacos e
terapia. Entretanto, o tratamento foi interrompido pela mãe. A paciente relatou que preferia que
as informações sobre seus problemas fossem pedidas a sua mãe, pois não saberia explicar os
seus problemas. No histórico familiar, o avô materno e duas primas do mesmo ramo familiar
apresentam TOC. O avô apresenta compulsões de contaminação, lavando as mãos repetidas
vezes.
O diagnóstico foi realizado nas primeiras sessões do tratamento. A dúvida que permaneceu por
mais tempo foi quanto à questão do possível THB. No decorrer do tratamento, essa hipótese foi
descartada. O diagnóstico multiaxial inicial foi descrito da seguinte forma: Eixo I: F42.8,
Transtorno Obsessivo-Compulsivo sem especificador; Eixo II: Z03.2, não observado; Eixo III:
H30, uveíte recorrente; Eixo IV: Z55.8, problemas sociais e escolares; Eixo V: início AGF = 50,
final AGF = 85 (CID-10, 1994; DSM-IV/TR, 1994).
Tratamento
Uma das dificuldades apresentadas pela paciente foi identificar os pensamentos automáticos. A
pergunta: “O que passou pela minha cabeça naquele momento?” não auxiliou a paciente a
identificar os pensamentos automáticos, contudo, ao vincular às emoções, ela entendeu o
conceito. As crenças centrais distorcidas da paciente faziam com que sentisse obrigação de
rezar e verificar portas e janelas, a fim de que nada de ruim acontecesse para sua família. A
psicoeducação esclareceu à paciente que sua capacidade de raciocinar de forma lógica estava
comprometida devido ao TOC. Acrescentou, ainda, a importância das crenças, pois estas
influenciam os pensamentos, geradores de respostas emocionais, fisiológicas e
comportamentais.
O pai, a avó materna e o irmão participaram do tratamento, mostrando-se atentos e com uma
visão clara do que acontecia, e salientando o desejo de vê-la crescer e viver como as
adolescentes de sua idade, entretanto, apontando dificuldade de impor limites à paciente. Ao
longo do tratamento, a mãe foi convidada a entrar em parte de algumas sessões com a
paciente, com o objetivo de esclarecer questões sobre o TOC e explicar atitudes da família que
auxiliariam no tratamento.
Discussão
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Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.7 no.1 Juiz de Fora jun. 2014
ARTIGOS
I
Universidade do Estado da Bahia, Teixeira de Freitas, Brasil
II
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil
RESUMO
Existem muitos estudos sobre a influência dos amigos no uso/abuso de substâncias, mas sem
conclusões definitivas. Neste sentido, o presente trabalho objetiva investigar a rede de amigos
no início do uso de drogas e a rede atual de adolescentes usuários do Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS-ad) de uma cidade do interior da Bahia, para verificar as
mudanças na constituição e características destas redes. Treze adolescentes com idade média
de 16,6 anos responderam a um questionário semi-estruturado. Os dados foram submetidos a
análises descritivas, de frequência e de conteúdo. Os resultados sugerem tendências para a
compreensão de relações entre dependência química e amizade relacionadas ao
desenvolvimento humano. A amizade no mundo das drogas diferenciou-se por atividades
conjuntas de risco (roubo, tráfico, etc.). Os usuários de substâncias psicoativas relatam
influência direta e indireta de amigos no início e na manutenção do uso de drogas e o uso
parece diminuir o número de amigos até restringi-los ao ambiente familiar.
ABSTRACT
Much has been studied about the influence of friends on the use and abuse of psychoactive
substances, however, there is no definite conclusion on the subject. In this sense, the present
work is relevant since its general goal is to investigate the network of friends at the beginning of
the drug use and the present network of adolescent users under treatment in Psychosocial
Alcohol and Drugs Mental Healthcare Center (CAPS-ad) of a country town at Bahia State
(Brazil), to check the changes in the constitution and in the characteristics of these networks of
friendship at the time of initial use and when they were interviewed. Thirteen teenagers (with an
average of 16.6 years-old), users of CAPS-ad, answered a semi-structured questionnaire. Data
were analyzed by descriptive, frequency and content aspects. The results suggest important
trends of the relationship between substance abuse and friendship related to human
development. The friendship in the world of drugs seems to differ by the performance on risk-
related activities (stealing, drug traffic, etc.). The psychoactive substance users perceive the
direct and indirect influence of friends in the beginning and during the maintenance of drug use
and such use, on the other hand, seem to influence the friendships, reducing the number of
friends up to restrict them to the family environment.
Neste aspecto, cabe ressaltar a adolescência como contexto, visto que é justamente nesta fase
que o jovem se encontra mais vulnerável ao expandir seu círculo de relacionamentos para além
dos limites familiares (Papalia & Olds, 2000; Senna & Dessen, 2012), e neste processo há um
grande investimento e esforço a favor da constituição de seu senso de identidade, em busca de
autonomia (Smetana, 2011; Pratta & Santos, 2006). Feeney (2007) afirma que, para o
desenvolvimento efetivo da autonomia, é importante que o indivíduo em desenvolvimento se
sinta seguro nas relações de apoio que o cercam, para que se sinta à vontade ao explorar
terrenos desconhecidos, tendo a certeza de que, caso as novas experiências não sejam
satisfatórias, haverá um lugar seguro ao qual recorrer. Estabelece, assim, uma importante
relação entre dependência e independência, no que diz respeito aos relacionamentos
humanos. A dependência é, portanto, um
Processo clínico pelo qual os indivíduos estão aptos a se direcionar para figuras de apego para
aprender, explorar e descobrir quando se sentem seguros e contentes e pelo qual os indivíduos
estão aptos a se mover em direção as figuras de afeto para conseguir conforto, segurança
quando ameaçados de alguma forma (Feeney, 2007, p.268).
Steinberg (2001) também afirma que a adolescência é uma fase onde o indivíduo se encontra
mais vulnerável para assumir riscos, pois, a atividade cerebral dopaminérgica aumenta, o que
favorece a busca por recompensas imediatas.
Ainda, é marcante a dificuldade no controle cognitivo, o que desfavorece a análise dos custos
potenciais dos comportamentos de risco, dentre os quais se encontra o uso abusivo de drogas,
aumentando as chances de se engajar nos mesmos. Tendo em vista que a dependência
química impõe riscos ao desenvolvimento humano, os relacionamentos podem se tornar
fatores de proteção, caso se tornem influências que melhorem e alterem respostas pessoais a
certos riscos de desadaptação ou adoecimento (Koller, Morais & Cerqueira-Santos, 2009).
Edwards (2004) avaliou americanos em tratamento pelo abuso de substâncias e encontrou que
os fatores de proteção mais relevantes neste processo foram: sentir-se cuidado, experiências
espirituais, insight, comprometer-se, empoderamento da auto-estima, alívio da dor emocional,
remorso, reconexão com valores tradicionais, segurança e gratidão, dentre outros. Todos eles
eram relacionados ao apoio e suporte emocional. Ferreira e Garcia (2008) também ressaltam a
importância do apoio social de parentes e amigos na adaptação de adolescentes com doenças
crônicas. Estes dados representam uma evidência a mais para a concepção de que os
relacionamentos interpessoais são fatores primordiais para intervenção diante da dependência
química, na medida em que se apresentam como fatores de proteção que facilitam a adaptação
dos indivíduos às circunstâncias adversas advindas do abuso de substâncias.
Amparo, Galvão, Alves, Brasil e Koller (2008) inserem escola, amigos e família entre as
principais redes de proteção aos comportamentos de risco. Del Prette e Del Prette (2008)
discutem a importância do desenvolvimento de habilidades sociais como a empatia na relação
entre os adolescentes enquanto fator de proteção a comportamentos disruptivos, a exemplo
daqueles relacionados à dependencia química. Ainda, Dishion e Owen (2009) afirmam que o
uso de substâncias em jovens adultos pode ser considerado como um resultado da influência
de amigos e de processos de seleção destes amigos, e ressaltam que trabalhos de prevenção
deveriam considerar aspectos subjacentes aos âmbitos inter e intrapessoal ao uso crônico,
dependência e abuso de substâncias psicoativas. Papalia e Olds (2000) ressaltam a
vulnerabilidade dos adolescentes à influência dos amigos, no contexto mais específico da
adolescência, onde o tema das relações de influência exercidas entre os pares se torna
evidente, incluindo tanto estimular o uso quanto mantê-lo e, em alguns casos, ser suporte para
parar de usar. Em conjunto, estes dados refletem que a relação entre amizade e dependência
química é bastante complexa.
Ciesla, Valle e Spear (2008) apresentam um estudo com adolescentes em tratamento pelo
abuso de álcool nos Estados Unidos da América e, na tentativa de investigar os fatores
determinantes da recaída, encontraram que, além de raça, sexo e uso de maconha, fatores
ligados ao relacionamento interpessoal, como participação em grupos que promovam suporte
social, bom rendimento escolar e ter amigos que dão suporte demonstraram estar associados
negativamente à recaída. No entanto, verifica-se que em um estudo que investigou o impacto
do uso de álcool pelo melhor amigo, pelo irmão e pelo amigo do melhor irmão no uso do
adolescente, em delineamento onde foram estudadas famílias com dois irmãos, os resultados
demonstraram que o maior efeito encontrado foi pelo processo de seleção de parceiros (Polen,
Engels, Vorst, Scholte & Vermulst, 2009). Os efeitos dos amigos e dos irmãos não se
sustentaram ao longo do tempo, o que foi avaliado longitudinalmente.
É possível verificar, a partir dos estudos apresentados, que muito já foi estudado sobre os
aspectos inerentes à influência dos amigos no uso e abuso de substâncias, no entanto, não há
uma conclusão definitiva. É neste sentido que o presente trabalho encontra sua relevância, pois
tem como objetivo geral investigar a rede de amigos no início do uso de drogas e a rede atual
de adolescentes usuários do CAPS-ad de uma cidade do interior da Bahia, para verificar as
mudanças na constituição e características destas redes de amizade no momento inicial do uso
e quando foram entrevistados. Os objetivos específicos são: (1) caracterizar a amostra; (2)
avaliar as motivações para envolvimento com a droga (iniciar, continuar a usar e para parar de
usar, se for o caso); (3) caracterizar a rede de amigos do início do uso e a atual e (4) investigar
a percepção da influência dos amigos para o uso/não uso de drogas.
Método
Foram entrevistados treze adolescentes, sendo dez meninos e três meninas, com idade média
de 16,6 anos (variando de 14 a 18 anos), usuários do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e
Drogas (CAPS-ad), presentes na instituição em outubro e novembro de 2009 e fevereiro e
março de 2010, os quais foram convidados pelo coordenador do serviço e demonstraram
disponibilidade para participar, caracterizando uma amostra por conveniência, apesar de terem
sido os únicos adolescentes a frequentarem o serviço no período da coleta de dados.
A coleta de dados foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada, com questões
fechadas e abertas, que deveriam ser justificadas e exemplificadas. A análise foi descritiva e de
frequência para os dados das questões fechadas e de conteúdo, de acordo com Bardin (1997)
para as questões abertas.
Resultados e Discussão
Caracterização da amostra
Dos treze entrevistados, sete se caracterizaram como católicos, mas apenas dois referiram que
estavam envolvidos efetivamente com o catolicismo. Outros dois se denominaram evangélicos
(Assembléia de Deus e Batista) e outros dois se denominaram evangélicos/católicos.
Oito entrevistados não estavam estudando, sendo que dois pararam na 4ª série, dois na 5ª,
dois no supletivo, um no 1º ano do segundo grau e um na 8ª série. Quatro participantes
interromperam seus estudos por algum tempo, por causa das drogas, mas retornaram aos
estudos em 2010. Destes, três retornaram na 6ª série do ensino fundamental e um no supletivo
de 5ª e 6ª séries. Apenas um encontrava-se em ensino regular, no 3º ano do ensino médio.
As drogas que os entrevistados relataram usar foram diversas, desde lícitas (cigarro e álcool) a
ilícitas (maconha, crack, cocaína e outras), como pode ser verificado na Tabela 1. Nem sempre
o entrevistado relatou que usava apenas um tipo de droga. Dentre os treze usuários, dois
relataram que usavam apenas maconha e um que experimentou cocaína uma vez, mas passou
mal e nunca mais usou. A idade de início de uso da droga variou de 11 a 16 anos e as drogas
que mencionaram foram usadas desde o começo da prática. O tempo de uso variou de um a
sete anos.
Quanto à utilização social de drogas, nove entrevistados relataram utilizar as drogas
acompanhados e seis sozinhos. Dos onze usuários de maconha, seis afirmaram utilizá-la
acompanhados. Em relação ao uso de crack, a maioria relatou que o uso era feito sozinho
(n=4). Estes dados refletem que, nesta amostra, o uso de maconha pode ser considerado uma
atividade de grupo. Desta maneira, a convivência com os colegas acaba reforçando o próprio
uso, já que eles pertencem àquele grupo e participam das atividades inerentes a ele, aspecto
que, segundo Pratta e Santos (2006) pode ser considerado característico da adolescência.
Outro dado relevante, decorrente deste estudo e condizente com as atividades inerentes ao
grupo indica que doze dos treze participantes estavam envolvidos com o crime, praticado em
conjunto no grupo. O único participante que não teve qualquer envolvimento com o crime
relatou apenas o uso de álcool e continua regular na escola. Este dado está consistente com a
literatura (Minayo & Deslandes, 1998; Beato Filho, 2001), que afirma que os índices de
criminalidade são maiores em ambientes onde há uso e tráfico de drogas. Isto sugere a
necessidade urgente de atuação diante do problema das drogas frente ao envolvimento do
usuário com o crime e sua adesão e continuidade com os estudos na adolescência, a fim de
minimizar a criminalidade e maximizar a adesão aos estudos, o que seria um fator favorecedor
para o desenvolvimento saudável.
Quanto aos motivos pelos quais os participantes continuaram usando drogas depois de terem
começado, novamente cinco categorias foram encontradas: (1) influência (n=6) (três dos
amigos e três por considerar ter a "mente fraca"); (2) lidar com problemas/sofrimento (presença
de sofrimento na família, fim de namoro, para esquecer problemas, perda de ente querido)
(n=5); (3) busca de bem-estar (para ficar "doidão", porque acha legal, gostoso ou divertido)
(n=3); (4) para se sentir mais forte e corajoso (n=3); (5) Outros (n=3): medo de morrer, não sei
(resposta literal do participante, como foi utilizado em todas as outras categorias), abstinência.
Os dados sugerem que os motivos são parcialmente diferenciados para o início e a
manutenção do uso de drogas.
São vários os motivos que levaram alguns dos usuários a pensar em parar o uso de drogas: (1)
a família ser contra o uso e apoia parar (n=8); (2) ameaça à saúde/vida (proximidade da morte,
saúde) (n=7); (3) envolvimento com o crime (roubos, tráfico, prisão) (n=5); (4) sentimento de
abandono/perda de confiança (n=4); (5) sentimentos morais (vergonha, arrependimento, muito
sofrimento/humilhação) (n=4) e (6) influência divina ("Deus tocou meu coração") (n=1).
Houve uma restrição da rede inicial (n=51) para a rede atual de amigos (n=18). No início, a
rede era composta, principalmente, por amigos do bairro (n=39), enquanto na rede atual
predominam pessoas da família (n=6) e Deus (n=4). Um dos participantes afirmou não ter tido
amigos em nenhum momento e outros dois consideram que atualmente não têm amigo algum.
No início e atualmente houve influência dos amigos no processo. Em apenas um caso houve
aumento da rede, onde o participante manteve a rede inicial e resgatou uma amizade da
infância ao parar de usar drogas.
Os participantes foram solicitados a informar quem eram seus amigos antes do uso, no
decorrer do uso e após terem parado (quando foi o caso), sem fazer qualquer distinção ao tipo
de amizade estabelecida. Cinco participantes relataram que alguém deixou de ser seu(sua)
amigo(a) depois de começar a usar droga, e onze fizeram novas amizades, por conta do uso
de drogas, por conta de atividades conjuntas relacionadas ao uso (comprar, usar, buscar,
encontrar formas de obter a droga, até mesmo roubando). Oito participantes perceberam
mudança nos relacionamentos atuais por causa do uso de drogas. Destes, cinco relataram que
a mudança foi marcada por uma restrição da convivência, como exemplifica os seguintes
relatos: "distanciei de tudo, hoje é só o pai"; "quando usava andava só com eles, hoje que parei
ando com todos e prefiro andar com os que não usam"; "nunca mais os vi".
Os demais (n=3) relataram perceber diferença, no entanto, não demonstraram clareza quanto
ao tipo de mudança. Onze perceberam que o uso de drogas influenciou os relacionamentos de
modo negativo, incluindo: diminuição da confiança (n=4), diminuição da intimidade (n=1),
restrição da rede (n=2), envolvimento com o crime (n=2), maior agitação e perturbação (n=2).
Dois perceberam mudanças positivas, pois relataram que ficaram mais abertos e obtiveram
mais respeito.
Coerentemente, Paludo e Koller (2005) afirmam que o ambiente da rua pode aumentar a
vulnerabilidade do jovem, exigindo dele uma maior resiliência para lidar com os riscos e evitar
os possíveis efeitos negativos. E a maioria dos amigos dos participantes deste estudo emerge
deste contexto. No entanto, apesar de precisarem de amigos para lidar com as adversidades
da rua, os amigos precisam dar suporte para tanto e, como grande parte dos participantes
afirmou que a qualidade da amizade não era tão satisfatória, a diminuição da rede pode ter um
lado positivo.
Neste sentido, uma restrição da rede de convivência pode significar uma diminuição do suporte
para enfrentamento dos riscos e para o fortalecimento do sentimento de pertença, fundamental
à saúde do adolescente (Senna & Dessen, 2012). No entanto, apesar da restrição do número
de amigos, os participantes se voltam mais à família, que se apresenta como uma fonte de
apoio central, um retorno às referências de socialização primária, um momento de dependência
temporária, um porto seguro, a partir do qual partem em busca de sua autonomia, o que pode
proteger o participante dos riscos e influências da rua, já que a literatura apresenta a
importância da mudança de hábitos da época de uso, o que implica mudança na rede de
amigos e de lugares que o usuário frequentava (Silva & Serra, 2004).
Doze participantes perceberam a influência de amigos para usar droga, quer seja influência
direta (chamavam para usar, ofereciam, falavam que era bom) (n=11), influência indireta (viam
usando, sentiam o cheiro, dava vontade) (n=8) ou influência em atividades conjuntas
(ajudavam roubar, iam junto comprar droga, enturmavam-se) (n=6).
Todos relataram ter tido ajuda de amigos ou colegas para obter a droga e 12 disseram que os
amigos/colegas estavam usando e ofereceram/colocaram a droga para eles(as), sendo que um
relatou que sabia quem vendia e foi atrás desta pessoa para comprar. Alguns (n=7) afirmaram
terem influenciado alguém a usar, sendo que 67% (n=4) das pessoas influenciadas aceitaram e
acabaram usando drogas por influência do participante.
Alguns foram ajudados por mais de uma fonte de apoio a parar de usar drogas. 18,75 % dos
participantes (n=3) afirmaram não ter parado e, dos 81,25% (n=13) que afirmaram ter parado
ou estar tentando parar, alguns (n=6) disseram que a família ajudou. Outros (n=4) afirmaram
que ninguém ajudou, que pararam ou estão tentando parar sozinhos; um disse estar sendo
ajudado pelo CAPS-ad; um afirmou ter sido ajudado por um amigo e outro por um conhecido
mais velho.
Quanto ao tipo de apoio dado ou recebido, alguns autores (Ferreira & Garcia, 2008; Schat &
Kelloway, 2003) foram fontes de inspiração para a escolha das categorias utilizadas neste
estudo. Em relação aos resultados, os participantes afirmaram ter recebido e dado apoio
emocional para parar de usar droga, relataram que davam conselhos, inclusive salientando que
"não era bom" usar drogas. Consideraram como apoio emocional recebido os amigos sentirem-
se preocupados com o participante. Como apoio material recebido, os participantes disseram
que recebiam bicicleta emprestada, arma, drogas, dinheiro para comprar drogas e roupas de
marca no momento do início do uso.
Estes exemplos sugerem que os amigos praticavam atividades de risco em conjunto, o que foi
considerado como apoio em alguns casos e que, mesmo sendo em pequena incidência, e sem
necessariamente parar de usar droga, em outros casos, eles conversavam e se apoiavam na
tentativa de parar. Segundo Pereira e Garcia (2007), a influência é apresentada como um fator
importante nas relações.
Considerações Finais
Os dados indicam a percepção, por parte dos usuários de drogas, da influência direta e indireta
de amigos no início e na manutenção do uso de drogas. Este uso, por sua vez, parece
influenciar as amizades, diminuindo o número de amigos e restringindo-os ao ambiente familiar.
A amizade no mundo das drogas parece diferenciar-se por atividades conjuntas de risco
(roubo, tráfico, compra etc.). Mas, no presente estudo, nem toda influência percebida dos
amigos foi negativa, apesar de todo estímulo dos amigos para iniciar o uso, permitir acesso à
droga, assim como estimular a manutenção do uso. E em alguns casos, os amigos apoiaram a
recuperação do usuário de drogas.
Cabe ainda considerar que, no processo de recuperação da dependência química, o
afastamento dos amigos que influenciam o uso é considerado uma estratégia eficiente. Assim,
a diminuição da rede de amigos no momento da entrevista não deve ser vista apenas
negativamente, mas um retorno ao núcleo familiar em busca de segurança para explorar o
mundo com maior autonomia. No entanto, é importante que novas amizades sejam feitas a fim
de ampliar a rede de suporte social a favor do desenvolvimento saudável.
Considera-se que a pesquisa apresentada foi exploratória, pelo tamanho da amostra, estratégia
de coleta de dados e por ter sido feita em um único local, o que dificulta a generalização dos
dados. No entanto, os resultados sugerem questões relevantes que podem ser melhor
avaliadas em estudos futuros com amostras maiores e em outros contextos de investigação.
Referências
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1 Apoio: CAPES
2 Contato: jmdagnoni@hotmail.com
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ARTIGOS
RESUMO
ABSTRACT
Post Traumatic Stress Disorder (PTSD) is a prevalent disorder which is associated with
neurobiological and cognitive impairments. This paper is a theoretical review of the uses of
neuropsychological assessment in PTSD. Conceptual aspects of this disorder are reviewed, as
well as the neurobiological alterations related to cognitive impairments. Finally, it is argued that
the assessment of memory, attention, and executive function impairments is as relevant to the
clinical intervention as it is to the refinement of the psychological theories of PTSD.
Na população geral, é possível estimar que em torno de 60% a 90% dos indivíduos são
expostos a um evento estressor potencialmente traumático ao longo da vida (Breslau e
colaboradores, 1998; Kessler, Sonnega, Bromet, Hughes & Nelson, 1995). Embora a taxa de
exposição a eventos estressores seja elevada, o percentual de indivíduos na população geral
que apresenta o TEPT ao longo da vida é mais baixo, podendo ser estimado entre 8% a 9%
(Breslau e colaboradores; Kessler e colaboradores). Ainda que a grande maioria de indivíduos
expostos a situações potencialmente traumáticas não desenvolva o transtorno (Yehuda &
McFarlane, 1995), o TEPT tem sido considerado o quarto transtorno mental mais comum
(Yehuda, 2002), resultando em conseqüências sociais e econômicas significativas (Ballenger e
colaboradores, 2004).
Neurobiologia do TEPT
Considerando a natureza do TEPT, não é surpreendente que teorias psicológicas tenham sido
propostas em grande diversidade para explicar as desordens cognitivas e emocionais
características do transtorno (ver revisão em Brewin & Holmes, 2003). Entre outras tantas, uma
teoria que tem recebido crescente apoio empírico é a abordagem cognitiva proposta por Ehlers
e Clark (2000). O conceito central nessa abordagem é que o TEPT torna-se persistente quando
uma sensação de ameaça atual, corrente, influi no processamento cognitivo do trauma. Essa
sensação de ameaça (ou perigo iminente) resulta: (a) de avaliações excessivamente negativas
do trauma e/ou de suas conseqüências (e sintomas) e (b) da natureza da memória do evento
traumático, caracterizada por uma pobre elaboração, pobre integração em relação à memória
autobiográfica, forte memória associativa e forte pré-ativação (priming) perceptual. Essa
sensação de ameaça atual, uma vez ativada, é seguida pela expressão sintomatológica do
TEPT (revivência persistente do evento traumático e excitabilidade aumentada) além de outros
estados emocionais. Assim, além da presença de memórias do trauma pobremente elaboradas
- que facilmente são ativadas por associações situacionais - um conjunto de cognições,
metacognições e comportamentos contribui para a persistência do TEPT (Ehlers & Clark).
Ao revisarem a literatura na área, Horner e Hamner (2002) observaram que os prejuízos nas
funções cognitivas, verificados através de testagem neuropsicológica, apresentaram-se de
forma relativamente uniforme, independentemente da natureza do evento estressor. Entre as
funções cognitivas mais comumente prejudicadas nos indivíduos com TEPT, ao longo dos
diferentes estudos revisados, encontram-se: (a) memória, em maior grau envolvendo
recuperação imediata de informações verbais e visuais e, em menor grau, recuperação não-
imediata; (b) atenção, nas modalidades verbal e visual; e (c) funções executivas, incluindo
provas de resolução de problemas (Horner & Hamner). Ao menos três aspectos merecem
consideração adicional. Primeiro, é importante notar como os prejuízos nas funções cognitivas
acima listadas são compatíveis com as alterações funcionais ou anatômicas associadas ao
TEPT identificadas em estruturas encefálicas (conforme descrito na seção anterior). Estruturas
como o hipocampo, amígdala, córtex pré-frontal e giro cingulado são componentes centrais do
substrato neurobiológico que permite o processamento mnêmico, atencional e executivo
(Mesulam, 2000; Royall e colaboradores, 2002). Segundo, esses prejuízos em funções
cognitivas demonstráveis através de testagem neuropsicológica em populações clínicas
apresentam-se em consonância com aqueles identificados através de estudos empíricos na
tradição da psicologia cognitiva experimental, empregando tarefas de escuta dicótica,
reconhecimento auditivo, procedimento de Stroop modificado (ou Stroop emocional) e memória
autobiográfica, entre outras provas experimentais (McNally, 1998). Terceiro, os prejuízos em
funções cognitivas demonstrados tanto através da avaliação neuropsicológica quanto da
investigação experimental, não somente oferecem grande apoio empírico à abordagem
cognitiva proposta por Ehlers e Clark (2000) para explicar o TEPT, como também podem ser
utilizados para avançar com a teorização. Nesse sentido, além do emprego clínico para a
avaliação neuropsicológica no TEPT destacado por Wolfe e Charney (1991), o presente
trabalho propõe uma finalidade adicional, qual seja, sugerir a avaliação neuropsicológica como
uma metodologia de investigação empírico-clínica para o avanço das teorias psicológicas do
TEPT.
Como ilustração do terceiro ponto acima levantado, é possível indicar que o prejuízo em
funções executivas é um componente central no modelo do processamento cognitivo no TEPT.
No modelo proposto por Ehlers e Clark (2000), por exemplo, de maneira mais ou menos
explícita, ênfase é dada a erros de interpretação de estímulos ambientais, dificuldades em
processos de automonitoramento e prejuízos na integração de conteúdos mnêmicos. Esses
são processos que envolvem justamente a participação de funções executivas (Mesulam, 2000;
Royall e colaboradores, 2002), cujos prejuízos parecem ser centrais na sintomatologia do
TEPT. Embora a definição de funções executivas não seja consensual, é importante notar que
a investigação neuropsicológica demonstrou prejuízos em diferentes processos cognitivos
associados ao TEPT dependentes do funcionamento executivo, como memória prospectiva
(Moradi, Neshat-Doost, Taghavi, Yule & Dalgleish, 1999), raciocínio abstrato (Beers & De
Bellis, 2002), flexibilidade mental (Kristensen & Borges, 2004; Stein, Kennedy & Twamley,
2002) e memória de trabalho (working memory, Stein e colaboradores). Em linhas gerais, o
prejuízo no funcionamento executivo tem sido sugerido em estudos com indivíduos expostos a
combate (Vasterling, Brailey, Constans & Sutker, 1998), prisioneiros de guerra (Sutker,
Vasterling, Brailey & Allain, 1995) ou expostos a estressores variados, incluindo combate ou
abuso sexual (Koenen e colaboradores, 2001). Adicionalmente, as estruturas encefálicas que
participam dos circuitos fronto-subcorticais provendo o substrato neural para o desempenho
das funções executivas (Heyder, Suchan & Daum, 2004; Royall e colaboradores, 2002) têm
sido implicadas no TEPT (Bremner, 2002; De Bellis, 2005; Yehuda, 2001).
Considerações finais
Os prejuízos no funcionamento cognitivo são aspectos constitutivos do TEPT. Não por acaso,
teorias psicológicas recentes têm privilegiado desordens no processamento cognitivo de
eventos estressores trau-máticos para explicar a ocorrência do TEPT. A avaliação
neuropsicológica dos indivíduos com TEPT tem sido sugerida, entre outros fatores, por
contribuir na estimativa das habilidades cognitivas, responder a questões diagnósticas
diferenciais e auxiliar no planeja-mento terapêutico. A possibilidade de contribuições dessa
natureza é suficiente para justificar a adoção da avaliação neuropsicológica como um
procedimento de rotina nos pacientes com suspeita diagnóstica de TEPT.
Além das relevantes aplicações clínicas, o presente trabalho sugere que a avaliação
neuropsico-lógica tenha um papel central no refinamento das teorias psicológicas do TEPT.
Para tanto, algumas limitações metodológicas identificadas nos estudos atuais devem ser
superadas. Investigações futuras na área poderiam empregar metodologias combinadas, como
imageamento funcional e avaliação neuropsico-lógica, incluindo tarefas próximas a situações e
contextos cotidianos (Danckwerts & Leathem, 2003). Além das funções cognitivas
tradicionalmente avaliadas no TEPT, como memória e atenção, tarefas e testes sensíveis a
prejuízos executivos deveriam ser rotinei-ramente incluídos em qualquer avaliação neuropsico-
lógica. Particularmente na avaliação das funções executivas, especial ênfase deveria ser
conferida à sondagem de prejuízos cognitivos relacionados ao cotidiano dos pacientes, pois
características da situação altamente estruturada na testagem neuropsicológica podem
minimizar as dificuldades reais, quando a demanda pelo comportamento ocorre em um
contexto flexível e errático (Mesulam, 2000), diminuindo assim a validade ecológica das tarefas
propostas (Royall e colaboradores, 2002).
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Sobre os autores:
1
Christian Haag Kristensen é doutor em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), bolsista PDEE-CAPES na Universidade do Arizona
(2002/2003). Atualmente é professor assistente no Curso de Psicologia da Universidade do
Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e pesquisador no Laboratório de Neurociências
(UNISINOS).
2
Maria Alice de Mattos Pimenta Parente é doutora em Psicologia pela Universidade de São
Paulo (USP), tendo realizado Pós-Doutorado na Universidade de Montreal, Canadá e
Universidade Tolouse Le-Mirail, França. Atualmente é professora titular no Instituto de
Psicologia (UFRGS).
3
Alfred W. Kaszniak é doutor em Psicologia pela Universidade de Illinois, Chicago, EUA.
Atualmente é chefe do Departamento de Psicologia na Universidade do Arizona, professor de
Psicologia, Psiquiatria e Neurologia e diretor do Programa de Neuropsicologia Clínica na
Universidade do Arizona.
edusf@saofrancisco.edu.br