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Introdução ao Estudo do Direito II 2
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Há diversos critérios de distinção, por vezes é difícil traçar a fronteira entre Direito Publico e
Direito Privado, como por exemplo, quanto ao Direito do Trabalho.
• Critério do Interesse
Atende ao caráter privado ou publico dos interesses prosseguidos. De acordo com este critério,
as normas de direito publico visam proteger os interesses públicos do Estado ou da comunidade,
e as normas de direito privado visam proteger os interesses próprios dos indivíduos.
Marcelo Caetano formula este critério de modo qualificado: “Para nós uma norma é de direito
publico quando diretamente protege o interesse publico (considerando-se interesses públicos os
que respeitam à existência, conservação e desenvolvimento da sociedade politica) e só
indiretamente beneficia interesses privados”.
A qualificação feita por Marcelo Caetano, alem das dificuldades que suscita quanto à aferição
do caráter direto da proteção de um interesse publico (dificuldade em perceber quando é que é
ou não protegido diretamente um interesse publico), não resolve todos os problemas.
De acordo com este critério, é Direito Público aquele que regula as relações em que ambos os
sujeitos, ou pelo menos um deles, são sujeitos públicos, isto é, o Estado ou outras pessoas
coletivas de Direito Público (como as autarquias locais ou os institutos públicos). Por outro
lado, é Direito Privado aquele em que ambos os sujeitos da relação são particulares, isto é,
indivíduos ou pessoas coletivas privadas (como as associações, fundações ou sociedades
privadas).
Crítica – Muitas vezes o Estado e os restantes entes públicos intervém na vida jurídica
exatamente nas mesmas condições em que intervêm os particulares, estando sujeitos à
aplicação de regras idênticas. Por exemplo, o Estado pode arrendar, vender ou comprar
bens tal como se de um particular se tratasse (por exemplo, a aquisição de veículos ou
de material de escritório).
Este critério exprime uma conceção estatutária do Direito Público: este Direito é formado pelas
normas privativas do Estado e de demais entes públicos.
A principal dificuldade suscitada por este critério tem que ver com a qualificação das relações
concretamente estabelecidas entre sujeitos públicos e particulares. Como determinar se o sujeito
público intervém na sua qualidade própria ou enquanto particular?
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De acordo com este critério, não é a qualidade dos sujeitos da relação jurídica que serve de base
à distinção, mas é antes a posição que nela assumem que permite a separação entre Direito
Público e Privado. Assim, o direito publico é aquele em que o Estado e as pessoa coletivas de
direito publico intervêm na sua posição de supremacia, enquanto titulares de “jus imperii” ou
poderes de autoridade. Estes poderes de autoridade podem ser materiais (possibilidade de
utilizar a coerção material) e jurídicos (possibilidade de construir, modificar ou extinguir
unilateralmente a relação).
Por outro lado, já são de Direito Privado as relações em que intervêm os particulares, ou mesmo
o Estado e as outras pessoas coletivas de Direito Público, quando atuem em posição de
igualdade ou paridade com outros sujeitos.
Nestes termos, quando o Estado expropria um terreno ou cobra um imposto age munido de
poderes de autoridade, o que justifica a natureza publica das situações jurídicas em causa, mas
já quando compra um automóvel ou arrenda um prédio age em condições de igualdade/paridade
para com a outra parte, por isso, a natureza das relações envolvidas não pode deixar de ser
privada.
Crítica – Invoca-se, por um lado, que o Direito privado também disciplina algumas
relações em que os sujeitos se encontram numa situação de desigualdade jurídica (por
exemplo, no caso da filiação e das relações no trabalho, em que os filhos e os
trabalhadores se encontram subordinados, respetivamente aos pais e patrões), e, por
outro lado, que existem relações de direito público cuja concretização ocorre em
completa paridade (por exemplo, as convenções jurídicas entre municípios para a
prossecução de interesses comuns pertencem ao direito público, mas não se pode dizer
que haja nelas “jus imperii”).
• Combinação de Critérios
Alguns autores, como Freitas do Amaral, defendem um critério que resulta da combinação dos
anteriormente referidos, segundo o qual:
➢ Por um lado, a distinção entre estes dois ramos do Direito (distinção do Direito Publico
e do Direito Privado enquanto dois ramos do Direito), que é feita em função dos traços
dominantes que os caracterizam. Neste momento, cabe perguntar quais são as
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➢ Por outro, a inclusão de institutos ou relações em cada um destes ramos do Direito que,
sendo em parte uma questão de Direito positivo, é influenciada por fatores históricos.
“Direito público e Direito privado não se deixam separar tão precisamente como as
duas metades de uma maçã cortada” (Larenz). Estão engrenados um no outro e há
áreas de transição.
Por exemplo, o Direito do Trabalho embora tenda a ser encarado predominantemente
como um ramo do Direito privado também contém normas que devem ser consideradas
públicas (por exemplo, sobre a segurança e a higiene no trabalho).
A inserção deste ou daquele instituto ou relação no Direito público ou no Direito
privado é influenciada por razões históricas, de contiguidade e de mera oportunidade.
Por isso há também que distinguir a perspetiva de iure condendo/constituendo (direito
a constituir, nos moldes do direito que deve ser constituído) e de iure
condito/constituto (direito constituído, direito que vigora).
▪ De iure condendo, devem ser inseridos no Direito público os institutos ou
relações que dizem respeito à constituição, organização e atividade vinculada
do Estado e entes públicos autónomos.
▪ De iure condito, importa, em primeiro lugar atender à qualificação legal. Na
falta de qualificação legal, haverá que atender à existência de subordinação a
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Muitos autores entendem que o Direito público é especial relativamente ao Direito privado. O
Direito privado seria Direito comum, aplicável à gestão privada da Administração e às questões
suscitadas por relações de Direito público que não sejam objeto de normas de Direito público.
Isto é em vasta medida exato. No entanto tem sido posto em causa que a relação entre Direito
público e Direito privado seja exatamente de especialidade.
Segundo a mais reputada doutrina administrativista, o Direito público é um Direito original cuja
especificidade decorre da razão de ser das entidades que organiza e cuja atividade dirige.
Este Direito seria original e não especial, por constituir um subsistema autónomo com os seus
próprios conceitos e princípios, razão por que em caso de lacuna não se pode recorrer
diretamente ao Direito privado.
Na doutrina mais recente também é defendido que o Direito privado só será subsidiariamente
aplicável à atividade administrativa de gestão pública na medida em que tal seja expressamente
determinado por normas de Direito Administrativo ou, quando muito, quando não se trate
apenas de princípios de Direito privado mas antes aplicáveis a todos os setores da ordem
jurídica.
Ramos do Direito
Apesar da maioria dos sujeitos das relações Internacionais serem sujeitos públicos nem todos os
são. Sujeitos privados também podem ser sujeitos das relações internacionais.
Mencione-se quatro:
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Posição do Regente:
De acordo com o professor Jorge Miranda, pode-se dizer que nenhum destes critérios é
suficiente, mas que cada um deles, e principalmente os critérios das fontes e da comunidade
internacional fornecem contributos que devem ser retidos.
O Direito Internacional Público caracteriza-se, em parte, pelas suas fontes específicas (elemento
formal), mas estas fontes exprimem a realidade da comunidade internacional (elemento
material).
A comunidade internacional começou por ser formada pelas relações recíprocas dos Estados e
de outras entidades para certos efeitos deles aproximadas, mas tende hoje a abranger certas
relações em que participam outras pessoas coletivas e indivíduos que por extravasarem das
fronteiras dos Estados ou dizerem respeito a direitos fundamentais tendem a ter relevância
internacional.
O Direito Internacional Privado é o ramo do Direito que regula situações transnacionais por
meio de um processo conflitual.
Situações transnacionais são casos da vida prática que tem elementos relevantes de contacto
com mais de um elemento da vida internacional – DIP resolve conflito, diz quais são as normas
que vão ser aplicadas para resolver o caso concreto – contacto com mais de uma lei estadual.
Processo conflitual – não regula diretamente as situações – DIP só diz qual das lei se vai
aplicar, não é uma relação material, não diz como as pessoas se vão divorciar mas diz qual a
regra jurídica que vai ser aplicada, desempata, resolve o conflito.
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A maior parte das normas de DIP são normas remissivas e de conexão (ligação a ordens
jurídicas estaduais é feita através de critérios que são elementos de conexão – a maneira pela
qual o DIP resolve o caso é através da conexão) e formais (resolvem conflito abstraindo das
consequências que resultam da aplicação de qualquer uma destas leis, não se preocupam com
as consequências práticas das leis).
Por exemplo, qual o regime ou regimes aplicáveis às relações conjugais entre um português e
uma espanhola que casaram e residem habitualmente em Roma. Será este regime ou regimes
definidos pela lei portuguesa, pela lei espanhola ou pela lei italiana?
Por situações transnacionais entendemos a situações que tendo um contacto relevante com mais
de um Estado soberano colocam um problema de determinação do Direito aplicável que deve
ser resolvido por este ramo do Direito.
O Direito Internacional Privado não regula diretamente estas situações, mas através de normas
de conflitos que remetem para o Direito aplicável. Por isso se diz que regula as situações
transnacionais por meio de um processo conflitual.
Por exemplo, do art. 25.º conjugado com o art. 31.º/1 CC resulta que o estado, a capacidade, as
relações de família e as sucessões por morte (que ainda não estejam sujeitas a Regulamentos
europeus) são, em princípio, regulados pela lei da nacionalidade dos interessados.
O Direito Internacional Privado, enquanto ramo do Direito, abrange não só este Direito de
Conflitos, mas também o Direito de Reconhecimento, que regula os efeitos que decisões
estrangeiras sobre situações “privadas” podem produzir na ordem jurídica portuguesa.
O Direito Internacional Privado também não é, no seu conjunto, Direito de fonte interna. O
Direito Internacional Público não se distingue do Direito Internacional Privado por um critério
de fontes.
O Direito Internacional Privado tanto tem fontes internas, como fontes internacionais, europeias
e transnacionais.
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O Direito Constitucional é o ramo do Direito que rege o próprio Estado enquanto comunidade e
enquanto poder. Além das regras fundamentais da organização política, o Direito Constitucional
compreende hoje as normas sobre direitos fundamentais e a organização económica.
Ocupa um lugar central, pois é ele que carateriza o Estado como detentor do poder soberano.
Em Direito Constitucional estudam-se os princípios fundamentais de todos os ramos do Direito,
particularmente enquanto estes estão assumidos com quadros de estruturação interna (Oliveira
Ascensão).
Numa primeira aproximação, o Direito Administrativo é tradicionalmente encarado como o
ramo do Direito que regula a organização da Administração pública (em sentido orgânico) e
a atividade por ela realizada na sua qualidade própria.
Perante esta orientação mais ampla, o Direito administrativo não regula apenas a atuação da
Administração pública em sentido orgânico (orientação mais restrita – órgãos em sentido
próprio). Regula também:
Assim entendido o Direito Administrativo abrange complexos normativos incidentes sobre três
realidades diferentes:
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O Direito Penal é o ramo do Direito que define aquelas condutas que, por representarem uma
grave violação de bens jurídicos fundamentais, são consideradas crimes e desencadeiam a
aplicação de sanções punitivas.
Bens jurídicos fundamentais são, por exemplo, a vida, a integridade física, a honra, a segurança
pública, o património
A aplicação de um regra penal tem por pressuposto um crime. Nas um crime é uma ação: uma
ação ilícita e culposa, mas sempre uma ação.
A conduta penalmente relevante pode consistir numa ação ou numa omissão. A omissão é
criminalmente punível quando o sujeito tinha o dever de evitar o resultado previsto num tipo
legal de crime e não o fez (art. 10.º/2 C Penal).
A conduta pode ser intencional ou dolosa ou meramente negligente. No primeiro caso o agente
age com a intenção de realizar um facto que preenche um tipo de crime ou aceita a produção do
resultado como consequência necessária ou possível da sua conduta (art. 14.º C. Penal). No
segundo caso não há aceitação do resultado, mas este era evitável se o sujeito agisse com a
diligência devida (art. 15.º C. Penal).
A conduta negligente só é punível nos casos especialmente previstos pela lei (art. 13.º C. Penal).
Por força do princípio da legalidade ou da tipicidade, que domina o Direito Penal nos regimes
democráticos, ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei
anterior que declare punível a ação ou omissão, nem sofrer medida de segurança cujos
pressupostos não estejam fixados em lei anterior (art. 29.º/1 CRP e art. 1.º/1 e 2 C. Penal).
No entanto, o art. 29.º/2 CRP ressalva a punição, nos limites da lei interna, da conduta que no
momento da sua prática seja considerada criminosa segundo os princípios gerais de Direito
Internacional comummente reconhecidos.
▪ A vida;
▪ A integridade física;
▪ A liberdade;
▪ A honorabilidade;
▪ A integração social;
▪ O Património
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As contraordenações são factos ilícitos sancionados com uma coima ( art. 1.º/1 do DL nº
433/82). A coima é uma sanção pecuniária aplicada por órgãos administrativos e que não é
convertível em prisão no caso de não pagamento. Distingue-se assim da multa que é aplicada
por um tribunal e que é convertível em prisão no caso de não pagamento.
Os factos ilícitos punidos com coima – ilícitos de mera ordenação social – são aqueles que
embora violem injunções normativas não são suficientemente graves para terem relevância
penal.
O Direito privado divide-se em Direito privado comum ou Direito civil e Direitos privados
especiais. O Direito Civil seria o tronco comum do direito civil especial aos quais os vários
ramos recorrem quando não têm uma solução. Direitos especiais são concretizações do direito
privado comum. Quando não tem resposta recorre-se ao Direito Privado Comum, ou seja, ao
Direito Civil.
Direito civil é direito privado comum. Este tronco comum é o núcleo, encontramos aqui uma
noção de vários conceitos (contrato, negócios jurídicos, direitos de personalidade) estes
conceitos vão ser utilizados em todos os outros ramos, só se vai buscar o direito privado comum
quando o direito especial não regule.
São conceitos fundamentais operativos que são uteis em muitas outras áreas do direito. Se
existirem lacunas recorre-se a estes princípios base que podem ser aplicados no âmbito dos
direitos especiais
A par do Direito civil surgem Direitos privados especiais: por exemplo, o Direito Comercial e o
Direito do Trabalho.
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Perante situações carecidas de regulação jurídica que não relevem do Direito público e não
sejam reguladas por Direitos privados especiais há que recorrer ao Direito Civil.
Tende a incluir-se no Direito civil regras gerais comuns a todos os ramos de Direito, privados e
públicos. É o que se verifica com parte do Livro I do CC, que compreende dois títulos, com as
epígrafes “Das leis, sua interpretação e aplicação” e “Das relações jurídicas”. São aplicáveis
transversalmente às grandes áreas, não é apenas teoria geral do direito civil, é uma teoria Geral
do direito.
No título I encontramos normas sobre normas, i.e., normas sobre fontes e normas sobre a
interpretação, integração e aplicação da lei, que são objeto da Teoria Geral do Direito e não só
da Teoria Geral do Direito Civil. Estas normas são estudadas na nossa disciplina.
No título I encontramos ainda normas de conflitos de Direito Internacional Privado, que são
estudadas na disciplina de Direito Internacional Privado.
O título II contém normas sobre as pessoas e as situações jurídicas em geral que, embora
pudessem corresponder a uma Teoria Geral do Direito, são reguladas na ótica do Direito Civil,
razão por que a sua aplicação ao Direito público pode exigir as necessárias adaptações. Esta
matéria é estudada na disciplina de Teoria Geral do Direito Civil.
Existem dois grandes sistemas jurídicos, a Common Law (baseada no precedente) e o sistema
romano-germânico (o direito romano foi recuperado pelos autores alemães e foi lhe dada uma
perspetiva de sistema). No sistema romano germânico existe uma sistematização do direito
próprio.
Por serem muito numerosos, os preceitos do Direito Civil devem ainda dividir-se por vários
sub-ramos.
Seguindo a classificação germânica das relações jurídicas, o Código Civil divide as situações
jurídicas em quatro categorias, que correspondem a outros tantos livros:
Numa primeira aproximação, o Direito das Obrigações regula as relações em que uma pessoa
está vinculada a realizar em benefício de outra uma prestação, fazer ou não fazer uma ação;
entregar uma coisa (art. 397.º CC). O sujeito ativo, o credor, tem um direito de crédito. O
sujeito passivo, o devedor, tem a correspondente obrigação. Direito de crédito situação jurídica
ativa, obrigação é uma situação juridica passiva.
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As obrigações podem ser voluntárias, tendo por fonte um negócio jurídico, designadamente
um contrato.
As obrigações podem ser involuntárias, não têm de ser queridas pelas partes designadamente
quando são geradas pela violação de um direito ou interesse juridicamente protegido.
Por isso o Direito das Obrigações também compreende a responsabilidade civil extracontratual,
instituto que regula a obrigação de reparar os danos resultantes da violação de um direito ou
interesse juridicamente protegido doutrem.
Se A partir o vidro do carro de B, deve indemnizar, obrigação involuntária, art 562, art566. A
obrigação de indemnização nestes casos não é voluntária, não é porque lhe apetece, advém da
responsabilidade civil. Não advém de um negócio jurídico, de uma declaração de vontade.
Porem, também podem ser voluntárias quando advém de um contrato, partem da vontade dos
sujeitos (liberdade de celebração e de estipulação).
Direitos de crédito são relativos, direitos reais são absolutos, direitos de crédito apenas vinculam
credor e devedor, os direitos reais sendo absolutos são oponíveis erga omnes, só por si exige o
respeito de todos.
O Direito das Coisas regula a afetação de coisas corpóreas aos fins de pessoas individualmente
consideradas, de tal modo que a pessoa fica com um Direito oponível a terceiros. O Direito das
coisas regula essencialmente as coisas corpóreas, artigo 1302- Livro II está assente numa ideia
de direitos reais maiores e menores- Visão tradicional de olhar para o direito de propriedade
como o direito onde estão todos os poderes e faculdades admissíveis, todos os outros direitos
seriam direitos reais menores (ex: usufruto – não pode alienar a coisa).
Todo o livro II está estruturado sobre o direito real maior por excelência – direito de
propriedade. Visam regular a disposição, afetação das coisas corpóreas.
Art 1303 – direitos de autor e propriedade industrial incidem sobre coisas incorpóreas, direito
enquanto conjunto de coisas agregadas é coisa corpórea, pode ser objeto de direito de
propriedade, a coisa corpórea da obra é incorpórea.
Teoria da fragmentação – parte da ideia que o direito real de propriedade é o direito real maior –
qualquer outro direito real terá poderes e faculdades a menos
Há 3 tipos principais de direitos reais – gozo, garantia e aquisição. Direitos de crédito vs.
Direitos reais. Direitos de crédito relativo e não são oponíveis a terceiros. Direitos reais
absolutos, oponíveis a todos.
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O Direito real paradigmático é a propriedade, que é o direito real de gozo pleno. Há direitos
reais de gozo limitados, como o usufruto, que consiste num direito temporário ao gozo de coisa
alheia.
Os direitos reais de aquisição conferem um poder de aquisição de uma coisa. O exemplo típico é
a posição do promitente comprador com eficácia real – art413
Direito da Família
Família é o conjunto de pessoas ligadas entre si pelo vínculo conjugal, pelo parentesco, pela
afinidade e pela adoção.
O Direito das Sucessões regula a transmissão do património por morte do seu titular.
Herdeiro sucede numa cota, logatário sucede num bem. (art. 2030)
Há várias espécies de sucessão, atendendo ao título por que os sucessores são chamados:
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Os herdeiros legitimários estão previstos no artigo 2157ºCC; Art 2133 -Prevalecem sobre todos
os outros
Direito da Personalidade
Chama-se hoje a atenção para a necessidade de autonomizar uma matéria muito importante do
Direito Civil que é o Direito da Personalidade. Tem vindo a ganhar autonomia ao longo dos
anos. Direito da personalidade (direito privado especial) vs Direito de personalidade (direitos
subjetivos)
Direitos de personalidade visam tutelar bens jurídicos de personalidade, bens juridicos ligados
essencialmente à pessoa humana. Direitos subjetivos que têm como particular relevância serem
bens jurídicos pessoais.
A maior parte dos direitos de personalidade consta da própria Constituição, porque constituem
direitos fundamentais, ver arts. 24.º e segs. CRP, designadamente sobre o direito à vida, direito
à integridade moral e física, direito ao bom nome e à reputação, direito à liberdade, etc.
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Não é um direito privado especial, é uma autonomização do direito civil, segundo o professor
Lima Pinheiro.
Direito de Autor
O professor Oliveira Ascensão, o direito de autor, um ramo do direito civil, que disciplina a
criação intelectual.
Regula os direitos sobre as obras literárias e artísticas. Esta designação abrange obras das mais
várias espécies, como escritos literários e científicos, as obras cinematográficas ou
arquitetónicas, as pinturas,…
Ao Direito Privado Comum, ou civil, se contrapõem os Direitos privados especiais. Como todo
o direito especial, representam a adaptação deste direito comum (ou geral) a circunstâncias
especiais.
Direito Comercial
Em certos setores da vida social verificam-se circunstâncias especiais que justificam valorações
específicas e, com elas, a criação de um Direito especial. É assim que surgem Direitos privados
especiais que se contrapõem ao Direito privado comum ou Direito Civil.
Atividade económica que exigia a criação de algo que se afaste do direito privado comum
Entre as características da atividade económica que justificariam este Direito especial são
referidas:
O Direito Comercial surgiu como um Direito dos comerciantes mas tende a ser hoje um Direito
dos atos de comércio, aplicável igualmente aos não comerciantes que praticam atos de comércio
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Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A toda a pessoa que praticar algum dos atos objetivamente regulados pela lei comercial aplica-
se diretamente esta lei.
Mas todos os atos dos comerciantes que de sua natureza não forem exclusivamente civis ficam
em princípio sujeitos à lei comercial, por se presumirem resultantes da atividade comercial.
A delimitação entre as relações económicas regidas por este Direito especial e as que são
disciplinadas pelo Direito comum não obedece a um critério uniforme.
Em todo o caso pode dizer-se que esta delimitação é influenciada pela ideia de empresa, que
leva alguns a defender a evolução do Direito Comercial para um Direito da Empresa.
O núcleo do Direito Comercial seria então constituído pelo regime aplicável aos entes que
normalmente exploram empresas, como é o caso das sociedades comerciais (veja-se,
designadamente, o Código das Sociedades Comerciais), e às atividades que normalmente são
desenvolvidas por empresas.
O Direito do Trabalho
Como já foi assinalado, o Direito do Trabalho tende a ser encarado predominantemente como
um ramo do Direito privado, embora também contenha normas que devem ser consideradas
públicas (por exemplo, sobre a segurança e a higiene no trabalho).
Visa regular as relações entre empregador e trabalhador desde que surge um contrato de
trabalho, não regula apenas esta relação mas a matéria dos sujeitos coletivos (sindicatos,
associações de empregadores) – regula a sua atuação, modificação, as condições do trabalho,
segurança e saúde.
Foi autonomizado do Código Civil Art 1153 – lei especial que é o Codigo do Trabalho
aprovado em 2009
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Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O Código do Trabalho de 2009 define contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa
singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no
âmbito de organização e sob a autoridade destas” (art. 11.º).
Tem duas grandes áreas: direito individual do trabalho – relação essencialmente individual do
trabalho – contrato – relação entre o trabalhador e o empregador; no direito coletivo do trabalho
encontramos a noção de sujeitos coletivos de trabalho (associação sindical, associações de
empregadores).
Contrato coletivo pressupõe vinculação para pessoas que não o acordaram (filiados nas
associações de empregadores e sindicais; nos contratos singulares só vincula o empregador e o
trabalhador.
Direito Processual
É direito adjetivo, ao contrário dos outros não é substantivo. O Direito processual permite a um
órgão terceiro dirimir um litigio, regula o processo, o conjunto de atos realizados pelos tribunais
no exercício da função jurisdicional e dos particulares que perante eles atuam
Contrapõe-se o Direito Processual, como Direito adjetivo, ao restante Direito, que é Direito
substantivo. Com esta qualificação quer-se significar que o Direito Processual é instrumental
relativamente ao restante Direito.
Diferentemente, há autores que entendem que a divisão entre privado e público só diz respeito
ao Direito substantivo, e não ao Direito adjetivo (LARENZ). Segundo a opinião do professor
Lima Pinheiro é de preferir porque o Direito Processual nem sempre regula a atividade de
órgãos públicos. Os tribunais da arbitragem voluntária não são órgãos públicos, mas também
podem ser sujeitos a regras processuais, como se verifica na Lei de Arbitragem Voluntária.
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Introdução ao Estudo do Direito II 19
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A grande divisão no processo civil traça-se entre processo declarativo e processo executivo.
Se a sentença condenatória não for cumprida pela parte vencida há o processo executivo que se
destina à sua realização coativa. Por exemplo, se o réu não paga a indemnização a que foi
condenado, o processo executivo permite a apreensão e venda de bens da sua propriedade por
forma a satisfazer o crédito indemnizatório.
A decisão proferida por um tribunal pode em certos casos ser objeto de recurso para um tribunal
superior. Pode mesmo haver um segundo grau de recurso. O tribunal superior fixa a solução
definitiva do caso. Quando a decisão já não admite recurso ordinário nem reclamação diz-se que
transitou em julgado (cf., designadamente, art. 628.º CPC e sobre o valor das sentenças
transitadas em julgado arts. 619.º e segs. CPC).
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aprova é meramente formal. Materialmente o código faz parte da lei que o aprova e tem o
mesmo valor como fonte do Direito. O Código é fonte do Direito, mas dentro das fontes não
ocupa lugar próprio, antes se integra na modalidade lei.
Os códigos podem ou não estar divididos em partes. A divisão fundamental é, em geral, o livro
e, dentro deste, o título. Segue-se por vezes o subtítulo, o capítulo, a secção e a subsecção. A
unidade básica é o artigo, que geralmente contém uma ou várias proposições jurídicas.
Embora os códigos existentes tendam a cobrir todo o Direito privado, as leis que alteram os
códigos, ou que vão além da regulação neles contida, sem neles serem integradas, designam-se
por leis avulsas ou legislação extravagante (ex: cláusulas contratuais gerais).
Por exemplo, as disposições do Código Civil sobre arrendamento rural foram revogadas pelo
DL n.º 201/75, de 15/4, e constam hoje do DL n.º 294/2009, de 13/10.
A designação de estatuto, também traz as suas dificuldades, pois não é clara a fronteira com a
noção de código.
Os estatutos são diplomas que regulam certa matéria de modo unitário, sem que esta matéria
tenha a dignidade ou amplitude suficiente para justificar a designação de código. O principal
exemplo são as leis que regulam por foram sistemática e unitária uma determinada atividade,
carreira ou profissão. Temos assim, por exemplo o Estatuto do Artesão, o Estatuto dos
Solicitadores e o Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Designa-se por lei orgânica aquela que organiza e regula o funcionamento de um serviço
público, por exemplo, a Lei Orgânica do Ministério das Finanças e a Lei de Organização do
Sistema Judiciário que organiza os tribunais judiciais.
Reconhece-se que dizer que cada código deve regular um setor importante da vida social é
vago: não se diz o que é suficientemente importante ou não. Mais técnico é dizer-se que deve
reger um ramo da ordem jurídica. Persiste em todo o caso a dificuldade da demarcação precisa
dos ramos de direito uns perante os outros.
O problema ainda é agravado pelo facto de certas leis trazerem a denominação de “código”
apesar de não revestirem as características assinaladas, ou, pelo contrário, não serem designadas
código e obedecerem a essa característica.
Por isso se fala por vezes em códigos em sentido formal em contraposição a códigos em
sentido material, sendo códigos em sentido formal aqueles que o legislador assim
denomina e códigos em sentido material os diplomas que revestem as características
fundamentais que a doutrina assinala.
Por exemplo, o Código das Custas Judiciais não abrange um ramo do Direito.
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Introdução ao Estudo do Direito II 22
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Código e Compilação
Muitos dos códigos antigos eram na realidade compilações de leis, a que faltava a
sistematicidade e a cientificidade, enquanto que o código moderno é sempre uma lei unitária,
mesmo quando se baseia em leis que estavam anteriormente em vigor, portanto, mesmo quando
não é inovador.
Uma compilação de leis pode incluir disposições revogadas, o que é impensável num código.
O objeto da compilação não são necessariamente leis. Também pode haver compilação de
costumes, que são assim reduzidos a escrito. Pode haver compilações de jurisprudência. E pode
haver compilações mistas, que abranjam a totalidade das fontes existentes.
Pode-se falar de diferentes causas que justificam o movimento da codificação a partir do século
XVIII:
• Ideológica;
A razão humana podia descobrir a generalidade dos princípios que deviam regular a vida social
(Direito Natural). O Direito codificado prestava-se a refletir fielmente esse Direito Natural.
• Politica;
▪ Plano Interno
a) Permite impor uma legislação geral – código imposto como lei a todas as
pessoas, permite abolir privilégios ou leis particulares ao tempo
existentes;
b) Permite favorecer uma unificação politica por meio de uma unificação
jurídica – assistiu-se, nos últimos séculos à formação de países através da
unificação, a submissão dos direitos locais a um código nacional ajudou a
concretizar essa unificação nacional. Toda a sociedade se caracteriza pelo
seu Direito, a imposição de um Direito Comum é um passo considerável
para a formação de uma única sociedade.
▪ Plano Externo
Quando em certo país se consegue moldar em lei o conjunto de princípios, que se
afirmam impostos pela razão humana, esses princípios, cuja praticabilidade se
pressupõe, podem exercer grande atração sobre países vizinhos.
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Introdução ao Estudo do Direito II 23
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
• Técnicojurídica;
Como o código é um instrumento cientifico e sistemático, tem na sua base um plano ou
ordenação técnica das matérias, em que se apoia. Isso significa que a codificação supõe
um estado cientifico em análise do material jurídico, que prepara essa sistematização.
• Prática;
Para além de tudo isto, a codificação era também uma instante necessidade prática.
Uma evolução social profunda, e nalguns casos precipitada, reclamava tradução no
plano jurídico, exigindo grandes reestruturações. A essa evolução não eram já estranhos
a revolução industrial e o predomínio alcançado pelas classes burguesas.
O movimento codificador surgiu no séc. XVIII como resultado de três fatores principais: a
difusão do iluminismo, a unificação política dos Estados europeus e o labor de sistematização
realizado pela ciência jurídica.
O Direito tradicional é criticado pela sua casualidade histórica, pelas suas particularidades
irracionais e por sujeitar os cidadãos à arbitrariedade do juiz. Bentham qualificou o Common
Law do seu tempo como “Dog-Law”, Direito dos Cães, porque à semelhança do adestramento
de um cão, uma pessoa só poderia saber que uma conduta era proibida e punida quando lhe
fosse aplicada a pena.
Contra isto o jusracionalismo exigia leis que excluíssem toda a arbitrariedade dos juízes e que,
por isso, tudo deveriam prever.
Acresce que os cidadãos deveriam poder conhecer as regras jurídicas, razão por que elas
deveriam ser formuladas por forma clara e sistemática e ser escritas em linguagem
compreensível e transparente.
Mas não se trata apenas de dar uma nova forma ao Direito preexistente. O jusracionalismo
postula também a sua reforma.
Por um lado, o iluminismo opõe-se aos privilégios e estatutos especiais de certos grupos sociais.
Por isso o jusracionalismo defendeu que as leis deveriam estabelecer a igualdade e liberdade dos
cidadãos.
Por outro lado, a ideia de que todas as regras jurídicas devem decorrer da razão. Isto pode
traduzir a crença utópica na possibilidade de formular de uma vez por todas um sistema ideal de
Direito fundado na razão. Mas também exprime o desígnio de racionalizar o Direito em função
das necessidades criadas pela evolução económica e social. Esta evolução e, em especial, a
revolução industrial, não era compatível com o estado caótico em que se encontravam as fontes
do Direito.
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Introdução ao Estudo do Direito II 24
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Estas ideias presidiram às primeiras grandes codificações, como o code civil, Código Civil
francês de 1804. Napoleão interveio pessoalmente na sua feitura. Este código influenciou as
primeiras codificações em Portugal, Espanha e Itália.
Como outro fator que impulsionou a codificação refira-se a unificação política dos Estados
europeus. A codificação, com a eliminação ou subalternização das leis ou costumes locais,
constituiu em Estados como a França, a Espanha, a Itália e a Alemanha um instrumento para a
preparação ou consolidação da unidade política.
Enfim, estas codificações só foram possíveis porque a ciência jurídica desde há dois séculos se
esforçava por uma apresentação sistemática do Direito, em torno a princípios.
Hoje a codificação é típica dos países da família romanogermânica. Além do code civil são de
mencionar o Código Civil alemão de 1896, o Código Civil suíço de 1907, e o Código das
Obrigações suíço de 1911, o Código Civil italiano de 1942, e o Código Civil português de 1966,
que foi influenciado, designadamente, pelos códigos alemão e italiano.
A grande desvantagem é a rigidez. O código representa um grande esforço, que deve ser
respeitado. Não é de ânimo leve que se deve alterar um código. Pode ser um obstáculo à
evolução futura da legislação. Pode também influir negativamente na evolução da ciência
jurídica. Mas o código também não pode ser considerado uma tábua sagrada. A adaptação tem
de ser feita frequentemente, porque a vida muda constantemente, embora deva ser cuidadosa e
bem refletida.
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Introdução ao Estudo do Direito II 25
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
▪ Trazendo uma disciplina unitária, evita incongruências entre as várias fontes, e faz
avultar os grandes princípios que disciplinam aquele sector da vida social;
▪ Pela sistematização cientifica que traz, dá ao intérprete um mapa onde situar
facilmente o novo caso.
O facto do código ser um diploma cientifico e sistemático tem muita importância, já não
está em questão uma mera concentração, mas uma concentração sistematizada
• O código tem inerente uma enorme rigidez, o código representa um grande esforço para
quem o elabora, e quanto maior é esse esforço mais respeito ele impõe depois de
realizado.
• Os códigos são alterados com muito pouca frequência, por isso, um código é um
obstáculo à evolução e à adaptação da ordem jurídica.
Apesar de num momento inicial prever o código como uma base sujeita a alteração posterior, os
códigos, na sua esmagadora maioria, permanecem inalterados.
Em seguida, temos o Código Civil, aprovado pelo DL n.º 47 344, de 25/11/66, e que foi
reformado pelo DL n.º 496/77, de 25/11, tendo em vista designadamente a sua conformação
com a Constituição de 1976.
No Direito privado temos ainda o Código Comercial, que foi aprovado em 1888. Parte da
matéria abrangida por este código é hoje objeto do Código das Sociedades Comerciais,
aprovado em 1986.
De referir ainda o Código do Trabalho, de 2009, o Código do Direito de Autor e dos Direitos
Conexos, de 1985, o Código da Propriedade Industrial, de 2003, e, em matéria de registo, o
Código de Registo Civil, de 1995, o Código de Registo Predial, de 1984, e o Código do Registo
Comercial, de 1986.
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Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Partes Gerais
Tanto num caso como noutro se trata de partes gerais. Estas partes gerais constituem um
imperativo de técnica legislativa: para evitar repetições parte-se do geral para o particular,
começando pelas disposições comuns.
Por exemplo, o contrato de compra e venda é regulado no Livro II do Código Civil, nos arts.
874.º e segs. Mas a maior parte dos requisitos de validade do contrato de compra e venda são
comuns aos outros contratos e, até, à generalidade dos negócios jurídicos.
É o que se verifica com a capacidade negocial das partes e com os requisitos de validade do
objeto e do fim. Por isso são regulados na parte geral do Código Civil, no título II do Livro I
(arts. 67.º, 122.º e segs., 280.º e 281.º).
Quanto à forma do contrato de compra e venda, no Livro II só encontramos uma regra que
estabelece forma legal para a compra e venda de imóveis (art. 875.º). No que toca à compra e
venda de móveis, às consequências da inobservância da forma legal e ao âmbito da forma legal
temos também de recorrer à parte geral, mais precisamente aos arts. 219.º e segs.
Como é observado pelo professor Menezes Cordeiro, a articulação entre a parte geral do Código
Civil e as partes especiais não obedece a um critério inteiramente lógico, sendo também
influenciada por fatores histórico-culturais.
Já noutros Códigos a divisão entre parte geral e parte especial é traçada em função de um
critério científico claro. É o que se verifica com o Código Penal de 1982.
Linguagem e Direito
O direito é constituído por fontes que se exprime de enunciados linguísticos, pelo que não há
direito sem linguagem e fora da linguagem: dado que um sujeito só pode realizar os atos cuja
intenção ele possa descrever, as fonteiras da ação são definidas pelas fronteiras da língua.
A extensão de um conceito é o seu sentido, ou seja, é o que ele exprime ou o seu valor
informativo, compreender um conceito é sempre compreender a sua intenção.
Remissões
A remissão é outra técnica legislativa de que o legislador se serve para evitar repetições.
Por exemplo, quanto aos efeitos da resolução do contrato entre as partes o art. 433.º CC
estabelece que “na falta de disposição especial, a resolução é equiparada, quanto aos seus
efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, com ressalva do disposto nos artigos
seguintes”. Portanto, para se saber quais são os efeitos da resolução do contrato entre as
partes é necessário recorrer às normas que estabelecem os efeitos da nulidade ou
anulabilidade do negócio jurídico. Estas normas constam do art. 289.º CC. No n.º 3 deste
artigo encontramos uma nova remissão para o disposto nos arts. 1269.º e segs. em matéria de
efeitos da posse.
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Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O legislador não repete o que já consta de outras normas, apenas remete para determinados
regimes jurídicos que já o regulam.
Supondo que todas as proposições remissivas são verdadeiras normas, o que é discutível, pode-
se contrapor as normas remissivas às normas materiais que são aquelas que regulam
diretamente as situações nelas previstas.
Noutros casos, em vez de uma remissão para as normas de outro diploma, temos uma
disposição legal que estende o regime de certo instituto a outro ou outros.
Artigo 939º CC
“As normas de compra e venda são aplicáveis a outros contratos onerosos pelos quais
se alienem bens ou se estabeleçam encargos sobre eles, na medida em que sejam
conformes com a sua natureza e não estejam em contradição com as disposições
legais respetivas.”
O art. 939.º CC manda aplicar as normas da compra e venda aos outros contratos onerosos de
alienação, na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em contradição
com as disposições legais respetivas. O artigo 939 transforma o contrato de compra e venda no
negocio modelo dos contratos onerosos.
Nestes casos é frequente que a proposição remissiva utilize a expressão “com as necessárias
adaptações” ou expressão semelhante. Tem o mesmo sentido a expressão latina “mutatis
mutandis”.
Por exemplo, o art. 1156.º CC manda aplicar as disposições sobre o contrato de mandato “com
as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não
regule especialmente”. Quer isto dizer que o intérprete pode e deve ajustar as normas que
regulam o contrato de mandato às particularidades do contrato de prestação de serviço em
causa.
Com efeito, quando se estende o regime de um instituto a outro instituto é preciso ter em conta
que os institutos não são iguais mas simplesmente análogos. As diferenças existentes podem
justificar que a extensão não abranja todas as normas contidas nesse regime ou que as
consequências jurídicas desencadeadas por algumas dessas normas devam ser modificadas.
Ao contrário do que acontece quando existe apenas uma proposição remissiva e em que o
regime para o qual se remete é aplicado na integra e conforme consta da lei, aqui é necessário
fazer os ajustes à modalidade e à matéria em causa e não existe uma aplicação imediata e
absoluta do regime na sua totalidade, é necessário atender a um conjunto variado de pontos de
maneira a que seja respeitada a instrução da disposição legal que estende o regime a certo
instituto mas não na sua totalidade.
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Introdução ao Estudo do Direito II 28
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Entre os casos expostos pode-se distinguir aqueles em que há uma remissão integradora, que
se destina a suprir as lacunas na regulação de um instituto que dispõe, em princípio, de um
regime próprio, e uma remissão total, quando o regime do instituto é primariamente definido
por via remissiva.
As normas de conflitos de leis no espaço e no tempo, têm um significado muito diferente das
proposições remissivas inicialmente referidas.
Há quem entenda que são apenas um complemento das normas para que remetem.
Ficções legais
A ficção legal é uma técnica legislativa pela qual se estabelece que um facto ou situação a
regular se considera juridicamente como igual a outro facto ou situação que se encontra
legalmente regulado.
Por exemplo, na al. c) do n.º 2 do art. 805.º CC estabelece-se que se o próprio devedor impedir
a interpelação, se considera interpelado na data em que normalmente o teria sido:
Nas obrigações sem prazo certo, e que não tenham a sua fonte num facto ilícito, o devedor só
fica constituído em mora, e, portanto, obrigado a reparar os danos causados ao credor, depois de
interpelado, depois de o credor comunicar ao devedor a sua vontade de receber a prestação.
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Introdução ao Estudo do Direito II 29
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Ao mesmo resultado se chegaria mediante uma proposição remissiva que mandasse regular o
facto ou situação pelas normas aplicáveis a outro facto ou situação.
No século XIX, as ficções legais foram muito utilizadas na legislação e, sobretudo, na doutrina.
Hoje a ciência jurídica dispõe de instrumentos que dispensam este artificialismo.
O legislador pode recorrer a proposições remissivas. Mas em certos casos, como nos exemplos
referidos, a utilização da ficção jurídica pelo legislador é perfeitamente aceitável, porque é
claro que se trata de situações que do ponto de vista dos efeitos jurídicos devem ser equiparadas
e porque a introdução de uma proposição remissiva só viria complicar a redação do preceito.
Já o intérprete nunca tem de recorrer a ficções: a aplicação de uma norma a uma situação
que não se encontra prevista deve fundamentar-se na analogia.
O Código Civil está recheado de definições e classificações. Por exemplo, temos no art. 202.º a
noção de coisa, nos arts. 203.º e segs. as classificações das coisas, no art. 397.º a noção de
obrigação, no art. 874.º a noção de compra e venda, no art. 1439.º a noção de usufruto e no art.
1577.º a noção de casamento.
Assim, por exemplo, a norma contida no art. 875.º CC sujeita o contrato de compra e venda de
imóveis a escritura pública ou a documento particular autenticado. A previsão desta norma é o
contrato de compra e venda de imóveis. A determinação do conteúdo dos conceitos de
“contrato de compra e venda” e de “imóvel” é coadjuvada pelo art. 874.º que contém a noção de
compra e venda e pelo art. 204.º que nos indica quais são as coisas imóveis.
Por vezes a definição legal contida num artigo serve para determinar o sentido e alcance
da previsão das normas contidas nos artigos seguintes. É o que se verifica, por exemplo, com
a noção de compra e venda e com a noção de outros contratos regulados no Código Civil.
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Introdução ao Estudo do Direito II 30
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Para Dias Marques e Oliveira Ascensão a definição é um elemento de orientação mas não é
decisiva. O regime é que é vinculativo e, por isso, prevalece sobre a definição. Oliveira
Ascensão acrescenta que a definição é uma operação extremamente delicada que deve ser
evitada.
Isto significa que para delimitar a realidade que está sujeita a um determinado regime tem de se
atender principalmente ao próprio regime estabelecido.
Por exemplo, para saber se um contrato deve estar submetido ao regime do contrato de
sociedade não bastaria verificar se apresenta as notas típicas contidas na noção legal, seria
preciso também atender às notas típicas que se inferem do regime legal.
A definição serve para facilitar e para dar uma noção do próprio regime, não tem de ter
necessariamente um caracter prescritivo, não tem de excluir todas as realidades que não constam
na definição, só caso a caso se vai conseguir perceber se o regime vais ser aplicável ou não.
Oliveira Ascensão admite, porém, que os próprios termos da definição impliquem um regime
jurídico, caso em que virá revestida de “indirecta injuntividade”. Mas então, dir-se-á que já não
se trata de uma mera definição, mas de uma verdadeira norma jurídica, que dispõe de uma
estatuição.
As definições podem ser muito perigosas, definir implica impor limites, barreiras e fronteiras,
implica diferenciar e distinguir realidades, realidades estas que à semelhança do direito estão em
constante evolução.
Baptista Machado admite que a técnica legislativa da definição é perigosa, mas entende que as
definições legais têm caráter prescritivo. Através das definições legais o legislador constrói, por
uma forma indireta, previsões a que se ligam as consequências jurídicas de determinadas
normas. A definição dada pelo legislador, ainda que incompleta ou imperfeita, compreende
sempre uma vontade ou intenção normativa.
Mas mesmo quando a definição legal exprima a intenção legislativa de fixar taxativamente os
pressupostos de aplicação de um determinado regime, será de excluir que deste regime se
possam inferir notas típicas adicionais, que não constam da definição legal? Assim, por
exemplo, para Oliveira Ascensão, as disposições do Código Civil sobre sociedade pressupõem
que a sociedade dá origem à estruturação de uma empresa, razão por que o mero contrato de
sociedade para objetivo ocasional, que não origine uma empresa, pode ser chamado sociedade,
“mas não cabe nos dispositivos do art. 980.º e segs. do Código Civil”.
Este ponto diz sobretudo respeito ao Direito das Obrigações. Na opinião do professor Lima
Pinheiro quando o legislador define uma modalidade contratual se deve partir do princípio que
só as notas típicas indicadas pelo legislador são relevantes para a qualificação. Outros traços
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Introdução ao Estudo do Direito II 31
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
típicos que se infiram do regime só relevam para a aplicação de algumas normas contidas no
regime.
Por exemplo, certas normas relativas à organização e ao património social da sociedade não
serão aplicáveis, por falta de objeto, a uma sociedade ocasional. A exclusão de um contrato de
sociedade que preencha a noção legal do regime contido nos arts. 980.º e segs. só poderá
justificar-se através de uma redução teleológica.
Inversamente, a aplicação do regime estabelecido para uma modalidade contratual definida pelo
legislador a um contrato que não apresenta uma das notas típicas contidas na definição deverá,
em princípio, basear-se na analogia.
A doutrina diverge:
• Não tem relevância pratica, não vinculam o interprete aplicador, auxiliam mas não têm
um caracter vinculativo.
• Reduzem a incerteza na aplicação da lei, são importantes para interpretar e aplicar
outras normas;
Presunções
Segundo a noção do art. 349.º CC, as presunções “são as ilações que a lei ou o julgador tira de
um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”.
O Código Civil acolhe assim a distinção entre presunções legais ou iuris e presunções judiciais
ou hominis.
Nas presunções legais, o legislador supõe que um facto desconhecido – o facto presumido –
acompanha um facto conhecido.
Por outras palavras, as presunções legais são as ilações que, no plano dos factos, a lei retira de
certo evento já demonstrado.
Assim, por exemplo, o art. 441.º CC determina que no contrato-promessa de compra e venda se
presume que tem caráter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao
promitente-vendedor.
Artigo 441º CC
“No contrato promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda
a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a
titulo de antecipação ou principio de pagamento do preço.”
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Introdução ao Estudo do Direito II 32
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O facto conhecido, neste caso, será a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente
vendedor, o facto desconhecido e que vai ser presumido será o reconhecimento dessa quantia
como o sinal.
As presunções legais relacionam-se com o regime do ónus da prova, que está regulado nos arts.
342.º CC e segs. Conforme dispõe o art. 350.º/1 quem tem a seu favor a presunção legal escusa
de provar o facto a que ela conduz. Dadas as dificuldades de prova de certos factos em
determinadas situações a lei vem em socorro de uma das partes estabelecendo a seu favor uma
presunção legal.
As presunções legais admitem, em regra, prova em contrário, são ilidíveis, prova de que o facto
presumido não acompanhou o facto que serve de base à presunção. É o que resulta do art.
350.º/2 CC. Estas presunções, que admitem prova em contrário, dizem-se relativas ou iuris
tantum.
É o caso da presunção contida no art. 441.º. Pode provar-se que a quantia entregue pelo
promitente-comprador não tem caráter de sinal.
As presunções que não admitem prova em contrário dizem-se absolutas ou iuris et de iure.
Encontra-se um exemplo deste tipo de presunção no art. 243.º/3 CC. O art. 243.º/1 determina
que a nulidade proveniente da simulação não pode ser arguida pelo simulador contra terceiro de
boa fé. O n.º 3 estabelece que se considera sempre de má fé o terceiro que adquiriu o direito
posteriormente ao registo da ação de simulação, quando a este haja lugar.
Esta solução funda-se por seu turno na própria presunção de conhecimento que resulta da
inscrição da ação no registo.
As presunções judiciais são as ilações que, com base num facto já apurado, o julgador faça,
considerando outros factos como demonstrados. Estas presunções traduzem um afloramento da
regra da livre apreciação da prova. A estas presunções se refere o art. 351.º CC quando dispõe
que as presunções judiciais só são admitidas nos casos em que seja admissível a prova
testemunhal. O juiz retira as presunções judiciais através das regras da experiencia, ou de
máximas de experiência.
A presunção pode ser ilidível ou inilidível, consoante seja ou não suscetível de prova em
contrário.
Os conceitos determinados (ou descritivos) são conceitos que possuem uma extensão
determinada. Por exemplo: os conceitos de pessoas ou de livro são conceitos determinados,
porque não há nada que possa ser qualificado como “mais ou menos pessoa” ou como “mais ou
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Introdução ao Estudo do Direito II 33
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
menos livro”. Quanto aos conceitos determinados é sempre possível distinguir ao quê que se
referem e ao quê que não se referem.
Conceitos indeterminados
O conteúdo dos conceitos utilizados pela grande maioria das normas materiais pode ser
determinado em abstrato, independentemente de uma situação concreta, com razoável precisão.
Neste sentido pode dizer-se que são conceitos determinados.
A maior parte destes conceitos é suscetível de uma definição, de uma delimitação abstrata do
seu conteúdo, por meio da indicação de notas definidoras ou características.
Por exemplo, “crédito” é o direito de exigir de outrem uma prestação. O conteúdo do conceito é
delimitado por duas notas: um direito e o objeto desse direito que é uma prestação.
Mas o Direito vigente também não prescinde, em certos casos, de conceitos indeterminados,
cujo conteúdo se reveste de um elevado grau de indeterminabilidade.
Segundo o art. 762.º/2 CC, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito
correspondente, devem as partes proceder de boa fé. “Boa fé” é um conceito indeterminado.
O art. 280.º/2 CC estabelece que é nulo o negócio contrário à ordem pública, ou ofensivo dos
bons costumes. “Ordem pública” e “bons costumes” são conceitos indeterminados.
O conteúdo destes conceitos não pode ser delimitado por forma razoavelmente precisa e de
uma vez por todas. Esta delimitação tem de ser feita face às circunstâncias de cada caso,
através de sucessivas operações de concretização. A definição destes conceitos ou não é
possível ou não é suficiente para apreender o seu conteúdo. Tem antes de se recorrer a
exemplos geralmente reconhecidos.
São diversas as razões que podem levar à utilização de conceitos indeterminados. Podem ser
assinaladas quatro razoes principais:
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Introdução ao Estudo do Direito II 34
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
▪ Primeiro, a multiplicidade das situações da vida pode tornar impossível a tipificação das
situações que geram determinada consequência jurídica ou a concretização da própria
consequência jurídica. Por isso o legislador deixa ao intérprete a missão de concretizar a
previsão ou a estatuição em função das circunstâncias do caso concreto.
Nestes casos os conceitos indeterminados ligam-se à individualização da solução, como
atrás foi assinalado. Em lugar de prescindir completamente da aplicação de uma regra
jurídica, o legislador flexibiliza a regra, permitindo que através da concretização do
conceito indeterminado o intérprete disponha de uma certa margem de liberdade
na apreciação do caso.
▪ Em segundo lugar, noutros casos, os conceitos indeterminados representam uma
abertura a valorações extrajurídicas, designadamente à moral. Segundo o
entendimento tradicional é o que se passa com o conceito de bons costumes. Ao
considerar nulo o negócio contrário aos bons costumes a norma legal estará a conferir
eficácia jurídica a valores e normas morais.
▪ Terceiro, o conceito indeterminado pode exprimir uma remissão para “regras gerais de
experiência”, fazendo apelo à experiência que o intérprete tem da realidade social. É
o que se passa quando o conceito manda atender ao que é normal ou usual.
▪ Enfim, no que toca ao Direito Internacional Privado, a indeterminabilidade dos
conceitos utilizados na previsão das normas de conflitos decorre da necessária
abertura a realidades jurídicas diferentes e até desconhecidas do Direito material
português.
Do exposto resulta que os conceitos indeterminados são muito diversos entre si. Esta
diversidade significa também que não há uniformidade nos problemas metodológicos suscitados
pelos conceitos indeterminados.
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Introdução ao Estudo do Direito II 35
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Dada a sua indeterminação o conceito permite que a previsão da norma abranja todas as
situações que, à luz da valoração subjacente, devem desencadear a consequência jurídica
nela estatuída. Por outras palavras, a previsão terá o alcance que convém à estatuição.
Por exemplo, para determinar se uma pessoa é ou não responsável por danos causados não
intencionalmente pela sua conduta, se empregou ou não a diligência de um bom pai de
família (conceito carecido de preenchimento valorativo), tem em última análise de se
averiguar se, à luz da valoração legal e do instituto da responsabilidade civil no seu conjunto,
se justifica fundamentar a responsabilidade, impor a obrigação de indemnizar naquele caso.
Os conceitos indeterminados são conceitos de extensão variável, ou seja, são conceitos vagos.
Os conceitos indeterminados comportam, quanto ao seu significado, um núcleo e um halo ou
uma zona iluminada e uma zona de penumbra: “um núcleo de significado certo é rodeado por
um halo de significado que se dissipa gradualmente. Os conceitos indeterminados são
próprios de uma linguagem na qual, em certos casos, na qual, em certos casos, é claro a
quê que ela se refere e, noutros, não é claro a quê que ela se refere.
Preenchimento
O conceito indeterminado está preenchido não só quando a situação concreta se inclua no seu
núcleo, mas também quando essa situação ainda possa ser incluída no halo ou penumbra desse
conceito. Sendo assim, o juízo sobre um conceito indeterminado pode conduzir a um de três
resultados:
Concretização
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Introdução ao Estudo do Direito II 36
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
distintas merecedoras de diferentes valorações. Por exemplo: podem ser violados os bons
costume por corrupção, prostituição e por contratação de alguém para matar outrem. Todos
estes exemplos são violações dos bons costumes mas devem ter valorações diferentes porque se
tratam de diferentes situações onde a intensidade da violação é diferente.
Cláusulas Gerais
Diferentemente, algumas proposições jurídicas dispõem de uma previsão muito ampla, que
não é tipificadora, porque não se reporta a uma categoria de situações ou a um aspeto
típico de situações da vida. Fala-se, a este respeito, de cláusulas gerais.
Mas a expressão cláusula geral também tem sido utilizada, designadamente na Alemanha e entre
nós, para designar proposições jurídicas que embora disponham de uma previsão muito
ampla, se reportam a uma categoria de situações ou a um aspeto típico de situações da
vida.
▪ Por exemplo, o n.º 2 do art. 762.º CC determina que “No cumprimento da obrigação,
assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa
fé”. À semelhança do que se verifica com o art. 242.º CC alemão, tem-se entendido que
há aqui uma cláusula geral. No entanto, esta proposição reporta-se a um aspeto típico –
o cumprimento – de uma categoria de situações – as obrigações. Fica assim a ideia de
que as cláusulas gerais são uma categoria de proposições jurídicas de contornos vagos,
marcada por uma certa relatividade: previsão mais ampla do que é normal.
O professor Lima Pinheiro tem dúvidas sobre a utilidade do conceito de cláusula geral com o
alcance que lhe vem sendo atribuído. Também aqui se verifica que as ditas cláusulas gerais são
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Introdução ao Estudo do Direito II 37
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
muito diversas entre si e que não há uniformidade nos problemas metodológicos por elas
suscitados.
Uma cláusula geral que utilize exclusivamente conceitos determinados não coloca os mesmos
problemas que uma cláusula geral que empregue conceitos “carecidos de preenchimento
valorativo”.
Por vezes a própria estatuição também utiliza conceitos indeterminados, não é impossível criar
uma clausula só com conceitos determinados, há normas que utilizam conceitos indeterminados
que não são clausulas gerais
Segundo o professor Lima Pinheiro, o que justifica maior atenção da Teoria Geral do Direito
não são os conceitos indeterminados ou as cláusulas gerais na sua globalidade, mas os conceitos
“carecidos de preenchimento valorativo”. As cláusulas gerais que utilizam estes conceitos
suscitam os mesmos problemas metodológicos que foram atrás examinados. A sua
concretização é feita a partir das circunstancias do caso, o interprete tem de respeitar os
princípios e os valores que estão subjacentes, tem que se fazer o raciocínio de caso para caso e
de situação para situação. Através de uma comparação pode se concluir que existe abuso de
direito em casos comparáveis, pode ser tipificado. Se dissermos que um determinado caso não é
abuso de direito também se pode dizer que casos comparáveis não constituem abuso de direito.
Algumas clausulas gerais contem remissões para conceitos extrajurídicos (abuso de direito)
Tem contornos vagos, marcada por uma certa relatividade: previsão mais ampla do que é
normal.
Assim, por exemplo, como já referido, a partir do momento em que se aceite que determinado
ato de exercício de um direito representa um abuso de direito, por exceder os limites impostos
pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, torna-se
possível indagar quais os atos que, por serem comparáveis com o primeiro, constituem
igualmente um abuso do direito.
Com a sucessiva aplicação da cláusula, tornar-se-á possível conformar tipos de atos que
constituem abuso do direito.
É a experiencia e aplicação sucessiva do direito em casos reais da vida que vai permitir
concretizar a própria normas e delimitar o âmbito de aplicação do regime.
Além disso, seria preferível, na opinião do professor Lima Pinheiro, adotar um conceito restrito
de cláusula geral, que apenas abrangesse proposições jurídicas com uma previsão não e que não
devem ser consideradas princípios jurídicos. Este conceito delimitaria uma categoria de
proposições jurídicas.
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Introdução ao Estudo do Direito II 38
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O Sistema
Capítulo III
Na visão mais comum, o sistema jurídico é encarado como O Sistema
um conjunto de proposições jurídicas, e, principalmente,
como um conjunto de normas. ▪ Sistema jurídico –
considerações
Esta ideia não é de todo pacifica, existem várias posições preliminares
sobre o que se deve entender por sistema jurídico e a sua
relevância para a interpretação e aplicação do Direito. ▪ Conceitos jurídicos.
Sistema científico de
Com efeito, uma parte destas divergências deve-se aos
conceitos. Construção
diferentes conceitos de sistema e às diferentes funções,
atribuídas ao sistema, que lhe estão ligadas
▪ Sistema normativo – razão
A sistematização parece ser uma tendência natural do de ordem
pensamento humano. Kant falou de um natureza
“arquitetónica” da razão, que aspira a considerar todos os ▪ Principais conceções
conhecimentos “como pertencendo a um sistema possível”. sobre o sistema normativo
Isto levou-o a conceber o sistema como unidade, sob uma
ideia, de conhecimentos diversos ou, por outras palavras, a ▪ Posição adotada
ordenação de várias realidades em função de pontos de vista
unitários. ▪ Princípios jurídicos
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Introdução ao Estudo do Direito II 39
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Esta forma destaca que o Direito não pode ser visto apenas como sistema normativo, do ponto
de vista da sua estrutura tem de incluir outros elementos: valores, meios de tutela jurídica,
estruturas sociais juridicamente relevantes e situações jurídicas concretas.
Uma tendência importante da moderna Sociologia do Direito faz aplicação das teorias
sistémicas. Segundo estas teorias os sistemas são abertos ou fechados conforme há ou não
interação entre o sistema e o ambiente através de “entradas” e “saídas” [inputs e outputs].
Nesta ótica, o Direito estadual, enquanto subsistema social, está em interação com o sistema
global, a sociedade, e com cada um dos outros subsistemas sociais, em especial o sistema
político e o sistema económico.
O sistema político produz decisões que constituem “entradas” no sistema jurídico, mas estas
decisões são tomadas segundo processos regulados pelo sistema jurídico e, portanto, há
programas de conduta emitidos pelo sistema jurídico que constituem “entradas” no sistema
político.
O sistema político também apoia o sistema jurídico, por exemplo, através da disponibilidade de
meios de coerção, e o sistema jurídico apoia o sistema político, através da legitimação das
decisões produzidas pelo sistema político, a promoção da paz social, através de meios jurídicos
de resolução de conflitos, entre outros.
A ordem jurídica estadual também estabelece interações com outros sistemas jurídicos,
designadamente o sistema jurídico internacional, o sistema jurídico da União Europeia e
sistemas jurídicos estrangeiros.
Nas teorias sistémicas mais recentes o problema das transações do sistema com o meio é visto
como um problema de comunicação, de circulação de informação sintetizada, o que leva os
autores a defenderem uma teoria autopoiética do sistema jurídico, o que vai ter certa influência
no surgimento das teorias, a que adiante se fará uma alusão, que vêm os sistemas sociais como
sistemas autopoiéticos.
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Introdução ao Estudo do Direito II 40
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
É claro que na construção deste sistema a ciência jurídica não deve alhear-se da realidade da
ordem jurídica e, que, portanto, há uma relação entre esta perspetiva e as outras perspetivas
sobre o sistema jurídico.
▪ Sistema legal;
Em terceiro lugar, temos o sistema legal. O sistema legal resulta da arrumação de matérias feita
pelo legislador. Assim, todos os códigos modernos se nos apresentam sistematizados, com as
matérias ordenadas segundo um ou mais critérios tendencialmente racionais.
O sistema legal não é alheio ao sistema científico de conceitos. O legislador baseia-se, pelo
menos em parte, no sistema de conceitos elaborado pela ciência jurídica. Por seu turno, a ciência
jurídica não pode ignorar os conceitos legais, e, sem prejuízo da autonomia que adiante será
sublinhada, tende frequentemente a basear-se na sistemática legal.
Numa última perspetiva, o Direito pode ser visto como uma ordem objetiva de conduta, como
Direito objetivo.
É esta perspetiva que corresponde melhor à visão mais comum de sistema jurídico. Para quem
pense que a norma, ainda que não seja o único elemento desta ordenação, será um elemento
essencial, será natural designar esta dimensão do Direito como normativa, e o sistema que lhe
corresponde como “normativo”.
A relevância de cada uma destas perspetivas depende do contexto em que a questão se coloque
e das funções que, nesse contexto, se pretenda atribuir ao sistema.
▪ Para uma introdução ao Direito, que procura definir o seu papel na sociedade e abranger
todas as suas dimensões, impõe-se a perspetiva mais abrangente (ordem jurídica).
▪ Para a “dogmática”, a segunda perspetiva (sistema científico de conceitos).
▪ Para a ciência jurídica prática, que se ocupa da interpretação e aplicação do Direito, da
integração de lacunas, da resolução dos problemas suscitados pelo concurso de normas,
a perspetiva fundamental é a última (sistema normativo). Daí que no desenvolvimento
que se segue dedique mais atenção ao sistema normativo.
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Introdução ao Estudo do Direito II 41
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O sistema jurídico é formado por um conjunto de regras e princípios jurídicos, distingue-se dos
outros sistemas normativos por um critério próprio de validade aplicável a esses princípios e a
essas regras e, por fim, constitui um conjunto consistente de princípios e regras.
O direito só pode ser compreendido e aplicado considerando o próprio sistema jurídico. É por
isso que, na interpretação da lei, há que contar com a unidade do sistema jurídico e que, na
integração de lacunas, há que considerar o “espirito do sistema”.
Formação do Sistema
Os sistemas jurídicos não existem desde sempre e para sempre: eles têm de ser criados e podem
deixar de existir. Para que se forme um sistema jurídico tem de haver uma regra de produção
desse sistema; é esta regra que cria o sistema ao qual vão pertencer todos os princípios e regras
que forem aceites pelo próprio sistema. A função da regra de produção de um sistema jurídico é
habitualmente desempenhada por uma Constituição.
Conceitos Jurídicos
As regras jurídicas utilizam conceitos para delimitar a sua previsão e para formular a sua
estatuição.
▪ Por exemplo, o art. 502.º CC determina que “Quem no seu próprio interesse utilizar
quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos
resultem do perigo especial que envolve a sua utilização”. Encontramos aqui vários
conceitos. Na previsão temos “interesse próprio”, “animal”, “utilização”, “perigo
especial”. Na estatuição temos “danos” e “responder pelos danos”.
Tem de se atender à própria experiencia de vida. Alguns destes conceitos são essencialmente
fácticos ou descritivos: “animal”, “utilização” e “perigo especial”. A determinação do seu
conteúdo baseia-se na experiência social do intérprete e nos usos linguísticos gerais, não
necessitam de qualquer definição legal para se concretizarem.
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Introdução ao Estudo do Direito II 42
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Esta distinção entre conceitos fácticos e conceitos normativos carece no entanto de ser
relativizada. Esta distinção não deve servir para traçar fronteiras rígidas, mesmo um
conceito fáctico pode suscitar problemas de interpretação.
A determinação do alcance dos conceitos fácticos utilizados numa norma pode suscitar
problemas de interpretação a resolver, entre outros critérios, à luz da intenção do legislador
histórico. Daí decorre que não raramente surjam divergências entre os usos linguísticos gerais e
o alcance de um conceito fáctico utilizado numa norma.
▪ Por exemplo, segundo os usos linguísticos gerais dificilmente se pode dizer que a
eletricidade é uma coisa. Mas o conceito jurídico de coisa abrange a eletricidade.
Há também divergências entre o significado atribuído a uma palavra por outras
ciências, e aquele que releva para o Direito. Por exemplo, as bactérias foram
inicialmente classificadas pelas ciências da natureza como animais, mas desde sempre
se entendeu que não cabiam no conceito de animal utilizado por normas como o art.
502.º CC.
Quanto aos conceitos utilizados para delimitar a previsão da norma este processo consiste na
seleção, de entre os vários elementos das situações da vida carecidas de regulação jurídica, das
notas que são juridicamente relevantes. Deste modo obtêm-se conceitos que delimitam
categorias de situações da vida que apresentam as características relevantes, por exemplo,
“contrato”, “negócio jurídico unilateral”, “propriedade”, “usufruto”, etc.
Através da eliminação de parte destas notas é possível obter conceitos com diferentes níveis de
abstração e generalidade.
Assim, por exemplo, abstraindo de certas notas das obrigações contratuais, das obrigações
geradas por negócios jurídicos unilaterais e das obrigações involuntárias obtém-se o conceito
geral de obrigação. À obrigação, como posição passiva, corresponde o direito de crédito, como
posição ativa. Abstraindo de certas notas da propriedade, do usufruto e de outros direitos reais
chega-se ao conceito de direito real.
Por seu turno, abstraindo de certas notas dos direitos de crédito e dos direitos reais será possível
chegar ao conceito, mais abstrato e mais geral de direito subjetivo. Estes conceitos, que
poderemos designar por conceitos abstratos, são representações das notas comuns a vários
objetos.
O “sistema de conceitos” que assim se obtém baseia-se em regras de lógica formal. O processo
de abstração permite que a interpretação e a aplicação da lei se baseiem na definição dos
conceitos utilizados na previsão das normas e no silogismo de subsunção. Estes pontos serão
adiante examinados a propósito da interpretação e aplicação. Numa primeira aproximação pode
dizer-se que a norma se aplica quando as notas contidas no conceito que delimita a sua previsão
estão presentes na situação em causa.
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Introdução ao Estudo do Direito II 43
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Mas o processo de obtenção da solução só poderia ser realizado com puros meios lógico-
conceptuais se o sistema normativo tivesse certas características, designadamente a de utilizar
só conceitos abstratos determinados e de ser caracterizado pela plenitude, não ter lacunas, ou
poder ser integrado através de operações de lógica formal.
Isto foi defendido pela jurisprudência dos conceitos. Ao longo do século XX diversas correntes
do pensamento jurídico, começando pela jurisprudência dos interesses e pela Escola do Direito
Livre, vieram demonstrar que a interpretação e a aplicação do Direito colocam questões que não
se deixam resolver através de operações de lógica formal.
▪ Primeiro, muitas das palavras utilizadas nas normas têm vários sentidos possíveis,
dando origem a problemas de interpretação. Para a resolução destes problemas é
frequentemente importante, e até decisivo, averiguar qual o sentido que melhor
corresponde às finalidades prosseguidas com a norma. Portanto a interpretação pode
envolver uma valoração. Isto é particularmente evidente no caso dos conceitos
carecidos de preenchimento valorativo. De onde decorre também que a mesma palavra
pode ter um significado diferente conforme seja utilizada numa ou noutra norma. Por
exemplo, a palavra “empresa” é umas vezes empregue no sentido de empresário, outras
vezes no sentido de “empresário coletivo” de uma pessoa coletiva que explora uma
empresa, outras vezes ainda no sentido de unidade de ação económica organizada.
▪ Segundo, o Direito positivo é lacunar. A integração de lacunas não pode ser feita
através de uma dedução, mas envolve uma valoração, quer para estabelecer a analogia,
concretizar um princípio ou criar uma solução compatível com o sistema. Se esses
métodos não funcionarem a criação de uma solução dentro do espirito do sistema
▪ Enfim, e mais em geral, o pensamento lógico-conceptual tem sido criticado por dar
primazia à lógica formal, designadamente aos mecanismos dedutivos e à subsunção,
em prejuízo da teleologia (da lógica dos fins) e da ética jurídica.
Chama-se a atenção para a importância que têm assumido outras formas de pensamento
jurídico, tais como o pensamento baseado em princípios jurídicos e em tipos, para técnicas
legislativas como os conceitos indeterminados e as cláusulas gerais, para a necessidade de
formular conceitos jurídicos que não são “abstratos” mas “funcionalmente determinados”.
Mas com isto não se renunciará à precisão e clareza conceptuais, que são necessárias à
certeza e a previsibilidade jurídicas, e não se dará demasiada liberdade ao órgão de
aplicação?
Este é um dos pontos em que se mostra necessário um equilíbrio entre as exigências dos valores
materiais e dos valores formais do Direito.
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Introdução ao Estudo do Direito II 44
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
ciência jurídica, para a ideia de que o jurista encontra sempre uma boa argumentação
para qualquer tese.
▪ Por outro lado, não se justifica hoje a desconfiança com que o primeiro liberalismo e o
primeiro constitucionalismo encaravam os juízes, que ainda eram lembrados como
servidores do rei. Nas modernas sociedades democráticas os tribunais gozam de
independência e estão em vasta medida fora da esfera de influência dos partidos
políticos e dos grupos de interesses, o que lhes tem permitido obter uma
considerável confiança social. Por isso, parece não só metodologicamente inevitável,
mas também justificado materialmente deixar ao poder judicial uma certa quota na
solução dos problemas da justiça.
Do exposto não decorre que o método lógico-conceptual seja posto de parte, mas antes a
necessidade de o conjugar com outros modos de pensamento na resolução de questões jurídicas.
O método lógico-conceptual continua a ser necessário quer na atividade legislativa quer na
sistematização científica.
Mas a lei também utiliza conceitos de outro tipo, como já resulta do exame feito aos conceitos
indeterminados e às cláusulas gerais. Os conceitos “carecidos de preenchimento valorativo”
não são conceitos abstratos. Não são conceitos a que se chegue através de processos de
abstração.
A lei pode utilizar conceitos que incluam notas funcionais, atendendo à função económico-
social ou aos nexos funcionais entre normas ou institutos jurídicos.
Por exemplo, os conceitos de “relações de família” e “sucessões por morte” não se baseiam nas
características estruturais das situações jurídicas em causa, mas na sua relação com a instituição
familiar e com uma vicissitude jurídica (a transmissão do património por morte do seu titular).
O conceito de direito real de garantia inclui uma nota funcional: a subordinação do direito à
garantia de um crédito.
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Introdução ao Estudo do Direito II 45
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
No caso de se tratar de um tipo contratual que se desenvolveu no tráfico negocial, e que ainda
não é legalmente regulado, a caracterização do tipo tem de assentar na função económica e nos
modelos contratuais e cláusulas usuais. Daí retiram-se traços caracterizadores que através de
uma comparação com outros tipos contratuais podem fornecer indicações relevantes para a
determinação do regime aplicável.
Enfim, há uma considerável independência entre os conceitos utilizados pela ciência jurídica e
os conceitos empregues na lei. O legislador deve empregar os conceitos funcionalmente mais
adequados à resolução dos problemas de regulação. Embora também se apoie no esforço de
sistematização realizado pela ciência jurídica, o legislador não está vinculado ao sistema
científico de conceitos. Se chegar à conclusão que o conceito mais adequado é divergente do
utilizado pela ciência jurídica ele utilizará um conceito diferente do cientifico, não está
vinculado. A extensão do conceito utilizado para delimitar a previsão da norma é um problema
de adequação aos fins e não um problema de sistematização científica.
Por seu turno, a ciência jurídica tem a liberdade de construir conceitos diferentes dos que são
utilizados na lei, por entender serem outros os conceitos que melhor servem para apreender e
ordenar o Direito.
O sistema científico de conceitos releva ainda, para a ciência jurídica, com respeito a uma
operação metodológica que se pode designar por construção jurídica. Tradicionalmente fala-se a
este respeito de determinação da natureza jurídica, por exemplo, da natureza de um contrato, da
natureza de um instituto jurídico, etc.
Muitas vezes por natureza jurídica quer-se dizer construção jurídica, a construção jurídica é a
recondução de uma realidade jurídica a um conceito utilizado pela ciência jurídica.
Tome-se como exemplo o instituto da posse. A posse é definida pelo art. 1251.º CC como o
poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de
propriedade ou de outro direito real.
• Por exemplo, uma pessoa exerce relativamente a uma coisa os poderes que assistem ao
proprietário, porventura convencida que é o seu proprietário, sem que o seja.
Isto não obsta a que se discuta se a posse é ou não um direito subjetivo e se é ou não um direito
real.
Não é raro que se confunda a construção com a qualificação, o que representa uma inversão
metodológica, característica da jurisprudência dos conceitos.
Por exemplo, se um contrato pelo qual uma pessoa se obriga a realizar determinados serviços
para outra pessoa for qualificado como contrato de trabalho, será aplicável o regime do contrato
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Introdução ao Estudo do Direito II 46
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
de trabalho, que contém muitas normas protetoras do trabalhador. Se for qualificado como
contrato de prestação de serviço já se aplica outro regime que não contém tais normas
protetoras.
A construção nada tem que ver, pelo menos diretamente, com a determinação do regime
aplicável.
• Por exemplo, a posse é regulada nos arts. 1252.º e segs. CC. A construção da posse
como direito real ou como direito subjetivo de outra natureza é, em princípio,
irrelevante para a determinação do regime aplicável.
Para a construção pode ser importante não só o conteúdo jurídico do instituto, mas também a
sua função económico-social e a sua função jurídica, o papel que o instituto desempenha no
sistema normativo.
Os elementos funcionais serão relevantes quando se trate de integrar o instituto num conceito
científico que inclua notas funcionais.
Também não se exclui que a construção possa envolver uma valoração, quando o conceito não
seja puramente abstrato e envolva, na determinação do seu conteúdo, uma valoração.
A construção não tem que ver diretamente com a determinação do regime aplicável. Mas parece
que indiretamente, ao contribuir para uma melhor compreensão do instituto, a construção pode
ter alguma relevância para resolver problemas de regime que não encontram uma resposta
inequívoca na lei
Significa que a construção se faz depois de determinar o regime mas quando há aspetos difíceis
na qualificação do regime a construção pode auxiliar
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Introdução ao Estudo do Direito II 47
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
▪ Esser
▪ Dworkin
▪ Larenz, Canaris
▪ Oliveira Ascensão
▪ Menezes Cordeiro
▪ Peine
▪ Zippelius
De acordo com o que foi referido uma norma jurídica é aquela que pertence ao sistema jurídico,
logo, para o moderno pensamento jurídico, o sistema revela-se importante, desde logo, para a
determinação e identificação das normas jurídicas. O critério de identificação de uma regra
jurídica é a pertença ao sistema. Nesta aceção encontram-se as diversas correntes de Kelsen
(positivo normativo) e Santi Romano (institucionalismo).
Mas o sistema normativo pode ter outros planos de relevância, designadamente o controlo da
validade das normas, a interpretação e a integração de lacunas, a resolução de problemas de
concurso de normas e até a eventual correção de soluções individualizadas porque o sistema, já
analisado, é muito mais do que uma norma isolado, tem de ser considerado na sua globalidade.
Segundo uma conceção muito divulgada, e que é adotada pelo positivismo normativo, o sistema
jurídico, ou normativo, é formado por normas. Kelsen distingue dois tipos de sistema:
• No sistema que designa por estático as normas que constituem o sistema podem ser
deduzidas a partir de uma norma fundamental que contém um postulado ético. As
normas encontram-se associadas umas às outras pelo seu conteúdo, pois cada uma delas
é uma concretização do postulado ético ou moral contido na norma fundamental. O
critério de pertença ao sistema é “material”, diz respeito ao conteúdo da norma. Este
tipo de sistema abrange o sistema axiomático, que é aquele em que as soluções
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Introdução ao Estudo do Direito II 48
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
particulares podem ser obtidas por dedução a partir de certas proposições gerais cuja
verdade é evidente.
• O sistema dinâmico é exposto por Bobbio da seguinte forma: as normas que
constituem o sistema derivam umas das outras através de sucessivas delegações de
poder, de tal modo que, partindo da norma emanada pela autoridade inferior para a
norma emanada pela autoridade imediatamente superior se chega à norma fundamental
que constitui a base de validade de todas as normas do sistema. Esta norma fundamental
não tem outro conteúdo senão a atribuição de poder à autoridade legisladora máxima. O
critério de integração destas normas no sistema não diz respeito ao seu conteúdo, mas
ao facto de serem emanadas através de sucessivas delegações de poder a partir de uma
autoridade máxima. Pode-se dizer que é um critério genético.
O professor Dias Marques parece refletir um conceção de sistema algo semelhante, quando
encontra o fator que liga e ordena as normas, por forma a constituírem um sistema, na hierarquia
que resulta de todo o ato criador de Direito ter o seu fundamento num comando jurídico que
tenha autorizado a sua prática. Observe-se, contudo, que este autor não restringe as fontes do
Direito aos atos normativos, preferindo a expressão mais ampla “facto normativo”, que inclui o
costume.
Mas há outras razões por que o sistema normativo não pode ser concebido como um sistema
dito “estático”. É que um sistema deste tipo não admite contradições e é caracterizado pela
plenitude porque, em ultima instância, todas as normas derivam de uma lei fundamental, todas
são inspiradas por ela, logo, teria de existir coerência.. Ora no sistema jurídico há contradições e
lacunas.
Por acréscimo, o conteúdo da norma nunca pode ser o único critério de pertença ao sistema,
uma vez que há uma pluralidade de sistemas jurídicos, em que vigoram muitas normas de
conteúdo semelhante ou idêntico. O sistema dito “estático” nada nos diz, por exemplo, sobre a
questão de saber se uma norma pertence ao sistema nacional A ou ao sistema nacional B.
Já o sistema dito dinâmico permite, pelo menos à primeira vista, resolver a questão que acabo de
colocar. A norma pertence ao sistema A se foi criada em conformidade com a sua norma
fundamental. Porém, este tipo de sistema também se depara com algumas objeções, algumas
delas levantadas por neopositivistas:
▪ Assim HART considera que o sistema dinâmico não pode explicar a relevância do
costume como fonte do Direito, uma vez que as regras consuetudinárias não são
criadas mediante o exercício de uma competência normativa.
▪ Parece no entanto duvidoso que KELSEN entenda o sistema de tipo dinâmico nos
termos expostos. Com efeito, segundo o autor, a norma fundamental tanto pode
instituir como facto produtor de normas o facto legislativo como um facto
consuetudinário.
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Introdução ao Estudo do Direito II 49
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
➢ Em primeiro lugar, para Kelsen esta norma fundamental seria uma norma pressuposta,
segundo a qual as normas devem ser criadas em conformidade com a primeira
Constituição histórica e com as normas constitucionais estabelecidas em conformidade
com ela. Ao procurar justificar a norma fundamental, Kelsen argumenta que para
interpretar uma ordem coerciva globalmente eficaz como um sistema de normas
jurídicas válidas temos de pressupor a norma fundamental. O que aparentemente
significa que só depois de conhecidas as normas que pertencem a uma ordem jurídica se
está em posição de conhecer o conteúdo da norma fundamental. Mas, se é assim, então
a norma fundamental não constitui um critério de identificação das normas do sistema.
➢ Em segundo lugar, pode suceder que, gradualmente, venha a afirmar-se uma nova fonte
do Direito num sistema jurídico, por exemplo, o gradual estabelecimento de um sistema
de precedente vinculativo. Neste caso não pode dizer-se que a jurisprudência é fonte do
Direito em conformidade com a primeira Constituição histórica. Mas este argumento
suscita questões complexas, pois é legítimo perguntar se as normas constitucionais
sobre a produção do Direito não podem ser modificadas em conformidade com a
primeira Constituição histórica.
Para Hart o critério de identificação da norma jurídica é fornecido por uma “regra de
reconhecimento”. Esta regra especificará certo traço ou traços que a regra primária deve
possuir.
Segundo Hart, para a existência de um sistema jurídico são necessárias e suficientes duas
condições mínimas:
▪ Por um lado, que aquelas regras de conduta que são válidas segundo os critérios de
validade últimos do sistema sejam geralmente observadas;
▪ Por outro lado, que as regras de reconhecimento especificando os critérios de
validade jurídica sejam efetivamente aceites como padrões públicos comuns de
conduta oficial pelos órgãos de aplicação.
O que permite concluir não ser estritamente necessário que os particulares aceitem a
regra de reconhecimento como válida; basta que os particulares observem as regras que os
órgãos de aplicação identificam como válidas.
▪ Por um lado, que a “regra de reconhecimento” é uma regra “última”, porque a sua
vigência não depende de qualquer outra regra. A regra de reconhecimento existe como
uma prática dos tribunais, autoridades e particulares na identificação do Direito por
referência a determinados critérios. A sua existência é uma questão de facto: afirmar
que a regra existe é fazer uma declaração sobre o modo como as regras de um sistema
“eficaz” são identificadas. Segundo o professor Lima Pinheiro, a “regra de
reconhecimento”, assim entendida. não é uma verdadeira regra, não é uma proposição
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Introdução ao Estudo do Direito II 50
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
normativa, que estabeleça como é que as regras jurídicas devem ser identificadas, mas
uma proposição descritiva, que descreve o modo como se formam as regras numa
determinada sociedade.
▪ O autor afirma, ainda, que a regra de reconhecimento é uma regra de costume
jurisprudencial [judicial customary rule] que só existe se é aceite e praticada nas
operações de identificação e aplicação do Direito pelos tribunais. Então a regra não se
fundamenta só num facto, há uma prática e uma convicção de vinculatividade por parte
dos órgãos de aplicação.
Agora não se trata, ou não se trata apenas, de atribuir às normas sobre a produção jurídica um
papel fundamental na conformação do sistema, mas de sustentar que os elementos do sistema
são produzidos pelo próprio sistema, nisto consistindo a unidade do sistema. Designa-se isto por
clausura “recursiva” (Luhmann) ou “operacional” do sistema (Teubner).
Para compreender corretamente este postulado é necessário distinguir entre comunicação e ação.
O Direito existiria só como comunicação. O próprio sistema jurídico determina quais os factos
que têm um significado juridicamente relevante e que, assim, entram na auto-reprodução do
sistema. Logo, é impossível identificar estes factos sem o conhecimento do sistema jurídico. A
constituição destes elementos é um resultado autónomo do sistema que ocorre no processo de
auto-observação e de auto-descrição.
Mas ao mesmo tempo o sistema jurídico é “cognitivamente aberto”, i.e., a sua constante
reprodução é dependente da possibilidade de verificação de certas condições. Estas condições
referem-se a algo externo ao sistema, a factos. Por conseguinte, mediante uma programação
interna o sistema torna-se dependente de factos. Por este meio realiza-se uma coordenação do
processamento jurídico de informação com o ambiente.
Esta teoria rompe com a conceção de Kelsen porquanto opõe a ideia de circularidade das teorias
sistémicas ao esquema piramidal de um sistema jurídico fundado na norma fundamental.
Também relativamente à construção de Hart se verifica que o papel por este autor atribuído à
“regra de reconhecimento” é aparentemente substituído pela ideia de “autorreferência”, se a
entendo corretamente, uma referência ao sistema considerado no seu conjunto.
Sem prejuízo das críticas genéricas que possam ser dirigidas às conceções de sistema de raiz
positivista, a que adiante me referirei, deixo apenas algumas interrogações, e desde logo, a de se
não nos encontraremos perante uma transposição apressada de modelos sistémicos
desenvolvidos nas ciências da natureza e, designadamente, na biologia.
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Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Em segundo lugar, perguntaria se não se estabelecerá aqui uma confusão entre regulação pelo
sistema dos processos de produção dos seus elementos e “auto-determinação” do sistema. Pela
circunstância de o sistema jurídico regular as fontes do Direito e, designadamente, o processo
legislativo não deixa, a meu ver, de haver “saídas” do sistema político que representam
“entradas” no sistema jurídico, uma vez que a iniciativa do ato normativo e o seu conteúdo não
são, em princípio, determinadas pelo sistema jurídico.
Acresce que em sistemas jurídicos como o português também se opera a receção de fontes de
outros sistemas jurídicos – a ordem jurídica internacional e a ordem jurídica da União Europeia
– o que ainda parece mais afastado de uma ideia de “auto-determinação”.
Enfim, não haverá aqui uma passagem insensível do plano do ser, da explicação do
funcionamento do sistema e do esclarecimento dos seus pressupostos e condicionamentos
funcionais, para o plano do dever ser, daquilo que o sistema e cada um dos seus componentes
deve ser, segundo um modelo ideal de “condução” descentralizada da sociedade?
Para a compreensão dos princípios jurídicos, e do papel que se propõe atribuir-lhes, convém
recuar até ao movimento codificador do séc. XIX. Em algumas destas codificações manda-se
integrar as lacunas mediante a aplicação dos “princípios gerais de Direito” ou, como sucedia no
art. 16.º do Código de Seabra, na falta de analogia, pelos “princípios de direito natural”.
Toda a evolução posterior do conceito de "princípio jurídico" é marcada pela atração exercida
por cada um destes entendimentos: o de proposição geral de Direito positivo ou de princípio
suprapositivo.
O trabalho decisivo sobre a formação dos princípios e a sua função no processo judicial deve-se
a ESSER (1956). Este autor verificou que, quando não é possível encontrar a solução do caso
dentro dos quadros fixados pelo texto da lei, a jurisprudência faz frequentemente apelo a
“conceções jurídicas gerais” ou “princípios” que infere da lei ou alega inferir da lei.
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Introdução ao Estudo do Direito II 52
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Este apelo a “conceções jurídicas gerais” que se inferem de certos trechos legais é considerado
uma fundamentação aparente. Na verdade estes princípios vigorariam independentemente da lei.
Eles justificar-se-iam pela “natureza das coisas ou do instituto em causa”.
Este autor também procurou superar a oposição entre conceito “positivo” e “suprapositivo” de
princípio. Para Esser os princípios não são inferidos indutivamente a partir da legislação, nem
obtidos por dedução a partir de um sistema de Direito Natural ou de uma ordem objetiva de
valores.
Já assinalei que o autor faz apelo à “natureza das coisas” ou de um determinado instituto, o que
podemos interpretar como uma referência ao sentido ordenador imanente a certas relações ou
estruturas sociais.
Esser faz ainda apelo aos “domínios pré-positivos de princípios ético-jurídicos e convicções
gerais”, o que não pode deixar de significar que o Direito se fundamenta, pelo menos até certo
ponto, na moral.
O princípio começa por ser “revelado” num caso concreto e só depois se generaliza como
critério de solução de uma série de casos. Uma vez descoberto, o seu posterior desenvolvimento
na jurisprudência não é uma simples “aplicação”, mas um processo duradouro e criativo de
“conformação”. O princípio necessita ainda, para vigorar na prática, de ser reconhecido
judicialmente ou legalmente como uma diretiva vinculativa.
Em todas as culturas jurídicas se verifica uma circulação entre revelação do problema, formação
de princípios e consolidação do sistema. Enquanto soluções generalizadas de problemas os
princípios são os verdadeiros elementos formadores do sistema.
A investigação realizada alguns anos mais tarde, por DWORKIN, só no âmbito dos sistemas do
Common Law, apresenta um claro paralelo com a investigação feita por ESSER, embora
aparentemente a desconheça.
DWORKIN faz valer que na determinação da solução do caso, em especial nos “casos difíceis”
[hard cases] os juristas utilizam padrões [standards] que não funcionam como regras, mas
como princípios, políticas [policies] e outros tipos de padrões.
Em sentido estrito, “princípio” é um padrão que deve ser observado porque é uma exigência da
justiça [justice or fairness] ou de outra dimensão da moral. Ao passo que a “política” é um
padrão que estabelece um objetivo a ser atingido, geralmente uma melhoria num aspeto
económico, político ou social da comunidade.
Esta conceção de princípio exprime com toda a clareza uma fundamentação moral do Direito.
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Introdução ao Estudo do Direito II 53
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Esta distinção segundo a estrutura não se confunde com a distinção segundo o grau de
generalidade, que identifica princípio com regra geral e se relaciona com o conceito positivista
de “princípio geral de Direito”.
Dworkin assinala que os positivistas (designadamente Hart numa primeira fase) entendem que
se um caso não é controlado por uma regra estabelecida o juiz deve decidi-lo no exercício da
discricionariedade judicial. O juiz pode tomar em conta outros padrões que não sejam regras,
mas não estaria obrigado a fazê-lo. O autor defende, pelo contrário, que os princípios vinculam
o juiz.
Segundo o autor, a vigência dos princípios inviabiliza a tentativa de basear o sistema numa
“regra de reconhecimento”. Não seria possível formular como uma regra única, ainda que
complexa, o conjunto de padrões móveis, em desenvolvimento e interação em que se baseia a
argumentação a favor de um princípio. Mesmo que se conseguisse formular tal regra seria
demasiado incerta para identificar claramente o Direito válido, que é uma preocupação
fundamental para o positivismo normativo.
Poderia então dizer-se que os princípios são o critério de identificação (e também de validade)
dos elementos do sistema jurídico.
A “reconstrução” do sistema jurídico com base nos princípios ético-jurídicos que derivam da
melhor teoria moral que justifica o sistema, feita por Dworkin, aproxima-se da conceção do
sistema como “ordem axiológico-teleológica de princípios gerais” sustentada por Canaris e em
vasta medida seguida por Larenz.
Segundo Canaris e Larenz, a unidade inerente ao sistema jurídico reclama certos pontos centrais
de referência aos quais se possa reconduzir a diversidade do particular. Estes pontos centrais de
referência são, na linha do defendido por Esser, os princípios ético-jurídicos.
Afirma Larenz que os princípios não se obtêm mediante um procedimento generalizador a partir
de regras jurídicas. A sua revelação exige antes uma viagem de retorno desde as regras às ideias
que as enformam e a partir das quais elas surgem como um conjunto dotado de sentido.
A relação entre a ideia de Direito e os princípios jurídicos gerais, bem como entre os princípios
jurídicos gerais e as normas jurídicas que podem ser vistas como sua concretização, não é
dedutiva, nem indutiva, mas uma relação de “esclarecimento recíproco”. Os princípios fornecem
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Introdução ao Estudo do Direito II 54
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
pontos de vista orientadores para a obtenção da solução de casos concretos e veem o seu
conteúdo enriquecido e o seu sentido explicitado por estas soluções concretizadoras.
▪ Não reclamam exclusividade, i.e., não podem ser formulados segundo um esquema “só
quando... então”;
Para Canaris o sistema deve entender-se como um sistema aberto, o que, para o “sistema
interno”, significa a mutabilidade histórica das valorações jurídicas fundamentais
Esta conceção de sistema é em vasta medida acolhida por Menezes Cordeiro, que fala de um
sistema aberto, móvel, heterogéneo e cibernético.
Na expressão de Menezes Cordeiro o sistema é aberto, em termos extensivos, pela sua não
plenitude; e, em termos intensivos, porque se compatibiliza, mesmo nas áreas cuja cobertura
assegure, com inclusão de elementos materiais que lhe são estranhos.
É móvel por, no seu seio, as proposições não se encontrarem hierarquizadas, surgindo antes
como permutáveis.
É heterogéneo por apresentar, no seu corpo, áreas de densidade diversa: desde coberturas
integrais por proposições rígidas até quebras intrassistemáticas e lacunas rebeldes à analogia.
É, enfim, cibernético, por atentar nas consequências de decisões que legitime, modificando-se e
adaptando-se em função desses elementos periféricos.
Por seu turno, OLIVEIRA ASCENSÃO considera a conceção de sistema adotada por
MENEZES CORDEIRO como conforme à doutrina moderna, embora discorde do papel central
atribuído por este autor à ciência jurídica, tornando-a constitutiva do próprio Direito, uma vez
que onde não há consciência do método nem ciência jurídica não deixa de haver Direito.
Também para estes autores as normas não são elementos do sistema jurídico.
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Introdução ao Estudo do Direito II 55
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Caso se entenda, como parece ser o caso de CANARIS, que o sistema só é móvel quando, em
regra, há uma liberdade de apreciação do peso relativo de cada um dos argumentos que podem
constituir critério de decisão, inclino-me a pensar que a imobilidade fundamental do sistema
também é válida para o Direito português.
Isto porque na maior parte dos casos o fator decisivo no modelo de decisão jurídica é
constituído por normas, e porque a necessidade de conjugar diferentes normas que estão ao
mesmo nível hierárquico e de as interpretar à luz de valores e princípios não significa, em regra,
que o intérprete possa ou deva optar entre uma norma e outra norma ou princípio.
Mas para isto ser assim, também se terá de considerar as normas como elementos do sistema,
ponto a que adiante se retornará.
No caso das normas contrárias ao sistema, o autor centra as suas atenções nas “lacunas de
colisão”.
Estas lacunas podem desde logo surgir em virtude de contradições de normas, em que a mesma
situação da vida é objeto de duas normas vigentes que estabelecem consequências jurídicas
incompatíveis entre si. Não sendo possível aplicar simultaneamente ambas as normas, e se
também não se justificar a primazia de uma delas sobre a outra, verifica-se que as normas se
anulam mutuamente dando origem a uma “lacuna de colisão”.
Já é mais controverso se no caso de uma contradição valorativa as normas que exprimem cada
uma das valorações se anulam mutuamente dando origem a uma lacuna de colisão. Neste caso
as consequências jurídicas das normas em presença não são incompatíveis entre si; trata-se antes
de uma contradição na forma porque são valoradas situações semelhantes ou análogas.
Mas isto não quer dizer que todas as normas que exprimam contradições valorativas sejam
inválidas, visto que, como assinalei a propósito dos valores do Direito, o princípio da igualdade,
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Introdução ao Estudo do Direito II 56
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
No caso das “normas estranhas ao sistema”, não há uma contradição normativa ou valorativa
mas um isolamento valorativo da norma relativamente ao sistema porque não é reconduzível a
um princípio geral ou ideia retora; a sua ratio não possui suficiente força persuasiva para poder
valer como um enriquecimento consequente dos valores fundamentais do domínio jurídico em
causa.
Esta “estranheza” ao sistema não prejudica a vigência da norma, a menos que constitua uma
violação do princípio constitucional da igualdade. Salvaguardada esta última hipótese, a “norma
estranha ao sistema” é uma norma válida, mas que, no entender de CANARIS, deverá ser
interpretada restritivamente ou, pelo menos, não ser interpretada extensivamente.
Repare-se, portanto, que esta conceção de sistema não implica necessariamente que os
princípios jurídicos sejam um critério de validade das normas do sistema, embora também não
exclua a possibilidade de decorrerem de certos princípios ou valores fundamentais exigências
materiais quanto ao conteúdo das normas.
Mas a ideia que hoje prevalece é a que em constituições como a alemã ou a portuguesa os
princípios ou valores fundamentais têm a sua sede na Constituição e que, portanto, o problema
da compatibilidade das normas com estes princípios ou valores se reconduz, em princípio, à
questão da sua constitucionalidade.
Mas há autores, como BAPTISTA MACHADO, que manifestando maior pendor jusnaturalista,
e aproximando-se mais do pensamento de um DWORKIN, encontram o critério de validade das
normas nos princípios jurídicos.
Mais, o próprio legislador seria limitado por princípios fundamentais de Direito, decorrentes da
“ideia de Direito” e que se sedimentaram na cultura humana ao longo da história.
Isto apresenta alguma proximidade com a posição que anteriormente adotei, mas eu salientei
que o património adquirido de valores e princípios fundamentais deve ser entendido à luz do
sentido da evolução verificada.
Resta assinalar que o sistema concebido deste modo não desempenha a função identificadora
dos elementos do sistema normativo nem a função de individualização do sistema.
A não realização da função identificadora verifica-se desde logo com as normas, porquanto as
normas são excluídas do sistema.
A circunstância de uma norma poder ser vista como concretização de um princípio do sistema
não significa que ela faça parte do ordenamento em causa, uma vez que, como atrás assinalei
com respeito ao sistema dito estático (na terminologia de KELSEN), a norma pode fazer parte
de outro ordenamento.
Inversamente, uma norma pode não se reconduzir a nenhum princípio (caso da dita “norma
estranha ao sistema”) sem que por isso deixe de vigorar no ordenamento em causa.
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Introdução ao Estudo do Direito II 57
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Por sua vez, a identificação dos princípios fica dependente da referência à “ideia de Direito” e
às normas jurídico-positivas. Mas como a “ideia de Direito” é um conceito vago, se não
obscuro, e não se fornece qualquer critério de identificação das normas jurídico-positivas, esta
conceção de sistema também não fornece, por si, um critério capaz de identificar os princípios
que formam o sistema.
Enfim, é perfeitamente possível que sistemas aparentados sejam dominados pelos mesmos
princípios jurídicos. Como se individualiza o sistema relativamente a outros sistemas? Não
encontro resposta nesta conceção de sistema.
Em contrapartida, as conceções de sistema que fazem apelo aos valores e princípios jurídicos
têm o mérito de pôr em relevo o sentido do Direito, a orientação a valores que é uma das suas
notas caracterizadoras, e que se liga, nos termos que atrás ficaram expostos, à própria
fundamentação do Direito.
Por último, faça-se uma breve referência à crítica do pensamento sistemático feita em algumas
obras recentes.
Segundo PEINE, a ordem jurídica só poderia ser um sistema se os fins prosseguidos pelas
normas pudessem ser ordenados por forma a que os fins das normas infraordenadas pudessem
ser vistos como um meio em relação aos fins das normas supraordenadas, formando, assim, um
esquema piramidal. Ora, isto só se verifica dentro de certos domínios jurídicos e, por isso, o
Direito como conjunto de todas as normas vigentes não seria um sistema; só seriam pensáveis
sistemas parciais.
Pode dizer-se que este modo de ver as coisas é predeterminado por um certo conceito de
sistema, que é semelhante ao sistema dito “estático”, embora não adote um critério identificador
lógico-formal mas teleológico. Mas também pode perguntar-se se, na verdade, o esforço por
encontrar pontos de vista unitários mediante o apelo a valores e princípios jurídicos não tende a
escamotear a existência, a este nível, de grandes diferenças entre os diversos domínios jurídicos.
Ao passo que a dar-se primazia à perspetiva concreta, os princípios gerais, a que se reconduzem
as soluções particulares, não podem valer como axiomas, mas apenas como assunções a título
experimental, que estão sob reserva de correção a todo o tempo, caso os resultados das
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Introdução ao Estudo do Direito II 58
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
pesquisas singulares o exijam. As soluções particulares não têm forçosamente de se ajustar aos
princípios gerais.
Não se nega que a sistematização do Direito sirva para tornar compreensível o conjunto das
normas e para evitar as contradições. Mas da “primazia da perspetiva concreta” decorre também
que o fim dos esforços sistematizadores não deverá ser um sistema rígido, mas um sistema
(parcial) variável de proposições jurídicas, predisposto a ser correntemente complementado e
modificado.
Isto torna claro que os princípios jurídicos não podem constituir um critério de identificação e
de validade das normas jurídicas. Mas não resulta daí uma clara divergência prática, quanto ao
processo de obtenção da solução, relativamente às conceções sistemáticas moderadas.
A flexibilidade do sistema é limitada pela fixação da previsão legal por forma inequívoca. Esta
flexibilidade parece então traduzir-se, no essencial, numa relativização dos princípios e dos
valores do sistema e no apelo que, na falta de um critério “exato” para a escolha entre as várias
soluções se faz ao “sentimento jurídico”, ligado à ideia de consenso social proporcionado pela
solução.
Posição Adotada
Isto corresponde não só à exigência de coerência interna postulada pela supremacia do Direito e
pelo princípio da igualdade, mas também às exigências de certeza, de previsibilidade e de
aptidão para a realização das tarefas que o Direito é chamado a realizar nas modernas
sociedades industriais.
Quer isto dizer que o modo por que hoje e aqui concebo o sistema normativo não constitui um
modelo válido para todos os tempos e para todas as sociedades, ou, por outras palavras, não é
um modelo inerente ao conceito de Direito.
Quer isto dizer também que este sistema dificilmente pode ser concebido como um conjunto de
elementos que pelo seu conteúdo e fim sejam reconduzíveis a um postulado fundamental, a um
principio geralmente conhecido.
O que também não implica que se abstraia do sentido do Direito, quando tomado no seu
conjunto, do conteúdo das normas e dos valores que procuram realizar. É antes de reconhecer
que o Direito pode servir para a realização de valores de diferente natureza e que diversos
domínios jurídicos podem ser dominados por diferentes valores e princípios jurídicos.
Alguns domínios jurídicos fundamentais são dominados por valores e princípios que têm uma
base moral, como o Direito Privado ou o Direito Penal, outros apresentam a par destes outros
valores e princípios de caráter político, económico, etc., como é caso do Direito Constitucional,
outros, como o Direito da Economia, têm mais que ver opções de política social e económica.
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Introdução ao Estudo do Direito II 59
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A isto soma-se a receção, por parte de uma ordem jurídica estadual como a portuguesa, do
Direito Internacional Público geral ou comum, do Direito Internacional convencional e derivado
que vincule o Estado português e do Direito da União Europeia, i.e., das fontes de sistemas
jurídicos diferentes.
Este modo de ver as coisas tem como corolário que, segundo creio, o sistema normativo não
deve ser concebido em função de uma particular teoria moral.
Isto não só porque a base moral dos diferentes domínios jurídicos é muito variável, mas também
porque as diferentes teorias morais são objeto de vasta controvérsia, e a questão do sistema, com
toda a relevância que tem para a ciência jurídica prática, não deve ficar refém da posição que se
tome nesta controvérsia.
A caracterização do sistema e as funções que ele tem de desempenhar não pode depender
exclusivamente de uma base moral.
O que não implica, como atrás foi exposto, que se negue a objetividade ou racionalidade do
discurso sobre questões de moral e de justiça, nem que se negue que a moral coloca
determinadas exigências ao Direito.
Deve ainda sublinhar-se que o sistema normativo, concebido como um conjunto de normas e
princípios que até certo ponto estão ligados por nexos intrassistemáticos, está inserido naquele
sistema mais amplo que corresponde à ordem jurídica no seu conjunto, e que é através desta
inserção que se estabelece uma relação com os valores, estruturas sociais juridicamente
relevantes e situações jurídicas individualizadas.
O sistema normativo é um elemento da ordem jurídica que estabelece relações com outros
elemento da ordem juridica (valores, instituições, moral, religião)
À indistinção entre estes dois planos, e dos diferentes sistemas que lhe correspondem, deve-se
uma boa parte das divergências entre as principais conceções de sistema.
Seria reducionista encontrar a ordem juridica como um conjunto de proposições normativas mas
dificilmente se pode definir o sistem jurídico objetivo com a exclusão das normas do sistema
Tenho por evidente que é reducionista uma conceção que reduza o fenómeno jurídico a um
conjunto de proposições jurídicas, mas nada impede que no seio da ordem jurídica se, conforme,
entre outros componentes, um sistema normativo.
CANARIS argumenta que um sistema de normas seria pouco consequente, porque o que está
em causa é encontrar os nexos que ligam as normas e que os princípios jurídicos unificadores só
em parte diminuta constituem proposições jurídicas suficientemente determinadas para
constituírem normas. Ora esta consideração apenas justifica que os princípios sejam vistos como
elementos unificadores do sistema, já não obriga a excluir as normas do sistema.
A razão profunda porque CANARIS se esforça por excluir as normas residirá porventura na
manifesta impossibilidade de reconduzir todas as normas jurídicas a princípios ético-jurídicos.
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Introdução ao Estudo do Direito II 60
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
So que se assumirmos que nem todos os princípios tem base geral podemos cometer a afirmação
que a maioria das normas são remetidos a princípios orientadores
Mas esta razão desaparece se admitirmos que nem todos os princípios jurídicos têm um
fundamento moral e que o sistema não se tem de caracterizar por um grau tão elevado de
“unidade” como o autor defende.
Outra objeção que pode ser oposta à conceção de um sistema formado por normas e princípios é
a de que a norma é um produto da interpretação, e que a interpretação é enquadrada pelo
sistema. Se o sistema é anterior à norma, não faria sentido entender o sistema em função da
norma. É esta a objeção que me parece decorrer da posição de OLIVEIRA ASCENSÃO, se a
entendo corretamente.
Todo o sentido simbólico da conduta humana e das suas interações, incluindo os valores, só
pode ser acedido mediante uma interpretação, mas isto, nos termos que foram expostos
anteriormente, não impede a objetivação dos padrões de conduta e dos valores. Que jhaja uma
onbjetivaçao a partir do momento em que constituem um conteúdo de concsiencia comum a
uma pluralidade de pessoas
Por outras palavras, o sistema só pode ser entendido à luz do conjunto das normas e princípios
que o formam, assim como cada uma das normas e princípios tem de ser entendida à luz do
sistema.
Claro que é concebível uma ordem jurídica formada principal ou exclusivamente por
proposições jurídicas pouco determinadas, por princípios e máximas. Será este porventura o
caso dos Direitos tradicionais. A verdade é que a regra representa um recurso de formalização e
racionalix«zaçao que tem relevância para a atuação legislativa, facilidade na aplicação sdo
direito,…
Certeza e previsibilidade são essenciais para que o direito possa realizar a sua missão de orientar
e conduzir o correto funcionamento das instituições e da socidade
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Introdução ao Estudo do Direito II 61
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A certeza e a previsibilidade das soluções jurídicas são essenciais para que o Direito possa
realizar a sua função de orientação de condutas e para que os sujeitos jurídicos possam fazer o
planeamento das suas vidas.
No que se refere à vida económica, uma ordem jurídica que não se baseie em normas
razoavelmente claras e precisas cria riscos económicos adicionais para as empresas que lhe
estão submetidas e aumenta, por isso, os seus custos, tornando a economia do respetivo país
menos competitiva.
Quando se pergunta por aquilo que individualiza um sistema jurídico relativamente a outros
sistemas jurídicos, nós pensamos não propriamente no seu conteúdo e valores mas na
pertinência desse sistema a uma determinada sociedade, que, no caso de um sistema jurídico
nacional é uma determinada sociedade estadual.
O que sugere que a individualização de um sistema normativo se tem de entender à luz da sua
inserção na ordem jurídica global, como ordem institucionalizadora de uma determinada
sociedade.
Quanto à identificação dos elementos do sistema, trata-se, antes do mais, de uma questão de
fontes do Direito. Quer isto dizer que, à primeira vista, o critério de identificação é um critério
genético: pertence ao sistema o elemento que foi produzido segundo um processo idóneo para o
efeito.
Segundo o entendimento atrás adotado, o problema das fontes tem em última análise de ser
resolvido segundo a conceção normativa sobre os processos idóneos para gerarem regras
jurídicas que integra a consciência jurídica geral e, em especial, a consciência da comunidade
jurídica.
Também assinalei que a teoria das fontes está pensada para a formação das normas, e que o
reconhecimento dos princípios jurídicos como elementos do sistema, com caráter vinculativo,
vem colocar novos problemas.
Quanto às exigências materiais que devam ser colocadas às normas para que possam constituir
elementos válidos do sistema, creio, em primeiro lugar, que se deve seguir aquele entendimento,
acolhido tanto pelas conceções sistemáticas moderadas como pelos defensores da “primazia da
perspetiva concreta”, segundo a qual a validade de uma norma jurídica não depende
necessariamente de ser reconduzível a um princípio jurídico nem é necessariamente prejudicada
pela sua contrariedade a um princípio jurídico.
Decorre daqui que a pertença ao sistema não depende, em princípio, de um critério material.
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Introdução ao Estudo do Direito II 62
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
As considerações relativas ao conteúdo das normas, aos princípios e aos valores da ordem
jurídica já assumem grande importância para a realização de outras funções tais como:
- a de orientar a resolução dos problemas suscitados pelas contradições que apesar de tudo
ocorram;
Em primeiro lugar este sistema não pode apresentar aquela unidade que caracteriza um sistema
de tipo “estático”. Há princípios e outras ideias rectoras que dominam áreas jurídicas mais ou
menos vastas, mas não se exige que estas ideias rectoras possam ser vistas como concretização
de um postulado fundamental.
A afirmação da heterogeneidade do sistema vai por isso além da simples existência de quebras
intrassistemáticas e lacunas rebeldes à analogia, significa também a existência de subsistemas
relativamente autónomos no seu seio e de zonas de baixa densidade sistemática que não
formam, por si, um subsistema.
Em segundo lugar, a coerência do sistema é relativa, uma vez que comporta contradições
normativas e valorativas, embora vise evitá-las e eliminá-las. A coerência do sistema, e o
próprio sistema, nunca são algo de acabado, mas algo permanentemente em construção.
Em terceiro lugar, de acordo com o anteriormente exposto, que dou aqui por reproduzido, o
sistema é fundamentalmente imóvel.
Em quarto lugar, o sistema é aberto, porque não contém soluções para todos os problemas de
regulação jurídica, podendo incorporar soluções que decorrem de valorações feitas pelo
intérprete e princípios descobertos através destas soluções.
Enfim, é também certo que há um “processo de retroação” ou efeito de retorno mediante o qual
o sistema atende às consequências sociais das normas e decisões que produz, modificando-se e
adaptando-se em função dessas consequências. É no entanto controverso se se pode designar
esta característica do sistema como cibernética.
A importância dos princípios como polos centralizadores de soluções singulares e, que nessa
medida, vêm esclarecer os nexos axiológicos que ligam conjuntos de normas, não deve fazer
esquecer a existência de outros nexos intrassistemáticos que se estabelecem entre as normas.
É o caso do nexo de especialidade, que como sabem se estabelece entre uma norma geral e uma
norma especial.
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Introdução ao Estudo do Direito II 63
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Por exemplo, as normas reguladoras da compra e venda são aplicáveis a outros contratos
onerosos de alienação na medida em que sejam conformes com a sua natureza e não estejam em
contradição com as disposições legais estabelecidas para estes contratos (art. 939.º CC).
Um destes nexos é aquele que podemos designar por nexo de pressuposição, em que o conceito
utilizado na previsão de uma norma se reporta a um situação jurídica definida por outra norma
ou normas.
Por exemplo, o art. 1316.º CC determina que o direito de propriedade se adquire por contrato,
sucessão por morte, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei. Se admitirmos que a
consequência jurídica é a aquisição da propriedade, os conceitos utilizados na previsão
“contrato”, “sucessão por morte”, “ocupação” e “acessão” reportam-se a situações jurídicas que
são definidas por outras normas, as que regulam os contratos de alienação, a sucessão por morte,
a ocupação e a acessão.
Outro dos nexos que têm sido referidos pelos autores é o nexo operativo. Este nexo estabelece-
se entre duas normas quando a observância ou inobservância de uma delas desencadeia a
atuação da outra.
Por exemplo, a observância da norma que confere o poder para a celebração do contrato
obrigacional desencadeia a aplicação da norma que impõe a obrigação dele decorrente, isto a
admitir que a liberdade contratual e o efeito obrigacional do contrato são produto de normas.
Por seu turno, a inobservância da norma que impõe a obrigação desencadeia a aplicação da
norma que estabelece a sanção (para quem entenda que a proposição que estabelece a sanção
exprime uma norma independente).
Um terceiro nexo é o genético. Este nexo estabelece-se entre uma norma e as normas cuja
validade depende dessa norma. Por exemplo, entre as normas de uma lei e a norma constitu-
cional que confere competência à Assembleia da República; entre um regulamento e a lei com
base na qual é editado.
Certo é que da superioridade da lei constitucional sobre a lei ordinária, e da lei ordinária formal
sobre os regulamentos, por exemplo, também resulta que as normas regulamentares se têm de
conformar com as normas legais e as normas da lei ordinária com as normas constitucionais.
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Introdução ao Estudo do Direito II 64
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Especialmente importantes são, a meu ver, os nexos que se estabelecem entre as normas que
regulam uma determinada situação típica. Por exemplo, as normas que regulam o contrato de
compra e venda, as normas que regulam o direito de propriedade.
Estas normas complementam-se e limitam-se reciprocamente (o que não constitui portanto uma
característica distintiva dos princípios) por forma a proporcionar uma disciplina da situação que,
ao mesmo tempo, seja coerente e exprima adequadamente a ideia ou ideias rectoras que lhe
estão subjacentes.
Encontramos aqui um outro tipo de conjunto funcional, que é especialmente importante para a
interpretação de cada uma das regras que o integra.
Enfim, observe-se que também se estabelecem nexos entre complexos normativos, por exemplo,
entre o instituto da responsabilidade civil e as normas que atribuem e regulam direitos (que é
um nexo operativo).
A Regra Jurídica
Estruturalmente a regra jurídica é uma proposição que enlaça pelo menos dois elementos: a
previsão e a estatuição.
A previsão é constituída pelo conjunto de elementos que têm de estar presentes para que a
norma se aplique. Podemos designar elementos por pressupostos.
Princípios Jurídicos
Os princípios jurídicos são, a par das regras jurídicas e de outros nexos intrassistemáticos,
elementos do sistema normativo.
O princípio é uma proposição jurídica com elevado grau de indeterminação que, exprimindo
diretamente um fim ou valor da ordem jurídica, constitui uma diretriz de solução.
A diferença entre regra e princípio reside então na sua estrutura lógica: contrariamente à regra
no princípio as consequências jurídicas não decorrem automaticamente da verificação dos
pressupostos de facto.
O princípio é apenas um “ponto de partida” para encontrar a solução; aponta a direção em que a
solução deve ser encontrada.
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Introdução ao Estudo do Direito II 65
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A indeterminação verifica-se quer quanto à previsão quer quanto à estatuição. Não se encontra
delimitada por forma rígida a categoria de situações a que se aplica o princípio; e a
consequência jurídica também não é determinada com precisão.
▪ Nos menos concretizados não há uma separação entre previsão e consequência jurídica,
mas apenas uma ideia jurídica retora, que orienta a concretização. É o que se passa, por
exemplo, com o princípio da dignidade da pessoa humana, mesmo sendo a base de todo o
ordenamento jurídico português (“Portugal é uma republica soberana, baseada na
dignidade da pessoa humana…”, artigo 1º CRP), não tem uma concretização
delimitada, como já referido, funciona como uma ideia retora.
▪ Outros princípios apresentam o esboço de uma separação entre previsão e estatuição,
como é o caso do princípio da igualdade (art. 13.º CRP) e o princípio da confiança, por
exemplo enquanto se exprime no subprincípio da não retroatividade da lei nova e no dever
de atuar segundo a “boa fé”. Estes princípios já não se apresentam muito longe de
constituírem regras de que pode resultar diretamente a decisão de casos concretos.
Graças à sua indeterminação o princípio serve para realizar na máxima medida possível um fim
ou valor da ordem jurídica. Neste sentido pode-se dizer que se trata de um “comando de
otimização”, por contraposição às regras, que são “comandos definitivos”.
No que toca aos princípios subjacentes a um conjunto de regras jurídicas, a sua revelação exige
uma viagem de retorno desde as regras às ideias que as enformam e a partir das quais elas
surgem como um conjunto dotado de sentido.
➢ A maior parte dos princípios encontra-se hoje consagrada na lei. Alguns destes
princípios são expressamente referidos na constituição e noutras leis:
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Introdução ao Estudo do Direito II 66
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Em qualquer dos casos, o princípio vem a obter um modo de vigência no sistema jurídico.
Na opinião do Professor Lima Pinheiro, a vigência dos princípios jurídicos deve ser
fundamentada:
Para autores como Esser os princípios têm sempre um caráter pré-positivo e ético-jurídico. Por
outras palavras, alguns autores consideram que todos os princípios são ético-jurídicos e pré-
positivos, ou seja, são os princípios que vão inspirar e dar corpo às regras, logo, os princípios
têm prioridade na resolução de casos concretos, porque foram os próprios princípios que deram
origem às regras. Sendo pré-positivos eles vão estar associados a determinadas situações
jurídicas e só vão ser descobertos num momento posterior.
Se se aceitar que nem todos os ramos do Direito são dominados por princípios ético-jurídicos e
que, mesmo nos ramos em que isto se verifica, podem desempenhar algum papel outras
diretrizes de solução que, na sua estrutura, são idênticas aos princípios ético-jurídicos, parece de
preferir um conceito mais amplo de princípio jurídico, que corresponde à noção atrás
apresentada.
▪ Nesta ordem de ideias um princípio também pode exprimir um fim ou valor de índole
económica, política, cultural, ambiental, entre outros
Quando se verifica que essas ideias e valores vetores determinam, influenciam e delimitam
áreas como o direito da economia, mesmo não tendo uma base moral, vão ter, também, uma
estrutura de princípio, por isso pode ser adotada uma conceção mais ampla de princípios que
abranja todas estas posições.
Deve ainda acrescentar-se que nem todas as considerações de política legislativa se reconduzem
a princípios.
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Introdução ao Estudo do Direito II 67
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Dizer que por não terem uma concretização delimitada e mais especifica do que as regras só os
princípios entram em contradição nunca é absoluto, é sempre tendencial, porque, as regras
também podem entrar em contradição, ainda que esta contradição seja resolvida no próprio
plano da interretação. Estas características apenas permitem traçar uma distinção tendencial
entre regras e princípios.
As regras, quando integradas num conjunto funcional, como aquele que formam as regras que
regulam uma determinada situação típica, também se complementam e limitam reciprocamente.
Enfim, certas regras, maxime as que utilizam conceitos indeterminados, também requerem
valorações particulares para a sua concretização.
Artigo 335
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Introdução ao Estudo do Direito II 68
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Os princípios vão-se concretizando e delimitando a sua esfera da atuação com a sua própria
aplicação em casos e situações concretas, à medida que vão sendo aplicados, tornar-se á
identificar um conjunto de casos em que poderão ser aplicados e formar grupos de tipos de
casos e, por outro lado, tornar-se-á, também, possível identificar um conjunto de casos que à
partida não ver a aplicação desse determinado principio.
Esta ponderação de valores não deve ser só quantitativa, deve se orientar pelas
circunstancias da situação concreta
O professor Miguel Teixeira de Sousa faz uma classificação tripartida dos princípios jurídicos:
▪ Princípios Programáticos
Os princípios programáticos definem objetivos a alcançar e fins a atingir; estes princípios têm
uma função orientadora, procurando a levar a que sejam alocados os meios necessários para
atingir determinados objetivos e fins. Os princípios programáticos impõem a obtenção de certos
objetivos e fins, mas indicam apenas que eles devem ser realizados, em cada momento, na maior
medida possível. Assim os princípios programáticos tornam obrigatórias todas as medidas que
favoreçam a obtenção desses objetivos e fins e proíbem todas aquelas que impeçam vir alcança-
los. Por exemplo, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 1 CRP). Todas as
regras que violarem o princípio são proibidas.
▪ Princípios Formais
A produção do direito não é possível sem atender aos princípios formais da justiça, confiança e
eficiência que se concretizam em princípios materiais. Por isso, os princípios formais são
simultaneamente constitutivos e regulativos: o direito não pode ser construído sem esses
princípios e, ao mesmo tempo, eles regulam situações jurídicas e fornecem critérios de
solução de casos concretos.
▪ Princípios Materiais
O sistema jurídico orienta-se pelos princípios formais da justiça, confiança e eficiência que se
concretizam em princípios materiais.ao contrário dos princípios formais, os princípios materiais
só realizam uma função regulativa.
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Introdução ao Estudo do Direito II 69
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Critério de Otimização
Os princípios devem ser aplicados o máximo que for compatível com os demais princípios.
Assim, relativamente aos princípios formais, não há uma medida mínima ou média de justiça,
de confiança ou de eficiência que seja aceitável; a única medida aceitável de justiça, de
confiança e de eficiência é a medida máxima que for compatível com outros princípios formais.
Compreende-se, por isso, que os princípios são comandos de otimização.
Também os princípios materiais devem ser considerados na medida máxima que for
compatível com os outros princípios materiais. De acordo com este critério é possível
distinguir:
Os princípios formais relativos são aqueles que admitem uma concretização segundo um
principio formal e uma exceção segundo um outro principio formal. Por exemplo, o principio da
autonomia privada (art.405/1 CC) prossegue o principio formal da eficiência mas admite
limitações pelo princípio formal da confiança (por exemplo, as exigências de forma imposta
para a celebração de alguns negócios) ou pelo principio formal da justiça (por exemplo, a
proteção dos trabalhadores ou dos consumidores).
Os princípios formais são aqueles que sendo concretizações de princípios formais não admitem
nenhuma exceção. Por exemplo o artigo 29º/1 CRP concretiza o principio formal da confiança e
não admite nenhuma exceção.
Princípios e Regras
▪ Os princípios têm “peso” e “importância”, pelo que podem ser aplicados pelo juiz
em diferentes medidas, em contrapartida, as regras jurídicas são totalmente
aplicadas pelo juiz (“tudo ou nada”);
▪ Os princípios podem conflituar com outros princípios, nesta situação, prevalece o
principio com mais peso ou mais importante, sem que nenhum dos princípios
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Introdução ao Estudo do Direito II 70
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Os princípios, ao contrário das regras, não fornecem uma razão conclusiva ou definitiva
a favor de uma certa solução ou decisão, mas apenas uma razão prima facie.
O critério de “tudo ou nada” não é suscetível de ser utilizado para alicerçar uma
distinção entre regras e princípios, pois quer os princípios quer as regras só podem ser
aplicadas na medida do tudo, por muito que haja uma valoração um principio só pode
ser aplicado na medida do tudo.
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Introdução ao Estudo do Direito II 71
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Por exemplo, se a lei X regula uma categoria de situações de um modo, e o legislador entende
que uma categoria de situações análoga deve ser regulada de modo diferente, então não deve
estabelecer uma lei Y só para esta categoria de situações, mas antes revogar a lei X e estabelecer
um regime para todas as situações que devem ser igualmente valoradas. Desta forma evitam-se
incoerências valorativas.
No caso do nexo hierárquico uma das normas prevalece sobre as outras, prevalece a norma
diretamente superior, se não for possível pode surgir uma lacuna de colisão, anulam-se
mutuamente e o sistema revela para integrar a lacuna
No caso das contradições valorativas temos de aplicar normas que conduzem a valor
diferentemente situações análogas, só não é assim quando for violado o principio da igualdade,
por não haver um fundamento material bastante para justificar esse tratamento diferente
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Introdução ao Estudo do Direito II 72
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O art. 4.º/2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais estabelece expressamente que o “dever de
obediência à lei compreende o de respeitar os juízos de valor legais, mesmo quando se trate de
resolver hipóteses não especialmente previstas”.
Na verdade, esta posição não é irrelevante, mas também não é conclusiva. Para efeitos de
interpretação, é mais importante a integração no sistema normativo, que exige uma indagação
dos nexos de sentido que se estabelecem entre as regras e entre elas e os princípios jurídicos.
Estes nexos são, não só, de caráter lógico mas, também, axiológico. Por isso, a integração no
sistema normativo também se processa no plano axiológico e teleológico e relaciona-se com os
critérios teleológico-objectivos de interpretação.
Numa primeira aproximação, para integrar a regra no sistema é necessário examinar a sua razão
de ser e relacionar com princípios jurídicos e outras ideias rectoras do sistema (interpretação).
Na integração de lacunas, o sistema releva quer quando contém uma regra aplicável a um caso
análogo, quer, na falta de caso análogo, quando é possível encontrar a solução mediante a
concretização de um princípio jurídico, quer ainda, em último recurso, quando o intérprete tenha
de formular uma solução como “se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema” (art. 10.º
CC). Se o caso está omisso na lei, tem de se verificar se não há uma regra que regule caso
análogo, depois, caso não se encontre uma regra, procura-se um principio que regule caso
análogo, se não existir principio atende-se ao espirito do sistema.
O sistema pode ainda relevar na própria descoberta da lacuna, quando esta resulte de uma
interpretação restritiva ou redução teleológica de uma norma, que seja justificada por princípios
ou valores do sistema (integração de lacunas).
➢ No caso da criação de uma solução pelo interprete como se fosse o legislador, não se pode
falar de uma solução intrassistematica, visto que a solução não decorre desses princípios ou
valores. Nestes modelos extrassistematicos, o interprete fica colocado numa situação
semelhante à do legislador, pode experimentar diferentes pontos de vista por si escolhidos.
Deve assinalar-se que há uma diferença entre estes dois modelos (integração da lacuna dentro
do espirito do sistema; criação por equidade). Quando é dentro do espirito do sistema deve ser
formulado por uma proposição geral e abstrata, há uma preocupação de a formular de forma a
que ela possa ser utilizada no futuro. Se for com a equidade fala-se numa solução para o caso
concreto, não tem que ser geral e abstrata, não vai ser, em principio, aplicada em casos
análogos, visa, em ultima instância criar uma solução para um determinado caso concreto.
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Introdução ao Estudo do Direito II 73
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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Introdução ao Estudo do Direito II 74
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
▪ As “regras que produzem automaticamente efeitos jurídicos”, que ligam efeitos a factos
involuntários – por exemplo, a aquisição da personalidade jurídica e da capacidade de
gozo com o nascimento completo e com vida (arts. 66.º/1 e 67.º CC), não existe
qualquer critério de decisão, porque a vontade humana nada pode influenciar na
conduta da pessoa, o nascimento é independente da vontade;
▪ As regras que orientam a determinação da sanção pelo órgão de aplicação, por exemplo,
as normas sobre graduação da pena ou sobre o cálculo da indemnização segundo
considerações de equidade;
▪ As regras sobre a culpa (quando esta é considerada como um pressuposto de
responsabilidade criminal ou civil distinto da ilicitude);
▪ As regras que estabelecem a responsabilidade por factos lícitos, na medida em que
estabelecem uma sanção, independentemente de o agente ter ou não atuado em
conformidade com o Direito; se age em conformidade, não há se quer uma regra de
conduta, a pessoa não sabe como se há de comportar para não incorrer em
responsabilidade, independentemente da maneira como a pessoa se comportou vai ter de
indemnizar, mesmo que o facto seja licito, por exemplo, o estado de necessidade exclui
a culpa mas não o exclui o dever de indemnizar os danos causados
▪ As regras sobre regras, por exemplo, as regras sobre as fontes do Direito ou sobre a
interpretação e a integração;
É frequente que se identifique a regra com uma determinada forma linguística, por exemplo,
com o texto do artigo de um código. Em rigor, porém, a proposição normativa, que na lei está
expressa em linguagem escrita, é apenas a forma de expressão linguística da regra.
A regra, como já se sublinhou, obtém-se mediante a interpretação, que tem o seu ponto de
partida no sentido literal da proposição normativa.
A norma é geralmente definida como um critério de conduta, ou seja, a regra pela qual se
pautam as condutas humanas, embora a maioria das normas tenha esta função de orientar a
conduta das pessoas, como já analisados, outras não têm essa função.
Deste modo, verifica-se que nem todas as normas regulam comportamentos humanos, por isso,
segundo Oliveira Ascensão, para o Direito a regra é inevitavelmente um critério de decisão de
casos concretos. Dá ao intérprete o critério pelo qual ele pode julgar ou resolver. Todavia, para
este autor, não são todos os critérios jurídicos de decisão que são regras jurídicas, pois este
podem ser:
A norma jurídica apenas se reconduz aos primeiros. Neste sentido, para Oliveira Ascensão, a
regra jurídica um critério material de decisão de casos concretos.
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Introdução ao Estudo do Direito II 75
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Estrutura
A norma jurídica prevê uma situação de facto a que se fazem corresponder certos efeitos
jurídicos: “Quem matar outrem, será punido com pena de prisão 8 a 16 anos”.
Estruturalmente a regra jurídica é uma proposição que enlaça dois elementos: a previsão e a
estatuição.
A previsão é constituída pelo conjunto dos elementos que têm de estar presentes para que a
regra se aplique. Podem-se designar por pressupostos.
Para Miguel Teixeira de Sousa a previsão corresponde a uma certa situação de facto que
se deve verificar para que a norma seja aplicada.
A previsão da norma é sempre uma previsão normativa, pois embora se refira a uma realidade
empírica, a verdade é que a determinação do seu sentido deve ser feito de modo jurídico, isto é,
os factos da vida são jurisdicionalizados, transformando-se os seus conceitos naturalistas em
conceitos jurídicos, razão pela qual o seu significado deve ser aquele que o Direito lhe atribui.
Para concretizar esta ideia Marcelo Rebelo de Sousa/Sofia Galvão dão um exemplo elucidativo:
1. Após uma discussão, alguém dá um tiro a outrem de que resulta a sua morte;
2. Um médico desliga o aparelho a que se encontra ligado um doente com diagnóstico de
morte cerebral;
3. Um pai não vigia adequadamente um filho de quatro anos que brincava à beira mar,
resultando desse facto o seu afogamento mortal.
Na grande maioria dos casos, a previsão da regra reporta-se a uma situação típica da vida ou a
um aspeto de uma situação típica da vida.
Nestes casos a previsão da norma recorta na factualidade social o conjunto de elementos que são
juridicamente relevantes, formando um modelo abstrato de situações da vida. Ao conformar os
factos relevantes para o Direito, a regra “situa” o acontecimento, sendo assim constitutiva da
própria situação que regula. Embora a regra se reporte à situação ela também, de algum modo
constitutiva da própria situação.
Mas isto já não se verifica nas regras sobre regras, em que a previsão da norma se reporta a
outras regras.
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Introdução ao Estudo do Direito II 76
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Ressalvados estes casos, pode-se dizer que a proposição jurídica associa a uma situação ou a
um aspeto de uma situação, delimitada pela previsão, a consequência jurídica determinada pela
estatuição.
A norma conforma situações da vida com vista à constituição de dado ordenamento das relações
humanas. Neste sentido, pode dizer-se que a previsão da norma também desempenha uma
função constitutiva da situação. Constitutiva por prescreve um dever de conduta que deve guiar
a atuação das pessoas
A norma pode utilizar diferentes tipos de conceitos jurídicos para delimitar a sua previsão:
Decorre daqui que quando se diz que a regra se reporta a uma situação ou a um facto tal não
significa que a qualificação da situação ou do facto se possa fazer sem o recurso a outras regras.
E a propósito do método de pressuposição, a previsão de uma norma é conformada por outras
normas – nexo de pressuposição
Frequentemente a norma reporta-se a uma situação juridicamente conformada por outra regra,
com a qual estabelece o nexo de pressuposição anteriormente referido.
Uma norma nem sempre corresponde a um certo preceito de um diploma, pois não raro a
determinação do seu sentido implica a conjugação de duas ou mais disposições, isto é, a
previsão pode estar num artigo, de uma determinada lei, e a estatuição noutro artigo, da mesma
ou de outra lei.
▪ Por exemplo o artigo 122º CC dispõe que “quem não tiver completado 18 anos de idade
é menor”, e o artigo 123º CC dispõe que “os menores carecem de capacidade para o
exercício dos direitos”: a regra que se retira destes dois preceitos conjugados, vai
no sentido de que quem não tiver completado 18 anos, não tem capacidade para o
exercício de direitos.
▪ Atribuição de um direito;
▪ Imposição de um dever;
▪ Constituição de um situação jurídica complexa;
▪ Estabelecimento de um requisito de validade ou eficácia de um negócio jurídico;
▪ Remissão para outras normas do mesmo ou de outro sistema jurídico;
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Introdução ao Estudo do Direito II 77
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A estatuição tem, em todos estes casos, uma função prescritiva (TEIXEIRA DE SOUSA). A
estatuição é formada por um operador deôntico e por um objeto. O operador deôntico pode ser
uma prescrição, uma proibição ou uma permissão. O objeto é aquilo que é prescrito, proibido ou
permitido. Este objeto pode ser uma conduta, um poder ou um efeito jurídico.
Tal como a previsão, a estatuição da norma também apresenta um caráter normativo, pois o seu
sentido é normalmente aferido de modo jurídico.
Distinguem-se também das ordens que são normalmente categóricas. Por exemplo, enquanto a
regra proíbe manifestações não autorizadas, referindo-se a situações hipotéticas, a ordem
policial de desmobilização dos manifestantes, referindo-se a situação concreta, é categórica.
Regra e Imperativo
Toda a norma jurídica, moral ou outra tem a pretensão de vincular a conduta dos seus
destinatários (ex: “não se deve matar”). Muito frequentemente, a estatuição da norma é um
dever de conduta ou de comando (por exemplo “não se deve matar”; “deve-se dar prioridade ao
veículo que se apresenta pela direita”). Daí identificar-se normatividade com imperatividade.
Mas tem de reconhecer-se que nem toda a norma é um imperativo ou injunção (obrigação).
Alguns exemplos:
• O artigo 130 do código civil estabelece que a maioridade se atinge aos 18 anos;
• O artigo 1317 do código civil admite a transmissão da propriedade por negócio jurídico.
Não são injuntivas as regras que não constituem critérios de conduta, por exemplo as regras
legais retroactivas, que se aplicam a condutas que ocorreram antes da sua entrada em vigor.
Todas estas normas, embora não estatuam imperativos, desencadeiam uma modificação no
mundo do juridicamente vigente (uma ordenação de vigência).
Toda a norma encerra um critério de valoração, e desencadeia uma consequência jurídica. Esta
consequência jurídica tanto pode ser uma obrigação de conduta como qualquer outra
consequência que deva valer como Direito. Em qualquer caso, a consequência jurídica
vincula juridicamente os destinatários da norma.
Enquanto critério de conduta a norma é vinculante para todas as pessoas. Enquanto critério
de decisão é vinculante para os tribunais e outros órgãos de aplicação do Direito.
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Introdução ao Estudo do Direito II 78
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Por tudo isto o professor Lima Pinheiro defende que a caracterização da regra jurídica não
pode assentar na imperatividade
Generalidade
Segundo os arts. 1.º CC e 674.º/2 CPC as leis caracterizam-se pela generalidade. Nos termos do
n.º 2 do art. 1.º CC: “Consideram-se leis todas as disposições genéricas provindas dos órgãos
estaduais competentes”.
A norma não deixa de ser geral por, num dado momento, dizer respeito a um pequeno grupo de
pessoas ou até a uma só pessoa.
Assim, as regras constitucionais sobre o Presidente da República não deixam ser caracterizadas
pela generalidade pela circunstância de só haver, por definição, um presidente. São
caracterizadas pela generalidade porque se aplicam a qualquer pessoa que seja investida no
cargo de PR e não só ao Presidente X ou ao Presidente Y.
Assim, verifica-se que o relevante para caracterizar a generalidade é que a lei fixe uma categoria
de pessoas, e não uma entidade individualizada.
O ato criador de preceitos individuais que se revista de forma legislativa é uma lei em sentido
formal mas não em sentido material. Devido à sua individualidade esta lei pode ser
inconstitucional, por violar a proibição de discriminação que decorre do princípio da igualdade.
Isto não significa que todos os atos individuais em forma legislativa sejam inconstitucionais.
Jorge Miranda distingue a lei individual com intenção de generalidade e o ato administrativo
sob forma de lei, que é a simples decisão de um caso concreto e individual.
Quanto aos atos administrativos sob forma de lei, o autor distingue conforme são praticados
pelo Governo, que está habilitado pela Constituição a praticar atos administrativos, ou pela
Assembleia da República, que não tem competência administrativa, razão por que o ato será
pelo menos organicamente inconstitucional. Mas há acórdãos do TC que rejeitarem esta
inconstitucionalidade.
Quando o ato individual, sob forma legislativa, for um ato administrativo, está sujeito ao regime
de impugnação dos atos administrativos (art. 268.º/4 CRP e art. 52.º Código do Processo dos
Tribunais Administrativos).
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Introdução ao Estudo do Direito II 79
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A generalidade deve verificar-se não só nas regras legais, mas também nas regras
consuetudinárias e jurisprudenciais.
O preceito jurídico será uma regra, se for geral, mas também pode ser individual. Preceito
jurídico é todo o critério jurídico de decisão e de conduta.
Os contratos são normalmente fonte de preceitos individuais, visto que as cláusulas estipuladas
pelas partes só a elas vinculam, pelo menos em princípio (preceitos contratuais ou negociais).
Para certos efeitos pode surgir um conceito de norma que não seja caracterizado pela
generalidade ou que a entenda de modo diverso.
Assim, a distinção entre ato administrativo e regulamento tem suscitado divergências, que
deixaremos para a disciplina de Direito Administrativo.
Assim também, para efeitos de fiscalização da constitucionalidade das normas, regulada nos
arts. 277.º e segs. CRP, o Tribunal Constitucional adotou um “conceito funcional de norma”,
que abrange todos os atos com forma legal, ainda que não contenham regras gerais. Este
entendimento é, no entanto, criticado por autores como Jorge Miranda, relativamente aos atos
administrativos sob forma de lei, e Oliveira Ascensão.
A doutora Sandra Lopes Luís alerta, ainda que é necessário distinguir Generalidade de
Pluralidade. Pode existir pluralidade sem existir generalidade quando a norma se dirige a várias
pessoas individualmente determinadas, Por exemplo:
Abstração
O abstrato contrapõe-se ao concreto. Mas esta contraposição é relativa, porque pode haver
diferentes níveis de abstração, e porque o conceito de concreto é ambíguo: pode designadamente
significar o real, o específico e o individual.
Para a caracterização da regra jurídica e, antes de mais da regra legal, a abstração significa a
indeterminabilidade das situações ou factos a que a lei é aplicável no momento da criação da lei
(Marcelo Rebelo De Sousa).
Neste contexto, diz-se que um preceito é concreto quando dispõe para factos ou situações
suscetíveis de serem determinadas no momento da sua criação.
Por exemplo, um preceito que ordene que todos apresentem as armas que possuírem nos postos
policiais, é caracterizado pela generalidade, mas não pela abstração. Já haverá abstração se o
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Introdução ao Estudo do Direito II 80
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
preceito ordenar que todos os que possuam ou venham a possuir armas as apresentem nos
postos policiais.
Fala-se de leis-medida com respeito às leis que são editadas para resolver em tempo útil um
problema levantado por uma situação concreta ou por um conjunto de situações concretas.
Também são leis concretas as leis orçamentais, as leis de amnistia e as de declaração de estado
de sítio e de outros estados de exceção.
Mas serão as leis-medida verdadeiras leis? Será a abstração uma característica da regra jurídica?
Assinalou-se atrás que a falta de generalidade pode, em certos casos, gerar inconstitucionalidade
e facultar a impugnação do ato.
Jorge Miranda assinala que as leis-medida também não podem colidir com o princípio da
igualdade. Mas a determinabilidade das situações a que se aplica a lei não implica por si uma
desigualdade injustificada de tratamento. O legislador pode ter razões objetivas para estabelecer
regras para situações concretas. Mesmo que isto constitua uma diferença de tratamento
relativamente a outras situações existentes no momento da criação da lei ou futuras, esta
diferença de tratamento é constitucional se tiver um fundamento material bastante ou suficiente.
A abstração é relevante com respeito a certas categorias de leis, como é o caso das leis
restritivas de direitos, liberdades e garantias, que têm de revestir caráter geral e abstrato (18.º/3
CRP). Ressalvadas estas categorias de leis, parece que da lei pode, em princípio, ser concreta.
Do artigo 18º/3 CRP, também, se pode retirar um argumento a contrario, ou seja se impõe que
as leis que limitem direitos, liberdades e garantias tenham, necessariamente, de ser gerais e
abstratas, está a possibilitar que todas as outras não o sejam.
Também o artigo 161/3CRP assume que a lei pode regular todas as matérias, não impondo
restrições.
O que leva a negar que a abstração seja uma característica da regra legal e, mais em geral,
da regra jurídica.
A aplicação de uma norma que se caracterize pela generalidade e pela abstração exige um
processo de determinação duplo mas interligado: determinação dos seus destinatários e da
situação de facto.
A generalidade coloca-se no plano subjetivo dos destinatários, isto é, dos titulares das situações
jurídicas por elas configuradas. A abstração situa-se no plano objetivo da situação jurídica
prevista na norma.
As regras não se nos apresentam geralmente como elementos normativos isolados, mas antes
como elementos interrelacionados.
Num plano muito geral, o interrelacionamento das regras decorre dos mais variados nexos
intrassistemáticos.
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Introdução ao Estudo do Direito II 81
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Mas para a caracterização da regra o que é fundamental é a inserção das regras singulares em
conjuntos regulativos que constituem uma unidade funcional.
Exemplo, já dado, destes conjuntos regulativos, é o formado pelas regras que regulam uma
determinada situação típica, por exemplo, as normas que regulam o contrato de compra e venda.
Geralmente, devido à sua inserção num conjunto regulativo, a regra não pode ser compreendida
como um elemento normativo independente, como contendo em si um sentido normativo
completo.
Por conseguinte, a norma singular só pode ser corretamente entendida e aplicada no contexto da
unidade de regulação em que está inserida.
Segundo uma das classificações de normas jurídicas referidas pela literatura jurídica, seria de
distinguir entre normas autónomas e normas não autónomas. Só seriam autónomas as normas
que têm em si um sentido completo. Seriam não autónomas, mormente, as normas
interpretativas, as definições legais, as normas que limitam o campo de aplicação de outras
normas e as normas remissivas.
Na opinião do professor Lima Pinheiro, estão em causa realidades bastante diversas, que, de
acordo com o anteriormente exposto, abrangem proposições jurídicas incompletas e normas
sobre normas.
Esta enumeração poderia sugerir, por exclusão de partes, que as verdadeiras normas
“primárias”, as proposições jurídicas completas que regulam situações da vida, ou seus aspetos,
são, em regra, autónomas.
Mas não é isto que se verifica. Geralmente as normas singulares estão inseridas em conjuntos
regulativos e não podem, por isso, ser classificadas como regras autónomas. Isto é reconhecido
por Inocêncio Galvão Telles.
Sendo assim, porém, parece-me que não se justifica manter esta classificação de regras
jurídicas.
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Introdução ao Estudo do Direito II 82
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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Introdução ao Estudo do Direito II 83
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A seguir-se este entendimento, as regras primárias seriam todas as restantes regras, cuja
previsão se reporta a uma situação típica, a um aspeto de uma situação típica, ou a outro facto.
Para o professor Miguel Teixeira de Sousa, as regras jurídicas podem ser primárias ou
secundárias:
Esta classificação atende aos destinatários das normas. Enquanto as regras de conduta se
dirigem tanto aos órgãos de aplicação do Direito como aos sujeitos jurídicos, as regras de
decisão dirigem-se exclusivamente aos órgãos de aplicação. Por outras palavras, enquanto as
regras de conduta são critérios de decisão e de conduta, as regras de decisão atuam somente
como critérios de decisão.
Esta classificação é por vezes reconduzida à anterior, por se entender que todas as normas
secundárias, enquanto normas sobre normas, não são regras de conduta, por não terem por
destinatários os sujeitos jurídicos, mas somente os órgãos de aplicação do Direito.
Parece evidente que as normas que conferem poderes privados também são normas de conduta,
porque os particulares têm de atender a estas normas para saber se têm um determinado poder e
qual a conduta que devem adotar para produzir certos efeitos jurídicos.
Mas também as normas que atribuem poderes públicos são relevantes para a atuação dos
particulares. O particular precisa de saber se uma determinada regra provém do órgão
competente, para saber se lhe deve ou não obediência; precisa de saber qual o tribunal
competente caso pretenda propor uma ação, e por aí adiante.
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Introdução ao Estudo do Direito II 84
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Por outro lado, há regras de decisão que não conferem quaisquer poderes, antes impõem
vinculações: por exemplo, certas regras retroativas, as regras sobre responsabilidade por factos
lícitos.
Para o professor Lima Pinheiro há uma grande diferença entre regras imperativas e regras
injuntivas, em primeiro lugar, são duas classificações que não se devem contrapor, são
classificações com um âmbito e uma finalidade diferente.
As regras injuntivas estabelecem uma obrigação de conduta, pela violação de uma regra
injuntiva, por regra, nem sempre, está associada uma sanção jurídica.
As regras imperativas são regras que têm de ser aplicas para a produção de determinados
efeitos, não podem ser afastadas pelas partes.
Por exemplo, a regra que fixe uma forma legal que seja exida para a consubstanciação do
Negócio Jurídico é uma regra imperativa mas não é injuntiva, ninguém fica obrigado a realizar o
negócio, porém, caso o faça tem de respeitar o exigido para que o negócio seja válido e eficaz.
Na opinião do Professor Lima Pinheiro, a eficácia e a invalidade não são verdadeiras sanções,
não houve a violação de nenhum preceito injuntivo, o NJ, apenas não se tornou eficaz e válido
porque não foram cumpridos certos requisitos de forma.
Para designar as regras injuntivas o legislador e a maior parte dos autores utiliza a expressão
“regras imperativas”. Oliveira Ascensão prefere a expressão “regras injuntivas” por entender
que toda a regra jurídica é imperativa por definição.
O professor Lima Pinheiro não segue o entendimento mas, por razões adiante explicitadas,
considera que também se deve falar em “regras injuntivas”.
As regras injuntivas são as regras que vão ser aplicadas ainda que haja uma manifestação de
vontade contrária dos seus destinatários (as normas impõem-se sem ou contra essa vontade, e,
por isso, não estão na disponibilidade dos destinatários) Trata-se de comandos que prosseguem
interesses gerais ou individuais muito fortes, pelo que têm de ser acatadas a todo o custo, por
exemplo, as normas que regulam o trânsito.
São geralmente referidas como modalidades de regra injuntiva a regra precetiva e a regra
proibitiva.
• A regra precetiva ordena uma conduta. Por exemplo, as normas que obrigam ao
pagamento de impostos e a circular pela direita no tráfico rodoviário.
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Introdução ao Estudo do Direito II 85
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
• A regra proibitiva veda uma conduta. É o que aparentemente se passa com a maior
parte das normas penais, como, por exemplo, as normas que proíbem o homicídio, as
ofensas corporais, a ofensa à honra, etc.
Mas não se tratará apenas de diferentes modos de formular um tipo unitário de regras? Por
exemplo, dizer que se deve pagar um imposto sobre o rendimento não equivale a dizer que é
proibida a evasão fiscal e, mais concretamente, o não declarar os rendimentos e não pagar o
imposto que tenha sido liquidado? Dizer que é obrigatório circular pela direita não é o mesmo
que dizer que é proibido circular pela esquerda? Dizer que é proibido matar não é o mesmo
que dizer que cada um deve atuar por forma a não causar a morte doutrem?
Poderia pensar-se que a distinção está em impor uma ação ou uma omissão. A formulação
prescritiva ou proibitiva do comando pode ter que ver com a circunstância de a conduta imposta
ser uma ação (como é caso de entregar uma declaração de rendimentos ou pagar o imposto) ou
uma omissão.
Mas há muitos casos em que a conduta imposta tanto pode consistir numa ação como numa
omissão. Por exemplo, o homicídio tanto pode ser cometido por ação como por omissão.
O professor Lima Pinheiro conclui que nem sempre se pode distinguir entre regra precetiva e
regra proibitiva. Esta distinção só se pode traçar claramente quando uma norma prescreve
necessariamente uma ação ou se limita a proibir uma ação ou a prescrever uma omissão.
A norma que prescreve necessariamente uma ação é prescritiva. A norma que proíbe uma ação é
proibitiva, porque tanto a omissão como outras ações são permitidas. A norma que se limite a
prescrever uma omissão será rara; parece-me que também é proibitiva, por ser reconduzível à
norma que proíbe uma ação.
As regras dispositivas são regras que não impõem uma obrigação de conduta, ou seja, não
prescrevem um comportamento, são as que se aplicam atendendo à vontade dos seus
destinatários, logo, pode concluir-se que, por não imporem obrigações de conduta, as diferentes
modalidades de regras dispositivas são:
▪ Regras permissivas;
▪ Regras que definem estados e qualidades jurídicas;
▪ Regras interpretativas;
▪ Regras supletivas;
Não se trata aqui apenas da atitude negativa de não ordenar nem proibir. Afirma-se
frequentemente que o que não é proibido é permitido. Esta afirmação é até certo ponto
verdadeira: nas relações de Direito privado e noutras relações quanto a sujeitos cuja ação não
seja vinculada à lei, ou seja, não esteja sujeita ao princípio da legalidade, os sujeitos têm a
liberdade de observar a generalidade das condutas que não são proibidas nem prescritas. Estas
condutas são facultativas sem que haja necessidade de qualquer norma permissiva que o
estabeleça.
Só em certos casos se justifica uma valoração jurídica que leva à formulação de uma norma
dispositiva.
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Introdução ao Estudo do Direito II 86
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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Introdução ao Estudo do Direito II 87
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Regra interpretativa é a que se limita a fixar o sentido juridicamente relevante de uma fonte do
Direito. Contrapõe-se à regra inovadora. A regra inovadora é a que altera de algum modo a
ordem jurídica, introduzindo um novo conteúdo normativo.
Por exemplo, suponha-se que um DL sobre atividade bancária estabelece restrições quanto ao
tráfico de divisas estrangeiras. Surge uma divergência interpretativa quanto à aplicabilidade
deste regime às casas de câmbio, que leva mesmo a decisões judiciais contraditórias. Para
obviar à incerteza e a desigualdade no tratamento de casos semelhantes daí resultante o Governo
vem, por via de outro DL, esclarecer a questão.
O art. 13.º CC estabelece um regime especial para a aplicação no tempo das leis interpretativas e
que só faz sentido para as leis que vêm interpretar leis anteriores. Numa primeira aproximação
pode-se dizer que a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores
reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar uma das interpretações possíveis da lei
anterior com que os interessados podiam e deviam contar, não é suscetível de frustrar
expectativas objetivamente fundadas.
A esta luz, parece suficiente para que a lei nova seja considerada interpretativa que a solução da
lei anterior seja controvertida ou pelo menos incerta e que a solução definida pela nova lei seja
uma das interpretações possíveis da lei anterior.
Por outro lado, nada obsta a que se formule um conceito mais amplo de regra interpretativa,
como modalidade de regra dispositiva que se limita a fixar o sentido juridicamente relevante de
uma proposição jurídica. Este conceito não tem relevância para efeitos do art. 13.º CC e pode
abranger, além das regras anteriormente referidas, a regra, contida numa lei, que se destina a
esclarecer o sentido das suas próprias disposições.
Excluída, pelo art. 112.º/5 CRP a possibilidade de uma lei formal conferir a atos de outra
natureza o poder de a interpretar com eficácia externa, resta a possibilidade de uma vinculação
interna dos serviços subordinados e de a regra interpretativa valer como uma regulamentação da
lei interpretada, dentro dos limites que os regulamentos têm de respeitar. Em todo o caso, nem
todas as leis interpretativas realizam uma interpretação autêntica.
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Introdução ao Estudo do Direito II 88
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Oliveira Ascensão também inclui na categoria das regras interpretativas as regras sobre a
interpretação de negócios jurídicos, como o art. 2225.º CC, que determina que a disposição
testamentária feita a favor de uma generalidade de pessoas, sem qualquer outra indicação,
considera-se feita a favor das existentes no lugar em que o testador tinha o seu domicílio à data
da morte.
Regras supletivas são as que só se aplicam na falta de estipulação das partes em contrário. Por
exemplo, o regime jurídico dos contratos obrigacionais é composto principalmente por normas
supletivas, ou seja, atendendo ao principio vetor da autonomia privada, estes regimes são
aplicados com um carácter supletivo, com o objetivo de suprir uma lacuna na regulação pelos
próprios interessados. Contrapõem-se às normas imperativas, que não podem ser afastadas pelas
partes. Uma norma imperativa é, por exemplo, o artigo 875º CC, que exige “escritura pulica ou
documento particular autenticado” para a consubstanciação do NJ.
Quer isto dizer que os direitos e obrigações das partes são primariamente definidos pelas
cláusulas do contrato; a maior parte das normas que fixam os efeitos dos contratos obrigacionais
só se aplica quando as partes nada convencionaram em contrário.
Nos negócios jurídicos mais correntes, como aqueles que celebramos no nosso dia-a-dia para a
aquisição de bens e serviços, é dificilmente concebível que as partes contemplem e disponham
sobre todos os aspetos do regime do negócio. Mesmo que isto fosse possível não seria prático
repetir em cada transação os mesmos preceitos. Por isso o legislador estabelece para as
categorias de negócios mais importantes um modelo de regulação que, na falta de convenção em
contrário, constitui o regime jurídico aplicável. Decorre do exposto que as regras supletivas
desempenham, principalmente, a função de suprir a incompletude das estipulações negociais.
Mas há também regras supletivas que são aplicáveis na falta de um negócio jurídico. É o que se
verifica com o regime supletivo de bens do casamento, que se aplica na falta de convenção
antenupcial (art. 1717.º CC). Também se poderá porventura dizer que as normas sobre a
sucessão legítima são supletivas, porque elas podem ser afastadas por testamento.
Ou seja:
▪ Se as partes não tiverem celebrado uma convenção antenupcial (art. 1698º CC), o
casamento considera-se celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos (art.
1717º CC);
▪ Se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos seus
bens, são chamados à sucessão os seus herdeiros legítimos (art. 2131º CC);
Para a doutrina clássica, fiel ao subjetivismo que pontuou no séc. XIX, a aplicação das regras
supletivas fundamenta-se na vontade presumida das partes. Por outras palavras, parte-se do
pressuposto que as partes conheciam a regulação contida no regime jurídico sobre a matéria em
questão e não o quiseram afastar, não precisando, por isso, de recorrer a um alternativo (isto só é
possível quando as disposições não tiverem um carácter imperativo, se o tiverem, esse regime
não pode ser afastado, podendo o NG ser mesmo inválido ou ineficaz).
Hoje prefere-se uma posição objetivista: as regras supletivas são um modelo de regulação em
que o legislador exprime a sua conceção sobre o justo equilíbrio dos interesses das partes.
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Introdução ao Estudo do Direito II 89
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Este modo de ver as coisas permite entrever uma outra função das regras supletivas: a de
constituírem um ponto de referência das partes quando negoceiam o contrato.
Em primeiro lugar tem de se atender ao que o legislador declara. Com frequência encontra-se na
lei expressões como “salvo convenção em contrário”, “na falta de convenção em contrário”,
“na falta de estipulação”, “no silêncio do contrato”, “exceto de for outro o regime
convencionado”, “salvo declaração em contrário”, que significam inequivocamente que se
trata de uma regra supletiva.
Normalmente, o legislador indica expressamente o caráter supletivo da norma que está integrada
num complexo predominantemente imperativo e o caráter imperativo da norma que está
integrada num complexo predominantemente supletivo.
Embora seja um indício importante, o contexto significativo não é de per si conclusivo. Há que
atender aos outros critérios de interpretação. Do ponto de vista teleológico é especialmente
importante se a norma exprime apenas um equilíbrio dos interesses das partes ou também
prossegue outros fins de política legislativa.
Em princípio as normas que só exprimem um equilíbrio dos interesses das partes são
supletivas, mas, em certos casos, em que há a preocupação de proteger uma das partes em
relação à outra, são imperativas.
É importante ter sempre presente que os grandes valores, princípios e regras do sistema
visam o equilíbrio (por exemplo, art. 237º CC, art. 239º CC e art.437º CC), porém, a
liberdade de celebração e de estipulação (autonomia privada) permitem o desequilíbrio. É
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Introdução ao Estudo do Direito II 90
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
sempre uma ponderação feita caso a caso, regime a regime, consoante a natureza das
regras aplicáveis e os interesses a ser ponderados.
A distinção entre regras supletivas e regras imperativas relaciona-se com o conceito de ordem
pública.
Poderá assentar-se em que a ordem pública, enquanto conceito científico, incluirá as regras e os
princípios gerais imperativos, ao passo que referidos preceitos do Código Civil o conceito de
ordem pública se reportará apenas a estes princípios.
Para a qualificação de uma regra como injuntiva ou dispositiva pode atender-se a vários
critérios:
De acordo com este critério são injuntivas as regras que o legislador não admite que sejam
afastadas pela vontade das partes (por exemplo o artigo 1170º/1 CC :”O mandato é livremente
revogável por qualquer das partes, não obstante convecção em contrário ou renuncia do direito
de revogação”).
Em contrapartida, são dispositivas as regras cuja aplicação seja expressamente ressalvada por
falta de disposição ou de estipulação das partes em contrário (por exemplo, o artigo 878º CC:
“Na falta de convenção em contrário as despesas do contrato e outras acessórias ficam a cargo
do comprador.”).
Este critério atende à matéria regulada pela regra e aos interesses que ela procura salvaguardar.
Pode concluir-se que são injuntivas as regras que são essenciais a um determinado regime, por
exemplo, a regra que exige o pagamento da renda da renda ou aluguer pelo locatário (art.
1038º/a CC) é injuntiva, porque esse pagamento é essencial ao contrato de locação.
Também são injuntivas as regras que protegem interesses que as partes não podem afetar. Por
exemplo, a regra que determina que, enquanto se verificar a mora do credor, a divida deixa de
vencer juros (art.814º/2 CC) é injuntiva, porque, de outro modo, permitir-se-ia que o credor
lucrasse, a expensas do devedor, com a sua recusa em receber a prestação.
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Introdução ao Estudo do Direito II 91
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
As normas remissivas mandam aplicar à situação descrita na sua previsão outras normas ou
complexos normativos. As regras remissivas equiparam duas ou mais situações análogas,
remetem para outras normas e complexos normativos.
Enquanto que as remissões legais que remetem para outras normas do mesmo diploma ou para
uma lei diferente não constituem verdadeiras normas, mas proposições jurídicas incompletas, há
proposições remissivas que exprimem verdadeiras normas de regulação indireta. É que se passa,
pelo menos, com as normas de conflitos de leis no espaço e no tempo.
Resta acrescentar que a grande maioria das normas de conflitos no espaço e no tempo são, além
de normas remissivas, normas de conexão. São normas de conexão, porque conectam uma
situação da vida, ou seu aspeto, com o Direito aplicável, mediante um elemento de conexão.
São normas de conflitos de leis no espaço não só as de Direito Internacional Privado mas
também as de Direito Interlocal (que resolvem problemas de determinação do Direito aplicável
no seio de ordens jurídicas complexas de base territorial).
Nas normas de conflitos de leis no tempo o elemento de conexão consiste num laço temporal
entre uma situação da vida, ou um seu aspeto, e a lei antiga ou a lei nova. Por exemplo, o
momento da celebração de um contrato e o momento da aquisição de um direito. Estas normas
de conflitos integram o Direito Intertemporal.
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Introdução ao Estudo do Direito II 92
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Está-se perante uma norma deste tipo, por exemplo, quando, perante uma sucessão de leis
reguladora de um determinado tipo contratual, se limita o âmbito de aplicação da nova lei aos
contratos celebrados depois da sua entrada em vigor.
Uma terceira categoria de normas de conflitos é a que integra o Direito Interpessoal (que resolve
problemas de determinação do Direito aplicável no seio de ordens jurídicas complexas de base
pessoal). Também aqui surgem elementos de conexão, que se reportam, por exemplo, nos
sistemas jurídicos que o admitem, à religião ou à etnia.
As regras de remissão equiparam duas situações distintas, aplicando a uma delas o regime que
está previsto para a outra. Por exemplo, o artigo 499º CC manda aplicar à responsabilidade pelo
risco, na parte aplicável e na falta de preceitos legais em contrário, as disposições que regulas a
responsabilidade por factos ilícitos (art. 483ºCC)
A remissão assenta numa analogia entre duas ou mais situações: em vez de se definir um regime
legal, remete-se para outro já existente, porque as situações são análogas e merecem um mesmo
tratamento jurídico. Por exemplo, o artigo 17º CRP manda aplicar o regime dos direitos,
liberdades e garantias nele estabelecido aos direitos fundamentais de natureza análoga.
É este aspeto que permite distinguir as regras e remissão das ficções legais: nas regras de
remissão equiparam-se realidades análogas (o facto F1, que é análogo ao facto F2, é equiparado
a este último); nas ficções legais equiparam-se realidades distintas (o facto F3, apesar de ser
diferente do facto F4, é equiparado a este último).
É de destacar que, no domínio das regras de remissão, se trata apenas de uma analogia (e não de
uma igualdade) entre as situações: é por isso que, por vezes, a lei, em vez de proceder a uma
remissão, equipara duas situações jurídicas. Por exemplo, o artigo 433 CC equipara a resolução
do contrato, quanto aos seus efeitos, à anulabilidade ou à nulidade do negócio jurídico (art.289º
CC).
É também a relação de analogia entre as situações que justifica que muitas remissões sejam
acompanhadas de indicação de que, na aplicação do regime ad quam, há que proceder às
necessárias adaptações ou ainda que há que respeitar a analogia entre as situações em análise.
Um dos casos em que a revogação global ou tácita pode suscitar dificuldades ao intérprete tem
que ver com a relação que intercede entre lei geral e lei especial.
▪ “A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do
legislador.”
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Introdução ao Estudo do Direito II 93
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Norma geral
Norma
especial
Todas as situações que caem no âmbito da previsão da norma especial também estão, prima
facie, dentro do domínio de aplicação da norma geral. Mas nem todas as situações abrangidas
pela previsão da norma geral estão dentro do domínio de aplicação da norma especial.
Não é só entre regras jurídicas singulares que surge uma relação de especialidade. A mesma
relação pode interceder entre complexos normativos, e, designadamente, entre ramos do Direito,
por exemplo, entre o Direito Privado e o Direito Comercial.
Por diversas razões é discutível se este critério é suficiente para a classificação das normas
especiais, sobretudo quando esteja em vista uma classificação tripartida
geral/especial/excecional. No presente contexto interessam somente as considerações que
relevarem para o tema da revogação.
Quando há incompatibilidade entre as regras jurídicas em vigor que estão nesta relação de
especialidade, entende-se que a norma especial prevalece sobre a norma geral.
A lei atende a circunstâncias particulares que qualificam certas situações como “especiais”, e
estabelece um regime diferente em função desta “especialidade”.
Na mesma ordem de ideias, a lei geral não revoga a lei especial, porque, em princípio, a nova lei
geral não atende à “especialidade” de que se revestem certas situações, não existindo uma
intenção de abolir o regime especial para elas estabelecido.
De pé fica, no entanto, a possibilidade de estar subjacente à nova lei geral a intenção de eliminar
os regimes especiais.
São diversas as considerações que podem levar à revogação de regimes especiais por uma lei
geral.
Pode haver uma reapreciação das circunstâncias particulares que justificavam a “especialidade”
e que, segundo a nova valoração, não justificam a manutenção de regimes especiais.
A especialidade de uma lei pode ser meramente formal, por não ser justificada pelas
circunstâncias particulares do setor a que se aplica. É o que sucede quando o legislador
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Introdução ao Estudo do Direito II 94
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
aproveita uma lei especial para introduzir soluções que se justificam em todo o domínio de
aplicação da lei geral.
Neste caso, se o legislador vem alterar a lei geral, consagrando soluções contrárias à lei
formalmente especial, não há razão para manter em vigor esta lei.
Enfim, o novo regime geral pode mostrar-se mais adequado a todas as situações, incluindo as
reguladas pela lei especial.
Em suma, o que justifica a não revogação da lei especial por lei geral é a especialidade
substancial, que decorre do estabelecimento de um regime específico mais adequado a
circunstâncias particulares e não uma especialidade meramente formal.
A fórmula utilizada na lei não é a mais feliz, na parte em que se refere à “intenção inequívoca
do legislador”. Admite-se que, por razões de certeza jurídica, quem invoque a revogação de lei
especial por lei geral tenha de demonstrar que este é, seguramente, o sentido da lei.
A distinção entre regras gerais e regras especiais corresponde a uma relação que se estabelece
entre duas normas ou entre dois complexos normativos: uma norma ou um complexo normativo
é especial quando estabelece uma relação de especialidade com uma norma ou um complexo
normativo geral. Esta relação é um dos nexos intrassistemáticos.
Para o professor Oliveira Ascensão, a especialidade é uma classificação relativa, pode ser geral
ou especial consoante a regra em comparação. Uma regra é especial quando sem contrariar os
princípios da regra geral a adapta a um domínio mais especial
Segundo um critério estrutural, ou formal, esta relação de especialidade é definida pelo alcance
da previsão de cada uma das regras em concurso: o domínio de aplicação da norma especial
corresponde a um setor do domínio de aplicação da norma geral.
Por exemplo o direito comercial justifica a sua existência por atender a particularidades do
comércio, para as quais o direito civil não está preparado, o direito comercial aparece para
adaptar o direito civil para que este responda às características exigidas, o direito comercial é
especial em relação ao civil, porque desenvolve os seus grandes princípios e valores para a uma
área especial e determinada dentro da esfera do direito civil.
A distinção entre regras gerais e especiais tem relevância quer para a resolução de concursos
aparentes de normas quer em matéria de revogação.
▪ Por um lado, em caso de incompatibilidade entre regras jurídicas que estão numa relação
estrutural de especialidade entende-se que a norma especial prevalece sobre a norma geral.
▪ Por outro lado, em princípio, a lei geral não revoga a lei especial; só a revogará se estiver
subjacente à nova lei a intenção de eliminar o regime especial.
As coisas complicam-se quando se pretenda proceder a uma classificação tripartida das regras
em gerais, especiais e excecionais.
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Introdução ao Estudo do Direito II 95
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Na opinião do professor Lima Pinheiro, não há um critério unitário que permita classificar as
regras em gerais, especiais e excecionais. Trata-se de duas classificações distintas com
relevância igualmente distinta.
▪ Por um lado, trata-se da relação de especialidade que releva para a resolução de concursos
de normas e para a matéria da revogação da lei.
▪ Por outro, trata-se da relação de excecionalidade que releva para os limites à analogia e
para o argumento a contrario. Nesta ordem de ideias que, esclareça-se, nada obsta a que
uma norma seja simultaneamente classificável como especial e como excecional. Uma
coisa não contende com a outra. É em todo o caso claro que só uma pequena parte das
normas especiais pode ser qualificada como excecional.
Não basta que o regime seja diferente. Tem de ser um regime de sinal oposto ao regime-regra.
Segundo o art. 11.º CC, as normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas
admitem interpretação extensiva.
Não se aplica por analogia a excecionalidade da norma porque ela foi pensada para casos
específicos e determinados, não faz sentido aplicar algo que foi pensado para determinada
situação por analogia a outras situações.
Com efeito, se o regime excecional se justifica por uma valoração diferente de casos
específicos, mal se compreenderia que se fosse por analogia aplicar a regra a outros casos, que
não justificam tal valoração.
▪ Assim, por exemplo, a sujeição a forma legal do contrato de compra e venda de imóveis
justifica-se pelo elevado valor destes bens, que coloca especiais exigências quanto à
tutela da formação da vontade e à certeza sobre as situações jurídicas existentes. Não
pode aplicar-se por analogia esta regra à venda de bens móveis.
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Introdução ao Estudo do Direito II 96
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Mas não poderá o mesmo raciocínio ser feito em relação às restantes normas especiais?
Aparentemente a resposta é afirmativa.
Claro é que este raciocínio não obsta sempre à aplicação analógica das regras especiais. Se o
caso omisso justificar a valoração diferente que está subjacente ao regime especial a regra
especial deve ser-lhe aplicada por analogia. Será que esta possibilidade se encontra arredada no
que toca às normas excecionais, por força do art. 11.º CC? Na opinião do professor Lima
Pinheiro, não se pode excluir em absoluto a possibilidade da norma excecional ser aplicada por
analogia.
Para Oliveira Ascensão, não basta, para qualificar uma regra como excecional, que
contrarie uma regra de âmbito mais vasto. Só será excecional a regra que vá contra um
princípio geral informador de um setor do sistema jurídico. Obter-se-ia assim uma
excecionalidade substancial.
É certo que a formulação legal não é um critério seguro para determinar a excecionalidade de
uma regra.
Mas embora seja aliciante o apelo a uma excecionalidade substancial, levantam-se duvidas que,
por forma geral, se deva fazer depender a excecionalidade da regra da contrariedade a um
princípio geral.
Em muitos casos a regra que se opõe a uma regra de alcance mais amplo fundamenta-se num
princípio geral ou numa conjugação de princípios jurídicos gerais que leva a limitar o princípio
geral em que se baseia a “regra geral”. É o que se verifica, por exemplo, com as regras que
estabelecem exigências de forma para determinados negócios jurídicos. Ora, nestes casos,
tanto a “regra geral” como a regra que se lhe opõe constituem ao mesmo tempo a
expressão de princípios jurídicos gerais e a sua limitação.
Noutros casos pode acontecer que nem a “regra geral” nem a regra que se lhe opõe
possam ser vistas como expressões de princípios jurídicos gerais.
Isto leva a concluir que para a qualificação de uma regra como excecional basta que ela
estabeleça um regime de sentido oposto a uma regra de alcance mais amplo.
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Introdução ao Estudo do Direito II 97
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Os efeitos das normas excecionais são necessariamente incompatíveis com os da “norma geral”.
Mas, de novo, nem todas as normas em que esta incompatibilidade se verifica estão em relação
de excecionalidade.
Assim, se a sujeição a forma legal é uma regra excecional, o contrário, que é a consensualidade,
constitui a regra geral.
Claro que este argumento só tem sentido útil quando a regra geral, por não se encontrar
expressamente formulada, carece de ser revelada pela interpretação. Ao mesmo tempo, porém, a
utilização do argumento pressupõe a demonstração do caráter excecional da regra que se
encontra expressamente formulada.
Isto suscita uma dificuldade fundamental: a excecionalidade da regra expressa tem de resultar
da contrariedade à regra geral implícita, logo pressupõe a demonstrada a vigência de uma regra
geral implícita em sentido contrário.
Com efeito, a verdadeira questão que aqui se coloca não é a de se deduzir, segundo um
raciocínio de lógica formal, uma regra geral implícita de uma regra expressa, mas de saber se a
regra expressa constitui uma manifestação de um “princípio geral”, de uma regra geral
implícita, ou um desvio relativamente à regra geral implícita.
Se a regra expressa constitui uma manifestação de uma regra geral implícita, esta infere-se,
mediante interpretação, do texto legal, ou se não tiver um mínimo apoio no texto legal,
mediante a aplicação analógica da regra expressa.
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Introdução ao Estudo do Direito II 98
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Como já referido, é importante reter, que o problema do elemento a contrario é que nem sempre
é possível chegar à regra geral através dele, por exemplo, da legitima defesa não consigo
perceber que a regra geral é a proibição de matar.
Segundo esta classificação dizem-se comuns as regras que se aplicam à generalidade das
pessoas e particulares as que se aplicam a certas categorias de pessoas.
Hoje, no Direito português, as leis são geralmente comuns, embora possam atender a certas
qualidades dos seus destinatários para delimitar as situações reguladas. Por exemplo,
certas regras só se aplicam quando o sujeito é comerciante, ou empresário, ou consumidor,
etc.
Resta acrescentar que esta classificação de regras suscita algumas dificuldades relativamente ao
fenómeno das ordens jurídicas complexas de base pessoal. Há uma diferença, sem dúvida difícil
de traçar, entre complexos normativos materiais que, por força de normas de conflitos de Direito
Interpessoal só são aplicáveis a certas categorias de pessoas, e normas ou complexos normativos
materiais cuja previsão se reporta a relações entre pessoas de uma determinada categoria, sem
que haja necessidade de qualquer norma de conflitos para delimitar o seu âmbito pessoal de
aplicação.
▪ No primeiro caso, temos uma norma de conflitos que exprime uma valoração conflitual
autónoma; no segundo, um mero elemento delimitador da previsão da norma material. Por
exemplo:
▪ As normas de uma lei que são privativas dos negócios celebrados entre empresários são
regras particulares. A qualidade de empresário dos seus destinatários é um pressuposto
de aplicação destas normas materiais, um elemento da sua previsão. Não é necessária
qualquer regra de conflitos.
Quando num país as relações do estatuto pessoal são reguladas por diferentes complexos
normativos conforme a confissão religiosa dos respetivos sujeitos, a delimitação do âmbito
de aplicação pessoal destas normas materiais resulta de normas de conflitos de Direito
Interpessoal. Porquanto a delimitação do âmbito pessoal de aplicação destas normas
materiais não resulta da sua previsão, mas de outra norma, elas não se distinguem, pela
sua estrutura, das normas comuns. Será menos equívoco designar estes complexos
normativos por Direito pessoal que por Direito particular.
Pelas razões expostas, o professor Lima Pinheiro defende que não se deve juntar, numa mesma
categoria, as normas materiais que contêm uma pressuposto pessoal de aplicação e as normas
materiais que são objeto de normas de conflitos de Direito Interpessoal
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Introdução ao Estudo do Direito II 99
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Esta classificação atende à delimitação das situações reguladas pelas normas em razão do
território. São regras gerais as que regulam quaisquer situações e locais as que regulam
apenas as situações que estejam em contacto com uma determinada área do território.
São necessariamente locais as normas que resultam da atividade de órgãos locais, por exemplo
as posturas municipais. Com efeito a competência regulamentar dos órgãos locais limita-se a
situações que estão em contacto com uma circunscrição territorial, que, no caso da Câmara
Municipal é o concelho.
Esta classificação atende à delimitação das situações reguladas pelas normas em razão do
território. São regras gerais as que regulam quaisquer situações e locais as que regulam apenas
as situações que estejam em contacto com uma determinada área do território.
Os órgãos centrais também podem produzir normas locais – por exemplo, a legislação que se
destine a apoiar os agricultores atingidos pela seca numa região do país.nDe acordo com o
anteriormente exposto, o costume também pode ser local.
O professor Oliveira Ascensão recorre a uma classificação tripartida, em que as normas que se
“aplicam” em todo o território são designadas universais, e se acrescenta, como terceira
categoria, as normas gerais, que se “aplicam” só no território continental.
A razão pela qual o professor Lima Pinheiro não segue esta classificação tripartida relaciona-se
com a distinção que traço entre normas que integram um pressuposto espacial de aplicação e
complexos normativos que têm um âmbito de aplicação no espaço delimitado por normas de
conflitos de Direito Interlocal.
Esta competência pode ser primária (arts. 227.º/1/a e 228.º/1 CRP), delegada (art. 227.º/1/b
CRP), complementar (art. 227.º/1/c CRP) ou dizer respeito à transposição de diretivas da União
Europeia (art. 112.º/8 CRP). A competência primária tem por objeto as matérias enunciadas no
Estatuto Político-Administrativo da respetiva Região, que sejam do âmbito regional e não
estejam reservadas aos órgãos de soberania. Daí resulta que a ordem jurídica portuguesa é,
embora embrionariamente, uma ordem jurídica complexa de base territorial.
Entre outros limites, os decretos legislativos regionais têm um “âmbito regional” (art.
112.º/4 CRP), critério que tem pelo menos uma dimensão territorial.
Por outro lado, mesmo nas matérias de competência das assembleias regionais, são
subsidiariamente aplicáveis as normas da legislação estadual (art. 228.º/2 CRP).
Estas normas constitucionais implicam ou balizam certas soluções de Direito Interlocal, que
podem estar meramente implícitas. As normas emanadas das assembleias legislativas regionais
têm um âmbito de aplicação no espaço limitado, independentemente do modo como a sua
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Introdução ao Estudo do Direito II 100
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
previsão é delimitada, por força destas soluções de Direito Interlocal. Elas não se distinguem
necessariamente, pela sua estrutura, das “regras gerais”.
O mesmo se diga das leis dos órgãos estaduais que, por força de uma norma de Direito
Interlocal nelas contida, regulem exclusivamente situações conectadas com as Regiões. Estas
leis são constitucionalmente admissíveis, pelo menos em matérias reservadas aos órgãos de
soberania.
Diferente é o caso das normas criadas pelos órgãos centrais que delimitem a sua previsão
em função do território. No exemplo dado, quando o Governo cria um sistema de apoios
aos agricultores de uma determinada região, a delimitação das situações reguladas integra
a previsão das normas em causa, sem necessidade de qualquer norma de Direito
Interlocal.
Não se deve juntar, numa mesma categoria, as normas materiais que contêm um
pressuposto espacial de aplicação e as normas materiais cujo âmbito de aplicação no
espaço é delimitado por normas de conflitos de Direito Interlocal.
No seu sentido mais comum a expressão “Direito local” designa o Direito cujo âmbito de
aplicação no espaço é delimitado por normas de Direito Interlocal. Não é recomendável que se
utilize esta expressão com respeito a normas que contêm pressupostos espaciais de aplicação.
Quanto à distinção entre Direito comum, Direito pessoal e Direito local, já não se tratará de uma
classificação de regras jurídicas, mas de uma classificação de complexos normativos vigentes
dentro de uma ordem jurídica complexa.
No art. 348.º CC o conceito de “Direito local” não corresponde inteiramente ao sentido mais
comum da expressão.
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Introdução ao Estudo do Direito II 101
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Primeiro, o Direito local visado pelo art. 348.º exclui o costume local e o Direito local
estrangeiro, que se encontram abrangidos nas menções feitas ao Direito consuetudinário e ao
Direito estrangeiro.
Segundo, o dever de colaboração das partes só se justifica quanto às normas criadas por órgãos
locais, uma vez que as regras locais criadas pelos órgãos centrais e regionais estão sujeitas
publicação no jornal oficial.
Pode então concluir-se que a expressão Direito local significa, neste contexto, as normas
regulamentares emanadas de órgãos locais.
Nesta ordem de ideias, Oliveira Ascensão defende que o art. 7.º/3 CC, estabelece que, em
princípio, a lei geral não revoga lei especial, se aplica relativamente à revogação de todas estas
regras.
Parece-me que não se deve, para efeitos de aplicação do art. 7.º/3, reconduzir o Direito pessoal
ou local ao conceito de “lei especial”. As relações entre estes complexos normativos e as
normas de Direito comum constituem um problema completamente diferente do das relações
entre lei especial e lei geral.
Pelo que toca à ordem jurídica portuguesa, o tema das relações entre as leis regionais e as leis
do Estado pertence ao Direito Constitucional. A questão tem sido controvertida.
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Introdução ao Estudo do Direito II 102
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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Introdução ao Estudo do Direito II 103
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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Introdução ao Estudo do Direito II 104
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Por sua vez, Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão sustentam que a expressão hierarquia das
fontes de Direito não parece a melhor, porque não existe verdadeiramente uma hierarquia “no
sentido de ordenação de relevância jurídica decrescente quanto aos diversos modos de revelação
de Direito”, mas o que existe é apenas uma hierarquia quanto ao seu modo de criação. Por isso,
é preferível falar de hierarquia de formas de criação de Direito – trata-se de uma matriz de
concretização do Direito, e só consequentemente de regras.
Hierarquia:
1. No que se refere à hierarquia das leis internas, é óbvio que a lei constitucional
ocupa o escalão mais elevado.
2. Segue-se-lhe a lei de revisão constitucional, que é limitada pela constituição formal.
3. Um terceiro escalão é ocupado pelas leis de valor reforçado, definidas no art. 112.º/3
CRP e que segundo Jorge Miranda são de cinco espécies: leis de enquadramento, leis
orçamentais, leis de autorização legislativa, leis de bases e estatutos político-
administrativos das regiões autónomas.
4. Até a revisão constitucional de 2004 os decretos legislativos regionais ocupavam o
quarto escalão, porque estavam sujeitos às leis gerais da República, as Leis e os
Decretos-Leis que vigorem em todo o território nacional (art. 112.º/4 e /5).
Presentemente, resulta do art. 228.º/2 CRP que nas matérias de competência das
assembleias regionais as normas da legislação estadual só são aplicáveis
subsidiariamente, na falta de legislação regional.
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Introdução ao Estudo do Direito II 105
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Estes critérios não são absolutos e, em especial, sofrem desvios no que toca aos
regulamentos dos órgãos das Regiões Autónomas.
Quanto aos atos normativos autónomos, têm de se distinguir conforme se trata de normas
emanadas de organizações sociais e de regras geradas pela autonomia coletiva no Direito do
Trabalho. Deve-se entender que as normas emanadas de organizações sociais infraestaduais são
inferiores à lei, se outra coisa não resultar da Constituição ou da lei ordinária. Isto pode ser
fundamentado de várias maneiras.
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Introdução ao Estudo do Direito II 106
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
▪ Outros argumentos no mesmo sentido podem-se retirar das normas legais que
estabelecem a invalidade do ato constitutivo de pessoas coletivas e das deliberações dos
seus órgãos que sejam contrárias à lei (cf., desde logo, os arts. 158.º-A e 177.º CC).
Quanto aos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho a lei ordinária também contém
normas imperativas que não podem ser afastadas por estes instrumentos (art. 478.º/1/a do
Código do Trabalho).
Conflito de Fontes
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Introdução ao Estudo do Direito II 107
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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Introdução ao Estudo do Direito II 108
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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Introdução ao Estudo do Direito II 109
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Nas relações entre particulares a consequência jurídica produz-se normalmente por forma
automática. Por exemplo, se o devedor falta culposamente ao cumprimento da obrigação fica
obrigado a indemnizar, independentemente de qualquer sentença judicial.
Quererá isto dizer que a interpretação nunca pode ser dissociada da aplicação?
Não, pode haver interpretação sem haver aplicação. As regras são objeto de estudo por parte da
ciência jurídica independentemente da necessidade de resolver um particular caso concreto. Este
estudo também se faz no curso de Direito, com frequente recurso a hipóteses que tanto podem
reproduzir como simular casos reais. Ora, para conhecer a norma é preciso interpretá-la.
Sem se ignorar a dualidade que a interpretação pode assumir, como momento do processo de
interpretação-aplicação e como processo dissociado da aplicação, seguindo a perspetiva
dominante, justifica-se centrar a atenção na interpretação-aplicação. Com efeito, enquanto
operação metodológica, a interpretação feita “em abstrato” constitui um minus relativamente à
interpretação-aplicação, de que tanto quanto possível se procurará aproximar.
A ciência jurídica pode também fazer um levantamento dos problemas que são levantados pela
interpretação jurídica. Os casos que os órgãos de aplicação tem que resolver vão para alem de
tudo o que se pode antecipar, a aplicação pelos órgãos do direito terá mais valor que a
interpretação doutrinária. A interpretação está indissociada da aplicação, só atendendo às
características do caso concreto e de uma análise valorativa se pode garantir a justiça do caso
concreto, só a partir dessas circunstâncias se pode chegar à interpretação.
Neste esquema temos uma situação S, uma previsão normativa P e uma consequência
jurídica C.
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Introdução ao Estudo do Direito II 110
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Perante a situação concreta, em que uma pessoa não cumpre, culposamente, a obrigação a que
está adstrita, o silogismo assume a seguinte forma:
Esta operação é tradicionalmente encarada como um processo de subsunção, que tem por
núcleo um silogismo lógico. Daí que o pensamento conceptual tenha encarado a aplicação do
Direito como uma operação de lógica formal. Na visão mais extrema, o juiz seria um
autómato, que se limitaria a subsumir os factos provados a uma previsão e a aplicar as
consequências contidas na estatuição da norma.
Hoje tende a admitir-se que a obtenção da premissa menor também pode assentar num
raciocínio de coordenação valorativa, embora seja controverso até que ponto certas operações
envolvidas na aplicação da regra, apesar de envolverem uma valoração, podem ser feitas
segundo um esquema subsuntivo.
O Silogismo de Subsunção.
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Introdução ao Estudo do Direito II 111
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
As normas delimitam a sua previsão com recurso a conceitos que, na maioria dos casos, podem
ser definidos mediante a indicação de determinadas notas (conceitos abstratos).
Assim, pode dizer-se que a previsão P está caracterizada pelas notas N1, N2, N3. Isto constitui a
premissa maior do silogismo de subsunção (notas que caracterizam a previsão normativa).
A premissa menor exige o estabelecimento dos factos. Admitamos que a situação S apresenta
as notas N1, N2, N3.
Assim, por exemplo, o conceito de “cavalo” pode ser subsumido ao conceito de “mamífero”.
A entender-se as coisas deste modo, uma subsunção de factos a um conceito não pode constituir
um silogismo de subsunção. A premissa menor do silogismo de subsunção tem de ser vista
como o enunciado de que as notas mencionadas na previsão normativa se encontram
preenchidas numa determinada situação da vida (por exemplo, “S apresenta as notas N1,
N2,N3”).
Para se formular este enunciado tem de se fazer um juízo sobre a presença das notas
características da previsão legal. Neste juízo reside um dos problemas fundamentais da
aplicação da lei.
Por vezes o conceito utilizado na previsão da norma não pode ser definido com a indicação de
todos os elementos que o caracterizam, por forma a permitir o silogismo de subsunção. Isto é
evidente no caso dos conceitos carecidos de preenchimento valorativo (conceitos
indeterminados e cláusulas gerais).
Por exemplo, para saber se uma dada conduta constitui um abuso do direito, por exceder os
limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito,
eu não posso proceder segundo o esquema subsuntivo, desde logo porque o conteúdo dos
conceitos de boa fé e bons costumes não pode ser descrito mediante uma definição.
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Introdução ao Estudo do Direito II 112
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Para o professor Oliveira Ascensão o esquema subsuntivo é insuficiente sempre que seja
necessário proceder a valorações. Também o professor Marcelo Rebelo De Sousa afirma que só
excecionalmente a aplicação se reconduz a uma mera subsunção.
Pode afirmar-se que há casos em que o raciocínio que permite reconduzir S a P não
assenta na subsunção, mas na coordenação valorativa. Quer isto dizer que não podemos
dizer que em S estão presentes as notas indicadas na previsão legal.
Temos de proceder a uma avaliação menos enquadrada pela lógica formal, apreciar se à
luz do fim prosseguido pela regra em causa a situação deve ou não ser por ela regulada.
Esta avaliação também pode passar por uma comparação entre a situação em presença e outras
situações às quais a regra foi aplicada. Portanto, num sistema como o nosso, há um certo espaço
para o “raciocínio de caso para caso”.
Isto não constitui problema quando a consequência jurídica é inteiramente determinada. Por
exemplo, em matéria de usucapião, determina-se nos arts. 1287.º e segs. CC que a posse de um
direito real determina, uma vez decorrido um determinado prazo, a aquisição do direito. Neste
caso a consequência jurídica concreta decorre sem dificuldades do enunciado legal.
Mas nem sempre é assim tão simples. Em muitos casos a consequência jurídica abstrata
apresenta um certo grau de indeterminação, razão por que carece de uma concretização.
Também é necessária uma concretização da consequência jurídica que consista numa obrigação
de indemnizar, porquanto se tem de fixar o quantum da indemnização; o mesmo se diga, em
Direito Penal, relativamente à necessidade de fixar a pena dentro dos limites legalmente
estabelecidos.
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Introdução ao Estudo do Direito II 113
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Portanto, a solução do caso não decorre simplesmente da recondução dos factos à previsão
normativa. A determinação da consequência jurídica também envolve uma concretização da
solução, guiada por critérios valorativos. Esta concretização é uma operação pela qual se
passa da consequência jurídica abstracta à consequência jurídica concreta, mediante uma
determinação dos efeitos que, no caso concreto, correspondem à consequência jurídica
abstrata.
Pode ainda suceder que os factos sejam reconduzíveis à previsão de mais de uma norma
vigente, e que as consequências jurídicas por elas desencadeadas sejam incompatíveis
entre si, ou seja, que ocorra uma contradição normativa. Neste caso, tem de se resolver o
conflito de normas para saber se deve ou não ser aplicada alguma delas.
Por isso, do ponto de vista lógico, é possível autonomizar os três momentos do silogismo
judiciário e atribuir-lhes significado autónomo, mas que o raciocínio de obtenção da solução
se deixa apreender melhor como um processo dialético em que todos os momentos estão
interligados.
O esquema subsuntivo de aplicação da lei é ainda demasiado simplificado por duas razões
adicionais:
Uma razão é o desfasamento entre a realidade pensada pelo legislador como objeto de
regulação e a realidade existente no momento da aplicação da regra. Isto suscita o
problema do actualismo da interpretação que requer uma consideração da evolução
da sociedade e do novo contexto social em que lei tem de ser aplicada.
A outra razão reside nos nexos intrassistemáticos que se estabelecem entre as normas e,
em particular, na sua normal inserção em complexos regulativos.
A importância dada, na formulação das normas legais, aos conceitos abstractos, que são idóneos
à subsunção, será tanto maior quanto maiores forem as exigências da segurança, certeza e
previsibilidade da matéria em causa.
A inclusão de notas funcionais nos conceitos utilizados para delimitar a previsão normativa não
parece obstar, por si, à definição destes conceitos e, portanto, apresenta-se como compatível
com o esquema subsuntivo.
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Introdução ao Estudo do Direito II 114
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
É certo que isto diz respeito ao estabelecimento da premissa menor do silogismo judiciário – a
recondução dos factos à previsão normativa – e não impede que a aplicação destas regras seja
silogisticamente fundamentada. Por outras palavras, o silogismo judiciário parece possível
sem o silogismo de subsunção. Mas também é certo que este silogismo judiciário não
permite fundamentar a solução segundo processos lógico-formais, mas tão-somente
assegurar a racionalidade da sua fundamentação.
A interpretação de um texto não tem que ver só com o sentido de cada uma das palavras, mas
também com o sentido da frase em que estão inseridas, bem como do conjunto de frases que
expressam um nexo de ideias.
O significado da maior parte das palavras revela uma certa amplitude de variação e
muitas delas são polissémicas (têm vários significados). O significado revelante depende da
frase em que está inserida e dos nexos de sentido que estabelece com o texto no seu
conjunto.
Daí resulta uma característica do processo de compreender que é conhecida por “círculo
hermenêutico”. O significado das palavras em cada caso só pode inferir-se do sentido global
do texto e este, por sua vez, tem de estabelecer-se com base no significado relevante das
palavras que o formam.
▪ Por exemplo, quando o art. 1.º/1 CC dispõe que “São fontes imediatas do direito as
leis e as normas corporativas”. Para apreender o significado de uma palavra, o
intérprete tem sempre de, em primeiro lugar, fazer uma conjectura sobre o sentido da
frase e do texto no seu conjunto. Depois de ensaiada esta compreensão global, se lhe
surgirem dúvidas, terá de reexaminar o significado de cada palavra e, porventura, terá
de corrigir o significado inicialmente atribuído à palavra ou o significado atribuído ao
conjunto do texto.
Tem lugar, na Ciência do Direito, não só para a interpretação do texto da regra, mas também
para o processo de aplicação da norma a uma determinada situação (vaivém entre a previsão da
norma e a situação de facto). Ocorre um “contínuo efeito recíproco, um ir e vir de perspectiva
entre a premissa maior e a situação da vida”.
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Introdução ao Estudo do Direito II 115
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O processo de compreensão consiste aqui, mais do que num círculo, numa espiral. Trata-se de
uma dialética hermenêutica.
O intérprete parte de uma conjetura de sentido, de uma hipótese, que depois confirma ou retifica
através dos passos seguintes.
É este fundo existencial e cultural que constitui a base comum que estabelece a ligação
entre o texto e o intérprete. Um texto nada diz a quem não entenda nada do assunto de que
ele trata.
Quanto mais vasto for o fundo existencial e cultural, mais rica será a pré-compreensão e
mais bem sucedida a interpretação.
A pré-compreensão deve ser encarada como uma conjectura de sentido, como uma hipótese,
que se vai modificando e reformulando à medida que se avança no processo de
interpretação e aplicação da regra e não como um resultado que se visa, tanto quanto
possível, alcançar.
À medida que se eleva o conhecimento sobre o conteúdo normativo e valorativo das normas
aplicáveis a conjetura sobre a solução “justa” tem de ser reexaminada.
Na solução do caso por via normativa a solução que o intérprete deve procurar não é, em
princípio, a que corresponde melhor às suas convicções de justiça mas a que corresponde
melhor ao sentido do Direito aplicável.
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Introdução ao Estudo do Direito II 116
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A previsão normativa descreve as notas que as situações devem preencher, descurando todas
as outras notas que se verificam nas situações. Não raramente coloca-se a questão de saber
se certas particularidades do caso concreto, que são descuradas pela norma, não terão de
ser consideradas relevantes, se não se quiser tratar igualmente o que é desigual.
Caberá perguntar se a norma, correctamente entendida, não deve permitir uma restrição
ou uma diferenciação, que torne possível uma decisão justa. Esta restrição ou diferenciação
pode levar à aplicação de outra norma que, em princípio, não parecia ser aplicável, ou à
descoberta de uma lacuna
A dita “aplicação das normas” consiste, na verdade, num trabalho criativo de determinação do
conteúdo e complementação das regras.
O processo de aplicação tem de respeitar a norma como critério que permite valorar segundo
uma “medida igual” uma pluralidade de casos, e ao mesmo tempo, tem de concretizar a norma,
de determinar melhor o seu conteúdo face às diferentes particularidades de cada caso.
Uma das principais tarefas da ciência jurídica prática é a de compreender expressões linguísticas
e de apurar o seu sentido jurídico: leis, atos administrativos, decisões dos tribunais, negócios
jurídicos. A compreensão de expressões linguísticas ocorre, ou de modo irreflexivo, mediante o
acesso imediato ao sentido da expressão, ou então de modo reflexivo, mediante o interpretar.
Ambiguidade sintática;
Ambiguidade semântica;
Utilização de conceitos indeterminados;
Mutabilidade do significado.
A norma dá o critério para valorar o caso, mas a resolução dos problemas de interpretação pelo
caso suscitados pode representar um enriquecimento do conteúdo da norma.
Ao averiguar se uma dada situação preenche ou não a previsão normativa o intérprete pode
contribuir para a determinação do conceito utilizado na previsão normativa. O mesmo se pode
verificar com a concretização da consequência jurídica.
Por outro lado, a interpretação e concretização da norma feita em cada aplicação tende a
influenciar a aplicação da norma a casos futuros.
Por estas razões é correto afirmar que o processo de aplicação do Direito é dialético, e que,
face a um caso concreto, a interpretação e aplicação são elementos indissoluvelmente
ligados do mesmo processo.
A regra jurídica destina-se, em ultima análise a tornar possível a solução de casos reais.
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Introdução ao Estudo do Direito II 117
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Normativo;
A solução do caso particular surge relacionada com a aplicação da regra. A ordem jurídica pode
exprimir-se por regras. A regra deve ser relacionada com os fins e com a situação em causa,
para saber como o direito os regula, ou seja, para apurar o que se designam de situações
jurídicas.
Não Normativo;
Não se pode cair no outro extremo e supor que a aplicação se reduz a uma mera operação
lógica, pela qual o intérprete se limita a verificar a correspondência daquela situação à descrição
abstracta que consta da lei.
A posição típica desta corrente exprime-se através do silogismo judiciário. Têm-se em vista as
formas judiciais de aplicação da lei, e raciocina-se como se a lei representasse a premissa maior
de um silogismo. O juiz conheceria a lei, as partes dão os factos, o juiz subsume os factos à
lei e tira a conclusão.
O juiz seria como uma máquina automática em que metendo as moedas sai mecanicamente o
desejado, ali, provados os factos, produz-se inelutavelmente certa decisão.
▪ Por exemplo, suponhamos a regra que determina que a maioridade se atinge aos 21
anos. Perante ela, nada mais há a fazer do que um mero silogismo. Se A tem 21 anos,
A é maior, a conexão lógica é suficiente.
Aqui tudo se esgota numa mera descrição, sem ser necessário o recurso a elementos valorativos.
A circunstância de A ter ou não 21 anos é uma realidade naturalística, que nada acrescenta à
interpretação da lei.
O esquema subsuntivo revela-se insuficiente sempre que seja necessário recorrer a valorações.
Em regra, a previsão da norma enuncia uma situação ou um aspeto de uma situação. Este
enunciado recorta um segmento do constante fluir da vida, “situando-o”, delimitando uma
“situação”.
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Introdução ao Estudo do Direito II 118
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Para estabelecer a premissa menor do silogismo judiciário (S < P), o intérprete-aplicador tem de
conformar a situação de facto.
1) Por um lado, tem de apreciar até que ponto os factos podem ser configurados por
forma a corresponderem à previsão de uma norma, ou de mais de uma norma.
Tem de ver se as notas estão presentes na situação de facto.
Face a relatos, por vezes contraditórios, dos factos, o jurista tem de selecionar os elementos
relevantes.
Em seguida tem de verificar se estes factos efetivamente ocorreram, tem de apreciar as provas.
Quando a norma é aplicada por um órgão jurisdicional a determinação dos factos requer uma
produção de prova, que obedece às regras do processo, mas tendo em conta as regras sobre ónus
da prova e sobre presunções simples. A prova visa demonstrar a realidade dos factos (art. 341.º
CC). A produção da prova faz-se segundo a regra do processo mas atendendo também a certas
regras sobre presunções.
A prova tem por objeto os factos juridicamente relevantes, que constituem a matéria de facto.
Contrapõe-se à matéria de direito que é constituída pela regra ou regras aplicáveis. A produção
da prova utiliza determinados meios – os meios de prova –, e habilita o tribunal à valoração da
prova.
Normalmente há uma ou mais normas que surgem como potencialmente aplicáveis a uma
situação carecida de regulação jurídica.
A conformação definitiva da situação de facto depende, assim, da seleção das normas que são
potencialmente aplicáveis.
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Introdução ao Estudo do Direito II 119
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Não basta que se conforme ou delimite a situação de facto. É ainda necessário reconduzir
a situação da vida, assim delimitada, à previsão da norma. Esta operação designa-se por
qualificação.
Se quisermos abranger os casos em que a previsão da norma não se reporta a uma situação, mas
antes a um facto que abstrai de toda a conduta humana, podemos dizer que a qualificação é a
operação pela qual se reconduz um facto à previsão de uma norma. Qualificação será a
recondução de um facto à previsão de uma regra (nem tudo são situaçãoes)
Para a apreciação da situação de facto, com vista à sua qualificação, o intérprete-aplicador tem
de realizar juízos de índole muito distinta.
Um juízo de perceção permite verificar se uma conduta ocorreu ou não, mas não permite avaliar
o significado da conduta. Para fazer isso tem de se atender aos fins visados com essa conduta e
isso implica juízos relacionados com o significado da conduta humana, temos que atender à
nossa experiencia e à experiencia dos outros, só assim vamos perceber a conduta interna que
motivou a conduta externa. Juízo sobre o significado da conduta humana que se baseia na nossa
experiencia.
Mesmo quando não se trata da conduta humana é necessário ir além de uma mera perceção
empírica. Por exemplo, os artigos 903 CC e seguintes – coisa defeituosa 913CC- quando o
vicio desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim? Para isto temos de saber qual é o valor
da coisa, o fim normal da coisa? Nos sabemos isto através da nossa experiencia, fala-se aqui de
juízos baseados na experiencia social
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Introdução ao Estudo do Direito II 120
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Temos por fim juízos de valores – necessários sempre que há uma valoração – conceitos
carecidos de preenchimento valorativo. Mesmo nas regras que não utilizam estes conceitos pode
existir uma certa margem, o ato de valorar exige a tomada de uma certa posição, o objeto
valorado é considerado preferível ou não, valioso ou não, e através da objectivação dos juízos
de valor chegamos ao valor, o juízo de valor é jurídico quando se orienta por critérios jurídicos.
O juízo de valor feito pelo aplicador será valido quando se baseia nos critérios de valoração do
sistema jurídico (princípios jurídicos), esta valoração não é uma conduta discricionária, não é
uma conduta com forte carga emocional, é uma conduta em que o intérprete está vinculado aos
critério de valoração do sistema, não são escolhido pelo interprete. E também deve atender à
jurisprudência uniforme e constante e à interpretação que ela faz das regras, atenderá aos casos
que foram tipificados de forma a obter uma coerência de valoração.
Em muitos casos, tem uma margem de aplicação porque muitas vezes os critério apontam
apenas a direção que deve ser seguida, é isto que se passa, desde logo, com os princípios
jurídicos
Por exemplo, 337 – legitima defesa – excesso de legitima de defesa – exige uma apreciação
quantitativa, também tem margem.
Por outro lado, os critérios de valoração podem entrar em contradição entre si. Nesta margem de
apreciação o intérprete pode atuar segundo a sua intuição de justiça mas tem de ter sempre em
conta a aceitação social da solução a que chega, o consenso que a solução é apta a criar
O juízo de valor jurídico feito pelo intérprete-aplicador é válido na medida em que se orienta
pelos critérios de valoração do sistema, designadamente os princípios jurídicos e as opções
político-legislativas feitas pelo legislador, e pela consciência jurídica geral.
Estes juízos têm algo de interpretativo que se baseiam numa experiencia das pessoas.
As previsões normativas também se referem a condutas humanas significativas que exigem uma
valoração do ocorrido.
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Introdução ao Estudo do Direito II 121
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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Introdução ao Estudo do Direito II 122
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Nos termos do seu n.º 1 “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas
reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a
unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições
específicas do tempo em que é aplicada”.
O Código Civil manda respeitar o “pensamento legislativo”, não só o texto da lei, mas também
as valorações feitas pelo legislador (histórico), tendo em conta as condições específicas do
tempo em que a lei é aplicada e logo aqui se indicia que não é só de natureza histórica.
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Introdução ao Estudo do Direito II 123
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
regular uma situação que não previsível no momento da elaboração da lei. Por exemplo,
não poderíamos o regime de contrato de transporte do seculo XIX ao transporte aéreo,
surgem novas situações com novas particularidades
Para um objetivismo atualista, o que releva é o sentido que a lei objetivamente
encerra no momento da sua interpretação. Esta posição permite uma certa evolução
do Direito vigente, que é independente da inovação legislativa. O intérprete pode ter em
conta a evolução do contexto social.
O art. 9.º/1 CC aponta para um certo objetivismo e para um certo atualismo. Aponta para
um certo objetivismo quando manda reconstituir o pensamento legislativo a partir dos
textos. Aponta para um certo atualismo da interpretação, quando manda atender às
“condições específicas do tempo” em que a lei é aplicada.
No entanto, na opinião do professor Lima Pinheiro, o art. 9.º não deve ser entendido como
consagrando a tese objetivista actualista, o artigo não exclui o subjetivismo. O preceito não
consagra uma particular corrente doutrinária.
Com efeito, o art. 9.º também não exclui que se atribua um papel importante à perspectiva
subjectivista.
Nada impede que, por “pensamento legislativo”, se entenda, em primeira linha, a intenção real
do legislador histórico, quando esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do
texto legal ou de outros elementos, como o relatório do diploma ou os trabalhos preparatórios.
Mesmo no caso de uma lei ter sido objeto de debate e de alterações, refletindo um compromisso
entre posições divergentes, é normalmente possível determinar quais foram as representações de
valores e fins que prevaleceram e em que medida. Ainda aqui é possível determinar a intenção
legislativa.
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Introdução ao Estudo do Direito II 124
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
para exprimir este sentido normativo, mas esta expressão tem o defeito de “personificar” a
lei.
A interpretação não é arbitrária, deve ser fundamentada por forma clara, logicamente
coerente, enfim comprovável.
A correção da interpretação depende do modo como procede o intérprete para alcançar o fim em
vista, dos elementos que tem em conta e dos critérios que o orientam na apreciação destes
elementos.
Assim, a interpretação autêntica tanto pode ser realizada pela mesma fonte da lei
interpretada como por outra fonte superior ou de igual valor.
▪ Por exemplo, um Decreto-Lei do Governo pode interpretar uma Lei da
Assembleia da República e uma Lei da Assembleia da República pode
interpretar uma Decreto-Lei do Governo. Uma Lei da Assembleia da República
ou um Decreto-Lei do Governo pode interpretar um Decreto Regulamentar do
Governo.
As decisões jurisdicionais com força obrigatória geral que tenham caráter interpretativo são um
caso de interpretação autêntica.
Uma lei interpretativa não pode fazer interpretação autêntica, o que ela pode é ter uma eficácia
interna, subordinar os órgãos que lhe estão ligados.
Muitas vezes uma lei autorizava uma interpretação por lei inferior, porém o artigo 112/5 vem
impedir que haja Vinculatividade com eficácia externa, só pode ter eficácia interna. Se for
anterior a 1982 tem eficácia externa, na opinião do professor Lima Pinheiro, é necessário separa
porque a revisão foi feita em 1982 e anteriormente era possível.
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Introdução ao Estudo do Direito II 125
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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Introdução ao Estudo do Direito II 126
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A) Elemento Sistemático;
B) Elemento Histórico;
C) Elemento Teleológico
Atualmente, esta ideia, ainda que trabalhada e desenvolvida, está presente nos grandes nomes da
doutrina, desde o professor Miguel Teixeira de Sousa, o professor Diogo Freitas do Amaral, o
professor Oliveira Ascenção ou mesmo o professor Pedro Trovão do Rosário. É também esta a
posição adotada pela Regência da cadeira, ainda que com considerações especiais que serão
discutidas na parte final da presente apresentação.
Por outras palavras, o artigo diz-nos que a interpretação da lei é realizada a partir da
“letra da lei”, com base nas “circunstâncias em que a lei foi elaborada”, na “unidade do
sistema jurídico” e nas “condicoes especificas do tempo em que a lei é aplicada”.
Também é fácil concluir a partir do artigo que se podem encontrar elementos literais e
elementos não literais de Interpretação.
Elemento Gramatical/Literal
As leis são textos e, como tal devem começar por ser analisadas, tendo sempre em conta dois
pontos cruciais:
▪ Função Negativa: nos termos da qual o texto delimita a interpretação, isto é, só são
admitidos os sentidos da lei que forem possíveis segundo o respetivo texto;
▪ Função Positiva ou Seletiva: nos termos da qual seleciona, de entre os vários sentidos
possíveis, aquele que mais adequadamente corresponder ao texto.
Ex: A irrelevância do género implica que palavras masculinas também incluam um género
feminino, por exemplo, a palavra “filho” utilizada no artigo 1798º também abrange a palavra
filha. A irrelevância do número determina que palavras empregues no singular também se
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Introdução ao Estudo do Direito II 127
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
apliquem no plural e vice-versa. Por exemplo, a palavra “pessoa” no artigo 397º CC também
abrange a pluralidade de devedores.
Embora nada se encontre no artigo 9º CC, é indiscutível que a letra da lei deve ser interpretada
de acordo com o seu significado atual. Além do mais só essa solução pode garantir que as leis
permaneçam adequadas ao tempo em que são aplicadas. A necessidade de seguir uma
interpretação atualista é especialmente saliente no caso da interpretação de conceitos
indeterminados ligados a valorações sociais ou culturais , por exemplo, a referência aos bons
costumes (art. 280/2 ou 282) deve ser interpretada com o significado que tem no momento da
interpretação.
Contudo, existem casos em que a mesma palavra tem diferentes aceções em diferentes ramos do
direito. Por exemplo, segundo o artigo 487/e CC, para o direito civil, a negligência consiste na
omissão da deligência devida e, no âmbito penal, é entendida como a omissão do dever de
cuidado de que o agente seja capaz (art. 15 CP). Em hipóteses como estas, deve considerar-se
apenas o significado que for específico do ramo de direito a que pertence a lei interpretada.
Ex: Supondo que uma lei considere justificadas as faltas ao trabalho por motivos exclusivos de
“doença” e que um trabalhador falte porque tem uma consulta marcada para o tratamento de
lesões causadas num acidente automóvel. Ainda que um tratamento de alguma doença causada
por um acidente não se qualifique como uma patologia, ou doença per si, pode-se interpretar
para efeitos de aplicação da lei mencionada a condição do trabalhador como “doença”.
127
Introdução ao Estudo do Direito II 128
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Como nota final acerca do elemento gramatical, é importante salientar que este tem um
significado provisório ou significado de limite mínimo. O artigo 9º/1 CC estabelece que o
intérprete, depois de determinar o significado da letra da lei, deve reconstituir o pensamento
legislativo, servindo-se para isso de vários elementos não literais de interpretação.
Interpretação: Sentido Literal Elementos não literais regresso a letra para verificação de
correspondência
Elemento Sistemático
Na opiniao do professor Lima Pinheiro, mais do que um elemento temos aqui um critério de
interpretação da lei, noemadamente, o contexto sistemático.
O professor Lima Pinheiro sublinha que este elemento exprime a unidade do sistema jurídico,
que o artigo 9º/1 CC manda ter em conta “ a unidade do sistema jurídico”, é designado pelo
professor como o “contexto significativo da lei”.
O professor Inocêncio Galvão Teles destaca que para garantir a coerência e unidade do sistema
deve ter-se sempre em mente que “o preceito não é uma ilha isolada”. Por essa lógica, o
preceito deve ser interpretado em conjunto com as restantes normas: com a epigrafe que o
precede, com os textos que estão imediatamente antes e depois, e ainda com outros textos
relevantes que podem estar mais afastados.
.
A professora Sandra Lopes Luís dá o exemplo da “indemnização por benfeitorias” (art. 1273
CC): este preceito não pode deixar de ser interpretado em conjugação com o artigo 216º CC,
que está na parte inicial do código, onde se definem as várias modalidades de benfeitorias.
O professor Oliveira Ascensão refere que as relações que se estabelecem entre as várias
disposições podem ser de:
Subordinação
Relaciona o preceito isolado com os princípios gerais do sistema jurídico, permitindo apurar a
incidência que esses princípios têm para o esclarecimento daquela fonte.
Conexão
Nenhum preceito pode ser isolado fora de um contexto, por exemplo, cada número de um artigo
só pode ser compreendido se o colocarmos perante o texto do artigo. Atender ao texto, acima de
tudo, é situar uma disposição.
128
Introdução ao Estudo do Direito II 129
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Analogia
O professor Miguel Teixeira de Sousa esclarece que o preceito se concretiza em duas vertentes:
Ex: A interpretação de uma lei ordinária que regula o exercício de um direito fundamental deve
ser aquela que mais se aproximar da fonte constitucional que atribui esse mesmo direito. Há
ainda a considerar, dentro deste âmbito, a conformidade à Constituição, ao direito europeu e ao
direito ordinário).
O elemento sistemático impõe uma interpretação sistemática, mas não garante que o
resultado seja uma interpretação conforme ao sistema, dado que é possível que o intérprete
conclua que nenhuma interpretação da lei é suscetível de assegurar a conformidade com o
sistema. Nestas hipóteses, torna-se necessário resolver o conflito normativo através da
revogação ou da invalidade de uma das regras, da qualificação de uma das regras como
especial ou excecional perante a outra ou, em última análise, da escolha de uma das regras
conflitantes através da ponderação dos respetivos interesses.
129
Introdução ao Estudo do Direito II 130
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O elemento sistemático impõe que a lei seja interpretada no respetivo ambiente sistemático, ou
seja, impõe que se passe do preceito para o texto legal que o contém, deste para o respetivo
subsistema e, finalmente, deste para o sistema jurídico. Nenhuma lei deve ser interpretada
isolada de outras leis com as quais apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários
significados literais possíveis se deve preferir aquele que for compatível com o significado de
outras leis. Só desta maneira se dá expressão à unidade do sistema jurídico. Assim, como
destacado pelo professor Lima Pinheiro, entre as várias interpretações possíveis, há que preferir:
Em suma, a respeito deste elemento, é importante reter que, no que toca à interpretação, é
necessário ter em conta que a construção da unidade do sistema implica que deve ser dada
preferência a uma interpretação que seja compatível com o maior número possível de regras
do mesmo sistema jurídico. A lei interpretada vai ser considerada consistente com as demais leis
do sistema jurídico quando se conjugarem de forma harmoniosa entre si.
Tem-se aqui um cânone hermenêutico: o sentido da parte é esclarecido pelo todo. Mais do
que um elemento é um critério que podemos designar por contexto significativo da lei.
Para atender ao contexto significativo da proposição jurídica importa ter em conta o conjunto
funcional em que se insere a regra por ela expressa. Dentro destes conjuntos as normas
complementam-se e limitam-se reciprocamente, por forma a que o sentido de cada uma
delas não pode ser estabelecido isoladamente, mas só mediante a sua inserção no conjunto.
Deve-se ter em conta a inserção destes conjuntos regulativos nos ramos do Direito e os nexos
que se estabelecem entre conjuntos regulativos e entre ramos do Direito, bem como a inserção
dos ramos do Direito, que são subsistemas normativos, no conjunto do sistema jurídico.
130
Introdução ao Estudo do Direito II 131
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Mas a sistemática legal tem um significado limitado. Por exemplo, encontramos no Livro II,
relativo ao Direito das Obrigações, normas como as dos arts. 408.º e 409.º que são relativas
aos efeitos reais dos contratos, e que devem ser relacionadas principalmente com as normas
sobre os direitos reais.
Há que atender ainda a outros nexos intrassistemáticos lógicos e funcionais. Uma regra
legal também pode ter de ser relacionada com regras de outros conjuntos regulativos e
ramos do Direito, com as quais estabeleça nexos lógicos e funcionais.
Ao proceder deste modo não só se atua em conformidade com um cânone hermenêutico mas
também se contribui para a promoção da coerência do sistema jurídico.
Entre várias interpretações possíveis (perante o sentido literal e a intenção real do legislador
histórico) há que preferir:
Com o critério do contexto se relacionam, por isso, os critérios da interpretação conforme com a
Constituição e o critério da interpretação conforme com a diretiva europeia, no caso de leis de
transposição de diretivas europeias.
Mas, com isto, passamos insensivelmente do critério do contexto significativo para o critério
teleológico. A fluidez das fronteiras entre estes dois critérios leva mesmo alguns autores a
negarem a autonomia do elemento sistemático.
131
Introdução ao Estudo do Direito II 132
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Dentro do elemento histórico, o professor Miguel Teixeira de Sousa destaca que devemos
atender a aspectos objetivos e aspectos subjetivos.
1) Aspectos Objetivos: O professor Oliveira Ascensão destaca que dentro dos aspetos
objetivos podem-se distinguir 3 grandes áreas:
Precedentes Normativos
Ex: A influência da Declaração Universal dos Direitos do Homem na formulação dos direitos
fundamentais e aplicação da defesa dos Direitos Humanos no âmbito nacional.
Trabalhos Preparatórios
Occasio Legis
Ex: Imagine-se que, durante uma vaga de terrorismo, é promulgada legislação extremamente
severa sobre deslocações de pessoas e veículos. Passada essa vaga, a legislaçao fica em vigor,
mas aplicada a circunstâncias normais, enquanto não for revogada. Isto cria um desfazamento.
O intérprete não pode deixar de ponderar o circunstancialismo muito especial que forçou o
apareciemento dessa legislação e interpreta-a à luz desse condicionalismo. Pode assim concluir
que se excluem hipóteses que, embora formalmente abrangidas, estariam fora do seu espírito.
Ex: Trabalhos preparatórios, projetos que antecederam a sua versão final, discussão nos órgãos
legislativos, entre outros.
132
Introdução ao Estudo do Direito II 133
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Trata-se de saber qual a interpretação que tem sido dada, pela jurisprudência e pela doutrina, a
uma determinada lei após o inicio da sua vigência. Por outras palavras, averiguar que novas
necessidades têm sido entendidas como podendo ser satisfeitas pela lei. Para isto é
indispensavel conhecer a sua aplicação, dado que apenas a aplicação desta a novos casos pode
constituir um ponto de partida para novas interpretações dessa fonte.
Elemento Teleológico
O elemento Teleológico relaciona-se com a justificação social da lei: a finalidade para a qual a
norma foi concebida. A importância do elemento está consagrada no artigo 9º nº1 do CC, na
referência às “condições específicas do tempo em que a lei é aplicada”.
Por Exemplo
a) O professor Miguel Teixeira de Sousa ilustra a situação da seguinte forma: uma lei
que dispõe que quem dormir nas estações de comboio deve pagar uma coima; um
passageiro que esperava num dos bancos da sala de espera, um comboio que só partia
de madrugada foi vencido pelo sono e adormeceu; pergunta-se se ele infringiu a lei e
deve pagar uma coima; a resposta não deve deixar de ser negativa, dado que a
teleologia da lei é evitar que alguém possa utilizar as estações de comboios para passar
a noite e não que os passageiros possam adormecer enquanto aguardam o inicio da sua
viagem.
A teleologia da lei não pode ser determinada em si mesma: a finalidade que a lei realiza é aquela
que ela pode prosseguir em função de fatores que lhe são estranhos. Para determinar a teleologia
da lei é necessário atender a um conjunto variado de elementos:
133
Introdução ao Estudo do Direito II 134
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Por exemplo: A interpretação de uma disposição relativa a um dos tipos contratuais deve ter em
conta o princípio da liberdade contratual (art.405ºCC).
Conclui-se, assim, que, como defendido pelo professor Luís Lima Pinheiro, o elemento
teleológico possui uma grande importância quanto à interpretação da lei, pois permite controlar
a correção dessa interpretação. É também o elemento da interpretação que provém em menos
dimensão do sistema e que mais apela ao intérprete, pois permite utilizar valores éticos,
políticos ou económicos na procura da otimização do princípio que subjaz à lei que interpreta.
No âmbito do sistema móvel, isto é, de um sistema cujos elementos têm uma importância
distinta em situações diferentes, é possível entender que não há nenhuma hierarquia rígida
entre os elementos de interpretação.
134
Introdução ao Estudo do Direito II 135
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Posição do Regente
Ainda que esta divisão tradicional dos elementos de interpretação seja aceite pela grande
maioria da doutrina, o nosso professor Luís Lima Pinheiro (muito próximo ao entendimento
seguido por Larenz) destacou dois problemas:
Conclusão
Em suma, nunca se deve esquecer que a interpretação é realizada de forma integrada, com o
objetivo de permitir a formação de uma ideia coesa com o contributo que é dado por cada um
dos elementos de interpretação.
Os primeiros elementos assumem uma natureza linguística, face a factos e atos escritos, o que
vai estar em causa e ser necessário, antes de mais, é proceder à respetiva leitura, à compreensão
do seu sentido literal, à apreensão da mensagem patente na própria letra. Tais elementos são,
como dito pelo professor Luis Lima Pinheiro, o “ponto de partida da interpretação, mas
também o seu limite”.
135
Introdução ao Estudo do Direito II 136
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
interpretativa olhando para o seu sentido literal mas enquadrado no todo do sistema. Neste
momento, deixa de contar apenas o sentido literal.
Apenas com a consideração destes elementos se pode verdadeiramente interpretar uma lei,
por isso, tal como entendem Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão, não é qualquer
pessoa que lendo o Diário da República consegue encontrar a soluçao para a resoluçao de
um litigio que tenha: a determinação do sentido real da lei é uma tarefa que ultrapassa a
sua mera leitura e que só obtém pela consideraçao dos elementos literal e lógico. Da
relação entre a letra e o espirito da lei resultam diferentes modalidades de interpretação
quanto ao resultado:
Interpretação Declarativa;
Interpretação Extensiva e Restritiva;
Interpretação Abrogante;
Nterpretação Enunciativa;
Interpretação Corretiva;
Critérios de Interpretação
Os elementos são as regras que o intérprete aplicador deve seguir, enquanto os critérios visam
determinar essas mesmas regras que o intérprete aplicador deve seguir na sua aplicação prática.
Os critérios são mais operativos.
Primeiro, porque o intérprete não precisa só de saber quais os elementos que deve ter
em conta, precisa de critérios que o orientem na apreciação destes elementos. Por isso,
importa estudar, além dos elementos, os critérios que orientam a interpretação.
Segundo, todos os elementos que sirvam para compreender o sentido normativo do
texto legal são, em princípio, relevantes. Não podemos supor que as quatro categorias
tradicionais esgotam todos os elementos a ter em conta.
É o caso dos textos incluídos formalmente na lei, mas que não têm caráter normativo direto.
Surgem-nos aqui os preâmbulos das leis, os títulos das secções dos diplomas e as epígrafes dos
artigos. Algo de paralelo se verifica, quanto às regras jurisprudenciais criadas por decisões com
força obrigatória geral, com a fundamentação destas decisões.
São elementos interpretativos das regras legais com especial autoridade, visto que fornecem
indicações seguras sobre a intenção reguladora do legislador histórico. Por esta razão estes
elementos têm mais valor que os incluídos no elemento histórico. Mas não têm o mesmo valor
que o texto normativo, porque não visam exprimir uma regra, mas tão-somente esclarecer
o sentido das proposições normativas. Por isso, por exemplo, não é relevante a intenção
proclamada no preâmbulo de uma lei que não tenha um mínimo de correspondência no texto
normativo.
Outro elemento a ter em conta, que não consta da sistematização tradicional, são as
circunstâncias atuais, as existentes no momento da aplicação da lei. Para a sua averiguação é
importante ter em conta a evolução do circunstancialismo social que rodeia a aplicação da lei e
136
Introdução ao Estudo do Direito II 137
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Podemos falar :
Do sentido literal;
Trata-se de definir a relevância que o elemento literal tem para o intérprete. Segundo o
professor Germano Marques da Silva, o primeiro elemento a considerar na interpretação
é a letra da lei, ou seja, o sentido das diversas palavras que a compõem. O elemento literal
é assim, o elemento de base.
O art. 9.º CC é inequívoco a este respeito: a interpretação deve partir dos textos (n.º 1); não
pode ser considerado o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de
correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2); e, o intérprete presumirá
que o legislador “soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (nº 3).
Porém este critério nunca é, por si, suficiente. Embora seja o ponto de partida, é um elemento
frágil, porquê? Porque há palavras por vezes vagas, equívocas e pode bem suceder que o
legislador tenha dito mais ou menos o que realmente pretendia dizer. Por isso, o elemento literal
não pode ser isolado de um outro critério, o do contexto significativo.
Para atender ao contexto significativo da proposição jurídica importa ter em conta o conjunto
funcional em que se insere a regra. Isto é, o sentido de cada uma das normas não pode ser
estabelecido isoladamente, mas só mediante a sua inserção no conjunto. Deve-se ter em conta a
inserção destes conjuntos nos ramos de Direito e os nexos que se estabelecem entre estes dois,
bem como a inserção dos ramos do Direito no conjunto do sistema normativo. Isto permite a
revelação de lugares paralelos, ou seja, de outros textos relevantes para uma norma que podem
estar por assim dizer, mais “afastados” desta. Por exemplo, o artigo 1273.º do CC
“indemnização por benfeitorias”, previsto no livro III relativamente aos Direitos reais, não pode
deixar de ser interpretado em conjugação com o artigo 216.º do CC, que está na parte inicial do
código onde se definem as várias modalidades de benfeitorias. Resumidamente o critério do
contexto significativo está ligado ao seguinte cânone hermenêutico: o sentido da parte é
esclarecido pelo todo.
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Introdução ao Estudo do Direito II 138
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Importa acrescentar que, em alguns casos, o sentido da proposição jurídica, determinado com
recurso aos critérios do sentido literal e do contexto significativo, pode ser inequívoco, por
forma a dispensar o recurso a outros critérios.
Assim, poderíamos dizer que só quando houver uma pluralidade de sentidos literais
possíveis é que é necessário recorrer a critérios teleológicos.
Mas é preciso ter em conta que os critérios teleológicos podem ser relevantes para a
determinação desta pluralidade de sentidos literais possíveis.
Perante uma pluralidade de sentidos literais possíveis decorre da posição anteriormente adotada
que, quanto às leis relativamente recentes, se deve dar preferência ao sentido que
corresponde à intenção real do legislador histórico.
Já as leis mais antigas têm de ser aplicadas num contexto social diferente daquele que
existia no momento da criação da lei e a situações que não podiam ser previstas pelo
legislador histórico. Neste caso há que ter em conta o novo contexto social e examinar até
que ponto à luz da valoração feita pelo legislador se justifica a aplicação da lei a situações
que não podiam ser previstas pelo legislador.
Além disso, porém, o intérprete deverá examinar se a aplicação da lei a estas situações não
poderá ser justificada à luz dos valores e princípios da ordem jurídica atual, atendendo
igualmente ao trabalho criativo desenvolvido na aplicação da lei em causa pela jurisprudência e
pela ciência jurídica.
Este exame poderá levar a uma extensão ou a uma restrição do sentido anteriormente
atribuído à proposição jurídica.
Isto pode suceder, em primeiro lugar, pela alteração do contexto significativo em que a
proposição jurídica tem de ser inserida.
138
Introdução ao Estudo do Direito II 139
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Esta distinção entre leis recentes e leis antigas não é meramente cronológica, pois a atualidade
da lei depende também do ritmo de evolução que se tenha verificado no domínio social por ela
regulado.
Trabalho:
“1ª situação - Perante uma pluralidade de sentidos literais possíveis decorre que,
quanto às leis relativamente recentes, se deve dar preferência ao sentido que
corresponde à intenção real do legislador histórico. Isto porque, relativamente a estas
leis o recurso aos elementos teleológico-objetivos é assim, de algum modo, subsidiário.
Só haverá que recorrer aos valores da ordem jurídica, aos princípios jurídicos e a
outros elementos teleológico-objetivos quando não for possível estabelecer
conclusivamente qual é o sentido normativo que corresponde à intenção do legislador
histórico. É neste sentido que deve ser entendido o artigo 9.º/3 CC quando estabelece
que o “intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas”,
reportando-se ao legislador em abstrato, que é racional, justo e sábio, não sendo
importante determinar o sentido da interpretação dado pelo legislador em concreto,
que muitas vezes é precipitado e incorreto.
2ª situação - Diz respeito às leis antigas: estas têm de ser aplicadas num contexto
social diferente daquele que existia no momento da criação da lei e a situações que
não podiam ser previstas pelo legislador histórico. Neste caso há que ter em conta o
novo contexto social e examinar até que ponto à luz da valoração feita pelo legislador
se justifica a aplicação da lei a situações que não podiam ser previstas pelo legislador.
Ao fazer isto temos a vantagem de uma maior adaptação às exigências da vida, dado
que se interpreta à luz das exigências atuais uma lei que pode ter, por exemplo, trinta
anos.
Além disso, porém, o intérprete deverá examinar se a aplicação da lei a estas situações (que
não podiam ser previstas pelo legislador) não poderá ser justificada à luz dos valores e
princípios da ordem jurídica atual (elementos teleológico-objetivos), atendendo igualmente ao
trabalho criativo desenvolvido na aplicação da lei em causa pela jurisprudência
(interpretação que é feita pelos tribunais no âmbito de um processo) e pela ciência jurídica.
139
Introdução ao Estudo do Direito II 140
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Segundo o professor Luís de Lima Pinheiro, este exame poderá levar a uma extensão ou a uma
restrição do sentido anteriormente atribuído à proposição jurídica.
Também é possível que a evolução da ordem jurídica possa influenciar a interpretação da lei,
levando a modificar o sentido até aí atribuído a uma proposição jurídica. Isto pode suceder, em
primeiro lugar, pela alteração do contexto significativo em que a proposição jurídica tem de
ser inserida.
A descoberta de uma contradição valorativa poderá ocorrer por exemplo, com uma
contradição entre o artigo 24.º e o 41.º da CRP.
As regras da lei ordinária que forem contrárias à Constituição são inválidas. Pode no
entanto suceder que, de entre as várias interpretações possíveis da lei, exista uma interpretação
que não contrarie a Constituição. Neste caso o intérprete deve preferir a interpretação que, por
ser conforme à Constituição, permite considerar a lei válida.
Ou seja, se de uma lei são possíveis de retirar vários significados nós vamos optar por aquele
que não é contrário à Constituição, se todos os significados ou as soluções dadas pela aplicação
da lei são contrárias às Constituição então a própria lei será inconstitucional e terá de ser
afastada.
O que devemos entender aqui por “interpretação possível”? Ou, por outras palavras, qual a
relação que se deve estabelecer entre o critério da conformidade com a Constituição e os
outros critérios de interpretação?
140
Introdução ao Estudo do Direito II 141
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
As regras da lei ordinária que forem contrárias à Constituição são inválidas. Pode no entanto
suceder que, de entre as várias interpretações possíveis da lei, exista uma interpretação que não
contrarie a Constituição. Neste caso o intérprete deve preferir a interpretação que, por ser
conforme à Constituição, permite considerar a lei válida (Principio do Aproveitamento
Máximo da regra Jurídica).
Para além de outras consequências que daí advêm, interessa diretamente ao tema assinalar que,
segundo Jorge Miranda, as leis restritivas devem ser interpretadas, senão restritivamente, pelo
menos sem recurso à interpretação extensiva e à analogia.
Resumindo o anteriormente exposto, podemos dizer que o critério literal define o ponto de
partida da interpretação, mas também o seu limite.
De entre os critérios teleológicos deve, em princípio, ser dada primazia à intenção reguladora
do legislador histórico, quando esta possa ser demonstrada. Só na insuficiência deste critério
são chamados a atuar os critérios teleológico-objectivos.
Elementos – Forma que o intérprete tem para recolher alguns dados para a interpretação (em
que sistema a norma se insere, razão de ser da norma,…). O professor Lima Pinheiro considera
que mais do que elementos que podem ser coordenados o que interessa é seguir critérios, os
critérios são regras que o interprete-aplicador não deve deixar de observar.
Critérios:
141
Introdução ao Estudo do Direito II 142
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Modalidades de Interpretação
Critério da Fonte e Valor (atende à natureza do ato que faz a interpretação e, por outro
lado, ao valor que essa interpretação tem relativamente aos restantes sujeitos intérpretes e
aplicadores do Direito):
Interpretação Autêntica:
✓ Interpretação que é feita por uma nova norma – a lei interpretativa
(art.13 CC) – que se dirige a fixar o sentido da lei anterior e que tem
valor igual ou superior da lei anterior (pode ser sucessiva – posterior- ou
simultânea);
✓ A interpretação autêntica é vinculativa para todos os aplicadores do
Direito;
Interpretação Oficial:
✓ É feita por uma norma de valor inferior ao da norma interpretada;
✓ A interpretação oficial não tem eficácia externa devido ao artigo 112/5
CRP (as leis de valor inferior não podem alterar ou contradizer o sentido
normativo de leis hierarquicamente superiores, não tem efeito vinculativo
para todos, apresenta apenas uma eficácia interna, ou seja, vincula só os
agentes administrativos subordinados à entidade que fez a interpretação
oficial);
Interpretação Judicial:
✓ Interpretação feita pelos Tribunais no âmbito do processo;
✓ Só tem valor vinculativo no processo em si.
Interpretação Doutrinal:
✓ É feita pelos juristas ou jurisconsultos e fora das condições que
caracterizam as situações anteriores;
✓ Não tem qualquer força vinculativa, mas pode persuadir devido ao
prestigio do intérprete ou de coerência lógica de argumentação;
Interpretação Particular:
✓ É a interpretação que é feita por qualquer cidadão comum, não jurista (art.
6º CC);
✓ Não tem qualquer força vinculativa;
142
Introdução ao Estudo do Direito II 143
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Nas interpretações restritiva e extensiva existe uma desarmonia entre a letra da lei e o espirito da
lei (elemento lógico e literal). Nestes casos o intérprete está autorizado a fazer uma retificaçao
do sentido literal, por consideração do elemento lógico, que se deve situar dentro dos sentidos
literais possíveis (art.9º/2CC), adotando-se um significado mais afastado do significado comum
das palavras.
143
Introdução ao Estudo do Direito II 144
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
que não estão abrangidos na letra da lei (o legislador disse menos do que queria dizer).
O sentido normativo é mais amplo que o sentido literal, o intérprete deve estender a
letra da lei, em função dos elementos lógicos da interpretação.
✓ Por exemplo, no art. 2181º CC, sobre o testamento em mão comum, estabelece-se
que “Não podem estar no mesmo acto duas ou mais pessoas, quer em proveito
recíproco, quer em favor de terceiro”. O legislador quis excluir todas as
modalidades de testamento de mão comum, mas escapou-lhe uma das possibilidades:
aquele testamento em que os intervenientes disponham simultaneamente a favor de
pessoas diferentes. Assim, A e B testam simultaneamente, mas A em favor de C e B
em favor de D. Ora, esta caso é claramente abrangido pelo ratio legis.
✓ Por exemplo, o artigo 877º CC proíbe a venda de pais e avós, a filhos e netos, sem
consentimento dos outros filhos e netos. Coloca-se a questão de saber se a expressão
“avós” se refere só aos pais dos pais, ou também aos pais dos pais e bisavós? A
resposta a esta questão vai no sentido afirmativo, porque atendendo aos elementos
lógicos de interpretação, em especial, ao elemento teleológico, a proibição deve ser
estendida a bisavós e a bisnetos, pois com o artigo 877º CC pretende-se, por um
lado, que os restantes filhos ou netos não sejam tratados de modo desigual, e, por
outro lado assegurar o principio da intangibilidade da legitima (quota hereditária
indisponível), valores que seriam igualmente postergados no caso de se permitir a
venda sem consentimento entre bisavós e bisnetos. Com esta extensão da letra da
lei ainda se respeita o artigo 9º/2 CC, que constitui um limite aos casos de
interpretação extensiva.
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Introdução ao Estudo do Direito II 145
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
mental negativo ou frágil. O elemento teleológico também aponta para essa situação,
uma vez que não faz sentido que se viesse anular um negócio por quem o tivesse
celebrado num estado mental firme e lúcido. Assim, se conclui, que o real sentido
não abrange qualquer estado mental mas unicamente os estados mentais negativos e
depressivos, o que implica uma restrição do preceirto por consideração dos
elementos lógicos. A interpretação nestes termos não vem pôr em causa o artigo
9º/2CC, pois os estados mentais negativos ou depressivos ainda cabem dentro da
expressão mais ampla “estado mental”.
Larenz assinala que nem sempre é claro o que se entende por interpretação extensiva e
restritiva. Que o fim último da interpretação não é a averiguação da “vontade real” do
legislador histórico mas o significado jurídico atual da lei. Que este significado se deve
encontrar sempre dentro do sentido possível do enunciado linguístico. Interpretação extensiva
ou restritiva não poderia por isso significar mais que a opção, entre os sentidos literais
possíveis, por um sentido lato ou restrito.
Embora a classificação tradicional seja geralmente aceite entre nós, também não é contestado
que, de acordo com o art. 9.º/2 CC não pode ser acolhida uma interpretação “que não tenha
na letra da lei um mínimo de correspondência verbal”. Se identificarmos este mínimo de
correspondência verbal com o sentido literal possível, poderemos ainda afirmar que a
interpretação se tem de conter nos limites definidos pelo sentido possível do enunciado
linguístico.
✓ A aplicação de uma regra a situações que não cabem no sentido literal possível
da proposição jurídica terá de ser fundamentada em analogia.
✓ A exclusão do âmbito de aplicação de uma regra de situações sem fundamento
no sentido literal possível terá de ser justificada por redução teleológica.
145
Introdução ao Estudo do Direito II 146
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Na visão das coisas que se me afigura preferível, o que está em causa, nestes casos, ou é ainda
interpretação em sentido técnico ou é integração de lacunas.
✓ Quando a regra implícita ainda encontra um mínimo de apoio no texto da lei, trata-se,
como nos outros casos de interpretação, de apurar o sentido normativo de uma
proposição jurídica. Com esta especificidade: procura-se inferir, a partir de um
enunciado linguístico, de uma proposição jurídica, mais do que uma regra.
✓ Nas hipóteses mais frequentes, a “regra implícita” não encontra um mínimo de apoio no
texto da lei, razão por que se trata de justificar uma solução por meio dos critérios que
orientam a integração de lacunas.
Em ambos os casos podem ser utilizados argumentos lógicos, mas os critérios decisivos são
sempre teleológicos. Os argumentos a minori ad maius e a maiori ad minus podem ser
entendidos teleologicamente, reconduzindo-se então ao argumento de maioria de razão (a
fortiori).
Interpretação enunciativa é aquela em que o intérprete deduz dum preceito uma regra que nela
está contida, usando para tal certas inferências ou argumentos lógico-jurídicos.
Na interpretação em sentido estrito visa-se apenas descobrir o sentido real, que tem na lei pelo
menos uma explicitação mínima. Na inferência lógica de regras implícitas trata-se de com base
em regras já existentes, inferir outras regras, que estão expressamente formuladas, através de
processos lógicos de inferência.
146
Introdução ao Estudo do Direito II 147
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
1) “A minori ad maius” – a lei que proíbe o menos, também proíbe o mais, por exemplo,
se uma norma proíbe aos menores de 21 anos a administração de bens imóveis, é
possível inferir que a venda dos mesmos lhes está vedada;
2) “A minori ad minus” – a lei que permite o mais, também permite o menos, por
exemplo, se uma lei permite a venda de um certo bem, é possível inferir a possibilidade
de empréstimo desse mesmo bem;
3) “A Contrario” – da disciplina excepcional para certo caso, deduz-se um principio regra
oposto para os casos não abrangidos pela norma excepcional: o regime excepcional leva
aos regimes regra, por exemplo, o artigo 875ºCC;
4) “A legitimidade dos fins, justifica os meios” – a lei que proíbe ou permite o fim, proíbe
ou permite o meio, por exemplo, se uma lei permite a caça, em certas áreas delimitadas,
a uma categoria de cidadãos, é possível inferir a legalidade da venda de caçadeiras a
essa mesma classe de pessoas.
A interpretação enunciativa é contestada por alguns, mas admite-se, em geral, como uma
modalidade de interpretação quanto ao resultado (o ponto de partida é a lei).
Em sentido inverso, Oliveira Ascensão considera a interpretação enunciativa como uma terceira
categoria de determinação de regras, ao lado da interpretação e integração de lacunas.
Também os defensores de uma grande liberdade dos juízes na aplicação da lei, designadamente
a Escola do Direito Livre, tendem a encarar as regras jurídicas como critérios instrumentais ou
orientadores de que o intérprete pode, pelo menos em casos extremos, desvincular-se, quando
tal seja exigido pela justiça do caso concreto.
147
Introdução ao Estudo do Direito II 148
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito
legislativo”.
Também do art. 203.º CRP, atrás examinado, decorre que os tribunais estão vinculados à lei, e
esta vinculação à lei – como observa Teixeira De Sousa –, é uma importante garantia do Estado
de Direito e um corolário da divisão de poderes, porque ela não só assegura a prevalência da
lei sobre as convicções pessoais ou o sentimento do juiz, mas também obsta a que o juiz
sobreponha a sua vontade à do legislador.
O mesmo resulta, mais amplamente, do sentido e estrutura geral do sistema jurídico português,
de acordo com o anteriormente exposto.
Claro é que, com esta tomada de posição do legislador, não se elimina a questão das exigências
supra-positivas que se coloquem ao Direito vigente. Esta questão já foi anteriormente
examinada, não havendo qualquer razão para a recolocar a propósito da interpretação.
É ainda de observar que algumas das preocupações a que a dita interpretação corretiva
procurou responder podem ser atendidas, ainda que limitadamente, mediante institutos
jurídico-positivos como o abuso do direito (art. 334.º CC), bem como mediante o
procedimento de redução teleológica.
Perante uma contradição normativa, se não se encontrar justificação para dar prevalência a uma
das normas sobre a outra, é inevitável concluir que nenhuma delas pode ser aplicada na
resolução do caso.
Questiona-se também se as contradições valorativas não poderão levar à conclusão que há uma
“falta de sentido”.
Resta saber se será adequado falar de interpretação ab-rogante a respeito das contradições
normativas, uma vez que se trata, afinal, da descoberta de uma lacuna no quadro do normal
processo de interpretação da lei.
148
Introdução ao Estudo do Direito II 149
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Verifica-se em 3 casos:
149
Introdução ao Estudo do Direito II 150
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
No que toca ao costume não basta demonstrar a existência de uma prática social reiterada
(uso). É preciso demonstrar também que esta prática corresponde a uma convicção de
vinculatividade jurídica. Para este efeito torna-se necessário determinar o sentido da prática
social reiterada, interpretá-la.
De onde resulta que não se pode isolar a questão da interpretação da questão da existência da
regra consuetudinária. Por outras palavras, saber se uma prática social reiterada corresponde
a um costume é já um problema de interpretação. É ainda necessário determinar o conteúdo da
regra consuetudinária. Podemos por isso dizer que na interpretação do Direito consuetudinário
se trata fundamentalmente de formular linguisticamente a norma indicada pela conduta
(Larenz).
Se excluirmos o costume constitucional, o costume tradicional não é uma fonte do Direito muito
importante nos sistemas jurídicos modernos. Mas já assume maior importância aquela
modalidade de costume jurisprudencial. Ora, a interpretação do costume jurisprudencial
exige uma interpretação das decisões judiciais em que se baseia.
As regras criadas ou desenvolvidas pelas decisões judiciais são até certo ponto expressas
linguisticamente na fundamentação das mesmas.
Estes problemas são importantes, não só perante o costume jurisprudencial, mas também pelo
papel que a comparação de casos e o “raciocínio de caso para caso” pode e deve desempenhar
na interpretação e integração da lei.
Em todos estes casos, o intérprete tem de distinguir, na sentença, além da decisão propriamente
dita, a fixação da situação jurídica, os enunciados sobre os factos, o critério de decisão e outras
considerações que não constituem, em rigor, fundamento da decisão.
O fim da interpretação dos precedentes é apurar qual a ideia normativa em que o tribunal
se baseou para chegar à solução do caso. O que conta é o critério ou critérios jurídicos em
que o tribunal baseou a sua decisão (aquilo que nos sistemas do Common Law se designa
por ratio decidendi). Se relacionarmos isto com o esquema do silogismo judiciário, diremos
que o critério de decisão, ou ratio decidendi, constitui a premissa maior.
Por vezes as decisões referem regras ou princípios que não constituem, em rigor, fundamento da
solução do caso. Estas considerações que não constituem fundamento da solução são nos
150
Introdução ao Estudo do Direito II 151
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
sistemas do Common Law designadas por obiter dicta. Pode tratar-se de regras ou princípios
que vão além do que é necessário para a decisão do caso concreto ou que são relativos a
situações hipotéticas diferentes.
O intérprete deve distinguir claramente o que é ratio decidendi e o que é obiter dicta. O que
conta para extrair de um conjunto de decisões judiciais uma solução uniforme e constante, que
constitua a base de um costume jurisprudencial, é igualmente o critério de decisão que nelas foi
seguido.
Há aqui um raciocínio por analogia, porque se trata de saber se os casos são análogos, ou, por
outras palavras, se as razões que justificaram a solução dada no caso anterior também
procedem no caso vertente. O intérprete tem de examinar se o caso vertente apresenta os
mesmos elementos que foram relevantes na decisão do caso anterior e se, além disso, não
apresenta elementos, que estando ausentes no caso anterior, poderão justificar uma solução
diferente.
Por vezes a indagação sobre o critério de decisão levará o intérprete apenas a um princípio
jurídico, porque não será possível determinar suficientemente uma previsão e uma
estatuição.
Quando perante o sentido literal e o contexto significativo houver mais de uma interpretação
possível, parece legítimo que o intérprete atenda a critérios teleológico-objectivos. Com
efeito, o tribunal está vinculado aos valores e princípios da ordem jurídica e, por
conseguinte, eles devem ser tidos em conta na determinação do sentido normativo da
decisão, mesmo que a fundamentação da decisão não o evidencie.
151
Introdução ao Estudo do Direito II 152
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Artigo 11CC
152
Introdução ao Estudo do Direito II 153
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A lacuna existe quando se verifica a ausência de uma regra jurídica para reger certa
matéria, que deve ser prevista e regulada pelo Direito. Se considerarmos o sistema
jurídico como um puzzle, a lacuna será a ausência de uma peça desse puzzle. Devem
verificar-se dois requisitos:
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Introdução ao Estudo do Direito II 154
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O ordenamento jurídico é lacunoso por natureza, pelo facto das suas fontes não
conseguirem abranger todas as situações hipotéticas. Destacam-se as seguintes razões:
Numa primeira aproximação podemos dizer que temos uma lacuna quando não
encontramos, através da interpretação das proposições jurídicas vigentes,
mormente a lei e o costume, uma regra diretamente aplicável a um caso carecido
de regulação jurídica.
Há desde logo uma lacuna quando uma situação da vida carecida de regulação
jurídica não cabe no sentido literal possível de qualquer proposição jurídica
completa.
Por outro lado, pode suceder que uma situação seja abrangida pelo sentido
literal possível de uma proposição jurídica, mas que os critérios teleológicos de
interpretação nos levem a concluir que, afinal, a situação não é reconduzível à
previsão da regra.
154
Introdução ao Estudo do Direito II 155
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Segundo o entendimento corrente entre nós uma proposição jurídica ainda é diretamente
aplicável a uma situação quando esta não cabe na letra da lei mas está compreendida no
seu espírito. Seria uma caso de interpretação extensiva.
Só haveria lacuna quando a situação não fosse compreendida nem pela letra
nem pelo espírito da lei.
✓ Desde logo o proíbe o art. 8.º/1 CC, segundo o qual “O tribunal não pode
abster-se de julgar, invocando a falta ou obscuridade da lei ou alegando
dúvida insanável acerca dos factos em litígio”.
✓ No mesmo sentido dispõe o art. 3.º/2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei
n.º 21/85, de 30/7).
✓ A denegação de justiça constitui mesmo um crime, tipificado no art. 369.º/1 CP.
✓ Este dever de integrar a lacuna também tem um fundamento constitucional.
Não há lacuna sempre que falta uma proposição normativa aplicável. Só há lacuna
se a situação não prevista carece de regulação jurídica.
Ora, a maior parte das situações da vida não é prevista nem regulada pelo Direito.
Por exemplo, se alguém se queixa de que o vizinho não o cumprimenta quando se cruza
com ele na rua, parece claro que esta situação não tem relevância jurídica.
A fronteira entre as situações carecidas de regulação jurídica e situações que o não são
nem sempre é fácil de traçar.
155
Introdução ao Estudo do Direito II 156
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Isto sucede designadamente naqueles casos em que a moral impõe uma conduta ou
confere um direito. A este respeito há também que ter em conta os traços
distintivos relativamente à delimitação entre ordem jurídica e moral. Mas a
mera descrição destes traços não resolve todos os problemas, porque há uma
importante área de sobreposição da moral e do Direito.
Noutros casos ainda, a situação não é abrangida quer por regras jurídicas quer
por regras extrajurídicas, sem que seja evidente que se trata de uma situação
extramuros da ordem jurídica. Nestes casos difíceis saber se uma situação carece de
regulação jurídica é uma questão de valoração. Os critérios para esta valoração
têm de se encontrar no Direito vigente. Importa averiguar se os valores da ordem
jurídica justificam uma regulação vinculativa no caso.
▪ A resposta deve ser afirmativa quando se verifica que a situação é
abrangida pela ideia orientadora que está subjacente a determinado
complexo normativo. A este respeito fala-se, por vezes, de uma “falha no
plano do legislador”.
▪ Claro é que não há lacuna quando o legislador, conscientemente, não
regulou uma determinada situação, ou não consagrou um
determinado instituto jurídico, por entender que a situação não
carece de regulação jurídica ou por não querer dar acolhimento a
determinado instituto. Se a falha é “conforme ao plano” não há uma
lacuna.
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Introdução ao Estudo do Direito II 157
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
valores. É questionado se, aqui, ainda há uma lacuna que o órgão de aplicação pode
(e deve) integrar ou se apenas será possível tutelar juridicamente esta situação
através de um processo de “aperfeiçoamento do Direito para além da lei”.
Por seu turno, há uma lacuna oculta quando uma situação é abrangida pelo
sentido literal possível de uma proposição jurídico-normativa, mas por força de
uma interpretação restritiva, de uma interpretação ab-rogante ou de uma
redução teleológica vem a concluir-se que, em última análise, tal proposição
jurídica lhe não é aplicável. Naturalmente que nem toda a interpretação restritiva
ou redução teleológica conduz à revelação de uma lacuna oculta.
157
Introdução ao Estudo do Direito II 158
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Mas não estará isto em contradição com o art. 9.º/2 CC quando dispõe que não pode
ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei
um mínimo de correspondência verbal?
158
Introdução ao Estudo do Direito II 159
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Integração De Lacunas
O órgão de aplicação tem o dever de integrar a lacuna. Também se fala, por vezes,
em “suprir” ou em “colmatar” a lacuna. Integrar a lacuna é obter a solução jurídica
do caso. Para o órgão de aplicação, designadamente para o tribunal, isto significa
achar o critério de decisão do caso que lhe é submetido. Claro que o problema da
disciplina jurídica de uma situação que não se encontra diretamente regulada também se
pode colocar independentemente de qualquer processo jurisdicional, e, mesmo,
independentemente de qualquer litígio.
159
Introdução ao Estudo do Direito II 160
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
No entanto, oferece dúvida que se possa falar aqui de lacuna. Não se trata de uma
“falha no plano do legislador” mas da atribuição, pela lei, de um poder de
determinação de consequências jurídicas cujo exercício não está submetido a
regras. Por outras palavras, parece tratar-se de um processo de solução de casos por
via não normativa, e não de um processo de integração de lacunas.
O legislador do Código Civil de 1966 determinou que, “Na falta de caso análogo, a
situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de
legislar dentro do espírito do sistema” (art. 10.º/3).
Não quer isto dizer, porém, que os processos de integração de lacunas correspondam a
modelos inteiramente intrassistemáticos de decisão e que as soluções a que cheguem
constituam normas jurídico-positivas, que possam desempenhar plenamente uma função
orientadora de condutas.
Enfim, quando a situação tiver de ser resolvida “segundo a norma que o próprio
intérprete criaria”, o tribunal tem de formular um critério de decisão sob a forma
160
Introdução ao Estudo do Direito II 161
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
de uma proposição jurídica geral e abstrata, mas parece claro que não se trata de
uma proposição jurídico-positiva, que o mesmo tribunal ou outros tribunais
estejam vinculados a aplicar na decisão de casos futuros. Portanto, neste caso a
decisão também não se baseia num critério normativo.
Claro que a solução pode vir a ser positivada, pela lei ou pelo costume. Só então
os sujeitos dispõem de um critério de conduta seguro por onde se podem orientar.
Mas nesse momento deixará de haver lacuna, porque se terá criado uma norma
diretamente aplicável ao caso.
Por outro lado, na opinião do professor Lima Pinheiro, nem todos os processos de
integração previstos no art. 10.º CC podem ser considerados intrassistemáticos.
É o que determina o art. 10.º/1 CC: “Os casos que a lei não preveja são regulados
segundo a norma aplicável aos casos análogos”.
161
Introdução ao Estudo do Direito II 162
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O n.º 2 do mesmo artigo procura dar uma resposta a esta questão: “Há analogia sempre
que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso
previsto na lei”.
Por outras palavras, os casos são análogos quando devem ser valorados da mesma
forma, quando a valoração jurídica do caso regulado por uma norma também se
justifica em relação ao caso omisso.
▪ Por exemplo, quando surgiu o transporte aéreo, e enquanto este não foi objeto
de regulação legal, colocou-se a questão de saber se seriam aplicáveis
analogicamente as normas reguladoras do transporte marítimo.
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Introdução ao Estudo do Direito II 163
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Uma vez que a valoração subjacente à regra se justifica para o caso omisso, pode dizer-
se que o caso regulado pela regra é um caso análogo, e, assim, reconduzir os
argumentos a minori ad maius e a maiori ad minus à analogia.
Em segundo lugar, decorre do art. 29.º CRP e do art. 1.º/3 CP, que não são
aplicáveis por analogia as normas que qualificam um facto como crime,
definem um estado de perigosidade ou determinam a pena ou medida de
segurança que lhes corresponde. .
Também neste caso, segundo o entendimento dominante, a dita interpretação
extensiva, nos termos em que é tradicionalmente entendida entre nós, se
encontra excluída. Neste sentido pode aliás invocar-se o art. 29.º/3 CRP, segundo o
qual “Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança que não estejam
expressamente cominadas em lei anterior”. Isto é justificado pelo princípio da
legalidade, que exprime as especiais exigências de segurança jurídica e certeza
do Direito objetivo, que aqui estão colocadas, e pela proteção dos direitos
fundamentais que estão em jogo.
Como assinala Oliveira Ascensão, surgem casos que apresentam mais semelhanças
com os regulados de modo excecional que com os constantes de regra geral.
Importa então examinar se a valoração feita pelo legislador relativamente aos casos
regulados pela regra excecional se justifica também para outros casos e aí será
interpretação extensiva e não aplicação anológica.
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Introdução ao Estudo do Direito II 164
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Por exemplo, mesmo que a venda de certos bens móveis, pelo seu
elevadíssimo preço, justificasse a aplicação das exigências de forma
estabelecidas para a venda de imóveis, parece claramente contrário à
intenção do legislador que se viesse subtrair o caso à norma geral do art.
219.º CC para lhe aplicar analogicamente a regra do art. 875.º CC.
Este modo de ver as coisas é compatível com o disposto no art. 11.º CC. Com efeito,
a aplicação da regra excecional a casos que estão abrangidos pela intenção
regulativa que lhe está subjacente mas não pelo seu sentido literal possível cabe
naquilo que segundo a doutrina corrente entre nós constitui uma “interpretação
extensiva”.
Refira-se ainda que por força do art. 11.º/4 da Lei Geral Tributária, as “lacunas
resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da
República não são susceptíveis de integração analógica”. Os casos anteriormente
examinados dizem respeito à proibição da analogia com respeito a categorias de
normas ou ramos do Direito. Esta proibição tem, em princípio, o sentido de
excluir a existência de uma lacuna que o intérprete possa integrar, seja com
recurso com a analogia, seja com recurso a princípios jurídicos ou a uma regra
hipotética.
Tipologias:
Exemplificativa;
Taxativa;
Delimitativa.
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Introdução ao Estudo do Direito II 165
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Perante uma lacuna, quando não se encontre uma norma aplicável a um caso análogo, o
art. 10.º CC manda resolver a situação “segundo a norma que o próprio intérprete
criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema”.
Já oferece dúvida que este processo possa ser visto como uma modalidade de analogia.
Estas dúvidas relacionam-se com a distinção entre a analogia legis e analogia iuris.
Para precisar melhor a distinção entre a analogia dita legis e o recurso a princípios
jurídicos terá utilidade recordar a caracterização dos princípios jurídicos anteriormente
feita.
165
Introdução ao Estudo do Direito II 166
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
âmbito da sua previsão, mesmo que não sejam abrangidos pelas normas
singulares. O problema está em que o intérprete procede neste caso a uma
generalização que não está contida no sentido literal possível das proposições
jurídicas singulares. O que permite encarar este processo de abstração e
generalização como um processo de integração de lacunas.
Haverá aqui um raciocínio de analogia? É certo que para se formular a “regra geral”
não basta um processo lógico-formal. Há que partir da ratio legis de cada uma das
normas singulares para chegar à ratio, mais ampla, da “regra geral”. Poderá então
verificar-se que esta ratio abrange situações que não são abrangidas por qualquer das
normas singulares.
Não choca, por conseguinte, que se fale a este respeito de uma analogia de Direito
ou global. Mas não é menos certo que o momento decisivo, neste processo, reside na
passagem das regras singulares à “regra geral”. É mais uma generalização que uma
comparação entre casos de um ponto de vista valorativo.
Perante um caso omisso eles constituem uma diretriz que aponta o sentido em que a
solução deve ser encontrada. Por conseguinte, o recurso aos princípios jurídicos é
também um processo de integração de lacunas.
O que conta é antes que o caso omisso diga respeito a um domínio jurídico em que
vigore o princípio jurídico em causa.
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Introdução ao Estudo do Direito II 167
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O art. 10.º CC não refere o recurso aos princípios jurídicos como processo de
integração de lacunas. Mas não se deve retirar daí a inadmissibilidade deste
processo de integração.
Embora ambas as soluções caibam na letra do n.º 3 do art. 10.º, não é a mesma coisa
integrar a lacuna com recurso a um princípio jurídico vigente, que é um critério de
decisão que vincula o intérprete, e segundo um critério de decisão criado pelo
intérprete, sem que o sistema forneça uma diretriz de solução.
De todo o modo, observe-se que a formulação adotada pelo legislador no art. 10.º tem
por consequência que o intérprete, quando recorra a um princípio jurídico, não
pode limitar-se a fundamentar a solução do caso concreto no princípio. O intérprete
tem de enunciar sob a forma de uma proposição jurídica determinada – que
constituirá então uma concretização do princípio jurídico –, o critério de decisão
do caso.
Se não for possível encontrar uma norma aplicável a um caso análogo, nem obter, por
generalização de soluções particulares, uma “regra geral” que abranja o caso, nem
sequer dispor de um princípio jurídico vigente que constitua uma diretriz para a
solução do caso, resta ao intérprete criar, ele próprio, o critério de decisão do caso.
Daí também que pareça mais próximo da realidade afirmar que a solução é
compatível com o sistema do que conforme ao sistema.
Também já foi por várias vezes sublinhado que o intérprete tem de formular o
critério de decisão sob a forma de uma proposição geral e abstrata determinada,
de uma regra, que seja suscetível de ser seguida em casos semelhantes.
167
Introdução ao Estudo do Direito II 168
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Mas, em última análise, o que está em causa não é a integração da lacuna, mas a
sua própria determinação. Só há lacuna se não houver uma regra diretamente
aplicável e tal representar uma “falha contrária ao plano”.
A resposta é afirmativa. Em certas situações muito raras a integração da lacuna pode ser
impedida por aquilo que se designa por obstáculo técnico insuperável.
Os Processos de Integração
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Introdução ao Estudo do Direito II 169
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Analogia Legis
A analogia legis está prevista no artigo 10/1 CC e verifica-se quando o Direito não
prevê e os casos são regulados segundo a norma aplicável aos “casos análogos”. Os
casos análogos pressupõem a existência de dois requisitos:
169
Introdução ao Estudo do Direito II 170
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Ou seja:
Para haver analogia não basta que o facto Y seja semelhante ao facto X, mas
deve-se também olhar para a justificação do regime que se define para este
ultimo (a ratio legis da lei A) e depois ponderar se essa mesma razão vale para
o primeiro (facto Y), só quando existe esta identidade de razoes legais é que
procedem as mesmas razoes justificativas, e se pode dizer que existe analogia.
A analogia pode ter como base qualquer regra, seja ela legal ou consuetudinária.
Oliveira Ascensão faz uma interpretação restritiva do artigo 11º CC e considera que a
regra excepcional aqui prevista não se basta com mera contradição de outra regra
(exceção formal, que depende apenas da técnica legislativa utilizada), mas exige um
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Introdução ao Estudo do Direito II 171
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
suporte mais sólido, isto é, que exista uma contradição com um dos princípios gerais
subjacentes às diferentes áreas do Direito, de molde a que se crie um verdadeiro ius
singulare (exceção material). Oliveira Ascensão pensa que este modo de determinação,
que atende à materialidade da norma, é o mais conforme com o sentido doa artigo 11º,
dado não depender exclusivamente da técnica legislativa utilizada.
Tem-se duas regras com o mesmo significado mas cuja a identificação da regra e da
exceção varia devido à diferente técnica legislativa utilizada, não podendo, por estes
motivos, ser esta excepcionalidade que se pretende proibir no artigo 11º.
Para se excluir a analogia deve-se criar um verdadeiro ius singulare, que se verifica
quando a disciplina do caso vem contrariar um principio jurídico geral, por exemplo
o artigo 875ºCC que vem contrariar o 219ºCC.
171
Introdução ao Estudo do Direito II 172
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Capítulo X
Aplicação da Lei no Tempo
▪
Identificação do Problema
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Introdução ao Estudo do Direito II 173
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Em princípio, os factos são valorados juridicamente pela norma que está em vigor no
momento da sua ocorrência. No entanto, pode colocar-se a questão de saber se uma lei
nova é aplicável a factos ocorridos na vigência da lei anterior, ou, por outras palavras, se
é de aplicação retroativa. Os problemas relativos á aplicação da lei no tempo decorrem
da sucessão de leis para regular a mesma realidade. Em conformidade com o exemplo
dado pelo Professor Doutor Luís Lima Pinheiro, temos o sujeito A que pratica um ato
que constitui um crime no momento da sua prática. Antes do julgamento, entra em vigor
uma nova lei que descriminaliza o ato. A deverá ser condenado á pena prevista na lei
antiga? Ou beneficiará da aplicação da lei nova?
A primeira, que diz respeito ás situações não conclusas, é a de factos que apenas
preencheram parcialmente uma previsão normativa de realização continuada ou
formação sucessiva da lei antiga, quando tal espécie de factos desencadeie um efeito
jurídico idêntico ou semelhante perante a lei nova. Por exemplo, há uma sucessão de
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Introdução ao Estudo do Direito II 174
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A segunda hipótese diz respeito ás situações em curso. Estas são situações que se tendo
constituído durante a vigência da norma antiga (e que por isso são situações conclusas)
ainda não esgotaram a produção dos seus efeitos no momento da entrada em vigor da lei
nova. Por exemplo, A e B casaram na vigência de um determinado Código Civil, sem
celebrarem convenção antenupcial (sem estipularem o regime de bens do casamento).
Mais tarde entra em vigor um novo Código Civil que altera o regime dos deveres
pessoais dos cônjuges e estabelece um regime de bens supletivo diferente. Pergunta-se:
com a entrada em vigor do novo Código Civil os deveres pessoais dos cônjuges passam
a ser por ele regidos ou continuam submetidos ao CC anterior? E o regime de bens
mantém-se ou é alterado?
Temos aqui uma situação jurídica que se constituiu na vigência da lei antiga e que se
transmitiu para a vigência da lei nova. Em esquema:
LA LN
SJ
Segundo o Professor Doutor Miguel Teixeira de Sousa, uma solução possível para
resolver o problema da sucessão das leis no tempo é entender que as situações jurídicas
constituídas antes do inicio de vigência da lei nova continuam a ser regidas pela lei
antiga. Se assim suceder, então há que concluir que as fontes aplicáveis na decisão de
casos concretos não coincidem necessariamente com as fontes vigentes num sistema
jurídico, dado que podem ser aplicadas fontes que já não vigoram nesse sistema. Como
as fontes aplicáveis podem ser distintas das fontes vigentes, pode concluir-se que o
tempo de aplicabilidade das fontes nem sempre coincide com o seu tempo de vigência.
Para responder ás questões que foram sendo colocadas nos exemplos é necessário
determinar se um facto ou um aspeto de uma situação são regulados pela lei nova ou
pela lei antiga. A resolução dos conflitos de leis no tempo orienta-se pelos princípios da
não retroatividade da lei nova e da aplicação imediata da lei nova.
A não retroatividade da lei nova traduz-se, no facto, de que a lei nova não se aplica a
factos passados, isto é, a factos que ocorreram antes da entrada em vigor da lei nova; e
também não se aplica a factos passados, isto é, a factos que ocorreram antes da entrada
em vigor da lei nova.
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Introdução ao Estudo do Direito II 175
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
vigência; a aplicação da lei nova a todos os factos jurídicos, que se tenham iniciado na
vigência da lei antiga e que ainda estejam em curso no inicio de vigência da lei nova; a
aplicação da lei nova a todas as situações jurídicas, que se tenham constituído na
vigência da lei antiga e que não se tenham extinguido antes da vigência da lei nova.
Designa-se por Direito Intertemporal ou transitório, segundo o Prof. Dr. Luís Lima
Pinheiro, o conjunto das normas e princípios que regulam a aplicação da lei no tempo,
isto é, que determinam se um facto, uma situação ou um aspeto de uma situação são
regulados pela lei nova ou pela lei antiga.
Para o Prof. Dr. Oliveira Ascensão, pode a lei fixar, casuisticamente, a solução das
hipóteses que se coloquem na fronteira entre uma lei e outra lei. Se assim o faz, temos o
chamado direito transitório.
Para o Prof. Dr. Miguel Teixeira de Sousa, o direito transitório (ou direito
intertemporal) resolve os problemas suscitados pelos conflitos de leis no tempo.
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Introdução ao Estudo do Direito II 176
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
que for concretamente mais favorável ao agente (artigo 29º nº4 2ªparte CRP; art. 2 nº4
CP); no Direito Processual, vigora a regra de que a lei nova é de aplicação imediata, ou
seja, vale a regra da aplicação imediata da lei relativa á forma dos atos (art. 142º nº1
CPC) e aos requisitos de exequibilidade dos títulos executivos (art.46º CPC). Claro que
estas regras são especiais relativamente ás que constam do art.12º CC, limitando a
aplicação destas regras. Mas continuam a ser gerais relativamente ás normas sobre a
aplicação no tempo de uma determinada lei ou regra legal.
Na maior parte dos casos as regras de conflitos especiais representam aplicações das
regras gerais a situações em que a sua atuação não poderia suscitar algumas dúvidas. O
legislador tratou então de concretizar a regra geral, por forma a evitar tais dúvidas.
Por exemplo, o art. 20º do DL nº47344, sobre os filhos adulterinos, determina que os
“assentos secretos de perfilhação de filhos adulterinos, validamente lavrados ao abrigo
da legislação vigente, tornar-se-ão públicos mediante averbamento oficioso sempre que
sejam passadas certidões do respetivo registo de nascimento”. Esta norma não aplica a
lei nova, que estabelece que estes assentos são públicos, nem a lei antiga, que estabelece
que são secretos. Estabelece uma solução especial.
As regras materiais especiais de Direito Intertemporal são pouco frequentes. Mas já são
mais frequentes as regras de conflitos de leis no tempo que favorecem determinados
resultados materiais, designadamente mediante a aplicação da lei mais favorável ou
menos favorável à produção de um efeito jurídico.
Assim, o art. 2º do CP, após estabelecer que as “penas e medidas de segurança são
determinadas pela lei vigente no momento da pratica do facto ou do preenchimento dos
176
Introdução ao Estudo do Direito II 177
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
pressupostos de que dependem” (nº1), determina que “o facto punível segundo a lei
vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma lei nova o eliminar do numero
das infrações” (nº2). O que aliás está em conformidade com o comando constitucional
contido no art. 29º/4 CRP, segundo o qual se aplicam retroativamente as leis penais de
conteúdo mais favorável ao arguido.
Daqui decorre que, em princípio, os factos são valorados juridicamente segundo a lei
em vigor no momento da sua ocorrência e que a nova lei não atinge os efeitos jurídicos
já produzidos segundo a lei antiga. Esta ideia constitui o núcleo de sentido do princípio
da irretroatividade.
Estas limitações podem ser justificadas quer por valores jurídicos materiais que se
coloquem como particular premência em certos domínios quer pela necessidade
imperiosa de fazer face a situações determinadas, como sucede por vezes com as atrás
referidas leis-medida.
Na retroatividade extrema a lei nova é aplicada aos factos ocorridos antes da sua entrada
em vigor, sem quaisquer limites, e, portanto, também sem respeitar o caso julgado, i.e.,
os efeitos de uma decisão jurisdicional que não é suscetível de um recurso ordinário.
177
Introdução ao Estudo do Direito II 178
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Na retroatividade quase extrema o único limite à aplicação da lei nova aos factos
ocorridos antes da sua entrada em vigor é o caso julgado. Por conseguinte, a lei nova
também se aplica às situações que se constituíram e extinguiram ao abrigo de uma lei
antiga. Por exemplo, uma lei que viesse reduzir a taxa legal de juro máximo e
estabelecesse a sua aplicação a contratos, não só celebrados antes da sua entrada em
vigor, mas também executados anteriormente, desencadeando por isso a obrigação de
restituir os juros vencidos e pagos sob a lei antiga.
Parece óbvio que, em certos domínios, as leis novas, embora respeitem, em princípio, as
situações validamente constituídas segundo a lei antiga, tendem a ser aplicáveis ao seu
conteúdo. Sem prejuízo de uma diferenciação conforme o domínio jurídico em causa,
tende-se assim a distinguir entre a constituição da situação e o seu conteúdo.
Quando a lei nova extingue diretamente a situação criada ao abrigo da lei antiga, não
estamos, em minha opinião, perante um caso de aplicação retroativa da lei nova, mas de
regulação direta (ou material) de um efeito jurídico produzido por um facto ocorrido na
vigência da lei antiga e perante esta lei.
Esta aplicação direta da lei nova contende a meu ver com o princípio da continuidade
das situações jurídicas, adiante examinado, e não com o princípio da irretroatividade.
Disse-se que o princípio da irretroatividade admite limitações. Mas estas limitações não
são permitidas em certos domínios em que a Constituição proíbe a retroatividade.
178
Introdução ao Estudo do Direito II 179
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Em primeiro lugar, o art. 18.º/3 CRP proíbe a retroatividade das leis restritivas de
direitos, liberdades e garantias.
Segundo o n.º 1 do art. 29.º CRP “Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão
em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida
de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior”.
A lei sobre a competência dos tribunais em matéria criminal também não pode ser
retroativa, visto que nenhuma “causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência
esteja fixada em lei anterior” (art. 32.º/9 CRP).
A jurisprudência constitucional tem ido mais longe, entendendo que certas leis, que
apresentam um grau inferior de retroatividade, são inconstitucionais.
179
Introdução ao Estudo do Direito II 180
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
E considerou que “os dois critérios enunciados (…) são, no fundo, reconduzíveis a
quatro diferentes requisitos ou ‘testes’. Para que haja lugar à tutela jurídico-
constitucional da ‘confiança’ é necessário que:
os privados devem ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade
do ‘comportamento’ estadual;
180
Introdução ao Estudo do Direito II 181
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Não se trata, aqui, em rigor de um limite à retroatividade da lei, mas de uma tutela da
confiança na estabilidade do regime jurídico aplicável, que, em parte, constitui um
limite à aplicação imediata da lei nova às situações em curso e se relaciona com o
princípio da continuidade das situações jurídicas, examinado em seguida. Para além
disto, não se encontram ainda claramente definidos os contornos de um limite
constitucional genérico à retroatividade de certas leis, e o ponto suscita certa
controvérsia na doutrina.
Este princípio evoca, naturalmente, a teoria dos direitos adquiridos, que é uma das
teorias clássicas em matéria de aplicação da lei no tempo.
Esta teoria, já formulada na Idade Média, foi desenvolvida por autores como SAVIGNY
e GABBA.
Segundo esta teoria, a lei nova tem de respeitar os direitos validamente adquiridos à
sombra da lei antiga. Já não se impõe o respeito das simples expectativas.
Segundo esta teoria, a lei nova tem de respeitar os direitos validamente adquiridos à
sombra da lei antiga. Já não se impõe o respeito das simples expectativas.
Esta teoria foi entretanto objeto de larga crítica, que incidiu designadamente, na
dificuldade em delimitar o conceito de “direito adquirido” e na insuficiência da teoria
quanto aos efeitos dos direitos adquiridos
Não se trata agora, como na teoria dos direitos adquiridos, de formular uma proposição
geral da qual se pretendem deduzir todas as soluções sobre a aplicação na lei do tempo.
É apenas um aspeto do problema – o do efeito da sucessão de leis sobre a continuidade
das situações em curso – que é contemplado pelo princípio.
181
Introdução ao Estudo do Direito II 182
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
que, conforme ilustra a jurisprudência constitucional, pode ser visto como uma
concretização do princípio do Estado de Direito.
Neste sentido parece apontar a jurisprudência constitucional portuguesa nos termos atrás
referidos.
O princípio da continuidade das situações jurídicas tem, a meu ver, natureza material.
Por certo ele estabelece um nexo íntimo com o princípio da irretroatividade, que, como
vimos, tem natureza conflitual. O princípio da continuidade das situações jurídicas
pressupõe, em primeiro lugar, a exclusiva aplicação, à constituição de situações
jurídicas, da lei em vigor no momento da ocorrência dos factos constitutivos.
Segundo esta teoria retroagir é agir sobre o passado; e como o passado se consubstancia
em factos é agir sobre factos passados.
A retroatividade da lei não pode significar uma alteração do passado. Por conseguinte,
quando se fala em agir sobre o passado, trata-se de aplicar a lei nova a factos passados.
A irretroatividade significa pois que aos factos passados se aplica a lei antiga e aos
factos novos a lei nova.
Claro que a teoria do facto passado, quando formulada com esta singeleza, não resolve
todos os problemas. Os factos de que aqui se trata são factos jurídicos, i.e., factos a que
a lei associa efeitos jurídicos. O problema do âmbito de aplicação da lei no tempo
subsiste relativamente aos efeitos jurídicos.
Mas a teoria do facto passado traz consigo um avanço importante relativamente à teoria
dos direitos adquiridos.
182
Introdução ao Estudo do Direito II 183
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O art. 12.º CC consagra esta combinação da teoria do facto passado com o princípio da
aplicação imediata da lei nova às situações em curso, na formulação que lhe foi dada
por ENNECCERUS/NIPPERDEY.
Segundo esta doutrina, há que distinguir duas questões diferentes: aquilo que uma lei
prescreve sobre a sua aplicação no tempo e, em caso de dúvida, qual o âmbito de
aplicação no tempo que lhe deve ser atribuído. Isto significa que, na falta de declaração
expressa do legislador, a delimitação do âmbito recíproco de aplicação no tempo da lei
antiga e da lei nova é vista como um problema de interpretação da lei nova. O texto do
art. 12.º exprime claramente este enfoque interpretativo, ao formular as regras que
constam da 2.ª parte do n.º 1 e do n.º 2 como regras interpretativas, mediante a
referência a uma “presunção”, no n.º 1, e mediante a utilização da expressão “em caso
de dúvida”, no n.º 2.
A lei nova pode atribuir a si própria força retroativa. Isto é expressamente previsto pelo
art. 12.º/1/2.ª parte CC.
Por exemplo, uma lei que proíbe certas cláusulas pode declarar-se aplicável aos
contratos celebrados antes da sua entrada em vigor.
183
Introdução ao Estudo do Direito II 184
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Segundo este Direito de Conflitos geral, em caso de dúvida deve entender-se que a lei
não é retroativa. É o que decorre da intervenção do princípio da irretroatividade no
quadro dos critérios teleológico-objectivos de interpretação.
No que toca aos atos jurídicos isto encontra-se estabelecido expressamente no art.
12.º/2/1.ª parte. Com efeito, este preceito determina que “Quando a lei dispõe sobre as
condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus
efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”.
Por exemplo, a lei nova que venha fixar uma taxa de juro máxima inferior à até aí
praticada e se declara aplicável aos contratos anteriores, não atinge, salvo demonstração
em contrário, os juros já vencidos no passado.
Quando a lei não se atribui a si mesma força retroativa é ainda necessário determinar o
seu âmbito de aplicação com respeito às situações em curso. A este respeito distingue-se
conforme a lei dispõe sobre factos ou dispõe diretamente sobre o conteúdo de situações
jurídicas abstraindo dos factos que lhes deram origem.
Segundo o princípio da irretroatividade, entende-se que a lei que dispõe sobre factos ou
sobre os seus efeitos só é aplicável aos factos novos, i.e., que ocorram depois da sua
entrada em vigor. Já vimos que isto se encontra expressamente consagrado, com
respeito aos atos jurídicos, no art. 12.º/2/1.ª parte.
Assim, por exemplo, a lei que venha estabelecer o regime aplicável a um determinado
tipo de contrato, quando não atribua a si própria força retroativa, só é aplicável à
validade e aos efeitos dos contratos celebrados após a sua entrada em vigor.
Observe-se que a lei que dispõe sobre um ato jurídico pode regular só os seus
pressupostos e os seus requisitos de validade e eficácia, ou só os seus efeitos, ou ambos.
184
Introdução ao Estudo do Direito II 185
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A constituição destas situações continua a ser apreciada segundo a lei antiga, porque é
um efeito desencadeado por um facto que se produziu na vigência desta lei.
Mas como a lei nova é aplicável aos factos novos, se ocorrer um facto que seja, segundo
esta lei, transmissivo, modificativo ou extintivo, a situação jurídica transmite-se,
modifica-se ou extingue-se.
Assim, por exemplo, as normas que sejam aplicáveis aos requisitos de validade do
casamento, só se aplicarão, se outra coisa não resultar inequivocamente da própria lei,
aos casamentos celebrados depois da sua entrada em vigor.
Mas as normas sobre divórcio e separação aplicar-se-ão, sob a mesma condição, aos
casamentos celebrados antes da sua entrada em vigor (pelo menos quando os factos em
que se fundamenta o divórcio ou a separação ocorrerem depois da sua entrada em
vigor).
Voltemo-nos agora para os casos em que a lei dispõe diretamente sobre o conteúdo de
uma situação jurídica, abstraindo do facto que lhe deu origem.
Abrange, portanto, tanto o conteúdo das situações que se venham a constituir como o
das situações em curso. É o que resulta do princípio da aplicação imediata da lei nova às
situações em curso.
Neste sentido dispõe o art. 12.º/2/2.ª parte: “quando dispuser directamente sobre o
conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem,
entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data
da sua entrada em vigor”. Relações jurídicas é aqui empregue em sentido amplo, por
forma a abranger quaisquer situações jurídicas.
Por exemplo, se uma lei vem estabelecer certas normas sobre o conteúdo da propriedade
horizontal, é de entender, se outra coisa não resultar inequivocamente da própria lei, que
se aplica quer aos direitos de propriedade horizontal que se venham a constituir no
futuro, quer aos que já existam à data da entrada em vigor da lei.
A distinção entre as normas que dispõem sobre factos e normas que dispõem
diretamente sobre o conteúdo de situações jurídicas abstraindo dos factos que lhes
deram origem nem sempre se deixará traçar sem dificuldades.
Esta distinção não se deve traçar apenas em função do teor literal das proposições
jurídicas em causa. Haverá também que atender à matéria em causa.
185
Introdução ao Estudo do Direito II 186
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
De onde decorre que, se outra coisa não resultar inequivocamente da lei em causa, ela
só é aplicável aos direitos e obrigações gerados por contratos celebrados depois da sua
entrada em vigor.
De onde decorre que, se outra coisa não resultar inequivocamente da lei em causa, estas
normas são aplicáveis quer às situações que se constituam no futuro quer às situações
preexistentes (situações em curso).
Para traçar esta distinção pode ainda ser necessário atender a outras considerações, caso
a dúvida subsista. A ratio legis pode fornecer indicações relevantes a este respeito: a
prossecução pela nova lei de valores fundamentais de caráter ético, económico, etc.,
constitui um argumento a favor da sua aplicação às situações preexistentes. Outra
consideração a ter em conta, e que se pode relacionar com anterior, é a duração das
situações em causa: é de partir do princípio que o conteúdo das situações de longa
duração fica submetido à lei nova.
A distinção conforme a lei dispõe sobre factos ou dispõe diretamente sobre o conteúdo
de situações jurídicas abstraindo dos factos que lhes dão origem deve ser referida a
normas e complexos normativos e não a leis. A mesma lei pode conter normas e
complexos normativos de ambos os tipos. É o que se verifica com o Código Civil.
É ainda de observar que esta distinção tem por consequência, relativamente às situações
em curso, um fracionamento entre constituição e conteúdo. As normas sobre
constituição da situação, contidas na lei nova, só são em princípio aplicáveis às
situações futuras. Por isso a constituição das situações em curso continua ser apreciada
segundo a lei antiga. As normas que disponham diretamente sobre o conteúdo são
aplicáveis às situações em curso. Por isso o conteúdo da situação passa a ser definido
pela nova lei.
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Introdução ao Estudo do Direito II 187
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Poderão surgir algumas dificuldades no caso dos efeitos que pressupõem uma
pluralidade de factos distanciados no tempo. Vejamos alguns princípios de solução.
Quando um dos factos constitui o fundamento real do efeito jurídico e o outro facto
surge como mera condição ou termo, cuja verificação desencadeia o efeito jurídico, será
decisivo o momento da produção do primeiro.
Noutros casos, que são a regra, será em princípio aplicável a lei em vigor no momento
em que se completar o preenchimento da previsão normativa, i.e., em que se tiver
verificado o último dos factos pressupostos pela norma.
Assim, por exemplo, a sucessão hereditária será em princípio regida pela lei em vigor
no momento da morte e não pela lei em vigor no momento da constituição do vínculo
de parentesco.
Nos n.ºs 1 e 2 do art. 297.º CC encontramos regras sobre a aplicação no tempo das leis
que estabelecem prazos.
“1. A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na
lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se
conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte
menos tempo para o prazo se completar.
“2. A lei que fixar um prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já
estejam em curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu
momento inicial.”
O n.º 1 refere-se à hipótese de a lei nova encurtar o prazo. Nesta hipótese a lei nova
aplica-se aos prazos em curso, mas o novo prazo só se conta a partir do início da
vigência da nova lei.
Assim, por exemplo, se o prazo era de cinco anos, e depois de decorrido um ano entra
em vigor uma nova lei que estabelece um prazo de dois anos, contam-se dois anos a
partir da entrada em vigor da nova lei.
No entanto, quando o tempo que falta para se completar o prazo fixado pela lei antiga
for menos que o prazo fixado pela nova lei, aplica-se a lei antiga.
Assim, por exemplo, se o prazo era de cinco anos, e depois de decorridos quatro anos
entra em vigor uma nova lei que estabelece um prazo de dois anos, o prazo continua a
contar-se segundo a lei antiga..
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Introdução ao Estudo do Direito II 188
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
A hipótese de a nova lei alongar o prazo é contemplada pelo n.º 2. Nesta hipótese
determina-se a aplicação da lei nova, mas computando-se todo o tempo decorrido
durante a vigência da lei antiga.
Por exemplo, se o prazo fixado pela lei antiga era de dois anos, e quando havia
decorrido um ano entrou em vigor uma lei nova, que fixa o prazo em cinco anos, é este
o prazo que se aplica, mas, para o efeito, conta o ano já decorrido durante a vigência da
lei antiga.
Já decorre do exposto no número anterior que a teoria do facto passado tem sido
entendida no sentido de o momento relevante, para a aplicação da lei no tempo, ser
aquele em que se completa o preenchimento da previsão de realização continuada ou de
formação sucessiva. Só não é assim quando o facto posterior constitui uma mera
condição ou termo.
Em princípio, será aplicável a lei nova enquanto disponha diretamente sobre o conteúdo
da situação, abstraindo do facto constitutivo, mas a sua constituição continuará a ser
apreciada segundo a lei antiga. Há ainda que atender ao princípio da continuidade das
situações jurídicas.
Pode suceder que a lei nova não atribua relevância jurídica ao facto continuado ou de
produção sucessiva que em parte se verificou na vigência da lei antiga. Por exemplo, a
lei antiga previa a prescrição aquisitiva de um determinado direito, que a lei nova não
prevê. Se o direito não chegou a ser adquirido segundo a lei antiga também não pode ser
adquirido face à lei nova. O problema morre aí.
188
Introdução ao Estudo do Direito II 189
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
É mais frequente, porém, que a lei antiga e a lei nova atribuam relevância a factos da
mesma espécie. É o que se passa com uma sucessão de leis sobre prazos: o facto
decurso do tempo tanto releva perante a lei antiga como perante a lei nova. Coloca-se
então a questão de saber qual a relevância, perante a lei nova, da verificação parcial do
facto na vigência da lei antiga.
Nem a teoria do facto passado nem o princípio da continuidade das situações jurídicas
fornecem orientação para a resolução deste problema. Para a sua resolução afigura-se
antes decisiva a seguinte consideração: se tanto a lei antiga como a lei nova valoram
juridicamente o facto, e no mesmo sentido, negar relevância jurídica à verificação
parcial do facto durante a vigência da lei antiga constituiria uma contradição valorativa.
Em suma, as situações inconclusas também são relevantes, quando a lei nova liga um
efeito jurídico a factos continuados ou de produção sucessiva da mesma espécie dos
previstos pela lei anterior. Neste caso, os factos ou a parte do facto ocorridos na
vigência da lei anterior terão o valor que lhes for atribuído pela lei nova. Por outras
palavras, tudo se passará como se esses factos tivessem ocorrido na vigência da lei
nova.
No entanto, no caso de o prazo fixado pela lei nova ser mais curto há um desvio aos
princípios de solução expostos, porque o encurtamento do prazo poderia ter efeitos de
surpresa que são contrários à segurança jurídica. Por exemplo, mediante o encurtamento
de um prazo de prescrição (extintiva) um direito poderia ficar automaticamente
prescrito com a entrada em vigor da lei nova.
A ratio do art. 297.º/1 CC também abrange os casos em que a lei antiga não estabelecia
qualquer prazo e ele veio a ser estabelecido pela lei nova. Assim, por exemplo, no caso
de a lei nova vir estabelecer um prazo para o exercício do direito, que a lei antiga não
continha, o prazo só se deve contar a partir do início da vigência da lei nova
As mesmas soluções são aplicáveis quando a lei nova altera o momento a partir do qual
um prazo se começa a contar. Se o momento inicial é antecipado aplica-se o art. 297.º/1
CC. Se é retardado aplica-se o art. 297.º/2 CC.
Por exemplo, tendo o novo art. 122.º CC antecipado a maioridade para os 18 anos
completos, os prazos que deveriam contar-se a partir do momento da maioridade só se
computam a partir da entrada em vigor da nova lei.
Segundo BAPTISTA MACHADO, o art. 297.º não será aplicável aos prazos cujo
decurso não desencadeia, de per si, a produção de qualquer efeito jurídico, como será o
caso dos prazos pressupostos por presunção legais ou de que depende o exercício de
faculdades legais. Assim, por exemplo, a lei que encurta o tempo necessário para a
conversão da separação em divórcio, será aplicável imediatamente e sem mais.
189
Introdução ao Estudo do Direito II 190
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
O tempo decorrido ao abrigo da lei antiga releva segundo o autor como “facto
pressuposto” e não como facto constitutivo.
Leis Interpretativas
O art. 13.º CC/1 estabelece que “A lei interpretativa integra-se na lei interpretada,
ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por
sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos
de análoga natureza”.
Por integração da lei interpretativa na lei interpretada quer-se significar que a lei
interpretativa se aplica aos mesmos factos e situações que a lei interpretada. Tudo se
passa como se a lei interpretativa tivesse sido publicada na data em que o foi a lei
interpretada. Ao aplicar-se a factos que ocorreram antes da sua entrada em vigor ela vai
valorar condutas que se podem ter baseado noutra das interpretações possíveis.
É uma retroatividade agravada, por que só respeita, dos efeitos já produzidos pelos
factos passados, aqueles que tiverem um título que lhes dê especial reconhecimento.
190
Introdução ao Estudo do Direito II 191
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Nos restantes casos temos situações que se tornaram certas e pacíficas antes da entrada
em vigor da nova lei, já através de decisão judicial, já através de um acordo das partes
destinado a prevenir ou resolver um litígio.
É a esta luz que teremos de interpretar a expressão “actos de análoga natureza”. Serão
então de natureza análoga – como assinalam PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA e
BAPTISTA MACHADO – todos os atos que importem a definição ou reconhecimento
expresso do Direito, como é o caso da desistência – que é o abandono da pretensão, pelo
autor de uma ação – e da confissão do pedido – que é o reconhecimento, pelo réu, da
pretensão formulada pelo autor.
Para os referidos autores serão ainda de natureza análoga “de uma maneira geral, os
factos extintivos, tais como a compensação e a novação”. Aqui haverá que atender a
uma analogia com a extinção da obrigação pelo cumprimento. Esta analogia é de
afirmar relativamente a outros atos que constituem causas de extinção das obrigações,
como a compensação e a novação.
Mas já não é líquido que se possa afirmar a analogia relativamente a quaisquer factos
extintivos de situações jurídicas.
Sucede por vezes que o legislador qualifica como interpretativa uma lei que é
substancialmente inovadora. O sentido desta qualificação é, normalmente, o de atribuir
retroatividade agravada à lei em questão.
Embora esta prática seja criticável do ponto de vista de técnica legislativa, o intérprete
deve acatar a retroatividade da lei, contanto que esta seja constitucionalmente permitida
e não contrarie lei ordinária hierarquicamente superior.
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Introdução ao Estudo do Direito II 192
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
caráter interpretativo da lei. Assim, por exemplo, uma lei ordinária não pode, sob
pretexto de interpretação, vir alargar retroativamente o âmbito de aplicação de um tipo
de crime e muito menos criar retroativamente novos tipos de crime.
Enquanto as regras do art. 12.º CC estão formuladas como regras interpretativas, a regra
do art. 13.º/1 CC está formulada de modo precetivo, que poderia sugerir a vinculação do
próprio legislador. Mas isto não é inteiramente exato.
Parece-me que o legislador tanto pode estabelecer que a lei interpretativa não é
retroativa ou só é ordinariamente retroativa como, dentro dos limites constitucionais,
que a lei interpretativa tem retroatividade quase extrema. A regra do art. 13.º, enquanto
regra de conflitos geral, só será aplicável na falta de regra de conflitos especial.
De resto, uma vez que o art. 13.º é uma disposição ordinária, só se sobreporá às normas
sobre aplicação no tempo de fonte hierarquicamente inferior à lei formal.
Mas talvez se justifique uma posição mais cautelosa, que tenha em conta a grande
diversidade dos negócios jurídicos e, designadamente, o grau muito variável em que o
seu conteúdo é legalmente conformado.
Por outro lado, são frequentes as disposições de Direito Intertemporal segundo as quais
um ato inválido à face da lei antiga só poderá ser anulado ou declarado nulo se não
satisfizer os requisitos estabelecidos pela lei nova. Veja-se os arts. 13.º, 14.º e 22.º do
DL n.º 47344, que aprovou o Código Civil, relativos ao casamento, aos atos praticados
pelos cônjuges e aos testamentos, respetivamente.
Para BAPTISTA MACHADO, poderá ser possível salvar a validade do ato celebrado
durante a vigência da lei antiga, por aplicação da lei nova, mesmo que esta lei não
disponha expressamente nesse sentido. Seria no entanto de exigir que a interpretação da
lei nova como confirmativa tenha um mínimo de apoio no texto legal e que a sua
aplicação não prejudique o interesse de uma contraparte ou de terceiros.
192
Introdução ao Estudo do Direito II 193
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
É todavia possível que uma lei venha dispor diretamente sobre o conteúdo de relações
contratuais, abstraindo dos factos dos factos constitutivos. Por exemplo, uma lei que
proíba certas cláusulas contratuais; uma lei que venha alterar o regime do arrendamento
urbano.
Mas creio que, para chegar a esta conclusão, na falta de disposição de Direito
Transitório especial, o intérprete terá sempre de demonstrar que é intenção legislativa
atingir os contratos celebrados antes da entrada em vigor da lei.
Esta demonstração está naturalmente facilitada nos casos em que a lei incide sobre
relações contratuais, como o arrendamento urbano, que são de longa duração; ou em
que a lei prossiga em primeira linha fins de política económica, social, etc.
Nalguns casos esta aplicação da lei nova aos contratos em curso decorre
inequivocamente da ratio legis. Assim quando a lei nova tenha por objetivo reequilibrar
as relações contratuais que, em razão de perturbações políticas e sociais ou de
circunstâncias económicas imprevisíveis, viram a sua economia interna perturbada.
As normas sobre obrigações involuntárias são geralmente de entender como normas que
dispõem sobre factos. Por conseguinte, a responsabilidade extracontratual será regulada
pela lei vigente ao tempo da ocorrência do facto gerador de responsabilidade.
Por aplicação das regras gerais, atrás expostas, a lei nova que disponha sobre o conteúdo
do direito real é aplicável aos direitos reais adquiridos na vigência da lei antiga, mas a
aquisição continua a ser apreciada segundo a lei antiga.
193
Introdução ao Estudo do Direito II 194
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
As regras gerais sobre situações em curso aplicam-se também aos estados de família. O
estado de casado, adotado, etc., é um efeito produzido ao abrigo da lei em vigor no
momento da celebração do casamento ou da sentença de adoção. Portanto, a lei
posterior não atinge, salvo retroatividade, a constituição do estado. Mas a lei nova é
aplicável ao conteúdo do estado.
Assim, por exemplo, a lei que vem estabelecer requisitos de forma do casamento
diferentes dos formulados pela lei anterior só é aplicável aos casamentos doravante
celebrados. Mas as normas da lei nova relativas aos direitos e deveres dos cônjuges são
aplicáveis aos casamentos celebrados durante a vigência da lei antiga.
Todavia, a solução mais frequente, e que foi seguida pelo Direito Transitório especial
contido no diploma que aprovou o Código Civil (art. 15.º), é a de o conjunto das normas
sobre regime de bens da lei nova só ser aplicável aos regimes de bens fixados depois da
sua entrada em vigor.
Assim, se depois da abertura da sucessão, mas antes da partilha, surge uma lei que altera
as regras da sucessão legal, esta sucessão continua a reger-se pela lei em vigor ao tempo
da abertura da sucessão.
194
Introdução ao Estudo do Direito II 195
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
As normas sobre a formação e validade do testamento são normas que dispõem sobre
factos e, por conseguinte, salvo retroatividade, só seriam aplicáveis aos testamentos
feitos durante a sua vigência.
Sucede, porém, que o conteúdo do testamento diz respeito a efeitos que só se produzem
com a abertura da sucessão e, por isso, o testamento tem de ser substancialmente válido
perante a lei reguladora da sucessão.
Mas do art. 29.º/4 CRP também decorre a aplicação retroativa das leis penais de
conteúdo mais favorável ao arguido.
N.º 2: “O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser
se uma lei nova o eliminar do número de infracções; neste caso, e se tiver havido
condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos
penais”.
N.º 3: “Quando a lei valer para um determinado período de tempo, continua a ser
punível o facto praticado durante esse período”.
Neste caso a nova lei não descriminaliza, mas altera o regime legal aplicável. Aplica-se
também retroativamente a lei nova mais favorável.
195
Introdução ao Estudo do Direito II 196
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
Se olharmos aos factos processuais – e não aos factos relativos à relação material
controvertida –, podemos dizer que aquilo que se designa por aplicação imediata da lei
processual nova se reconduz, em princípio, à regra geral segundo a qual a lei dispõe
sobre os factos ocorridos durante a sua vigência.
Assim, quanto à forma dos atos processuais e do processo, dispõe o art. 136.º CPC:
“1 – A forma dos diversos actos processuais é regulada pela lei que vigore no momento
em que foram praticados.
“2 – A forma do processo aplicável determina-se pela lei vigente à data em que a acção
é proposta”.
A fixação da forma do processo pode ser vista como um efeito que é ligado ao facto
propositura da ação, pela lei vigente ao tempo da sua ocorrência.
Claro que nada disto prejudica as regras de conflitos especiais contidas na lei nova. É o
caso das regras contidas nos arts. 5.º a 7.º da L n.º 41/2013, de 26/6, que aprovou o novo
CPC.
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Introdução ao Estudo do Direito II 197
Daniel Vieira Lourenço – Turma B
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