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Radiação através de Meios Participantes

As condições de transferência de calor por radiação dentro de uma fornalha queimando combustível
é diferente da situação em que a troca de calor por radiação acontece entre duas superfícies, que
são os fenômenos mais comumente estudados. Isso ocorre porque a atmosfera dentro da fornalha,
pela composição dos gases ali presentes, constitui o que é chamado de meio participante, capaz de
emitir e absorver radiação. Ou seja, os gases de combustão no interior da câmara da fornalha,
produzidos pela queima do combustível, irão participar da transferência de calor por radiação. Na
realidade, a radiação acontecerá entre os gases em alta temperatura e as superfícies internas da
fornalha.

Essa condição não é a mais usualmente estudada na transferência de calor por radiação porque
gases formados por átomos individuais (como os gases nobres) e os gases formados por moléculas
diatômicas simétricas (como o oxigênio e o nitrogênio) são essencialmente invisíveis à radiação e
formam meios não participantes nas trocas de calor por radiação. Assim, em qualquer fenômeno de
radiação que aconteça em uma atmosfera normal (formada basicamente por nitrogênio e oxigênio)
será um fenômeno de radiação entre superfícies envoltas em um meio não participante. É o caso de
um forno elétrico, por exemplo.

De maneira diferente se comportam os gases que possuem concentrações significantes de vapor de


água, dióxido de carbono e monóxido de carbono, entre outros, pois esses gases têm a capacidade
de influenciar os processos de radiação. Em temperaturas elevadas, como aquelas encontradas em
câmaras de combustão, interferem nos mecanismos de absorção e de emissão de radiação,
tornando-se meios participantes. Em fornalhas ou câmaras de combustão, existe uma quantidade
significante de CO2 e H2O, fazendo com que os processos de emissão e absorção de radiação dos
gases tenham que ser levados em consideração (ÇENGEL; GHAJAR, 2012).

Para considerar esses processos, a transferência de calor por radiação entre os gases (meio
participante) e as superfícies internas de uma fornalha pode ser modelada através da equação 13.59
de Çengel e Ghajar (2012), que leva em consideração uma correção para a radiação refletida pela
superfície (eS) e também um fator de emissividade (eg) e de absortividade dos gases (ag).

ε s +1
A s σ ( ε g T g−α g T s )
4 4
Q̇ liq ,cinza =
2
Onde:

Q̇liq ,cinza é a transferência de líquida de calor por radiação para a superfície cinza (em W);
ε s é a emissividade da superfície interna da fornalha (superfície cinza);

A s é a área da superfície cinza (em m2);

σ é a constante de Stephan-Boltzmann, igual a 5,67.10-8 W/m2K4;


ε g é a emissividade da mistura de gases;

T g é a temperatura da mistura de gases (em K);

α g é a absortividade da mistura de gases;

T s é a temperatura da superfície cinza (em K);


A absortividade do vapor de água (H 2O) e do dióxido de carbono (CO 2) podem ser calculadas
utilizando as relações 13.55 e 13.56 de Çengel e Ghajar (2012), reproduzidas a seguir:
0 ,65
C O2 : α C =C c × ( T g /T s ) ×ε C (T s , Pc L T s /T g )

0 , 45
H 2 O: α w =C w × ( T g /T s ) × ε w (T s , P w L T s /T g)

Onde C c e C w são os fatores de correção para as emissividades do CO 2 e da água, que possuem valor
unitário para sistemas em que a pressão total é igual a 1 atm. Assim, as emissividades de cada gás
são funções da pressão parcial, do comprimento do feixe, além das temperaturas dos gases e da
superfície.

O comprimento do feixe de radiação é um parâmetro que precisa ser levado em consideração, pois a
transferência de calor por radiação através de um meio participante é um fenômeno volumétrico.
Não se trata apenas de um fenômeno onde uma superfície irradia calor para outra superfície. No
caso de um meio gasoso participante, cada molécula dispersa no volume total de gás contribui para a
radiação e o comprimento do feixe é uma medida equivalente ao raio de uma massa esférica de gás
que possui a mesma emissividade da geometria particular de interesse (INCROPERA et al., 2007).

Considerando uma forma arbitrária com volume V e área superficial A S, o comprimento do feixe é
dado pela equação a seguir, disponível na tabela 13.4 (ÇENGEL; GHAJAR, 2012).

Fonte: Çengel e Ghajar (2012)

Substituindo com os dados para uma fornalha de volume (15 m³) e área superficial (19,3 m²), temos:

V 15
L=3 , 6 ∙ =3 , 6 ∙ =2,798 m=9 , 18 ft
AS 19 , 3
Além disso, a concentração dos gases de combustão é conhecida, com o CO2 representando 10,64% e
o H2O representando 24,48% dos gases totais, conforme mostrado na imagem a seguir:

Tanto a absortividade como a emissividade de cada componente de uma mistura gasosa dependem
fundamentalmente da sua densidade que é, por sua vez, uma função da temperatura e da pressão
parcial do gás (ÇENGEL; GHAJAR, 2012). Por esta razão, é necessário utilizar os fatores de correção
C c e C w sempre que a pressão total do sistema for diferente de 1 atm. Com a fornalha operando a
uma pressão de 1 atm (C c =1 e C w =1) e de posse das composições dos gases de combustão, são
calculados os parâmetros que permitem encontrar as emissividades individuais dos componentes:

pw ∙ L=0,2448 ∙9 , 18=2,247 ft . atm

pc ∙ L=0,1064 ∙ 9 ,18=0,977 ft . atm

Com esses fatores, consultando o diagrama da Figura 13.36 (ÇENGEL; GHAJAR, 2012), encontramos
as emissividades individuais dos gases.

Diagrama 13.36: Emissividades dos gases H2O e CO2 em uma mistura de gases não participantes
Fonte: Çengel e Ghajar (2012)

Para a condição T g=1073 K ; pw ∙ L=2,247 ft . atm; pc ∙ L=0,977 ft . atm , a partir do diagrama


anterior é possível estimar:

ε w =0 , 30

ε c =0 , 08

Também é possível determinar o fator de correção da emissividade, a partir do diagrama da Figura


13.38 (ÇENGEL; GHAJAR, 2012):

Diagrama 13.38: Correção da emissividade (∆ ε )

Fonte: Çengel e Ghajar (2012)

De onde é possível estimar: ∆ ε=0 , 05 , para esse caso específico. O fator de correção da
emissividade é necessário porque a emissividade da mistura não é a simples soma das emissividades
individuais de seus componentes, pois as moléculas interagem entre si, existindo uma sobreposição
de bandas de radiação. Desta forma, para calcular a emissividade global da mistura de gases de
combustão, é utilizada a equação 13.53 (ÇENGEL; GHAJAR, 2012):

ε g=ε w +ε c −∆ ε

ε g=0 ,30+ 0 ,08−0 , 05=0 ,33

Para o cálculo das absortividades, é adotado um procedimento semelhante, mas nesse caso é
necessário adotar uma estimativa (ou medição) da temperatura de superfície no interior da fornalha.
Utilizando como estimativa inicial uma temperatura de superfície de 1000 K (727°C) nas paredes da
fornalha.

Ts 1000
pw L =2,247 =2,094 ft . atm
Tg 1073
Ts 1000
pc L =0,977 =0,910 ft . atm
Tg 1073
Com esses fatores, consultando novamente o diagrama da Figura 13.36 (ÇENGEL; GHAJAR, 2012),
encontramos as emissividades individuais dos gases e também a correção da emissividade, a partir
do diagrama da Figura 13.38 (ÇENGEL; GHAJAR, 2012), parâmetros esses que são utilizados para
cálculo da absortividade. Da leitura dos dois diagramas – já apresentados anteriormente – utilizando
os novos valores de interesse, encontra-se:

ε w =0 , 30

ε c =0 , 15

∆ α=∆ ε =0 , 04
As absortividades individuais do H2O e do CO2 são calculadas, substituindo os valores nas equações
13.55 e 13.56 de Çengel e Ghajar (2012), já apresentadas anteriormente:

( )
0 ,45

( )
0 , 45
Tg 1073
α w= ∙ εw= ∙ 0 ,30=0 , 31
Ts 1000

( )
0 ,65

( )
0 , 65
Tg 1073
α c= ∙ ε c= ∙ 0 ,15=0 , 16
Ts 1000

E a absortividade geral da mistura de gases é calculada pela equação 13.54 (ÇENGEL; GHAJAR, 2012),
também levando em conta o fator de correção da absortividade, para compensar a interação entre
as moléculas na mistura de gás:

α g =α w + α c −∆ α

α g =0 ,31+ 0 ,16−0 , 04=0 , 43

Substituindo os valores encontrados na equação 13.59, já apresentada, e adotando T s=1000 K e


ε s=0 , 9 (um valor típico para o revestimento interno de uma fornalha) tem-se o cálculo do calor
transmitido por radiação para as superfícies internas da fornalha de interesse:

ε s +1
σ ( ε g T g −α g T s )
4 4
Q̇liq ,cinza =
2
0 ,9+ 1
5 ,67 ∙ 10 ( 0 , 33 ∙ 1073 −0 , 43 ∙1000 )
−8 4 4
Q̇liq ,cinza =
2
Q̇liq ,cinza =400 , 45 W

Referências Bibliográficas:

ÇENGEL, Y.A.; GHAJAR, A.J. Transferência de calor e massa: uma abordagem prática. Porto Alegre:
AMGH, 2012.
INCROPERA, F.P.; DEWITT, D.P.; BERGMAN, T.L.; LAVINE, A.S. Fundamentals of heat and mass
transfer. New York: Wiley, 2007.

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