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PÓS-GRADUAÇÃO: FISIOTERAPIA HOSPITALAR COM ÊNFASE EM

TERAPIA INTENSIVA
MÓDULO: ASPECTOS PSICOLÓGICOS DO TRABALHO NA UTI
PROFESSORA: FERNANDA GOMES LOPES

FORTALEZA - CEARÁ
2022
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1 CARACTERIZAÇÃO DA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA (UTI)

A UTI é um espaço hospitalar direcionado a pacientes que necessitam de


cuidados intensivos e continuados 24h por dia, em decorrência de alguma
descompensação clínica ou cirúrgica. É reconhecido como um ambiente controlado,
de cuidado intensivo e constante, com alto nível de complexidade e desenvolvimento
tecnológico (NASCIMENTO; TRENTINI, 2004).
A Resolução nº 7, de 24 de fevereiro de 2010, do Ministério da Saúde,
define UTI como “área crítica destinada à internação de pacientes graves, que
requerem atenção profissional especializada de forma contínua, materiais
específicos e tecnologias necessárias ao diagnóstico, monitorização e terapia”.
Algumas características específicas dessa unidade são (NASCIMENTO;
TRENTINI, 2004):

● Intensa convivência entre profissionais e pacientes com situações de risco;


● Ênfase no conhecimento técnico-científico e foco nos aspectos biológicos;
● Rotinas rígidas e inflexíveis;
● Rapidez de ação no atendimento;
● Dependência da tecnologia, o que mobiliza sensação de desconforto e
impessoalidade;
● Falta de privacidade, dependência da tecnologia e isolamento social;
● Isolamento social;
● A morte como possibilidade constante;
● Ansiedade presente em pacientes, familiares e equipe de saúde.

Como demonstrado por Abrahão (2010, p.18) a UTI “(...) caracteriza-se


como uma unidade dotada de monitorização contínua que admite pacientes
potencialmente graves ou com descompensação de um ou mais sistemas
orgânicos”, através da utilização de tecnologias para o diagnóstico e tratamento por
profissionais especializados. Tem como objetivo principal salvar a vida ou melhorar o
estado funcional do paciente, podendo prolongar seu tempo de existência (SILVA et
al., 2013). Mas será que a atuação multiprofissional deve ser orientada apenas por
esse olhar?
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Esse foco na cura e recuperação teve início no século XX, com o avanço
tecnológico, quando os profissionais de saúde passaram a ser orientados a partir do
modelo biomédico (GALRIÇA NETO, 2010), que é organizado a partir da
especialização do saber, partindo de um olhar fragmentado e objetificado do
paciente, priorizando as práticas curativas em detrimento das práticas de cuidado
(CANO, 2014).
Observa-se, portanto, que a incorporação de tecnologias e conhecimentos
científicos viabilizou a redução de mortalidade de pacientes que antes não
sobreviviam (KNOBEL, 2008). Outrossim, os pacientes que não respondem ao
esperado tornam-se símbolo de impotência (MCCOUGHLAN, 2004), à medida que
as intervenções médicas se aperfeiçoam, mas não acompanhadas de reflexões
sobre o impacto dessa nova realidade na vida das pessoas (MORITZ et al., 2008).
À vista disso, as formações em saúde não disponibilizam capacitação
necessária à superação do modelo curativo, tendo como foco apenas a cura e
recuperação. Para atuação na UTI, os profissionais são formados visando adquirir
conhecimentos especializados e habilidades adicionais àquelas que adquirem em
suas formações de base, mas voltadas principalmente para aspectos técnicos. E,
portanto, ainda é incipiente a transmissão de conhecimentos associados a aspectos
emocionais e relacionais necessários ao trabalho com pacientes e familiares no
ambiente hospitalar (CANO, 2014; ESSLINGER, 2004).
Destaca-se, assim, a importância de um olhar holístico e cuidado integral,
impulsionando a interação entre uma atuação técnica e uso de tecnologias, com
uma assistência humanizada, que considere aspectos subjetivos e relacionais
(RODRIGUES et al, 2020).
Como demonstrado por Mondadori et al. (2016, p. 294), o trabalho do
fisioterapeuta não depende apenas de suas habilidades técnicas, mas também dos
aspectos relacionais, à medida que questões psicológicas e físicas estão
interligadas, tal como apresentado a seguir:

O fisioterapeuta exerce um papel fundamental na reabilitação dos pacientes


internados em UTI, e, além de qualidade técnica, deve prezar pela
qualidade relacional de sua assistência, a fim de transmitir confiança e de
estar atento às necessidades dos pacientes.
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Dessa maneira, o ambiente impulsiona de maneira intensa práticas de saúde


desumanizadas (BERMEJO, 2008), ressalta-se a importância da Política de
Humanização, que existe desde 2003, visando “efetivar os princípios do SUS no
cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde pública no Brasil e
incentivando trocas solidárias entre gestores, trabalhadores e usuários” (MS, online).
Dessa maneira, a humanização levanta a necessidade de valorização dos indivíduos
envolvidos no processo de cuidados.
Essa proposta de uma prática ética e crítica, com conhecimentos,
habilidades e atitudes que ultrapassem o caráter tecnicista, prevê “a identificação
das potencialidades, necessidades, interesses e desejos dos sujeitos envolvidos,
sejam eles pacientes, familiares ou profissionais da saúde” (MONDADORI et al.,
2016, p. 295).
Simonetti (2004, p. 153) destaca que “tudo é intenso na UTI: o tratamento,
os riscos, as emoções, o trabalho, os custos e a esperança”. Dessa maneira,
evidencia-se a complexidade desse setor, que por sua dinâmica de funcionamento
pode promover altos níveis de estresse não apenas para pacientes e familiares, mas
também para as equipes de saúde. Assim, destacaremos os aspectos emocionais
envolvidos nessa tríade e pensaremos a prática do fisioterapeuta nesse contexto.

● Possibilidades de intervenção com o paciente:

Para pensar na atuação no ambiente da UTI, temos que considerar dois


tipos de pacientes: os conscientes e os inconscientes/sedados. Sabe-se que uma
forma de avaliação da consciência é realizada pela utilização da Escala de Glasgow,
que se baseia em alguns parâmetros, como abertura dos olhos e respostas verbais
e motoras, com escores que variam de 3 a 15, desde a ausência de resposta aos
comandos até o completo despertar (FERREIRA; MENDES, 2013).
Diante de um paciente inconsciente, as intervenções tornam-se limitadas
com relação a interação. Contudo, algumas evidências demonstram a ocorrência de
memórias e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) em pacientes que
passaram por sedação ou coma nessas unidades de internação (COSTA et al.,
2014). Constata-se então que essa experiência pode ter repercussões a nível físico
e mental, influenciando na qualidade de vida do paciente após alta hospitalar
(CAIUBY; ANDREOLI; ANDREOLI, 2008). E portanto, ressalta-se a importância de
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ampliação do olhar para esses pacientes como sujeitos e não objetos, com
intervenções que podem ser feitas de maneira contínua pelos profissionais, como
informar ao paciente quando for realizar algum procedimento, evitar assuntos que
poderiam ser mobilizadores de angústia perto do paciente e etc.
Com os pacientes conscientes, destacamos aspectos ambientais e
psicossociais que devem ser considerados em todo atendimento multiprofissional.
Gomes e Carvalho (2018) em sua revisão integrativa de literatura demonstram
múltiplos estudos que destacam os agentes estressores do ambiente hospitalar e da
interrupção de rotina do paciente que influenciam no seu estado emocional. Dessa
maneira, construímos a tabela abaixo com algumas das principais alterações
percebidas. A divisão dos dois fatores é meramente didática, pois entende-se que
ambos se interligam e retroalimentam.

FATORES AMBIENTAIS FATORES PSICOSSOCIAIS


● Iluminação constante e incômoda; ● Ideias prévias da UTI -
● Interrupção do sono pela equipe; estereótipo;
● Ruídos constantes e alarmes ● Ouvir termos incompreensíveis;
incessantes; ● Despersonalização;
● Monitorização contínua; ● Falta de informação;
● Tédio e ociosidade; ● Estranhamento dos instrumentos
● Falta de privacidade para as tecnológicos;
necessidades fisiológicas e para o ● Limitações e dependência;
momento do banho; ● Distanciamento de relações e
● Submissão a pessoas e segurança;
procedimentos desconhecidos; ● Interrupção do modo de viver –
● Cheiros desagradáveis; alheio a sua vida;
● Dificuldades de comunicação ● Solidão e isolamento;
ocasionadas pelo ventilador ● Impossibilidade desenvolver
mecânico; papéis sociais;
● Não-compreensão, por parte da ● Morte iminente;
equipe de saúde, dos gestos e ● Perda noção de tempo e espaço;
olhares emitidos por eles; ● Incertezas e dúvidas quanto à
● Olhar “preocupado” dos gravidade;
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profissionais de saúde; ● Participação direta ou indireta do


● Necessidades não atendidas, como sofrimento alheio e perdas.
sede;
● Ficar com tubos/sondas no nariz
e/ou boca;
● Limitações físicas e não ter
controle sobre si mesmo;
● Imobilização;
● Dor.

Torna-se mais evidente as alterações emocionais nos pacientes


conscientes, como tristeza, angústia, medo, desamparo, desconforto, apatia,
ansiedade, irritabilidade, entre outros sentimentos associados ao ambiente inóspito e
impessoal. Mudanças comportamentais também são evidenciadas com frequência,
como distúrbios de apetite (falta ou excesso), distúrbios do sono (insônia, dificuldade
para dormir ou sono em excesso, pesadelos recorrentes) e conflitos interpessoais
(com familiares ou equipe).
Há também mudanças do estado cognitivo, como na orientação,
consciência, sensopercepção, atenção, pensamento, linguagem, memória e juízo
crítico. Percebe-se maior evidência a desorientação, fala desconexa, alucinações e
delírios paranoicos (GOMES; CARVALHO, 2018). Além disso, é muito comum a
presença de quadros de Delirium no ambiente da UTI. Esse termo é utilizado para
descrever um transtorno agudo da função cognitiva global do paciente, e necessita
de cuidados farmacológicos e não farmacológicos para sua estabilização.

Em síntese, observa-se que um conjunto diverso de fatores estressores


ambientais característicos perpassa o ambiente da UTI, e é capaz de
provocar no paciente uma série de respostas fisiológicas e também
emocionais. Tais respostas podem desencadear maior agravo em seu
quadro clínico e/ou conduzir a um processo de instabilidade emocional, que
culmina em intenso sofrimento para o paciente, bem como respostas não
adaptativas à internação. (GOMES; CARVALHO, 2018, p.170).

Assim, evidencia-se a ligação dos aspectos físicos e psicossociais, a partir


da compreensão de assistência a um ser integral, que tem suas múltiplas
necessidades interligadas. Pensando nisso, o fisioterapeuta que promove
desconforto e estresse nos pacientes através das suas intervenções, podem
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contribuir para minimizar o sofrimento dos mesmos através de um cuidado


humanizado. Como demonstrado por Mondadori e colaboradores (2016, p. 298) os
pacientes se encontram em situação de vulnerabilidade e “muitos deles já estão
cansados de passar por tantas intervenções, estressando-se devido aos muitos
procedimentos invasivos e dolorosos – dos quais os profissionais de fisioterapia
participam ativamente”.
Com uma prática pautada nesse olhar ampliado, o fisioterapeuta pode
ampliar sua prática técnica, desenvolvendo empatia para o alívio e redução de
desconfortos e aumento de qualidade de vida, com consequente minimização do
sofrimento e fortalecimento de confiança com pacientes e familiares (MONDADORI
et al., 2016).
Feliciano e colaboradores (2012) destacam os benefícios da fisioterapia
nesse espaço a partir de um olhar ampliado:

● Prevenir e reduzir os efeitos deletérios ocasionados pelo leito;


● Propiciar bem-estar emocional aos pacientes;
● Melhorar a capacidade respiratória e cardiovascular;
● Promover independência funcional;
● Proporcionar e acelerar uma recuperação de qualidade;
● Diminuir o tempo de hospitalização desses indivíduos.

Mas então, quais seriam as intervenções que os fisioterapeutas


poderiam realizar para uma prática humanizada no ambiente da UTI
com pacientes?

✔ Comunicação eficaz:

Antes de qualquer possibilidade, ressaltamos a importância do


estabelecimento de uma boa comunicação, através de uma escuta qualificada.
Diferente do que a maioria dos profissionais compreendem, a escuta não é uma
habilidade exclusiva dos psicólogos, e precisa ser desenvolvida por toda equipe
multiprofissional para um trabalho de qualidade.
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Portanto, é essencial destacar que a comunicação humana é um processo


comportamental permanente. No âmbito da saúde, os processos de comunicação
assumem elevada importância, tendo sido crescente o reconhecimento da
necessidade de uma comunicação eficaz no âmbito dos cuidados prestados. A
comunicação entre o profissional de saúde, o doente e sua família pode influenciar
significativamente no curso da doença e tratamentos, determinando a compreensão
da vivência e consequente processo de adesão às terapêuticas propostas e
implicação na qualidade de vida.
Trata-se de uma tecnologia leve, imprescindível, que permeia todo o
processo de cuidado do paciente. E como demonstrado por Galriça Neto (2003, p.
69) “para além do controle sintomático, é na área da comunicação que se situam as
maiores necessidades dos doentes e famílias”.
A linguagem não é transmitida apenas pela comunicação verbal, mas
também por componentes não verbais, que tem como base elementos dos sujeitos
que interagem, conforme demonstrado a seguir.

À vista disso, entende-se que nos processos comunicacionais não deve se


propor essencialmente a transmitir informações, mas também a acessar os sujeitos
e suas versões de mundo, que contemplam suas necessidades, expectativas e
questionamentos. E a comunicação, por conseguinte, exige para além de um
processo técnico, uma postura empática e relacional.
Além disso, é essencial destacar a importância do uso de recursos não
verbais para comunicação, em decorrência do elevado número de pacientes da UTI
que apresentam limitações no processo de verbalização. Como demonstrado por
Castaño (2008) pacientes em ventilação mecânica desenvolvem novos meios
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comunicacionais no decorrer da internação, na tentativa de se adaptar. Gestos,


códigos ou sons permitem que os mesmos demonstrem suas necessidades e
promovem mínimos diálogos importantes. O contato tende a ser mais efetivo com
aqueles profissionais que revelam maior abertura e habilidade para promover
espaços de cuidado diferenciado.
À vista disso, o uso da criatividade torna-se essencial, através da construção
de novas estratégias que ampliem os meios comunicacionais. Algumas instituições
adotam o uso de recursos de Tecnologia Assistiva, através de softwares, tablets,
teclados, celulares e mouses que são integrados a dispositivos de controle ocular
para ampliar a capacidade de expressão, como demonstrado no site da Tobii Brasil
(online).

Tecnologia Assistiva é uma área do conhecimento, de característica


interdisciplinar, que engloba produtos, recursos, metodologias, estratégias,
práticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade, relacionada à
atividade e participação de pessoas com deficiência, incapacidades ou
mobilidade reduzida, visando sua autonomia, independência, qualidade de
vida e inclusão social. (SECRETARIA ESPECIAL DOS DIREITOS
HUMANOS, 2007, online).

E diante das múltiplas possibilidades de tecnologia, frisamos a Comunicação


Aumentativa e Alternativa (CAA) que:

pode acontecer sem auxílios externos e, neste caso, ela valoriza a


expressão do sujeito, a partir de outros canais de comunicação diferentes
da fala: gestos, sons, expressões faciais e corporais podem ser utilizados e
identificados socialmente para manifestar desejos, necessidades, opiniões,
posicionamentos, tais como: sim, não, olá, tchau, banheiro, estou bem, sinto
dor, quero (determinada coisa para a qual estou apontando), estou com
fome e outros conteúdos de comunicação necessários no cotidiano.

Contudo, se não for possível acesso a essas tecnologias duras, podem ser
utilizados recursos mais simples, construídos pela própria equipe com papel e lápis
de cor, ou mesmo imagens encontradas na internet para realização de uma
comunicação alternativa que cumpram o objetivo de ampliar o repertório
comunicacional.
Dessa maneira, apresentaremos a seguir cartões de comunicação, pranchas
de figuras, letras e palavras para auxiliar o desenvolvimento de habilidades de
expressão e comunicação entre a equipe e paciente.
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Todos esses métodos podem ser ofertados apenas ao paciente, durante os


atendimentos fisioterápicos, mas também podem envolver os familiares, no horário
da visita, favorecendo a manutenção do elo do paciente com a vida fora da UTI,
mediando contato com ambiente externo e pessoas de referência. Dessa maneira, a
equipe pode contribuir para a ampliação da rede de suporte e auxílio no processo de
cuidados.

● Prancha de comunicação alfabética:

● Cartões de comunicação:

Fonte: https://www.tobii.brasil.com
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● Prancha de comunicação com símbolos, fotos ou figuras:

Fonte: https://www.tobii.brasil.com

Além disso, destacamos os protocolos comunicacionais como instrumentos


facilitadores desse diálogo, criados para padronizar uma conduta necessária,
visando uniformizar ações para evitar erros e promover uma assistência de alta
qualidade. Seguem abaixo os protocolos mais conhecidos: o SPIKES, maior
referência internacional, e sua adaptação para a realidade brasileira, o PACIENTE
(LINO et al., 2011; PEREIRA et al.,2017).
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Assim, entendemos que os protocolos podem ser instrumentos interessantes


por auxiliarem na organização do processo comunicacional, mas ressaltamos a
importância de não utilizá-los de maneira enrijecida, à medida que cada encontro é
único. Portanto, apesar de ser importante conhecê-los, seu uso não é baseado
apenas no treino de habilidades para uma boa passagem de informações, mas
requer criticidade e um olhar contextualizado e relacional.
Propomos então que os fisioterapeutas no ambiente da UTI estabeleçam
uma comunicação empática com seus pacientes, que denote a importância da
percepção das emoções envolvidas, inclusive do próprio profissional, à medida que
se olhar também auxilia na maneira de se comunicar. Dessa maneira, destaca-se a
importância do estabelecimento de programas de treinamento comunicacional ou
metodologias de trabalho que ampliem a formação técnica e estimulem o contato
com as emoções dos usuários e dos próprios profissionais (CRISPIM; BERNARDES,
2018).
Então, por que investir na comunicação?

● Estabelecimento de vínculo é fator protetor contra agravos emocionais, técnicos,


legais, etc.;
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● Favorece o processo elaborativo, a compreensão realística do quadro do paciente


e o alinhamento de expectativas;
● Reduz possibilidades de judicialização e culpabilização da equipe;
● Favorece a tomada de decisão em momentos difíceis;
● Reduz o isolamento e aumento da cooperação mútua na relação médico-
pacientefamília;
● Favorece a adaptação da família;
● Espaço de escuta e fala, com pactuação de planos de cuidado e redução de
dúvidas, ansiedades e fantasias.

À vista disso, ressalta-se que a comunicação tem como base o


estabelecimento de vínculo, como parte a vinculação como elemento fundamental
do cuidado. Esse processo de diálogo pode auxiliar na minimização da ansiedade e
do estresse, por mobilizar a criação de um ambiente de confiança (DIAS et al.,
2013).

A comunicação e o estabelecimento de vínculo podem ser os instrumentos


facilitadores da assistência. A comunicação terapêutica tem a finalidade de
identificar e atender as necessidades de saúde do paciente e contribuir para
melhorar a prática profissional. Além disso, o vínculo e a relação de
confiança são necessários para o paciente diminuir o medo, a ansiedade e
permitir, à pessoa fragilizada pela doença, lutar por seu restabelecimento
com dignidade. (PROENÇA; AGNOLO, 2011, p. 284-285).

Entende-se assim que a comunicação e o estabelecimento de vínculo são


instrumentos facilitadores da assistência, permitindo que os profissionais
identifiquem e atendem às necessidades biopsicossociais dos pacientes, tornando a
prática mais efetiva e integral e o cuidado mais eficiente e seguro. Como
demonstrado por Galriça Neto (2003, p. 69) “para além do controle sintomático, é na
área da comunicação que se situam as maiores necessidades dos doentes e
famílias”.
Outrossim, a intervenção multiprofissional, com olhar ampliado para esses
aspectos, pode auxiliar na minimização do sofrimento atual e das consequências
traumáticas dessa experiência para pacientes (PROENÇA; AGNOLO, 2011).
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✔ Outras ações cotidianas facilitadoras:

Existem muitas ações que parecem corriqueiras, mas demonstram a


importânciado olhar para o sujeito como protagonista da sua história de vida,
desconstruindo o modelo biomédico que fragmenta e objetifica o paciente. Silva,
Araújo e Puggina (2010) destacam algumas dessas práticas que podem contribuir
para o atendimento humanizado, como:

● Chamar o paciente pelo nome;


● Olhar nos olhos ao falar;
● Explicar com antecedência os procedimentos que serão realizados;
● Estar atento a comunicação verbal, mas também aos sinais não verbais emitidos
pelo paciente;
● Preservar sua privacidade e confiança;
● Demonstrar preocupação as dores e desconforto do paciente;
● Contribuir para a comunicação e aproximação do paciente com seus familiares;
● Possibilitar que o paciente participe do seu processo de cuidados;
● Atuar demonstrando carinho, respeito e ética.

✔ Criação de protocolos assistenciais:

A criação de protocolos assistenciais pode auxiliar na minimização de


fatores estressores, bem como na dor e sofrimento ao paciente. Gomes e Carvalho
(2018, p.180) indicam exemplos apreendidos em sua revisão de literatura, como:

a implementação de um protocolo de avaliação e tratamento com análise


objetiva e sistematizada da dor, associado à administração de analgésicos;
e à utilização de checklists para reavaliações frequentes da necessidade de
permanência dos tubos, a fim de que estes sejam retirados o mais
precocemente possível.

No entanto, é importante destacar a importância de não esquecermos de


olhar para os processos de subjetivação do paciente, considerando as
peculiaridades de cada indivíduo que assistimos.
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✔ Propostas de intervenção ambiental:

À medida que visualizamos o ambiente como potencializador de estresse e


alterações emocionais, torna-se importante pensar na contribuição da equipe de
saúde na proposição de mudanças nesse espaço físico e social.
Essa proposta está em consonância com a Política Nacional de
Humanização (2003, p. 3) que “busca pôr em prática os princípios do SUS no
cotidiano dos serviços de saúde, produzindo mudanças nos modos de gerir e
cuidar”. Uma das diretrizes desse projeto é a ambiência, que significa:

Criar espaços saudáveis, acolhedores e confortáveis, que respeitem a


privacidade, propiciem mudanças no processo de trabalho e sejam lugares
de encontro entre as pessoas (...) A discussão compartilhada do projeto
arquitetônico, das reformas e do uso dos espaços de acordo com as
necessidades de usuários e trabalhadores de cada serviço é uma
orientação que pode melhorar o trabalho em saúde. (PNH, 2003, p.9-10).

Dessa maneira, trata-se de uma proposta voltada para toda equipe de


saúde, que deve compreender a sintonia entre o cuidado – acolhedor, resolutivo e
humano – com o espaço físico, social, profissional e relacional. A proposta é,
portanto, a criação e organização de espaços acolhedores e saudáveis, que
promovam mudanças nas relações de trabalho e na assistência prestada aos
usuários.
Engwall e colaboradores (2015) apresentam a proposta da construção de
um sistema de iluminação na UTI, baseado em ciclos que simulam luz natural e são
controlados por um software 24 horas por dia. Esse trabalho desenvolvido por
psicólogos ambientais e engenheiros de iluminação favorece a melhora no ciclo
sono-vigília dos pacientes e, consequentemente, contribui com maior estabilização
de humor.
Podemos também pensar em propostas mais simples, sem grandes
mudanças estruturais, como a presença de janelas e relógios ou mesmo a rotina de
informar a hora ao paciente em toda visita ao leito. Essas ações podem contribuir
para a diminuição dos processos de desorientação dos pacientes na UTI
(PROENÇA; AGNOLO, 2011).
Utilização de recursos lúdicos e externos também pode contribuir para
minimizar sensação de isolamento e favorecer maior estabilização emocional, como
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utilização de músicas que o paciente gosta ou fotografias e vídeos que aproximem o


paciente de sua vida anterior à hospitalização (SOUSA; SOUZA FILHO, 2008).
De acordo com essa política (PNH, 2003), as propostas de intervenção
devem seguir três eixos de intenção:

1. O espaço que visa à confortabilidade:

- Ambientes confortáveis e acolhedoras, que favoreçam a privacidade e


individualidade dos usuários do serviço e trabalhadores;
- Utilização de componentes do ambiente que interagem com as pessoas, como a
cor, a luz, as texturas, os sons, os cheiros e a inclusão da arte;
- Elementos como qualificadores e modificadores do espaço podem contribuir para o
processo de produção de saúde.

2. O espaço como ferramenta facilitadora do processo de trabalho:

- A ambiência isoladamente não altera o processo de trabalho;


- Um espaço pensado em coprodução entre profissionais e usuários, considerando:
funcionalidade, possibilidades de flexibilidade, garantia de biossegurança relativa à
infecção hospitalar, prevenção de acidentes biológicos e arranjos que favoreçam o
processo de trabalho.

3. A ambiência como espaço de encontros entre sujeitos:

- Dispositivo de transformação social;


- Criação de espaços coletivos (oficinas, rodas) para discussão e decisão sobre as
intervenções no espaço físico dos serviços de saúde.

Outrossim, entende-se que a mudança do espaço é uma responsabilidade


da equipe de saúde, visando uma assistência mais humanizada, que contribua para
sensação de cuidado do paciente e para facilitação do trabalho do profissional.
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✔ Ampliação da perspectiva curativa:

Evidencia-se que o trabalho do fisioterapeuta é voltado principalmente para


o controle e manutenção das funções vitais do paciente, enfatizando ações curativas
e de recuperação, voltadas quase exclusivamente para aspectos físicos
(NASCIMENTO; TRENTINI, 2004). Portanto, considera-se pouco essencial o
trabalho do fisioterapeuta com os pacientes sem perspectiva curativa, exatamente
por termos formações que pouco habilitam esses profissionais para uma atuação
voltada para o cuidado e qualidade de vida.
À vista disso, o trabalho pode ampliar a perspectiva curativa para propostas
que visem o controle de sintomas e melhora da qualidade de vida. Müller,
Scortegagna e Moussalle (2011) destacam algumas técnicas e ações que podem
ser utilizadas tanto na melhora sintomatológica quanto na qualidade de vida de
pacientes em cuidados paliativos, tais como:

● Terapia para a dor e alívio dos sintomas psicofísicos;


● Atuação nas complicações osteomioarticulares;
● Reabilitação de complicações linfáticas
● Atuação na fadiga;
● Melhora da função pulmonar;
● Cuidados com as úlceras de pressão;
● Exercícios respiratórios, com higiene brônquica;
● Terapia manual, com alongamentos, exercícios motores, posicionamentos, saída
do leito, estímulo à marcha.

Dessa maneira, as intervenções possibilitam a minimização da dor,


proporcionando maior relaxamento e prevenindo complicações. Como visto acima, o
conhecimento técnico não é suficiente à construção de um profissional competente,
que necessita de conhecimentos psicossociais pautados no diálogo e nas
necessidades multidimensionais do paciente.
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● Possibilidades de intervenção com a família:

Inicialmente é importante destacar que “o paciente é um seguimento da


família, e que essa tem um papel fundamental na sua recuperação, é de extrema
importância atender as reais necessidades dos familiares” (FERREIRA; MENDES,
2013, p. 92). Para que essa assistência seja realizada, precisamos destacar a
necessidade de compreensão de quem compõe essa unidade social. Atualmente,
falamos de família a partir de uma composição múltipla, com ou sem laços
sanguíneos ou graus de parentesco. Trata-se de um sistema em constante
transformação, que se altera com o passar do tempo.

A família representa o espaço de socialização, de busca coletiva de


estratégias de sobrevivência, local para o exercício da cidadania,
possibilidade para o desenvolvimento individual e grupal de seus membros,
independentemente dos arranjos apresentados ou das novas estruturas que
vêm se formando. Sua dinâmica própria é afetada tanto pelo
desenvolvimento de seu ciclo vital, como pelas políticas econômicas e
sociais (...) O sistema familiar muda à medida que a sociedade muda, e
todos os seus membros podem ser afetados por pressões internas e
externas, fazendo que ela se modifique com a finalidade de assegurar a
continuidade e o crescimento psicossocial de seus membros. (FACO;
MELCHIORI, 2009, p. 121-122).

Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010,


online) revelam a existência de 19 configurações familiares, sendo 50,1% fora dos
“padrões tradicionais”, 26% mulheres sem cônjuges e com filhos, 3% homens sem
cônjuges e com filhos, 19,9% casais sem filhos, 14% pessoas que moram sozinhas,
16,4% famílias reconstituídas (filhos vivem com um dos pais e cônjuge atual). Dados
que demonstram a pluralidade de composições e organizações que devem ser
acolhidas e respeitadas em suas diferenciações.
É importante lembrar também de outras pessoas presentes no processo de
cuidados. Podem ser considerados cuidadores formais “familiares, amigos, vizinhos,
membros de grupos religiosos e outras pessoas da comunidade. São voluntários
que se dispõem, sem formação profissional específica, a cuidar de idosos, sendo
que a disponibilidade e a boa vontade são fatores preponderantes” (ROCHA, 2008
apud AREOSA et al, 2014, p. 485).
A hospitalização é mobilizadora de crises emocionais e desorganizações
estruturais na família/cuidadores. Essa mudança de rotina e incertezas pode
provocar a sensação de descontrole, evidenciando a necessidade de reorganização
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e mobilizando sentimentos como angústia, desamparo ou medo, possíveis


desencadeadores de situações traumáticas (FUMIS, 2016).
Além do impacto da doença e da necessidade de equilíbrio para
restabelecimento de tarefas e atendimento das necessidades do doente, a família
ainda tem que lidar com o estigma associado à UTI. Por sua ausência contínua
nesse ambiente – sendo permitido apenas alguns visitantes em momentos
específicos do dia – mantém-se, de maneira enraizada, o desconhecimento das
rotinas e objetivos desse espaço, mobilizando compreensões equivocadas e
estigmatizadas. Outrossim, a UTI não é entendida como um local de tratamento e
recuperação de vida, mas sim como um espaço de morte, onde a angústia e tristeza
se fazem constantemente presentes (GUIRARDELLO et al., 1999).
Nesse processo de vislumbrar a morte como uma possibilidade, a família
vivencia o que chamamos de luto antecipatório. Frente ao diagnóstico de doenças
progressivas, pacientes vivenciam uma morte anunciada, pois ao se depararem com
rupturas, limitações e privações, podem passar a construir uma percepção
consciente da realidade de perda. Essa ameaça de separação pode iniciar uma
reação de enlutamento, chamada luto antecipatório (LINDEMANN, 1944).
Esse conceito se apresenta como possibilidade de vivência do luto a partir
da iminência de morte que se apresenta com o processo de adoecimento. Esse
processo tem início desde o diagnóstico da doença que ameaça a vida, já que para
além da perda real, por morte, o adoecimento pode implicar em diversas outras
perdas simbólicas e os envolvidos são convocados a lidar com a crise que se
instaura (FRANCO, 2002).
À vista disso, a família pode apresentar três reações: se mobilizar para
resgatar seu estado emocional anterior; paralisar diante da crise vivenciada, não
conseguindo perceber recursos para lidar com suas questões e dos demais; e pode
perceber os ganhos secundários com a crise e mantê-la, sem perceber (SANTOS;
SEBASTIANI, 2001).
Outros elementos importantes para observarmos: grau de compreensão
sobre diagnóstico e prognóstico; reações emocionais diante do adoecimento;
relação da pessoa com o doente; papel do enfermo na família; significado atribuído
ao adoecimento; estratégias de enfrentamento; relacionamento com equipe de
saúde e ambiente hospitalar; comunicação entre familiares; sobrecarga ou estresse
do cuidador.
20

Torna-se importante lembrar que o cuidado com os aspectos emocionais


não é de responsabilidade apenas do psicólogo, mas pode favorecer o cuidado de
toda equipe multiprofissional, contribuindo para maior adesão e melhoria do
paciente.

Mas então, quais seriam as intervenções que os fisioterapeutas


poderiam realizar com os familiares?

● Compreender o contexto familiar e sua dinâmica de funcionamento;


● Ter atenção e acolher o sofrimento psíquico, momento de crise e falta de recursos
emocionais;
● Sensibilizar familiares quanto a necessidade do autocuidado, como higiene,
alimentação e sono;
● Perceber o impacto do fator emocional na relação da família com os profissionais e
ambiente hospitalar;
● Reforçar recursos de enfrentamento: recursos protetivos positivos, como fé, apoio
familiar, resiliência;
● Sensibilizar outros profissionais para o impacto do sofrimento dos familiares no
processo de cuidados;
● Utilizar o round ou reuniões de equipe para discussões dos casos, ampliação do
olhar e atendimento integral que atenda às múltiplas necessidades;
● Fortalecer comunicação equipe-família (cognitivo-emocional), principalmente no
momento de boletim médico: fortalecimento de vínculo, diminuição de dúvidas,
ruídos e fantasias.

A inserção dessas discussões nos rounds ou reuniões familiares pode


contribuir para maior compreensão da equipe para as reações emocionais da
família, ampliando o olhar para as necessidades psicossociais que têm interferência
direta no processo de adoecimento e cuidados estabelecidos.
Além da comunicação entre os membros da equipe sobre esses aspectos,
também é essencial ressaltar a importância da comunicação da equipe com os
familiares. As notícias médicas exigem não apenas uma função cognitiva preservada
ou nível de escolaridade, mas uma capacidade emocional para o contato com as
demandas apresentadas (FUMIS, 2016). Dessa maneira, contribuir para o
21

alinhamento entre a equipe para uma comunicação clara e cuidadosa torna-se


essencial.
A segurança revela-se como uma das principais necessidades da família
(PUGGINA et al., 2014), portanto, o vínculo estabelecido com os familiares pode ser
terapêutico e auxiliá-los na estabilização emocional, que consequentemente,
contribui com a internação do paciente.

● Possibilidades de intervenção com a equipe:

As características intrínsecas da UTI, como a rotina de atendimento mais


acelerada, o clima constante de apreensão e as situações de morte iminente,
acabam por exacerbar o estado de estresse e tensão, que tanto o paciente, quanto a
família e a equipe vivem de forma sequenciada. Esses aspectos, direcionados à
singularidade do sofrimento da pessoa internada - dor, medo, ansiedade e
isolamento do mundo - trazem fatores psicológicos que interagem na manifestação
orgânica de sua doença.
A descrição da UTI como um ambiente mobilizador de estresse e alterações
emocionais não afeta apenas pacientes e familiares, mas também tem implicações
para os profissionais de saúde.

Neste local, logo é possível perceber que intensiva não é apenas a conduta
terapêutica médica, mas, também, a angústia e as relações entre os
profissionais, pacientes e familiares, afetados por significantes como
“grave”, “instável” e “morte”. Trata-se de um ambiente fértil para mal-
entendidos e conflitos, que frequentemente demanda intervenções no
sentido de regular as relações que ali se estabelecem. (SABOYA et al.,
2014, p. 24).

Então, entende-se que cuidar de um paciente crônico ou em processo de


terminalidade exige dos profissionais não apenas conhecimentos técnicos, mas
também a sensibilização para lidar com as fragilidades físicas e emocionais dos
pacientes e familiares, bem como para se depararem com sua própria finitude e
possibilidade de perda dos seus entes queridos (LOPES, 2021). O fisioterapeuta,
como um dos profissionais que mais convive com o paciente nesse processo de
cuidados, pode apresentar desgastes importantes, tanto à nível físico como
psíquico, que dificultam a assistência prestada.
22

A problemática envolvida com essa questão é a falta de preparo dos


profissionais de saúde para lidar com situações adversas e reconhecer seu
envolvimento emocional com as situações vivenciadas (MASCIA et al., 2009) Dessa
maneira, não foram treinados em seus processos formativos para lidar com aspectos
emocionais, aprendendo exatamente o oposto, a evitaram a expressão de
sentimentos (MELLO; SILVA, 2012).

Por seu caráter emergencial, o ambiente da UTI e sua equipe de trabalho


possuem como foco uma atenção voltada a atender o objetivo de preservar
a vida do paciente, eliminando a situação de risco no qual ele se encontra, o
que pode influenciar na forma como o indivíduo internado é visto. Nesse
contexto, ele pode passar a ser percebido apenas de maneira técnica como
um sistema, um conjunto de órgão, funções e sinais vitais, que necessita
ser monitorado, recuperado e estabilizado. (NASCIMENTO; TRENTINI,
2004 apud GOMES; CARVALHO, 2018, p. 169).

As formações na saúde primam pela qualidade técnico-científica,


desvalorizando aspectos psicológicos, sociais, relacionais e humanos - tanto dos
pacientes e familiares, quanto de si mesmos. Portanto, torna-se necessária a
reavaliação e ampliação dos currículos de formação dos profissionais de saúde
(ESSLINGER, 2004; KOVÁCS, 2021).
Como demonstrado por Marcucci (2005) os cursos de graduação em
fisioterapia raramente abordam esses aspectos, principalmente quando relacionados
ao morrer, fator que impulsiona uma prática pouco voltada para cuidados ampliados.
Outrossim, como não são preparados teórica e emocionalmente para lidar com a
morte, querem vencê-la, não sabendo lidar com sua expectativa e concretização
(BELLATO et al., 2007; MARQUES; OLIVEIRA; MARÃES, 2006;).
No entanto, por mais que os profissionais tentem se “„dessubjetivar‟ a fim de
se „vacinar‟ contra a morte, isto não é psicologicamente viável” (Zaidhaft, 1990, p.
137). Como demonstrado abaixo:

Essa postura pode dar a impressão de força e controle, escondendo


fragilidades e vulnerabilidades associadas à finitude. Contudo, esse
adiamento não impede que a morte se apresente em seu cotidiano e que
dela se façam necessárias intervenções e processos de elaboração (...)
mesmo que os profissionais busquem manter uma rotina permeada por
objetividade, mantendo mecanismos de afastamento das implicações da
morte em suas vidas e em sua prática profissional, torna-se inviável o
completo distanciamento da afetação vivenciada. E, portanto, revela-se a
necessidade de consciência das questões emocionais, para o
estabelecimento dos cuidados necessários. (LOPES, 2021, p. 288-289).
23

Portanto, torna-se essencial a criação de espaços de discussão e


acolhimento de sentimentos emergentes, à medida que trabalhar com a
terminalidade proporciona, consequentemente, implicações emocionais
(CHIATTONE, 2001). Compartilhar essas percepções, sensações e sentimentos
adversos pode minimizar a solidão, abrindo espaço para a cumplicidade e
compartilhamento (REZENDE, 2000), com desconstrução dos mecanismos de
defesa para criação de novas formas de enfrentamento; bem como mobilização de
sentimentos positivos e progressos alcançados favorecendo o crescimento e coesão
das equipes.

Mesmo acreditando não haver um momento em que os profissionais sintam-


se completamente capacitados para lidar com todas as nuances envolvidas
no processo de morrer, vislumbra-se que, com maior aprimoramento teórico
e emocional, possam ser capazes de estar mais disponíveis à temática,
vivenciando os cuidados prestados de maneira mais coerente e menos
dolorosa, compartilhando as dificuldades e potencialidades de todos os
envolvidos, em um processo de construção complexo e rico em
crescimento. (LOPES, 2021, p. 305).

Assim, ressalta-se a relevância do autocuidado do profissional de saúde,


bem como a capacitação teórico-técnica para um trabalho crítico e contextualizado
às necessidades dos pacientes e seus familiares.
24

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