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A condição humana (René Magritte)

Processos e Métodos de Investigação Psicológica: investigação de recursos intelectuais


e adaptativos – PMIP II

Ementa, cronograma, textos teóricos e roteiro do trabalho prático

FACHS Psicologia PUCSP

2023
EMENTA E CRONOGRAMA

Disciplina: Processos e Métodos de investigação Psicológica II: Investigação de Recursos


Intelectuais e Adaptativos
Departamento: Métodos e Técnicas
Período: 4º período Número de créditos: 3
Semestre/ano 2º. Semestre de 2023
Professores: Maria Cristina M.R. Petroucic, Marcelo C. Batistuzzo

OBJETIVOS:

Estudar o processo de investigação diagnóstica voltado para os recursos intelectuais e


adaptativos, considerando-se contexto e propósitos da avaliação, construtos a serem
investigados, bem como a diversidade de áreas, métodos e técnicas em psicologia.
Desenvolver postura crítica frente o estudo das provas psicológicas, no que tange às
pesquisas associadas a cada instrumento, bem a suas limitações/possibilidades – tendo-se em
vista o contexto sócio econômico e cultural.
Enfatizar a questão ética no que tange à relação entre o psicólogo e o cliente, bem como no
uso dos instrumentos.
Conhecer as principais teorias relacionadas à questão dos recursos intelectuais tendo em
vista a produção de conhecimento e desenvolvimento de pesquisas.

CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:

Ética, CFP e a questão da avaliação psicológica.


A inteligência e o sujeito
Instrumentando-se para conhecer o outro: a escuta, a observação e a entrevista.
A investigação psicológica: limites e competências do psicólogo. As diversas áreas.
Teorias fatoriais e sua influência nas provas psicológicas. A orientação vocacional.
Inteligências múltiplas: a teoria na prática.
Análise de recursos adaptativos e a proposta de Wechsler: a interface cognição-emoção
Análise de recursos viso motores e o Teste Gestáltico Visomotor de Bender
Avanços nos modelos teóricos: neurociências e inteligência emocional

Estratégias de aprendizagem: Aulas teóricas, pesquisa da literatura sobre o tema, trabalho


prático.

Avaliação: Participação nas aulas, trabalho prático (aplicação e elaboração de relatório


dentro do prazo) e prova individual.

Bibliografia básica
Almeida, S.A, Nascimento, E., Lima, A.O.F., Vasconcelos, A.G., Akama, C.T., Santos, M.T. Bateria
de Provas de Raciocínio (BPR5): estudo exploratório em alunos universitários. Avaliação
Psicológica 9 (2), pp.155-162., 2010.

Avaliação Psicológica – Cartilha – Conselho Federal de Psicologia (2013). Disponível em


http:// www.cfp.org.br (satepsi.cfp.org.br/docs/cartilha.pdf)

Conselho Federal de Psicologia (2019). Resolução Nº 6, De 29 de Março de 2019.

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Revista Diálogos, Especial. Avaliação Psicológica Compulsória. Maio de 2019. Versão on line no
site www.cpf.org.br

Lopes, R.M. F., Wendt, G.W., Rathke, S.M., Senden, D.A., Silva, R.B.F., Argimon, I.L. Reflexões
Teóricas e Práticas sobre a interpretação da Escala Wechsler para Adultos. Acta Colombiana de
Psicologia, 15 (2)109-118, 2012.

Oliveira, G.M., Paschoali, R.A, Oliveira, V. & Camilo, C.C. Inteligências múltiplas e intervenção
Neuropsicopedagógica . Revista Educação em Foco – Edição nº 10 – Ano: 2018
revistaonline@unifia.edu.br

Petroucic MCMR, Montagna ME. A Inteligência e o Sujeito. Parte 1: O Psicodiagnóstico na Área


da Saúde. Parte 2. O WISC e WASI como instrumentos de avaliação dos recursos cognitivos
afetivos. 2021

Primi, R. Inteligência: Avanços nos modelos teóricos e nos instrumentos de medida. Avaliação
Psicológica, 2003,1, pp.67-77

Bibliografia Complementar
Gardner, H. Estruturas da Mente. A teoria das Inteligências Múltiplas. ED. Artmed. Porto
Alegre, 1994

Silva, M.C.V. História dos Testes Psicológicos: Origens e Transformações – Ed. Vetor. São Paulo,
2011. Resenha por Rosenthal.

Rosenthal, MCMRP. Conhecer é mensurar ou conhecer é compreender? Psicologia Revista,


2011, vol.20, n. 2, pp. 275-277.

Cronograma (incluir semana de integração – data ainda não determinada)

1ª. AULA: Apresentação do curso e do trabalho prático. Ética, teoria, trabalho prático e
CFP.

Discussão: O que é inteligência? Descreva uma pessoa “inteligente” (pesquisa junto aos
alunos)

Leitura para a próxima aula: TEXTOS 1,2 e 3 na apostila

TEXTO 1) Apostila: Cartilha da Avaliação Psicológica Disponível em http:// www.cfp.org.br


(satepsi.cfp.org.br/docs/cartilha.pdf);

TEXTO 2) CFP: Modalidades de relatório escrito por psicólogos. Disponível em http://


www.cfp.org.br

TEXTO 3) Rosenthal, MCMRP. Conhecer é mensurar ou conhecer é compreender? Psicologia


Revista, 2011, vol.20, n. 2, pp. 275-277.

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2ª AULA: Avaliação Psicológica e o CFP. Conhecer é compreender ou mensurar?

Leitura para a próxima aula: Apostila, TEXTO 4 PARTE 1 “A inteligência e o sujeito:


psicodiagnóstico na área da saúde. PARTE 2: A inteligência e o sujeito, parte 2. “O WISC como
instrumento de avaliação dos recursos cognitivo-afetivos.”.

3ª. AULA: Apresentação das Escalas Wechsler e sua aplicação em clínica. WISC e WASI

Trabalho prático: Fazer contato inicial, TCLE, entrevista.

Leitura para a próxima aula: TEXTO 4 PARTE 2: “O WISC como instrumento de avaliação dos
recursos cognitivo-afetivos.”.

4ª AULA: Escalas Wechsler: WISC IV: treino da aplicação


Trabalho prático: Consulte, no final da apostila, as orientações:
1) Roteiro para o trabalho prático; 2) Procedimentos para o trabalho pratico de
aplicação do WISC IV; 2-1. Roteiro da entrevista; 2.2. Roteiro de observação geral; 2.3.
Modelo ilustrativo de relatório acadêmico do WISC IV; 2.4 Classificação das contagens
ponderadas dos subtestes e dos pontos compostos.

Leitura para a próxima aula: TEXTO 5: Escala de Inteligência Wechsler para Adultos: WAIS
III. Lopes, RMF; Wendt, GW; Rathke, SM; Senden, DA; Ferreira, RB. Reflexões teóricas e
práticas sobre a Interpretação da Escala Wechsler par Adultos. Acata Colombiana de
Psicologia 15 (2):109-118 2012.

5ª AULA: Escala Wechsler para Adultos WAIS III: apresentação


Observação: foi feita nova padronização para avaliação do WAIS em 2020

Leitura para a próxima aula: TEXTO 6 da apostila: “A análise fatorial e suas influências dos
testes de Inteligência e Aptidão”

6ª AULA: Teoria bifatorial e Provas de fator G.

Leitura para a próxima aula TEXTO 7: - Almeida, S.A, Nascimento, E., Lima, A.O.F.,
Vasconcelos, A.G., Akama, C.T., Santos, M.T. Bateria de Provas de Raciocínio (BPR5): estudo
exploratório em alunos universitários. Avaliação Psicológica 9 (2), pp.155-162., 2010.

7ª. AULA: Teoria multifatorial e BPR5. A questão da orientação profissional. Teoria CHC

Leitura para a próxima aula: Primi, R. Inteligência: Avanços nos modelos teóricos e nos
instrumentos de medida. Avaliação Psicológica, 2003,1, pp.67-77

8ª. AULA: Inteligência Emocional e Neuropsicologia

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Para a próxima aula: Supervisão dos resultados quantitativos do WISC. Correção dos testes
aplicados pelos alunos. Vide modelo de relatório do WISC.

9ª. AULA: Supervisão da aplicação dos alunos. Entrevista e aspectos quantitativos do


WISC IV.

Leituras para a próxima aula: Oliveira, G.M., Paschoali, R.A, Oliveira, V. & Camilo, C.C.
Inteligências múltiplas e intervenção Neuropsicopedagógica. Revista Educação em Foco –
Edição nº 10 – Ano: 2018 revistaonline@unifia.edu.br

10ª. AULA: Inteligências Múltiplas (Gardner) e neuro psicopedagogia

11ª. AULA: Prova individual

Leitura próxima aula: Introdução do artigo: “Bender - Sistema de Pontuação Gradual (B-SPG):
estudo para versão de rastreio, de Rueda, FJ M; Sousa.; Santos, AAAS.; Noronha, AP.

12ª. AULA: Aspectos viso motores: Bender Gestalt Test

13ª. AULA: Supervisão dos casos dos alunos. Aspectos qualitativos e relatório final
Nesta aula: entrega da 1ª parte do relatório (entrevista, observação, parte quantitativa)

14ª. AULA: Supervisão dos casos dos alunos: Aspectos qualitativos e relatório final
Nesta aula: início da entrega da parte final dos relatórios

15ª. AULA: Apresentação dos casos pelos alunos.


Nesta aula: entrega da parte final dos relatórios

16ª. AULA: Avaliação final dos alunos. Avaliação do curso

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TEXTO 1
TEXTO RETIRADO DA CARTILHA DA AVALIAÇÂO PSICOLÓGICA – 2013 (adaptado par
fins acadêmicos) CRP, CFP

Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica: Ana Paula Porto Noronha (Conselheira do CFP); Anna Elisa de
Vilemmor Amaral; Bianca Susana Guevara Werlang; Caroline Tozzi Reppold; Elizabeth do Nascimento; Fabiano
Kolch Miguel; José Humberto de Silva Filho; José Maurício Haas Bueno; Ricardo Primi.

INTRODUÇÂO

Nota Técnica Sobre Avaliação Psicológica

Critérios para a escolha de recursos avaliativos

A avaliação psicológica é compreendida com um amplo processo de investigação, no qual


se conhece o avaliado e sua demanda, com o intuito de programar a tomada de decisão mais
apropriada do psicólogo. Mais especificamente, a avaliação psicológica refere-se à coleta e
interpretação dos dados, obtidos por meio de um conjunto de procedimentos confiáveis,
entendidos como aqueles reconhecidos pela ciência psicológica.

Compete ao psicólogo planejar e realizar o processo avaliativo com base em aspectos


técnicos e teóricos. A escolha do número de sessões para sua realização, das questões a serem
respondidas, bem como de quais os instrumentos/ técnicas de avaliação devem ser utilizados
será baseada nos seguintes elementos:

1. Contexto no qual a avaliação psicológica se insere;


2. Propósitos da avaliação psicológica;
3. Adequação das características dos instrumentos /técnicas aos indivíduos
avaliados;
4. Condições técnicas, metodológicas e operacionais do instrumento de avaliação.
Por fim, esclarece-se que compete ao psicólogo analisar criticamente os resultados obtidos,
com o intuito de verificar se realmente forneceram elementos seguros o suficiente para a
tomada de decisão nos vários contextos de atuação do psicólogo.

QUESTÕES GERAIS SOBRE A AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

1. O que é avaliação psicológica? A avaliação psicológica é um processo técnico e científico


realizado com pessoas ou grupos de pessoas que, de acordo com cada área de conhecimento,
requer metodologias específicas. Ela é dinâmica e constitui se em fonte de informações de
caráter explicativo sobre os fenômenos psicológicos, com a finalidade de subsidiar os
trabalhos nos diferentes campos de atuação do psicólogo, dentre eles, saúde, educação,
trabalho e outros setores em que ela se fizer necessária.

Trata-se de um estudo que requer um planejamento prévio e cuidadoso, de acordo com a


demanda e os fins para os quais a avaliação se destina. Segundo a Resolução CFP nº 007/2003,
“os resultados das avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos e
sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para
atuar não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes que operam
6
desde a formulação da demanda até a conclusão do processo de Avaliação Psicológica”. Cabe
enfatizar que os resultados das avaliações psicológicas têm grande impacto para as pessoas,
os grupos e a sociedade.

2. Qual a diferença entre o termo “avaliação psicológica” e “testagem psicológica”? A


avaliação psicológica é um processo amplo que envolve a integração de informações
provenientes de diversas fontes, dentre elas, testes, entrevistas, observações e análise de
documentos (como relatórios de exames anteriores dessa pessoa). O termo “testagem
psicológica” refere-se somente a situações em que a única fonte de informação são apenas
testes psicológicos.

3. Quais os passos mínimos para se fazer a avaliação psicológica? O processo de


avaliação psicológica apresenta alguns passos essenciais para que seja possível alcançar os
resultados esperados, a saber: • levantamento dos objetivos da avaliação e particularidades
do indivíduo ou grupo a ser avaliado. Tal processo permite a escolha dos
instrumentos/estratégias mais adequados para a realização da avaliação psicológica;

• coleta de informações pelos meios escolhidos (entrevistas, dinâmicas, observações e


testes projetivos e/ou psicométricos etc.). É importante salientar que a integração dessas
informações deve ser suficientemente ampla para dar conta dos objetivos pretendidos pelo
processo de avaliação. Não é recomendada a utilização de uma só técnica ou um só
instrumento para a avaliação;

• integração das informações e desenvolvimento das hipóteses iniciais. Diante dessas, o


psicólogo pode constatar a necessidade de utilizar outros instrumentos/estratégias de modo a
refinar ou elaborar novas hipóteses;

• indicação das respostas à situação que motivou o processo de avaliação e comunicação


cuidadosa dos resultados, com atenção aos procedimentos éticos implícitos e considerando as
eventuais limitações da avaliação. Nesse processo, os procedimentos variam de acordo com
o contexto e propósito da avaliação.

4. Quais as respostas fornecidas pela avaliação psicológica? O processo de avaliação


psicológica é capaz de prover informações importantes para o desenvolvimento de hipóteses,
por parte dos psicólogos, que levem à compreensão das características psicológicas da
pessoa ou de um grupo. Essas características podem se referir à forma como as pessoas irão
desempenhar uma dada atividade, à qualidade das interações interpessoais que elas
apresentam, dentre outros. Assim, dependendo dos objetivos da avaliação psicológica, a
compreensão poderá abranger aspectos psicológicos de natureza diversa. É importante notar
que a qualidade do conhecimento alcançado depende da escolha de instrumentos/estratégias
que maximizem a qualidade do processo de avaliação psicológica.

5. Quais os limites da avaliação psicológica? Por intermédio da avaliação, os psicólogos


buscam informações que os ajudem a responder questões sobre o funcionamento psicológico
das pessoas e suas implicações. Como o comportamento humano é resultado de uma
complexa teia de dimensões inter-relacionadas que interagem para produzi-lo, é praticamente

7
impossível entender e considerar todas as nuances e relações a ponto de prevê-lo
deterministicamente.

As avaliações têm um limite em relação ao que é possível entender e prever. Entretanto,


avaliações calcadas em métodos cientificamente sustentados chegam a respostas muito mais
confiáveis que opiniões leigas no assunto ou o puro acaso.

6. Quais os principais cuidados a serem seguidos na elaboração de um relatório/laudo


psicológico? Sempre levando em consideração sua finalidade, o laudo deverá conter a
descrição dos procedimentos e conclusões resultantes do processo de avaliação
psicológica. O documento deve dar direções sobre o encaminhamento, intervenções ou
acompanhamento psicológico. As informações fornecidas devem estar de acordo com a
demanda, solicitação ou petição, evitando-se a apresentação de dados desnecessários aos
objetivos da avaliação. Mais detalhes sobre a elaboração desse documento podem ser obtidos
mediante consulta à Resolução CFP nº 007/2003.

7. Que competências um psicólogo precisa ter para realizar a avaliação psicológica?


Algumas competências específicas são importantes para que esse trabalho seja bem
fundamentado e realizado com qualidade e de maneira apropriada:

• reconhecer o caráter processual da avaliação psicológica;

• conhecer a legislação referente à avaliação psicológica brasileira, dentre as quais as


resoluções do CFP e o Código de Ética Profissional do Psicólogo;

• ter amplos conhecimentos dos fundamentos básicos da Psicologia, dentre os quais podemos
destacar: desenvolvimento, inteligência, memória, atenção, emoção, dentre outros, construtos
avaliados por diferentes testes e em diferentes perspectivas teóricas;

• ter domínio do campo da Psicopatologia, para poder identificar problemas graves de saúde
mental ao realizar diagnósticos;

• ter conhecimentos de Psicometria, mais especificamente sobre as questões de validade,


precisão e normas dos testes, e ser capaz de escolher e trabalhar de acordo com os propósitos
e contextos de cada teste;

• ter domínio dos procedimentos para aplicação, levantamento e interpretação do(s)


instrumento(s) e técnicas utilizados na avaliação psicológica, bem como ter condição de
planejar a avaliação com maestria, adequando-a ao objetivo, público-alvo e contexto; •
elaborar documentos psicológicos decorrentes da avaliação psicológica;

• saber comunicar os resultados advindos da avaliação, por meio de entrevista devolutiva.

8. Quais são os princípios éticos básicos que regem o uso da avaliação psicológica? É
necessário que o psicólogo se mantenha atento aos seguintes princípios:

• o psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento


profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de
conhecimento e prática;
8
• utilização, no contexto profissional, apenas dos testes psicológicos com parecer
favorável do CFP, que se encontram listados no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos
(Satepsi);

• emprego de instrumentos de avaliação psicológica para os quais o profissional esteja


qualificado;

• realização da avaliação psicológica em condições ambientais adequadas, de modo a


assegurar a qualidade e o sigilo das informações obtidas;

• guarda dos documentos de avaliação psicológica em arquivos seguros e de acesso


controlado;

• disponibilização das informações da avaliação psicológica apenas àqueles com o direito de


conhecê-las;

• proteção da integridade dos testes, não os comercializando, divulgando-os ou ensinando-os


àqueles que não são psicólogos.

9. Quais instrumentos podem ser utilizados, considerando os diversos contextos e


objetivos da avaliação psicológica?

A Resolução CFP n° 002/2003, em seu Art. 11º, orienta que “as condições de uso dos
instrumentos devem ser consideradas apenas para os contextos e propósitos para os quais os
estudos empíricos indicaram resultados favoráveis”. O artigo quer dizer que a simples
aprovação no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi) não significa que o teste
possa ser usado em qualquer contexto, ou para qualquer propósito. A recomendação para um
uso específico deve ser buscada nos estudos que foram feitos com o instrumento,
principalmente nos estudos de validade e nos de precisão e de padronização. Assim, os
requisitos básicos para uma determinada utilização são os resultados favoráveis de estudos
orientados para os problemas específicos relacionados às exigências de cada área e propósito.
No novo formulário de avaliação dos testes psicológicos, foram descritos cinco propósitos
mais comuns para o uso dos testes: classificação diagnóstica, descrição, predição,
planejamento de intervenções e acompanhamento.

Também são definidos vários contextos de aplicação: Psicologia Clínica, Psicologia da


Saúde e/ou Hospitalar, Psicologia Escolar e Educacional, Neuropsicologia, Psicologia
Forense, Psicologia do Trabalho e das Organizações, Psicologia do Esporte,
Social/Comunitária, Psicologia do Trânsito, orientação e ou aconselhamento vocacional
e/ou profissional, entre outras. Dependendo da combinação de propósitos e contextos,
pode se pensar melhor quais estudos são necessários para justificar o uso de determinados
instrumentos/estratégias.

Por exemplo, considerando a avaliação de personalidade no contexto organizacional, se


o propósito for somente descrever características de personalidade das pessoas, são
necessários estudos de validade atestando que o teste mede o construto pretendido (análise
fatorial, correlação com outras variáveis, dentre outros). Mas se o propósito for prever o
comportamento futuro, como geralmente é o caso nos processos seletivos, são necessários
9
estudos de validade de critério, demonstrando que o teste é capaz de prever bom
desempenho no trabalho.

No contexto do trânsito, geralmente, o objetivo da avaliação é a previsão de


comportamentos inadequados a partir de variáveis psicológicas levantadas pelos testes.
Assim, estudos de validade de critério mostrando que as variáveis medidas no teste preveem
comportamentos importantes nessa situação (tais como comportamentos de risco,
envolvimento culposo em acidentes) são os requisitos básicos que justificam o seu uso nesse
contexto, já que irão sustentar a decisão sobre a habilitação. Em suma, a escolha adequada de
um instrumento/estratégia é complexa e deve levar em conta os dados empíricos que
justifiquem tal escolha.

No caso da escolha de um teste, é necessário que o psicólogo faça a leitura cuidadosa do


manual e das pesquisas envolvidas em sua construção para decidir se ele pode ou não ser
utilizado naquela situação. Uma boa fonte de informações sobre pesquisas na Psicologia, além
do manual, é a Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia: www.bvs-psi.org.br. O parecer
favorável no Satepsi (satepsi.cfp.org.br) indica que o teste possui, pelo menos, um conjunto
mínimo de estudos que atesta sua qualidade. A utilidade para algum propósito e contexto
específicos dependerá de uma análise cuidadosa desses estudos.

10. Quais testes psicológicos são indicados para utilização em avaliações psicológicas?

Cabe ao profissional investigar quais são os procedimentos, os meios e as técnicas


mais adequados para o contexto de seu trabalho, uma vez que o CFP defende a autonomia
profissional das (os) psicólogas (os) quanto à escolha dos testes, em consonância com a
Resolução CFP nº 002/2003: Art. 11 – As condições de uso dos instrumentos devem ser
consideradas apenas para os contextos e propósitos para os quais os estudos empíricos
indicaram resultados favoráveis. Parágrafo Único – A consideração da informação referida
no caput deste artigo é parte fundamental do processo de avaliação psicológica, especialmente
na escolha do teste mais adequado a cada propósito e será de responsabilidade do psicólogo
que utilizar o instrumento. (CFP, 2003) Além disso, cabe lembrar que a avaliação psicológica é
entendida como o processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação de
informações a respeito dos fenômenos psicológicos resultantes da relação do indivíduo com a
sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas como métodos, técnicas e
instrumentos.

Os resultados das avaliações devem considerar e analisar os condicionantes históricos e


sociais e seus efeitos no psiquismo, com a finalidade de servirem como instrumentos para atuar
não somente sobre o indivíduo, mas na modificação desses condicionantes que operam desde
a formulação da demanda até a conclusão do processo de avaliação psicológica. Ressalte-se,
também, que no Satepsi (http://www2.pol.org.br/satepsi/ sistema/admin. cfm) existe a
possibilidade de pesquisa sobre algumas características, tais como variável avaliada e área de
aplicação dos testes psicológicos aos usuários que se cadastram. Esse sistema pode ajudar os
psicólogos na escolha do instrumento mais adequado. Para esclarecimentos de questões
técnicas, sugere-se que seja realizada uma consulta em artigos científicos, universidades ou ao
Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (Ibap) (www.ibapnet.org.br).

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TEXTO 2

Conselho Federal de Psicologia (2019). Resolução No. 6, de 29 de março de 2019.


Modalidades de documentos escritos elaborados por psicólogos

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TEXTO 3

Texto adaptado de Rosenthal, MCP. Conhecer é mensurar ou conhecer é compreender?


Psicologia Revista, 2011, vol. 20, n.2, pp.275-277. Resenha do livro de M Cecília de Vilhena
Moraes

Em seu livro (2011 Silva, M.C.V. M História dos Testes Psicológicos: Origens e
Transformações) Maria Cecília de Vilhena Moraes Silva analisa criticamente as bases da
tradição psicométrica, por um lado, e, por outro, a tradição clínica e as provas projetivas.
Focaliza basicamente sua discussão a partir de dois autores mais importantes nesse campo
psicológico, analisando suas histórias de vida e o cenário sócio econômico da época. Galton e
Binet são os principais atores desse cenário.
Sob o título “conhecer é medir”, Silva (2011) analisa a produção de Sir Galton e suas
implicações na psicologia atual. Galton, após abandonar a área médica e realizar inúmeras
tentativas de obter reconhecimento profissional, debruça-se sobre a questão da
hereditariedade humana. Monta seu Laboratório Antropométrico, no qual mede aspectos
físicos e fisiológicos dos sujeitos (como o tamanho da cabeça e tempo de reação aos estímulos
e acuidade sensorial), que para ele seriam correlatos com a inteligência. Passa então a usar
tais medidas para aferir diferenças que supõe existir entre raças, classes sociais e gêneros.
Galton foi um pesquisador hábil na aplicação da matemática à pesquisa; não se preocupava
com diferenças individuais. Críticas à posição desse autor podem ser vistas, por exemplo, no
artigo de Marcos Chor Maio1(2017)
Nos EUA, essa linha de pesquisa foi assumida por James Cattell (1860-1994), que cria a
expressão “testes mentais”. Associado a Karl Pearson (criador do coeficiente de correlação)
defende a análise fatorial (estatística) como forma de se estabelecer parâmetros para a
definição e medida da Inteligência.
Silva (2011) contrapõe a Galton a figura do pesquisador francês Alfred Binet (1857-
1911), que inicialmente buscou aprofundar seus conhecimentos na área de psicofisiologia e
da psiquiatria (trabalhando junto a Jean-Martin Charcot). Associou-se a Victor Henri, traçando
bases da denominada Psicologia Individual - buscando descobrir de que forma os processos
psicológicos variam de pessoa a pessoa. Ao contrário de Galton, que focaliza processos
sensoriais, Binet propõe o foco do estudo psicológico nos processos mentais superiores –

1
Maio, OC. A crítica de Otto Klineberg aos testes de inteligência. Varia História, Belo Horizonte, vol.33,
n.61, ´.135-161, jan-março 2017
14
funções mentais complexas, como atenção e memória. A abordagem, aqui, é de natureza
compreensiva.
Em 1899, na França, preocupações pedagógicas e fins sociais da educação estão
no primeiro plano de seus interesses. Nessa época, a obrigatoriedade do ensino primário às
crianças traz à luz um problema: crianças que tinham dificuldades acadêmicas e não
acompanhavam o currículo regular. Atendendo à solicitação do Ministério do Ensino Público
na França, Binet associa-se a Théodore Simon e ambos criam a ESCALA BINET-SIMON. Partem
da observação empírica do funcionamento cognitivo de crianças de diversas faixas etárias,
observando as atividades mais típicas de cada faixa e criando itens para cada uma dessas
faixas de idade.
A noção de desenvolvimento e de a inteligência ser uma função que evolui com a
idade/maturidade está implícita em seu trabalho (Perron-Borelli, 1970)2. Os autores
submetem esses itens a amostras de crianças francesas de escolas primárias, identificando
aqueles itens que podem servir de padrão para uma idade específica. Ao longo das pesquisas,
Binet ressalta a perspectiva de a aferição de inteligência estar baseada na ação e na
atividade de resolução de problemas:

“um indivíduo se revela inteligente quando, colocado frente a um problema,


compreende a natureza de seus dados, mas, antes de tudo, se dá conta de que se trata de
um problema; inventa uma ou várias soluções adequadas aos objetivos a atingir;
permanece claramente em seu espírito tal objetivo, isto é, a direção a seguir ao longo das
várias tentativas mentais ou reais que vai efetuando; critica seu processo mental e os
seus resultados prováveis ou reais.”( Perron-Borelli e Perron, 1970, pg. 21)

Importante apontar que a inteligência, para Binet, envolvia uma inextricável


ligação entre o funcionamento intelectual e emocional, descrita por esse autor como
“atitude”. A avaliação, de caráter mais compreensivo, envolvia provas como: percepção de
formas geométricas (em tarefas de encaixe de formas em um tabuleiro, por exemplo),
coordenação motora (em atividades como enfiar contas em um cordão ou empilhar cubos),
linguagem (nomeação de objetos e figuras, definição de objetos a partir de seu uso,
organização de frases e sentenças, abstração de categorias verbais), memória (na retenção
imediata e números, da posição espacial de objetos), noção de igual e diferente, de julgamento
em situações sociais, etc.

2
Perron-Borelli, M. e Perron, R. (1970). O Exame Psicológico da Criança, Edições Manole: Lisboa – p.21
15
A escala de Binet-Simon envolve a apreciação do “nível mental” ou “idade mental”
atual das crianças, levando-se em conta a heterogeneidade do perfil de cada uma e as
possibilidades de mudança no processo de desenvolvimento. A Escala BINET-SIMON
imediatamente passou a ser usada por toda a Europa e Estados Unidos.
Sob a influência da perspectiva psicométrica de Galton, a escala foi adaptada nos
Estados Unidos sofrendo alterações que valorizavam apenas o resultado total e a
mensuração. Ao invés do temo “nível mental”, proposto por Binet, passou-se a usar o termo
cunhado pelo alemão William Stern (1981-1957): quociente intelectual (QI), calculado
pela fórmula:

IDADE MENTAL (IM) (em meses)


IDADE CRONOLÓGICA (IC) (em meses)

Lewis Terman padronizou a escala e a validou por meio de cálculo da correlação dos
resultados da escala com avaliação de professores; em seu cálculo do QI, para evitar os
decimais, propôs multiplicar resultados do QI de Stern por 100, de modo que a fórmula
original do QI passou a ser:
Idade Mental(IM) x 100 Ex.48 meses (IM) x 100 = Quociente intelectual de 100
Idade Cronológica (IC) 48 meses (IC)

Assim, origem do termo Quociente Intelectual (QI) se deriva justamente desse tipo de
cálculo entre de divisão entre Idade Mental e Cronológica, cujo resultado é um “quociente)
(termo que vem da matemática).
Enfim, a autora, trazendo estes marcos, cenários e personagens históricos, e, sob o ângulo
das duas perspectivas que delineou - compreensão e mensuração, tradição psicométrica e a
clínica- parece sugerir que o mais importante é a abordagem compreensiva e holística.

QUESTÕES SOBRE O TEXTO


1) Qual o posicionamento básico de Galton e Binet em relação ao conhecimento?
2) Qual a mudança básica ocorrida na prova de Binet quando adaptada ao ambiente
dos Estados Unidos?
3) Explique de onde vem a sigla “QI”

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TEXTO 4

A INTELIGÊNCIA E O SUJEITO
Autoras: Petroucic, MCMRP, Montagna, ME.

PARTE 1. O Psicodiagnóstico na área da Saúde e as áreas de atuação do psicólogo

Considera-se que a avaliação psicológica, ou psicodiagnóstico, tem basicamente o


objetivo de buscar formas de melhorar o sofrimento da pessoa. Ao mesmo tempo, esse
processo coloca em confronte a teoria e a práxis, extrapolando, desconstruindo e
reconstruindo as fronteiras entre esses aspectos.
Além disso, há várias linhas teóricas e abordagens que podem permear uma
investigação em psicologia. Os instrumentos são variados, mas a entrevista é uma ferramenta
básica. As áreas envolvidas nesse processo são: clínica, psicologia organizacional e do
trabalho, orientação vocacional, psicologia jurídica, dentre outras.

Atuação do psicólogo e avaliação compulsória.


Em determinados, contextos a avaliação psicológica é compulsória e visa verificar se
a pessoas está apta para alguma atividade, ou em condições de se submeter a determinados
procedimentos médicos. Portanto, são campos em que a atuação do psicólogo é
imprescindível.
O Conselho Federal de Psicologia, na revista “Diálogos- Especial” (Conselho Federal de
Psicologia, maio 2019) explicita os contextos em que a avaliação psicológica é compulsória.
Uma delas, a mais antiga, é a de trânsito, sendo que desde 1962 já é realizada essa avaliação
visando os condutores. Outra área apontada na revista é a importância da avaliação
compulsória voltada para concessão de porte de armas de fogo e as possíveis consequências
de maior liberalização do uso destas no Brasil. Concursos públicos também requerem que o
candidato seja submetido a esse processo avaliativo, no qual se procura identificar se o perfil
apresentado pelo indivíduo se adequa ao perfil esperado pelo cargo. Outro contexto citado na
revista (Conselho Federal de Psicologia, 2019) é o da infertilidade. Desde o surgimento da
reprodução humana assistida, com o nascimento do primeiro bebê de proveta (em 1978), a
importância dos aspectos emocionais do casal ( já marcado pela exclusão), é significativa. A
área da psicologia relacionada com o transplante de órgãos. O participante pode receber o
órgão (com um rim) de um o doador vivo, ou pode receber doação de órgãos de um doador
falecido (desde que autorizada pela sua família). As nuances e questões psicológicas
envolvidas nesse processo devem ser devidamente investigadas, esclarecidas e tratadas, de
17
modo que o participante possa se beneficiar desse procedimento tanto do ponto de vista
médico como psicológico, e possa efetivamente melhorar sua qualidade de vida.
Questões mais atuais, e nas quais é obrigatória a avaliação psicológica, envolvem a
diversidade do gênero. Os autores (CFP, 2019) relatam que desde 2008 o SUS realiza cirurgias
de adequação genital, em que o papel da avaliação psicológica é significativo. Aspectos
psicológicos relacionados à identidade são analisados nesse contexto.
Cabe citar ainda a Força Aérea Brasileira, na qual se efetua o Exame de Aptidão
Psicológica (seletivo) e o Exame Psicológico, que visa avaliar o equilíbrio psicológico e saúde
psicoemocional dos indivíduos. Finalmente na Aviação Civil também é área a avaliação
compulsória; cabe aqui cuidar do aspecto da saúde e segurança, tanto dos processos
envolvidos no voo, em si, quanto dos tripulantes e dos passageiros.

Sob esse pano de fundo, entendemos que a investigação psicológica surge de uma
necessidade ou demanda colocada pelo cliente, delimitando-se a partir dessa escuta um
caminho para se acessar seu problema.
Esse acesso antes de tudo deve ser apropriado ao contexto (hospitalar, clínica,
educacional, trabalho, forense), setting ou enquadre (como local, horário e duração das
sessões), abordagem (psicodinâmica, fenomenológica, comportamental ou outras) e
considerando-se, acima de tudo, o rigor de uma ética pessoal e profissional (Conselho Federal
de Psicologia- CFP). Essa escuta é mediada pela instrumentação do psicólogo criando formas
de acessar o outro e selecionando atividades que o habilitem a construir o tecido dessa
investigação.
Conhecimentos específicos (sobre genética, neurologia, e psicopatologia, por
exemplo), sob a égide da transdisciplinaridade devem se somar ao autoconhecimento e
auto-observação constante do profissional. Dúvidas, inquietações, sentimentos de
impotência/ onipotência estão presentes nas várias etapas do processo de se conhecer o
outro.

A atualização constante do profissional em relação às pesquisas recentes é um


compromisso que este deve assumir para fazer frente às mudanças e transformações na
ciência e da sociedade.
Por exemplo, um olhar rápido à sociedade globalizada de hoje, na qual o trânsito de
informações subjetivas na internet é uma constante, as fronteiras público/privado, eu/outro
parecem ter se desvanecido. Plataformas virtuais permitem comunicações de experiências e
vivências pessoais a um grande número de pessoas simultaneamente. Mais recentemente, e
18
considerando-se o ambiente de pandemia desde 2020, e a necessidade de distanciamento
social, pode-se considerar que o uso do ambiente virtual foi uma saída viável para a
comunicação interpessoal. De outro, promoveu condições peculiares de percepção e contato
com o outro. Por exemplo, aspectos não verbais da comunicação, como os movimentos
corporais, podem não ser tão bem percebidos. Outro ponto a ser considerado é que muitas
crianças estavam tendo aulas virtuais no momento em que se iniciava o processo de
alfabetização, o que pode ter interferido na aprendizagem.
O uso de aplicativos de mensagens, nos quais o espaço reservado para o texto é
relativamente pequeno, promoveu uso da linguagem com convenções diferentes do usual.
Ainda, aplicativos (como whatsapp, por exemplo) que reforçam positivamente o indivíduo por
meio de respostas rápidas à suas demandas sociais, eventualmente podem distrair o indivíduo
em relação a um foco de trabalho, diminuindo seu poder de concentração e de sustentação da
atenção.

A seleção e escolha dos instrumentos no processo e avaliação psicológica

A escolha dos instrumentos usados depende da linha teórica do psicólogo, mas em


geral a entrevista é fundamental em um primeiro contato.
Faz-se um contraponto entre as provas psicométricas (como DFH IV ou Escalas
Wechsler), concebidas sob a perspectiva nomotética, e técnicas projetivas (como a prova de
associação de palavras de Jung, o Teste de Apercepção Temática – TAT, ou ainda as histórias
relatadas no DFH IV), que valorizam a perspectiva idiográfica.
• Instrumentos “projetivos”: vêm da tradição psicanalítica e têm a característica de ter
instrução ampla – como “fale-me sobre...”, ou “conte uma histórica sobre...” (como o TAT) e
estímulos pouco definidos e ambíguos– como é o caso das manchas de Rorschach. Focaliza-
se no qualitativo, nos processos de construção da resposta e na forma particular de o
indivíduo efetuar a tarefa proposta.
• Abordagem psicométrica: o foco principal é a mensuração. Aqui, define-se o conceito a
ser medido, o universo dos itens, padronizam-se condições de aplicação e avaliação do
teste, podendo-se, a partir desse controle, observar o resultado do indivíduo com relação à
função que se pretende medir. Os resultados são comparados com as normas grupais e
expressam números transformados em índices (como percentil, resultado padrão ou
coeficiente intelectual), permite-se assim a delimitação da posição do indivíduo no grupo
normativo. Estudos sobre validade subsidiam a interpretação final dos dados.

19
Montagna (2006) relata que os testes de inteligência foram desenvolvidos
separadamente das técnicas projetivas, e suas origens remontam a diferentes perspectivas
da psicologia. Assim, as técnicas projetivas são analisadas segundo um método clínico
qualitativo. Os testes de inteligência basearam-se na metodologia experimental. Todavia,
ambos são utilizados no processo do psicodiagnóstico. Como consequência, na prática clínica
pode observar-se dissociação metodológica caso o profissional da saúde meça o
funcionamento intelectivo exclusivamente por meio de testes objetivos e investigue a
personalidade apenas em abordagem idiográfica. Divorcia-se, nesse caso, o mental do
corporal, a cognição da emoção.
Como escapar dessa armadilha epistemológica? O cuidado no desenvolvimento e
explicitação do raciocínio clínico pode ser um caminho. Esta passa por movimentos de
construção e desconstruções do saber teórico em sua relação com a prática clínica. Fala-se da
exploração contínua dos limites de cada saber, das fronteiras entre as linhas teóricas e as
disciplinares. No raciocínio clínico, o indivíduo, a família, a cultura e o social são níveis do
pensar que tangenciam, misturam-se e se separam, dialeticamente.

Referências: Montagna, ME. Semelhanças entre o processo de conhecimento da criança e do


psicólogo durante o psicodiagnóstico. Psicologia Revista, v. 15, p. 1, 2006.

QUESTÕES SOBRE O TEXTO


• Analise o motivo de o CPF considerar necessárias as avaliações compulsórias nas áreas de
trânsito, concurso público, aviação, adequação genital, infertilidade, transplante de órgãos
e porte de armas de fogo.
• Qual a diferença básica entre uma prova psicométrica e uma técnica projetiva?

20
_________________________________________________________________________________________
PARTE 2. O WISC e o WASI como instrumentos de avaliação dos recursos cognitivo-
afetivos

A Escala de Inteligência para Crianças (WISC) foi construída por David Wechsler e
destina-se à avaliação da inteligência de crianças de 6 a 16 anos. Baseou-se em escala criada
anteriormente para a população adulta, em 1952, denominada Escala Bellevue de Inteligência
para Adultos. A partir desta foram criados vários instrumentos análogos, como o WAIS
(Wechsler Adult Intelligence Scale), WISC (Wechsler Intelligence Scale for Children) e o WASI
(Wechsler Abreviated Scale of Intelligence). As escalas foram submetidas a várias revisões, e
nos referiremos aqui à sua última edição, o WISC IV (Rueda FJM, Noronha AP, Sisto FF, Santos
AA e Castro NR, 2013).

Também nos referiremos ao WASI (Wechsler Abreviated Scale of Intelligence), sendo


que sua primeira edição para a população brasileira ocorreu em 2014 (Trentini, C.M, Yates,
D.B & Heck, V.S.). O WASI é basicamente uma Escala Abreviada de Inteligência, composta por
4 subtestes semelhantes ao WAIS e WISC: Vocabulário, Semelhanças (a partir do qual se
calcula o QI Verbal), Cubos e Raciocínio Matricial (QI de Execução). Embora seja usado mais
para triagem, dadas suas limitações, fornece o QI total estimado, e suas normas abarcam
indivíduos de 6 anos a idosos de 89 anos de idade.

Wechsler (1958) considerava fundamental que a escolha dos itens de todos os testes
de inteligência esteja afinada com a definição de inteligência proposta por seu autor. Define
a inteligência como construto hipotético, envolvendo:
“a capacidade conjunta ou global do indivíduo para agir com finalidade, pensar
racionalmente e lidar efetivamente com seu meio. É conjunta ou global porque é
composta de elementos ou habilidades que não são independentes, porém podem ser
diferenciadas entre si qualitativamente. Pela medida destas habilidades através dos

21
resultados de um teste, temos à disposição dados objetivos que são importantes na
avaliação da inteligência. Mas a inteligência funcional não se identifica com a mera
soma destas habilidades ou de suas qualidades, mas também pelo modo como são
combinadas, isto é, a sua configuração.”

É importante também ressaltar a importância que Wechsler (1958) conferiu aos “fatores
não intelectivos, como motivação e estímulo” implicados na atitude do sujeito frente à
prova, e que envolvem abrangência teórica mais ampla ao conceito de inteligência. Com este
propósito, Wechsler propõe, por exemplo, o subteste Compreensão, que investiga o modo
como a criança maneja situações-conflito envolvendo relacionamento interpessoal, bem como
percepção e manejo de normas e valores sociais.
Vale ainda mencionar que, para este autor, era importante diferenciar entre processos
mentais permeados pela linguagem e aqueles relacionados a uma inteligência prática.
Coerente com esta proposta, os subtestes do WAIS III formam dois conjuntos de provas: as
consideradas de natureza verbal, e os subtestes que avaliam habilidades viso-motoras
espaciais ou de execução. Calcula-se o QI Verbal, QI de Execução, bem como o QI Total.
Na versão mais atual do WISC IV, considerou-se mais relevante enfatizar os
denominados Índices Fatoriais; manteve-se por outro lado, o cálculo do QI Total. O
raciocínio teórico por trás disso é que as tarefas desenvolvidas no WISC-IV envolvem várias
funções cognitivas distintas (representadas pelos índices), e que, em conjunto, podem refletir
a capacidade global do indivíduo (QI total). Os quatro índices mensurados são:
1) Índice de Compreensão Verbal (IVC);
2) Índice de Organização Perceptual (IOP);
3) Índice de Memória Operacional (IMO);
4) Índice de Velocidade de Processamento (IVP).

22
COMPOSIÇÃO DA ESCALA WISC IV: ÍNDICES E SUBTESTES

A escala é composta por 15 subtestes, sendo que 10 deles devem ser aplicados de
modo a se calcular os índices e o QI. Os 5 remanescentes são suplementares (Supl) conforme
tabela abaixo.

ICV IOP IMO IVP

Vocabulário Raciocínio Matricial Dígitos Código


Compreensão Cubos Seq. N. e Letras Procurar
Símbolos
Semelhanças Conceitos Figurativos Aritmética Cancelamento
(Supl.) (Supl.)
Informação (Supl.) Completar Figuras
(Supl.): pode
substituir Cubos
Raciocínio com
Palavras (Supl.)

Descrição dos Índices propostos na escala de inteligência WISC-IV.

Índice de Compreensão Verbal (ICV): envolve tarefas que avaliam habilidades verbais por
meio de raciocínio, abstração e integração de conceitos verbais, compreensão.
Secundariamente, também avalia o conhecimento verbal previamente adquirido e a memória
de longo prazo. O input (a questão proposta) é, sempre, auditivo e o output (resposta do
sujeito) é verbal.

Índice de Organização Perceptual (IOP): envolve habilidade de análise e síntese de


elementos visuais e espaciais, ou seja, a capacidade de organizar informações visuais em
padrões de significado, e de compreender como tais informações podem sofrer mudanças
caso movimentadas no espaço ou em rotação. São tarefas de identificação de detalhes
relevantes, percepção de coordenadas espaciais e de ângulos, julgamento de distância
sequenciação lógica de elementos.

23
Índice de Memória Operacional (IMO): envolve tarefas que avaliam a memória de curto
prazo e memória de trabalho (operacional), por meio de estímulos auditivos. Envolve a
atenção a estímulos auditivos e raciocínio. O input é sempre auditivo e o output (a resposta) é
oral.

Índice de Velocidade de Processamento (IVP): envolve a habilidade de processar


informações rotineiras de forma fluente e automática: manter o foco, atenção e concentração.
Envolve associação rápida entre sinais visuais e atenção. Nesse tipo de tarefa o input é visual e
o output é motor – e todas são atividades cronometradas.

Montagna (2005) analisa o WISC no contexto clínico, visando ilustrar, explicar e


substanciar o uso do raciocínio clínico a partir das respostas da criança ao subtestes do
WISC. A pesquisadora vai, a cada resposta da criança nesta prova, levantando hipóteses,
analisando seu significado e comparando seu modo de reagir nesta situação com o que
observa a partir de outras fontes de informação, como entrevista e provas projetivas.
Ainda a propósito da utilização do WISC no contexto clínico, vale mencionar que alguns
autores são claros em dizer que “Os escores dos testes são no máximo tão úteis quanto a
interpretação que se faz deles” (Brooks, 1989, citado por Lezak, 1995). Ressalta-se que,
para ser eficiente nesse processo, o clínico, além de submeter-se a um treino intensivo na
área, tem que se pautar em conhecimentos sobre psicopatologia, neuropsicologia, bem como
desenvolvimento normal e patológico, que possam, juntamente com o uso de diversos
instrumentos, como entrevista (aos pais ou responsáveis) provas específicas ou atividades
(como leitura e escrita) escalas clínicas, informações de prontuário e acadêmicas, que, em
conjunto, podem substanciar e permitir uma validação de um diagnóstico.

Descrição e interpretação dos subtestes do ICV no WISC IV

1. Vocabulário: A prova é constituída por palavras que a criança deve definir, e que estão
apresentadas em ordem crescente de dificuldade. O nível de dificuldade está associado com a
frequência com que a palavra é usada e com a complexidade do conceito representado – ou
grau de abstração. A inclusão dessa prova num teste de inteligência está relacionada ao
pressuposto de que o conhecimento de palavras (número de palavras que a pessoa
conhece) é uma medida de sua habilidade de aprendizagem, de seu repertório lexical e do
modo geral como organiza suas ideias.
24
Dar o significado da palavra envolve não só que a criança conheça seu significado,
mas que seja também capaz de abstraí-lo e expressá-lo verbalmente, captando os aspectos
semânticos mais essenciais.
Segundo Glasser e Zimerman (1977), a definição de palavras pressupõe uma
organização de ideias através da manipulação implícita de signos e símbolos verbais, o que é
considerada um critério de inteligência. Por outro lado, deve-se ressaltar que repertório de
ideias e vocabulário da criança é influenciado pelo ambiente educativo e sócio cultural,
sendo exigido que a criança evoque um conteúdo - uma palavra que foi aprendida- a partir de
sua memória de longo prazo. Assim, o subteste permite ao psicólogo explorar a amplitude de
vocabulário da criança, a qualidade de sua expressão verbal, assim como sua habilidade de
abstração dos elementos mais essenciais relativos ao significado de cada palavra. A análise
do aspecto semântico permite examinar possíveis dificuldades no âmbito da linguagem no
que tange ao significado do conceito.

2.Compreensão: Essa prova tem por finalidade examinar a capacidade de compreensão de


comportamentos de natureza social. As questões solicitam uma resposta originada em
experiências comumente vividas pelas crianças em suas relações sociais. Referem-se ao
cotidiano da pessoa e são boas indicadoras de sua capacidade de reconhecer as normas,
valores e regras de conduta social (vivência social). O valor dessa prova reside também na
sensibilidade de diagnosticar problemas de adaptação e a forma de a criança expressar
verbalmente suas opiniões e pensamentos.
O fundamento teórico dessa prova, segundo Glasser e Zimerman (1977), é o de que as
crianças adquirem conceitos e valores sociais e morais através das experiências de sua vida
cotidiana, familiar e escolar. As respostas aos itens do subteste refletem a amplitude de
compreensão da criança sobre tais situações sociais, bem como a forma com que
soluciona os conflitos propostos. Mede a capacidade de a criança articular o conhecimento e
a compreensão de normas sociais com resolução de problemas de eventos de vida específicos.
Assim, é possível, nesta prova, examinar a habilidade da criança em utilizar o
julgamento prático nos atos sociais do dia-a-dia, até que ponto interiorizou a cultura
social e desenvolveu uma consciência madura ou um sentido moral. Pode-se também obter
indícios sobre dificuldades de expressão verbal, na organização do pensamento lógico, bem
como sobre aspectos de sua afetividade.

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3. Semelhanças: Nessa prova, solicita-se à criança que diga qual é a semelhança entre
palavras que representam conceitos ou objetos comuns. Requer que o sujeito identifique a
semelhança essencial existente entre os elementos, e a categoria a qual eles pertencem. É
considerado um dos melhores subtestes da bateria dada a sua saturação de fator geral (fator
G) sendo uma boa medida de inteligência fluída, ou seja, da percepção de relações que
dependem menos diretamente da cultura. Avalia a habilidade de classificar os conceitos em
categorias de ordem superior.
A análise das respostas deste subteste propicia que se observem aspectos
qualitativos do processo de pensamento da criança. Parte-se do princípio que a criança capta
fatos e ideias de seu meio e que deve ser capaz de selecionar e verbalizar relações
apropriadas entre objetos ou conceitos aparentemente distintos. O processo de construção
dessas relações e categorias depende da memória verbal remota, da capacidade de
compreensão do significado dos conceitos e de integração entre ideias. Permite assim
avaliar seu nível de raciocínio, sendo que as respostas podem ser classificadas em relação a
três níveis de formação de conceitos: concreto, funcional e abstrato.

4. Informação: Essa prova consiste de perguntas sobre conhecimentos adquiridos no meio


acadêmico e sócio cultural. Os itens requisitam uma resposta oriunda da experiência diária
(cultural, social e escolar) sobre informações gerais em diversas áreas (história, ciência,
etc.). Fornecem dados sobre a amplitude geral de informação que a pessoa acumulou em seu
repertório e se é capaz de evoca esses dados - considerando-se o fato de que tenha tido
oportunidades para ser exposta aos conteúdos. Mais especificamente, essa prova afere a
quantidade e qualidade de conteúdos que a pessoa retirou de seu meio circundante - se
captou esses dados e os reteve na memória de longo prazo. Assim, indica de que forma a
criança realiza operações de evocação, compreensão do material verbal, sua capacidade de
pensamento associativo, assim como o pano de fundo de interesses do sujeito.

Aspectos qualitativos a serem observados:

1) A freqüência de solicitações de que uma pergunta seja repetida, acima do esperado para a
idade da criança, pode indicar dificuldades de atenção ou de compreensão da linguagem
(linguagem receptiva). Esse comportamento pode indicar aos professores que é necessário
observar a criança em sala de aula e verificar se ela efetivamente compreendeu as instruções
verbais.

26
2) Um número elevado de ocorrências de comportamentos em que a criança “Não responde”
ao item (em relação à faixa de idade) pode sugerir que a criança: está se empenhando pouco
ou que o esforço mental necessário para a execução da tarefa a desagrada ou incomoda. Outra
hipótese seria a de a criança estar apresentando uma atitude de oposição; ou ainda, ter
dificuldade em recuperar ou expressar informações verbais.

3) Outro aspecto da tarefa de Informação a ser observado refere-se ao conteúdo dos itens do
subteste. Os itens podem ser agrupados nas seguintes categorias de conteúdo, ou seja, itens a)
que exigem uma resposta qualitativa; b) que envolvem a evocação de informações de
calendário; c) aqueles que refletem conhecimento de ciências; d) que avaliam o conhecimento
de geografia ou direções; e) aqueles que exigem conhecimento de História. Se a criança
fracassa seletivamente em uma ou mais categorias, apesar de se sair bem em itens de
dificuldade igual ou maior das outras categorias, pode-se suspeitar de uma dificuldade de
aprendizagem relacionada à área específica ou à exposição insuficiente a esse tipo de
informação.
Por exemplo, a compreensão insuficiente de geografia ou das direções pode sugerir
a necessidade de avaliação adicional do processamento viso-espacial da criança. O
desempenho em itens de calendário pode refletir dificuldades com sequências, de modo que
este aspecto deve ser investigado.

5. Raciocínio com Palavras: Nessa tarefa é solicitado à criança que identifique conceitos
comuns por meio de uma série de descrições que lhe são fornecidas. Nesta atividade, o
examinador fornece pistas a respeito de um determinado conceito e, a partir do
processamento de tais pistas, deve buscar a palavra correspondente.
Essa tarefa demanda uma grande carga de memória operacional e de decodificação
auditiva para manter em mente 2 ou 3 pistas dadas, até chegar à resposta final. Assim como o
subteste ‘Semelhanças’, está bem relacionada com raciocínio fluído.
Aspectos qualitativos a serem observados são: 1) a reação à frustração e presença de
insegurança. Muitas vezes as crianças precisam “chutar” após as primeiras dicas, pois elas são
muito vagas ou inespecíficas; 2) solicitar repetição de forma frequente.

Descrição e interpretação dos subtestes do IOP:

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1. Raciocíno Matricial: Em cada item desta tarefa é mostrada à pessoa uma matriz
incompleta e ela deve encontrar o estímulo que a completa, escolhendo dentre 5 opções de
respostas que lhe são apresentadas. A prova não é cronometrada, embora a criança deva ser
encorajada a responder depois de 20 segundos.
Avalia a habilidade de a criança captar associações lógicas entre modelos visuais.
Requer muito pouco da linguagem e demanda bastante raciocínio fluído – assim como o
subteste de Semelhanças, tem grande carga de fator G, que envolve a capacidade de
estabelecer relações entre elementos. Também avalia secundariamente a discriminação
visual, atenção a detalhes e escaneamento visual. A presença de respostas impulsivas pode
dificultar seu desempenho, na medida em que a criança pode não se dar o tempo necessário
para percorrer todas as etapas da atividade em curso.
Qualitativamente pode se observar se a criança mantém sua atenção
persistentemente, e se ocorre fadiga intra tarefa.

2. Cubos: O subteste cubos consta de desenhos geométricos que a criança deve reproduzir
concretamente fazendo uma construção com cubos, o mais rápido que conseguir (tarefa
cronometrada). Tem origem nos cubos de Kohs, considerados como uma medida de
inteligência não verbal por não recrutar grande carga de linguagem. Apresenta boa correlação
com outros testes de inteligência, sendo considerado como uma excelente medida desse
conceito.
A prova requer a capacidade de analisar o modelo, abstrair cada cubo do todo,
decodificar as coordenadas visuoespaciais envolvidas e organizá-las formando nova
síntese. Permite assim examinar-se a percepção, a análise e síntese viso-espaciais. O
planejamento (verbalizado ou não pela criança), a presença ou não de perdas do programa
(como quando a criança constrói seu modelo mais fileiras ou cubos do que é previsto) e a
organização das relações espaciais são requeridos para se chegar à resolução do problema,
bem como a coordenação viso-motora.

3. Conceitos Figurativos: Nesta tarefa o aplicador mostra duas ou três fileiras de figuras ao
examinando, que deve escolher uma figura de cada fileira para formar um grupo que tenha
uma característica comum.
A associação entre os objetos é identificada por processos visuais, e nenhuma
resposta verbal é necessária, mas os conceitos que ligam os objetos são semânticos (ou seja,
há influência da linguagem). Exige escaneamento visual adequado, atenção para detalhes
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visuais, discriminação visual, conhecimento semântico adequado e, sobretudo, capacidade de
abstração e síntese para formar as categorias necessárias para se chegar à resposta correta.

4. Completar Figuras: o subteste consta de figuras incompletas que representam objetos ou


cenas. A criança deve apontar ou indicar qual é a parte que está faltando, dentro de um limite
preestabelecido de tempo. Essa atividade envolve a comparação da figura com um modelo
visual interno da mesma, abstraindo-se o elemento que a completa e que tem mais relevância
no contexto.
É uma prova que mede habilidades básicas de percepção visual, pois requer
reconhecimento e identificação do objeto a partir da memória semântica visual
(representações mentais de objetos) e a percepção de sua relevância. Pode-se analisar, pela
sua resposta, se a criança efetivamente captou o essencial, relativo à forma ou à função do
objeto representado, ou se deu uma resposta mais imediata e impulsiva, apoiada em aspectos
mais sobressalentes da figura, porém menos importantes na cena. A atenção e a concentração,
bem como a forma como a criança desenvolve as hipóteses perceptivas, são fatores
importantes na prova, permitindo uma estimativa da qualidade do processamento dos
estímulos visuais.

Aspectos qualitativos: Verificar se se a criança apresenta maior dificuldade nos itens


cuja solução exige que ela leve em conta um padrão ou simetria ou naqueles que dependem de
conhecimento baseado na experiência. Ficar atento a verbalizações como “não falta nada” e
para o grau de elaboração da resposta.

Descrição e interpretação dos subtestes do IMO:

1. Dígitos: Essa prova solicita a repetição de números que são lidos para a criança em voz alta
pelo aplicador, tanto na ordem direta, como inversa. É uma que envolve aferição de
fenômenos envolvendo dificuldades na atenção, memória imediata (Ordem Direta), bem
como memória operacional e controle mental (Dígitos Ordem Inversa).

Para Glasser e Zimerman (1977) o fundamento teórico dessa prova tem como
pressuposto que a memória imediata é um pré-requisito para o funcionamento de toda a
atividade intelectual. A prova permite que se examine a habilidade de manter a atenção
enfocada no processo de audição e repetição dos elementos. Observa-se ainda se a criança faz
uso de estratégias como agrupamento dos dígitos, de repetição mental ou visualização dos

29
mesmos.

Observamos ainda que a ordem direta exige apenas a repetição, e pode ser afetada por
problemas de atenção, dificuldade de discriminação de sons (dificuldade na compreensão dos
dígitos auditivamente apresentados), pela capacidade de sequenciação temporal ou por
ambos. A ordem inversa, por outro lado, exige a participação da memória operacional ou
controle mental; ou seja, é preciso que a criança mantenha a sequência de dígitos em uma
área de armazenamento temporário de memória de curto prazo enquanto executa a
manipulação mental da sequência de dígitos.

Mesmo a ordem inversa sendo mais difícil, pode ocorrer situações em que a criança
recruta um maior esforço durante a realização da ordem inversa, e com isso consegue reter
um maior número de dígitos do que na ordem direta. Pode também ter percebido a atividade
de dígitos inverso como mais desafiadora.

2. Sequência de números e letras: Semelhante ao subteste Dígitos, o aplicador deve ler em


voz alta, para a criança, uma série de números e letras (pausadamente – em média um
estímulo a cada segundo). A criança deve repetir a sequência, reorganizando-a em primeiro os
números em ordem crescente e depois as letras em ordem alfabética; essa atividade exige
mais da memória operacional, do que em Dígitos Inverso, no qual a ordenação dos elementos
envolve apenas a seriação numérica.
Dentre os comportamentos a serem observados estão: 1) se a criança se beneficia de
alguma estratégia (verbal ou visual); 2) qual é a qualidade do erro (errou toda a sequência ou
apenas um número? 3) Quais são os fatores que prejudicam o desempenho (desatenção,
prejuízo auditivo, ansiedade?) 4) A criança é persistente ou tem baixa tolerância à frustração?
5) Tende a errar no primeiro item da série a acertar no segundo?

3. Aritmética: Essa prova consta de problemas matemáticos que envolvem operações de


cálculo. A criança deve resolver, mentalmente, cada problema matemático que lhe é
apresentado oralmente. A tarefa é cronometrada, e a criança tem um tempo limitado para
fazer os cálculos. A habilidade para resolver problemas aritméticos tem sido considerada
como uma amostra da vivacidade mental e da capacidade de raciocinar logicamente com
operações numéricas. É um subteste que tem alta correlação com medidas globais de
inteligência.

30
O fundamento dessa prova, segundo Glasser e Zimerman (1977), baseia-se no
pressuposto de que a capacidade de manejar conceitos numéricos (raciocínio matemático) é
um indicativo de inteligência. Todavia, é uma prova que recruta múltiplos processos
cognitivos: atenção seletiva e concentrada, memória de curto e longo prazo, raciocínio
matemático e memória operacional.
Estão envolvidas no processo de resolução desses problemas funções como a
atenção e a compreensão verbal do enunciado, o equacionamento do problema, seleção
das operações implicadas, os cálculos, a organização a resposta final ao problema. A
habilidade de sustentação da atenção nas várias etapas desse processo é um aspecto a ser
observado.
Uma das condições para a resolução desses problemas é a aprendizagem das
quatro operações aritméticas (adição, subtração, multiplicação e divisão) e de suas
aplicações, o que depende de conhecimentos acadêmicos específicos sobre essas as operações,
bem como do nível educacional.

Descrição e interpretação dos subtestes do IVP:

1. Código: Solicita-se que a criança copie símbolos, a lápis, no papel, e associe números a
sinais gráficos. A medida de sua habilidade intelectual está associada à exatidão e à velocidade
de seu desempenho nesta prova. A prova requer destreza viso-motora e na manipulação do
lápis, e a habilidade de associar mentalmente elementos visuais, de modo que ambas as
habilidades devem ser analisadas para se compreender o resultado quantitativo final.

Aspectos qualitativos: É importante observar se estão presentes: ansiedade, baixa


motivação, atenção insuficientemente sustentada, baixa resistência à distração, déficit
perceptivo, déficit da capacidade motora, problemas em iniciar ou manter o esforço, e
dificuldade em manter um tônus atencional e engajamento.

A criança pode ter uma dificuldade mais específica de controlar a motricidade fina.
Algumas se preocupam em desenhar os símbolos mais caprichosamente e não se dão conta do
aspecto da instrução que menciona que a atividade deve ser desenvolvida com rapidez. Por
outro lado, a ansiedade em relação ao tempo pode fazer com que a criança acelere
indevidamente seu ritmo e por essa razão cometa imprecisões ou falhas.

31
2. Procurar Símbolos: Neste subteste a criança deve comparar dois conjuntos de símbolos
visando indicar se um dos elementos do grupo de estímulo-alvo está presente ou não no
grupo de busca, dentro de um intervalo de tempo estipulado. Requer a comparação visual
entre os estímulos.
Essa prova também avalia a tomada de decisão e a discriminação visual, pois os
símbolos são parecidos e a pessoas tem que decidir se “sim” (se há um elemento igual ao
modelo) ou “não”. Podemos observar como a criança manipula o lápis, a pressão que exerce
sobre o papel e seu movimento de olhos. Sinais de fadiga podem ser observados por meio de
desinteresse na atividade ou desatenção.

3. Cancelamento: Uma tarefa clássica na neuropsicologia, para inspeção e avaliação de


déficits no campo visual. Envolve a habilidade da criança de rastrear visualmente estímulos
alvo dentre distratores. São apresentadas figuras de animais, e a criança deve passar um traço
em cada animal que vir dentre uma série de estímulos dispostos na folha de respostas. A
tarefa envolve duas condições: estruturada, na qual os estímulos estão organizados em linhas
e colunas; e a aleatória (não estruturada). É uma tarefa cronometrada, portanto recruta
velocidade de desempenho e é uma prova que requer destreza viso-motora e na manipulação
do lápis.
Referências
Flanagan DF, Kaufman AS. (2009). Essentials of WISC-IV Assessment. 2nd edition, pg 576 pg.
New Jersey: John Wiley & Sons.
Lezak, M. D. (1995). Neuropsychological assessment (3rd ed.). New York Oxford University
Press.
Montagna, M.E. (2005). O uso do raciocínio clínico na escala Wechsler de inteligência infantil.
2005. 147 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo.
Prifitera A, Saklofske DH, Weiss LG (2005). WISC-IV. Clinical Use and Interpretation. 1st
edition, 486 pg. San Antonio: Harcourt Assessment.
Prifitera A, Saklofske DH, Weiss LG (2005). WISC-IV Clinical Assessment and Intervention. 2nd
edition, 576 pg. San Antonio: Pearson Assessment.
Wechsler, D. (1958). The measurement and appraisal of adult intelligence (4th ed.). Baltimore,
MD, US: Williams & Wilkins C.V. Casa do Psicólogo, 2014

32
TEXTO 5 Escala de Inteligência Wechsler para Adultos: WAIS III

Lopes, RMF, Wendt, GW, Rathke, SM. Senden, DA, Ferreira, R.B. Reflexões Teóricas e
Práticas sobre a interpretação da Escala Wechsler para Adultos Acta Colombiana de
Psicologia 15 (2): 109-118 2012. Adaptado para fins acadêmicos

Resumo
O uso das Escalas Wechsler de Inteligência está voltado para contextos clínicos,
psicoeducacionais e de pesquisa, possibilitando a avaliação minuciosa das capacidades
cognitivas de crianças, adolescentes e adultos. A inteligência geral deve ser considerada como
uma manifestação da personalidade como um todo. As habilidades intelectuais são medidas
através de instrumentos psicométricos. Para esta pesquisa, com foco na Escala de Inteligência
Wechsler para Adultos (WAIS-III), buscou-se abordar as principais características e
utilizações da escala para a população adulta, bem como se explorou a importância das
informações deste instrumento e suas aplicações, principalmente no que se refere à
interpretação clínica qualitativa. Trata-se de uma revisão da literatura dos autores mais
clássicos sobre o tema. Os autores recorreram a uma revisão crítica de aspectos essenciais que
tangenciam a testagem psicológica e neuropsicológica, abordando os construtos de
inteligência cristalizada, fluída e sua integração com o estudo da personalidade. Finalmente,
os autores discutem a importância dos índices fatoriais e suas implicações na interpretação
clínica.
Palavras-chave: WAIS-III, interpretação clínica subtestes, inteligência fluída, inteligência
cristalizada.

INTRODUÇÃO

A Neuropsicologia consiste em descrever, identificar, e estabelecer relações existentes


entre a organização cerebral e as atividades cognitivas (Spreen & Strauss, 1998). Este
campo fundamenta-se em conhecimentos advindos de áreas como a neurociência e a
psicologia aplicada, sendo assim de natureza multidisciplinar.

Neste contexto, o neuropsicólogo é responsável, principalmente, pela avaliação e


reabilitação neuropsicológica de alterações do sistema nervoso central (Conseza, Fuentes, &
Malloy-Diniz, 2008). Para identificar prejuízos nas funções cognitivas são utilizados testes
neuropsicológicos que avaliam os efeitos da disfunção cerebral sobre a capacidade do sujeito
em desempenhar certas tarefas.

Apesar de não identificarem os danos, os instrumentos podem constatar os efeitos e


consequências de lesões diversas. Observa-se que algumas das habilidades aferidas por meio
dos instrumentos neuropsicológicos como linguagem, atenção memória e aprendizagem, são
avaliadas também nos testes de inteligência. As habilidades cognitivas de uma pessoa
envolvem variáveis complexas, devendo ser compreendidas em detalhes por meio de
instrumentos psicológicos, e com o auxílio de outros exames neurológicos.

A inteligência é um construto e uma maneira de estudar a dimensão do funcionamento


mental e refere-se à totalidade das habilidades cognitivas de um sujeito, ligadas à capacidade
de identificar e encontrar soluções de novos problemas.

33
David Wechsler (2004) ao desenvolver sua bateria de testes considerou a inteligência
como uma entidade global e única ao mesmo tempo e, por essa razão, utilizou o escore
Quociente de Inteligência – QI (Dalgalarrondo, 2000). A concepção de inteligência, de
acordo com Wechsler (2004), relaciona-se à capacidade conjunta ou global do indivíduo para
agir com finalidade, pensar racionalmente e lidar efetivamente com seu meio ambiente.

Conforme ressaltam Gottfredson e Saklofske (2009), a inteligência é considerada, no


campo da psicologia, enquanto um constructo-chave para a compreensão das diferenças
individuais, sendo que seu estudo envolve praticamente todas as áreas correlatas à psicologia,
como a neurobiologia e a genética do comportamento. Assim, inteligência e as capacidades
intelectuais são constructos distintos, pois a inteligência é inferida a partir do modo com o qual
essas capacidades se manifestam em diferentes condições e circunstâncias.

A prática corrente de adaptar instrumentos para a mensuração e avaliação desses


constructos como personalidade e inteligência em uma determinada cultura não está
circunscrita somente a pesquisas transculturais, mas também, para uso intracultural.
Instrumentos como as Escalas Wechsler de Inteligência figuram dentre os mais investigados e
utilizados mundialmente, sendo geralmente adaptados para uso em outras culturas e países
(Brooks, Strauss, Sherman, Iverson, & Slick, 2009; Coutinho &Nascimento, 2010; Montes,
Allen, Puente, & Neblina, 2010).

A primeira edição das Escalas Wechsler de Inteligência foi publicada em 1939 e


denominada Escala Wechsler-Bellevue (Escala W-B). A partir de então, as escalas foram
sofrendo revisões e deram origem às atuais Wechsler Intelligence Scale for Children (WISC) e
Wechsler Adult Intelligence Scale (WAIS) (Nascimento & Figueiredo, 2002b). No Brasil, estão
disponíveis para os profissionais que atuam na área de avaliação psicológica a Escala
Wechsler de Inteligência para Adultos - Terceira Edição (WAIS-III) e a Escala Wechsler de
Inteligência para Crianças – Terceira Edição (WISC-IV).

Conforme Cunha (2000) o WAIS é uma medida do nível atual, sendo que não se
trata de um dado imutável, podendo sofrer influência de fatores ambientais,
emocionais, psicopatológicos e outros. Além de ser usada como medidas da inteligência
geral, Aa escala WAIS tem sido usado também como instrumento de auxílio no diagnóstico
psiquiátrico. Assim, o dano cerebral, a deterioração mental e os comprometimentos
emocionais podem afetar algumas funções intelectuais mais que outras. David Wechsler
confirmou que a análise do desempenho relativo de um sujeito em diferentes subtestes pode
revelar transtornos psiquiátricos específicos (Anastasi & Urbina, 2000).
Assim, as escalas Wechsler são mais que um instrumento de medida da inteligência, pois
são utilizadas, também, como um importante auxílio no processo de diagnóstico total. A partir
desse pressuposto o sujeito torna-se o foco principal de atenção e todo seu comportamento
verbal e não verbal deve ser observado. O psicólogo deve buscar uma compreensão mais ampla e
profunda da organização de pensamento e de conteúdos emocionais, que não podem passar
despercebidos.

Mesmo tratando-se de um instrumento psicométrico, não impede que certas respostas


ou omissões possam ser analisadas e assumam uma qualidade projetiva.

A validade das Escalas Wechsler de Inteligência nos contextos clínico, psicoeducacional e


de pesquisa é amplamente compreendida pelos profissionais, pois possibilita a avaliação
minuciosa das capacidades cognitivas de crianças, adolescentes e adultos. Por outro lado,
exige que o profissional seja altamente treinado tanto para a aplicação quanto para a
correção.
34
Assim, o presente estudo aborda as principais características e utilizações desta
escala, e será explorada a importância das informações proveniente desse instrumento,
principalmente, no que se refere à interpretação clínica qualitativa. Trata-se de uma revisão
da literatura dos autores mais clássicos sobre o tema.

Inteligência Fluída e Inteligência Cristalizada

Detalhes sobre os aspectos essenciais que diferenciam os subtipos de inteligência são


importantes ressaltar. Primeiramente, aborda-se o conceito de Inteligência Fluída e, na
sequência, apresenta-se um entendimento do constructo de Inteligência Cristalizada. Essa
breve diferenciação justifica-se uma vez que o tópico é central na história da psicologia sendo,
ainda nos dias atuais, um dos assuntos mais debatidos e investigados no campo da testagem
psicológica (Gottfredson & Saklofske, 2009).

Inteligência Fluída. Está relacionada com a solução de problemas que implicam


adaptação e flexibilidade para enfrentar estímulos desconhecidos - a forma como a
pessoa consegue funcionar diante de uma situação que nunca vivenciou. A Inteligência Fluída
compreende um processo de perceber relações, conceitos, e está relacionada ao
raciocínio e abstração. É considerado um tipo de inteligência dependente do
desenvolvimento neurológico e relativamente livre das influências educacionais e
culturais. Está relacionada com tarefas na qual o problema proposto é novo para o
participante. Desta forma, a pessoa pode agrupar letras e números, fazer pares com palavras
relacionadas ou recordar uma série de dígitos. A Inteligência Fluída alcança seu
desenvolvimento completo nos últimos anos da adolescência e começa a declinar nos
primeiros da vida adulta. Portanto, a Inteligência Fluída refere-se à habilidade de manejar
materiais novos e novas situações (Kaufman & Lichtenberger, 1999).

Inteligência Cristalizada. Relaciona-se com funcionamento intelectual em tarefas que


implicam educação, treinamento prévio; desenvolve-se a partir da aprendizagem acidental
e está relacionado com as experiências da vida (Kaufman & Lichtenberger, 1999). A
Inteligência Cristalizada compreende a habilidade de recordar e utilizar a informação
aprendida e depende mais diretamente da educação e experiência cultural (Benson, Hulac,
& Kranzler, 2010). Este tipo de inteligência pode ser medida por provas de vocabulário,
informação geral e respostas dos dilemas sociais. Deste modo, a inteligência cristalizada
refere-se à habilidade de solucionar problemas com base no processamento da informação
armazenada, sendo que frequentemente se eleva durante a meia idade. Assim sendo, as
habilidades verbais se ascendem, principalmente por pessoas que utilizam suas capacidades
intelectuais regularmente, podendo ser no trabalho ou através da leitura e outro exercício
mental (Sánchez, 2006).

Após essa breve diferenciação, abordaremos as características particulares da escala de


inteligência para adultos WAIS-III, pontuando as alterações observadas após as consecutivas
modificações feitas nas escalas no decorrer dos anos.

Características do WAIS-III

A escala WAIS-III é composta por 14 subtestes e sua indicação é para avaliar pessoas de
16 a 89 anos de idade. O tempo médio de aplicação médio é de 90 minutos. O instrumento se
divide em Escala Verbal, Escala de Execução e Escala Total, além dos Índices Fatoriais: Índice
de Compreensão Verbal, Índice de Organização Perceptual, Índice de Memória Operacional e
Índice de Velocidade de Processamento.
35
Tabela 1
Estrutura do WAIS-III- Subtestes agrupados em escala Verbal e Escala de Execução (adaptação
brasileira)

Área Verbal Área de Execução


Vocabulário Completar Figuras
Semelhanças Códigos
Aritmética Cubos
Dígitos Raciocínio Matricial
Informação Arranjo de Figuras
Compreensão Procurar Símbolos (opcional)
Sequência de Números Letras (opcional) Armar Objetos (opcional)

Nota:
- Procurar Símbolos: Subteste complementar para cálculo de escores QI; pode substituir
apenas Códigos, se este subteste for anulado;

- Sequência de Números e Letras: Subteste complementar para cálculo de escores de QI que


pode substituir apenas Dígitos, se este subteste for anulado;

- Armar Objetos: Subteste opcional que pode substituir qualquer subteste de Execução
anulado para pessoas com idade entre 16 e 74 anos (Wechsler, 2004).

Cabe destacar que escala verbal é constituída por subtestes que sofrem influência
de variáveis socioculturais. Sendo assim, pessoas com nível de escolaridade elevado têm
melhor desempenho nesses subtestes. A escala verbal envolve os seguintes fatores: memória,
compreensão, fluência verbal, qualidade da educação formal e capacidade de raciocínio
abstrato.

Apesar de fornecer um perfil mais abrangente das habilidades cognitivas, existem


situações específicas e contextos em que a aplicação da escala completa não é viável ou
mesmo necessária. Podem-se citar como exemplo, situações de triagem ou investigações nas
quais a avaliação cognitiva não é o foco principal. Também existem locais como ambulatórios
e hospitais, ou mesmo centros de pesquisa, em que a aplicação da escala completa exigiria
altos investimentos de tempo e de recursos financeiros os quais essas instituições não
dispõem.

As formas rápidas de avaliação da inteligência também são utilizadas quando os


examinados apresentam algum prejuízo cognitivo, condições psicológicas ou físicas que
possam influenciar no seu desempenho durante a execução de um teste mais longo. Dessa
maneira, percebe-se a importância do conhecimento do profissional sobre instrumentos de
avaliação para que possa aplicar os mesmos de acordo com as necessidades e as
características de cada situação e individuo a ser avaliado (Nascimento & Figueiredo, 2002a).

Segundo Coutinho (2009), apesar da atualização e revisão da WAIS, o seu objetivo e sua
natureza ficaram inalterados. Para o autor, quando se faz referência a essas escalas de
inteligência, dois conceitos se sobressaem: o conceito de inteligência e o conceito de QI.
Relativamente ao primeiro, importa referir que a inteligência é multivariada e
multideterminada, não é sempre adaptativa e, não implica obrigatoriamente um raciocínio
36
abstrato. A inteligência não é apenas uma capacidade particular, mas é uma capacidade ou
competência global, que permite ao indivíduo apreender o mundo e responder às solicitações
do meio. O resultado em QI representa o desempenho atual do indivíduo a partir da
comparação desempenho deste com normas apropriadas para idade e escolaridade.

Em relação à correção, o resultado bruto verbal é obtido a partir da soma da pontuação


dos itens de todos os subtestes da escala verbal. Para obter os resultados brutos da escala de
execução, faz-se a somatória dos resultados obtidos nos subtestes desta escala. Esses
resultados brutos vão ser convertidos em resultados ponderados, consultando as tabelas
correspondentes no manual. Esta é então a primeira etapa para obter o QI de uma pessoa.
Para se obter o valor do QI Total, somam-se os resultados brutos da Escala Verbal e da Escala
de Execução e entra-se com estes valores nas tabelas por idade, que são apresentadas no
manual da WAIS. Na versão brasileira, a escala verbal é constituída pelos subtestes
Informação, Dígitos, Vocabulário, Aritmética, Compreensão, Semelhanças, Sequência de
Números-Letras. A escala de Execução é constituída por Completar Figuras, Cubos, Armar
Objetos, Código, Procurar Símbolos, Raciocínio Matricial e Arranjo de Figuras (Weschler,
2000, Coutinho, 2009).

Normas atuais (2020) Participaram deste estudo de revisão de normas 640 sujeitos,
com idade variando entre 16 e 87 anos (M=40,8; DP=19,84), sendo 53,9% do sexo feminino.
Quanto à distribuição geográfica, a amostra abrangeu todas as regiões do Brasil sendo 2,5%
da região Norte, 13,1% da Sul, 63% da Sudeste, 7% da Centro-Oeste e 14,4% da Nordeste.
Quanto à escolaridade, 32% possuía Fundamental Incompleto, 11,7% Fundamental Completo,
11,9% Ensino Médio Incompleto, 25,3% Ensino Médio Completo, 7,5% Superior Incompleto e
11,6% Superior Completo.

Os níveis de inteligência estão classificados de acordo com os resultados do QI obtido.


Assim, são considerados extremamente baixos escores de indivíduos com um QI igual ou
inferior a 69. Valores entre 70 e 79 são considerados limítrofes, enquanto que um valor de 79
estabelece a fronteira para a média. Assim, um QI de 80 a 89 é considerado médio inferior. O
resultado de QI na faixa média refere-se a valores entre 90 a 109. Valores de 110 a 119 dizem
respeito a um resultado situado na faixa médio superior. Indivíduos que obtêm resultados de
120 a 129 são consideradas como situando-se na faixa superior. Quando os resultados são
iguais ou superiores a 130 o QI é considerado muito superior.

Interpretação clínica/qualitativa do QI Total, QI Verbal e QI de Execução.

Interpretação do QI Total: Nível geral do funcionamento intelectual.

Interpretação clínica/qualitativa do QI Verbal: Avalia a compreensão verbal,


conhecimento adquirido, qualidade da educação formal e estimulação do ambiente,
capacidade de lidar com símbolos abstratos, informações sobre o processamento da
linguagem, raciocínio, atenção, aprendizagem verbal, compreensão, memória e fluência
verbal; avalia a facilidade de expressão verbal e percepção de diferenças sutis diante de
conceitos verbais.
Fazem parte desta escala os seguintes subtestes, conforme explanação dos pesquisadores
(Cunha, 2000; Kaufman & Kaufman, 2001; Kaufman & Lichtenberger, 1999; Nascimento,
2000, 2002, 2005):

Informação. Avalia basicamente a extensão do conhecimento adquirido. Oferecendo,


assim, subsídios sobre a qualidade da educação formal, estimulação do ambiente, curiosidade
37
intelectual e memória remota. A elevação ou baixa nos escores pode dar indícios de como o
sujeito lida com as situações do seu ambiente, interesse e contato com a realidade (Cayssials,
Perez, & Uriel, 2002).

Dígitos. Dígitos na ordem direta avaliam a capacidade de retenção imediata e os dígitos


na ordem inversa medem o controle mental e memória operativa ou de trabalho.

Vocabulário. Avalia o desenvolvimento da linguagem, antecedentes educacionais e a


inteligência geral (verbal). A partir dessas informações, pode-se ter uma base das condições
pré-mórbidas do sujeito. Escores baixos refletem dificuldades sócio educacionais, baixa
motivação, hipoatividade ou problemas de linguagem (Kaufman & Kaufman, 2001).

Aritmética. Verifica a capacidade computacional e rapidez no manejo de cálculos, além de


memória auditiva, antecedentes escolares, concentração, raciocínio abstrato. Escores baixos
indicam dificuldade de raciocínio matemático, na esfera atencional, concentração e memória
auditivo-verbal.

Compreensão. Mensura a capacidade de juízo social, compreensão verbal, memória,


atenção, pensamento abstrato e conhecimento de normas socioculturais - e quanto a pessoa
se beneficiou das oportunidades educacionais (Cunha, 2000; Kaufman & Lichtenberger,
1999).

Semelhanças. Envolve raciocínio lógico e pensamento abstrato, desenvolvimento da


linguagem e fluência verbal. Escores altos levantam a hipótese habilidade de abstração verbal,
e escores baixos são associados a déficit da capacidade de abstração e rigidez de pensamento
(Sattler & Ryan, 1999; Kaufman & Kaufman, 2001

Interpretação Clínica da Escala de Execução

A escala de execução tem menos influência da educação formal. Em geral avalia a


capacidade de solucionar problemas, capacidade de integrar estímulos perceptuais e
respostas motoras e de avaliar informações visuoespaciais. Segundo Cunha (2000) os sujeitos
com QI de execução significativamente mais alto que o QI verbal possuem capacidade de
organização em alto nível e capacidade de trabalhar sob pressão do tempo. Os subtestes dessa
escala são de acordo com os pesquisadores (Cayssials et al., 2002; Cunha, 1993, 2000;
Kaufman & Kaufman, 2001; Kaufman & Lichtenberger, 1999; Nascimento, 2000, 2002, 2005;
Sattler & Ryan, 1999; Wechsler, 2004), os seguintes:

Completar Figuras. Avalia interesse e atenção ao ambiente, reconhecimento e memória


visual, organização e raciocínio. Escores altos indicam acuidade visual, interesse e
familiaridade com o ambiente.

Arranjo de Figuras. Avalia a aptidão de compreensão e de análise de uma situação total,


sem recorrer à linguagem. Envolve processamento visual, capacidade de integrar e organizar
sequencialmente estímulos complexos. Escores altos refletem alto nível de inteligência social
e capacidade de antecipar as consequências dos atos (Cayssials et al,,2002; Sattler & Ryan,
1999).

Cubos. Mensura a capacidade de análise e síntese, coordenação viso-motor-espacial,


velocidade perceptual e organização. O desempenho nesse subteste proporciona uma análise
das estratégias que o sujeito utiliza para resolver problemas (Cunha, 2000; Kaufman &
Kaufman, 2001).
38
Armar objetos. Propõe-se verificar a percepção das partes para a sua construção num
todo significativo. Avalia o processamento visual, velocidade perceptual e capacidade de
síntese de um conjunto integrado. Altos escores sugerem adequada coordenação motora e boa
organização visual (Sattler & Ryan, 1999; Wechsler, 2004).

Códigos. Pode-se fazer avaliação da velocidade de processamento, flexibilidade mental,


atenção seletiva e concentrada. A excelente capacidade visuomotora e a eficiência mental
estão ligadas a altos escores nesse subteste (Cayssials et al., 2002; Cunha, 2000).

Procurar Símbolos. Avalia a habilidade fluída, velocidade processamento, organização


perceptual, velocidade de operação mental, velocidade psicomotora, atenção, concentração,
memória visual de curto prazo, coordenação visual-motor, flexibilidade cognitiva.

Raciocínio Matricial. Avalia habilidade fluída, organização perceptual, habilidade de


planejamento, coordenação visual e percepto-motora, atenção e concentração. Raciocínio
Matricial é adequado para a aplicação em idosos, porque esta população tende a apresentar
um ritmo mais lento em suas respostas do que os mais jovens, já que subteste não apresenta
limite de tempo. Apresenta maior isenção de influências culturais e de idiomas (Nascimento,
2000, 2002, 2005; Sattler & Ryan, 1999; Wechsler, 2004).

Interpretação clínica/qualitativa do QI de Execução.

Entendido como uma medida de organização perceptual, processamento visual,


capacidade de planejamento, aprendizagem não verbal, grau e qualidade do contato não
verbal do indivíduo com o ambiente, capacidade de trabalhar em situações concretas,
capacidade de avaliar informações visuo-espaciais. Habilidade para manipular estímulos
visuais com rapidez, capacidade de trabalhar rapidamente, capacidade de integrar estímulos
perceptuais e também rapidez no desempenho da tarefa (Kaufman & Kaufman, 2001;
Kaufman & Lichtenberger, 1999; Nascimento, 2000, 2002, 2005).

Interpretação clínica /qualitativa das diferenças entre QI Verbal e QI de Execução

Através das comparações de diferenças entre o QI Verbal e o QI de Execução, podem se


extrair conclusões que podem auxiliar no diagnóstico.

Assim, através das Escalas de Inteligência Weschsler podem-se obter quocientes


intelectuais distintos para a Área Verbal e para a Área de Execução. Tais diferenças entre estas
áreas mostram para o clínico o caminho que deve ser seguido, além de ser significativo para
probabilidades diagnósticas.

Discrepâncias permitem com clareza ao profissional possibilidade de descrever de


forma singular a organização dos processos psicológicos da pessoa a partir de tais diferenças.
Permite também identificar suas defesas, a qualidade e a natureza de suas motivações e
impulsos, o grau de patologia, assim como suas potencialidades, capacidade de adaptação e
como enfrenta a realidade (Blatt & Allison, 1981, Groth-Marnat, 1999).

Índices fatoriais- Interpretação clínica/qualitativa

Índice de Compreensão Verbal (ICV). Considerado uma medida da formação de


conceitos verbais. Avalia a habilidade de compreender instruções verbais, e de expressar
39
pensamentos. Pode ser influenciado pela estimulação recebida, pelo grau de instrução, pelas
oportunidades culturais. O ICV consiste numa medida de conceitos verbais, raciocínio verbal e
de conhecimento adquirido. Reflete a capacidade para compreender e expressar verbalmente
ideias e pensamentos refletindo a riqueza do vocabulário de uma pessoa (Kaufman &
Lichtenberger, 1999; Nascimento, 2002).

Índice Organização Perceptual (IOP). Relaciona-se com a habilidade de organizar


elementos relacionados com um todo complexo. O IOP avalia a integração visomotora, atenção
para detalhes, raciocínio fluído, capacidade de organização de elementos perceptuais. Refere-
se à aptidão para perceber relações e sequências espaciais (Cayssials et al., 2002; Nascimento,
2002; Zimmermann, Woo-Sam, & Glasser,1976).

Índice de Memória de Operacional (IMO). Caracteriza- se em ser uma medida da


memória de trabalho. Consiste na habilidade de reter informações na memória
temporariamente, desempenhar algumas operações ou manipulações com elas e produzir um
resultado. Envolve atenção, concentração, controle mental e raciocínio. Avalia a concentração,
a habilidade de planejamento, a flexibilidade cognitiva, habilidade para organização
sequencial, mas é sensível à ansiedade elevada (Nascimento, 2002; Kaufman & Lichtenberger,
1999).

Índice Velocidade de Processamento (IVP). Relaciona- se com os processos de atenção,


memória e concentração para processar, imediatamente, a informação visual. Consiste na
avaliação da resistência à distração. Avalia habilidades de focalizar a atenção em estímulos
distintos, discriminá-los e sustentar o foco da atenção em determinado período de tempo. É
uma medida da velocidade de processamento da informação. Requer a persistência da
habilidade de planejamento, mas é sensível à motivação, à dificuldade de trabalhar sob
pressão do tempo e à coordenação motora. Reflete a velocidade psicomotora (Código) e
velocidade mental (Procurar Símbolos), para resolver problemas não verbais (Kaufman &
Lichtenberger, 1999).

A tabela 2, a seguir, resume as informações anteriormente apresentadas em relação aos


subtestes do instrumento agrupados pelos Índices Fatoriais. É importante se efetuar uma
análise mais pormenorizada e qualitativa das respostas, e não se considerar apenas o
valor do QI. Alguns exemplos de diferenças significativas entre as escalas e índices fatoriais
podem ser especialmente válidos para a compreensão de dificuldades relativas a presença de
transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e demais transtornos de
aprendizagem (Slomka, 1998a, 1998b), demência (Fields, 1998), entre outros.

Tabela 2

Subtestes do WAIS-III Agrupados por Índices Fatoriais.

ICV: Índice Compreensão Verbal: Vocabulário, Semelhanças, Informação.


IOP: Índice Organização Perceptual: Completar Figuras, Cubos, Raciocínio Matricial.
IMO: Índice Memória Operacional: Aritmética, Dígitos, Sequência de Números e Letras.
IVP: Índice Velocidade de Processamento: Códigos, Procurar Símbolos.

Nota: Arranjo de Figuras, Compreensão e Armar Objetos não contribuem para os escores de
Índices Fatoriais (Wechsler, 2004).

40
Formas Abreviadas - WASI

A avaliação da inteligência também vem sendo pesquisada com relação às Formas


Abreviadas (FAs) de alguns instrumentos. Tendo em vista que os testes para avaliação
intelectual são, na maioria das vezes, procedimentos extensos, estudam- se formas abreviadas
que visam diminuir o tempo de aplicação e, consequentemente, diminuir a ansiedade e a
fadiga que influem negativamente o desempenho do sujeito (Coutinho & Nascimento, 2010).
Recentemente, destaca-se a investigação realizada por Nascimento (2002, 2005) sobre formas
curtas do WAIS-III utilizando os dados da amostra normativa da versão brasileira do
instrumento.

Recentemente pesquisas no Brasil foram feitas com o WASI (Escala Abreviada


Wechsler de Inteligência) que é composto por quatro subtestes, dois subtestes verbais e dois
de execução, que nas pesquisas anteriores haviam mostrado forte correlação com o
funcionamento intelectual geral. Os subtestes Vocabulário e Semelhanças são usados para
estimar o QI verbal (QIV), enquanto Cubos e Raciocínio Matricial são usados para estimar o
desempenho QI (QIT). Esta forma abreviada da escala pode ser utilizada como um
instrumento de rastreio, reavaliação de indivíduos que já fizeram uma escala completa, ou
uma estimativa do funcionamento intelectual geral para fins de pesquisa (Axelrod, 2000).

Aplicabilidade da Escala WAIS III

Além da aplicabilidade já mencionada, o WAIS-III é considerado um instrumento de


avaliação da capacidade intelectual que pode ser indicado para ser aplicado para finalidades
diversas. Como exemplo, utiliza-se como teste na avaliação de dificuldades de aprendizagem e
na identificação de altas habilidades e infradotados (Wechsler, 2004).
A análise dos perfis dos subtestes das escalas permite que se levantem hipóteses sobre
forças e fraquezas nos processos cognitivos. Ou seja, tanto os aspectos de dificuldade
quanto os positivos devem ser considerados no processo avaliativo.

No diagnóstico de Deficiência Mental o WAIS é um importante instrumento auxiliar no


diagnóstico. Todavia, uma pessoa pode demonstrar um funcionamento intelectual inferior à
média, ou seja, um inferior a 70; entretanto, há necessidade de se avaliar seu comportamento
nas diversas áreas da personalidade. Ou seja, há necessidade de se obter informações diversas
fontes, inclusive a avaliação da pessoa no lar, no meio social e no meio acadêmico. O
mesmo ocorre no diagnóstico de altas habilidades: o WAIS igualmente é um instrumento
muito utilizado para esta finalidade, porém também neste caso é importante se investigar as
várias facetas do individuo, incluindo-se aspectos afetivo-emocionais e adaptativos,
além do meio familiar e educacional.

As alterações das Funções Executivas fazem parte de vários quadros neuropsicológicos e


patológicos e entre eles estão o TDAH- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, o
Transtorno de Humor, Transtorno Obsessivo Compulsivo, etc. Assim sendo, organização,
antecipação, planejamento, controle inibitório, memória de trabalho, flexibilidade,
autorregulação e controle da conduta constituem requisitos importantes para resolver
problemas de maneira eficaz e eficiente. Todos estes aspectos estão relacionados com o córtex
frontal e podem ser avaliados através do WAIS (Barkley, 2002; Mattos, 2003; Saboya, 2002;
Lopes, Nascimento & Bandeira, 2005).

41
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para um entendimento consistente do desempenho intelectual geral de um indivíduo, é


importante levar em consideração a gama complexa de variáveis que podem influenciar
este conjunto de fenômeno. Encontra-se bem estabelecido hoje que a inteligência é um
resultado da interação de fatores hereditários e ambientais (Gottfredson & Saklofske,
2009).
A avaliação psicológica através de provas de inteligência proporciona uma maneira de
organizar e clarear essas variáveis. Entrevistas clínicas acuradas, associadas com os
resultados de exames complementares (avaliação psiquiátrica, neurológica, exames de
imagem, entre outros) têm que ser ainda ser considerados para que uma avaliação global e
compreensiva do participante possa ser realizada.
De acordo com Simões (2005), formas rápidas de avaliação da inteligência podem ser
instrumentos úteis na prática de profissionais da Psicologia. No entanto, seu uso requer
conhecimento acerca da adequação da metodologia de desenvolvimento, informações sobre
propriedades psicométricas e utilidade clínica. Além disso, formas rápidas devem ser
utilizadas apenas em situações específicas, tais como triagens, pesquisas e situações em que a
mensuração da inteligência é secundária.

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43
TEXTO 6

A ANÁLISE FATORIAL E SUAS INFLUÊNCIAS NOS TESTES DE INTELIGÊNCIA E APTIDÃO

PARTE 1. TEORIA BIFATORIAL DE SPEARMAN: fator G e fator S


Aproximadamente na mesma época que Binet realizava seus trabalhos, na França,
Charles Spearman na Inglaterra (1904, 1927) iniciava pesquisas partindo da hipótese de
haver um fator, ou uma função mental, comum a todas as atividades e provas intelectuais.
Pearson acabara de criar a fórmula do coeficiente de correlação, procedimento estatístico
que permite a comparação sistemática dos resultados de indivíduos em duas ou mais
variáveis.
O método de Spearman, visando investigar a natureza e essência das atividades
intelectuais, envolveu a seleção de uma ampla amostra de adultos, na qual aplicou uma
variedade de instrumentos tidos como medidas de inteligência. Em seguida, estudou a
correlação entre os resultados de cada indivíduo nesses diversos testes, detectando havia
uma tendência a aparecerem correlações altas entre os mesmos. Como se explicaria a
presença dessa correlação? A resposta proposta por Spearman é de que tais testes de
inteligência medem algo em comum. Ou seja, haveria um fator, uma função mental
semelhante, ou comum e subjacente a todas essas atividades intelectuais. Spearman
denominou esta função mental de fator G.
Ao longo de seu estudo, verificou também que cada atividade tinha suas
peculiaridades próprias, ou seja, envolveria funções específicas, que denominou de fator S.
Esses fatores S seriam rigorosamente específicos a cada tarefa, não havendo duas atividades
que partilhem de um mesmo fator. Spearman considerou que, justamente por serem tão
particulares a cada dada atividade, os fatores específicos não seriam importantes do ponto de
vista teórico.
De qualquer forma, sua teoria recebeu o nome de teoria BIFATORIAL, ou seja,
implicando na presença de DOIS fatores, responsáveis pelas atividades intelectuais: o fator G e
o fator S.
Mas o que significa, na prática, o fator G? Spearman (1927) define o fator G, em
um primeiro momento, como envolvendo a produção de uma energia mental. Em um
trabalho de 1950, publicado após sua morte (em 1945), define o fator G com uma combinação
de habilidades, denominadas: 1) Noegênese (noe=conhecimento; gênese=gerar), isto é, um

44
fator mental responsável pela geração e produção de um novo conhecimento e 2). Abstração:
ou seja, a capacidade de captar uma relação.

1. Noegênese: essa “geração do conhecimento” ocorreria baseada em três princípios,


pautados em habilidades do ser humano:
• Poder de introspecção: aqui fica implícita a idéia de que, no processo de geração de
um conhecimento, o homem dispõe de uma capacidade de observar o que ocorre na
própria mente. Em outras palavras, “o homem não tem só sensações, desejos e
conhecimentos, mas, além disso, sabe o que sente, conhece seus desejos e tem
consciência de seus conhecimentos”.
• Poder de edução (dedução) de relações: “quando um homem tem em mente duas ou
mais idéias, está apto de certo modo a conceber mentalmente as relações essenciais
que existem entre elas”.
• Poder de edução (dedução) de correlações: parte do princípio de que, quando um
homem tem na mente uma idéia e, ao mesmo tempo, uma relação, está apto a
estabelecer outra relação (co-relação), a partir dessas informações.

2. Poder de Abstração, explicado por Spearman como: “qualquer progresso no conhecimento,


quer se dê pela edução de relações ou de correlações”, consiste em uma classificação
progressiva. O conteúdo mental surge de um estado de confusão extrema, e se eleva a uma
discriminação cada vez maior. Quando uma parte do conteúdo mental se torna
suficientemente clara e distinta (como a percepção de uma relação), pode então ser
abstraída. Dito de outra forma, essa parte pode se projetar para fora de seu contexto
(abstraída de seu contexto). E então, pode ser pensada separadamente e receber um nome.

Consequências práticas e a criação de “Testes de fator G”


Partindo do princípio de que o essencial na atividade intelectiva são os processos de
introspecção, edução de relações/correlações e de abstração, passou-se a criar testes que
medissem inteligência assim definida. Esses testes “de fator G” têm a característica de serem
não verbais (portanto não mediados pela linguagem), e seus itens são construídos de modo
que o indivíduo tem que abstrair e deduzir a relação que existe entre os elementos. Para um
exemplo de um item de teste de Fator G (Raven), vide Figura A.

45
FIGURA A: Usando o “FATOR G”, o indivíduo tem que abstrair a relação entre os
três primeiros itens, ou seja: o quadrado pequeno preto gira no sentido horário, instalando-se
no quadrado pequeno branco seguinte. Depois abstrai uma co-relação entre o movimento
dos quadrados pretos pequenos e das partes negras dos círculos. Finalmente, abstraídas estas
relações, pode gerar um conhecimento sobre a figura que iria ocupar o espaço em branco.

PARTE 2. TEORIA MULTIFATORIAL DE THURSTONE

Louis Leon Thurstone (1938) pode ser considerado como um dos maiores críticos
da proposta de Spearman. Partindo também de estudo em amostras amplas de adultos e da
aplicação de múltiplas provas de inteligência, esse autor também focou seu estudo na
comparação dos resultados de cada indivíduo em diferentes provas. O método também foi de
análise fatorial, porém Thurstone procurou analisar os itens dos testes que tinham baixa
correlação entre si, ou seja, que mediriam habilidades independentes, mais específicas.
Seu argumento era: a realização intelectual é a expressão de certo número de fatores, e não
apenas de um fator geral comum.

Em seus primeiros trabalhos, identificou os seguintes fatores: visualização espacial,


facilidade numérica, compreensão verbal, memória associativa, fluência verbal, raciocínio e
velocidade de percepção. Dando continuidade às suas análises, observou que os 7 fatores
básicos não são completamente independentes, mas apresentam sim alguma correlação
entre eles. Admitiu então que haveria um fator comum inerente às habilidades primárias,
que poderia ser semelhante ao fator G definido por Spearman.

Consequências práticas: testes baseados na teoria multifatorial


A teoria de Thrustone deu origem a testes de Habilidades Mentais primárias,
elaborados pelo próprio autor, bem como às chamadas Baterias de Aptidão (como o

46
Diferencial Aptitude Test). Essas baterias são compostas por vários testes, cada um medindo
um tipo de fator mais específico, como espacial, numérico, linguagem, etc. São muito utilizadas
em orientação vocacional, ao lado de entrevistas e outros instrumentos que visam uma
compreensão mais ampla e realista do processo da escolha da profissão de um indivíduo.

No Brasil, Primi e Almeida desenvolveram a BATERIA DE PROVAS DE RACIOCÍNIO


(BPR-5), que oferece estimativas do funcionamento cognitivo geral e das habilidades do
indivíduo em cinco áreas específicas: Raciocínio Abstrato, Verbal, Espacial, Numérico e
Mecânico. Auxilia os psicólogos a tomarem decisões sustentadas na avaliação das aptidões e
do raciocínio geral, em processos de orientação profissional, avaliação das dificuldades de
aprendizagem e seleção de pessoal.
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Leandro S. Almeida, Elisabeth do Nascimento, Adriane de Oliveira Fernandes Lima, Alina Gomide Vasconcelos,
Claudia Terumi Akama & Mariana Teles dos Santos. Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5): Estudo Exploratório
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47
_____________________________________________________________________________________________

TEXTO 7 Bateria de Provas de Raciocínio


Adaptado, para fins acadêmicos, de: Almeida, L.S., Nascimento, E., Lima, A.O.F., Vasconcelos, A.
G., Akama, C.T. & Santos, M.T. Bateria de Provas de Raciocínio: (BPR-5): Estudo
exploratório em alunos universitários. Avaliação Psicológica, 2010, 9 (2), pp.155-162.

RESUMO Este artigo descreve uma aplicação exploratória da Bateria de Provas de


Raciocínio em alunos universitários. Os dados normativos desta bateria contemplam
apenas os alunos do final do ensino fundamental e do ensino médio, importando ampliar as
evidências de validade em alunos do ensino superior em virtude do número insuficiente de
provas de aplicação coletiva para a avaliação cognitiva nas idades adultas. Uma amostra de
330 universitários foi considerada neste estudo, sendo maioritariamente feminina (63,3%).
Juntamente com a bateria de raciocínio utilizaram-se dois testes de fator g (matrizes). Os
resultados das correlações e da análise fatorial exploratória sugerem que basicamente
estamos em face de provas que avaliam a inteligência fluida (Gf), muito embora surja um
segundo fator reunindo as provas de raciocínio verbal e de raciocínio numérico. Dado que
estas duas provas envolvem conhecimentos acadêmicos dos alunos, este segundo fator parece
relacionado com a inteligência cristalizada (Gc).

Palavras-chave: Bateria de Provas de Raciocínio; Inteligência fluida (Gf); Raciocínio;


Estudantes universitários.

INTRODUÇÃO

A inteligência permanece assumida como um conjunto de habilidades cognitivas


dos indivíduos necessárias à sua adaptação, e, no fundo, à sua sobrevivência. Nesta
linha, inteligência tem a ver com a capacidade de julgamento, aptidão para formar associações
complexas, planejar, resolver problemas e aprender com as situações (Almeida, 1994; Kane &
Gray, 2005; McGrew, 2009; Primi, 2003). No entanto, face à complexidade do construto e às
diversas metodologias usadas na sua investigação, o conceito “inteligência” mantém-se
bastante controverso no seio dos investigadores (Baumgartl & Primi, 2005; Colom, 2006).

No quadro da perspectiva psicométrica, a pesquisa da inteligência centrou-se na


estrutura das suas aptidões constituintes (Almeida, 1994). Ao longo de um século de pesquisa,
desde os trabalhos de Galton, Binet e Spearman (Almeida, 1988), a grande questão prende-se
com a possibilidade da inteligência ser definida através de um único fator (fator g) ou através
de múltiplas aptidões, e, em caso de não ser suficiente um único fator, como estariam
organizadas as aptidões cognitivas identificadas (de forma autônoma ou correlacionadas
entre si). A controvérsia sobre a questão da estrutura da inteligência foi grande e prolongou-
se no tempo (Almeida, 1988; Carroll, 1993; Andrés-Pueyo, 2006; Primi, 2003).

No entanto, nas últimas duas décadas tem havido um significativo esforço de


convergência sugerindo ser a inteligência plural na sua constituição, embora tais funções
estejam interligadas, havendo fatores mais gerais, na linha do fator g (Spearman, 1927) e
fatores mais específicos, na linha das aptidões primárias (Thurstone, 1938). No caso concreto

48
deste último autor, referimo-nos às aptidões intelectuais, como Compreensão Verbal (V),
Fluência verbal (W), Numérica (N), Espacial (S), Memória (M), Velocidade Perceptiva (P) e
Raciocínio (I).

A teoria Cattell-Horn-Carroll das habilidades cognitivas (CHC), que podemos assumir


como resultante da integração da teoria hierárquica da “inteligência fluida- inteligência
cristalizada” de Horn-Cattell e da teoria dos três estratos proposta por Carroll (McGrew &
Flanagan, 1998), contempla fatores mais gerais e fatores mais específicos das habilidades
cognitivas, conciliando as posições divergentes anteriores. Esta teoria, desenvolvendo a
concepção de inteligência fluida - inteligência cristalizada apresentada por Cattell (1963)
aparece hoje particularmente utilizada nos estudos de validação dos instrumentos usados
para a avaliação da inteligência (Carroll, 1993; Primi, 2003). Afirma-se, então, que as
capacidades estão organizadas hierarquicamente, sendo que as mais abstratas e
genéricas estão no nível mais elevado desta hierarquia. Assim, quanto mais abstratas
forem essas capacidades, menos linear será a sua relação com um tipo específico de
desempenho. Isto significa que as capacidades, como a “inteligência geral” ou fator g, ou ainda
a “inteligência cristalizada” (Gc) ou a “inteligência fluida” (Gf), não se reduzem a um único tipo
de processo cognitivo e, muito menos, a um tipo específico de informação com que operam
(como é o caso das aptidões primárias) (Andrés-Pueyo, 2006).

Esse modelo teórico propõe que, subjacente a mais de meia centena de fatores
primários ou específicos de realização cognitiva, emerge uma dezena de fatores de segunda
ordem associados a processos básicos de tratamento da informação (percepção, memória de
trabalho, aprendizagem, memória e associação remota, velocidade cognitiva, raciocínio) ou a
conteúdos específicos da informação (visual, quantitativa, auditiva). Na teoria CHC houve,
portanto, uma nova reespecificação do modelo de Cattell (1963), que na década de 1960, Horn
já havia acrescentado mais quatros habilidades gerais a este modelo, ou seja, memória de
curto prazo (Glr), processamento visual (Gv), velocidade de processamento (Gs) e memória de
longo prazo (Glr) (Horn, 1968). A listagem de fatores de segunda ordem viria, no entanto, a
aumentar em pesquisas posteriores, integrando agora outros fatores cognitivos relativamente
gerais, por exemplo, o conhecimento quantitativo (Gq), leitura e escrita (Grw), processamento
auditivo (Ga) e rapidez de decisão (Gt). Por último, os autores da teoria CHC reconhecem um
terceiro patamar nessa estrutura hierárquica propondo o fator g como um fator de terceira
ordem na base das correlações entre os fatores do segundo estrato (Carroll, 1993; Andrés
Pueyo, 2006; Primi, 2003).

A teoria CHC tem emergido como modelo teórico de análise das habilidades cognitivas
encontradas nos vários testes de inteligência disponíveis, contribuindo assim para o estudo da
respectiva validade (Baumgartl & Primi, 2005; Horn, 1991; McGrew, 2009; Primi, 2003).
Procurando a sua aplicação também aos testes usados no presente artigo (Bateria de Provas
de Raciocínio - BPR-5, Primi & Almeida, 2000), diremos que esta bateria procura conciliar
aspectos mais gerais do funcionamento cognitivo, ou seja, apreender e aplicar relações
(raciocínio) e aspectos mais específicos associados ao conteúdo das tarefas ou itens em cada
uma das cinco provas.

49
Fazendo uma breve alusão histórica à BPR-5, importa referir que esta bateria
decorre da Bateria de Provas de Raciocínio Diferencial (BPRD – Almeida, 1986), que por sua
vez estava associada aos Tests de Raisonnement Differentiel (TRD – Meuris, 1969). Os autores
assumiam que os quatro testes da bateria TRD (abstrato, verbal, numérico e espacial) ou os
cinco testes da BPRD (acrescentando o mecânico aos quatro anteriores) avaliavam
habilidades cognitivas diferenciadas. No entanto, análises fatoriais sucessivas vieram a
mostrar que basicamente estamos em face de testes de fator g, acrescentando os conteúdos
mais verbais e numéricos ou perceptivo-espaciais e mecânicos alguma singularidade ao
desempenho cognitivo dos alunos. Uma versão resumida da BPRD, já sem o termo
“diferencial” na sua designação, a BPR-5, veio a ser validada junto dos estudantes brasileiros,
sendo esta versão usada no presente estudo.

Em Portugal e no Brasil, a BPR-5 encontra-se subdividida de acordo com o nível de


dificuldade dos itens nos cinco testes. Assim, a versão A destina-se a alunos do 7º, 8º e 9º ano
do ensino fundamental, enquanto a versão B está indicada para os alunos que frequentam o
1º, 2º e 3º ano do ensino médio. Essa adequação da BPR-5 de acordo com o nível escolar dos
alunos teve como escopo evitar itens demasiado fáceis ou difíceis, considerando-se os grupos
escolares de alunos, e também reduzir o tempo empregado na avaliação. No nosso estudo,
envolvendo alunos universitários recorremos, por razões óbvias, à BPR-5 (Versão-B).

Segundo Almeida e Primi (2000), a BPR-5 é um instrumento para auxiliar os


profissionais no psicodiagnóstico, seleção profissional, orientação profissional,
avaliação escolar, dentre outras áreas em que se faz necessária a utilização deste
instrumento para verificar o funcionamento cognitivo geral. As aptidões que podem ser
avaliadas pelas cinco provas que compõem o instrumento são: Raciocínio Abstrato (RA),
Raciocínio Verbal (RV), Raciocínio Numérico (RN), Raciocínio Espacial (RE) e Raciocínio
Mecânico (RM) (Figura 1).

Figura 1. Exemplo de itens dos testes de raciocínio abstrato, verbal, espacial, numérico e mecânico.

50
Raciocínio Abstrato (RA) avalia a capacidade de estabelecer relações abstratas em
situações novas para as quais se possui pouco ou nenhum conhecimento previamente
aprendido. Este teste está associado à inteligência fluida (Gf), que é definida como a
capacidade de raciocinar em situações novas, criar conceitos e compreender suas implicações.

A prova de Raciocínio Verbal (RV) avalia a extensão do vocabulário e a capacidade de


estabelecer relações abstratas entre conceitos verbais (Almeida & Primi, 2000; Cruz, 2008).
Assim, RV possui alguma associação com a inteligência fluida, mas constitui principalmente
uma prova de inteligência cristalizada (Gc), pois demanda a utilização de conceitos
anteriormente aprendidos.

A prova de Raciocínio Espacial (RE) avalia a capacidade de visualização, isto é, de formar


representações mentais visuais e manipulá-las, transformando-as em novas representações.
Além de estar relacionada à capacidade de processamento visual, definida como a habilidade
de representar e manipular imagens mentais (Gv) está, em parte, associada à inteligência
fluida (Almeida & Primi, 2000; Cruz, 2008).

A prova de Raciocínio Numérico (RN) avalia a capacidade de raciocinar indutiva e


dedutivamente com símbolos numéricos em problemas quantitativos e o conhecimento de
operações aritméticas básicas. A par da avaliação da inteligência fluida (Gf), este teste avalia
também o conhecimento quantitativo do aluno (Gq) (Almeida & Primi, 2000; Cruz, 2008).

Raciocínio Mecânico (RM) avalia conhecimentos práticos de mecânica e física, adquiridos


em experiências cotidianas e práticas. De novo, estamos em face de um teste que avalia a
inteligência cristalizada (Gc), mas dada a representação gráfica dos itens, é seguro afirmar que
também avalia o processamento visual (Gv) e a inteligência fluida (Gf), pois alguma
capacidade de relacionamento da informação é exigida (Almeida & Primi, 2000; Cruz, 2008).

Com o presente artigo pretendemos apreciar o funcionamento da versão B da BPR-


5 em alunos universitários. Nosso objetivo é apontar alguns resultados relativos à validade
junto desta amostra estudantil mais avançada. A escassez de instrumentos de aplicação
coletiva que avaliem diferentes habilidades cognitivas a partir da adolescência justifica este
esforço de verificar o funcionamento da BPR-5 em jovens universitários. Na perspectiva de se
estudar a validade desta bateria em populações adultas, importa verificar se à medida que se
avança na idade e na escolaridade os desempenhos dos indivíduos deixam de ser tão
marcados por um fator geral de inteligência, emergindo fatores cognitivos mais diferenciados
entre si, como tem sido defendido por alguns autores (Ackerman, 1996; Cattell, 1971; Ribeiro,
Maia, Prieto, & Almeida, 2000). Para esta diferenciação cognitiva progressiva com a idade os
interesses vocacionais e as experiências escolares e extraescolares dos indivíduos a partir da
adolescência parecem contribuir (Almeida & Costa, 1989; Cattell, 1971).

MÉTODO

Participantes A amostra ficou composta de 330 participantes, sendo 63,3% do sexo


feminino, com média de idade igual a 21,61 anos (DP = 3,76 anos). Todos eram estudantes
regulares do segundo ano do curso de Psicologia de uma instituição pública de ensino do

51
Estado de Minas Gerais. Participaram do presente estudo os alunos que autorizaram o uso dos
dados para fins de pesquisa.

Instrumentos

Matrizes Progressivas de Raven – Escala Geral (Raven, 2003): consiste numa medida de
inteligência geral para adolescentes e adultos. É composto por 60 itens apresentados sob a
forma de estímulos não verbais (predominantemente abstratos e geométricos). Os itens estão
organizados em cinco séries. A tarefa do examinando consiste em escolher entre as
alternativas a que melhor completa a matriz, sendo a cotação do teste o somatório de acertos.
Estudo recente atesta a precisão e validade deste teste (Raven, 2003).

Teste G-36 – Teste não verbal de inteligência (Boccalandro, 2003): constitui uma medida
não BPR-5 em alunos universitários 157 Avaliação Psicológica, 2010, 9(2), pp. 155-162 verbal
do fator geral de inteligência. É composto por 36 itens de conteúdo figurativo-abstrato, em
formato de matriz. A cotação do teste considera o somatório de acertos. Diversas análises
conduzidas sobre a precisão e a validade dos resultados apresentaram índices apropriados
(Boccalandro, 2003).

Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5) Forma B: esta bateria da autoria de Almeida


e Primi (2000) avalia uma capacidade geral de raciocínio considerando o conteúdo diferente
das tarefas: Raciocínio Verbal (RV), Raciocínio Abstrato (RA), Raciocínio Espacial (RE),
Raciocínio Numérico (RN) e Raciocínio Mecânico (RM). Cada prova contém entre 20 e 25
itens. A Forma B é indicada para pessoas com nível de instrução a partir do ensino médio. A
cotação dos resultados consiste no somatório do número de acertos em cada prova. Os
indicadores de precisão e de validade dos cinco subtestes, calculados através de métodos
diversos, mostram-se adequados à avaliação (Almeida & Primi, 2000; Primi & Almeida, 2000).

Procedimentos Os participantes foram informados dos objetivos do estudo e da


confidencialidade assegurada aos resultados. Os instrumentos foram aplicados coletivamente
em sala de aula, como atividade regular de uma disciplina do curso de psicologia. Só foram
considerados neste estudo os protocolos dos alunos que atenderam livremente ao pedido
formulado nesse sentido. A aplicação da BPR-5 foi realizada em duas sessões, seguindo a
sequência de provas e os limites de tempo sugeridos no manual do referido instrumento. Para
os testes Matrizes Progressivas de Raven e G-36 foi necessária uma sessão para a aplicação de
cada um. Esses dois últimos testes foram aplicados sem limite de tempo, seguindo-se as
instruções dos respetivos manuais. Com o objetivo de controlar o efeito da aprendizagem
sobre os resultados nos testes, a sequência de aplicação dos instrumentos foi modificada para
cada grupo de aproximadamente 100 participantes. Assim, o primeiro grupo realizou os testes
na sequência: Raven, G-36 e BPR-5; o segundo grupo na sequência; G-36, Raven e BPR-5; e o
terceiro grupo na sequência: BPR-5, Raven e G-36.

Para a análise dos dados coletados foram considerados os escores brutos em cada uma das
tarefas. Foram realizadas estatísticas descritivas, correlações pelo método produto x
momento de Pearson e Análise Fatorial Exploratória (AFE). Nas AFEs foi adotado o método
dos Componentes Principais. Para identificação da pertinência de se conduzir tais AFEs foram
considerados os critérios KMO, teste de esferecidade de Bartlett e magnitude das correlações.
52
Para definição do número de fatores a extrair e conclusão sobre a melhor solução fatorial
foram analisados: valor-próprio (eigenvalue) maior que 1, inspeção visual do gráfico scree,
percentual da variância explicada por cada fator e significado semântico do fator (Pasquali,
2005). Na AFE com mais de um fator foi utilizado o método de rotação varimax.

RESULTADOS Dado que cada prova tem um número diferente de itens não é possível fazer
uma análise comparativa dos escores nos testes entre si. De qualquer modo, importa apontar
algum efeito de teto dos resultados nos testes Matrizes Progressivas de Raven e G-36, pois não
só alguns participantes acertaram todos os itens, como o valor da média dos resultados nessas
duas provas se aproximou claramente do número máximo de itens. Lógico que este efeito de
teto afetou as análises estatísticas posteriores, podendo constituir-se numa limitação
metodológica do presente estudo que importa acautelar na interpretação dos resultados.

Face aos objetivos do presente estudo, na Tabela 2 apresentamos as correlações


obtidas entre os escores nas provas da BPR-5 e nos dois testes de fator g igualmente
aplicados. Analisando os coeficientes de correlação obtidos, e mesmo que possamos afirmar
que todas as provas da BPR-5 e os dois testes de fator g aplicados avaliem o raciocínio,
constatamos que os índices obtidos são bastante dispersos, indo desde valores bastante
baixos entre os dois testes de fator g e a prova de raciocínio verbal (valores de 0,13 e 0,15) até
ao valor máximo de 0,47 (provas de raciocínio espacial e de raciocínio mecânico). Por este
fato, podemos afirmar que os conteúdos dos itens que integram cada uma das provas e a
especificidade do seu formato (matrizes, analogias, sequências ou problemas) parecem ter
desempenhado um papel importante na diferenciação do desempenho dos alunos nas provas
de inteligência aplicadas. De qualquer modo, os baixos coeficientes de correlação obtidos não
eram esperados tendo em vista todas as provas medirem a inteligência. Esta situação é tanto
mais surpreendente quando a correlação entre os dois testes de fator g situou apenas em 0,19
ou quando se observa um coeficiente de 0,13 entre provas que integram a bateria BPR-5.

Ao inspecionar os resultados da análise fatorial exploratória, verificamos que os dois


fatores explicam 52,7% da variância dos resultados dos alunos nos sete testes de inteligência
aplicados, havendo um claro contraste no significado dos dois fatores identificados. Enquanto
o fator 2 parece mais associado a uma habilidade verbal e numérica, com fortes associações às
aprendizagens escolares, já o primeiro fator aparece mais relacionado com as habilidades
perceptivas, mecânicas e espaciais, incluindo as duas provas de fator g. Este padrão de
resultados não é usual em análises fatoriais com a BPR-5 (Primi & Almeida, 2000; Santos &
cols., 2000) sugerindo que em amostras de alunos universitários parece haver uma maior
diferenciação cognitiva entre a natureza mais acadêmica e a natureza mais prática dos
conteúdos dos testes utilizados.

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Face à necessidade de provas de aplicação coletiva que possam servir a avaliação


psicológica das habilidades cognitivas em estudantes universitários e populações adultas,
neste estudo procedeu-se à análise da validade dos resultados na Bateria de Provas de
Raciocínio (BPR-5 – Forma B, Primi & Almeida, 2000). Juntamente com as intercorrelações
nas cinco provas desta bateria, o estudo considerou as correlações com os resultados em dois
testes de fator g. A opção por estes dois testes como critério externo na validação decorreu da
53
concepção mais clássica de fator g como inferência e aplicação de relações lógicas, o que está
obviamente presente nas provas de raciocínio da BPR-5 (Almeida & Primi, 2000; Blair, 2006;
McGrew, 2009; Primi, 2002; Primi & Almeida, 2000).

Os coeficientes de correlação obtidos e a estrutura fatorial dos resultados (análise


fatorial exploratória) não vão no sentido dos estudos anteriores com a BPR-5 em amostras
estudantis do ensino básico e médio (Almeida & Primi, 2000; Primi & Almeida, 2000). Por um
lado, as correlações atingiram valores mais baixos, sugerindo a maior especificidade dos
desempenhos por prova, e por outro, verificou-se que o primeiro fator geral que emergiu da
análise fatorial apenas explica 39% da variância, valor este que contraria claramente a
suficiência de um único fator para explicar a variância dos resultados nos testes aplicados.

Assim, e apesar das limitações decorrentes da pouca heterogeneidade da amostra do


presente estudo e da necessidade de podermos vir a cruzar a BPR-5 com outras provas
cognitivas e com medidas de rendimento acadêmico, os resultados obtidos mostram-se desde
já promissores ao estudo da validade da BPR-5 junto de alunos do ensino superior.

Se com amostras de alunos mais novos a BPR-5 parece avaliar essencialmente a


capacidade de raciocínio (Almeida, 1986; Almeida & Primi, 2000; Baumgartl & Primi, 2005),
ao ampliar os estudos para indivíduos com escolaridade e idade mais avançadas podemos
antecipar que as suas habilidades cognitivas são já menos determinadas por fatores
gerais e refletem antes a participação de aptidões específicas (Almeida & Costa, 1989;
Ribeiro, Maia, Prieto, & Almeida, 2000). Esta suposição está de acordo com o tipo de provas
reunidas para cada um dos dois fatores isolados na análise fatorial: as provas figurativas,
espacial e mecânica num primeiro fator, e as provas numérica e verbal num segundo fator.

Considerando a teoria da inteligência fluida - inteligência cristalizada de Cattell (1963)


e a sua evolução mais recente em torno da teoria dos três estratos ou da teoria CHC (Cattell-
Horn-Carroll), podemos aproximar o primeiro fator do nosso estudo à inteligência fluida (Gf)
em face do conteúdo e dos processos cognitivos mais representados nas provas agrupadas
neste fator, e ao mesmo tempo associar o segundo fator à inteligência cristalizada (Gc),
relacionada com as aprendizagens dos indivíduos, neste caso as aprendizagens acadêmicas.

Essa diferenciação de duas formas de inteligência, uma mais como capacidade geral e
outra mais associada às aprendizagens e à experiência, goza de alguma verificação empírica
na psicologia (Ackerman, 1996; Cattell, 1971). Ao mesmo tempo, a emergência desses dois
fatores numa população estudantil do ensino superior, maioritariamente jovem-adulta e
adulta, vai ao sentido da “teoria do investimento” proposta por Cattell (1971), quando afirma
que, a partir da adolescência, fruto das experiências acadêmicas e profissionais mais
diferenciadas e das opções vocacionais que os adolescentes vão assumindo, haveria
uma mudança progressiva de uma habilidade intelectual genérica (g ou Gf) para
habilidades cognitivas mais diferenciadas. Esta diferenciação cognitiva explicaria as
diferenças intra-individuais e inter-individuais no desempenho dos testes de inteligência
consoante os processos cognitivos e os conteúdos dos respectivos itens (Kvist & Gustafsson,
2008).

54
Aprofundando esta pista interpretativa dos resultados obtidos, poder-se-á
rentabilizar a BPR-5 em populações adultas, não apenas para se avaliar uma capacidade
mais básica ou fluida de raciocínio, mas para um diagnóstico diferencial das habilidades mais
práticas (espaciais, mecânicas) e mais acadêmicas (verbais, numéricas).

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56
_________________________________________________________________________________________________________

TEXTO 8 - Neuropsicologia e Inteligência Emocional

Primi, R. Inteligência: avanços nos modelos teóricos. Avaliação Psicológica, 2003, 1, pp 67-
77. Adaptação do texto para fins acadêmicos

Resumo

Este artigo procura discutir alguns avanços científicos na área da avaliação da


inteligência contrapondo-os às ideias que são divulgadas na mídia. Pretende-se abordar
alguns mal entendidos que fazem a prática divergir da ciência. Trata-se primeiro da evolução
do estudo da inteligência, especialmente na abordagem psicométrica apresentando o modelo
de Cattell-Horn-Carroll (CHC). Trata-se em seguida de estudos mais recentes no sobre o
construto inteligência emocional integrando achados da psicologia e da neurociência
falando sobre as relações entre a cognição e a emoção. Palavras chave: avaliação da
inteligência, inteligência emocional, Teoria Cattell-Horn-Carroll, neurociência.

Nos últimos anos a avaliação psicológica tem recebido atenção crescente não só dos
psicólogos, mas também da sociedade em geral. Pode-se citar como exemplo a anulação de
duas questões sobre avaliação psicológica do Provão de 2000 e 2001 por estarem mal
formuladas, uma reportagem da ISTOÉ (Alves Filho, 25/09/2002) trazendo o problema da
validade de avaliações psicológicas em processos seletivos, as medidas do CFP buscando inibir
o uso de instrumentos de má qualidade (dentre elas o processo de avaliação da qualidade dos
instrumentos), e a organização de profissionais e pesquisadores em eventos da área (ver:
www.ibapnet.org.br). Tudo isso faz a avaliação psicológica ocupar uma posição de maior
destaque na psicologia brasileira relativamente àquele que tinha no passado. Este movimento
traz consigo uma série de desafios antigos que precisam ser enfrentados e resolvidos para que
a área efetivamente cresça.

Basicamente a resposta a estes desafios está na efetiva integração entre ciência e


prática profissional. A avaliação psicológica é geralmente entendida como uma área
aplicada, técnica, de produção de instrumentos para o psicólogo, visão certamente simplista
da área. A avaliação psicológica não é simplesmente uma área técnica produtora de
ferramentas profissionais, mas sim a área da psicologia responsável pela operacionalização
das teorias psicológicas em eventos observáveis. Como isso ela fomenta a observação
sistemática de eventos psicológicos abrindo os caminhos para a integração teoria e prática.
Ela permite que as teorias possam ser testadas, eventualmente aprimoradas, contribuindo
para a evolução do conhecimento na psicologia. Portanto a avaliação na psicologia é uma área
fundamental de integração entre a ciência e a profissão. Disso decorre que o avanço da
avaliação psicológica não é um avanço simplesmente da instrumentação, mas, sobretudo, das
teorias explicativas do funcionamento psicológico.

Este artigo procura discutir alguns avanços científicos na área da avaliação da


inteligência contrapondo-os às ideias que são divulgadas pela mídia e muitas vezes por
profissionais. Pretende-se abordar os mal-entendidos que fazem a prática divergir da ciência

57
contrastando-os com as ideias originadas de pesquisas recentes e com isso contribuir para a
dissolução desses mal entendidos e para um movimento de maior convergência dos discursos
dos cientistas e profissionais.

Um primeiro aspecto diz respeito à evolução do estudo da inteligência, especialmente


na abordagem psicométrica. A Psicometria começou elaborando instrumentos de medida sem
saber bem o que eles mediam, ou melhor, sem uma compreensão teórica sobre a inteligência e
evoluiu para formulações teoricamente mais sofisticadas. Outro aspecto refere-se aos estudos
mais recentes integrando achados da psicologia e da neurociência falando sobre as relações
entre a cognição e a emoção.

Inteligência a partir da Psicometria

A Psicologia procura há décadas responder a pergunta sobre a natureza da inteligência.


Existem muitas respostas revelando uma multiplicidade de visões como pode ser constatado
na imensa quantidade de publicações a respeito desse tema. Uma estimativa grosseira
investigando a base de dados PsycINFO da Associação Americana de Psicologia
(www.apa.org) indicou que em pouco mais de um século existem mais de 18.400 artigos com
a palavra inteligência em seu título (Primi, 2002a).

A concepção de inteligência da abordagem psicométrica está sustentada na análise


fatorial. A análise fatorial por sua vez baseia-se nas diferenças individuais reveladas por uma
centena de testes criados para avaliar as capacidades cognitivas. O propósito da análise
fatorial é identificar subgrupos de testes que avaliam uma mesma capacidade cognitiva. A
lógica deste procedimento é que, se dois testes requerem uma mesma capacidade cognitiva,
então pessoas que tiverem esta capacidade desenvolvida tenderão apresentar escores mais
altos nos dois testes simultaneamente. Ao contrário, pessoas com menor desenvolvimento
tenderão apresentar escores baixos nos dois testes simultaneamente. Como se deseja
descobrir quais são as capacidades que compõem a inteligência percorre-se o caminho
inverso, isto é, aplica-se uma bateria de testes cobrindo uma diversidade de capacidades
intelectuais, emprega-se a análise fatorial para descobrir os agrupamentos de testes e por fim,
analisa-se estes grupos entendendo quais são as capacidades comuns envolvidas na resolução
dos testes dentro deles.

Na primeira metade do século passado os estudos fatoriais da inteligência debatiam a


estrutura (quantas) e definição (quais) das capacidades intelectuais. Duas posições extremas
existiam: a de Spearman (1927) definindo que toda a atividade intelectual se exprime num
fator geral (g) e a de Thurstone (1938) chamada Teoria das Aptidões Primárias defendendo a
inexistência de um fator geral e, no lugar disso, um conjunto de habilidades básicas ou
primárias.

Na segunda metade do século passado esta concepção polarizada evoluiu para um


modelo integrado hierárquico chamado de Teoria Gf-Gc (inteligência fluida e cristalizada)
iniciada por Cattell (1941, 1971), desenvolvida e aprimorada por um de seus estudantes
chamado Horn (1991). Mas foi recentemente em 1993, que um dos mais importantes estudos
foi publicado: o livro de John B. Carroll Human Cognitive Abilities: a survey of factor analytic
studies. Neste estudo Carroll fez um levantamento das pesquisas dos últimos 60 anos,
58
selecionou 1500 artigos dos quais obteve 461 conjuntos de dados. Neste conjunto estavam
incluídos quase todos os mais importantes e clássicos estudos da estrutura da inteligência
feitos pela abordagem psicométrica. Ele fez então uma reanálise utilizando métodos de
análise fatorial mais avançados. O produto final desta análise foi publicado em seu livro e é
chamado a Teoria dos Três Estratos. Atualmente há um projeto sendo desenvolvido com o
objetivo de colocar os arquivos desta análise disponíveis na internet e expandir este banco de
dados com estudos posteriores à publicação desta obra para que os pesquisadores possam
realizar novas análises.

Esta teoria é muito semelhante à concepção moderna da teoria Gf-Gc de Horn (1991).
Esta semelhança é importante e necessária já que ambos os estudos procuram descrever o
mesmo fenômeno. Por isso em 1998 McGrew e Flanagan (1998) propuseram uma integração
das teorias Gf-Gc e dos Três Estratos criando-se a Teoria de Cattell-Horn-Carroll - CHC das
Habilidades Cognitivas. Este modelo consiste numa visão multidimensional com dez fatores
ligados a áreas amplas do funcionamento cognitivo. Estas capacidades associam-se aos
domínios da linguagem, raciocínio, memória, percepção visual, recepção auditiva, produção
de ideias, velocidade cognitiva, conhecimento e rendimento acadêmico (Carroll, 1997).

A Tabela 1 apresenta uma definição geral dessas dez capacidades (mais informações sobre
este modelo podem ser encontradas em: www.iapsych.com).

Tabela 1. Definição dos dez fatores amplos da teoria CHC.

Extrato I Fator G

Fatores do Estrato II

Inteligência Fluida (Gf) Capacidade ligada às operações mentais de raciocínio em situações


novas, minimamente dependente de conhecimentos adquiridos. Capacidade de resolver
problemas novos, relacionar ideias, induzir conceitos abstratos, compreender implicações,
extrapolação e reorganização de informações. Os testes psicométricos de fator g geralmente
avaliam a inteligência fluida tais como Raven, a maioria dos testes da BPR-5, Colúmbia, R1,
INV, etc.

Inteligência Cristalizada (Gc) Extensão e profundidade dos conhecimentos adquiridos de


uma determinada cultura e a aplicação efetiva deste conhecimento. Capacidade de raciocínio
adquirida pelo investimento da capacidade geral em experiências de aprendizagem.
Primariamente baseada na linguagem. Está associado ao conhecimento declarativo
(conhecimento de fatos, idéias, conceitos) e ao conhecimento de procedimentos (raciocinar
com procedimentos aprendidos previamente para transformar o conhecimento).

Conhecimento Quantitativo (Gq) Estoque de conhecimentos declarativos e de


procedimentos quantitativos. Capacidade de usar informação quantitativa e manipular
símbolos numéricos.

Leitura e Escrita (Grw) Conhecimento adquirido em competências básicas da


compreensão de textos e expressão escrita. Inclui desde habilidades elementares como

59
decodificação em leitura e ortografia até habilidades mais complexas como a compreensão de
textos e a composição de histórias.

Memória de Curto Prazo (Gsm) Capacidade associada à manutenção de informações na


consciência por um curto espaço de tempo para poder recuperá-las logo em seguida.

Processamento Visual (Gv) Capacidade de gerar, perceber, armazenar, analisar, e


transformar imagens visuais, isto é, os processos cognitivos específicos de processamento
mental de imagens (geração, transformação, armazenamento e recuperação).

Processamento Auditivo (Ga) Capacidade associada à percepção, análise e síntese de


padrões sonoros. Capacidade discriminativa de padrões sonoros (incluindo a linguagem oral)
particularmente quando apresentados em contextos mais complexos como, por exemplo, a
percepção de nuances em estruturas musicais complexas.

Capacidade e Armazenamento e Recuperação da Memória de Longo Prazo (Glr)


Extensão e fluência que itens de informação ou conceitos são recuperados da Recuperação da
Memória de memória de longo prazo por associação. Está ligada ao processo de Longo Prazo
(Glr) armazenamento e recuperação posterior por associação. Capacidade de recuperar os
itens de informação da base de conhecimentos por meio de associações. Este fator agrupa os
testes psicométricos criados de avaliação da criatividade sendo muitas vezes chamado de
domínio da

Velocidade de Processamento (Gs) Capacidade de manter a atenção e realizar


rapidamente tarefas simples automatizadas em situações que pressionam o foco da atenção.
Está geralmente ligado a situações em que há um intervalo fixo definido para que a pessoa
execute o maior número possível de tarefas simples e repetitivas (sustentabilidade).

Rapidez de Decisão (Gt) Rapidez em reagir ou tomar decisões envolvendo


processamentos mais complexos. Refere-se à reação rápida a um problema envolvendo
processamento e decisão (imediaticidade).

Estas dez capacidades são chamadas de fatores amplos e organizam-se no segundo


nível de uma hierarquia de três níveis. Em uma camada abaixo deste nível existem
aproximadamente 70 fatores específicos subdividindo os dez fatores amplos. Estes fatores
estão ligados às capacidades específicas avaliadas pelos testes de inteligência. Acima dos
fatores amplos existe o fator g de Spearman representando existência de uma associação
geral entre todas as capacidades cognitivas. O movimento do nível mais alto da hierarquia
(fator g) ao nível mais baixo (fatores específicos) indica o progressivo aumento da
especialização das capacidades cognitivas (McGrew & Flanagan 1998).

Desfazendo algumas confusões sobre a inteligência

A teoria CHC enfatiza a natureza multidimensional da inteligência ao invés da


visão unidimensional que dominou o início do desenvolvimento dos testes psicométricos. Ao
mesmo tempo reconhece a existência do fator g, mas, em termos práticos, enfatiza as
capacidades amplas. A Teoria CHC vem sendo usada para analisar os principais instrumentos
e baterias existentes para entender melhor a natureza das funções cognitivas que eles avaliam
60
(Flanagan & Ortiz, 2001). Ela vem gradualmente sendo usada como uma nomenclatura padrão
entre profissionais e pesquisadores no entendimento da inteligência. Essa revisão indica que
nenhuma das baterias disponíveis no mercado apresenta uma avaliação completa dessas dez
capacidades amplas. Sendo assim o avanço da área depende do desenvolvimento de novas
baterias oriundas do Modelo CHC que representem mais equilibradamente os vários fatores
cognitivos (McGrew, 1997; McGrew & Flanagan, 1998).

Por exemplo, na Escala de Inteligência Infantil de Wechsler (Wechsler, 1991) os subtestes


Informação, Semelhanças, Vocabulário, e Compreensão são medidas de fatores específicos da
inteligência cristalizada, o subteste Aritmética do fator Conhecimento Quantitativo. O subteste
Dígitos mede o fator memória de curto prazo. Os subtestes Completar Figuras, Arranjo de
Figuras, Cubos e Armar Objetos medem o processamento visual. Os subtestes Código e
Procurar Símbolos são medidas específicas de Velocidade de Processamento. Portanto o QI
total WISC-III reflete principalmente três fatores amplos: inteligência cristalizada (Gc),
processamento visual (Gv) e velocidade de processamento (Gs).

Essa análise da WISC ilustra um ponto importante que consiste no uso do termo QI como
se ele significasse sempre a mesma coisa. Mas os QI´s de testes diferentes nem sempre dizem
respeito exatamente às mesmas capacidades das pessoas. As baterias são compostas de
subtestes avaliando vários fatores específicos da inteligência e a partir dos quais se calcula
uma nota global o QI. Entretanto um QI de um teste A não é necessariamente igual ao QI de
um teste B já que as duas baterias podem ser compostas de subtestes diferentes. O QI é
simplesmente uma escala numérica padronizada e seu significado dependerá da combinação
de fatores específicos avaliados pela bateria

Outra confusão que se faz é a distinção testes de inteligência e testes aptidão supondo
que o primeiro mede o fator g, e o os testes de aptidão medem capacidades específicas.
Estritamente falando para medir o fator g deveríamos aplicar uma bateria composta por pelo
uns 60 testes cobrindo todas as capacidades do nível III do modelo CHC. Essa bateria não
existe e talvez nem exista tão cedo. Mesmo os testes de inteligência fluida que estão mais
próximos do fator g (Raven, G36, D48, por exemplo) medem um fator específico do nível III.
Ou seja, não existe a distinção entre testes de inteligência e de aptidão. A rigor todos os testes
medem alguma capacidade específica da inteligência. O conceito de aptidão na verdade refere-
se a uma combinação ótima de fatores específicos procurando prever um determinado
critério como, por exemplo, leitura, desempenho matemático, desempenho no trabalho
(Flanagan, Ortiz, Alfonso, & Mascolo, 2002).

Ainda outra confusão refere-se à nomenclatura testes não verbais. Como foi visto não
existe um fator de inteligência não verbal como a proposição do início do século passado que
aparecia nas primeiras versões das escalas Wechsler. Toda atividade cognitiva envolve o uso
da linguagem com mais ou menos intensidade. Mesmo na resolução de testes de
processamento visual a linguagem faz parte do processamento. Os testes não verbais de
inteligência diferem dos testes puramente verbais (de inteligência cristalizada) por não
exigirem uma língua específica na sua resolução como, por exemplo, inglês, francês ou
espanhol. Já um teste de vocabulário em inglês exigirá o conhecimento de uma língua

61
específica e, portanto, dependerá muito mais das capacidades que a pessoa possui na língua
do país de origem do teste.

De modo geral hoje não existe uma bateria que avalie todos os fatores amplos da
inteligência. Dos testes publicados nos EUA o que mais se aproxima disso é o Woodcock
Jhonson III avaliando equilibradamente sete fatores amplos (Woodcock, McGrew & Mather,
2001). Diante disso foi sugerido um procedimento chamado “Composição ou Cruzamento de
Baterias” (Cross Battery Approach) que propõe a seleção de subtestes de baterias diferentes
guiada pelo modelo CHC, propiciando uma otimização da avaliação dos fatores amplos
(Flanagan & Ortiz, 2001). Este procedimento é interessante, mas só é possível quando existem
testes com padronização nacional. Como no Brasil isto é escasso, este procedimento se torna
difícil de ser implementado.

Este modelo será muito importante para ajudar-nos a entender o que os testes criados
pela psicometria avaliam. Ele consiste em uma taxonomia para os testes de inteligência, um
mapa dos construtos avaliados pelos testes. No entanto ele não esgota a definição de todas as
possíveis maneiras que a inteligência pode se manifestar. Ele pode ser entendido mais como
uma teoria para os testes existentes. Entretanto, a inteligência humana abarca outras
dimensões ainda desconhecidas além daquelas que os testes indicam. Seguramente existem
capacidades ainda mal conhecidas que tem motivado a expansão dos estudos e teorias sobre a
natureza da inteligência como se verá a seguir.

Inteligência emocional: a interação cognição emoção

Recentemente uma série de estudos procurou expandir o construto inteligência integrando


aspectos da cognição com a emoção. Estes estudos estão sendo feitos sob o conceito de
inteligência emocional. Mas o que é inteligência emocional?

Atualmente existem duas abordagens na definição da inteligência emocional. Uma


definição mais popular proposta de Goleman (1995) que se afastou da ideia original dos
autores e incluiu características tradicionalmente estudadas nas teorias fatoriais da
personalidade. Este modelo não traz nada de novo embora seja vendido como algo
revolucionário principalmente no mundo dos negócios (Mayer, Caruso, & Salovey, 2002). A
segunda é a definição original da inteligência emocional chamada inteligência emocional como
capacidade cognitiva. Essa é menos conhecida pelo público, pois está sendo divulgada
principalmente em periódicos científicos.

A definição da inteligência emocional depende da definição da inteligência, emoção e


sobre sua interação. Uma definição bastante ampla diz que a inteligência é a capacidade de
se adaptar ao meio. Os fatores cognitivos discutidos anteriormente indicam áreas mais
especializadas do funcionamento cognitivo que favorecem a adaptação. Por exemplo, a
inteligência cristalizada elevada está associada ao maior conhecimento de informações
sobre a cultura o que por sua vez facilita muito a adaptação. A inteligência fluida elevada
está associada à capacidade de resolver problemas por meio da descoberta de relações entre
várias informações disponíveis. Isso faz com que a pessoa tenha uma maior compreensão dos
eventos complexos que a rodeiam trazendo uma vantagem adaptativa. Alta capacidade de
processamento auditivo na criança facilita a compreensão dos padrões sonoros complexos
62
que compõem a comunicação oral que os adultos têm entre si e com ela. Por isso, traz uma
vantagem adaptativa já que a criança adquirirá com maior rapidez capacidade de se
comunicar.

Por muito tempo a psicologia cognitiva adotou um enfoque frio da cognição procurando
entender como ocorre o processamento de informação sem prestar muita atenção nos
aspectos afetivos (Ledoux, 1996). Este enfoque simplifica a análise permitindo a visão
detalhada de uma faceta de cada vez, entretanto implicitamente assume que as funções
cognitivas ocorrem em um vácuo afetivo. De fato, as visões mais antigas encaram as emoções
como fatores desorganizadores da atividade cognitiva trazendo falta de clareza ao raciocínio.
No passado predominou um modelo antitético entre emoção-razão como duas entidades
competindo pelo controle da mente. Segundo esta visão quando as emoções predominam a
lógica desaparece e os pensamentos se tornam irracionais (Greenberg, 2002).

Recentemente, principalmente por causa dos estudos da neurociência, esta visão das
emoções perdeu força. As emoções têm efeitos importantes na adaptação e tem
poderosos efeitos na cognição, tanto nos processos de pensamento, isto é, no como
pensamos, quanto no conteúdo do pensamento, isto é, no quê pensamos (Forgas, 2001).
É óbvio que a psicologia sempre disse isso e, portanto, não há novidade nessas ideias. O que
há de novo, no entanto, são os experimentos sobre a interação cognição e emoção e as
descobertas sobre as bases neurais destes eventos que passaram a ser publicados
principalmente a partir da década de noventa.

Levenson (1999) e Mayer e Salovey (1991) definem emoção como fenômenos psico-
fisiológicos que organizam o comportamento em maneiras eficientes de adaptação às
exigências dinâmicas do ambiente. As emoções consistem em um pacote organizado de
respostas de vários subsistemas do organismo. No nível cognitivo as emoções alteram o foco
da atenção para aspectos mais importantes e ativam lembranças relevantes nas redes neurais
da memória de longo prazo. No nível fisiológico as emoções preparam o organismo criando
um meio ótimo para uma resposta efetiva e condizente com a demanda ambiental. Esta
preparação envolve a organização da expressão facial, tonalidade da voz, tônus muscular, do
sistema nervoso autônomo e do sistema endócrino. No nível comportamental as emoções
produzem comportamentos expressivos veiculando informações às outras pessoas e também
impulsionam comportamentos instrumentais.

1) Um primeiro aspecto importante é o caráter funcional e adaptativo das emoções. As


emoções são um conjunto organizado de reações programadas evolutivamente no cérebro
para enfrentar situações-problema que ameaçam a sobrevivência do organismo. Elas fazem
parte de sua sabedoria evolutiva (termo criado por Ledoux, 1996).

2)Um segundo aspecto é que os diferentes tipos emoções estão associados a diferentes temas ou
enredos padrão ligados à sobrevivência. As reações disparadas pelas emoções são condizentes
com enfrentamento destas situações específicas. Por exemplo, nos deprimimos quando
perdemos ou pensamos que perdemos algo importante e valioso, ao contrário sentimos
prazer e felicidade quando ganhamos algo que favoreça nossa sobrevivência. Sentimos raiva
quando nos vemos injustiçados e trapaceados, sentimos medo quando percebemos uma
ameaça, sentimos aversão quando estamos muito próximos de algo aversivo não digerível. As
63
emoções, portanto, estão sempre funcionalmente ligadas a eventos ambientais internos e
externos principalmente às interações sociais.

3) Um terceiro aspecto é que uma parte do processamento da emoção, basicamente o


processamento inicial, ocorre em estruturas mais primitivas do cérebro e de maneira
automática e inconsciente. Neste sistema há uma unidade de avaliação que é sensível às
mudanças ambientais ligadas aos temas fundamentais da sobrevivência. Se algo for percebido
esta unidade dispara o pacote de reações emocionais. A partir daí tomamos consciência de
que algo importante ocorreu e então os processos cognitivos superiores entram em ação. Com
eles procuramos entender melhor a situação e moldar a resposta.

Esta ideia vem principalmente dos estudos de Joseph Ledoux que estudou o
funcionamento da amídala, estrutura cerebral responsável pelo processamento do medo e
pela produção da resposta luta-ou-fuga (Ledoux, 1996). Ledoux demonstrou que os estímulos
aversivos percorrem um caminho subcortical dos órgãos sensoriais para o tálamo sensorial e
do tálamo diretamente para a amídala ativando seu funcionamento fazendo-a produzir as
respostas ligadas ao medo. Ao mesmo tempo há outra via que vai do tálamo ao córtex que
permite uma análise mais complexa com a participação das funções conscientes. Há também
uma série de conexões entre a amídala e o córtex pré-frontal e o hipocampo que são a base
neural das influências mútuas entre o processamento primitivo e os processos de raciocínio e
memória de longo prazo. Entretanto a via subcortical é duas vezes mais rápida que a via
cortical e predomina no início do processamento de estímulos aversivos e na produção das
respostas corporais do medo.

Estes estudos mostraram que o processamento emocional ocorre paralelamente em dois


níveis. Um deles é mais veloz, automático, sensorial, não muito preciso que avalia os
estímulos do ambiente e dispara as reações de medo. Outro é mais conceitual e associativo (dá

64
se a nível cortical), e modula posteriormente a reação que foi disparada, sendo que permite
também que também faz um processamento mais complexo do estímulo.

Resumindo as ideias até aqui discutidas, a inteligência pode ser definida como uma
capacidade geral de adaptação. As emoções estão envolvidas na adaptação a um
conjunto de situações fundamentais ligadas à sobrevivência do organismo. As emoções
estão também ligadas às estruturas evolutivamente mais primitivas e não precisam da
intervenção da consciente para ocorrer. Fica claro então o elo entre inteligência e emoção.
Tanto inteligência como emoção são funções adaptativas do organismo associadas a
comportamentos do cérebro que auxiliam o organismo a se adaptar ao meio. Talvez a
principal diferença entre emoção e cognição é que as emoções constituem em uma
inteligência cristalizada pré-programada no cérebro para tratar de problemas existenciais
fundamentais. Entretanto estes programas têm uma relativa flexibilidade e interagem com
capacidades superiores de raciocínio mais flexíveis e abertas às influências ambientais.

Nesse sentido uma ideia importante observada por Gohm e Clore (2002) é a concepção
de afeto-como-informação. Nosso cérebro está continuamente engajado na avaliação do
ambiente. Esta avaliação é feita inconscientemente. Quando nota algo existencialmente
importante (que poder legítimo ou não, dada a natureza grosseira deste processamento
automático) ele dispara uma reação emocional recrutando as funções conscientes superiores
redirecionando a atenção ao aspecto notado. Como diferentes emoções indicam diferentes
situações significativas, a análise do tipo de emoção experienciada pode nos informar
sobre a natureza do evento que foi notado. Estas informações podem então ajudar no
processo adaptativo. Caberá usar ou não esta informação de maneira efetiva. Portanto as
emoções trazem informações potencialmente úteis sobre nosso ambiente (interno ou
externo) que podemos usar para nos adaptar mais ou menos efetivamente a ele. Esta é a ideia
do afeto-como- informação.

As pessoas possuem maior ou menor capacidade para lidar com as informações


emocionais no processo adaptativo. Isso é precisamente o que está na base inteligência
emocional. Uma definição bem ampla é que a inteligência emocional é a capacidade de
processar as informações emocionais e usá-las favoravelmente no processo adaptativo
(Salovey & Mayer, 1990).

Em 1997, Mayer e Salovey, apresentaram uma definição da inteligência emocional


dividida em quatro níveis (ver Figura 1): a capacidade de perceber as emoções, a capacidade
de usar as emoções para facilitar o pensamento, o conhecimento emocional a e capacidade de
regulação

As quatro facetas do construto inteligência emocional.

1) Primeira faceta: refere-se à capacidade de identificar emoções em si mesmo e em


outras pessoas e a capacidade de expressar essas emoções. Refere-se ainda a
capacidade de avaliar a autenticidade de uma expressão emocional, detectando sua
veracidade, falsidade ou tentativa de manipulação. A percepção de emoções está
relacionada à capacidade de introspecção e formulação de ideias coerentes com seu o
estado emocional. Esta abertura às experiências emocionais abre portas para a
65
compreensão das informações veiculadas por elas e sobre os eventos importantes que
eventualmente ocorrem no meio. Consequentemente abre portas para o uso dessa
informação no processo de adaptação. Ela também facilita a compreensão empática do
outro já que a pessoa se torna capaz de experienciar os sentimentos das outras pessoas
em si mesmo e com isso entender mais profundamente os comportamentos das pessoas.

A alexitimia é um conceito ligado à falta desta capacidade. Alexitimia está ligada à


dificuldade de identificar sentimentos e de discriminar entre os diferentes tipos de
sentimentos, dificuldades em descrevê-los para outras pessoas, restrição nos processos de
imaginação e fantasia e um estilo cognitivo voltado para detalhes mínimos de eventos
externos ao invés de eventos da vida interior. De modo geral a alexitimia está associada à
dificuldade em integrar os vários níveis de representação físicos e simbólicos das emoções.. A
alexitimia está associada a distúrbios psicossomáticos, ao abuso de drogas e à anorexia
nervosa (Taylor & Bagby, 2002).

2) Segunda capacidade: está ligada ao uso das emoções para facilitar o pensamento. Diz
respeito à utilização da emoção como um sistema de alerta que dirige a atenção e o
pensamento para as informações (internas ou externas) mais importantes. Diz respeito
também à capacidade de gerar sentimentos em si mesmo como uma espécie de ensaio
para ajudar na tomada de decisões nos processos de adaptação.

As emoções interferem em vários aspectos do funcionamento mental, no que prestamos


atenção, no que aprendemos no que lembramos e influem nos julgamentos e decisões que
tomamos. Joseph Forgas (2001) chama isso de infusão afetiva. Por exemplo, os afetos
positivos geralmente favorecem a atenção aos estímulos internos. Eles facilitam a
predominância de pensamentos e disposições internas e a assimilação dos eventos externos a
esses conhecimentos preexistentes. O afeto negativo, ao contrário, favorece a acomodação da
atenção aos estímulos externos. Isto ocorre porque os afetos negativos fazem parte de um
sistema de alarme que indica perigo potencial no ambiente externo que merece ser focalizado.

Os afetos negativos, não muito intensos, contribuem para uma visão mais precisa da
realidade. Alguns fatos corroboram isso. Por exemplo, em mensagens persuasivas pessoas em
estado de humor mais positivo parecem ser mais influenciadas por detalhes superficiais do
comunicador como aparência física e status. Já pessoas em estados mais negativos de humor
tendem a examinar as informações com mais cuidado procurando ver sua qualidade. As
pessoas deprimidas são também geralmente mais realistas (Forgas, 2001). A infusão afetiva
muitas vezes ocorre de maneira automática, espontânea e subconsciente. Portanto a
inteligência emocional envolve a percepção destes efeitos sobre o funcionamento mental para
poder usá-los maneira favorável à nossa adaptação.

3) A terceira capacidade diz respeito ao conhecimento emocional. Esta capacidade está


ligada ao vocabulário conceitual sobre as emoções, à identificação de diferenças e nuances
entre as emoções, e ao entendimento de emoções complexas que são compostas de
emoções básicas. Segundo Plutchik (1997) as emoções primárias são: tristeza-alegria,
surpresa-expectativa, aversão-aceitação, medo-raiva. Emoções secundárias são
constituídas por combinações dessas emoções primárias. Por exemplo, culpa = medo +
alegria, susto = medo e surpresa; remorso = tristeza + aversão, vergonha = medo +
66
aversão. As emoções também ocorrem em cadeias mais ou menos padronizadas e,
portanto, a compreensão das transições entre emoções é muito importante para a
adaptação. Todos estes conceitos fazem parte do conhecimento emocional ou a
inteligência cristalizada sobre as emoções.

O conhecimento emocional é uma parte essencial da Psicologia, mas apesar disso as teorias
clássicas não avançaram muito na definição dos vários tipos de emoções. Por exemplo, a
Psicanálise focalizou muito na ansiedade. Melanie Klein expandiu um pouco mais falando da
raiva e da inveja. Mas muito pouco se falou sobre outras emoções principalmente as emoções
positivas (Greenberg, 2002).

4) A quarta e última faceta refere-se ao gerenciamento das emoções. Esta capacidade


refere-se ao controle reflexivo das emoções para promover o crescimento emocional. O
processo de regulação da emoção envolve o monitoramento, a avaliação e a utilização do
conhecimento dos próprios humores, para mantê-lo ou modificá-lo conforme as
necessidades. O conhecimento sobre as situações que desencadeiam humores agradáveis
e desagradáveis nos permite escolher com maior precisão as situações prazerosas e a
evitar e/ou abreviar as situações desprazerosas. Com isso conseguimos de forma indireta
regular nossos próprios humores. Isto é chamado meta experiência do humor.

Outro aspecto associa-se à regulação dos humores em relação a outras pessoas. Isto está
ligado ao monitoramento das reações dos outros em relação ao próprio comportamento , o
que nos permite ter ideia de como nossos comportamentos afetam os outros e possibilitando
um maior controle dessas reações. Uma parte do efeito benéfico da psicoterapia tem a ver
com o desenvolvimento de estratégias de manipulação das próprias emoções. Também está
associado ao entendimento das maneiras mais automáticas de regulação efetivadas pelos
mecanismos de defesa de cada um, para eventualmente mudá-los para outros mais
adaptativos (Greenberg, 2002).

O abuso das drogas exemplifica um problema associado aos mecanismos reguladores


das emoções. As pessoas não podem de alterar seus estados emocionais voluntária e
diretamente. Os afetos aparecem em decorrência de certas interações significativas com o
ambiente. Conhecendo as situações que nos fazem bem podemos indiretamente alterar nosso
humor criando aquelas situações (ouvir música, conversar com um amigo, etc...). Entretanto
por meio das drogas as pessoas ganham um poder de regular diretamente os afetos por um
determinado tempo. Disto resulta o que Gohm e Clores (2002) chamam de inflação hedônica.
Isto é, as emoções provocadas pelas drogas são muito mais intensas que aquelas produzidas
pelas experiências naturais. As emoções positivas produzidas em situações naturais perdem
seu valor (inflação) e a pessoa fica obcecada buscando os afetos produzidos pelas drogas.
Gradualmente este poder vai sendo reduzido levando a pessoa a consumir mais drogas que
por sua vez produzem mais inflação e danos à saúde perpetuando um ciclo de autodestruição
e um colapso na economia afetiva.

Em resumo a inteligência emocional é definida pela capacidade de identificar e perceber


emoções, de usá-las para facilitar o pensamento, usar o conhecimento emocional e de regular
as emoções em si e nos outros. A inteligência emocional está associada ao uso destes

67
processos em nosso benefício na adaptação aos desafios impostos pelos eventos de nossa
vida.

As pesquisas mais recentes vêm buscando construir instrumentos para medir estes quatro
componentes. Há uma série de inventários de autorrelato criados para avaliar algumas facetas
da inteligência emocional. Entretanto sabemos pelos estudos sobre a inteligência que a
opinião das pessoas sobre suas capacidades não se correlaciona com a sua capacidade
verdadeira. Se quisermos avaliar a inteligência precisamos de testes de desempenho nos quais
a pessoa demonstre sua capacidade de processar as emoções (Ciarrochi, Chan, Caputi &
Roberts, 2001; Mayer, Caruso, & Salovey, 2002b; Salovey, Mayer, Caruso, & Lopes, no prelo).

Existem dois testes de desempenho, o Multifactor Emotional Intelligence Scale (MEIS) e


uma versão mais recente chamada Mayer, Savoley e Caruso Emotional Intelligence Test
(MSCEIT). Já desenvolvemos pesquisas com estudantes de psicologia usando o MEIS (Bueno &
Primi, 2001, no prelo) e descobrimos que alunos com maior capacidade de identificar
emoções tinham também uma avaliação mais positiva de seus supervisores em itens
indicando o estabelecimento de vínculos positivos com os participantes e indicando
competências e habilidades para atuação profissional em psicologia clínica. O mais
interessante foi que as medidas de personalidade e inteligência não estavam associadas ao
desempenho. Portanto a inteligência emocional medida pelo MEIS parece captar algo
diferente e útil.

Este artigo procurou abordar os novos estudos sobre as medidas de inteligência e os


estudos que buscam descobrir novas formas de inteligência. Pode-se concluir que para o
avanço da área é preciso uma atualização no entendimento teórico sobre a inteligência
levando em consideração o modelo CHC para que se saiba exatamente que capacidade
cognitiva cada instrumento disponível avalia. É preciso investir no desenvolvimento de novas
provas derivadas diretamente desta teoria. É preciso ainda expandir os estudos para áreas da
inteligência pouco investigadas no passado. É preciso finalmente buscar cada vez mais a
elaboração de visões integrativas da inteligência levando em consideração os estudos da
psicologia cognitiva e da neurociência.

Reforçando o que foi dito no início os avanços que a avaliação psicológica traz para a
psicologia não se restringem à instrumentalização da observação, mas também se estendem
às teorias psicológicas sobre a personalidade. Isso faz a avaliação psicológica muito mais
importante do que se considera habitualmente.

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TEXTO 9 INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E INTERVENÇÃO NEUROPSICOPEDAGÓGICA

Este texto foi adaptado, para fins acadêmicos, do artigo: Oliveira, G.M., Paschoali, R.A,
Oliveira, V. & Camilo, C.C. Inteligências múltiplas e intervenção Neuropsicopedagógica .
Revista Educação em Foco – Edição nº 10 – Ano: 2018 revistaonline@unifia.edu.br

RESUMO O trabalho mostra um breve conhecimento das estruturas cerebrais e apresenta a


teoria das Inteligências Múltiplas como uma proposta de intervenção na prática
neuropsicopedagógica. Realizaram-se pesquisas bibliográficas para desenvolver relações
entre a aprendizagem e a neurociência. Deste modo, com as referências levantadas, foi
possível realizar uma reflexão acerca do desenvolvimento de cada indivíduo, sabendo que
cada um é único, sendo fundamental, portanto, propor intervenções significativas, que
envolva o educando em sua plenitude. Ao neuropsicopedagogo, cabe o papel de avaliar as
necessidades da criança, para assim intervir estimulando as inteligências que mais
necessitarem. Palavras-chave: Cérebro-Inteligência-Aprendizagem-Neuropsicopedagogia-
Intervenção.

INTRODUÇÃO. A vida humana tem início desde as primeiras ações das células
reprodutoras. O sistema nervoso começa a se formar logo ao décimo oitavo dia de vida
intrauterina. Segundo Domingues (2007), o cérebro é o órgão que sustenta a vida, sua
estrutura possui plasticidade e é modificável, o que significa que os fatores biológicos, sociais
e emocionas e as experiências que as pessoas vivenciam vão estruturando o cérebro durante a
vida e formando o psíquico de cada indivíduo.

Tal plasticidade cerebral tem maior fruição até a fase da adolescência, permanecendo por toda
a vida, porém, com menos intensidade na vida adulta, como confirma Domingues (2007).

De acordo com Domingues (2007, p. 9): é absolutamente necessária a conscientização, o


conhecimento de que fatores emocionais, fisiológicos, sociais e culturais terão reflexos
estruturais, químicos e elétricos sobre um cérebro altamente plástico e mutável,
características estas encontradas principalmente na criança e no jovem. É necessário saber
que está sendo realizada uma estruturação ou “esculturação” do cérebro através desses
fatores, o que poderá ser irreversível. (DOMINGUES, 2007, p.9). Segundo o mesmo autor, os
neurônios são células que captam, interpretam e registram os estímulos constituindo-se assim
uma memória.

Ferreira, (2014, p.29) salienta que “O cérebro é plástico, modifica-se, transforma-se e


pode mudar para melhor se o estimularmos da maneira correta; que em algumas regiões do
cérebro os neurônios nascem novamente (processo chamado neurogênese); que, quando
aprendemos, causamos uma modificação estrutural no cérebro pela criação de novas sinapses
(processo chamado sinaptogênese) e pela eliminação de outros (processo chamado poda
sináptica).”

Ferreira (2014) vem dissertar que o cérebro se organiza de uma maneira que processa todos
os estímulos que surgem do ambiente ou do meio interno e assim realiza comportamentos em
resposta a esses estímulos e que, mesmo existindo áreas que executam suas específicas
70
funções, é necessária a integração organizada de todas essas partes. Em concordância,
Ferreira (2014, p.31) ainda diz que “as percepções, as emoções, os pensamentos e todo e
qualquer comportamento produzido por nós são resultantes do funcionamento do sistema
nervoso.”

Fonseca (2014) enfatiza em sue artigo que existem várias funções no cérebro que
contribuem para a aprendizagem humana. A primeira é chamada de cognitiva, ela processa
as informações nos indivíduos de modo particular, isso porque cada um possui ligações de
neurônios que se comunicam por meio das sinapses, que são acoplamento de neurônios, a
comunicação entre eles. A segunda é a conativa, que se referem às emoções, motivação,
temperamento e a personalidade do sujeito. A terceira é denominada executiva, denominada
como processos mentais que reúnem as ferramentas essenciais para o aprender a aprender.

Para que o processo formativo da criança seja satisfatório, de acordo com Domingues
(2007) é necessário observar três itens: 1) nutrição, os alimentos são importantes para que
os neurônios sejam saudáveis; a 2) estimulação por meio de estratégias que contribuem para
um aprendizado, por isso a importância das atividades múltiplas no dia a dia dos pequenos; 3)
o afeto, significando as emoções causadas pela afetividade que são indispensáveis para o
desenvolvimento integral.

Piaget (2014 p.32) enfatiza que “os sentimentos ou as formas cognitivas dependem de toda a
história do sujeito ativo” e “a vida afetiva e a cognitiva são, portanto, inseparáveis, embora
distintas.” A inteligência faz parte do desenvolvimento de todo ser humano; ela é construída
através de estímulos, é uma relação entre um sujeito e um objeto. Por sua vez, é um conjunto
que forma todas e quaisquer características de um indivíduo, ou seja, é conhecer,
compreender, interpretar, pensar e raciocinar.

A palavra “inteligência” se originou a partir do latim intelligentia, oriundo de intelligere, em


que o prefixo “intel” significa “entre”, e legere quer dizer “escolha”.

Para Gardner (1995) a inteligência (...) implica na capacidade de resolver problemas ou


elaborar produtos que são importantes num determinado ambiente ou comunidade
cultural. A capacidade de resolver problemas permite à pessoa abordar uma situação em que
um objetivo deve ser atingido e localizar a solução adequada para esse objetivo.

A teoria das inteligências múltiplas desenvolvida por Howard Gardner busca atender a toda
a diversidade humana, visto que cada ser é único e possui suas individualidades, propõe
abordagens de ensino que estão relacionadas com as diversas potencialidades humanas, as
quais ele denomina de múltiplas capacidades.

A prática para oferecer um desenvolvimento pleno deve partir da criação de conhecimentos e


oportunidades observadas individualmente, ou seja, verificando as necessidades de cada
indivíduo, segundo Campbell (2000). Este autor afirma que para Gardner a inteligência é a
habilidade de criar estratégias de soluções para os problemas do cotidiano, considerando a
cultura vivenciada.

71
É dividida em oito partes: linguística, naturalista, lógico-matemática, intrapessoal,
interpessoal, corporal-cinestésica.

Inteligência linguística: consiste na habilidade da linguagem oral e escrita, está relacionada


ao hemisfério esquerdo do cérebro. Os principais componentes são a sensibilidade para os
sons, ritmos e significados das palavras. Nas crianças essa habilidade é usada para contar
histórias originais ou relatar uma experiência vivida, e as tecnologias multimídias servem
como um recurso à alfabetização para as crianças e jovens com deficiências.

Inteligência musical: A música proporciona habilidades de entoação, melodia, ritmo e tom.


Possibilita o desenvolvimento das percepções, onde há um período crítico de sensibilidade ao
som aos seis anos de idade, desenvolve várias habilidades físicas, como a coordenação e a
velocidade. E quem demonstra essa inteligência musical são: compositores, maestros,
instrumentistas, críticos musicais e até mesmo ouvinte.

Lógico-matemática: possibilita dominar cálculos complexos e raciocínios indutivos e


dedutivos. Está presente em pessoas que enxergam com facilidade as projeções geométricas,
que tem facilidades com números e raciocínio lógico, também, equações da área de
informática, química ou física. A inteligência lógico matemática está ligada a dar significado
concreto, ser persistente. Algumas atividades que podem estimulá-la são jogos como: quebra-
cabeça, materiais manipulativos, entre outros.

Espacial permite que o indivíduo perceba imagens externas e internas e pense de maneiras
tridimensionais. É por meio da inteligência espacial que instiga a capacidade para pensar de
maneiras tridimensionais, possibilitando a arte em todas as disciplinas acadêmicas. E uma das
principais características dessa inteligência é o mapa mental: que permite criar símbolos ou
imagens no cérebro para ilustrar seus conceitos e ajudar na organização e recordação de
informações escritas ou verbais.

Corporal-cinestésica: inclui a capacidade de unir o corpo e a mente para desempenho físico


perfeito. Esta inteligência está relacionada na capacidade de resolver problemas ou elaborar
produtos utilizando o corpo inteiro ou parte do mesmo, ela está presente na maioria dos
jogadores e dançarinos e todas as pessoas que desempenham os movimentos corporais como
forma de expressão. Porém essa inteligência, assim como as outras requerem cuidados com a
saúde, uma alimentação saudável e uma rotina com exercícios são essenciais.
72
Interpessoal permite compreender as pessoas e comunicar com elas observando as
diferenças em seu comportamento. É essencial respeitar as particularidades de todos, jogos
de cooperação como o quebra-cabeça e figuras de colagem permitem o desenvolvimento da
compreensão de pontos de diversos pontos de vistas.

Intrapessoal: refere-se na percepção acurada de si mesmo, incluindo pensamentos,


sentimentos, compreensão e rir de si próprio.

Aa naturalista tem a capacidade de reconhecer elementos naturais e se relacionar com eles. A


inteligência naturalista, assim como as outras não nasce desenvolvida nos indivíduos,
embora em alguns ela se demonstre mais aguçada, seu maior estímulo para o
desenvolvimento é o sair do cotidiano, através do contato com a natureza. Podemos notar este
tipo de inteligência naquelas pessoas que moram ou estão constantemente na área rural. Nas
escolas o estímulo para com esta inteligência na maioria das vezes se encontra limitado, pois o
contato com a natureza, principalmente nos grandes centros, dificilmente ocorre.

Gardner, em sua teoria das Inteligências Múltiplas, reforça sua perspectiva


intercultural da cognição humana. As Inteligências são linguagens que todas as pessoas falam
e são, em parte, influenciadas pela cultura em que a pessoa nasceu. São ferramentas para
aprendizagem, resolução de problemas e criatividade que todos os seres humanos podem
usar. (CAMPBELL, 2004, p.22).

Assim, cada ser humano é particular, todos podem e devem aprender, mas é necessário um
olhar amplo, valorizar a personalidade de cada pessoa. Por isso a prática da
Neuropsicopedagogia busca intervenções diferenciadas para cada ser.

O ser humano é um indivíduo que executa, tem funções executivas que o permite praticar
fluentemente aquilo que aprende desde que o estímulo oferecido seja aplicado
satisfatoriamente. Pois a aprendizagem envolve sentimentos de competência, fazer aquilo que
tiver confiança, essas questões são observadas por Fonseca (2016) “A aprendizagem ao
ocorrer adequadamente estabelece circuitos neuronais no cérebro do indivíduo,
transformando a sua mente e o sentimento de si próprio”.

O trabalho neuropsicopedagógico favorecerá as particularidades de cada sujeito. O


profissional dessa área visa estimular e identificar o desenvolvimento das potencialidades em
espaço adequado de atendimento.

A Neuropsicopedagogia é uma ciência transdisciplinar, fundamentado nos conhecimentos da


neurociência aplicada à educação, com interfaces da Psicologia e Pedagogia que tem como
objeto formal de estudo a relação entre cérebro e a aprendizagem humana numa perspectiva
de reintegração pessoal, social e escolar. (ART 10º da Resolução 03/2014 da Sociedade
Brasileira de Neuropsicopedagogia, SBNPP).

A Neuropsicopedagogia tem como foco o conhecimento das habilidades do cérebro, assim


sendo, conhecer os instrumentos que estimulam as funções cerebrais é importante para o
desenvolvimento eficaz da aprendizagem. O profissional neuropsicopedagogo estuda as
estruturas do cérebro e tem a consciência de como ele funciona, ele compreende o sujeito que
aprende e como a aprendizagem humana é implicada em cada um deles, seu trabalho deve
73
focar nas potencialidades, temos que ver o que há de melhor em cada sujeito, pois certas
dificuldades podem ser de caráter transitório se forem estimuladas positivamente, como
questiona Lima (2017).

A grande tarefa do neuropsicopedagogo é proporcionar uma avaliação individual,


observando os comportamentos dos sujeitos e identificando os possíveis fatores que venham
a influenciar a aprendizagem, bem como oferecer estímulos com valor produtivo para o
desenvolvimento da aprendizagem, ou seja, intervenções possíveis para a equilibração das
funções cerebrais, e assim Lima (2017) vem ressaltar que “Aponta-se para a importância da
intervenção neuropsicopedagógica na dificuldade de aprendizagem, com foco nos processos
metodológicos e os reflexos na aprendizagem das crianças.”

Como Fonseca (2016) reforça a respeito dessas funções, que para enriquecer as funções
cognitivas, vistas como o processamento das informações; as conativas, as emoções e
comportamentos de cada ser; e executivas, as ferramentas para aprender, é necessário
interação e mediação, oferecendo uma acessibilidade a todos, por isso o trabalho
neuropsicopedagógico favorecerá as particularidades de cada sujeito.

A resolução SBNPP nº 03/2014 em seu artigo 61º ressalta que o neuropsicopedagogo deve
“considerar tanto possibilidades quanto limitações físicas, mentais e emocionais do cliente,
desenvolvendo objetivos apropriados para o atendimento das suas necessidades e avaliar
constantemente o desenvolvimento do processo neuropsicopedagógico”.

As fases formativas das crianças e adolescentes são de extrema importância, é necessário


observar e proporcionar estímulos para que os neurônios se intercomuniquem corretamente.
Nessas fases formativas formam-se as estruturas nervosas que irá interferir em toda a vida,
como salienta Domingues (2007).

De acordo com essas informações o trabalho do Neuropsicopedagogo é avaliar e buscar


intervenções significativas para o contexto de cada um dos indivíduos de forma diferenciada,
de acordo com as necessidades de cada um.

Maia (2017) descreve: “Gardner ressalta que testes e avaliações analisam somente
habilidades tradicionalmente valorizadas, como as capacidades: verbal e lógico-matemática. As
capacidades artísticas e psicomotoras, por exemplo, não são visualizadas nos processos
avaliativos. Desse modo, escola, professores e família deveriam estimular o desenvolvimento
dos diversos tipos de inteligência, aproveitando aquelas que são originalmente mais
evidenciadas no fazer cotidiano dos sujeitos” (MAIA, 2017, p.76).

De acordo com a Sociedade Brasileira de Neuropsicopedagogia (SBNPP), Conselho


Técnico Profissional, Nota Técnica Nº 01/ 2016 especificamente no item sobre as atividades
do Neuropsicopedagogo Institucional, descreve que uma ação de planejamento e intervenção
é a orientação de pais e professores a respeito dos conhecimentos sobre os processos de
aprendizagem.

E uma das atividades do Neuropsicopedagogo Clínico é ouvir a queixa da família e da escola,


realizando análises e coletas de dados para posteriores hipóteses.

74
Em concordância com essas informações observa-se que Maia (2017) propõe práticas
interventivas para cada Inteligência Múltipla:

Linguística: trabalhar com análises de filmes e documentários, imagens, histórias em


quadrinhos, letras de músicas;

Lógico-matemática: jogos como dominó, resta1 e problemas;

Musical: explorar os ritmos e sons;

Espacial: quebra-cabeça e arte, como modelagens;

Cinestésica: dança teatro e esportes;

Interpessoal: em grupos trabalhar opiniões, argumentações, interação e mediação social;

Intrapessoal: práticas de relaxamento, descoberta de si e do próximo;

Ecológica: pesquisas de campo, ambientes e educação ecológica. A partir de todas essas


capacidades humanas e de diferentes práticas para estimulá-las

Piaget (2013) relata que a inteligência são operações vivas e atuantes, é o instrumento
essencial para as ligações entre o sujeito e o universo.

Consenza (2011) afirma: “Hipócrates, considerado o pai da medicina, já afirmava, há


cerca de 2.300 anos, que é através do cérebro que sentimos tristeza ou alegria, e é também
por meio de seu funcionamento que somos capazes de aprender ou modificar nosso
comportamento à medida que vivemos. Da mesma forma, os processos mentais, como o
pensamento, a atenção ou a capacidade de julgamento, são frutos do funcionamento cerebral.”
(CONSENZA, 2011, P. 11 e 12).

O neuropsicopedagogo poderá em sua prática trabalhar com as Inteligências


Múltiplas para conhecer o participante em sua plenitude, visando a importância do interesse e
das habilidades de cada um e estimulando aquelas capacidades ainda não identificadas.

Como ponto de partida, deverá ser feita uma avaliação e por isso Maia (2017, p.76)
discorre: “Assim, a avaliação das inteligências múltiplas pode ser realizada por meio da
observação das atividades desenvolvidas diariamente pelo sujeito e de suas inclinações e
interesses.”.

Iennaco (2006) em seu artigo disserta que a neurociência, como contribuição para a
educação, tem como propósito mostrar novas estratégias, de como se trabalhar, melhorar a
qualidade de vida dos discentes em si, e dar suporte para todos os envolvidos: neurologistas,
pais, educadores, psicólogos, etc.; assim entendendo com melhor precisão a organização do
sistema nervoso.

Além disso, Iennaco (2006) ressalta que é de suma importância que educadores e
psicopedagogos tenham conhecimentos dos estudos da neurociência que fomentam o
desenvolvimento do cérebro, atualmente. Instrumentos de neuroimagem auxiliam no
desvendamento de aspectos lesionais ou funcionais cerebrais. Iennaco (2006, p.86) diz que: A
75
Neurociência será capaz, ainda, de instrumentar os profissionais para avaliar o aluno de forma
individual, percebendo as deficiências e capacidades de cada um, determinando os principais
determinantes de suas dificuldades e identificando de forma precoce os tipos de estratégia a
serem utilizadas.

Lima (2017) define que “no campo interventivo, a neuropsicopedagogia desponta


como campo epistemológico do saber, advindo da leitura integrada entre pedagogia,
psicologia, neuropsicologia, psicopedagogia e trabalho clínico. Sua contribuição se dá pela
relação estabelecida entre o cérebro e a aprendizagem, como vias envolvidas no processo
cognitivo.”

REFERÊNCIAS
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DOMINGUES, M. A. Desenvolvimento e aprendizagem: o que o cérebro tem a ver com isso? / Maria Aparecida Domingues. – Canoas: Editora ULBRA,
2007. FERREIRA, M. G. R. Neuropsicologia e Aprendizagem [ livro eletrônico] / Maria Gabriela Ramos Ferreira. Curitiba: Editora InterSaberes, 2014.

FONSECA, Vitor da. Importância das emoções na aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica. Rev. psicopedag. vol.33 no.102 São Paulo
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FONSECA, Vitor da. Papel das funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica. Rev.psicopedag.
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GARDNER, H. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática / Howard Gardner; trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Editora Artes
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IENNACO, J. P. A Neurociência em diálogo com a cognição e a neuropsicologia: novos olhares para a educação. MYTHOS REVISTA ACADÊMICA – ANO
IV – 2/SEMESTRE/2016 – Nº 6 - ISSN 1984- 0098FACULDADES INTEGRADAS DE CATAGUASES – FIC. Disponível em: 14 Jan. 2018

LIMA, Francisco Renato. Sentidos da intervenção neuropsicopedagógica nas dificuldades de aprendizagem na pré-escola. EDUCA – Revista
Multidisciplinar em Educação, v.4, n.7, p. 78-95, jan/abr, 2017.

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PAVANI, G. J. Inteligência Naturalística. 1999. Disponível em: http://penta.ufrgs.br/~pavani/tinteligencias/naturalistica/naturalistica.html. Acesso
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PIAGET, J. A psicologia da inteligência/Jean Piaget; tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira.- Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2013.

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T%C3%A9cnico-Profissional-daNeuropsicopedagogia-SBNPp.pdf: Resolução SBNPp nº 03/2014. Acesso em: 06 nov. 2017.

SILVIA, V. L. T. ; PICCOLO, V.L. N. Dificuldade de aprendizagem na perspectiva das inteligências múltiplas: um estudo com um grupo de crianças
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SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEUROPSICOPEDAGOGIA- SBNPP: Conselho técnico-profissional nota técnica nº 01/2016. Disponível em:
http://www.sbnpp.com.br/wp-content/uploads/2016/05/SBNPP- Revista Educação em Foco – Edição nº 10 – Ano: 2018
revistaonline@unifia.edu.br

76
____________________________________________________________________________________________________________

TEXTO 10 TESTE GESTÁLTICO VISOMOTOR DE BENDER

Texto adaptado, para fins acadêmicos a partir de Rueda, FJMR; Sousa, V; Angeli dos
Santos, A; Noronha, AP . Bender- Sistema de Pontuação Gradual (B-SPG): estudo para versão
de rastreio. Psicol. teor. prat. vol.18 no.2 São Paulo ago. 2016.
http://dx.doi.org/10.15348/1980-6906/psicologia.v18n2p117-128

A habilidade perceptomotora é um construto que compreende a percepção visual e a


expressão motora, estando associado à linguagem, a conceitos temporais e espaciais e à
capacidade de organização e representação. Em geral, seu desenvolvimento ocorre
paralelamente à maturação neurológica da criança (Bender, 1955; Koppitz, 1963).

Um instrumento destinado à avaliação dessa habilidade, o Teste Gestáltico Visomotor


de Bender, foi desenvolvido por Lauretta Bender, em 1938. A autora propôs que, a partir da
cópia de determinadas figuras, seria possível analisar o desenvolvimento perceptomotor de
crianças sob a luz da teoria da Gestalt.
Bender criou o instrumento com enfoque clínico, considerando aspectos
qualitativos, e não propôs um método sistemático de correção e pontuação das figuras, o que
ocasionou o desenvolvimento de diversos sistemas por outros autores ao longo do tempo
(Koppitz, 1963).
Os sistemas criados, desde então, têm particularidades em relação às suas finalidades,
às formas de correção e pontuação e, até mesmo, em relação às figuras do instrumento. Como
exemplo dos propósitos específicos tem-se o sistema de Pascal e Suttel, criado em 1951, e de
Hutt, de 1969. Ambos se prestam à avaliação de aspectos emocionais em adultos. O de Hutt é
singular também no que diz respeito às figuras-estímulo, que apresentam distinções em
relação à espessura das linhas, às angulações e aos arredondamentos mais acentuados em
determinadas figuras.
Outro sistema, o de Clawson, de 1959, presta-se à avaliação de dificuldades
emocionais de crianças, sob o enfoque projetivo. Essa autora propõe uma correção
interpretativa dos desenhos, avaliando aspectos, como a disposição das figuras na folha,
modificações na Gestalt e o modo de execução da tarefa (Nunes & Ferreira, 2007).
Outro sistema que tem por finalidade a avaliação da habilidade perceptomotora é
o Developmental Bender Scoring System, criado por Koppitz (1963). Ele é o mais conhecido e
estudado e tem por base o caráter evolutivo associado à aprendizagem das funções
gestálticas. Sua avaliação é dicotômica, considerando a atribuição de um ponto para desvios
acentuados.
Os critérios avaliados são a distorção da forma (alterações de aspectos estruturais do
desenho), a integração (perda na configuração do desenho), a rotação (modificação da
orientação espacial) e a perseveração (aumento de elementos).
Em 2005, um sistema brasileiro foi desenvolvido pelos autores Sisto, Noronha e
Santos, o Sistema de Pontuação Gradual (B-SPG). Ele é atualmente o único aprovado para uso
diagnóstico no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi), criado pelo Conselho
Federal de Psicologia.
Além disso, tem como diferencial o fato de poder ser aplicado coletivamente, o que
expande sua utilização no contexto da psicologia escolar. Considera como critério para a
correção das figuras a distorção da forma - que acontece quando pontos, retas, curvas e
ângulos são desenhados sem precisão. Além disso, a pontuação é gradual, ou seja, o avaliador
atribui uma pontuação de 0 a 3, variando de acordo com a qualidade do desenho (Sisto et al.,
2005).
77
As propriedades psicométricas do B-SPG foram avaliadas por diversos estudos desde a
sua proposição como sistema de correção. Ele tem se mostrado como uma ferramenta
importante para avaliações no contexto das dificuldades no desempenho em leitura e escrita
(Carvalho, Noronha, Pinto, & Luca, 2012; Suehiro & Santos, 2005).

Outras pesquisas verificaram que amostras diagnosticadas com dislexia (Santos &
Jorge, 2007) e deficiência intelectual (Noronha, Santos, & Rueda, 2013) tiveram um pior
desempenho no teste, quando comparadas à amostra normativa.

Além disso, foi constatada a adequação do uso do B-SPG em amostras de diversas


regiões do Brasil (Noronha, Rueda, & Santos, 2013) e em crianças estrangeiras (Rueda, Santos,
Noronha, & Segovia, 2013; Santos, Noronha, Rueda, & Segovia, 2014).

O B-SPG utiliza os nove cartões originalmente propostos por Bender. Deles são
extraídos 10 escores - no sétimo cartão, são avaliadas as duas imagens que compõem a figura
(7A e 7B) - além da pontuação total. As figuras são constituídas por pontos ou laçadas (figuras
1, 2, 3 e 5), linhas retas e ângulos (A, 7A, 7B e 8) e linhas curvas (4 e 6).

Vale mencionar que a figura A é constituída de duas imagens, sendo elas, um círculo e
um quadrado rotado, no entanto, o B-SPG somente considera para a pontuação, o quadrado.
O mesmo ocorre com a 4, que é composta por dois traçados diferentes, mas somente é
pontuado o traçado em forma de curva, no caso, a campânula. Na Figura 8, também são
atribuídos pontos apenas para o hexágono (Sisto et al., 2005).Para a execução das figuras
angulares, a criança deve realizar traçados em formatos de ângulo e lados retilíneos.

A primeira dessas figuras, a A, é formada por um quadrado. As figuras 7A, 7B e 8 são


constituídas pelos mesmos traçados, entretanto, de acordo com Kacero (2005) poucas vezes
são percebidas assim, por causa de suas posições e orientações.
Além disso, Clawson (1992) alega que a confecção de formas quadrangulares é mais
simples do que os hexágonos, graças à exigência da noção espacial envolvida na realização de
uma maior quantidade de ângulos.
A execução de pontos ou laçadas nas figuras 1, 2, 3 e 5 requer, segundo Clawson
(1992), uma boa coordenação da musculatura grossa e fina, para que os elementos não sejam
substituídos por traços. A Figura 1 é formada por pontos idênticos que, por sua proximidade
e direção, dão a indicação de uma linha reta. A Figura 2 consiste em três séries horizontais de
laçadas que, ao serem combinadas, devem manter uma inclinação. A Figura 3 é formada por
pontos dispostos, compondo um desenho em progressão angular. A complexidade dessa
estrutura se dá pelo fato de ter que considerar, simultaneamente, a distância, a posição, a
inclinação, a proporção, o paralelismo, a obliquidade e o ajuste dos ângulos. A composição da
Figura 5 é feita por pontos que formam um semicírculo. A especificidade dela é em relação à
mudança de direção durante a execução dos pontos (Kacero, 2005).

Em relação aos traçados de linhas curvas, observa-se que elas diferem das linhas retas
pelo fato de serem produzidas por meio de movimentos ondulantes. Tais características
podem ser observadas nas figuras 4 e 6. A campânula, avaliada na Figura 4, é constituída por
traçados abertos que formam curvas. A Figura 6 também foi formada por ondas, e a sua
avaliação considera o número de ondas horizontais e inclinadas e o tamanho de cada uma
delas (Kacero, 2005).

O teste de Bender é um instrumento comumente utilizado em avaliações diagnósticas


(Zuccolo, Rzezak, & Góis, 2010). Sua relevância tem sido particularmente verificada em
contextos de aprendizagem (Carvalho et al., 2012; Suehiro & Santos, 2005, entre outros), tal
78
como informado anteriormente. Koppitz (1963) afirmou que o uso desse instrumento
como screening poderia auxiliar a detectar potenciais problemas de aprendizagem,
atenuando, assim, o surgimento de comprometimentos mais sérios posteriormente. A autora
relatou como obstáculo para essa prática o fato de que, até então, o instrumento não era
previsto para aplicações coletivas.

O sistema brasileiro do instrumento, o B-SPG, foi validado e padronizado para


aplicações individuais e coletivas, sendo que as comparações entre as duas formas apontaram
para a inexistência de diferenças nos escores obtidos por ambas, o que justifica a não
diferenciação de tabelas normativas para cada uma das formas de aplicação (Sisto et al.,
2005). A aplicação coletiva favorece o uso deste sistema no contexto escolar, pois o desenho
de nove cartões demanda um tempo que muitas vezes o ambiente escolar não dispõe.

Ao lado disso, considera-se que, mesmo as avaliações realizadas no contexto clínico


em que, além da aplicação de instrumentos, são realizadas anamneses, observações
clínicas, dentre outros, a proposta de um instrumento para a avaliação da habilidade
perceptomotora com um número menor de itens é relevante, pois possibilita a minimização
do impacto do tempo nesses procedimentos.

Dessa forma, almeja-se, neste estudo, verificar se, com um conjunto de menos figuras,
sendo cada uma representante de um dos tipos de traçados - é possível chegar a uma medida
da avaliação da habilidade perceptomotora equivalente à proposta original do B-SPG.

As figuras a serem apresentadas são as seguintes (uso apenas ilustrativo)

79
ROTEIRO PARA TRABALHO PRÁTICO

1. TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE): imprimir, e inserir

assinatura dos alunos, do colaborador e do supervisor.

2. PROCEDIMENTOS PARA A ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO

3. EXEMPLO DE RELATÓRIO com o WISC IV

80
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Somos alunos (as) da disciplina de Processos e Métodos de Investigação Psicológica II,

da PUC-SP. Pedimos a sua colaboração para a realização deste trabalho, no qual os alunos

aprendem a fazer uma entrevista e efetuar atividades que envolvem, por exemplo, atenção,

percepção visual, linguagem e memória. Por exemplo, o aluno apresenta ao colaborador (a)

algumas figuras, e solicita que se aponte qual a parte que falta, em cada uma delas.

As atividades – com duração de duas horas, em média – deverão ocorrer na Clínica

Psicológica Ana Maria Poppovic, com datas e horários convenientes para todos.

Como esta é uma situação acadêmica, o(a) aluno(a) não estará habilitado a fornecer os

resultados ou qualquer tipo de informação devolutiva, pois ainda está em processo de

aprendizagem.

Esclarecemos ainda que os colaboradores podem desistir do processo se optarem por

isso.

Lembramos que o resguardo da identidade do (a) colaborador (a) será mantido, de

acordo com o sigilo que faz parte do código de ética profissional. Quaisquer dúvidas podem

ser colocadas ao grupo de alunos, que as encaminhará ao professor (a) e psicólogo (a),

visando as esclarecer da melhor forma possível.

Assinatura dos (as) alunos (as) ________________________________________

___________________________________________

____________________________________________.

Assinatura do (a) colaborador (a) ou responsável __________________________________

Assinatura do (a) supervisor (a) ___________________________________________________

São Paulo,.........de ................de 2023

81
2. PROCEDIMENTOS PARA O TRABALHO PRÁTICO

Realização do trabalho: grupo de no máximo três alunos

Idade do colaborador (a): idade mínima: 6 anos. Idade máxima: 16 anos e 11 meses

Local: Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic (marcar horário)

Atividade: aplicar 10 subtestes: Cubos, Semelhanças, Dígitos, Conceitos Figurativos, Código,


Vocabulário, Sequencia de Números e Letras, Raciocino Matricial, e Compreensão e Procurar
Símbolos., na sequência que estão ordenados na folha de resposta. Eventualmente, o subteste
de Cubos poderá ser substituído pelo Completar Figuras

IMPORTANTE: ANOTAR as respostas COMPLETAS, isto é, TODA A VERBALIZAÇÂO DO


participante em cada subteste. Estes dados são importantes para a análise qualitativa.

2.1. ROTEIRO de ENTREVISTA COM A MÃE ou responsável

• Dados de identificação: INICIAIS, sexo, idade, data nascimento e data atual, ano
escolar e nome da escola (pública ou particular)
• Configuração familiar: pai? Mãe? Irmãos?
• Gestação e parto: descrever gestação e condições de parto
• Dados de desenvolvimento: motor (engatinhar, andar, controle de esfíncteres),
linguagem (início da fala, primeiras palavras, frases)?
• Alfabetização: como foi: facilidade? Dificuldade?
• Vida acadêmica: como foi a adaptação inicial? Teve dificuldade/facilidade ao
longo da escolarização? Em quais matérias? Repetiu algum ano? Necessitou
professor particular?
• Vida acadêmica e a pandemia: como se organizou frente à pandemia? Aulas on
line? Presenciais?
• Método de estudo: a criança faz a lição sozinha? Com ajuda?
• Uso de celular: tem celular desde quando? Quanta hora por dia passa no celular?
E internet?
• Relacionamento social: como se dá com colegas? E amigos?
• Importante: investigar áreas em que o colaborador tem especial facilidade, e
que geralmente não fazem parte do currículo acadêmico. Interesses e
hobbies: Música? Teatro? Dança? Línguas? Esportes? Computador? (Especificar a
atividade)
• História médica: hospitalizações? Cirurgias?

2.2. ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO GERAL

1. Local e ambiente: Houve interferências? Afetaram o desempenho do sujeito? Como?


2. Instruções e material: adequados? Algum erro do aplicador? Afetaram o desempenho do
sujeito? Como?

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3. Condições do sujeito: De que forma aceitou o convite para participar? (reticente,
condicional, de bom grado, etc.); Grau de motivação e engajamento na situação de teste:
houve variações? Levante hipótese a respeito.
• Aspectos afetivo-emocionais: como reage ao acerto e erro? (persiste? desiste?);
sinais de insegurança (interferiu no desempenho?); sinais de autoconfiança
(quando?)
• Compreensão das instruções? Havia/não necessidade de repeti-las? Quando?

O QUE OBSERVAR EM CADA SUBTESTE

A) Subtestes do fator Compreensão verbal:


1. Informação: respostas claras e precisas? Incompletas, inadequadas? Sob forma
interrogativa?
2. Vocabulário: de que forma elabora as definições? Usa sinônimo? Descreve pelo uso?
3. Semelhanças: em nível concreto? (Ex: maçã e banana - ambas têm casca); funcional?
(Ex. são de comer); abstrato? (Ex. são frutas)

B) Subtestes do fator Memória Operacional


1. Dígitos: (lembre-se que não é permitido repetir a seqüência, caso o sujeito não tenha
prestado atenção): maior esforço voluntário/dificuldade/facilidade na ordem direta
ou inversa? Usou ou tentou estratégia para registrar a sequência?
2. Sequência de Números e Letras: O sujeito tem dificuldade para ordenar primeiro os
números, depois as letras? Faz esse erro consistentemente?
3. Aritmética: sinais de ansiedade? Atitude positiva/negativa frente a atividade?
Necessidade de repetir o enunciado do problema? Sustenta a atenção ao longo das
várias etapas de resolução? Erra por distração? Realiza os cálculos mentalmente ou
reluta em fazê-lo?

C) Subtestes do fator Organização Perceptual:


1. Cubos: Observa o modelo adequadamente? Tem uma sequência na organização dos
cubos? Perde-se no número de fileiras? Faz e desfaz? Facilidade/Dificuldade na
escolha da posição de cada cubo? Corrige-se quando percebe que errou? Observa
atentamente o modelo, de modo que escolhe com precisão a face do cubo antes de
montar seu modelo?
2. Completar Figuras: observa antes? Impulsivo? Tem dificuldade nos itens que
envolvem padrão? Tem boa varredura do estímulo, de modo a detectar rápida e
eficientemente o elemento que falta na cena ou figura?
3. Raciocínio Matricial: Manteve a atenção ao longo do processo? Observava as figuras
antes de elaborar a resposta?

D) Subtestes do fator de Velocidade de Processamento


1. Códigos: dificuldade motora? Memoriza, associa os números aos símbolos? Mantém a
atenção? Esforça-se em escrever rapidamente os símbolos? Coloca a rapidez em
segundo plano porque quer “caprichar” na grafia dos sinais?
2. Procurar Símbolos: mantém a atenção? Pula itens? Descuido nas respostas? Mãos
trêmulas ao pressionar o lápis? Poderia estar desempenhando mais rápido? Qual o
movimento dos olhos? Há sinais de cansaço?

E) Subtestes que não contribuem para os escores de índices fatoriais


1. Compreensão: bem/mal elaboradas? Observar conteúdo das respostas: sinais de
imaturidade? Impulsividade? Aspectos da afetividade?
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2.3. MODELO DE RELATÓRIO ACADÊMICO do WISC IV

I. Dados de identificação
Iniciais: A.M. Sexo: feminino
Data de nascimento: 10/7/2016 Idade atual: 8 anos
Escolaridade: 5ª série
Nome da Escola: Escola Emília Fonseca (particular)
Constelação familiar: o colaborador (a) reside com os pais (mãe, engenheira, e pai, artista
plástico). Tem irmã de 15 anos.

Observação geral: Colocar no relatório o termo “colaborador, participante, ou as iniciais. Não usar o
termo “sujeito”.
Nome dos alunos: entrevistador, aplicador e observador.

II. Descrição da demanda: NO TRABALHO ACADÊMICO, COLOCAR: Tendo em vista a


efetuação do trabalho prático, os alunos entraram em contato com um participante, visando
solicitar sua participação nessa atividade acadêmica.

III Instrumentos: Escuta psicológica, entrevista, Escala Wechsler de Inteligência para crianças,
4ª edição (WISC IV). Foram considerados os resultados quantitativos e também os dados
qualitativos relativos à análise do processo de resposta.

IV Procedimentos: Após a leitura e assinatura do TCLA pelos pais, foi feita a entrevista., hora
lúdica com a crianças e aplicação WISC na Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic no período de
30 de maio a 20 de junho de 2023. Foram feitas 3 sessões de aproximadamente uma hora cada
uma.

V. Síntese dos dados de entrevista: (EXEMPLO). Os dados foram obtidos com os


ambos os pais. Estes informaram que a gestação e parto ocorreram sem intercorrências. O apgar
foi 8 e depois 10. Chorou logo, e foi amamentada até 5 meses, quando iniciou alimentação
pastosa; aceita bem todo tipo de alimento - embora de vez em quando comente “hoje tem cenoura
e não brócolis? Cadê o meu bife?”. Gosta muito de comer doce, mas os pais relatam que só
permitem que isso ocorra em “festinhas dos colegas de escola – lá ela aproveita tudo que tem
direito”.

Quanto ao desenvolvimento neuropsicomotor, a criança iniciou deambulação por volta de 1


ano e 3 meses. A fala, segundo relatam os pais, “demorou um pouco.... ela não fluía, e tinha
problema na pronúncia de alguns sons até uns 6 anos”. Ainda tem certa dificuldade, parece que

84
hesita quando tenta achar alguma palavra. Quando pedimos que faça algo, ela às vezes pede que
repita. No geral é bem obediente “mas parece que às vezes fica alheia, como se não entendesse
de imediato o que pedimos” (sic pais).

Foi para a creche quando tinha 2 anos, sendo que às vezes ficava em casa com os avós
maternos, porque os pais trabalham período integral. Sua adaptação foi boa à creche e escola,
embora no início chorasse um pouco. Depois, segundo relata a mãe “foi se acostumando, e até
completar 5 anos gostava muito da vida acadêmica” (sic) “Gostava de desenhar e fazer ‘teatrinho”
(sic) sempre participando das atividades em classe.

Os pais assinalam, ainda, que além de desenhar, gosta muito das aulas de educação física
da escola. Faz aulas de balé desde os 4 anos, e as suas professoras informam que tem facilidade
na área: boa motricidade ampla, boa coordenação motora e memorização dos passos de dança
propostos.

Segunda narram os pais, por volta dos 6-7 anos, alguns problemas acadêmicos se iniciaram;
“começou a reclamar, bater o pé que não queria mais ir para a escola” (sic mãe). Chegava a fingir
que estava doente, e “punha até a mão na testa para mostrar que estava com febre” (sic mãe). Os
pais entraram em contato com a coordenação da escola, e foram informados que sua filha “estava
diferente” (sic), pois ficava afastada dos outros em um canto, e os professores não sabiam dizer o
que estava acontecendo.

Do ponto de vista social, a mãe relata que está começando a frequentar a casa dos amigos
“vai principalmente para a casa da Célia, que é a melhor amiga dela”. Usa seu celular
principalmente para se comunicar com as amigas da escola, mas com restrições, pois, segundo a
mãe “se eu deixar, ela só fica escrevendo as coisas para as amigas e não faz lições de casa”. (sic)

Quanto à rotina, costuma acordar cedo, para ir escola. À tarde, costuma frequentar o clube
com a avó, e tem aulas de natação duas vezes por semana “está bem adiantada... já está com a
touca azul, com ela diz – mudando rapidamente para os grupos mais adiantados. Acho que tem
facilidade”.
Seu sono é tranquilo. A mãe refere que sempre conta história para ela antes de dormir:
“temos quase um ritual: banho, historinha e dormir” (sic mãe)

Com relação a sua história médica, os pais relatam que teve as doenças normais da
infância “resfriados, sempre no inverno”, sendo que nunca houve necessidade de internação
hospitalar. É acompanhada pelo mesmo pediatra, desde bem pequena. Tomou as vacinas
adequadas, mas tem alergia a pó. Os pais negam a presença de quedas ou convulsões.

85
VI Observações gerais sobre o comportamento: (EXEMPLO)
A criança dispôs-se a colaborar na aplicação da prova após sua mãe ter lhe explicado que
seriam feitas atividades com alunos da PUCSP, e que essa colaboração seria importante para os
mesmos. O contato inicial ocorreu por meio de uma conversa descontraída inicial, em que se
abordou as atividades preferidas da criança.
Nos subtestes envolvendo a linguagem, às vezes parecia insegura e ansiosa, hesitando,
como por exemplo, em Vocabulário, ou Semelhanças. Observou-se que nem sempre compreendia
claramente as instruções verbais, necessitando de repetição. Em contraste, efetuou os subtestes
de envolvendo execução (como Cubos) rápida e precisamente, denotando bastante facilidade nos
mesmos. Comentou: “esses aqui são brinquedos também, né?”.
As condições relativas ao local de aplicação e instruções estiveram adequadas, embora em
certos momentos a criança tenha dado mostras de fadiga; ao final, perguntava “quanto falta para
terminar?” Eram dados reforços positivos frente a seu esforço, e feitas eventuais interrupções para
descanso.

VII. Interpretação QI TOTAL (EXEMPLO)


O funcionamento intelectual geral da criança, baseado na aplicação de 10 subtestes, situou-se
na faixa média, no presente momento, com certa discrepância entre os diversos índices fatoriais
(vide abaixo).

VIII. Interpretação geral dos índices fatoriais: Compreensão Verbal (ICV),


Organização Perceptiva (IOP), Memória Operativa (IOP) e Velocidade de
Processamento (IVP) (EXEMPLO)
No Índice fatorial Compreensão Verbal (ICV), obteve resultados na faixa médio-inferior, no
que se refere ao manejo e integração de conceitos verbais. No que se refere ao Índice de Memória
Operacional (IMO) A.M. situou-se na faixa média; este índice visa aferir a retenção imediata de
dados, controle mental e resolução de problemas. Quanto ao Índice fatorial Velocidade de
Processamento (IVP), situou-se na faixa superior no que tange à percepção e associação viso
motora rápida entre símbolos visuais. No Índice fatorial Organização Perceptiva (IOP), seus
resultados se situaram na faixa superior no que se refere à análise-síntese visuoespacial dos
elementos.

VIIII-1. Índice de Compreensão Verbal: interpretação e observações qualitativas


sobre os subtestes: (EXEMPLO).
No subteste de Informação, obteve resultado médio inferior na atividade de evocar
informações que acumulou a partir da experiência acadêmica e cultural, denotando boa
evocação do material apreendido. Observou-se que inicialmente dava uma resposta mais breve
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e que algumas vezes complementava a ideia posteriormente, após um tempo de reflexão. Por
exemplo, na questão sobre as estações do ano “Outono, Inverno, Verão ...seca... acho que
não....vou pensar...Ah – Primavera, as flores” (sic). Eventualmente, sua resposta era muito vaga,
por exemplo; “ O que faz o estômago? Acho que faz a parte dele”

Em Semelhanças, apresentou resultados na faixa média; tal subteste envolve a abstração


do significado de dois conceitos verbais, construindo uma categoria mais ampla. Observou-
se qualitativamente que A.M. compreendeu bem as instruções, captando bem o universo relativo
aos conceitos. Parecia mais tranquila nesta atividade e mais eficiente. Por exemplo, quanto à
semelhança entre “tábua e tijolo”, respondeu “são coisas...material para construir casas, edifícios.
São de construir, coisa de construção”.
Em Vocabulário, apresentou uma habilidade na faixa médio inferior na para abstração dos
elementos mais essenciais relativos ao significado de cada palavra, bem como boa
amplitude de vocabulário. Observou-se que A.M. parecia incomodada ao tentar responder às
questões, hesitando bastante ao dar as definições; em alguns momentos, observou-se presença
de ansiedade. Por exemplo: ““Ladrão....nossa, dá medo...eles podem entrar na casa da gente e
são maus...eles vêm para tirar da gente as coisas...roubar”.
No subteste de Compreensão, cujas questões solicitam uma resposta originada de
situações sociais vividas pela criança, bem como reconhecimento de normas e valores
vigentes, mostrou ter interiorizado os aspectos culturais e sentido moral. Seu resultado
situou-se na faixa médio-superior e suas respostas mostravam facilidade e espontaneidade na
resolução das perguntas propostas. Por exemplo, em relação à pergunta “porque os carros têm
cinto de segurança”, respondeu “porque as pessoas podem ficar mais...firmes, mais...seguras”

No subteste complementar de Raciocínio com Palavras, que envolve a habilidade de


identificar conceitos comuns a partir de duas ou três pistas, situou-se na faixa médio inferior.
Observou-se dificuldade importante na decodificação auditiva e retenção imediata das informações
dadas sob forma de pistas. Mostrou-se insegura, pedindo constantemente a repetição de frase,
envolvendo descrição das pistas, e eventualmente precipitando-se ao dar as respostas. Todavia, a
partir do momento que entendia o significado de tais pistas, conseguia descobrir o conceito que
estava sendo descrito.

VIIII-2. Índice de Organização Perceptiva: interpretação e observações


específicas sobre os subtestes realizados (EXEMPLO)

No subteste Cubos A.M. situou-se na faixa superior à média, demonstrando facilidade na


decodificação das coordenadas espaciais e de reprodução de figura geométrica

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bidimensional com cubos. Qualitativamente, verificou-se que tentava analisar cada desenho
cuidadosamente, e na hora de reproduzir as coordenadas espaciais efetuava rapidamente a cópia.
Organizava os cubos por fileiras, acompanhando o modelo, parecendo ter prazer na atividade. Não
se preocupava com a marcação do tempo, dizendo “foi rapidinho, não foi? Você não ia fazer mais
rápido do que eu”. No último deles falou” este é para criança muito maior que eu, não é? Vou
tentar, mas não garanto” (sic). Assim, era rápida e precisa no processo, observando as várias
faces do cubo com cuidado antes de inseri-los em sua montagem

O subteste de Conceitos Figurativos envolve o agrupamento visual e abstração de


categorias a partir de figuras apresentadas. Observou-se que A. M mostrou-se bastante
interessada, apontando rapidamente o elemento que combinava com o estímulo- alvo. Situou-se
na faixa superior nessa tarefa.
Em Raciocínio Matricial: A.M. situou-se na faixa superior, no que tange à capacidade de
abstração e processamento de informação de estímulos visuais sob forma de figuras
geométricas a serem relacionadas entre si, de modo a captar um padrão sequencial e lógico
dos elementos. Novamente mostrou-se interessada e motivada na atividade, só hesitando mais
nos últimos: “vou chutar!”
No subteste Completar Figuras, complementar, A.M. situou-se na média no que se refere à
atividade de comparar estímulos visuais com o modelo mental, e dessa forma captar o
elemento relevante que falta em figuras ou cenas apresentadas. Observou-se que A.M. foi um
pouco lenta em suas respostas e, embora tentasse nomear as partes omitidas nas figuras, nem
sempre conseguia fazê-lo, o que parecia deixá-la ansiosa.

VIII-3. Índice de Memória Operativa: Interpretação e observações específicas


sobre os subtestes:
No subteste Dígitos, situou-se na faixa média. Teve mais facilidade no subteste Dígitos
Direto, envolvendo retenção imediata de dígitos, do que Inverso, que envolve memória
operativa e controle mental. Qualitativamente observou-se que, em Dígitos, ordem inversa,
inicialmente não compreendeu as instruções, mas, com os exemplos propostos no manual, tendeu
a efetuar a atividade melhor. Observou-se ainda que, após ouvir os elementos auditivamente
apresentados, tendia a repetir em voz alta a informação.
No subtestes de Sequência de Números e letras, envolvendo apresentação de
sequência de números e letras que devem ser organizadas seguindo-se o critério de
primeiro as, usou da mesma estratégia, para reverberação das informações, situando-se na faixa
superior à média.

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No subteste complementar de Aritmética, situou-se na faixa média. Esse subteste requer a
capacidade de sustentação da atenção em uma atividade envolvendo múltiplos passos, bem
como habilidade em realizar cálculos mentais e as quatro operações. A.M. parecia um pouco
ansiosa no início da atividade, dizendo “parece escola”. Eventualmente cometia erros, por
exemplo, na finalização de um cálculo, mas logo detectava o ocorrido e buscava corrigir-se.
Qualitativamente, observou-se que, embora requerendo repetição dos enunciados dos problemas,
particularmente os mais longos, efetuava todo o processo de equacionamento e construção das
operações aritméticas sem dificuldade, denotando conhecer bem as quatro operações
matemáticos, de acordo com o esperado para sua idade.

VIII-4 Índice de Velocidade de Processamento: Interpretação e observações


específicas sobre os subtestes:
A.M. demonstrou habilidade na faixa média para sua faixa etária tanto na associação viso-
motora entre estímulos visuais simples (Código). No subteste envolvendo a habilidade de
associar e comparar elementos geométricos com um padrão (Procurar Símbolos) situou-se na
faixa média faixa média. Observou-se que em ambos os subtestes mostrou-se disponível e
interessada, com motricidade fina adequada nos traçados.

IX. EXEMPLO Finalização e Integração das informações provenientes das diversas


fontes (entrevista, escuta, observações e WISC IV
Os dados obtidos por meio da entrevista mostraram problemas no que se refere ao contexto
acadêmico - com tendência à esquiva em relação a ida a escola - associados a dificuldade na
leitura e escrita, bem como de compreensão de algumas demandas verbais no ambiente
doméstico.
No geral mostrou bom contato com os alunos, habilidade lúdica, mas com certa dificuldade
de compreender as instruções verbais – ao mesmo tempo que sua atitude frente a atividades viso
motora espaciais era bem mais positiva.
NO que se refere ao funcionamento intelectual geral, os dados obtidos WISC IV mostraram
que nos subtestes que requerem organização viso motora espacial e naqueles requerendo
velocidade de processamento situou-se faixa superior, denotando facilidade nesses processos.
Na área de Memória operativa, envolvendo retenção imediata de dados auditivo verbais e
controle mental situou-se na faixa média.
Obteve resultado médio inferior no Índice de Compreensão verbal, índice este
relacionado à compreensão e manejo de palavras e conceitos. Isto posto, dada a hipótese de
dificuldade de processamento de informações auditivo-verbais, da necessidade de repetição de
instruções mais longas, bem questões acadêmicas relativas à leitura e escrita, um auxílio
psicopedagógico, bem como avaliação fonoaudiológica podem ser indicados visando desenvolver
melhor tais aspectos

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Os resultados devem ser considerados com cautela dados os objetivos acadêmicos do
estudo.

São Paulo, ---- de ------ de 2023.

__________________________ ____________________________ _____________________________


Nome, RA e assinatura de cada aluno

2.4. CLASSIFICAÇÂO DOS RESULTADOS dos resultados dos subtestes (CONTAGEM


PODERADA) e dos PONTOS COMPOSTOS: faixas.

CLASSIFICAÇÃO DOS RESULTADOS EM CONTAGEM PONDERADA


Contagem ponderada de 16, 17,18,19: classificação faixa muito superior
Contagem ponderada de 14 e 15: faixa superior
Contagem ponderada de 12 e 13: faixa médio superior
Contagem ponderada de 9,10 e 11: faixa média
Contagem ponderada de 7 e 8: faixa médio-inferior
Contagem ponderada de 4,5,6: faixa inferior à média
Contagem ponderada de 1,2,3 : Faixa muito inferior

90
91

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