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DOI: 10.

17666/bib8505/2018

O papel da reconstrução na teoria crítico-normativa de Jürgen Habermas1

André Silva2
Raquel Kritsch3

A reconstrução na teoria de formação. O problema é que, segundo


crítica de Jürgen Habermas Habermas (Ibid., p. 319), com o positivis-
mo essa autorrelexão que aponta os limites
Em 1968, Habermas publicou Conheci­ do sujeito acabou por tornar-se reconstrução
mento e interesse (2014), título sugestivo para racional de regras ou sistemas cognitivos. Com
um conhecedor da teoria de Max Horkheimer. o exemplo da teoria de Freud, Habermas acaba
O livro não se afastava daquela noção essencial por advogar, na apresentação de dois conceitos
de desenvolvimento que marca a teoria crítica, de relexão – autorrelexão e reconstrução –, a
já que constituía uma proposta de conceber relexão transcendental e a não transcendental,
uma nova relação entre ilosoia e pesquisa para enfatizar que a reconstrução deve ser
empírica. Em oposição ao conhecimento relexão, dando assim um novo caminho para
cientíico técnico e positivista, nesse texto a união entre ciência e ilosoia.
pode-se ler que os três interesses constitu- Essa diferenciação aparece na divisão feita
tivos do conhecimento – a saber, o interesse pelo ilósofo social entre ciências críticas e
empírico-analítico, o hermenêutico-histórico reconstrutivas. A psicanálise seria um bom
e o crítico-emancipatório – dão lugar à crítica exemplo das primeiras, na medida em que
insistente de Habermas pela via do interesse busca apontar o caráter relexivo do sujeito
crítico-emancipatório que quer produzir a que é iludido e restringido em sua percepção
autorrelexão de sujeitos sociais. de si. Uma ciência crítica, portanto, busca
Para Habermas (2014, p. 291-291), é um conhecimento “verdadeiro” ao considerar
possível estabelecer uma diferenciação entre a possibilidade do conhecimento deturpado.
reconstrução e autorrelexão do conhecimento. Para Habermas (2014, p. 292), Freud elaborou
Como ele apresenta num posfácio de 1973, uma moldura interpretativa para processos
a autorrelexão pode referir-se não apenas à de formação perturbados e obliterados, os
relexão sobre as condições de possibilidade quais podem, através de uma relexão de orien-
do sujeito – transcendental kantiano – que tação terapêutica, ser conduzidos para vias
conhece, mas também aos aspectos inconscien- normais. Para ele, Freud não concebeu sua
tes que limitam esse sujeito em seu processo teoria como uma autorrelexão universal em

1 Investigação vinculada ao projeto de pesquisa intitulado “Para além da constelação nacional? Disputas em torno
da cidadania, do cosmopolitismo e dos direitos humanos na teoria política contemporânea III”, inanciado pelo
CNPq (308475/2017-8) e apoiado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
2 Doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutorando em Ciências Sociais da UEL. E-mail:
andre_slv@hotmail.com
3 Doutora pela Universidade de São Paulo (USP) e professora-pesquisadora do Departamento e Programa de
Mestrado em Ciências Sociais da UEL. E-mail: kritsch@pq.cnpq.br

BIB, São Paulo, n. 85, 1/2018 (publicada em julho de 2018), pp. 104-125. 104
termos sistemáticos, mas como uma ciência As patologias sociais, por exemplo, examinadas
experimental em termos estritos. Também pelas ciências críticas, icam dependentes de
não formulou conscientemente aquilo que concepções prévias ideais não degeneradas.
separa a psicanálise das ciências que procedem As ciências reconstrutivas são, portanto,
de acordo com métodos empírico-analíticos métodos para escrutinar estruturas que funda-
e daquelas que operam exclusivamente se- mentam práticas sociais. Elas demonstram re-
gundo critérios hermenêuticos: ele simples- gras básicas e profundas, enraizadas no terreno
mente vincula a psicanálise aos domínios da social, que são condições essenciais e primárias
técnica analítica. para as ações de sujeitos sociais racionais. Essas
Já as ciências reconstrutivas, exemplii- estruturas podem formar um quadro teórico de
cadas na lógica, na linguística ou na moral, conhecimento que não é capturado no senso
acabam por furtar-se à crítica, na medida em comum, ainda que as atividades cotidianas
que constituem sistemas de regras que formam sejam dependentes dele. Assim, o quadro te-
normas fundamentais para a atividade prática, órico de conhecimento formado por alguma
os quais são precondições indispensáveis para ciência reconstrutiva pode expor o conheci-
o exercício da racionalidade. Elas se referem mento relexivo necessário para que o sujeito
à reconstrução dos processos de aprendizado, que age sob essas regras torne-se autônomo
das competências cognitivas, linguísticas e em sua atividade. A reconstrução pode assim
morais, baseando-se em modelos da lógica. demonstrar o caráter pré-relexivo de uma ação
Assim, para Habermas (2014), as ciências social; por isso, torna-se meio para indicar
reconstrutivas tratam de práticas implícitas, uma ação reletida. Mas como forma pura de
não de experiências inconscientes; consideram conhecimento, o quadro de regras implícitas
sistemas anônimos de regras como uma base afasta-se dos interesses do conhecimento, de
geral de referência para todos os sujeitos, não modo que se torna tarefa das ciências relexi-
para indivíduos; e explicitam os sistemas in- vas relacioná-lo com as dimensões da razão e
tuitivos de conhecimento de maneira neutra, da emancipação.
e não buscando algo como a verdade oposta As ciências da reconstrução acessam
à falsa consciência. Nesse sentido, Habermas dimensões de conhecimento implícitas nas
faz uma defesa da reconstrução, porquanto competências linguísticas e cognitivas de su-
seriam essas ciências que abririam caminho jeitos sociais que não as apreendem de maneira
para as ciências críticas. direta. Por isso, a reconstrução utiliza-se de
Pode-se dizer que, para ele, existe uma métodos especíicos de investigação que são
relação de dependência entre as ciências re- afastados das atividades práticas cotidianas.
construtivas e a crítica social, mas essa relação As regras tácitas da vivência social são expressas
implica a abrangência cientíica exigida ante- na sistematização lógica da abordagem recons-
riormente por Horkheimer, isto é, implica a trutiva como um sistema de conhecimento.
não estagnação na reconstrução. É necessá- Diferencia-se, desse modo, do sistema técnico
rio reconstruir para reletir; mas a relexão positivista, que propõe a observação externa e
é anterior à reconstrução, pois lhe dá valor e o afastamento; o sistema de conhecimento re-
sentido. As teorias linguísticas, por exemplo, construtivista é formado, antes, na observação
demonstram as estruturas da linguagem que interna do participante. A reconstrução deve
podem ser corrompidas, de modo que a re- aplicar-se às práticas dos sujeitos envolvidos
construção constitui o meio para a relexão em atividades sociais, pois essas atividades são
apontar as condições normais de um discurso. e estão perpassadas por sistemas linguísticos

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e cognitivos que sustentam como condição sociais, as quais, num passo seguinte, podem
a socialização. conigurar regras de validade universal que
Desse modo, a reconstrução deve ter em compõem uma ética do discurso.
conta algo mais do que a apresentação de um Filosoia e ciência formam o quadro teóri-
sistema de conhecimentos válidos no limite co da apreensão crítica de Habermas, enquanto
de determinadas circunstâncias, pois se trata sua ilosoia moral abarca de maneira depen-
de encontrar os sistemas de validade universal dente as ciências reconstrutivas. A ilosoia
no desenvolvimento lógico e histórico dessas moral da ética do discurso não pode abrir mão
competências, como condição ampla para a dos conhecimentos sistemáticos desenvolvidos
socialização em suas competências fundamen- na reconstrução que explicita as normas fun-
tais. A reconstrução trata do conhecimento damentais promotoras do entendimento entre
implícito nela mesma, como uma exposição sujeitos racionais. A ética do discurso airma-se
da estrutura essencial e universal que a pos- na relação intrincada entre entendimento e
sibilita como sistemas implícitos de regras. regras comunicativas racionais, de modo que
Deve, portanto, avançar além do ponto de a fundamentação do discurso ético seja encon-
vista não apenas do observador, mas tam- trada e desenvolvida na pragmática universal
bém do participante, pois tem de apresentar do entendimento comunicativo, explicitada
o sistema de regras do próprio sujeito que, pelas ciências reconstrutivas.
enquanto participante, explicita o sistema de A ciência, apresentada de maneira diferen-
regras implícito em sua exposição lógica. te daquela do mero observador externo, ainda
A nova relação que Habermas (2014), que este também esteja incluído, proporciona
como representante da segunda geração da os fundamentos para a ilosoia crítica refor-
escola crítica – que segue, de certo modo, mulada por seu próprio método, que implica
a forma daquela relação proposta por uma espécie de reciclagem em vista dos resul-
Horkheimer (2002a) –, propõe entre ilosoia tados cientíicos provisórios que devem ser
e ciência organiza num mesmo quadro teórico revistos com novas investigações. A análise de
métodos descritivos, interpretativos e explica- Habermas, ainda que seja uma análise trans-
tivos, numa combinação plural de métodos cendental, tem base nas ciências empíricas que
que formam a reconstrução das sociedades vasculham as competências da racionalidade
modernas lidas em um quadro explicativo prática fundamentada e condicionada pela lin-
dividido entre sistema e mundo da vida, im- guagem e pela comunicação. As condições do
plicados na racionalidade comunicativa como entendimento, para Habermas, não podem ser
base de integração social. A reconstrução está, explicitadas por uma ilosoia transcendental
portanto, irmada numa multidisciplinaridade pura, mas precisam das ciências empíricas que
que integra as perspectivas do participante e possibilitam a formação do quadro teórico das
do observador em variações de métodos her- condições estruturais da racionalidade prática,
menêuticos, críticos e analíticos. social por excelência.
Esse tipo de relexão é também chamada Todos os resultados e airmações decor-
pensamento pós­metafísico, dada sua intenção de rentes dessa ligação entre ciências reconstruti-
ser um substituto da ilosoia moral metafísica. vas e ciências críticas devem permanecer como
A reconstrução como base para uma ilosoia um programa de pesquisa aberto, no qual as
pós-metafísica é assim abordada no sentido sínteses teóricas e normativas fundamentem
pragmático e universal de normas pré-relexi- novas pesquisas e formulem novos projetos e
vas fundamentais que estruturam as relações novas metodologias. A crítica reconstrutiva

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separa-se intencionalmente da crítica ideoló- aos aspectos normativos que têm base nas
gica, e essa substituição no método é o motivo descrições cientíicas da reconstrução, nas
que fundamenta e explica a virada que a teoria quais a racionalidade da comunicação tam-
crítica toma, com Habermas, rumo uma ênfase bém pode ser distorcida pelos sistemas. Para
na teoria normativa. Horkheimer (2007), a distorção da raciona-
A emancipação advogada na teoria de lidade primeira estava consolidada, e um pro-
Horkheimer (2002b) passava pela apreensão grama de pesquisas empíricas apenas serviria
de condições históricas e sociais que propi- para demonstrar a força com que as patologias
ciam o entendimento sobre o funcionamento sociais acometeram as sociedades modernas.
das sociedades modernas em sua relação com Para Habermas (2003a, p. 37-39), entretanto,
conceitos modernos fundamentais. Às ciên- um programa de pesquisas empíricas – que
cias sociais empíricas estaria dada a tarefa de ele não desenvolveu – parece ser justamente
responder aos questionamentos postos pela o meio para construir um quadro teórico a
ilosoia especulativa com respeito à realização respeito das possibilidades de emancipação
efetiva da autonomia. As evidências empíricas social por meio da razão comunicativa. As ci-
proporcionadas pela pesquisa social poderiam ências reconstrutivas enfatizadas por Habermas
também explicitar, na relação com a ilosoia, fundamentam apenas sua teoria normativa e
os impedimentos à emancipação, elevando a sistematizam o quadro dos possíveis impedi-
teoria crítica a uma abertura que não se pren- mentos sociais à emancipação.
de à teoria normativa de ilosoias diversas. A diferença em relação à teoria de
O ancoramento da práxis nos processos das Horkheimer consiste na metodologia, que
forças produtivas constituiu, na década de não dá aos programas de pesquisa empírica a
1930, a resposta dada pelas ciências empíricas responsabilidade de redeinir constantemente a
aos questionamentos normativos da teoria teoria, mas propõe um tratamento direto entre
crítica de Horkheimer. teoria normativa e pesquisa empírica, numa
Sob a perspectiva das ciências reconstru- reconstrução que abarca os dois pontos de vista
tivas, contudo, a pesquisa social toma um ca- e privilegia sempre a teoria. A ênfase na teoria
minho mais próximo à fundamentação de uma normativa parece decorrer da metodologia,
teoria normativa em si mesma: para além da que na reconstrução sintetiza a descrição e
veriicação da aplicação de conceitos, toma o a prescrição. A ciência empírica passa a ter
rumo da formulação de uma teoria normativa importância por conta da ilosoia moral que
aplicada a contextos diversos. O conhecimento ela embasa, de modo que ica enfraquecida
metodológico de um quadro de regras tácitas, se comparada à pesquisa social tal como pro-
necessárias para o entendimento mútuo, posto posta pelo modelo dialético de Horkheimer,
pelas ciências reconstrutivas, fundamenta uma para quem o objetivo da investigação era a de-
teoria pragmática da moral. São as regras das monstração das patologias sociais. Ao mesmo
práticas sociais de comunicação, explicita- tempo, a ciência empírica também é fortale-
das na reconstrução, que fundamentam os cida em relação àquele modelo por conta da
questionamentos normativos da teoria de amplitude alcançada pela investigação na veri-
Habermas (1990), tomando o lugar que a icação dos processos públicos de deliberação
práxis produtiva ocupava no modelo dialético e na promoção das condições democráticas de
da teoria crítica de Horkheimer (1995). vida que permitem a autorrelexão.
A teoria crítica, na geração representada Assim, Habermas (1990) constrói uma
por Habermas, passa a dedicar mais atenção arquitetônica epistemológica em que a teoria

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normativa e as pesquisas sociais juntam-se em distintas dimensões da compreensão. O de-
uma teorização que reairma a dimensão prá- senvolvimento cognitivo defendido na teoria
tico-moral da vida moderna, evidenciando as de Piaget (apud Habermas, 2012a, p. 136) faz
estruturas normativas que são construídas na referência às estruturas de pensamento e ação
perspectiva de uma evolução social. A estrutura que a criança adquire de maneira construti-
normativa de uma teoria pós-metafísica, que va no enfrentamento ativo com a realidade
fundamenta o que podemos chamar de uma externa e com os processos que têm lugar no
política pós­metafísica, passa a legitimar-se em mundo objetivo. Piaget trata essa evolução
processos de aprendizagem que são demonstra- cognitiva unindo a formação do universo in-
dos pelas ciências reconstrutivas na descrição terno e externo, entendendo que os conceitos
das mudanças históricas. de mundo interno (das relações interpessoais
normativamente reguladas) e mundo exter-
Evolução social e normatividade crítica no (dos objetos perceptíveis e manipuláveis)
são elaborados simultaneamente pela criança:
Valendo-se da sociologia da religião de enquanto o contato com a natureza dirige a
Max Weber, Habermas (2012a) apresenta aquisição construtiva do sistema de normas
sua compreensão teórica sobre a evolução das intelectivas, a interação social dirige a cons-
imagens religiosas do mundo, expondo seu trução do sistema de normas morais.
entendimento acerca do desenvolvimento de Numa correlação com a teoria piagetiana
conceitos formais de mundo, entendido como da evolução cognitiva, Habermas propõe a
um processo de aprendizagem. Para tanto, diferenciação entre três mundos, o objetivo,
Habermas (2012a, p. 134-135) utiliza a forma o subjetivo e o social, para estabelecer uma
do conceito desenvolvido por Piaget para a on- teoria da evolução social. O conceito rele-
togênese das estruturas de consciência, na qual xivo de mundo forma-se na diferenciação do
a medida para classiicar o desenvolvimento sistema formal de referência que constitui os
cognitivo não se encontra na quantidade de três mundos: a noção de mundo subjetivo
conteúdos novos, mas nos níveis de capacidade permite-nos distinguir do mundo externo
de aprendizagem que podem ser descritos em tanto o nosso mundo interno quanto o mundo
termos estruturais. Nesse sentido, o ilósofo subjetivo dos outros. Para Habermas (2012a,
social trata a emergência de novas estruturas p. 137 ss.), todo ato de entendimento (Akt
das imagens de mundo como novos níveis de der Verständigung) pode ser compreendido
capacidade de aprendizagem: os entremeios como parte de um processo cooperativo de
entre a mentalidade mítica, a mentalidade interpretação que tem como inalidade obter
religiosa-metafísica e a mentalidade moderna deinições da situação que podem ser reconhe-
se caracterizariam por mutações nos sistemas cidas intersubjetivamente; e é nesse processo
de categorias, de modo que as interpretações que os conceitos dos três mundos atuam como
de uma etapa superada, não importando seu um sistema de coordenadas que todos supõem
conteúdo, são desvalorizadas na etapa seguinte. em comum. Os conceitos contextualizados
Habermas utiliza a teoria de Piaget para podem, dessa maneira, ser ordenados de tal
fazer uma diferenciação entre dois tipos de forma que se alcance um acordo sobre o que
aprendizagem, a de conteúdo e a de estrutura: os partícipes podem tratar em cada caso como
nessa diferenciação se encontra a possibilidade um fato, uma norma ou uma experiência sub-
de formar o conceito de um desenvolvimento jetiva. Ao atuarem comunicativamente, os
acerca das imagens de mundo que abarca as sujeitos se entendem sempre no horizonte

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do que Habermas chama de mundo da vida, têm que ser aceitas: os próprios participantes
um âmbito formado por convicções de fundo é que devem tornar explícitas e submeter a
mais ou menos difusas, mas sempre não pro- exame as razões potenciais em que baseiam
blemáticas. Habermas (2012a, p. 138-139) suas tomadas de posição de aceitação ou ne-
explica tal movimento nos seguintes termos: gação. Em seus termos,

Esse pano de fundo ligado ao mundo da vida serve Quando julgamos sistemas interpretativos cultu-
como fonte de deinições situacionais que podem ser rais sob esse ponto de vista, evidencia-se o porquê
pressupostas pelos partícipes como se fossem isentas de imagens de mundo míticas representarem um
de problemas. Em suas realizações interpretativas, os caso-limite elucidativo. Na medida em que se in-
envolvidos em uma comunidade de comunicação terpreta o mundo da vida de um grupo social por
estabelecem limites entre o mundo objetivo único meio de uma imagem de mundo mítica, priva-se o
e seu mundo social intersubjetivamente partilhado, participante individual tanto do ônus da interpreta-
de um lado, e os mundos subjetivos de indivídu- ção como da chance de aproximar-se de um comum
os e de (outras) coletividades. As concepções de acordo criticável. Enquanto a imagem de mundo
mundo [Weltkonzepte] e as pretensões de validade continuar sendo sociocêntrica no sentido piagetiano,
correspondentes constituem o arcabouço formal ela não permitirá que ocorra uma diferenciação
com que os que estão agindo comunicativamente entre o mundo dos estados de coisas existentes, o
ordenam os respectivos contextos situacionais pro- mundo das normas vigentes e o mundo das vivên-
blemáticos (isto é, carentes de acordo), dispondo-os cias subjetivas passíveis de expressão. A imagem de
em seu mundo da vida pressuposto de maneira mundo linguística é reiicada como ordenação do
não problemática. mundo e não se deixa entrever enquanto um sistema
interpretativo criticável. No interior de tal sistema
organizacional, as ações não logram alcançar a zona
O mundo da vida acumula o trabalho crítica em que um comum acordo almejado por via
de interpretação realizado pelas gerações pas- comunicativa depende de tomadas autônomas de
sadas, explica o ilósofo (Ibid., p. 139). Na posição de tipo sim/não, em relação a pretensões de
ação comunicativa, os agentes só podem se validade criticáveis. (Ibid., p. 139-140)
entender por meio de posicionamentos de
airmação ou negação frente às pretensões de O conceito habermasiano de racionali-
validade suscetíveis de crítica. Por isso, quanto dade comunicativa relaciona a compreensão
mais avançado estiver o processo de descen- descentrada do mundo à possibilidade de
tramento das imagens de mundo, que provê desempenho discursivo de pretensões de va-
aos participantes seu acervo de saber cultural, lidade suscetíveis de crítica. Essa compreensão
menos será necessário que a possibilidade de descentrada caracteriza as propriedades formais
entendimento seja encoberta de antemão por que as tradições culturais têm que possuir para
uma interpretação subtraída de toda crítica; e que, em um mundo da vida interpretado de
quanto mais tal processo ocorrer por meio de acordo com elas, seja possível delas resultar
operações interpretativas dos próprios partici- as orientações racionais de ação. Habermas
pantes, com tanto mais frequência cabe esperar (2012a, p. 140-141) expõe quatro aspectos
orientações racionais de ação. principais necessários às tradições culturais
Assim, Habermas mostra que a raciona- para que as orientações possam se condensar
lização do mundo da vida deve ser caracteri- em um modo de vida racional:
zada por meio da dimensão do entendimento
alcançado comunicativamente. As tradições 1. a tradição cultural tem de pôr à disposi-
culturais não devem decidir de antemão que ção dos agentes os conceitos formais de
pretensões de validade, quando, onde, por mundo objetivo, mundo social e mundo
quem, com que objetivo e diante de quem subjetivo, permitir pretensões de validade

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diferenciadas (verdade proposicional, cor- ao menos parcialmente, da ação orientada
retude normativa, veracidade subjetiva) ao entendimento. Com isso, é possível a
e incitar a correspondente diferenciação institucionalização social da ação racional
de atitudes básicas. Só então é possível referente a ins para objetivos generali-
gerar manifestações simbólicas em um zados, como a formação de subsistemas
nível formal no qual podem estar siste- especializados na ação econômica racional
maticamente conectadas com razões e e na administração racional, regidos respec-
ser acessíveis a um julgamento objetivo; tivamente pelos meios dinheiro e poder.
2. a tradição cultural tem de permitir uma
relação relexiva consigo mesma; tem No âmbito da aprendizagem, deve-se con-
de despojar-se de seu dogmatismo a tal siderar a adaptação e a acomodação que seus
ponto que as interpretações nutridas pela mecanismos promovem no domínio das ações
tradição possam ser postas em questão e instrumentais e comunicativas. Habermas
submetidas a uma revisão crítica. Só então encontra na teoria de Piaget a forma para
os nexos de sentido podem ser objeto de descrever a possibilidade de alteração de de-
elaboração sistemática, e se torna possível terminadas estruturas mentais, posto que tanto
estudar metodicamente interpretações na relação entre sujeito e objeto quanto na
alternativas. Aparecem aqui atividades relação entre sujeitos a própria possibilidade
cognitivas de segunda ordem – processos de modiicação das partes permite a criação
de aprendizagem guiados por hipóteses e a transformação de perspectivas diferentes.
e iltrados argumentativamente, nos âm- Assim, Habermas relaciona a aprendizagem
bitos do pensamento objetivo, das ideias às concepções formais de mundo e aponta
prático-morais e da percepção estética; para o potencial crítico da aprendizagem que
3. a tradição cultural tem de permitir, no que carrega condições de transformar as estruturas
concerne aos seus componentes cognitivos sociais e pessoais colocadas em questão em
e avaliativos, uma conexão de retroalimen- processos discursivos de argumentação, que são
tação com formas especializadas de argu- viabilizados na delimitação dos três mundos e
mentação a ponto de os correspondentes no tratamento formal de seus conteúdos, que
processos de aprendizagem poderem ins- passam a ser criticados e corrigidos.
titucionalizar-se socialmente. Por essa via No processo argumentativo, a própria
surgem sistemas culturais especializados, possibilidade de crítica aponta para as condi-
respectivamente, em técnica e ciência, ções de aprendizagem diante das pretensões
moral e direito, arte e literatura, nos quais de validade levantadas e postas em suspenso.
se formam tradições sustentadas argumen- A aprendizagem justiica o desenvolvimento
tativamente, luidiicadas por uma crítica evolutivo das imagens de mundo, de modo que
permanente enquanto são asseguradas a modernidade se torna, nesse ponto de vista,
pela proissionalização que geram; o resultado da racionalização das imagens de
4. a tradição cultural tem, inalmente, de in- mundo orientada por processos de aprendiza-
terpretar o mundo da vida de modo que gem, a qual gera a possibilidade de novos níveis
a ação orientada ao êxito (i) esteja isenta de aprendizagem. Com isso, Habermas nega
dos imperativos que a submeteriam ao en- a arbitrariedade da modernização, airmando
tendimento de que é necessário se renovar a aprendizagem como sua causa.
comunicativamente de forma incessante; Assim, a teoria crítica de Habermas é for-
e (ii) seja concebida como desconectada, mulada nos termos de uma teoria normativa

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que bebe de uma fonte pragmática-formal, da tradição – não explicada, portanto. Na moder-
qual tira os instrumentos conceituais necessá- nidade, a própria forma de pensamento que
rios para o reconhecimento dos fundamentos encarna as imagens de mundo se torna obso-
racionais da comunicação linguística posta na leta e possibilita o surgimento de fenômenos
complexidade do cotidiano das sociedades como o fanatismo da fé e o tradicionalismo da
modernas. Para Habermas (2012a, p. 571 ss.), cultura, ligados ao protestantismo e ao huma-
apenas por meio de investigações enraizadas nismo. Os aspectos maiores do conhecimento
na pragmática formal pode ser assegurada uma teológico são deixados de lado bem como o
ideia de entendimento capaz de aproximar pensamento sobre a indivisão do verdadeiro,
a análise empírica de problemas complexos do bom, do perfeito e do justo diante de novos
como são os da representação linguística de sistemas de saber especializados em critérios de
planos distintos de realidade, dos fenômenos verdade proposicional, de retidão normativa,
de comunicação patológica ou da emergência de autenticidade e de beleza.
de uma compreensão descentrada do mundo. Para pensar esses problemas, o ilósofo so-
Nos textos de Horkheimer e Adorno, cial aborda a estrutura cognitiva moderna, que
Habermas (2000, p. 153-186) encontra a se apresenta na capacidade de aprendizagem
noção de crise da razão, apontada com o con- inerente ao sujeito. Essa estrutura é captada
ceito enfático da verdade metafísica, e propõe no sistema social de interpretação e pode ser
que as esferas de valor normativa e expressiva entendida como estrutura de consciência e
estejam desprovidas de toda pretensão imanen- de saber compartilhados como conhecimen-
te de validade, de modo que não se possa falar to moral ou empírico. Da teoria de Weber,
de racionalidade moral ou de racionalidade Habermas (2012b, p. 567) assume que:
estética. Contudo, Horkheimer (2007, p. 67)
seguia atribuindo ao pensamento especulativo, a. as capacidades de aprendizagem adqui-
transformado em pensamento crítico, certa ridas inicialmente por determinados
força restituidora, sem abandonar a tese de membros da sociedade ou por certos
que a fonte de sentido que embasa a unidade grupos marginais penetram o sistema
das imagens religiosas e metafísicas de mundo de interpretação da sociedade através de
se perdeu, e de que está posta em questão a processos de aprendizagem e se conver-
unidade dos mundos da vida modernizados tem em lugares comuns, representando as
que colocam em disputa a identidade dos su- estruturas de consciência e os acervos de
jeitos socializados e sua solidariedade social. saber compartilhados coletivamente um
Para Horkheimer, a modernidade é carac- potencial cognitivo do qual socialmente
terizada pelo desencantamento, não apenas se pode fazer uso;
das imagens míticas e mágicas de mundo, b. as sociedades aprendem resolvendo pro-
mas também pelo abalo da credibilidade dos blemas sistêmicos que representam de-
princípios teológicos e ontológicos da ilosoia saios evolutivos, isto é, que ultrapassam
escolástica e da metafísica, nuclear às imagens a capacidade de controle disponível nos
de mundo racionalizadas. limites da formação social dada, de modo
Segundo Habermas (2012a, p. 598), que podem aprender fazendo uso de ideias
Horkheimer aponta que o saber religioso- jurídicas e morais contidas em imagens
-metafísico se transformou em dogma ao de mundo por meio das quais se pode
ser fossilizado na doutrina e que a revela- reorganizar os sistemas de ação e conigu-
ção e a sabedoria se transformam em mera rar uma nova forma de integração social,

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chamada por Habermas de materializa­ pode ser o mesmo para sujeitos que se enten-
ção de estruturas de racionalidade, que já dem em suas relações, constitui a matéria da
estariam cunhadas no plano da cultura; evolução social, concebida como um desen-
c. o estabelecimento de uma nova forma de volvimento sistêmico da cultura, que ocorre
integração social permite pôr em prática em estágios. Esses estágios do desenvolvimento
um saber técnico-organizativo que amplia permitem um maior grau de interação linguís-
a complexidade do sistema, incremen- tica, capaz de gerar entendimento. A aprendi-
tando as forças produtivas, de maneira zagem como possibilidade assume um aspecto
que na evolução social os processos de normativo, pois constitui também o referencial
aprendizagem no âmbito da consciência para a sociedade que pode ser julgada diante
prático-moral iquem encarregados de de um maior ou menor grau de aprendizagem
marcar o passo. (HABERMAS, 2012a, p. 335 e seg.).
As sociedades modernas, posteriores ao
Assim, a evolução social é marcada, no Iluminismo, teoricamente, tomam a análise
modelo weberiano, por instituições que pos- dos processos de aprendizagem ocorridos na
sibilitam a solução de problemas sistêmicos, própria dinâmica social como produção e re-
materializando estruturas de racionalidade. produção material e simbólica. O conceito
Com a materialização institucional das estru- de aprendizagem guia o julgamento acerca da
turas de racionalidade já formadas na cultura evolução social entendida como o processo de
de fundo, surgem novos níveis de aprendi- construção e reconstrução da sociedade; nesse
zagem, pois abrem-se novas possibilidades movimento de construção e reconstrução,
estruturais para a racionalização da ação. Por Habermas encontra o desenvolvimento ilo-
processo de aprendizagem evolutivo Habermas genético das sociedades, na medida em que a
(2012b, p. 568) entende a operação de for- teoria da evolução social encontrada em seus
mação de algum potencial de aprendizagem textos permanece inteiramente presa à relação
adquirido pelo modo de resolver problemas entre indivíduo e sociedade, isto é, à relação
sociais sistêmicos que implicam aprendizado, entre sujeitos que agem, em inter-relações, sob
no sentido de superar formas de organização determinadas estruturas sociais simbólicas.
social anteriores. Novas formas de integração Para a defesa de uma teoria da evolução
social, que não apenas institucionalizam novos social capaz de explicar o processo evoluti-
modos de organização, surgem no aprendizado vo sem restringi-lo à contingência empírica
de ideias jurídicas e morais que representam ou à contingência não empírica, Habermas
novas imagens de mundo, permitindo também (2012a, p. 182 ss.) precisa encontrar conceitos
a emergência de novos saberes. formais e universais de sustentação. A teoria
Habermas (2012b, p. 573 ss.) liga sua da evolução social depende de conceitos de
teoria da evolução social com as possibilidades validade universal que possam ser encontrados
de aprendizagem encontradas na cultura, pois na estrutura simbólica do mundo social, de
nela se manifesta a pragmática formal da teoria modo a permitir a localização de conceitos
da ação comunicativa, como possibilidade de estruturais capazes de apontar para uma te-
entendimento: é na cultura que se apresentam oria da emancipação. Assim, a redeinição
os processos de aprendizagem que alimentam do mundo da vida como locus da ação co-
a evolução social, os quais também são ali- municativa redeine também a concepção de
mentados por ela em sua institucionalização. evolução social moderna, na medida em que
O modo de pensar de uma sociedade, que só encontra a universalidade capaz de produzir

112
um consenso normativo aberto aos sujeitos que alcançar novos espaços da vida social. Esses
compartilham um mundo social e indicam em sistemas alcançam o mundo da vida, o qual,
suas práticas a inalidade da integração social, no entender de Habermas (1990, p. 88-94),
imanente à ação comunicativa. Essa sociologia não deveria admitir a mesma lógica apresen-
se torna uma ética do discurso, pois Habermas tada pelos sistemas, pois a estrutura mesma
(2003a, p. 98 ss.) reconhece nela um meio para do mundo da vida, como ele apresenta com
descrever a moralidade universalizável presente as ciências da reconstrução, é diferente do
na ação comunicativa encontrada no mundo arcabouço sistêmico que transforma a estru-
da vida – ou a possibilidade de exigir uma tura do mundo da vida por sua imposição.
normatividade lógica diante dos ins inerentes O sistema econômico, em virtude de seu tipo
à ação comunicativa. É, portanto, numa ética de reprodução, acaba por enviesar o mundo
do discurso que Habermas poderá pautar o da vida para um sentido monetário, de modo
sentido em que deve caminhar a emancipação que as relações subjetivas passam a ocorrer
em sua teoria da evolução social. sob a lógica do dinheiro. De maneira similar,
A emancipação nessa reformulação da o sistema burocrático, por seu turno, acaba
teoria crítica não é, portanto, abandonada, por objetivar as relações subjetivas por meio
mas constitui o cerne e o alvo de toda a re- da expansão de alguns aspectos do controle
construção. Trata-se de traçar as formas de social administrativo.
violências sociais que devem ser superadas: Ao cumprirem seus objetivos na admi-
para Habermas (2012b, p. 597), as socie- nistração e reprodução material das socieda-
dades ocidentais são marcadas por formas des capitalistas contemporâneas, os sistemas
especíicas de violência, reiicação e aliena- avançam para além de suas fronteiras, ultra-
ção, ainda que essas formas de violência não passando o âmbito material da vida humana
derivem diretamente, nesta interpretação, de e alcançando os territórios do mundo da vida,
alguma estrutura de classe. Os conlitos de que deveriam ser essencialmente subjetivos.
classe aparecem, no diagnóstico habermasiano Assim, o mundo da vida passa a depender
(2012a, p. 629 ss.), acompanhados por outros materialmente daqueles sistemas, que o trans-
fenômenos e patologias sociais para além da formam conforme suas lógicas. É isso o que
violência dos espaços de produção material. Habermas (2012b, p. 333 ss.) tem em mente
Novas formas de violência são encontradas na quando expõe a colonização do mundo da
produção não material; enquanto as sociedades vida pelos sistemas. Neste diagnóstico, tanto
capitalistas alcançam certo êxito no abafa- a vida privada como a vida pública passam a
mento dos conlitos gerados pela produção transcorrer segundo as lógicas sistêmicas do
material, elas intensiicam e geram conlitos dinheiro e da burocracia, de modo a padroni-
sociais no mundo subjetivo. De certo modo, zar a linguagem num sentido utilitário. Dessa
a acomodação dos conlitos do mundo do colonização surgem as patologias sociais e as
trabalho potencializa as patologias sociais, reiicações, em conformidade com as usur-
a falta de sentido das produções culturais, a pações causadas na lógica de reprodução do
anomia social e as psicopatologias. É esse tipo mundo da vida ao ser solapada pela lógica da
de conlito que a reconstrução proposta por reprodução sistêmica.
Habermas parece ter como alvo. Com essa colonização, a lógica do enten-
A causa das patologias é identiicada por dimento entre os sujeitos da interação social
Habermas na expansão do sistema econômi- é transformada; mas é também essa mesma
co e do sistema burocrático, que passam a lógica que serve de padrão para a identiicação

113
das patologias sociais e dos diversos desvios uma ilosoia da crise da razão. Com a virada
que a colonização causa até nos conceitos mais linguística, o mundo da vida adquire primazia
básicos da vida social. Além disso, essa lógica em relação ao pensamento cientíico e objetivo.
do entendimento se torna, com a exposição Com essa ilosoia, a verdade da epistemologia
das ciências reconstrutivas, o critério para moderna é posta em xeque, e a validade de
identiicar possibilidades de emancipação. uma proposição não é mais um problema de
São, portanto, as ciências reconstrutivas que relação objetiva entre coisa e linguagem, mas
estabelecem os critérios normativos para o jul- passa a ser um problema de comunicação.
gamento crítico da sociedade (HABERMAS, Em Teoria do agir comunicativo, Habermas
2012b, p. 671 ss.). (2012a, p. 182 ss.) propõe uma reinterpretação
O conceito de ação comunicativa carrega o da noção de eticidade de Hegel nos termos da
conteúdo normativo que pode ser tomado da teoria dos jogos de linguagem de Wittgenstein.
práxis do mundo da vida. É por meio da ação Em Princípios da ilosoia do direito, Hegel
comunicativa que o mundo da vida reproduz e (2003) tratou da existência de um conjunto
transforma a si mesmo. A ação comunicativa, de valores e signiicações compartilhados por
que é uma interação, coordena os objetivos uma comunidade, que é muito semelhante à
envolvidos nela na forma de um acordo ra- concepção da existência de regras e jogos de
cional a partir do qual, através da linguagem, linguagem inconscientes que fazem parte de
irma-se determinada sociabilidade. Mas as qualquer troca linguística, como propunha
possibilidades de emancipação encontradas Wittgenstein (1994). Nesse sentido, pode-se
no mundo da vida, que se reproduz nas ações dizer que a tese central de Teoria do agir comu­
comunicativas, são entendidas como ações nicativo consiste na ideia de que a sociedade
nas quais os falantes restringem seus planos moderna deve ser compreendida como uma
individuais a certas condições que permitem o estrutura de duas partes: o mundo da vida e os
entendimento recíproco. A ação comunicativa sistemas. O mundo da vida, que é informado
traz em si a possibilidade de emancipação por pelas convicções formadas comunicativamente
meio da desnaturalização de algum objeto e compartilhadas intersubjetivamente, obedece
posto em discussão. Segundo esse raciocínio a uma dinâmica consciente e normativa; cada
é o discurso, aqui entendido como certo pro- vez que se discute um tema os interlocutores
cedimento da argumentação, que carrega a apoiam-se em diversas convicções sobre as
racionalidade comunicativa ao assegurar, de quais não se discute, que não são temas pro-
maneira ideal, a ausência de coerção, a não priamente ditos. Assim, Habermas (1990,
ser a do melhor argumento. p. 37 ss.) também advoga que a atividade de
se comunicar coloca em relação indivíduos
Sociedade e normatividade: concretos, não abstratos ou atômicos, como
a aplicação da concepção queriam os ilósofos modernos. São membros
de autonomia democrática de uma mesma cultura que jogam em suas
posições, em cada jogo de linguagem, em cada
Habermas (1990) caracteriza o que chama situação de comunicação.
de mundo moderno com o pensamento pós- Numa comunicação, o consenso implícito
-metafísico, a virada linguística, a razão situada entre os falantes não é, ele mesmo, suspenso,
e o primado da prática em relação à teoria. pois ainda que o falante fale para criticar algum
Certamente essas são características de rompi- pressuposto sobre algo no mundo, colocando
mento que marcam essa nova ilosoia, que é em suspensão a validade de algo, ainda assim

114
o faz de maneira que seu ouvinte o compreen- Para Habermas, um problema desse tipo
da. Mesmo o desacordo em um intercâmbio aparece também na teoria de Marx e consiste
linguístico só será possível mediante o acordo precisamente na falta de explicação quanto
tácito de valores e crenças, isto é, de lingua- ao sentido determinado de uma ciência do
gem compartilhada. De acordo com Habermas homem, que se realizaria como crítica da ide-
(1990, p. 65-70), nosso saber tem uma estrutura ologia, como oposição à objetivação da ciência
proposicional: as opiniões podem ser expostas da natureza. Na visão de Habermas (2012b,
explicitamente em forma de enunciados. Por p. 609 ss.), ainda que Marx estabeleça uma
isso, a racionalidade se relaciona com a forma ciência do homem como crítica, e não como
por meio da qual sujeitos capazes de linguagem objetividade, ele parece chegar muito próximo
e de ação organizam o conhecimento. Nas emis- de algo como uma ciência da natureza. A críti-
sões ou manifestações linguísticas se expressa ca da ideologia deveria ser feita de outro modo;
explicitamente um saber. Assim, podem ser trata-se de problematizar os pressupostos dos
racionais tanto as pessoas que dispõem de saber enunciados políticos: uma política crítica deve
quanto as manifestações simbólicas, as ações ser estabelecida na modiicação do consenso
linguísticas ou não linguísticas, comunicati- tácito, das regras que ditam a comunicação e
vas ou não comunicativas, que encarnam um os laços sociais, dado que os membros de uma
saber. Esse saber pode ser criticado por não cultura pensam e agem, raciocinam e falam
ser coniável; por isso, a racionalidade de uma de acordo com essas regras.
emissão ou manifestação depende da coniança Habermas quer fugir da confusão que
do saber que encarnam. se fez entre pressupostos históricos e dados
Habermas (2012a, p. 185) concorda com objetivos, como as leis da economia, da con-
a tese de Wittgenstein de que as experiências fusão entre mundo da vida e mundo natural,
no mundo implicam jogos de linguagem – os da possibilidade de alguma engenharia so-
quais supõem algum interlocutor e o respei- cial que poderia ser buscada com o pretenso
to às suas regras. Decorre daí que juízos não conhecimento das leis que regem o mundo
podem ser mudados com a transformação de social, tal qual o cientista que conhece as leis
todos os pressupostos de algum discurso: é do mundo físico. Habermas parece indicar
necessário deixar o discurso sobre algo per- que qualquer tentativa cientíica de estabe-
meado pelos pressupostos compartilhados lecer regras totalizantes para a compreensão
e, a partir deles, mudar ou não os juízos. A da sociedade poderia desembocar em alguma
totalidade das coisas, por deinição, não pode concepção técnica e instrumental da política,
ser objeto de discurso, pois para que haja dis- como é o caso do conceito marxiano de “modo
curso é preciso partir de pressupostos que não de produção”, base da concepção instrumen-
são, eles mesmos, objeto de discurso, ainda tal do materialismo histórico que resultou
que sejam sua possibilidade. O mundo, como no totalitarismo técnico-administrativo dos
totalidade das coisas, jamais pode ser tema sistemas marxistas.
de um discurso, argumenta o ilósofo (1990, Habermas (2012a, p. 652-653) posicio-
p. 77): é impossível que exista, como queria na-se contra o positivismo lógico das ciências
Kant, um saber sem pressupostos, ou algum humanas e sociais; ele está bem armado contra
conhecimento da totalidade, do universo – a diminuição dos seres humanos a objetos
que, no Iluminismo, tomava a forma de uma observáveis. Com a experiência do nacional-
ortodoxia política com a construção do Estado -socialismo e sua visão cientiicista do homem,
conforme os ditames da razão. chegou-se ao ápice da conversão do homem

115
em objeto que responderia, como máquina, a capacidade de acordo sem coações e de gerar
estímulos capazes de modiicar sua natureza – um entendimento composto de uma fala argu-
estímulos esses que, indizíveis, foram levados a mentativa em que diversos participantes supe-
cabo pelos detentores tanto da teoria cientíica ram a subjetividade inicial de seus respectivos
mais exata quanto do poder e dos dispositivos pontos de vista e favorecem uma comunidade
técnicos para sua aplicação. Em Dialética do de convicções racionalmente motivada.
esclarecimento, Adorno e Horkheimer (2006) Nos dois casos a análise da racionalidade
denunciavam a racionalidade instrumental pode partir dos conceitos de saber proposi-
das ciências humanas e sociais e sua aplicação: cional e de mundo objetivo, distinguindo-se,
para eles, o fascismo implica tratar o homem no entanto, pelo tipo de utilização do saber
como coisa; uma ordem totalitária instala a proposicional: pela manipulação instrumental
racionalidade objetiva pela força, de modo no primeiro caso, e pelo entendimento co-
que haja um paralelo entre o cientiicismo e municativo que, segundo Habermas (2012a,
a administração burguesa. p. 484), aparece como telos imanente à racio-
Segundo Habermas (2000, p. 335), nalidade. À utilização do saber proposicional
Foucault também apontaria para algo equívoco pela manipulação instrumental Habermas
nas ciências que concebem o homem como (2012a, p. 38) chama de posição realista, e à
objeto passível de sujeição a determinações utilização do saber proposicional pelo enten-
econômicas, sociais e psíquicas – ciências que dimento comunicativo, de posição fenomeno­
também abordariam seu objeto de maneira lógica. A análise realista limita-se às condições
paradoxal, ao exaltá-lo como sujeito de uma a serem cumpridas pelo sujeito agente para
consciência capaz de pensar sobre si mesma, poder propor-se ins e realizá-los: nesse mode-
como objeto. Mas em sua concordância com lo, as ações racionais têm fundamentalmente
Foucault, Habermas (2000, p. 333-372) di- o caráter de intervenções efetuadas com vistas
ferencia-se dele noutro aspecto, que tentou à consecução de um propósito e de serem
levar adiante para além daquele paradoxo. controladas por sua eicácia, em um mundo
Sua ética do discurso reairma o sujeito como de estados de coisas existentes. Já a análise
consciência capaz de pensar sobre si mesma fenomenológica não parte simplesmente do
e toma a forma de um imperativo, tal como pressuposto ontológico de um mundo ob-
o imperativo categórico da razão prática pro- jetivo: antes, converte esse pressuposto em
posto por Kant: o outro sempre deve ser con- problema e pergunta pelas condições sob as
siderado sujeito, e não apenas objeto, o que quais se constitui, para os membros de uma
signiica tomar o outro como interlocutor e comunidade de comunicação, a unidade de
participante de um jogo de linguagem. um mundo objetivo (Ibid., p. 39-40).
Com base em tais ideias, Habermas (1990, Nesse tipo de análise as manifestações ra-
p. 70-76) formula sua teoria a respeito da dis- cionais têm, portanto, o caráter de ações plenas
tinção entre ação estratégica e ação comuni- de sentido em seu contexto, com as quais o
cativa. No primeiro caso, tem-se a conotação ator social se refere a algo no mundo objetivo.
de uma autoairmação com êxito no mundo As condições de validade e as expressões simbó-
objetivo, possibilitada pela capacidade de ma- licas remetem a um saber de fundo, comparti-
nipular de maneira informada e adaptar-se lhado intersubjetivamente pela comunidade de
inteligentemente às condições de um entorno comunicação. A unanimidade da experiência
contingente. No segundo caso, tem-se cono- pressupõe uma comunidade com outros que se
tações que remontam à experiência central da supõem estarem observando o mesmo mundo,

116
que dispõem de uma constituição física que acabou se convertendo na possibilidade de
os capacita a ter uma verdadeira experiência, mediação institucional da racionalidade comu-
que contam com uma motivação que os leva nicativa, isto é, na possibilidade de constituir
a falar sinceramente de sua experiência, e que a garantia da consideração dos participantes
falam de acordo com esquemas de expressão de discursos públicos sempre como interlo-
compartilhados e reconhecidos. cutores, e não apenas como objetos.
Quando há dissonância, há também razão O ilósofo social procura explicar o papel
suiciente para supor que não se cumpre uma de uma racionalidade procedimental para jus-
ou outra condição que se supunha cumprida tiicar publicamente princípios e normas para
quando se antecipava a unanimidade. Para uma democracia legítima, sendo sua teoria
Habermas (2012a, p. 41), a alucinação, a para- do discurso a responsável por apontar essas
noia, a parcialidade, a cegueira, a surdez, a falsa soluções. A teoria do discurso é a proposta
consciência, na medida em que são entendidas de Habermas (2003b, p. 154-155) para le-
como indicadores de um método defeituoso gitimar a justiicação pública de princípios e
ou inadequado de observação do mundo, se normas que possam ser aceitos como válidos
convertem então em candidatos para a ex- por cidadãos livres e iguais. A legitimação está
plicação das dissonâncias. Ao contrário, na no modo de deliberação pública, que aplica
consonância de um ato comunicativo está as regras do discurso. Para Habermas (2003b,
implicada a aceitação tácita das regras do jogo p. 168), o processo democrático de criação do
de linguagem por parte dos jogadores. Aqui direito constitui a única fonte pós-metafísica
reside o kantismo de Habermas, pois, para da legitimidade. A condição da democracia
além da diversidade cultural e da multiplici- é hoje a retiicação permanente das normas
dade de vozes, existe uma norma fundamental que regem a sociedade por meio de práticas
que está baseada na livre aceitação das regras sociais comunicativas. Esse é o sentido que a
de qualquer entendimento comunicativo. autonomia política toma: a construção dos
A razão instrumental que aparece na juízos políticos é dependente dos processos
forma do direito – isto é, a concepção ins- políticos de livre discussão das normas por
trumental que entende o direito como uma todos os afetados.
forma de coação exercida pelo Estado para Em Direito e democracia, Habermas (2003b,
obrigar os indivíduos a determinados com- p. 121) advoga a necessidade de uma fun-
portamentos – é alvo da crítica de Habermas damentação discursiva dos direitos funda-
(2012a, p. 461 ss.) quando denuncia que a mentais, em substituição ao ideal kantiano
normatividade da comunicação é aí substitu- da subordinação do direito à moral, alegando
ída pela ameaça da coação, deixando então a que este não pôde captar a correta relação
ação comunicativa para estabelecer uma ação entre os ideais normativos de autonomia
estratégica, que é a legalidade característica pública e autonomia privada. No entanto,
dos Estados totalitários. Com a distinção essa proposta de substituição carrega ainda
entre ação comunicativa e ação estratégica, um ideal de autonomia, que precisa, contu-
Habermas propõe uma normatividade que do, diante das características que marcam o
fundamenta a democracia do Estado de direi- pensamento pós-metafísico, contrapor-se à
to. Em Direito e democracia (2003b, p. 60), concepção forte de liberdade que manteve
pretende apresentar o direito como mediação de pé a formulação kantiana, que, além de
para algo mais do que alguma ação estratégica, garantir ilosoicamente o ideal de autonomia,
posto que durante a modernidade o direito pretendia também fundamentar não apenas

117
deveres éticos, mas também deveres jurídi- de conseguir teorias substantivas da natureza,
cos. Segundo essa doutrina, explica Habermas da história, da sociedade etc., nem esperan-
(2003b, p. 121), “o sentido garantidor da ças de uma reconstrução a priori da dotação
liberdade deveria outorgar aos direitos subje- transcendental de um sujeito genérico, não
tivos uma autoridade moral independente da empírico, ou de uma consciência em geral,
legalização democrática”. tal qual o modo da ilosoia transcendental.
Essa autoridade moral independente à Segundo Habermas (2012a, p. 21), todos os
qual o autor se refere consistia, na moderni- intentos de fundamentação última em que
dade, na própria noção de autonomia – uma sobrevivem as intenções da ilosoia das ori-
ideia que perdeu sua força diante das diversas gens (Ursprungsphilosophie) fracassaram. Desse
contribuições ilosóicas que compuseram o modo, foi posta em marcha uma nova cons-
pensamento pós-metafísico. O problema passa, telação nas relações entre ilosoia e ciência.
portanto, pela necessidade de abandono do uso Com tais relexões, Habermas aponta
de concepções de racionalidade tradicional- para uma das características mais distintivas
mente mobilizadas pela ilosoia, que, segundo do escopo político das últimas décadas, qual
Habermas (2012a, p. 19), vem se esforçando seja, a força dos questionamentos acerca dos
desde suas origens para explicar o mundo em fundamentos conceituais do Ocidente moder-
seu conjunto e a unidade na diversidade dos no, que gerou dúvidas sobre o entendimento
fenômenos com princípios que têm de ser acerca da razão e da subjetividade e suas impli-
buscados na razão como uma entidade situada cações. Segundo Stephen White (1997, p. 3),
além do mundo. em sua forma mais poderosa esses questiona-
Segundo o ilósofo social, o ponto comum mentos surgem no século XX, em duas ver-
às distintas doutrinas ilosóicas é sua intenção tentes da relexão ilosóica alemã: em Martin
de pensar o ser ou a unidade do mundo pela Heidegger, que já em 1946, com seu Über den
via de uma explicitação das experiências feitas Humanismus, inaugurava uma dura crítica dos
por meio da razão no trato consigo mesma, conceitos mais caros ao Ocidente moderno;
movimento que pode ser percebido com cla- e em heodor Adorno e Max Horkheimer,
reza na ilosoia moderna. Em nossos dias, que em 1947, com Dialektik der Aufklärung,
no entanto, prossegue Habermas (2012a, p. reivindicavam carregar a busca sistemática da
20), a ilosoia já não pode mais se referir ao razão e da liberdade iluministas o irônico efeito
conjunto do mundo, da natureza, da história de engendrar novas formas de irracionalidade
e da sociedade, no sentido de um saber totali- e repressão.
zante. Os substitutos teóricos das imagens de Certamente essas ideias têm profunda
mundo têm sido desvalorizados não somente ressonância na obra de Habermas; mas ele
pelo progresso fático das ciências empíricas, avança quando inclui, em seu Discurso ilosóico
mas também, e ainda mais, pela consciência da modernidade (2000), além de Nietzsche,
relexiva que tem acompanhado esse progresso. Heidegger, Foucault e Derrida, também seus
Por isso, Habermas propõe uma teoria antigos mestres, Horkheimer e Adorno, no
pós-metafísica que não deixe de ser uma paradigma subjetivista moderno, propondo
teoria da racionalidade, mas que abandone um novo arcabouço, que vislumbra cami-
sua referência à totalidade: o objetivo a que nhos novos para a convivência política sob um
esse pensamento se propõe, o de uma análise ideal de racionalidade e emancipação. Com
formal das condições de racionalidade, não sua teoria da ação comunicativa, Habermas
permite abrigar nem esperanças ontológicas (2012a/b) chega aos pressupostos ideais para

118
um uso público da razão que se pretende capaz do pluralismo, é impossível encontrar razões
de reconciliar as diversas concepções de mundo comuns suicientemente fortes capazes de ga-
e desvelar patologias sociais. rantir a legitimidade da coerção sem que se
Por isso, inclusive, o filósofo social percam alguns interesses e valores, que, muitas
(2003b, p. 127) mantém em sua obra a clássica vezes, constituem o próprio eu dos cidadãos.
divisão entre autonomia política e autonomia A validade perdida, necessária para a per-
moral, acrescentando que a primeira se divide sonalização da conduta no sentido de uma
em autonomia pública e privada, uma formu- efetivação da autonomia, deve ser encontrada
lação que se diferencia da ilosoia pura, tal ao levar-se em conta a existência de orientações
como a de Kant, que retorna sempre à sub- valorativas não apenas distintas, mas também
jetividade coniguradora do mundo e a toma opostas entre si. Por isso, Habermas (2003b,
como ideal normativo da autointerpretação. p. 45 ss.) entende ser necessário estabelecer um
De certa forma, Habermas desempenha esse tipo de legitimação política que se paute na
papel da ilosoia, caracterizado pela exposição racionalidade mundana, a qual, em sua obra,
do potencial de autonomia encontrado nas toma a forma do ideal de autonomia política,
sociedades contemporâneas, ao considerar pública e privada, em substituição à concep-
a colonização do mundo da vida pelos siste- ção forte de autonomia que na modernidade
mas, algo que no Direito reverbera a tensão tomou o lugar da tradição ao fundamentar
entre facticidade e validade, cuja unidade não tanto a lei moral quanto a lei jurídica.
se encontra mais assegurada nas sociedades Habermas (2003b, p. 48) chega a esse
pós-tradicionais. Por isso, para Habermas ponto considerando aspectos de sua teoria da
(2003b, p. 42), a tensão entre facticidade e ação e da tese do nascimento da legitimidade
validade só se tornará visível e produzirá efeitos a partir da legalidade. Em relação ao primeiro
racionalizantes na medida em que a seculari- meio de explicação, a teoria da ação, o autor
zação e o pluralismo neutralizarem o poder (Ibid., p. 47) argumenta terem as normas ju-
aglutinante das tradições, liberando os riscos rídicas um forte potencial de integração, o
de dissensos radicais e tornando o discurso o qual se intensiica quando as normas alcançam
último recurso para a legitimação política e tanto a legitimidade, situada no nível do saber
para a integração social. cultural, resgatando razões, quanto a validade,
O problema compartilhado pelo autor situada no nível institucional, como eicácia
com outros teóricos políticos contemporâne- que se garante por meio da facticidade da
os é o de que as sociedades pós-tradicionais coerção e que pode gerar certa funcionalida-
precisam de um modo de legitimação das ins- de ligada às estruturas de personalidade dos
tituições políticas que não mais se paute em cidadãos: as normas possuem um potencial de
alguma tradição abrangente. Nessas sociedades integração e permitem que os agentes adotem
está latente a distinção entre as dimensões da em relação a elas uma atitude estratégica de
facticidade e da validade, que acabam por obediência, bem como uma atitude performa-
entrar numa relação de tensão. A facticidade tiva de obediência, pelo respeito à lei.
é indispensável para manter as funções do Em relação ao segundo meio de explica-
Estado, mas se depender de alguma legitima- ção, a legalidade ilosóica, Habermas resgata a
ção de tipo tradicional consistirá tão somente antiga tese de Kant (2005, Ak. 231) do princí-
em violência arbitrária contra os cidadãos aos pio universal do direito, que reza: “Conforme
quais se dirige (HABERMAS, 2003b, p. 44). com o direito é uma ação que, ou cuja máxi-
No mundo contemporâneo, marcado pelo fato ma, permite à liberdade de cada um coexistir

119
com a liberdade de todos, de acordo com uma para substituir o ideal moderno pretende ga-
lei universal”. A formulação, como se nota, rantir legitimação tanto às normas como às
dá-se de modo unicamente formal e negativo, autoridades políticas porque, ao contrário
como uma máxima restritiva que determina da autonomia moral, que é monológica, a
de forma precisa o dever jurídico. Ao resgatar autonomia política é dupla: divide-se e com-
essa ideia, Habermas (2003b, p. 52) propõe plementa-se na autonomia privada e na auto-
que a tarefa de coordenação dos arbítrios exija nomia pública, garantindo, assim, por meio
que a coerção seja usada apenas na medida desta última a racionalidade do processo de
em que seja ela mesma garantia da liberdade, correção, e por meio da autonomia privada,
que é a possibilidade de legitimidade das nor- as liberdades postas como barreiras a qualquer
mas. Não obstante, o critério da lei geral da tipo de imposição.
liberdade é satisfeito, no plano político, pelo A autonomia pública consiste então em
legislador e pela institucionalização do correto assegurar aos cidadãos um espaço institucional
processo de legislação, que se torna espaço de de deliberação livre de distorções e interferên-
integração social. cias indevidas, de modo a permitir a efetiva
Por essas duas vias, Habermas pretende participação dos cidadãos nos processos de
garantir aos cidadãos tanto a possibilidade de formação da opinião e da vontade política, os
uma atitude performativa do respeito pela lei quais resultarão em normas vinculantes. Já a
quanto uma coordenação dos arbítrios que autonomia privada consiste em assegurar ao
ocorra de fato segundo uma lei geral de liber- indivíduo um espaço de escolha e ação pro-
dade. Para Habermas (2003c, p. 203), se as tegido contra interferências externas, a im de
qualidades formais do direito são encontráveis que esteja garantido o exercício efetivo de seu
na dimensão dos processos institucionalizados poder de decisão na condução de seu plano de
juridicamente, e se esses processos regulam vida e na persecução de sua concepção de feli-
discursos jurídicos que, por seu turno, são cidade. Essa é a maneira pela qual Habermas
permeáveis a argumentações morais, a legiti- (2003b, p. 137) aponta para a possibilidade de
midade, por sua vez, pode ser obtida através da um conceito de emancipação: a racionalidade
legalidade, na medida em que os processos para nos processos decisórios garante a autonomia
a produção de normas jurídicas são racionais pública, e a racionalidade na condução de cada
no sentido de uma razão prático-moral proce- modo de vida garante a autonomia privada.
dimental. A legitimidade da legalidade resulta A antiga distinção, mantida pelo direito
do entrelaçamento de processos jurídicos e moderno, entre direito natural e direito positi-
uma argumentação moral que obedece à sua vo não é plausível do ponto de vista sociológico
própria racionalidade procedimental. O pro- e é precária do ponto de vista normativo, sus-
cedimento de fundamentação de conteúdos tenta Habermas (2003b, p. 139): no nível de
legítimos é dado pelo princípio de democracia, fundamentação pós-metafísico, tanto as regras
que é a aplicação do princípio do discurso sob morais como as jurídicas diferenciam-se da
a forma jurídica: uma forma com um conteúdo eticidade tradicional, colocando-se como dois
que se restringe à forma do procedimento, tipos diferentes de normas de ação, que sur-
para além do qual nenhum outro princípio gem lado a lado, complementando-se. Nesse
substantivo é indicado (HABERMAS, 2003b, sentido, o conceito de autonomia precisa ser
p. 163-164). delineado abstratamente para que possa assu-
Assim, o ideal de autonomia política mir não somente a igura do princípio moral,
formulado por Habermas (2003b, p. 133) mas também a do princípio da democracia.

120
É por meio dos componentes de legitimidade apontado na autonomia política: ao sustentar
da validade jurídica que o direito adquire uma uma ética do discurso como modelo ideal para
relação com a moral, que não é uma relação a comunicação não distorcida, a teoria da re-
de subordinação, posto que, agora, a moral construção acaba por conformar o fundamento
autônoma e o direito positivo, que depende de de uma teoria normativa, que se torna crítica na
fundamentação, encontram-se numa relação medida em que pode ser meio de emancipação
de complementação recíproca. quando leva a cabo a autonomia democrática
Com tais relexões, o eixo da discussão é expressa no direito que satisfaz as condições
deslocado para o conceito de ilosoia, e a justi- do princípio do discurso para, assim, poder
icação passa a depender integralmente do que regular de forma legítima a constituição de
Habermas convencionou chamar pensamento uma comunidade por meio da racionalidade.
pós­metafísico. De acordo com o ilósofo social Segundo esse raciocínio, por meio da
(2012a, p. 20-21), nossa época exige que, reconstrução das estruturas que perpassam
no lugar dos modos metafísicos de pensar, a o mundo da vida e da exposição da evolução
razão seja vista como inita, falível, orientada social, é possível encontrar a possibilidade da
à obtenção de acordos intersubjetivos e apoia- emancipação na estrutura do discurso que
da em procedimentos. Sociedades modernas garante a todos os envolvidos a igualdade e a
providas de garantias meta-sociais últimas, liberdade para intervir e mobilizar livremente
funcionalmente diferenciadas e culturalmente todos os conteúdos que julgarem pertinen-
heterogêneas só podem contar com procedi- tes por meio da publicidade de suas razões.
mentos de validação cujas regras são fundadas, A ação comunicativa, permeada pela raciona-
em última instância, nas condições que tornam lidade comunicativa, rege o mundo da vida,
possível todo o debate argumentativo. Por isso, de modo a produzir a integração social. Por
o princípio da democracia não se encontra isso, Habermas (1990, p. 72) insiste que o agir
no mesmo nível que o princípio moral: este comunicativo se distingue do estratégico, uma
funciona como regra de argumentação para vez que a coordenação bem-sucedida da ação
a decisão racional de questões morais, en- não está apoiada na racionalidade teleológica
quanto aquele pressupõe preliminarmente a dos planos individuais de ação, mas na força
possibilidade da decisão racional de questões racionalmente motivadora dos atos de enten-
práticas, isto é, a possibilidade de todas as dimento, portanto, numa racionalidade que se
fundamentações que se realizam em discursos manifeste nas condições requeridas para um
– regulados pelo procedimento, dada a possi- acordo obtido comunicativamente.
bilidade de uma formação política racional da Para Barbara Freitag (1990, p. 63), é na es-
opinião e da vontade – e tornam legítimas as fera social e da cultura, no mundo da vida, que
leis (HABERMAS, 2003b, p. 145). devem ser conjuntamente ixados os destinos
da sociedade, por meio do questionamento e
Considerações inais da revalidação dos valores e das normas vigen-
tes do mundo vivido. Somente quando este
O percurso aqui explorado permite apre- reconquistar o terreno perdido podem ocorrer
ender que, com Habermas, a teoria crítica é a “descolonização” do mundo da vida pelo
reformulada a partir de um vínculo mais estrei- sistema e a capacidade de agir comunicativa-
to com a teoria normativa do que os estudos mente para todos os atores. A razão dialógica,
críticos precedentes, sem contudo deixar de comunicativa, estaria dessa forma recolocando
ter como alvo a emancipação, cujo caminho é em seu devido lugar a razão instrumental.

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O reconstrutivismo de Habermas parte da contudo, ser instrumento nem plano de ação,
razão prática na forma de uma ação comuni- além de não poder ser deinida. As deinições
cativa. Para o autor (2003b, p. 18), na prática com que lida a ilosoia, por sua vez, adquirem
dialógica do entendimento está implícita a ideia signiicado pleno no decorrer de um deter-
de autonomia: a razão prática deixa seus vestí- minado processo histórico complexo, e não
gios ilosóico-históricos no conceito de uma podem ser apreendidas apenas por representa-
sociedade que administra democraticamente a ções linguísticas: tentar suprimir os processos
si mesma. Tal sociedade estaria pautada na razão históricos e buscar deinições atemporais é
prática, que não é própria a um ator singular, negar a herança intelectual transmitida à ilo-
nem a um macrossujeito sociopolítico, mas soia desde seu começo. A ilosoia, portanto,
que se torna possível pelo medium linguístico, como insiste Horkheimer (2007, p. 171), não
através do qual as interações se interligam e as deve se privar da historicidade que a linguagem
formas de vida se estruturam. Para Habermas carrega, não pode negar o conteúdo mudo da
(2003b, p. 20), qualquer um que se utilize de linguagem: as formas de pensamento envolvi-
uma linguagem natural, a im de entender-se das na linguagem fazem parte de seu signiica-
com um destinatário no mundo, vê-se forçado do, que está enraizado nos padrões de crença
a adotar um enfoque performativo e a aceitar daqueles que a compartilham.
determinados pressupostos. Nesse sentido, a ilosoia se constitui pelas
Essa argumentação de Habermas nos con- perspectivas diversas dos que a utilizam; mas o
duz ao conceito de ilosoia que perpassa seus signiicado de uma palavra não pode ser enten-
escritos, conduz-nos às ideias da teoria crítica, dido pela simples indagação de seu signiicado
próxima daquela proposta por seu primeiro àqueles que fazem uso dela. Conceitos e ideias
expoente. Esse conceito de ilosoia crítica são deteriorados na época da razão formalizada,
nos faz entender por que Habermas rejeita a e a tarefa da ilosoia é justamente apontar a
teoria política estrita, fechada em conceitos mentalidade envolvida nos signiicados dos
ixos, para propor algum tipo de razão pública. conceitos. Fixar conceitos, no entanto, é reduzi-
Habermas está inserido na tradição que, desde -los: não há como falar de um conceito luido,
Horkheimer, entende a tarefa da ilosoia como convertendo-o numa identidade, sem prejudi-
a exposição da possibilidade de conciliação car sua realidade, pois ele carrega aspectos de
entre ego e natureza, pensamento e realidade, e sua existência material que passa por mudanças
que, na época em que a formalização da razão (Ibid., p. 172). Os dois erros comuns na ilo-
ganhou força como nunca, negou a existên- soia, o idealismo das doutrinas metafísicas e
cia de uma separação entre ego e natureza na o naturalismo do positivismo lógico-cientíico,
realidade. Uma ilosoia da conciliação entre devem ser evitados. Pois enquanto o idealismo
pensamento e realidade, que não abra mão exalta o existente e o representa como espiritual
da possibilidade de emancipação, tem que em essência, ocultando os conlitos sociais com
rejeitar e acusar as teorias que não percebem a harmonia de suas construções conceituais, o
o antagonismo, pois estas contribuem para naturalismo, por sua vez, exalta o poder sobre
aumentar os riscos da formalização. Para um a natureza que é modelado no jogo das forças
teórico crítico, apenas a consciência ilosóica naturais mesmas, desprezando a razão espe-
de que a separação entre ego e natureza seja culativa com o ceticismo que se apresenta no
fruto de um processo pode alcançar valor real. pensamento cientíico formal.
Da perspectiva da teoria crítica que re- Para Habermas (2012a, p. 102), não
monta a Horkheimer, a ilosoia não pode, é possível admitir nem a separação nem a

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unidade entre espírito e natureza. Como para conceitos isolados. Nesse sentido, sua defesa
Horkheimer, também para ele a própria abs- da abertura para todos os tipos de argumento
tração desses conceitos distorce a existência na esfera pública tem a intenção de combater
concreta, que afeta novamente a abstração. o positivismo cientíico de certa teoria política.
O espírito, portanto, deve estar ligado a seu É na razão comunicativa que o ilósofo
objeto: quanto mais o espírito se separar da social encontra a possibilidade de que a crítica
natureza, mais incorre em tornar-se um abso- da razão aponte para os problemas da civili-
luto mitológico que pode regredir ao modelo zação, para as origens da razão formal como
da simples natureza que ele deveria absorver. O instrumento de dominação da natureza e do
idealismo extremo pode conduzir a ilosoias próprio homem, a im de que se entenda a
da natureza e da mitologia. Para Kant, por frustração desse propósito. Se a razão trans-
exemplo, tanto as formas da natureza quan- formou a natureza em objeto, impedindo o
to sua substância eram produtos do espírito, caminho para o entendimento dessa objeti-
que as formava em sua liberdade irrestrita, vação nos conceitos por meio da mentalidade
de tal modo que as categorias do entendi- estabelecida, cabe agora à crítica apontá-la.
mento e a substância desse espírito puderam A colonização do mundo da vida precisa ser
se tornar leis da natureza, em repetição das entendida, para além das formações óbvias de
sequências naturais. sua época, como produção e reprodução da
Nesse sentido, o pensador social precisa mentalidade formalizada, o que permitiria à
de uma ilosoia que rechace a deinição do razão ser verdadeira consigo mesma, aplican-
dualismo entre espírito e natureza, o que o leva do e perseverando na veracidade que a razão
a recorrer a uma pragmática transcendental, a comunicativa pode exigir de si mesma.
im de deixar de lado a abstração que separa A ilosoia tem o papel de apontar as con-
radicalmente os conceitos e a determinação tradições de seu tempo; e deve fazê-lo, para
factual da unidade que não pode ser verii- ser crítica, avaliando a aplicação dos conceitos
cada. Habermas tem de rejeitar a alienação mais caros de uma sociedade e salientando os
da consciência que se acomoda ao processo vícios que a distorção desses conceitos acarreta.
social de reiicação e, ao mesmo tempo, evitar Com a razão comunicativa, abre-se uma porta
as teorias românticas puras. Mas seu diagnós- que torna possível encontrar maior grau de
tico do tempo é o de que a razão formalizada veracidade entre os conceitos e sua realidade:
avança sem cessar no Ocidente contemporâ- a transformação torna-se possível por meio da
neo, acabando com a noção de que os dois linguagem que busca a conciliação entre con-
conceitos de razão – prática e formalizada ceito e realidade. A linguagem precisa deixar
– não sejam partes distintas e independentes de ser instrumento, de ser meio de armaze-
da mente humana. nar informações, e a ilosoia tem o papel de
A ilosoia que Habermas busca pro- ajudá-la a reletir sua função essencial não
mover é aquela que requer a crítica dos dois corrompida, conferindo sentido cognitivo à
conceitos, de modo a preparar na teoria sua linguagem, o que exige dela desvencilhar-se de
conciliação na realidade. As consequências conceitos isolados. É esse o modelo ilosóico
da razão formalizada, as patologias sociais e que Habermas aplica ao conceito de autono-
a colonização do mundo da vida compelem mia, contrapondo as ideias à realidade. Como
Habermas a dar mais ênfase à razão objetiva para Horkheimer (2007, p. 187), também para
e à especulação do que aos remanescentes do ele a ilosoia deve confrontar o existente, em
positivismo e das teorias que tendem a ixar seu contexto histórico, com as exigências dos

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conceitos que são os princípios norteadores que na obra de Habermas (2003a, p. 37 ss.)
dessa sociedade. Desse modo, pode haver não resta creditado, não apenas à prática democrá-
apenas a crítica da relação entre conceitos e tica deliberativa, mas ao papel fundamentador
realidade, mas, talvez, sua transcendência, o das ciências reconstrutivas.

Referências

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Resumo

O papel da reconstrução na teoria crítico­normativa de Jürgen Habermas


A teoria crítica tem passado por reformulações importantes. Neste artigo, pretende-se apontar como Jürgen Habermas
conferiu a esse corpo teórico uma nova formulação e por que sua teorização pode ser incluída na perspectiva dessa
escola, ainda que o ilósofo tenha se debruçado menos sobre a investigação empírica do que seus predecessores. Tal
iliação tem consequências importantes para sua concepção de autonomia democrática: pretendemos sustentar que os
escritos do autor constituem uma teoria crítico-normativa, concebida como instrumento de emancipação que opera
por meio da efetivação da autonomia democrática, que tem seu fundamento na noção de reconstrução. Argumentamos
que a relação entre reconstrução e teoria normativa pode ser demonstrada por meio de uma análise que leve em conta
não apenas seus textos explicitamente políticos, mas também aqueles, menos explorados, dedicados à reconstrução.
Palvras-chave: Habermas; Teoria crítica; Ética do discurso; Democracia deliberativa; Autonomia democrática.

Abstract

he role of reconstruction in critical­normative theory by Jürgen Habermas


Critical theory has undergone major reformulations. In this article, we intend to point out how Jürgen Habermas gave
this theoretical corpus a new formulation and why his theorization can be included in the perspective of this school,
although the philosopher had been less focused on the empirical research than his predecessors. Such ailiation has
important consequences for his conception of democratic autonomy: we maintain that the author’s writings constitute
a critical-normative theory, conceived as an instrument of emancipation that operates through the realization of
democratic autonomy, founded on the notion of reconstruction. We argue that the relationship between reconstruction
and normative theory can be demonstrated by means of an analysis that considers not only his explicitly political texts
but also the less exploited ones devoted to reconstruction.
Keywords: Habermas; Critical heory; Discourse Ethics; Deliberative Democracy; Democratic Autonomy.

Résumé

Le rôle de la reconstruction dans la théorie critique­normative par Jürgen Habermas


La théorie critique a subi des reformulations majeures. Dans cet article, nous entendons montrer comment Jürgen
Habermas a donné une nouvelle formulation à ce corps théorique et pourquoi sa théorisation peut être incluse dans
la perspective de cette école, bien que le philosophe ait été moins concentré sur l’investigation empirique que ses
prédécesseurs. Une telle ailiation a des conséquences importantes pour sa conception de l’autonomie démocratique:
nous entendons soutenir que les écrits de l’auteur constituent une théorie critique-normative – conçue comme un
instrument d’émancipation qui opère au moyen de la réalisation de l’autonomie démocratique – fondée sur la notion
de reconstruction. Nous soutenons que la relation entre la reconstruction et la théorie normative peut être démontrée
au moyen d’une analyse qui considère non seulement ses textes explicitement politiques mais aussi les moins exploités
consacrés à la reconstruction.
Mots-clés: Habermas; héorie Critique; Ethique du Discours; Démocratie Délibérative; Autonomie Démocratique.

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