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1
Faço alusão especificamente à doutrina escolástica da arte; ver Ananda K. Coomaraswamy, Christian and
Oriental Philosophy oƒ Art. New York: Dover, 1956.
2
A Arte Sagrada no Oriente e Ocidente, Titus burckhardt.
3
Cap, A luta contra o criador, ver em Mário F. dos S; A Invasão Vertical dos Bárbaros. p. 60.
4
Em toda e qualquer forma dotada de existência, seu ser é um. Todas as coisas são unidade[s] : num grau
intensista maior ou menor, mas sempre unidade[s].
perfeitamente associadas, ela o interpenetra uniformemente; que nos lembra Dante
quando ele diz que o Espírito Santo o “inspira”, e que ele “expõe o assunto como Ele
dita dentro de mim”. Quando Santo Tomás diz que, “a arte imita a natureza em sua
maneira de operar”5, é no sentido de natura naturans6, ou seja, não se refere a
nenhuma parte visível do nosso ambiente; as artes tradicionais são tipicamente
imitativas das realidades inteligíveis — em outras palavras, imitam a efusão criativa
primordial do próprio Deus. E é exatamente por isso que a arte naturalista que busca
exageradamente imitar os seres vivos de uma maneira absoluta, chegando ao um
ponto morto onde a obra torna-se uma coisa inútil e não se insere mais em nenhum
contexto espiritual, é profana e literalmente pecaminosa; afinal, como Plotino
descreve, um objeto que não tem um formato, que é por natureza capaz de receber
um formato (físico) e uma forma (inteligível), continua sem razão ou forma, ele é
essencialmente feio; em outras palavras, o que permanece privado de toda razão
divina (a razão que procede a Alma universal), é feiura absoluta.
A Beleza não quer conquistar nada, ela repousa sempre “no que é”; como o
amor de que fala São Paulo, ela “não busca seu próprio interesse, não se irrita”7.
Assim, a alma — virtuosa — sendo ela bela por natureza, torna-se capaz de assimilar
as belezas das coisas; portanto, a alma se alegra e se reconhece em algo que lhe é
congênito (Platão, Fedro 250a), ou seja, que tem a mesma gênese sua, como
princípio; pois ela mesma é da natureza divina das coisas que sempre são. Então, o
que acontece é que ela busca a semelhança das belezas daqui, que é por participação
com as de lá, que são sempre as mesmas e não mudam; portanto, as daqui são belas
por comunhão da forma (μετοχὴ εἴδους), ou seja, pela participação da forma é que a
alma alcança uma figura racional. A condição para o belo é que a fusão de figura e
forma seja sob a razão; não sendo assim não haverá o belo (Enéadas I, livro 6).
O belo tem origem na alma que é purificada pela virtude, tornando-se forma e
razão com inteligência do divino. Por isso, se diz que a alma tende ao belo
assemelhando-se a Deus (Platão, Teeteto 176b; Politeia 613b), que é a Causa Primária
do belo e da “moira”8 (μοῖρα), afinal, “todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele
nada se fez do que foi feito” (Jo 1,3); isto é, “a partícula do que é destinado às coisas
5
Summa Theologiae, I a , q. 117, a. 1.
6
Natura Naturans: A natureza entendida como um princípio ativo, criador ou “naturante”. O termo é na
verdade um nomen Dei, “um nome de Deus”.
7
1Coríntios 13: “O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não
se ensoberbece. Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.
8
Moira (μοῖρα) é a partilha do que é destinado às coisas que vêm a ser, diferente daquela das coisas que são
sempre, conforme se diz Platão, no Timeu 35b: μειγνὺς δὲμετὰ τῆς οὐσίας καὶ ἐκ τριῶν ποιησάμενος ἕν,
πάλιν ὅλον τοῦτο μοίρας ὅσας προσῆκεν διένειμεν, ἑκάστην δὲ ἔκ τε ταὐτοῦ καὶ θατέρου καὶ τῆς οὐσίας
μεμειγμένην (e tendo misturado com a essência para fazer de três coisas uma só, dividiu novamente esse
inteiro em quantas moiras convém, estando cada uma misturada do mesmo, do outro e da essência).
que vêm a ser”, como Platão diz no Timeu 35b. Portanto, a beleza percebida no
exterior — a “dama” do cavaleiro, por exemplo, ou a obra de arte sacra — deve ser
descoberta ou realizada no interior, pois nós amamos o que somos e somos o que
amamos.
9
Cf . Ouspensky e Lossky (1952).
10
Cf. Ibid.
Quando vemos alguém que é aficcionado em carros ou até mesmo futebol, há
nele algo dedicado a contemplação; e se ele fizer isso de modo, isto é, adequar esse
atividade no quadro real da sua vida, essa atividade se tornará boa para ele. As
pessoas amam essas atividades, que à primeira vista parecem feias, porque elas
conseguiram prestar a atenção na beleza formal da coisa, elas contemplaram a “feliz
visão” (Platão, Fedro 250b) formal da coisa; e, se caso não existisse beleza nessas
atividades, seria impossível um número significativo de pessoas amarem aquilo —
afinal, a beleza pode ser indecente, inapropriada, imoral e etc11.
A arte constitui como uma linguagem simbólica adaptada à expressão de
certas verdades por meio das formas que são, para uns, de ordem visual, e, para os
outros, de ordem auditiva ou sonora, daí a sua divisão corrente em dois grupos, o das
“artes plásticas” e o das “artes fonéticas”. Nas artes fonética, a música sacra, sendo
ela uma arte tradicional e até mesmo sagrada, é essencial para quase todas as
sociedades tradicionais porque existem povos sem esculturas, nem pinturas, mas não
existe nenhum deles sem música. A música feita pelo ser humano deve ser escutada
da música interior do universo e das suas leis, inserida no “canto fraterno” das
“esferas fraternas”; a beleza da música se fundamenta em sua correspondência com
as leis rítmicas e harmônicas do universo. A música humana é tanto mais “bela”
quanto mais se insere nas leis musicais do universo. Portanto, a música é um “espírito
sutil” capaz de trazer a beleza ao nosso ser. Nela não há dualidade entre beleza e
obscuridade; há apenas uma beleza infinita, isto é, a manifestação do Infinito no
oceano inexaurível das formas.
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Obviamente, isso só é possível num contexto adequado e não-profano, porque, por exemplo, caso um Judeu
comece a pintar ícones de Moisés, ele estará pecando, não irá para o seio de Abraão.