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Proposta de análise de sonetos- Camões

Português (Best notes for high school - PT)

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AQUELA TRISTE E LEDA MADRUGADA

Aquela triste e leda madrugada,


Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada


Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se d’ua outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.

Ela só viu as lágrimas em fio,


Que d’uns e d’outros olhos derivadas
S’acrescentaram em grande e largo rio.

Ela viu as palavras magoadas


Que puderam tornar o fogo frio,
E dar descanso às almas condenadas.

Breve análise de poema

1. Aspetos formais
Este soneto tem a seguinte divisão lógica:
A rima apresenta o seguinte esquema: [abba/abba/cdc/cdc] – emparelhada e interpolada, nas quadras;
cruzada nos tercetos.

2. Divisão em partes

1ª. parte: 1ª. quadra - Introdução, celebração da madrugada. Exposição da ideia geral de um eu:
expressão de um desejo – quero que aquela madrugada seja sempre celebrada.

2ª. parte: 2ª. quadra e os 2 tercetos - Justificação da celebração da madrugada. Desenvolve-se em três
tempos, marcados pela divisão das estrofes e pela repetição de ela só/ ela só/ ela, nos três casos sujeitos do
verbo viu que se repete em cada estrofe, justificando o desejo expresso.

1º. momento 2º. momento

SUJEITO Poeta Poeta

OBJETO Madrugada Separação

DESCRIÇÃO DO triste e leda, cheia de mágoa, piedosa lágrimas em fio, palavras magoadas
OBJETO

3. Existe uma oposição evidente entre a 1ª estrofe e as restantes: do ponto de vista do sujeito (eu/madrugada), dos
modos e tempos verbais (desiderativo, projeção para o futuro/ indicativo, referente ao passado) e do ponto de vista
do enunciado (mais descritivo/ mais narrativo).
4. O elemento madrugada assegura a unidade do poema (o 1º sujeito desaparece após a 2ª quadra) e funciona como
personagem principal, mesmo na 1ª quadra, em virtude do lugar que ocupa (troca da ordem natural dos elementos).
Assim, são-lhe atribuídas características (triste, leda, cheia de mágoa e de piedade, amena, marchetada) e ações
(sair, ver, ouvir) animizadoras.
5. O verbo ver (que se repete três vezes, assumindo o significado de ouvir num dos casos) confere à personagem
madrugada a função de testemunha e o advérbio só torna-a única – a importância do objeto da ação ver.
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6. A cena testemunhada é a separação (apartar-se) de duas pessoas (d’ua outra; duns e doutros) que choram
(lágrimas em fio) e falam (palavras), manifestando o seu sofrimento (em fio; magoadas).
7. O carácter desta separação – que passa a constituir o centro da poesia (a madrugada é uma circunstância de
tempo) é excecional:
paradoxo - apartar-se d’ua outra vontade/ que nunca poderá ver-se apartada
hipérbole – as lágrimas que se acrescentaram em grande e largo rio - "Ela só viu as lágrimas… em grande e largo
rio";
Antítese: "triste e leda", "fogo frio"
Adjectivação simples: "magoadas", "frio", "condenadas";
Adjectivação dupla: "triste e leda", "amena e marchetada".
paradoxo, hipérbole, antítese – as palavras magoadas/ que puderam tornar o fogo frio e dar descanso às almas
condenadas.
A Hipérbole é utilizada para transmitir toda a dor que o poeta e a sua amada sentiram na hora da separação; a
Antítese para demonstrar como aquela madrugada, apesar de muito bela e alegre, se transformou em tristeza por
causa da separação; a Adjectivação transmite toda a beleza da madrugada e toda a tristeza que inundava os
corações dos amantes.
8. Tema e assunto
Tema: Saudade pela partida da Amada; Separação.
Assunto: A madrugada é triste e leda. Comunga dos sentimentos do poeta e do amor também. O amor em Camões
parece comunicar-se à natureza, é um amor cósmico. O amor é ele também uma mistura de tristeza e alegria. O
poeta sente a saudade. O mal presente e o bem passado, o sofrimento de dor. O que resta é a lembrança e a memória
do bem passado (a saudade). Só contemplando a mesma madrugada que testemunhou o seu amor se sente o poeta
realizado. Só a aurora testemunhou a separação dos dois amantes. Mais uma vez os olhos - recorrência contínua em
Camões "Ela só viu". A libertação das forças da vida e da luz dá-se com a madrugada.

A FERMOSURA DESTA FRESCA SERRA


Alegria e verdura é vida eterna. Claridade; frescura; águas de cristal, transparentes; suavidade; amenidade. Sem
amor a vida não tem interesse e o poeta não é capaz de viver a vida sem a amada, não consegue ter alegria.
Tema
Saudade; ausência da amada.
O poema divide-se em duas partes ou momentos
 1ª. parte: 2 quadras - Descrição da Natureza.
 2ª. parte: 2 tercetos - Sentimentos do poeta em relação à ausência da amada.
A primeira parte do texto é constituída por uma descrição que se estrutura numa enumeração de elementos que
constituem a paisagem e que são qualificados (até personificados) ora por adjetivos, ora por substantivos, ora por
orações relativas:

Caracterização
Elementos da paisagem
Adjetivos Substantivos Oração relativa

serra
fresca
castanheiros
verdes
caminhar dos ribeiros fermosura
manso
mar sombra donde toda a tristeza
rouco
terra som se desterra
estranha
esconder do sol pelos outeiros guerra
derradeiros
recolher dos gados
branda
nuvens

 Relacionamento Eu/Natureza patente no poema.


 Na ausência da amada, a Natureza embora bela, não o seduz, sem ela ele não consegue achar beleza em
nada.

Estrutura Formal do texto e recursos estilísticos mais relevantes

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 Personificação: "manso caminhar destes ribeiros", "Das nuvens pelo ar a branda guerra" - Ao personificar
a natureza o Poeta pretende transmitir toda a importância dela na ausência da amada.
 Anáfora: "Sem ti… / Sem ti…" - Esta reiteração expressa a mágoa do poeta.
 Hipérbole: "perpetuamente estou passando,/ Nas mores alegrias, mor tristeza" - Expressa toda a dor do
poeta, ele quer transmitir todo o amor e toda a dor que lhe causa a separação desse amor.
 Antítese: "Nas mores alegrias, mor tristeza" - Expressa toda a amargura que o poeta sente pela ausência da
amada.

ONDADOS FIOS DE OURO RELUZENTE


Ondados fios de ouro reluzente,
Que agora da mão bela recolhidos,
Agora sobre as rosas estendidos
Fazeis que sua graça se acrecente;
Olhos, que vos moveis tão docemente,
Em mil divinos raios encendidos,
Se de cá me levais alma e sentidos,
Que fora, se de vós não fora ausente?
Honesto riso, que entre a mor fineza
De perlas e corais nace e parece,
Se n'alma em doces ecos não o ouvisse!
Se imaginando só tanta beleza,
De si, em nova glória, a alma se esquece,
Que será quando a vir? Ah! Quem a visse!

Recursos de Estilo
Hipérbole: “Em mil divinos raios”
Metáfora: “Fios de ouro reluzente” “De perlas e corais”

Perguntas / respostas

1-“Honesto Riso”, interpreta a expressão transcrita.


R: O honesto riso, transmite a sua honestidade. Uma qualidade social que ela possui.

2-Lábios e dentes são representados de forma poética e valorativa. Explica como.


R: São representados de forma poética e valorativa através da utilização da metáfora “perlas e corais” que são dois
elementos da natureza de excecional e extraordinária beleza.

3-Este soneto apresenta o retrato de uma mulher bela? Ou o retrato da beleza? Qual das sugestões te parece
mais de acordo com o poema? Justifica a tua opinião.
R: O retrato da beleza, considerando que aqui estão presentes características que apontam para um ideal de
beleza no seu todo e não propriamente para a beleza de uma única mulher.

UM MOVER D’OLHOS BRANDO E PIADOSO


Um mover d’olhos brando e piadoso,
Sem ver de quê ; um sorriso brando e honesto,
quási forçado; um doce e humilde gesto,
de qualquer alegria duvidoso;
Um desejo quieto e vergonhoso;
um repouso gravíssimo e modesto;
ũa pura bondade, manifesto
indício da alma, limpo gracioso;
Um escolhido ousar; ũa brandura;
um medo sem ter culpa; um ar sereno;
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um longo e obediente sofrimento:

Esta foi a celeste formosura


da minha Circe, e o mágico veneno
que pôde transformar meu pensamento.

O texto é constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassilábico, com um esquema
rimático: ABBA///ABBA//CDE//CDE verificando-se a existência de rima interpolada em a, emparelhada
em b e interpolada em cde. O soneto apresenta um retrato da mulher amada, onde se dá maior relevo aos
traços morais. O conjunto de qualidades que lhe é dado tende a produzir uma imagem de perfeição e a
não individualização da mulher. Este poema está dividido em duas partes lógicas. A primeira parte é as
duas quadras e o primeiro terceto e corresponde à acumulação de atributos físicos e morais da figura
feminina. Assim, são feitas referências ao “mover d’olhos”, ao “sorriso”, ao “gesto”, às quais são sempre
atribuídas qualidades morais: “Um mover d’olhos brando e piadoso,”, “um sorriso brando e honesto,” e
“um doce e humilde gesto,”. A segunda parte é ultimo terceto e corresponde à síntese de todos esses
atributos reunidos na expressão “celeste fermosura”, que, além da beleza, remete para o carácter divino da
mulher. Esta é também, metaforicamente, apresentada como Circe, ou seja, uma feiticeira que encanta o
poeta como seu mágico veneno, isto é, a sua perfeição, que seduz o poeta e lhe transforma o pensamento.

ALMA MINHA GENTIL, QUE TE PARTISTE


Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,


Memória desta sida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te


Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,


Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou

Breve análise de poema

Camões trabalha muito fortemente com antíteses neste soneto, tais como “lá” e “cá”, “Céu” e
“terra”, “repousa (...) eternamente” e “viva (...) sempre triste”, que podem ser interpretadas como uma
antinomia entre feminino e masculino: à amada cabem os primeiros termos; ao eu-lírico, os segundos.
Mas pode ser vista também uma oposição entre céu/espírito (ela), com características positivas, e
terra/carne (ele), com características negativas. Esse é o contraste básico do neoplatonismo, de acordo
com o qual a matéria, a carne, o corpóreo, é inferior ao ideal, ao espiritual.
Há ainda uma fusão entre o que considera espiritual e o carnal, os versos 7-8 demonstram esta
consideração, onde o eu-lírico pede que sua amada, um espírito, lembre-se do amor ardente, mas ainda
assim apresenta o âmbito espiritual pelo “Que já nos olhos meus tão puro viste.
Observa-se a presença de Deus no trecho “que teus anos encurtou”, ou seja, acredita na presença de
Deus e que este determina as leis dos homens, ou seja, por vontade dele que sua amada morreu, (“anos
encurtou”).
Enxerga o mundo terreno em que vive, em que ficou sem sua amada, como um lugar ruim, triste
para se viver (vida descontente e viva eu cá na terra sempre triste, alguma dor que me ficou, mágoa sem
remédio perder-te) a vida sem sua amada ficou sem sentido.

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Forma
O poema é constituído por quatro estrofes, duas quadras e dois tercetos, em verso decassilábico. As duas
quadras apresentam rima interpolada e emparelhada e os dois tercetos rima cruzada
[ABBA/ABBA/CDC/DCD]

ERROS MEUS, MÁ FORTUNA, AMOR ARDENTE


Erros meus, má fortuna, amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a fortuna sobejaram,
Que para mim bastava o amor, somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que as magoadas iras me ensinaram
A não querer já nunca ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.
De amor não vi senão breves enganos…
Oh! Quem tanto pudesse que fartasse
Este meu duro Génio de vinganças!

Este texto é constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassilábico, com esquema rimático,
ABBA / ABBA / CDE / CDE, verificando a existência de rima interpolada em A, emparelhada em B e
interpolada nos tercetos.
O soneto aborda a vida passada do poeta e a tristeza que ele sente ao recordá-la. Assim, nas primeiras três
estrofes, exprime a sua tristeza em relação à vida que foi passando e os erros que foi cometendo. Para o
fazer, evoca três razões que justificam um passado infeliz; “Erros meus, má fortuna, amor ardente”, que,
de forma intencional, se reuniram numa metafórica conjura para tramar contra o poeta: “Em minha
perdição se conjuraram” (v. 2). Partindo desta ideia, o poeta desenvolve o seu lamento ao longo das
estrofes seguintes. Assim, o sujeito poético aprendeu a não ter esperança na alegria que a vida lhe podia
proporcionar: “A grande dor das causas que passaram, / que as magoadas iras me ensinaram / a não querer
já nunca ser contente” (vv. 5-9).
Concluindo que todo o seu percurso de vida foi errado, pois foi sempre iludido pelo amor: “De amor não
vi senão breves enganos” (v. 12), e tendo em conta que o amor seria o suficiente para o levar à perdição:
“Os erros e a fortuna sobejaram,/ que para mim bastava amor somente” (vv. 3-4), a Fortuna, ou seja o
destino, castigou as suas sempre “mal fundadas esperanças” (v. 11), pois estas foram sempre criadas por
um amor ilusório.
O soneto encerra com um pedido, que traduz todo o sofrimento do sujeito poético: “Oh! Quem tanto
pudesse que fartasse / Este meu duro Génio de vinganças!” (vv. 13-14), sendo toda a dor transmitida na
utilização da interjeição e da frase exclamativa, e no qual é solicitado, no fundo um descanso que o poeta
entende merecido.

DOCES LEMBRANÇAS DA PASSADA GLÓRIA


Doces lembranças da passada glória,
que me tirou Fortuna roubadora,
deixai-me repousar em paz ữa hora,
que comigo ganhais pouca vitória.

Impressa tenho n`alma larga história


deste passado bem que nunca fora;
ou fora, e não passara; mas já agora
em mim não pode haver mais que a memória.

Vivo em lembranças, mouro de esquecido,


de quem sempre devera ser lembrado,
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se lhe lembrara estado tão contente.

Oh! Quem tornar pudera a ser nascido!


Soubera-me lograr do bem passado,
se conhecer soubera o mal presente.

Formalmente, o poema “Doces lembranças da passada glória” de Luís de Camões é um soneto,


constituído por duas quadras e dois tercetos, em versos decassilábicos. O poema obedece ao esquema
rimático ABBA//ABBA//CDE//CDE, havendo rima interpolada em A, emparelhada em B e interpolada
em C, D, E. O tema deste soneto é a memória do passado e o arrependimento.
A lembrança é o interlocutor do poeta e surge referida em apóstrofe: ”Doces lembranças da passada
glória”. Tendo em conta que essas lembranças são de glória, entende-se que sejam “doces”. Porém, o
destino roubou-a ao poeta e as lembranças que ficaram, para seu desgosto, não lhe dão descanso, daí que
ele lhes peça para descansar por um momento: “deixai-me repousar em paz ữa hora”. Gravado ficou na
alma este passado glorioso, cuja ocorrência acaba até por ser incerta, mas que – tendo ou não ocorrido –
agora não é mais do que uma lembrança:” Impressa tenho n’alma larga história/ deste passado bem que
nunca fora;/ ou fora, e não passara; mas já agora/ em mim não pode haver mais que a memória.”
O poeta reflete sobre a sua vida presente vivendo esta mesma em lembranças, morrendo, porém,
esquecido por aqueles que o deviam recordar: “Vivo em lembranças, mouro de esquecido,/ de quem
sempre devera ser lembrado”. Para concluir o soneto, o último terceto mostra-nos que o sujeito poético
pede para voltar a nascer e poder aproveitar, assim, melhor o passado sabendo que o presente em que vive
é mau: “Oh! Quem tornar pudera a ser nascido! / Soubera-me lograr do bem passado, / se conhecer
soubera o mal presente”, utilizando para enunciar este desejo uma oposição entre “bem passado” e “mal
presente”, ou seja, um discurso antitético.

LEMBRANÇAS, QUE LEMBRAIS MEU BEM PASSADO


Lembranças, que lembrais meu bem passado
para que sinta mais o mal presente:
deixai-me, se quereis, viver contente,
não me deixeis morrer em tal estado.

Mas se também de tudo está ordenado


viver, como se vê, tão descontente,
venha, se vier, o bem por acidente,
e dê a morte fim a meu cuidado.

Que muito milhor é perder a vida,


perdendo-se as lembranças da memória,
pois tanto dano faz o pensamento.

Assi que nada perde quem perdida


a esperança traz de sua glória,
se esta vida há-de ser sempre em tormento.

O texto é um soneto constituído por duas quadras e dois tercetos, em metro decassílabo, com esquema
rimático: ABBA/ ABBA/ CDE/ CDE, verificando-se a existência de rima interpolada em A, emparelhada
em B e interpolada novamente em C, D, e E.
O tema deste soneto é o Amor, e os efeitos que este traz no sujeito poético. O poeta dirige-se a um
interlocutor, que são as suas memórias/lembranças do passado, e pede-lhes que o deixem viver contente:
“deixai-me, se quereis, viver contente.”, se não, prefere a morte, visto que não tem nada a perder: "venha,
se vier, o bem por acidente, / e dê a morte fim a meu cuidado.”; “Que muito milhor é perder a vida,” (…)
“se esta vida há-de ser sempre em tormento”.
O sujeito poético passa por uma fase em que anuncia que se não pode viver contente, então prefere
morrer: “não me deixeis morrer em tal estado”.
Ainda que o seu passado tenha sido bom, “…meu bem passado”, o presente já não corre tão bem: “…
sinta mais o mal presente…”. Assim, a morte trar-lhe-ia paz, pois, ao perder as suas memórias, todo o
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dano causado por estas a seu pensamento seria eliminado: “Que muito milhor é perder a vida,/perdendo-
se as lembranças da memória,/pois tanto dano faz ao pensamento". Deste modo, toda a esperança perdida
e a vida em constante tormento acabariam: “…que nada perde quem perdida/ a esperança traz…”, “se esta
vida há-de ser sempre em tormento."

DITOSO SEJA AQUELE QUE SOMENTE


Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amoras esquivanças,
Pois por elas não perde as esperanças
De poder n’algum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando ausente,


Não sente mais que a pena das Lembranças,
Porque inda que se tema de mudança,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado


Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem o coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado


De erros em que não pode haver perdão,
Sem ficar n’alma a mágoa de secado.

Formalmente o poema “Ditoso seja aquele que somente” de Luís de Camões é um soneto, pois é
constituído por duas quadras e dois tercetos em verso decassílabo. O texto obedece ao esquema rimático
ABBA / ABBA / CDC / CDC, havendo rima interpolada em A, emparelhada em B e interpolada em CDC.
O soneto aborda o tema do sofrimento e surge como uma espécie de oração.
Nas três primeiras estrofes, há um pedido, que surge em anáfora (ditoso seja), para que um conjunto de
seres seja feliz: todos aqueles que se queixam que o amor lhes foge, aqueles que têm saudades e todos
aqueles que ainda obedecem ao amor: “Ditoso seja aquele que somente/ Se queixa de amor as
esquivanças,”; “Ditoso seja quem, estando ausente,/ Não sente mais que a pena das lembranças,” e
“Ditoso seja, enfim, qualquer estado/ Onde enganos, desprezos e isenção/ Trazem o coração
atormentado.” Porém, apesar do sofrimento, todos estes ainda podem ser felizes, pois têm esperanças ou
aguardam com saudades, porque ainda não obtiveram o amor, ou estão distantes, mas podem vir a obtê-lo
ou recuperá-lo.
Porém, a última estrofe introduz a oposição (mas) é triste aquele que comete erros sem perdão, pois não
terá acesso a esperanças de felicidade: “Mas triste quem se sente magoado/ De erros em que não pode
haver perdão/ Sem ficar n’alma a mágoa de secado".

ENQUANTO QUIS FORTUNA QUE TIVESSE


Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus versos escrevesse.

Porém, temendo Amor que aviso desse


Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co tormento,
Para que seus enganos não dissesse.

Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos


A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,

Verdades puras são, e não defeitos...


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E sabei que, segundo o amor tiverdes,


Tereis o entendimento de meus versos!

1. Assunto: Enquanto o destino (Fortuna) permitiu que alimentasse a esperança de alguma felicidade, o
poeta dedicou-se a escrever os efeitos da mesma, naturalmente em versos amorosos. Porém, o Amor,
temendo que seus enganos fossem divulgados, secou-lhe a inspiração. Assim, aqueles a quem o Amor
sujeita às suas insconstâncias, mesmo que, em tais versos, leiam casos tão diferentes (quiçá
contraditórios), deverão considerá-los verdades puras, e não o contrário, sendo que as compreenderão
tanto melhor, quanto mais larga for a sua experiência amorosa.
2. Estrutura interna bipartida:
 1ª parte, constituída pelas quadras.
 Esta 1.ª parte está, igualmente, subdividida: na primeira quadra, observamos o papel
coadjuvante do destino (Fortuna) e, na segunda, confrontamo-nos com o carácter
oponente do Amor (nome também atribuído a Cupido, filho de Vénus).
 Note-se que a transição da primeira para a segunda quadra é feita através do conector
(conjunção) adversativo "porém", o que, desde logo, antecipa a adversidade nela contida.
 2ª parte, constituída pelos tercetos, em que o poeta, apostrofando os que se sujeitam aos
caprichos do Amor, adverte para a autenticidade de seus versos, cujo entendimento será tanto
melhor quanto maior a experiência (porventura dolorosa) do mesmo amor.
3. A estrutura interna bipartida também se faz notar ao nível da progressão das formas verbais: nas quadras,
o tempo dominante é o pretérito perfeito do indicativo, que nos dá conta das posições assumidas por
cada uma das entidades ("quis" (Fortuna); "fez" (o gosto de um suave pensamento); "escureceu-me"
(Amor)); nos tercetos, a par do presente do indicativo ("obriga"; "são") e do futuro imperfeito do
conjuntivo ("lerdes"; "tiverdes"), sobressaem o imperativo ("sabei") e o futuro do indicativo ("tereis"),
associados à apóstrofe utilizada ("Ó vós").
4. Algumas figuras de estilo: anástrofe (vv. 1, 4, 5, 8, 11, 12); hipérbato (vv. 5/6); metonímia (v. 5 (Amor, o
Cupido, tomado pelo próprio sentimento do amor); antítese (estabelecida entre a atitude adjuvante da
Fortuna, na primeira quadra, e a de oponente, por parte do Amor, na segunda); apóstrofe (v. 9).

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