Você está na página 1de 3

Resenha Crítica

O documentário “Lost Kingdoms of Africa”, da BBC, lançado em 2010,


evidencia na prática, a partir do episódio “Great Zimbabwe”, o que o
historiador Djibril Tamsir Niane já tinha escrito no seu livro “História Geral da
África. Vol IV”, mais especificamente no capítulo “Relações de intercâmbio
entre as várias regiões”, quando explica as relações comerciais entre diversas
regiões da África e o mito da existência de locais isolados, com barreiras
intransponíveis de contato com outros povos. Nesse sentindo, Gus Cosley-
Hayford, historiador da arte e apresentador do curta, e Niane, acordam que
não é possível tratar de forma exaustiva todas as relações e conexões entre
regiões africanas, isso por conta da pouca informação sobre a história dos
reinos africanos e a falta de registros escritos. Mas, Cosley-Hayford embarca
no desafio de visitar, explicar e explorar, o grande reino, misterioso e secreto,
de Zimbabwe, para demonstram, na prática através de imagens, vídeos e o
contato com os locais, as múltiplas conexões comerciais, culturais e
linguísticas que a cidade mantinham com a África Meridional, com a costa
leste da África e até mesmo com o Oriente Médio e a China, exemplificando,
portanto, a tese do historiador Niane.

A priori, o documentário explica que a cidade de Zimbabwe foi encontrada em


1871, uma cidade de pedra, sofisticada, no meio da savana africana. Logo,
pela sofisticação e grandeza do reino não acreditaram que os africanos teriam
construído o local, os britânicos do século XIX, são um exemplo. Nas
discussões acerca da origem e sobre quem teria construído o lugar, as
hipóteses passavam desde os fenícios até a rainha de Sabá. No entanto, para
entender, de fato, como o reino se formou, as conexões, relações com outros
povos, o comércio e o intercâmbio de um região para outra, e assim
demonstrar a continuidade africana em Zimbabwe, Cosley-Hayford parte da
descoberta de uma moeda do reino de Kilwa Ksiwiani, encontrada no
Zimbabwe, esses dois extremos lucrativos ficam a 1.500 quilômetros de
distância. A partir daí, o historiador parte da costa do Swahili, e viaja por
vários reinos antigos nos quais é possível encontrar vestígios de arte,
cerâmica e artefatos de muitas regiões africanas, provando o contato entre as
regiões. Desse modo, portanto, Cosley-Hayford começa sua jornada por
Rhapta, junto com Felix Shami, historiador que estuda a costa do Swahali e
que apresenta evidencias sobre a existência da rota de Rhapta e o
fervescente comércio entre regiões, a partir de vários tipos de cerâmicas
encontradas, pertencentes a variados povos, inclusive da região da China.

Levando isso em consideração, outra importante cidade para o reino de


Zimbabwe é Manyikeny, a apesar do museu local ter pegado fogo, e ter sido
perdido assim artefatos importantes para a história daquela povo, a memória
local e o conhecimento adquirido permaneceram. Existiam muitas trocas
comerciais entre o reino de Zimababwe e a costa de Manyikeny, oura cobre,
contas de cristal e lâminas alicerçavam o comércio. Além disso, o ouro era
enterrado junto com os mortos, demonstrando a importância para além da
questão comercial e econômica, prática que também ocorria em Zimbabwe.
Outro ponto que demonstra a relação dos reinos, se encontra no fato de uma
espécie de grama, de Zimbabwe, ter sido levada para Manyikeny,
especialmente para a alimentação de gado. Finalmente, outro reino que teve
uma relação estreita e de continuidade com Zimbabwe, foi Mapungubwe, na
África do sul. Tal sociedade, deixou para trás uma coleção de ouro africano,
demonstrando a capacidade ourívera daquele povo no século XII. Assim,
como em Manyikeny muito do ouro era encontrado em túmulos,
demonstrando a importância para além do comércio. Ademais, um variação
de um jogo encontrado na África Ocidental, encontrado no reino, demonstra o
caráter dinâmico de relações de Mapungubwe e outras regiões. E a
continuidade da sociedade, está então, nas evidência que, após o colapso do
reino no século XIII, o povo Mapungubwe teria migrado para o norte e
fundado um reino ainda maior, mais rico e mais impressionante: Zimbabwe.

Assim sendo, o grande reino de Zimbabwe, é uma cidade medieval com uma
façanha arquitetônica extraordinária, além de um reino comercial cheio de
bens de troca, no qual, pulseiras, porcelanas, pérolas da China e do Oriente
Médio foram encontradas no reino, assim como bastante ouro. Inclusive, a
cidade de Kilwa Kisiwani consegiu sua riqueza vendendo para o resto do
mundo o ouro de Zimbabwe, sendo também, o ponto inicial de uma imensa
rede comercial da África Meridional até a costa de Swahilli, incluindo também
China, índia e Arábia. No entanto, toda essa rede de conexões faz parte de
um passado africano “perdido” e inviabilizado. Niane explica que:

A existência do Estado racista da África do Sul constitui um bloqueio à pesquisa,


mas com a independência da República do Zimbábue novas perspectivas se
abrem. (NIANE, 2009).

O curta, portanto, se esforça em colocar em prática a recuperação desse passado


africano exemplificando e elencando todos os pontos de partida e vestígios que
revelam as relações dinâmicas e de continuidade entre os povos africanos e seus
reinos. Paralelamente, argumentos acerca de barreiras intransponíveis como o
Saara ou as Savanas, que supostamente teriam impedindo as relações comerciais,
a pesar de não terem sido citados no curta, são comumente usadas para justificar a
falta de relações comerciais entre os reinos africanos, quando na verdade servem
como um subterfúgio para justificar a falta de interesse em pesquisas e estudos no
que diz respeito as relações comerciais, econômica e culturais na África.

Você também pode gostar