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Universidade Federal da Bahia

Aluno: Alberth Duarte Santos


Componente curricular: História da África I
Professor: Thiago Sapede

NIANE, Djibril T. Relações e intercâmbios entre as várias regiões in História Geral da


África. Vol. IV – A África do século XII ao século XVI. São Paulo: ed. UFSCAR/Unesco,
2010 (introdução).

“Entre 1100 e 1500, a África foi um parceiro privilegiado nas relações intercontinentais do
Velho Mundo. Tanto através do Mediterrâneo como através do oceano Índico, um comércio
intenso, mais frequentemente intermediado pelos muçulmanos, ligava a Europa e a Ásia ao
continente africano. Deve-se enfatizar que vários tipos de comércio organizado no interior da
África já existiam desde a pré-história. [...]” (p. 697)

“Parece que no plano econômico e comercial a África estava em plena expansão nos séculos
XIV e XV; mas os contatos com o Ocidente abertos pelo tráfico de escravos significaram a
interrupção de um impulso vigoroso, que teria mudado o curso da história da África, caso o
comércio se tivesse desenvolvido com mercadorias de fato. Grandes correntes de
intercâmbios culturais atravessaram o continente em todas as direções, confundindo-se por
vezes com as correntes de comércio. Não havia mais regiões isoladas, pois nem florestas nem
desertos constituíam barreiras intransponíveis. [...]” (p. 697)

“O papel do Islã, tanto na difusão de ideias como no comércio, foi de extrema importância à
época, como ilustram as viagens de Ibn Battūta para a China e pela África oriental e ocidental.
Nossos conhecimentos sobre as populações no período que ora tratamos muito devem aos
trabalhos dos geógrafos, viajantes e historiadores muçulmanos.” (p. 698)

“[...] mesmo quando se tornou desértico, o Saara nunca constituiu uma barreira. Afinal, não
era desabitado. Era a terra dos nômades, que mantinham contatos estreitos com os povos
sedentários do norte e do sul. Entre 1100 e 1500, o Saara serviu como zona de passagem
privilegiada, e pode-se dizer que esse período correspondeu à idade de ouro do comércio
transaariano. A partir do século X, o comércio de ouro da África ocidental com a África
setentrional desenvolveu-se com regularidade. O Saara foi comparado, com procedência, com
o mar: o Sahel sudanês e as fronteiras meridionais da África setentrional seriam seu litoral.
[...]” (p. 698)
“Os nômades, senhores do deserto, foram muito beneficiados pelo comércio transaariano, pois
as caravanas levavam-lhes cereais e tecidos em troca de carne, sal e água. Assim, os nômades
e os povos sedentários complementavam-se. As caravanas necessitavam de guias na
imensidão do Saara; estes lhes eram fornecidos pelos nômades, que conheciam as rotas e eram
pagos a preço de ouro. [...]” (p. 699)

“No século X, o rei de Gana era, segundo Ibn Hawkal,


o soberano mais rico da terra [...] possui grande riqueza e reservas de ouro, que tem
sido extraído desde tempos remotos em proveito dos reis que o antecederam e em
seu próprio benefício.” (p. 700)

“No Sudão, acumular ouro era uma antiga tradição, ao passo que em Gana o rei tinha o
monopólio sobre as pepitas encontradas nas minas:
Quando são descobertas pepitas de ouro nas minas do país, o rei reserva-as para si,
deixando o pó de ouro para seus súditos. Se não fizesse isso, o ouro seria abundante
e se depreciaria [...] Diz-se que o rei possui uma pepita do tamanho de uma grande
pedra. ” (p. 700)

“No entanto os sudaneses sempre mantiveram os muçulmanos na mais completa ignorância


quanto à localização das minas de ouro e à forma de explorá-lo. O mansa Mūsā I, sem mentir
e fornecendo várias explicações, inclusive sobre a exploração das minas, não deu maiores
esclarecimentos aos habitantes do Cairo que lhe fizeram perguntas sobre seu fabuloso
império” (p. 700-701)

“O sal teve um papel preponderante no comércio transaariano, bem como no de outras regiões
africanas. Muitos dirigentes da África ocidental constantemente tentaram abaixar seu preço7 .
Oficiais alfandegários controlavam rigorosamente as exportações e importações de sal. As
minas de Teghazza supriam os mercados do Sudão ocidental; as regiões do rio Senegal
obtinham sal-gema em Awlil, mas a distribuição desse sal dificilmente ultrapassava o interior
da curva do Níger.” (p. 701)

“O sal era muito caro no Sudão. O preço era quatro vezes maior em Niani e Walata;
provavelmente os povos da floresta pagavam-no ainda mais caro.” (p. 702)

“O cobre também era artigo importante no comércio da África ocidental e de outras partes do
continente. Pesquisas de anos recentes começam a revelar as formas mais antigas do comércio
do cobre na África ocidental.” (p. 702)
“Alguns autores tentaram atribuir importância injustificada à exportação de escravos para os
países árabes. No período ora estudado, esse comércio não constituía uma hemorragia, pois o
que mais interessava aos árabes no Sudão era o ouro, cuja necessidade para cunhagem se fazia
urgente ao redor do Mediterrâneo. [...]” (p. 703-704)

“O tráfico transaariano de escravos, se foi permanente do século VIII ao XVI, nunca


ultrapassou certo limite. Para alimentar esse comércio, os soberanos guerreavam com o sul,
preferindo poupar as reservas disponíveis em seus Estados.” (p. 704)

“Como resultado do comércio transaariano, muitos árabo-berberes se esta- beleceram nas


cidades do Sudão – Walata, Niani, Tombuctu e Gao, entre outras25; a maioria dessas cidades
tinha um bairro árabe. Os casamentos criavam laços de parentesco que os genealogistas
sudaneses adoram deslindar. Os historiadores ainda discutem se foi pelo contato com os
árabo-berberes que se introduziu a filiação patrilinear no Sudão. Na época do Império de
Gana, a sucessão ao trono não era por linha direta, mas colateral; o herdeiro era sempre o
sobrinho do rei (o filho de sua irmã). Foi difícil para o Mali do século XV aceitar a sucessão
direta (de pai para filho)26. A influência muçulmana não foi um fator decisivo nesse caso em
particular. Se examinarmos as regiões florestais do sul, vamos encontrar dois tipos de
descendência, e é difícil falar de influência islâmica no Congo a essa época.” (p. 706)

“A islamização da África negra nesse período não se deu pela violência, mas pacificamente,
pela influência dos comerciantes árabo-berberes, os Wangara e os Haussa. Além do episódio
belicoso dos Almorávidas, houve poucas guerras com o objetivo de propagar o islamismo. A
nova religião levava em conta as antigas práticas das sociedades tradicionais; mas Ibn Battūta
admirou a devoção dos muçulmanos negros, sua assiduidade às orações e sua fidelidade ao
culto coletivo, obrigando mesmo seus filhos a seguirem seu exemplo. Os Wangara, sempre
indo de aldeia em aldeia, construíram mesquitas em vários centros comerciais, como marcos,
ao longo das rotas das nozes-de-cola. Em virtude da tolerância tradicional dos negros, podiam
orar até nas aldeias pagãs.” (p. 706)

Ao estudar as relações entre a África ao sul do Saara e o Mediterrâneo, os historiadores


concentraram-se particularmente no Sudão ocidental, devido às numerosas fontes naquela
parte do continente. Muitos viajantes árabes, entre os quais Ibn Hawkal e Ibn Battūta, foram
ao Sudão pelas rotas ocidentais. No entanto o Sudão central e os países da bacia do lago
Chade também estabeleceram relações ativas com o Magreb, a Líbia e o Egito. Durante o
período que estudamos, nessa região encontravam-se grandes conglomerados políticos, como
o reino do Kanem-Bornu, enquanto as cidades haussa conduziam um comércio florescente
entre o lago Chade e o Níger. (p. 707)

“Até há pouco tempo, a floresta era considerada meio hostil para todas as formas de
estabelecimento humano; particularmente densa, a floresta equatorial era descrita como uma
barreira semelhante ao Saara, senão mais hostil. Agora se sabe que a floresta não deteve nem
os povos em migração nem as técnicas e ideias.” (p. 708)

“Os geógrafos árabes, inclusive Ibn Sa‘Īd e Ibn Khaldūn, achavam que o deserto começava ao
sul da savana. Os povos da savana, que poderiam ter esclarecido os árabes, preferiram calar-se
sobre a região que fornecia grande quantidade do ouro negociado nas cidades sudanesas;
entretanto o mansa Mūsā I deixou bem claro no Cairo que tinha grandes lucros com o cobre
que explorava. [...]” (p. 708)

“Ainda hoje numerosas questões se colocam para as pesquisas. Pergunta-se, por exemplo,
como eram coletados os produtos exportados das regiões litorâneas ao mundo muçulmano e à
Ásia, que tipo de organização existiu nesses séculos para o comércio de marfim ou de peles de
animais selvagens, cuja importância nos períodos mais remotos e nos mais recentes
conhecemos, mas dele pouco sabemos no que diz respeito ao período aqui estudado. Havia
redes de transporte regulares para tais produtos? Por quais intermediários passavam? Que
artigos iam, em troca, da costa oriental para o interior do continente? Sendo possível
estabelecer comparações com a África ocidental, onde há evidência dessas importações, pode-
-se perguntar que parte das importações de tecidos realizadas pelos centros comerciais
costeiros era redistribuída no interior.” (p. 711-712)

“Hoje sabemos com certeza que a exploração do cobre em algumas regiões da África
meridional começou nos primeiros séculos da era cristã50. O metal era extraído
principalmente de sítios de Shaba, no noroeste da atual República de Zâmbia, no planalto
central do Zimbábue e, em menor escala, no alto Limpopo. As descobertas arqueológicas e as
datações obtidas nos últimos anos não deixam dúvidas a respeito do comércio de longa
distância de barras, cruzetas ou ligas de cobre.” (p. 716)
“Conhece-se bem a pré-história dessas regiões graças aos trabalhos dos pesquisadores anglo-
-saxões, mas o obscurecimento predomina quando se aborda o período histórico. Tudo se faz
para negar aos negros a paternidade das culturas florescentes que lá se desenvolveram antes
de 1500.” (p. 719-720)

“Elementos recolhidos aqui e ali provam, no entanto, que essas civilizações estiveram
interligadas e apresentam uma unidade incontestável. [...]” (p. 720)

Comentário
O texto do fichamento foi escrito pelo historiador guineense Djibril Tamsir Niane, e
publicado no ano de 1984. O capítulo tem como objetivo a desconstrução da ideia de atraso
ou até mesmo inexistência de uma estrutura comercial na África, o autor dá nota a vários
processos econômicos e socioculturais no continente africano. Niane apresenta argumentos e
referências baseadas principalmente em textos publicados entre a década de setenta e oitenta,
também são apresentados mapas do território em questão que apresentam rotas de circulação e
comércio. O escritor faz uso de diferentes concepções em variadas formas do conhecimento,
abarcando áreas como: economia, política, história e geografia. O texto acaba por se fazer
importante numa estrutura geral pois desfaz e derruba certos paradigmas criados a respeito da
África ao mesmo tempo que trás informações e dados relevantes para entender o continente
no período apresentado, ao mesmo tempo que não se mostra tão autoexplicativo e em muitos
momentos é em certa medida difuso.

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