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Tecnologia
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. .o
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Projeto Trilhos Marinhos – uma abordagem


de ambientes não-formais de aprendizagem
através da Metodologia de Projetos

Cacilda Lages Oliveira 1


Dácio Guimarães de Moura2

Este trabalho relata parte da experiência de um projeto intitulado Trilhos Marinhos, realizada nos trilhos da estrada
de Ferro Vitória a Minas e em uma estação de Biologia Marinha, com estudantes da 2ª. Série do Ensino Médio do
Colégio Logosófico González Pecotche, de Belo Horizonte. Nesta prática, destacamos indícios que apontam os
Ambientes Não Formais de Aprendizagem como um fator de motivação, contextualização dos conteúdos curriculares
e educação estética, no processo ensino e aprendizagem.

PALAVRAS-CHAVE: AMBIENTES NÃO FORMAIS DE APRENDIZAGEM;


METODOLOGIA DE PROJETOS;
ENSINO DE BIOLOGIA;
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS.

1 INTRODUÇÃO O s PCNs orien t am t am bé m p ara um e ns in o


interdisciplinar e contextualizado, que valorize o raciocínio
e a construção do conhecimento pelos agentes envolvidos,
priorizando menos a memória, o receber e aceitar tudo pron-
to nessa posição submissa, tradicional de nossos alunos. O
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) suge- ensino da Biologia não deve reduzir-se a tópicos desenvol-
rem que o ensino de Biologia precisa ir além dos conteúdos vidos em um conhecimento fragmentado, sem uma visão
curriculares transmitidos aos alunos, na maioria das vezes complexa da vida em todos os seus aspectos. Deve desen-
dentro do espaço limitado das salas de aula e reduzido a volver curiosidade e gosto de aprender nos alunos, prati-
uma transmissão livresca. Os módulos disciplinares preci- cando o questionamento, investigando, levantando hipóte-
sam ser contextualizados e aprofundados com um debate ses, avaliando resultados.
ético sobre origem, significado e manutenção da vida. Pela Port anto torna-se necessário o planejamento de
Biologia perpassam questões atuais e polêmicas como a da
atividades pedagógicas que coloquem o aprendiz de Bi-
transgenia, clonagem, técnicas de reprodução, questões
ologia em contato com o seu objeto de estudo: o f enô-
ambientais que envolvem nossa qualidade de vida. É neces-
meno da vida em todas as suas formas de manifestação,
sário que, na escola, o aluno seja motivado a um pensar e a
quer num ambiente natural ou reproduzido em labora-
uma investigação constante, para que essa ciência adquira
tórios de ciências, salas de informática, tv, entre outros.
o seu mais puro sentido de estudo da vida.
Uma das tarefas do professor é selecionar conteúdos e
O conhecimento de Biologia deve subsidiar o julgamento de adequar metodologias de ensino que permitam ativida-
questões polêmicas, que dizem respeito ao desenvolvimento, ao des variadas e estimulem a criatividade e o interesse dos
aproveitamento de recursos naturais e à utilização de tecnologias alunos. É conveniente que se criem ou sim ulem situa-
que implicam intensa intervenção humana no ambiente,
cuja avaliação deve levar em conta a dinâmica dos ecossistemas,
ções em que os alunos sejam solicitados a relacionar o
dos organismos, enfim, o modo como a natureza se comporta conhecim ent o teórico e sua aplicação a situações de
e a vida se processa (PCNs, 1999, p. 219). prát ica comum.

É preciso que as metodologias para o ensino de Biolo- Mais do que fornecer informações, é fundamental que o
gia estejam voltadas à formação de habilidades fundamentais ensino de Biologia se volte ao desenvolvimento de competências
nos alunos, como: pesquisa, leitura crítica para que possam que permitam ao aluno lidar com informações, compreendê-
formar opiniões, argumentar e agir em diferentes situações, las, elaborá-las, refutá-las, quando for o caso, enfim
compreender o mundo e nele agir com autonomia, fazendo
fazer escolhas conscientes, além de estarem preparados para o uso dos conhecimentos adquiridos da Biologia e da tecnologia
convívio social harmônico e cidadão. (PCNs, 1999, p. 225).

1
Mestranda em Educação Tecnólogica (CEFET/MG). Professora de Biologia da rede particular e pública de Belo Horizonte . clo-@terra.com.br / clolages@hotmail.com .
2
Professor dos cursos de engenharia e mestrado do CEFET-MG. Doutor em Educação. Av. Amazonas, 7675 - CEP.: 30.510-000 - BH/MG - dacio@dppg.cefetmg.br .

Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.10, n.2, p.46-51, jul./dez. 2005


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A necessidade de uma educação ao longo da vida ment e a esta e complementando lacunas deixadas pelos
exige que se investiguem diferentes formas de aprendiza- ambientes formais.
gem nos diferentes domínios de conhecimento. Para isso, No Brasil, a educação em espaços não-formais
será importante a integração de diversas áreas de aprendi- ainda se destaca nos trabalhos voltados para a popula-
zagem formais, informais e não formais. Só assim poder-se- ção mais pobre, s endo na maioria das vezes financiada
á satisfazer a necessidade das pessoas, de educação contí- pelo setor público e pela sociedade civil, organizações
nua e diversificada, favorecendo a aquisição de conheci- não governamentais (ONGs) e grupos religiosos. Tam-
mentos, competências e habilidades. E os ambientes não bém é forte a atuação da educação não-formal em ações
formais de aprendizagem apresentam-se como locais agra- relativas a quest ões que envolvem a ecologia e proble-
dáveis de troca de experiências, de formação de grupos, de mas com o meio ambiente.
proximidade, de brincadeiras e de jogos, favorecendo as- Do ponto de v is t a ped a g óg ico, es s es es p a ços
sim a aprendizagem. d e ed u ca çã o s us t en ta m o p rin c íp io de a prend iza ge m
Este artigo apresenta uma experiência interdisci- c olab ora t iv a, ap oia da em u m c onhec i me nt o c omp ar-
plinar no ensino da Biologia, realizada com 48 alunos da 2ª. t i lh a d o, a pa rt ir da s e x pe ri ê nc i a s p e s soa is d e al u-
Série do Ensino Médio do Colégio Logosófico González n os e profe ss ores , e n a ap ren d iz ag e m me d ia d a qu e
Pecotche, de Belo Horizonte, indicando indícios da riqueza s e c on st rói .
que há na exploração de ambientes não-formais de apren- O ambiente não-formal permite aos alunos uma
dizagem em um projeto escolar. aprendizagem através da prática, da vivência, do fazer, do
A fundamentação teórica está baseada na Metodo- observar o que eles iriam receber pronto no ambiente for-
logia de Projetos e na concepção sobre Ambientes Não-For- mal, a escola. Constitui-se como
mais de Aprendizagem.
“(...)um local onde todos têm espaço suficiente para
experimentar atividades lúdicas, estas entendidas como tudo
aquilo que provoque e seja envolvente e vá ao encontro de
interesses, vontades e necessidades de adultos e crianças.”
(SIMSON, 2001, p.10)
2 CONCEPÇÕES DE AMBIENTES NÃO-FORMAIS DE
APRENDIZAGEM O que diferencia a educação formal da não-formal e infor-
mal é que, segundo Afonso apud Simson; Park; Fernandes
(2001, p.113),

“a e ducação forma l é o rganizada em determi nada


seqüência e acontece na escola; a informal são todas as
O estudo sobre as práticas educativas presentes em possibilidades educativas no decurso da vida do indivíduo,
Ambientes Não-Formais de Aprendizagem é recente e tem de forma permanente e não organizada.”
se destacado pela variedade de formas de atuação em mani-
festações públicas, como as feiras de ciências, museus de A educação não-f ormal tem a int enç ão de criar e bus-
ciências, parques temáticos, laboratórios, empresas, incu- car am bientes e aplicar m etodologias que perm itam
badoras de empresas. Como prática educativa, esse tipo ao aluno adquirir ou aprimorar s eus conhecimentos,
experiência destaca a voluntariedade de participação, a de uma forma lúdica, criat iva e participativa. São es-
inexistência de avaliação de aquisição de conteúdo e a paços de aprendizagens não res tritos ao lim ite da sala
indefinição de um público organizado por faixa etária ou de aula onde ocorre a relação f echada ent re profes-
nível de aprendizagem. sores e alunos, mas abertos a todas as possibilidades
Esta aprendizagem em ambientes fora dos muros da e int erações.
escola, segundo Gonh (2001), na década de 70 estava vol- A interação, a troca de conhecimentos e experiên-
tada para subgrupos particulares da população, usada para cias, o des ejo de alunos e professores de aprenderem
a compreensão da leitura e da escrita, campanhas de alfa- juntos sobre temas específicos podem ser o catalisador
betização de adultos e jovens à margem da sociedade, tra- para a mudança em direção a esta educação e somam em
balhos comunitários, treinamento vocacional ou técnico, m u it o à o b ri g a t or ie d a de e d u c a t i v a im po s t a pe l a s
educação básica, planejamento familiar, entre outros. Já na metodologias clássicas de ensino.
década de 90, a aprendizagem não-formal ganhou uma nova Neste e em outros projetos de ensino que de algu-
conotação, decorrente das mudanças sociais, econômicas ma forma envolveram os ambientes não-formais, pareceu-
e no mundo do trabalho. Diante de um mercado de traba- nos terem eles um forte caráter motivador e afetivo que
lho cada vez mais competitivo, que começava a exigir uma desperta no aluno o querer aprender. Nesses ambientes, o
nova postura dos empregados - como criatividade, pronti- aluno pode envolver-se diretamente com o objeto de estu-
dão, capacidade de trabalhar em equipe, capacidade de do, tornando-se um coadjuvante na aquisição do conheci-
solucionar problemas, visão sistêmica e global de toda mento. Vários ambientes não-formais são hoje objetos de
empresa - tornava-se necessária a formação de funcio- estudos, entre eles museus, feiras científicas e tecnológicas,
nários com este perfil. A aprendizagem institucionalizada laboratórios abertos a pesquisas dos alunos, ambientes
que reproduzia nas escolas o m odo de produção capita- virtuais, parques ecológicos e temáticos, entre outros. Em
lista industrial passou a ser repensada e a educação não- todos eles é detectado que os alunos aprendem através da
formal começou a ser valorizada por conseguir abran- prática, da vivência, do fazer, da percepção do objeto de
ger a aquisição de conheciment os em ambientes que ul- estudo através dos sentidos, além de permitirem aos alu-
trapassavam os espaços da escola, ocorrendo paralela- nos a prática da vida em grupo.

Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.10, n.2, p.46-51, jul./dez. 2005


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3 CONCEPÇÕES DA METODOLOGIA DE PROJETOS to. É preciso avançar para novas formas de ensinar e apren-
der, e estas formas, com certeza, envolvem recursos em
ambientes que se distinguem dos da própria escola.
A aplicação da metodologia de projetos tem uma for-
te ligação com os ambientes não-formais de aprendizagem.
A experiência com projetos nas escolas tem se mos- Nos trabalhos com projetos, os ambientes não-formais de
trado eficiente no desenvolvimento das inteligências múlti- aprendizagem parecem se constituir em atividades favorá-
p la s, n o t ra ba lh o c om os cont e úd os a tit udinai s e veis à aquisição de saberes e desenvolvimento de práticas do
procedimentais, além de permitir que o conhecimento pas- processo de ensino e aprendizagem e apontam para a
se a ser tratado como uma rede de significados. Segundo multiplicidade de áreas e formas de aprendizagem disponí-
Hernandez (1998), na prática do trabalho com projetos os veis, à margem do sistema formal de ensino.
alunos adquirem a habilidade de resolver problemas, arti-
cular saberes adquiridos, agir com autonomia diante de di-
f erentes situações que são propos tas, dese nvolv er a
criatividade e aprender o valor da colaboração.
O caráter investigativo que há no trabalho com pro- 4 EXPLORAÇÃO DE AMBIENTES NÃO-FORMAIS EM UM
jetos caracteriza-se como estratégia para abordar e investi- PROJETO ESCOLAR - INDÍCIO DE EFICÁCIA NO
gar problemas que vão além da compartimentação discipli- PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM
nar e assumem o aspecto de complementariedade de sabe-
res e não de disciplinas. Ao abordar o trabalho com proje-
tos na construção do conhecimento escolar, valorizamos
uma prática pedagógica que estimula a iniciativa dos alunos
através da pesquisa, desenvolve o respeito às diferenças Uma parte desse Projeto interdisciplinar Biologia e
pela necessidade do trabalho em equipe, incentiva o saber Geografia, intitulado em 2004 Trilhos Marinhos, foi desen-
ouvir e expressar-se, o falar em público e o pensamento volvida em uma viagem no trem da Companhia Vale do Rio
crítico autônomo. Esta autonomia, que vai sendo conquis- Doce (CVRD) ao litoral do Espírito Santo. A intenção era
tada através da pesquisa, com toda a diversidade de cami- explorar estes dois ambientes não-formais de aprendizagem
nhos percorridos e as competências que os alunos vão de- (a estrada de ferro e suas paisagens físicas, humanas, soci-
senvolvendo através de tal prática, visa a promover sua ais e o ecossistema marinho) para o desenvolvimento de
autonomia intelectual. Esta abordagem contempla uma re- conteúdos das duas disciplinas, complementando o espaço
lação diferente com o conteúdo: em vez de partir dele, como formal, a escola e interagindo com ele para um melhor tra-
no modelo tradicional, transmissor e informativo, parte-se balho educativo.
de um desafio, o qual, para ser resolvido, exige a incorpora-
ção de novos conteúdos pelos alunos. Estes saem da posi- Nesse sentido, é importante salientar que o campo da
ção de espectadores passivos e se colocam como especta- educação não escolar (informal e não formal) sempre coexistiu
dores que querem participar, criar, modificar. E o professor com o campo da educação escolar, sendo mesmo possível
imaginar sinergias pedagógicas muito produtivas e constatar
t ambém t ransit a do transmissor centralizador, para o experiências com interseções e complementariedades várias
facilitador ou mediador da aprendizagem, papel fundamen- (AFONSO apud SIMSON; PARK; FERNANDES,
tal em atividades com metodologia de projetos e em ambi- 2001, p.31).
entes não-formais de aprendizagem, partindo do princípio
que mediar é negociar, equilibrar, ajustar. Ele está mais pre- A Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) foi criada
sente, mais envolvido com os alunos e seus processos de a partir da necessidade de escoamento de produtos de Mi-
aprendizagem, à medida que auxilia nas decisões, sugere nas Gerais através do Espírito Santo e foi incorporada em
alternativas, indica fontes de pesquisa, procura adequar 1942 à CVRD, que a utiliza para o transporte de cargas,
técnicas, negocia e concilia. principalmente minério e transporte de passageiros. Por seus
Nas salas de aula, o controle ainda é muito centrali- trilhos, circula cerca de 40% de toda a carga ferroviária do
zado, a comunicação flui sempre do professor para o alu- país. Nosso objetivo nesses trilhos era mostrar aos alunos
no, as aulas são lineares, o ritmo e a direção são ditados aspectos do relevo, clima, vegetação dos territórios minei-
pelo professor, com mínima ou nenhuma interferência dos ro e capixaba, ações antrópicas ao longo da ferrovia, discu-
alunos. A informação essencial é pré-selecionada em um cur- tir as condições encontradas nos vales dos rios das Velhas e
rículo, um programa de curso, e levada aos alunos de forma Doce, observar a ocupação humana ao longo do percurso,
seqüencial, em aulas “expositivas”, livro didático, mapas, descrever as atividades econômicas encontradas ao longo
transparências e outros recursos. Organizada dessa manei- da ferrovia, discutir os impactos da construção da Usina
ra, a informação é apresentada em um único nível de profun- Hidrelétrica de Aimorés, entre outros. Ao longo do trajeto,
didade, não estimulando o aluno a buscar níveis mais com- cerca de 13 horas, os alunos fizeram anotações, conversa-
plexos ou mais detalhados. Não é indicada, ao aluno, nenhu- ram com outros viajantes do trem, com os funcionários da
ma condição para procurar outros caminhos fora dessa CVRD, com moradores das cidades onde o trem parava; dis-
linearidade pronta de transmissão de conteúdos. cutiram entre eles e com os professores os aspectos que iam
O trabalho com projetos quer mais do que romper identificando, com o propósito de conhecer e reconhecer,
com as velhas aulas expositivas, lineares e unidirecionais, nessa porção do país, as suas características gerais. Antes da
pouco interativas e pobres de estímulos: propõe um viagem, músicas, poesias, textos e mapas foram instrumen-
envolvimento de alunos e professores com o conhecimen- tos usados como desencadeadores dessas observações. Neste

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espaço, optou-se por trabalhar dentro das linhas de aborda- na classe econômica do trem, a qualidade de vida das pes-
gem da Geografia da Percepção, que enfatiza a exploração soas do interior, a pesca predatória, a urbanização de áreas
das experiências geográficas dos seres humanos, baseada impróprias, como nos arredores de um manguezal. Na esta-
nos estudos do pensador Yi-Fu Tuan (1983). ção da cidade de Itueta, eles puderam entender o sofrimen-
Na estação de Biologia Marinha no litoral capixaba, to dos moradores que teriam a cidade inundada para a cons-
o objetivo era entrar em contato com aspectos do ambien- trução da hidrelétrica de Aimorés, transportando, em peda-
te e adquirir conhecimentos científicos necessários para ços de tijolos e madeiras velhas de suas casas, o símbolo de
compreender o equilíbrio da enorme biodiversidade pre- suas recordações. Momentos como esses nos mostraram
sente em um ec os sistema marinho. Abordar temas da uma relação dialética na construção de uma ponte entre a
morfologia e fisiologia dos grupos de animais marinhos, educação formal e a não-formal.
distribuição e interações ecológicas desses organismos, A principal questão que subsidiou este trabalho foi
inclusive com os seres humanos. a de identificar aspectos que caracterizassem os dois ambi-
Na estação de Biologia Marinha, foram feitas obser- entes analisados como não-formais e as suas contribuições
vações no mar, estudando a morfologia e o comportamento para a educação formal, além de resgatar desses ambientes
de seres vivos encontrados, anotando resultados, obser- os aspectos lúdicos e afetivos que contribuem para o pro-
vando detalhes ao microscópio. Cada nova descoberta era cesso de ensino e aprendizagem.
motivo de muita vibração dos alunos, todos queriam apren- Para responder a essas questões, foram utilizados
der o máximo que pudessem, e sabiam socializar seus no- como instrumento para coleta de dados: entrevistas não
vos conhecimentos. Neste ambiente era importante que eles estruturadas com os alunos, buscando em suas falas aspec-
apresentassem algumas habilidades, como observação e tos para as categorias em análise; um questionário dirigido
paciência, para que os seus estudos fossem completos. a eles e aplicado após o retorno a Belo Horizonte, levantan-
Uma idéia central, que foi desenvolvida nesse Proje- do aspectos sobre o que significou estudar em ambientes
to Trilhos Marinhos, baseada nas concepções de Capra formais e não-formais, as vantagens e desvantagens de am-
(1996) e Margulius (2001), foi a do equilíbrio dinâmico da bos; além das observações diretas e constantes registros
vida, com as permanentes interações entre os seres vivos e nos ambientes indicados para análise.
os demais elementos do ambiente. Desenvolveu-se também Dessa experiência de trabalho foi possível colher al-
a idéia de que o aprendizado acadêmico deve permitir a guns resultados que apontam para o resgate dos ambientes
compreensão de que a ciência não tem respostas definiti- não-formais de aprendizagem, não apenas para o desenvolvi-
vas para tudo, sendo uma de suas características a possibi- mento de atividades de grupos específicos em trabalhos dis-
lidade de ser questionada e de se transformar, como aponta tintos dos desenvolvidos fora da escola, mas para desenvolvi-
Prigogine (1996). Nessas práticas pedagógicas, resgatou-se mento de atividades escolares nas mais diversificadas áreas.
em Moura (1993, p.265), “a interação do indivíduo com os Destacamos alguns dados relevantes que, na nossa
objetos e fenômenos que compõem o mundo físico, natural avaliação, sinalizam os resultados positivos alcançados atra-
e tecnológico, que o rodeia e do qual ele faz parte”, procu- vés da realização deste projeto: o clima de integração do
rando enfatizar a “educação estética”, que engloba a per- grupo que favoreceu o desenvolvimento dos trabalhos e o
cepção de valores e a sensibilidade humana. O aspecto compromisso dos alunos com as atividades propostas. Uma
lúdico existente nessa proposta destaca-se como o propul- grande parte deles aumentou significativamente sua carga
sor da afetividade no processo de ensino e aprendizagem. A de leitura. Ampliaram a vivência nos diferentes espaços de
partir daí tornou-se possível chegar ao objetivo proposto aprendizagem (bibliotecas, Internet, televisão e os vídeos
nos PCNs, de desenvolver documentários), qualificando mais a forma de realizar suas
pesquisas e construir uma aprendizagem significativa.
“...posturas e valores pertinentes às relações entre os seres Na perspectiva do trabalho em equipe, destacamos
humanos, entre eles e o meio, entre o ser humano e o o alcance de metas realizadas coletivamente, a democrati-
conhecimento, contribuindo para uma educação que formará zação das participações nos diferentes espaços do ambien-
indivíduos sensíveis e solidários, cidadãos conscientes dos
te e colaborações individuais e coletivas dos grupos de tra-
processos e regularidades do mundo e da vida, capazes
assim de realizar práticas, de fazer julgamentos e de tomar balho. Avançamos na tradicional formação de “grupos”, que
decisões.” (PCNs, 1999, p. 226). geralmente não passam de união de alunos, montados arbi-
trariamente ou pelas afinidades desses, cuja abordagem é a
Para garantir a aprendizagem nos ambientes esco- fragmentação das tarefas. Na idéia proposta, a colaboração
lhidos, tornou-se necessário: definição em comum de nor- foi um caminho voluntariamente escolhido pelo grupo para
mas, valores e comportamentos dos participantes; objeti- a obtenção de melhores resultados com relação às tarefas,
vos comuns a todos; trabalho em equipe; aprendizagem desafios e aos problemas que foram colocados.
colaborativa; interação permanente; professores com o Nos processos avaliativos, valorizaram-se os deba-
papel de orientadores; elaboração ativa de conhecimentos tes que privilegiaram novas leituras, interpretações, associ-
e significados; centralização dos resultados a serem alcan- ações e críticas em espaços formais, não formais e infor-
çados e apresentados ao fim do projeto. mais, além de suporte aos estudos individuais:
Em vários momentos, nesses ambientes não-formais,
“Na minha opinião, a principal diferença entre o ambiente
percebeu-se que determinadas questões recorrentes, rela- da viagem e o nosso aqui no colégio é a cobrança. Porque
cionadas com temas sociais, estavam se explicitando. Den- aqui o que mais importa é a nota que nós vamos tirar ou
tre estas, cabe destacar aquelas relacionadas com a prática se vamos conseguir passar no vestibular, e por isso somos
da cidadania, o que possibilitou, já de volta à sala de aula, cobrados o tempo todo. Lá, não. Lá o que importava
discussão ampliada dos assuntos, como a pobreza por eles era que fixássemos a matéria sem a preocupação que
ela fosse cobrada depois. Eles queriam que a gente
observada em várias estações ao longo da ferrovia, a cultu- aprendesse porque isso é bom, não para nos cobrar
ra e os valores das pessoas simples com quem conviveram depois”. (Aluna 2ª.série/2004)

Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.10, n.2, p.46-51, jul./dez. 2005


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“Adorei essa integração entre os dois ambientes, pois tudo Com a execução do projeto Trilhos Marinhos, verifi-
o que aprendi nas salas de aula em Belo Horizonte, como cou-se a forma espontânea e livre, rica em reflexões e
estava acostumada, foi exemplificado e melhor fixado ao
poder penetrar no real, tocar e observar o que era apenas criatividade, de conhecimentos construídos por meio de
uma teoria. Sei que não é possível trazer os mares e metodologias apropriadas a ambientes propícios. Culminar
montanhas para o colégio, por isso são interessantes projetos este projeto com os trabalhos de exploração nesses dois
como esse, que nos tiram do fictício e nos levam para o real. ambientes não-formais de aprendizagem tornou-se funda-
Sei que é impossível trazer o passado estudado, por exemplo,
na História, mas a alegria, a disposição para as aulas
mental para que os alunos pudessem aprimorar e até mes-
podem ser trazidas em um filme, peças de coleção, entre mo construir novos conhecimentos, através da prática, da
outros”. (Aluno 2ª. série/2004) exploração pelos sentidos, observação, oralidade, vivência
em ambiente e tempo real, tudo o que haviam realizado em
“Em um ambiente não-formal você se sente mais livre, suas pesquisas e nas aulas expositivas.
aprender fica muito mais prazeroso. Acho que você até pode Um trabalho desse porte só poderia realizar-se com
aprender mais na sala de aula, mas talvez não seja aprender
e sim só receber informações. Aprender vendo as coisas, podendo
a qualidade desejável, se fosse efetivado por uma equipe
sentir como elas são, não tem nem comparação. A liberdade interdisciplinar, pois comportava exigências diversas que
e alegria de um ambiente não-formal fazem muito bem para a formação de um só especialista obviamente não con-
a gente, não só como aluno, mas como seres humanos templava.
também”. (Aluno 2ª. série/2004)

Tendo como base as relações sócio-afetivas, estes am-


bientes não-formais de aprendizagem indicam ser um espaço
plausível para que ocorram aprendizagens significativas: 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

“ Além do conteúdo de Biologia e Geografia, levo dessa


viagem a certeza das velhas amizades, a alegria de ter
formado novas. A diferença de olhar para o mar e qualquer
outro ecossistema e perceber a grandeza e a diversidade ali Corroborou-se a idéia de que, para o estudo da
presente. E principalmente levo a certeza de que eu posso Biologia e da Geografia, a utilização dos ambientes reais
fazer a diferença e que o que eu aprendi deve ser passado a j ud a a t orn a r a a p re n d iz a g e m m a is s a t is f a t óri a e
para frente”. (Aluna da 2ª.série/2004) prazerosa, e confirmou-se a necessidade da utilização dos
conhecimentos práticos como forma de conteúdo escolar.
Nesses ambientes, ficou reforçada a proposição de Com um bom planejamento, podem-se alcançar altos índi-
que o ambiente não-formal é um espaço lúdico, que desper- ces e níveis de produtividade no aprendizado, tornando-o
ta nos alunos o querer aprender: concreto e gratificante, podendo, assim, conduzir experi-
ências positivas e memoráveis do conteúdo escolar em
“O ambiente não-formal, trem, praia, mangue, foi o que contato com a natureza.
nos motivou ainda mais a aprender... Todos estavam
realmente felizes e muito interessados nos estudos, o que não Nesses dois ambientes, pôde-se constatar um alto
é uma coisa muito comum de se ver em sala de aula. No índice de interesse e de absorção do conhecimento de for-
ambiente formal, às vezes rolam até aqueles lances de ma lúdica e eficiente. Assim como nos museus, nas salas de
obrigação; no não-formal eu prestei atenção e quis aprender. aula interativas, nas feiras de ciências, a estrada de ferro e
Estava achando tudo ótimo. Uma coisa é a professora
tentar desenhar uma lesma do mar no quadro e dar uma o ambiente marinho ofereceram uma absorção mais fácil
aula a partir do desenho, outra completamente diferente, é do conhecimento, porque inseriram os estudantes no cam-
pegar no bichinho e ver que ele é de verdade, que não é só po, no cotidiano, permitindo-lhes enxergar a realidade de
teoria. Acho que nunca mais vou esquecer da parte teórica
que aprendi neste projeto devido ao fato do contato que tive diversos pontos de vista. Ao utilizar estes ambientes de
com o meio”. (Aluna da 2ª. série/ 2004) forma eficaz, pôde-se aprimorar a fonte de conhecimen-
tos para os estudantes, levando-os para a realidade local,
“Para mim a diferença entre o ambiente formal e não- redirecionando-os de uma condição de mero espectador
formal é a forma como o conteúdo é ensinado. No formal em um conhecim ento abstrato para um ator que es tá
só se aprende a teoria, anotada nos cadernos ou lidas em
livros. Já no não formal podemos ver como os animais interagindo com a condição do conhecimento real.
vivem, alimentam, sentir sua textura, etc. Na minha
o pi niã o, a aula n o am bi ente não- fo rmal m e d á
oportunidade de aprender muito mais e melhor que o
formal, porque estamos em contato com o conteúdo, e
muitos nos marcam por ser algo novo e diferente, despertando
nossa curiosidade e conse qüentemente a vontade de
6 ABSTRACT
aprender .(Aluna 2ª. série/2004)

O que mais me surpreendeu foi minha vontade de tocar,


ver e entender cada bichinho, cada planta, cada ser vivo
que era antes, para mim, motivo de nojo e medo!” This project talks about part of an experiment of a
(Aluna2a.série/2004) project called “Trilhos Marinhos” that was done in the
railway Vitória Minas and at an Ocean Biology station with
“Nos ambientes não-formais não há aquele “stress” do colégio high school students that were 16 and 17 years old. In this
com horários, sinal, normas, e então acho que o ambiente de experiment we call attention to the facts that show the non
estudo fica mais gostoso e acaba ficando mais fácil aprender.
O único problema que vejo em ambientes assim é a distração, formal enviroments of learning as a way of motivation,
que ocorre na sala de aula também, mas que aqui pode ser contextualization of the curriculum subjects and esthetics
mais freqüente. (Aluno da 2ª.série/2004) education in the process of teaching and learning.

Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.10, n.2, p.46-51, jul./dez. 2005


. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Educação
. . . . . . . .&
. .Tecnologia
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Educ. Tecnol., Belo Horizonte, v.10, n.2, p.46-51, jul./dez. 2005

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