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Apontamentos – Recalcamento (1915)

Quatro destinos possíveis da pulsão: ● reversão a seu oposto ● retorno em direção ao próprio eu
● recalque ● sublimação

Verdrängung
Recalque/Recalcamento: Para Sigmund Freud, o recalque designa o processo que visa a manter
no inconsciente* todas as ideias, lembranças, imagens e representações ligadas às pulsões e cuja
realização, produtora de prazer, afetaria o equilíbrio do funcionamento psicológico do indivíduo,
transformando-se em fonte de desprazer. Freud, que modificou diversas vezes sua definição e seu
campo de ação, considera que o recalque é constitutivo do núcleo original do inconsciente.
Fundamentalmente, o conceito de recalque está ligado a um processo pelo qual o sujeito procura
repelir, empurrar algo para o fundo do seu inconsciente; seria viável a possibilidade de que
recalcar seja uma espécie de metáfora de que, com o calcanhar, o sujeito empurre para o fundo
do seu inconsciente, tudo o que for indesejável e, daí, ter surgido o verbo recalcar, com os
derivados recalque e recalcamento.

Dentre as definições possíveis para o recalque, propõem-se a seguinte: o recalcamento é um


adensamento de energia uma chapa energética que impede a passagem dos conteúdos
inconscientes para o pré-consciente. Ora, essa barreira não é infalível: alguns conteúdos
inconscientes e recalcados vão adiante, irrompem abruptamente na consciência, sob forma
disfarçada, e surpreendem o sujeito, incapaz de identificar sua origem inconsciente. Eles aparecem
na consciência, portanto, mas permanecem incompreensíveis para o sujeito, que os vive
frequentemente sob angústia.

Essas exteriorizações deturpadas do inconsciente conseguem assim descarregar uma parte da


energia pulsional, descarga esta que proporciona apenas um prazer parcial e substitutivo,
comparado ao ideal perseguido de uma satisfação completa e imediata, que seria obtida por uma
hipotética descarga total. A outra parte da energia pulsional, a que não transpõe o recalcamento,
continua confinada no inconsciente e realimenta sem cessar a tensão. Observemos que esse
prazer deve ser compreendido como uma descarga, mesmo que essa descarga assuma a forma de
um sofrimento ou de uma angústia como no caso das fobias.
Diferentes tipos de descarga proporcionadores de prazer:

- Absoluto: Descarga imediata e total (completamente hipotética)

- Moderado: Descarga mediata e controlada - atividade intelectual (pensamento, memória, juízo,


atenção etc.) proporciona um prazer moderado

- Parcial: Descarga mediata e parcial - prazer parcial e substitutivo


4 tempos: ● o que empurra ● o que detém ● o que resta; e ● o que passa

O recalque pode ser decomposto em 3 fases distintas, que permitem distinguir três conceitos
diversos: ● a fixação ● o recalque propriamente dito ● o retorno do recalcado
- A fixação precede e condiciona todo recalque. Como uma pulsão ou algum componente
pulsional permanece imobilizado num estádio infantil, essa corrente libidinal passa então a se
comportar como uma corrente que pertence ao sistema inconsciente, como uma corrente
recalcada. É nas fixações que reside a predisposição à patologia posterior, pois em relação à etapa
subsequente elas funcionam como um resto passivo que ficou para trás.
- O recalque originário, Freud precisará que este recalque primevo é “uma primeira fase do
recalque, que consiste em negar entrada no consciente ao representante psíquico (ideacional) da
pulsão. Com isso, estabelece-se uma fixação; a partir de então, o representante em questão
continua inalterado, e a pulsão permanece ligada a ele.”
É nesse momento de teorização metapsicológica do recalque que se impõe a Freud a necessidade
de conjecturar a ocorrência de um recalque originário, na medida em que os processos de
recalque secundário só podem surgir “quando tiver ocorrido uma cisão marcante entre a atividade
mental consciente e a inconsciente”. Nesse sentido, o recalque originário é verdadeiramente
constitutivo do inconsciente.
- Recalque Orgânico ---- Recalque Originário ---- Fixação --- Clivagem Subjetiva

“A própria idéia de que o inconsciente é constituído individualmente para cada sujeito pelo
recalque originário está relacionada, para Freud, com a idéia de que, para o próprio advento da
espécie humana, operou um outro recalque — o recalque orgânico. E, mais essencialmente ainda,
o núcleo do inconsciente está, para Freud, relacionado com esse evento filogenético, pois o
recalque originário como que repete, na história de cada sujeito, o evento do recalque orgânico,
que teria se dado em algum momento da evolução da espécie. O recalque orgânico, sobre o qual
vamos nos deter mais à frente, teria aberto um verdadeiro creodo para a espécie humana, a partir
do qual o recalque passou a ser um elemento estrutural.” (Fundamentos Vl. 01; pg 29)

Visão → Olfato
Predomínio do olfato (estímulos cíclicos) → Funcionamento instintual Predomínio da visão
(estímulos permanentes) → Funcionamento pulsional

DOIS MOMENTOS LÓGICOS DO RECALCAMENTO - podemos admitir um recalcamento originário


(Urverdrangung), uma primeira fase do recalcamento, na qual o representante da pulsão, que irá
fazer com que haja representação (alem. Vorstellungsrepresentanz), vê rejeitado seu acesso ao
consciente. Com ele é feita uma fixação; o representante envolvido continua, portanto,
estabelecido de maneira invariável e a pulsão fica fixada a ele [...]. O segundo estágio do
recalcamento, o recalcamento propriamente dito, refere-se aos derivados psíquicos do
representante recalcado ou então às cadeias de idéias que, vindas de outros ensaios, associam-se
ao dito representante. "Não apenas essas representações têm o mesmo destino do recalcado
originário, mas "o recalcamento propriamente dito é (...) um recalcamento a posteriori".
(Chemama, pg. 193)

- Recalque propriamente dito:


- a repulsão, que atua a partir do consciente sobre o que deve ser recalcado; e
- a atração exercida pelo que foi primevamente repelido sobre tudo aquilo com que possa
estabelecer uma ligação. O recalque propriamente dito é um processo ativo que emana do eu.
Esse processo visa aqueles elementos pulsionais que primitivamente ficaram para trás, quando
surge um conflito entre eles e o eu. Pode também visar certas aspirações psíquicas que ocasionam
uma viva aversão.
“Esta aversão, no entanto, não teria acarretado o recalque caso uma relação não se estabelecesse
entre as aspirações desagradáveis e a serem recalcadas e aquelas que já o são. Quando esse é o
caso, a repulsão inspirada pelas aspirações conscientes e a atração exercida pelas aspirações
inconscientes colaboram para o sucesso do recalque”.
- A experiência psicanalítica mostra que uma pulsão que foi recalcada teria sua satisfação passível
de ser realizada, na medida em que “tal satisfação seria agradável em si mesma, embora
irreconciliável com outras reivindicações e intenções. Ela causaria, por conseguinte, prazer num
lugar e desprazer em outro”. Assim, a condição para o recalque será formulada por Freud no
sentido de que o desprazer seja maior que o prazer obtido pela satisfação da pulsão.

O recalque propriamente dito, afeta os derivados mentais do representante recalcado e seus elos
associativos. (...) “tudo se passa como se a resistência do consciente contra eles constituísse uma
função da distância entre eles e aquilo que foi originariamente recalcado”.
- Exige um constante dispêndio de força. Pois, se o recalcado exerce uma pressão constante em
direção ao consciente, é necessária igualmente uma contrapressão também incessante para
equilibrá-la. “(...) Essa ação empreendida para proteger o recalque é observável no tratamento
analítico como resistência.”

“(...) constatamos não ser correto que o recalque mantenha afastados do consciente todos os
derivados do recalcado primordial. Quando estes se distanciaram o suficiente da representante
recalcada, seja assumindo deformações, seja pelo número de elos intermediários que se
interpuseram, o acesso ao consciente se torna livre para eles. É como se a resistência que o
consciente lhes opõe fosse uma função do seu distanciamento do originalmente recalcado.”

Formação de Compromisso - Forma que o recalcado assume para ser admitido no


consciente, retornando no sintoma, no sonho e, mais geralmente, em qualquer produção do
inconsciente. As representações recalcadas são então deformadas pela defesa ao ponto de
serem irreconhecíveis. Na mesma formação podem assim ser satisfeitos — num mesmo
compromisso — simultaneamente o desejo inconsciente e as exigências defensivas.

Recalque – Resistência (Pulsão Interna e Contínua ---- Contrapressão/Resistência) - Distância


Representante Recalcado
Distância Representante Recalcado x Derivados do Recalcado ---- Livre Acesso Consciência ---
(Formação de Compromisso/Sintomas Neuróticos)

● O retorno do recalcado consiste no fracasso do recalque e na irrupção do recalcado à superfície.


A importância da fixação é tão maior quanto Freud irá observar que “essa irrupção nasce no ponto
em que ocorreu a fixação e implica uma regressão da libido até esse ponto preciso”.
Existem tantos pontos de fixação quantas são as etapas de evolução da libido.

“Para a histeria de angústia escolherei um exemplo bem analisado de zoofobia. A pulsão sujeita
ao recalque é uma atitude libidinal frente ao pai, acompanhada da angústia em relação a ele.*
Depois do recalque esse impulso desapareceu da consciência, o pai já não aparece aí como objeto
da libido. Como substituto, em lugar correspondente, encontra-se um animal, que se presta
relativamente bem para objeto de angústia. A formação substitutiva da parte ideativa [da
representante instintual] realizou-se pela via do deslocamento ao longo de uma cadeia de
relações determinada de certa maneira. A parte quantitativa não desapareceu, mas sim
converteu-se em angústia. O resultado é angústia diante do lobo, em vez de reivindicação do
amor do pai. Naturalmente as categorias aqui aplicadas não bastam para fornecer explicação nem
mesmo para o caso mais simples de psiconeurose. Há outros ângulos a serem considerados.”
Neurose Obsessiva – “Aqui ficamos em dúvida, a princípio, sobre o que devemos considerar como
representante submetida ao recalque, se uma tendência libidinal ou uma hostil. A incerteza vem
de que a neurose obsessiva tem por pressuposto um recalque, por meio da qual uma tendência
sádica tomou o lugar de uma afetuosa. É esse impulso hostil para com uma pessoa amada que é
sujeito ao recalque. Numa primeira fase do trabalho de recalque, o efeito é bem diferente do que
será depois. De início, o êxito é completo, o conteúdo ideativo é rechaçado e o afeto é levado a
desaparecer. (...)Formação substitutiva e formação de sintomas não coincidem aqui. (…)É muito
provável que o processo inteiro seja tornado possível pela relação de ambivalência em que se
inscreve o impulso sádico a ser reprimido.” (ibid, pg 12)

“Mas o recalque, inicialmente bom, não se sustenta, e com a progressão das coisas o seu fracasso
ressalta cada vez mais. A ambivalência, que permitiu o recalque através da formação reativa, é
também o lugar onde o recalcado consegue retornar. O afeto desaparecido volta transformado em
angústia social, angústia da consciência, recriminação desmedida, a ideia rejeitada é trocada por
um substituto por deslocamento, com frequência deslocamento para algo menor, indiferente. Em
geral há uma tendência inegável para restabelecer intacta a ideia recalcada. O fracasso na
repressão do fator quantitativo, afetivo, põe em jogo o mesmo mecanismo de fuga por meio de
proibições e escapatórias que já vimos na formação da fobia histérica. Mas a ideia rejeitada do
consciente é tenazmente mantida dessa forma, porque envolve um impedimento da ação, um
entrave motor ao impulso. Assim o trabalho de recalcamento, na neurose obsessiva, prolonga-se
numa luta interminável e sem êxito.”

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