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A VERDADE POR TRÁS DA

HISTORIA
Muito da fantasia sobre o
momento histórico do Brasil
passa pela simbólica obra de

DO BRASIL
Pedro Américo,
o quadro Independência
ou Morte (1888)

A Verdade por trás


da História do Brasil
Ano 2 - nº 7

GUERRA DO
PARAGUAI
Qual a real motivação
para o sangrento
conflito do qual o
Brasil participou?

MITOS DA
INDEPENDENCIA
Dom Pedro I não estava em um cavalo às margens do rio Ipiranga
e ainda endividou o país para torná-lo soberano
EDITORIAL

D E S CO N S T R U I N D O
os e s c r i t o s n a c i o n a i s
O
is então, as pró-
plá- H ISTÓRI A DO BR ASIL? Po
uviram do Ipiranga as margens imagem e reve-
brado ximas páginas derrubarão essa
cidas, de um povo heroico o a soberania do
e, em larão outros mitos que cercam
retumbante. E o sol da liberdad r D. Pedro I.
pátria Brasil – que não foi assinada po
raios fúlgidos, brilhou no céu da na trajetória do
ouviu, Para se aprofundar ainda mais
nesse instante”. Quem nunca icas e os ques-
nal brasileiro? Os país, que tal entender as polêm
ou mesmo cantou, o hino nacio s pontos pri-
musical fazem re- tionamentos envolvendo outro
versos que abrem a composição to feminino, a
marcantes ocor- mordiais, como a luta pelo vo
ferência a um dos episódios mais s (além da atual
ependência. consolidação das leis trabalhista
ridos em terras tupiniquins: a ind os que gostem!
o? Você acha que reforma) e muito mais. Esperam
O que você sabe sobre esse fat
Images

elidade no qua-
ele foi representado com fid Boa leitura
IM AG EM Shutterstock

ado na capa des-


dro de Pedro Américo, ret rat A redação
R TR ÁS DA
ta edição de A VERDADE PO

ÍNDICE
3 O SOL DA LIBERDADE
As controvérsias que cercaram o 7 de setembro
de 1822, data da independência do Brasil
14 CIDADÃS BRASILEIRAS
Sufrágio feminino: a trajetória das
mulheres em busca do voto

7 FARINHA DO MESMO SACO


Conheça a dinâmica política do país no
Segundo Reinado
16 LEIS TRABALHISTAS
Como os direitos dos trabalhadores foram
definidos desde a consolidação de Getúlio Vargas
até as reformas de Michel Temer

10 HERÓIS OU VILÕES?
As duas faces dos bandeirantes, figuras
emblemáticas para o território brasileiro 19 SAIBA MAIS
Livros e filmes para mergulhar na
história do Brasil

12 UM CONFLITO PARA SER LEMBRADO


A Guerra do Paraguai, um dos maiores
embates no qual o Brasil já se envolveu, devastou
CAPA
Produção Gráfica Josemara Nascimento
Imagens Martins, Lincoln. Pedro Américo: pintor universal. Brasília, Distrito Federal:
Fundação Banco do Brasil
o país vizinho
CAPA

O SOL
da liberdade
P
Conheça os mitos que cercam a independência do Brasil
orto Alegre, Reci- relo, bandas entretêm o público e a do Riacho do Ipiranga, montado em
fe, Rio de Janeiro, bandeira brasileira é hasteada. A Ma- seu alazão e cercado por sua escolta,
Belo Horizonte, rinha e a Polícia Militar participam Dom Pedro I levantou sua espada e
São Paulo, Brasília, das comemorações; em muitos locais, declarou: “Pelo meu sangue, pela
Fortaleza e muitos armamentos e até tanques de guerra minha honra, pelo meu Deus, juro
outros municípios do país, no dia do exército chamam a atenção. Tudo fazer a liberdade do Brasil. É tempo.
7 de setembro de cada ano, reú- isso porque a data simboliza a inde- Brasileiros, a nossa divisa hoje em dia
nem milhares de pessoas em even- pendência do Brasil de Portugal, fato será Independência ou morte! Esta-
tos, como desfiles cívicos-militares. ocorrido em 1822. mos separados de Portugal”. Em um
Os indivíduos vestem verde e ama- E não é para menos, afinal, diante ato de valentia, o príncipe regente

IMAGEM François-René Moreau [Public domain], via Wikimedia Commons


CAPA

desafiou as ordens do pai de retornar cia. No entanto, e se alguém te con- retratou em sua obra a vitória de
ao seu país, não se curvou diante das tasse que não foi exatamente assim Napoleão na batalha de Friedland.
determinações da metrópole e trans- que as ações ocorreram? Que o fa- Indiscutivelmente, o quadro que re-
formou o Brasil, antes colônia, em moso quadro de Pedro Américo, de mete à cena brasileira representa o
um país soberano. 1888, não passou de uma produção? maior símbolo de nossa ruptura po-
Logo depois, naquele 7 de se- O próprio pintor admitiu que havia lítica com Portugal”, afirma Luciano
tembro, um belo hino foi composto. “mudado elementos” para compor a Gomes dos Santos, professor de An-
Cantado nas escolas do Oiapoque ao cena. A obra foi encomendada por D. tropologia, Filosofia e Ciências So-
Chuí, descreve a simbologia do mo- Pedro II diante da posterior crise da ciais da Faculdade Arnaldo Janssen.
mento: “Já podeis, da Pátria filhos, / monarquia para exaltar o momento
Ver contente a mãe gentil; / Já raiou histórico – mesmo que, para isso, Ouviram do Ipiranga
a liberdade / No horizonte do Brasil. muito tenha sido criado. as margens plácidas?
/ Brava gente brasileira! / Longe vá... “Há muita fantasia no quadro Na verdade, D. Pedro I não estava
temor servil:/ Ou ficar a pátria livre / que retrata o grito de independência. às margens do rio, mas sim em uma
Ou morrer pelo Brasil (...)”. Sabe-se que Pedro Américo teve colina perto do Ipiranga. O príncipe,
Não é à toa que chamam essa como fonte de inspiração Jean-Lou- ao invés de um cavalo, montava um
história de epopeia da independên- is Meissonier, artista francês que animal de carga, uma mula ou um
IMAGENS Pedro Américo [Public domain or Public domain], via Wikimedia Commons
burro, que era muito mais comum Depois de desconstruir a ima- ção Francesa (igualdade, liberdade e
em grandes trajetos. Sem contar que gem que descreve um dos momen- fraternidade), aumentando, assim, a
a guarda ao seu redor não era nem de tos mais importantes da história do pressão contra o absolutismo monár-
longe tão numerosa: no máximo 14 Brasil, deve-se entender que outras quico e o colonialismo do período”,
pessoas o acompanhavam. E esqueça controvérsias rondam o contexto pontua Luciano.
a imagem de um nobre bem vestido, que propiciou esse fato. Apesar de As ideias que habitavam terras tu-
cheio de glamour. Os pesquisadores ter ocorrido em 1822, o processo piniquins ganharam contornos ainda
apontam para peças de um tropeiro, de independência foi longo. “O 7 de mais fortes com o período joanino,
rústicas e simples. “Dom Pedro I e setembro daquele ano inicia-se com ou seja, o momento no qual a família
sua comitiva não estavam com rou- precedentes de revoltas no território real portuguesa se instalou no Brasil.
pas de gala: eles usavam camisas de durante o século XVIII e começo do Isso porque, diante da ameaça napo-
algodão devido ao calor”, acrescen- XIX, como Inconfidência Mineira, leônica devido ao descumprimento
ta Luciano. Há ainda quem vá mais Conjuração Baiana e Revolta Per- do Bloqueio Continental – decreto
longe e afirme que o filho de D. João nambucana, que previam o desejo do imperador francês que determi-
e Carlota Joaquina estava com um de distanciamento e independência nava o fechamento dos portos dos
desconforto estomacal por causa de da metrópole. Esses movimentos países europeus ao comércio inglês
um alimento estragado. inspiraram-se nos ideais da Revolu- –, a corte fugiu para a colônia. Essa

PRIMEIRA DÍVIDA
EXTERNA
De acordo com Caio de Souza Gomes,
professor especialista em História So-
cial, não bastava o Brasil declarar sua
autonomia com relação a Portugal,
era preciso que a independência fos-
se reconhecida pelos demais países.
E isso exigiu um longo processo de
negociações políticas e diplomáticas.
“A Inglaterra tinha enorme interesse
nesse processo, já que, assim, garan-
tiria livre acesso a um enorme mer-
cado consumidor e a uma riquíssima
fonte de matérias-primas. Por tal
razão, acabou intermediando a nego-
ciação com Portugal e defendendo o
pagamento de uma indenização como
reparação pela perda da colônia. Ob-
viamente, havia por trás dessa nego-
ciação um interesse comercial claro,
já que o Brasil não tinha condições de
arcar com o valor da indenização e
acabou recorrendo a um empréstimo
dos ingleses”, explica o profissional. E
foi dessa forma que o país recém-in-
dependente contraiu sua primeira
dívida externa, tornando-se financei-
ramente dependente dos ingleses.
foi a primeira vez que um governan- “Bem de todos” Mas não se engane pelas belas
te do velho mundo transferiu para a Caso D. Pedro I, o príncipe re- palavras do regente. Apesar de falar
América a capital da sua nação. gente, retornasse para a Europa, o sobre bem geral e felicidade do povo,
A travessia do oceano pelos por- Brasil voltaria ao patamar de colônia “o processo de independência nas-
tugueses foi escoltada pelos ingleses. depois de um período de abertura. ceu a partir dos interesses da elite do
Assim, após essa assistência, em 1808, Foi então que D. João enviou a car- país, representada pela aristocracia
o rei emitiu a Carta Régia, documen- ta que pedia ao filho que voltasse rural que encaminhou a os fatos com
to que permitia a abertura dos por- para o seu país. “O príncipe regente o cuidado de não afetar seus privilé-
tos brasileiros às “nações amigas”. passou a ter o apoio da aristocracia gios, simbolizados pelo latifúndio e
Com esse ato, o pacto colonial, que rural e respondeu negativamente a o escravismo”, ressalta o professor.
continha os termos que regiam as re- Portugal. A atitude ficou conhecida Luciano completa que a sequência
lações entre metrópole e colônia, foi como o Dia do Fico e passou a ser de ações se estruturou verticalmen-
quebrado. De acordo com Luciano lembrada no dia 9 de janeiro de 1822. te, com a preocupação em manter a
Gomes, Dom João VI iniciou uma Consagrou-se a sua expressão: ‘Se é unidade nacional e conciliar as diver-
série de transformações além dessa, para o bem de todos e felicidade ge- gências existentes dentro da própria
exemplos são: criação da Academia ral da nação, diga ao povo que fico’”, elite rural, afastando os setores mais
de Belas-artes, fundação da Impren- afirma Luciano. baixos da sociedade representados
sa, lançamento do primeiro jornal, O profissional ainda acrescenta por escravos e trabalhadores pobres.
biblioteca e cursos superiores, orga- que o 7 de setembro se tornou histó- Além disso, “a ruptura dos laços
nização do aparelho administrativo rico devido ao recado que dois mensa- coloniais em nada alterou as estru-
do Império e descrição da colônia por geiros reais traziam de José Bonifácio turas sociais do Brasil, mantendo
meio de estudos naturalistas. “Criou- e da Princesa Leopoldina, quando inabaladas as relações de exploração
se uma estrutura para atender às de- Pedro I retornava de uma viagem a e, especialmente, garantindo a con-
mandas dos interesses da coroa que, Santos. O informe exigia uma decisão tinuidade do sistema escravista, não
posteriormente, possibilitou a sepa- fundamental: ou o príncipe declarava atendendo assim os interesses das
ração política com Portugal quando o Brasil independente, ou seria refém classes populares”, esclarece Caio de
o rei retornou com sua família, exce- das cortes de Portugal, e ele optou por Souza Gomes, professor especialista
to D. Pedro I”, declara o profissional. ficar e romper com a pátria-mãe. em História Social.

A MULHER POR TRÁS


DA INDEPENDÊNCIA
Quando falamos dos atos que cercaram a soberania brasi-
leira, a primeira figura que vem à mente é a de D. Pedro I.
IMAGENS By Georgina de Albuquerque (1885-1962) (Senate of Brazil [1])

Pouco se fala nela, a primeira imperatriz do Brasil, a pessoa


que reuniu o Conselho de Estado e assinou o decreto de
independência. Estamos falando de Carolina Josefa Leo-
poldina Francisca Fernanda de Habsburgo-Lorena, arqui-
duquesa da Áustria, princesa da Hungria e da Boemia, mais
[Public domain], via Wikimedia Commons

conhecida como Maria Leopoldina. “Ela exerceu influência


desde quando assumiu a regência porque o marido foi a São
Paulo para apaziguar conflitos locais. Em agosto de 1822,
foi nomeada Chefe de Conselho de Estado e Regente Inte-
rina do Brasil Colônia, com poderes legais para governar”,
afirma Luciano Gomes dos Santos, professor de Antropo-
logia, Filosofia e Ciências Sociais da Faculdade Arnaldo
Janssen.
SEGUNDO REINADO

FARINHA
do mesmo saco Você acha que a atual política brasileira é uma bagunça?
Pois saiba que a desorganização e a corrupção são
antigas em terras tupiniquins

A
pós a abdicação de D. Pedro resolvidos. A corrupção, lamentavelmente,
I, os políticos do Partido Li- ocupa um papel, um espaço quase que cati-
beral decidiram que era ne- vo, no desenvolvimento do país”, pondera o
cessário tomar uma atitude historiador e cineasta Thiago Castro.
para dar fim ao período re- O governo que começou com um golpe
gencial (1831-1840), marcado por revoltas. seguiu, por 49 anos (1840-1889), de maneira
Dessa forma, modificaram a Constituição alvoroçada, dando a D. Pedro II o posto de
e determinaram que D. Pedro II, sucessor último monarca nacional. Para o historiador
do trono, então com 14 anos, era maior de Silas Luiz de Sousa, se considerarmos que o
idade. A esse fato, deu-se o nome de golpe período parlamentarista teve quase 40 gabine-
da maioridade. E foi assim que o Segundo tes, dando uma média de um ano e meio para
Reinado começou no Brasil. cada governo parlamentar, já é possível perce-
Por isso, quem imaginou que as articula- ber que foi um momento conturbado. “Além
ções políticas são exclusividade do cenário disso, tivemos a Balaiada, a Revolução Farrou-
atual do país está bem enganado, uma vez pilha, que começaram antes e terminaram du-
que nos deparamos com situações como essa rante o governo, e a Revolução Praieira. Em
há tempos. “Uma das marcas do processo de 1842, também ocorreram diversas manifesta-
construção do Estado no Segundo Reinado é ções liberais nos Estados de São Paulo e Minas
a corrupção. Aliás, ela vem fazendo parte da Gerais”, afirma.
nossa história há muito tempo, muito antes
de Jorgina de Freitas, Precatórios, Anões do Bipartidarismo
Orçamento, Mensalão, Banestado, Privatiza- Já ouviu falar em polarização política?
ções, Banco Marka, Correios, SIVAM, Lava Outro conceito popular atualmente era bem
Jato ou Zelotes e tantos outros escândalos que real na época no Segundo Reinado. Isso
vimos aparecer e não, necessariamente, serem porque existiam dois grupos soberanos na
conjuntura nacional: o Partido Li- poder político. Segundo Thiago, a
beral e o Conservador. Apesar das construção do eleitorado tem muita
constantes disputas, consagraram- relação com a construção ou estabe-
se frases como: “liberais e conserva- lecimento do ser cidadão.
dores são farinhas do mesmo saco” e “Cidadãos no Brasil, nessa épo-
“nada poderia ser mais conservador ca, eram apenas os homens brancos,
do que um liberal no poder”. maiores de 21 anos de idade e que
Mesmo se tratando de dois par- soubessem ler e escrever – em al-
tidos que parecem ser opostos, não guns momentos da nossa história o
havia diferenças ideológicas. Ambos letramento era substituído, por clara
representavam a elite e se reveza- evidência de que éramos uma nação
vam no governo. De acordo com Si- de iletrados, pela ordem fundiária ou
las, liberais e conservadores faziam financeira –, portanto, ser eleitor ou
parte do mesmo grupo que domina- mesmo cidadão em terras brasileiras
va a política, a economia, a cultura dependeria do que sua condição diria
e toda a sociedade. Havia latifun- sobre você. Mulheres, párocos, mili-
diários, escravistas e monarquistas cos, vadios, pobres e imigrantes nada
dos dois lados. “O liberalismo que teriam a ver com essa ordem política
foi adotado no Brasil era uma cari- e cidadã”, analisa.
catura do que se pensava na Europa
e nos Estados Unidos. Por aqui, o Parlamentarismo
pensamento liberal não passava do “às avessas”
ato de pensar nas liberdades indi- “Estávamos no século XIX, sé-
viduais burguesas, como liberdade culo da indústria, da ciência e dos
de consciência e de religião. Poucos mercados, tempo em que, para ser
liberais foram mais longe no senti- ou parecer moderno, bastava ser ou
do de defender um sistema político parecer com um inglês. Então, bus-
com ampla liberdade e participação cando inspiração entre os ingleses,
popular, agindo, na prática, como Pedro II nos converteu ao regime
um conservador”, pontua. parlamentar na tentativa de dar uma
Além disso, o voto na- forma mais moderna para nossa po-
quela época era censitário,
ou seja, por renda. Por isso,
a elite (rural) possuía todo o
IMAGEM Johann Moritz Rugendas [Public domain], via Wikimedia Commons
lítica”, afirma Thiago. Dessa forma, de todos os outros e era atribuído a
baseado no modelo britânico, D. D. Pedro II. Por meio desse cargo,
Pedro II instituiu o parlamentaris- o imperador centralizava todas as
mo no Brasil. decisões na sua figura.
Na Inglaterra, o primeiro-mi- “Essa ação entrou para história
nistro era eleito representante do como o parlamentarismo às aves-
Legislativo pela maioria do parla- sas, uma vez que, em busca das
mento (indicado por voto). O es- novas formas de governo, o impe-
colhido exercia o cargo de chefe do rador procurava aplicar um libera-
Executivo e, consequentemente, de lismo que também era às avessas.
chefe do governo. Assim, existia a Ou seja, tínhamos uma Constitui-
supremacia do Legislativo com re- ção, que fora outorgada em 1824,
lação ao Executivo. No entanto, em apresentávamos o nosso eixo eco-
terras tupiniquins, o sistema fun- nômico na agro exportação e não
cionou de um jeito bem diferente. na indústria, o trabalho era escra-
O imperador criou o Conselho vo e o sistema produtivo de-
de Ministros, e o presidente de tal rivava do mercantilismo
órgão funcionaria como um pri- colonial – o incomum
meiro-ministro. Mas, quem elegia ou pouco valorizado
esse líder? O Conselho? Não. Era era o trabalho livre e
o próprio D. Pedro II. Nesses mol- assalariado –, nossa so-
des, o parlamento era subordinado ciedade era bastante
ao imperador. Além disso, o quadro conservadora e as ideias
de ministros era submetido à vo- liberais ou liberalizan-
tação, as quais eram marcadas por tes eram adaptadas
fraudes, violência e compra de votos a esse contexto de
para garantir a presença de liberais muitas contradições
e conservadores. E ainda havia o e hipocrisias”, sa-
Poder Moderador, que estava acima lienta Thiago.
BANDEIRANTES

HERÓIS
ou vilões?
As duas faces dos bandeirantes, personagens polêmicos que marcaram a história do Brasil

uem passa pela Anhan- cos” determina que “é proibido, em exemplo, tiveram sua imagem co-
guera, rodovia batizada todo o território nacional, atribuir lada à ideia de coragem, bravura e
em homenagem a Bueno nome de pessoa viva ou que tenha se heroísmo quando São Paulo se es-
da Silva, ou mesmo pela notabilizado pela defesa ou explora- forçava para construir uma narrati-
Fernão Dias, que liga São ção de mão de obra escrava, em qual- va de força e poder. Nesse sentido,
Paulo a Belo Horizonte, nem ima- quer modalidade”. Então, será que a a ‘locomotiva que puxava o restante
gina qual referência histórica esses reverência à figura dos bandeirantes do Brasil’ precisava ter uma origem
nomes carregam. Pela própria ci- é justificada? que fizesse jus a essa posição que a
dade de São Paulo, nos deparamos cidade queria para si”, afirma.
com a grandiosa estátua de Borba Construção Angela acrescenta que existia a
Gato – com 10 metros de altura e 40 e desconstrução ideia de São Paulo ser uma terra de
toneladas –, ou com o Monumento Durante muito tempo, os ban- gente corajosa e trabalhadora, e esse
às Bandeiras, na entrada do Parque deirantes foram lembrados como mito acerca do paulista seria uma he-
do Ibirapuera. grandes homens, exemplos de força rança dos primeiros colonos. “De cer-
Os desbravadores que participa- e valentia – vide as homenagens fei- ta forma, construímos um ideário de
ram da formação do país e do surgi- tas a eles. Dessa forma, esse retrato que os paulistas têm características es-
mento de diversos municípios, ao ex- construído também foi passado para pecíficas por serem herdeiros dos ban-
pandirem as fronteiras, foram muito aqueles que aprendiam a história do deirantes. No entanto, hoje em dia,
além do que determinava o Tratado de período, disseminando tal ideologia. esse culto parece ter passado por uma
Tordesilhas. Homens com o grande No entanto, conforme os estudos fo- significativa desconstrução”, assinala
objetivo de buscar metais preciosos, ram se desenvolvendo, as críticas se a historiadora. As evidências sobre a
que caçavam e aprisionavam índios tornaram mais presentes, desmistifi- motivação e as ações que envolviam as
para escravizá-los quando não os ma- cando a representação desses homens. missões desbravadoras surgiram para
tavam. Tais descrições e alusões repre- Para Angela Fileno da Silva, his- colocar em pauta outra versão a res-
sentam alguns dos personagens mais toriadora especialista em patrimô- peito dos feitos bandeirantes.
polêmicos do Brasil: os bandeirantes. nio turístico cultural, a narrativa
O primeiro artigo da lei nº 6.454, construída em torno dos bandei- Novas fronteiras
de 24 de outubro de 1977, que “dispõe rantes que os associa aos desbrava- Durante o processo de coloniza-
sobre a denominação de logradouros, dores é historicamente localizada. ção do Brasil, a busca pelas drogas
obras serviços e monumentos públi- “Os bandeirantes paulistas, por do sertão, metais preciosos e escra-
vos foram alguns dos motivos pelos quem procurava riquezas, escravos da de índios como escravos. Assim,
quais diversas ações exploratórias fo- e metais preciosos. “Na prática, as apesar de terem explorado o territó-
ram organizadas. Durante o século entradas e as bandeiras cumpriam rio, eliminaram boa parte da popu-
XVII, com a crise da economia açu- funções muito semelhantes e eram lação nacional.
careira, a Coroa Portuguesa coorde- executadas por praticamente os mes- Todas essas ações eram apoia-
nou as entradas – expedições oficiais mos grupos de indivíduos. Isso por- das pelos portugueses. Muitas ve-
rumo ao interior do país – com o que muitos dos colonos que viviam zes, o governo até contratava esses
objetivo de encontrar novos produ- no Brasil colonial eram também in- grupos para combaterem tribos
tos para substituir a cana-de-açúcar divíduos contratados pela Coroa de que ofereciam resistência e para
e atividades econômicas para gerar Portugal para empreenderem essas capturar escravos africanos – in-
mais lucros para o governo. viagens”, destaca a historiadora. clusive, foram os bandeirantes,
Também foram autorizadas as As ações oficiais já haviam ocor- comandados por Domingos Jorge
bandeiras, missões particulares para rido no século anterior, passando por Velho, que destruíram o Quilombo
lugares como o interior da Bahia e dos Palmares.
de Minas Gerais. Já o bandeirantis- Com a matança de índios e a ne-
mo do século XVII surgiu na Vila de cessidade de mão de obra para o sis-
São Vicente, no litoral de São Paulo tema agrícola, houve o crescimento
– naquela época, as atividades políti- da escravidão africana. Por isso, os
cas e econômicas eram concentradas bandeirantes buscaram se aprofun-
apenas no litoral, já que era esse o do- dar na busca de metais preciosos na
mínio que o Tratado de Tordesilhas época da mineração – prática que
determinava para os portugueses. marcou a economia do período – e
a caça aos índios cessou. No caso
Por trás da exploração dos paulistas, a recuperação veio
Nessa trajetória, que realmen- por meio do café, no século XIX,
te foi responsável por redefinir os mas sem esquecer o “glorioso” pas-
contornos brasileiros, os bandeiran- sado do bandeirantismo, que ficaria
tes deixaram um rastro de sangue marcado no imaginário popular por
e destruição. As missões foram di- muito tempo.
vididas em duas modalidades: ban-
deirantismo prospector e apresador.
O prospector, sem deixar de lado
outros aspectos, buscava os metais
preciosos. O apresador tinha como
objetivo primordial a captura e ven-
IMAGEM Rodolfo Amoedo [Public domain], via Wikimedia Commons

SEM PRODUÇÃO
Se a ideia por trás dos bandeirantes já foi desmistificada, devemos fazer roupas, eram bem simples e feitas de algodão. Sapatos não faziam parte
o mesmo com seus retratos. Portanto, podemos dar adeus àqueles trajes do seu cotidiano e seus traços e maneiras eram bem mais parecidos com
que lembram os nobres: chapéus, calças de veludo e casacos de couro. os indígenas. Isso porque muitos deles eram mestiços, que cresceram em
Nem mesmo suas armas e feições europeias condizem com a realidade. uma cultura sob forte influência dos nativos. E não eram raros os casos
Realizando expedições em territórios pra lá de selvagens, se eles usavam dos homens descendentes de europeus e filhos de portugueses com índios.
GUERRA DO PARAGUAI

UM CONFLITO
para ser lembrado
Apesar de ter seu impacto encoberto, a Guerra do Paraguai foi o combate mais
sangrento da América do Sul e está envolta em muitas discussões

D urante toda a histó-


ria, existem dois lo-
Por mais que muitas pessoas
reproduzam a ideia de que a na-
conflitos armados internacionais, na
chamada Questão do Prata, em que
IMAGEM Victor Meirelles [Public domain], via Wikimedia Commons

cais no mundo que ção nunca se envolveu diretamen- o Brasil lutou, no século XIX, pela
nunca estiveram en- te em nenhuma batalha, a Guerra supremacia sul-americana, tendo o
volvidos em guerras: do Paraguai não deixa dúvidas. O primeiro sido a Guerra da Cisplati-
a Antártida e o Polo Norte. O in- combate, que contou com a parti- na, o segundo, a Guerra do Prata,
trigante é que ambos não perten- cipação de brasileiros, paraguaios, e o terceiro, a Guerra do Uruguai”,
cem a nenhum país e não possuem argentinos e uruguaios, configura- afirma o historiador.
população. Sendo assim, qualquer se como o maior, mais duradouro Tudo começou quando Solano
outra nação já ocupada marcou e sangrento de toda a história da López, depois de aprisionar o na-
presença em conflitos armados, América do Sul. vio brasileiro Marquês de Olinda,
inclusive o Brasil. Teriam os desdobramentos desse declarou guerra ao Brasil. Mas, por
conflito se perdido no tempo? Para que isso aconteceu? É nessa per-
José Maurício Médici, professor de gunta que a polêmica habita. Mes-
História no Colégio e Faculdade mo depois de 152 anos, a motivação
Eniac, sim. “A Guerra do Paraguai, do ditador paraguaio ainda é ponto
na verdade, foi o último de quatro de discórdia entre os historiado-
res. Dessa maneira, para conhecer
todas as explicações e tentar sele-
cionar aquela que faz mais sentido
para cada um, precisamos entender
o contexto da peleja sul-americana.
Versão “oficial” como objetivo obter uma saída para motivação, Solano López cometeu
A explicação que aprendemos o Oceano Atlântico por meio dos um erro ao declarar guerra. Mesmo
na escola conta que o imperador rios da Bacia do Prata – tal saída fica- atravessando um momento de cres-
D. Pedro II enviou tropas brasilei- va justamente em terras dominadas cimento, o ditador superestimou
ras ao Uruguai em apoio ao general pela Tríplice Aliança. seu potencial militar, tendo em
Venâncio Flores, do Partido Colo- Há quem defenda o fato de que vista que seu exército era pequeno,
rado, que tinha como propósito a a invasão do Uruguai foi apenas um despreparado e não possuía armas,
destituição de Bernardo Berro, do pretexto, uma vez que as tropas pa- nem equipamentos suficientes.
Partido Blanco, da presidência – o raguaias já haviam sido mobilizadas Os números apontam que 90%
general também era apoiado pela antes mesmo do ocorrido. Outra da população masculina do Paraguai,
Argentina. “Em 1864, o Partido visão apresenta a questão da defesa acima dos 20 anos, morreram na ba-
Blanco, que governava o Uruguai, paraguaia, considerando que o dita- talha. Em determinados momentos
adotou medidas que prejudicaram os dor temia ser o próximo a sofrer uma desse combate, que se estendeu de
pecuaristas donos de terras naquele invasão, por isso adiantou-se. 1864 a 1870, crianças, adolescentes e
país e se negou a parar pecuaristas No entanto, López não foi o úni- mulheres foram incluídos na luta. Foi
uruguaios que tentavam invadir co personagem dessa história a ser um verdadeiro banho de sangue, no
algumas terras do Rio Grande do acusado: alguns historiadores veem o qual os Aliados cometiam crimes de
Sul”, explica Maurício. Brasil como culpado, pois foi o impé- guerra como decapitar e vender pri-
O presidente uruguaio, por sua rio brasileiro quem tomou a decisão sioneiros como escravos, quando não
vez, buscou aliar-se ao Paraguai de agressiva de ocupar o Uruguai, mes- os forçavam a compor sua esquedra e
Solano López, que passava por um mo sendo alertado para não fazê-lo. pelejar contra seu próprio país. Ain-
momento de desenvolvimento mili- Até a Inglaterra esteve envolvida. da assim, o comandante do exército,
tar. O ditador havia assumido o po- “De acordo com essa corrente histo- Duque de Caxias, que nos remete a
der há pouco tempo e possuía uma riográfica, o governo britânico teria uma figura respeitada que dá nome a
clara política expansionista. Os dois pressionado o Brasil e a Argentina ruas e avenidas por todo o país, não
firmaram um acordo e López passou a declararem guerra ao Paraguai, tem sua reputação associada a esse
a advertir os países vizinhos na ques- oferecendo vantagens financeiras e contexto de atrocidades.
tão uruguaia. Mesmo assim, o Brasil empréstimos caso impedissem a as- Derrotado na guerra, o Paraguai
invadiu o Uruguai e Berro renunciou censão econômica daquele país, pre- ainda sofre com as consequências. “A
à presidência. Foi nesse momento que tendendo impedir o aparecimento de indústria ficou arrasada e até hoje não
houve a interceptação do navio, além um concorrente comercial autônomo conseguiu se recuperar. Nunca mais
da invasão do Mato Grosso por parte que serviria de exemplo às demais voltou a ter um bom índice de desen-
dos paraguaios. Por isso, o Brasil foi nações latino-americanas, as quais volvimento industrial e financeiro,
“obrigado” a entrar em guerra contra eram totalmente dependentes do im- pelo contrário, passa por dificuldades
o Paraguai. Ao lado de Uruguai e Ar- pério inglês”, assinala o professor. políticas e econômicas. Atualmente,
gentina, formaram a Tríplice Aliança. é uma das economias mais pobres da
Um país destruído América do Sul, além de continuar
A controvérsia Apesar dos fatores que envolve- não tendo saída para o mar, depen-
Consolidou-se a história de que ram a eclosão da batalha gerarem dendo do Brasil para realizar suas
o estopim da guerra foi a interven- conflitos, há um ponto em que to- exportações e importações”, finaliza
ção no cenário uruguaio, mas alguns dos concordam: independente da Maurício.
estudiosos afirmam que a ambição
de López em expandir seu território
motivou a batalha. Para Maurício, “VOLUNTÁRIOS” DA PÁTRIA
os dois pontos devem ser levados Para fortalecer o contingente brasileiro, o império criou o “programa” Voluntários da Pátria.
em consideração, uma vez que a No começo, os soldados até se ofereciam para a batalha. Mas, quando a quantidade de baixas
ação brasileira incomodou o Para- assustou, os senhores de terras, a fim de evitar uma convocação forçada, mandaram escravos
guai e que o ditador também tinha nos seus lugares ou pagaram os mais pobres para se apresentarem.
VOTO FEMININO

CIDADÃS
brasileiras
As mulheres lutaram pelo voto e por espaço na política. Atualmente,
elas ainda precisam de representatividade
IMAGEM Reprodução

E
m 1893, a Nova Zelân- anos depois, baseadas nos conceitos ideia se espalhar pela Inglaterra. Elas
dia marcou a história ao iluministas de liberdade, igualdade foram às ruas, fizeram greves, pro-
se tornar o primeiro país e fraternidade, a fundação da União moveram piquetes e se movimenta-
a reconhecer o direito das Nacional pelo Sufrágio Feminino ram unidas pela luta contra o sexismo
mulheres ao voto. Quatro ofereceu a força necessária para a que as impedia de participar da po-
lítica. Foi desta forma que, em 1918, argumentos daqueles que negavam às
após manifestações sem precedentes, mulheres à inserção na política eram cou o espaço da mulher na política.
as sufragistas inglesas conquistaram tipicamente machistas”. Os deputados “A mulher será livre somente no dia
o que reivindicavam: o voto feminino acreditavam que a permissão surtiria em que passar a escolher seus repre-
no país. efeito nas famílias brasileiras, além de sentantes”, escreveu em um dos seus
Para o Tribunal Regional Eleito- alegarem a inferioridade feminina. artigos. Eugênia chegou a ser perse-
ral, “o direito das mulheres em esco- Apesar do contexto desfavorável, guida pelo governo de Getúlio Var-
lher seus representantes (no Brasil) foi o movimento das mulheres surtiu gas devido aos seus ideais comunistas
garantido em 1932, através do decreto efeitos. Foi só dois anos após a con- e, posteriormente, ocupou o cargo de
21.076 do Código Eleitoral Provisó- cessão pioneira de 1932 e seis anos de- presidente do sindicato dos profissio-
rio, após intensa campanha nacional”. pois dos fatos ocorridos no nordeste nais de teatro.
No entanto, podemos colocar um que os empecilhos foram eliminados
grande asterisco nesta data. Afinal, as – o Código Eleitoral derrubou às res-
mulheres que fossem casadas só po- trições existentes a casadas, viúvas e

IMAGENS By Unattributed; restored by Adam Cuerden [Public


deriam exercer tal determinação com solteiras. E, em 1946, a obrigatorie-
autorização dos seus maridos. Já as dade se estendeu às mulheres, que, até
viúvas e solteiras estavam submetidas então, podiam votar, mas não tinham
às questões financeiras: era permiti- esse compromisso como os homens.
do o voto apenas àquelas com renda

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própria. Para lembrar:
as sufragistas brasileiras
Da permissão à integração
A professora do Rio Grande do
Norte Celina Guimarães Viana tinha
29 anos quando se tornou a primei-
ra eleitora brasileira, em 1928. Nas
mesmas eleições, Alzira Soriano de Bertha Lutz
Souza se candidatou à prefeitura da Natural de São Paulo, nasceu no
IMAGENS Wikimedia Commons

cidade de Lajes, no mesmo estado, e ano de 1894 e se formou em Biologia,


venceu a peleja municipal. Diante de especializando-se em anfíbios. Além
tais acontecimentos, a Comissão de de pesquisadora do Museu Nacional,
Poderes do Senado deslegitimou o a feminista Bertha foi uma das maio-
voto de Celina e impediu Alzira de res ativistas pela educação das mulhe-
assumir o cargo para o qual o povo a res e uma das maiores defensoras e
havia escolhido. Eugênia Moreyra representantes do movimento sufra-
A discussão acerca do sufrágio Nascida em Minas Gerais, na ci- gista brasileiro. Fundou a Federação
havia chegado ao Congresso tem- dade de Juiz de Fora, em 1898, era Brasileira pelo Progresso Feminino
pos antes. Mas, de acordo com Célio jornalista, atriz e diretora de teatro. (FBPF) e levou o país à Liga das Mu-
Tasinafo, professor de História no Declaradamente feminista, reivindi- lheres Eleitoras.
Colégio Oficina do Estudante, “os

O OUTRO LADO
Embora o direito ao voto tenha sido um passo primordial para a descons- para expressar suas preferências. “Mais da metade da população brasi-
trução da posição feminina e para o exercício da cidadania pelas mulhe- leira é feminina e a representatividade feminina não chega a ser metade
res, a medida não pode ser analisada apenas sob esse prisma. Isso porque do Congresso. Muito pelo contrário. Nós não temos 41 senadoras e nem
foi necessário um longo processo do momento em que a ação foi legiti- 260 deputadas. Apesar de ter conquistado o direito ao voto e existiram leis
mada até que a maioria delas se sentisse parte do sistema político e livre de apoio, a expressão ampla na sociedade não foi alterada”, avalia Célio.
CLT

LEIS
trabalhistas Entenda como foram consolidadas e o que muda com a reforma

N
ão existiria data me- O ano era 1943, o período, a Era Var- os vínculos empregatícios.
lhor do que um pri- gas (1930-1945). No cenário interna- “Naquela época, houve o cresci-
meiro de maio, em cional, a Segunda Guerra Mundial mento do movimento operário-sindi-
que é celebrado o dia tomava conta dos países. Em terras cal. Mas, bem antes das primeiras leis,
do trabalhador, para brasileiras, as mobilizações nesse con- que surgiram em 1930, aconteceu a
o decreto-lei que determinava a Con- texto previam um conjunto de regras greve geral de 1917, liderada por anar-
solidação das Leis Trabalhistas (CLT). com 922 artigos que passaram a reger quistas, de origem italiana, que mobi-
lizaram principalmente o setor têxtil de fazer greves, foi concedido o direito “Temos, então, um interessante binô-
de cidades como São Paulo e Rio de de participar dos lucros, novas dire- mio, industrialização e assalariamento.
Janeiro”, explica Célio Tasinafo, pro- trizes para o trabalho dos menores, E, afim de controlar essa nova força de
fessor de História no Colégio Oficina seguro desemprego (que só se efetiva trabalho, que é o operário, o Estado
do Estudante. em 1986), aposentadoria integral para varguista buscou a formulação de uma
Embora a consolidação tenha mulheres após 30 anos de serviços, regulação do trabalho sem que existis-
ocorrido apenas com Vargas, o que FGTS, contribuição e voto sindical; sem conflitos e que, ao mesmo tempo,
conferiu a figura do mandatário uma 1988: redemocratização e nova pudesse valorizar o trabalhador e o seu
imagem de protetor dos trabalhado- carta constitucional que define maior trabalho”, reflete o historiador.
res, desde 1891 existiam determina- poder normativo para a Justiça do
ções que regulavam as relações entre Trabalho, garante o piso salarial, li- ... e futuro
empregador e empregado. No período cenças gestante e paternidade. Proíbe No dia 16 de julho de 2017, o pre-
posterior ao governo do gaúcho tam- qualquer discriminação e admite os sidente Michel Temer sancionou a re-
bém surgiram novas leis, como sugere portadores de deficiência. forma trabalhista que prevê mudanças
a linha do tempo proposta por Thiago em questões como férias e jornada de
Scheidecker de Castro, historiador e Passado... trabalho. As novas regras entram em
professor, além de sócio e diretor da Diante da legislação, com direi- vigor em novembro e deram o que
Academia: História & Memórias. tos garantidos e maior estabilidade, é falar nos mais diversos setores da so-
1891: regulamentação do trabalho inegável que a classe trabalhadora do ciedade. Enquanto alguns acreditam
para menores; país ganhou mais força. No entanto, é que as medidas foram necessárias, há
1903: sindicalização para o traba- claro que houveram críticas por trás quem fale em um grande retrocesso
lho rural; desse processo. Quem pensa que tal para o país.
1907: sindicalização para todos; ato foi pensado a fim de proteger os Para Célio, as transformações fle-
1917: Código do Trabalho – con- cidadãos, por pura bondade e reco- xibilizam as leis em muitos aspectos.
sequência da grande greve de 1917; nhecimento dos esforços, está muito “Flexibilização pode significar perda
1918: Departamento Nacional do enganado. Como uma das princi- de direitos? Pode. Mas eu não acredi-
Trabalho; pais características do governo Var- to que isso aconteça porque nós temos
1923: Ministério da Agricultura, gas foi o investimento nas indústrias uma justiça do trabalho bastante orga-
Indústria e Comércio / Conselho Na- de base, a regulamentação foi vista nizada”, opina o professor.
cional do Trabalho; como uma medida que visava o con- Já Thiago afirma que a reforma foi
1930-1945: Era Vargas – carteira trole do Estado. debatida, analisada, ponderada, escri-
de trabalho, férias remuneradas, jor- Para Scheidecker, o Brasil após ta, votada e aprovada em praticamente
nada de oito horas, salário mínimo, 1930 foi articulado em pensamentos um ano e “pertence a um contexto de
previdência social, Justiça do Traba- positivistas e no discurso da indus- democracia questionável, apresentan-
lho, Ministério do Trabalho, Comis- trialização, para que essa pudesse mo- do um projeto que fragiliza ou volta a
sões Mistas de Conciliação e Juntas de dernizar a agrária economia nacional. fragilizar as relações sociais, sem con-
Conciliação, mais presença nas Cons-
tituições de 1934 e 1937 com as garan-
tias para a classe trabalhadora;
1946: Ampliação dos direitos (gre- “Há, sim, o que temer com essa recém aprovada reforma
ve, descanso remunerado e estabilida- trabalhista, mesmo que o discurso seja o de equilibrar partes,
de para o trabalhador rural); processos e custos do Estado. O que vemos nessa nova CLT é a
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1967: Em tempos de ditadura ci-


vil e militar houve nova ampliação de
precarização do trabalho que torna, mais uma vez, a posição
direitos para o trabalhador – os tem- do trabalhador vulnerável frente ao seu empregador”
porários foram incorporados à CLT, o Thiago Scheidecker de Castro, historiador, professor, sócio e diretor da Academia:
trabalho foi associado a dignidade hu- História & Memórias
mana, o serviço público foi impedido
CLT

siderar, por exemplo, as diversidades do país


como um todo”.
O historiador ressalta que a agenda da re-
O QUE MUDOU NA LEI?
Alguns pontos revisados pela reforma trabalhista:
forma pareceu, muitas vezes, ser conduzida
Férias: se antes o parcelamento era vetado por lei, agora as férias podem ser divi-
de acordo com a agenda de setores empre-
didas em até três vezes, com a condição de um dos períodos não pode ser inferior a
sariais, apoio de uma grande mídia e com o 14 dias.
ideário de um governo impopular e de bai- Horário de almoço e descanso: a carga de trabalho padrão, com oito horas, previa
xa credibilidade perante a opinião pública. um intervalo mínimo de uma hora. Com a reforma, esse tempo ficará subordinado à
“Portanto, há, sim, o que temer com essa negociação e não poderá ter menos do que 30 minutos.
recém aprovada reforma trabalhista, mesmo Jornada de trabalho: a partir da implementação das novas leis, o trabalhador poderá
que o discurso seja o de equilibrar partes, exercer sua função por até 12 horas, com 36 de descanso. Por mês, a quantidade de
processos e custos do Estado. O que vemos tempo será de 220 horas e, semanalmente, até 48 (contando as horas extras).
nessa nova CLT é a precarização do trabalho Salário: com as regras recém aprovadas, diferentes fontes de remuneração (bônus,
que torna, mais uma vez, a posição do traba- gorjetas, prêmios e quaisquer outros acréscimos) poderão ser negociados e não farão
lhador vulnerável frente ao seu empregador”, parte do salário. Além disso, os trabalhos baseados na produtividade não respeitarão,
conclui o especialista. obrigatoriamente, o piso ou o salário mínimo.

Editora-chefe Viviane Campos Editora Carolina Firmino Redação Érika Alfaro Design Zu Fernandes (Editora-chefe) e Josemara Nascimento Tratamento de ©2017 EDITORA ALTO
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Autor: Paulo Rezzutti mento. Além disso, como pano de fundo, representa o cenário
IMAGENS Divulgação

Editora: Leya C.P. político instável do país.


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Pedro. Segundo o autor, ela deixou o seu país, Ano: 2001
a Áustria, para se tornar uma articuladora Elenco: Werner Schünemann, Laura Schneider e Nelson Diniz
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Brasil foi crucial. Assim, em apenas 29 anos Baseada no livro que leva o mesmo nome, a trama revela a
de vida, sua trajetória marcou a história história de Antônio de Souza Netto, um general brasileiro feri-
nacional: e o livro promete contar como, além do na Guerra do Paraguai. O personagem começa a perceber
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