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ROBERTO
LYRAFILHO I
I
Éditions de Minuit, 1962, p. 42.
3 . HENRILEFEBVRE- Pour Connaitre lu Pensée de
,%farx. Paris, Bordas, 1966, p. 10.
i
4. GABEL- Obra citada, p. 242. I
!
- -
:
I Assim é que, nas distorções d o itinerário de t a n -
HERMANNMANNHEIM,Cowzparative Criwzinology, London,
Routledge & Kegan Paul, 1966, 1101. I, pág. 21 ; H. P. RICKMAN, tos pioneiros, estava, sempre, a mesma pressão, direta
Understanding and the H.u~.nan Studies, London, Heineinann, OU indireta, d o naturalismo e do positivismo, c o m
1967, pág. 136 ; JOI-INBARRONMAYS,Crime and the Sociat
.Ctructure, London, Faber & Faber. 1963, passinz; DENISSZABO, u m a antropologia subjacente, d e índole biologista,
I in Actn Crinzinologica, Montréal, Les Presses de 1'Université psicologista o u sociologista. Obliteravam-se matizes,
I
I
de Montréal, 1968, n.O I, pág. 6 ; FRANK E. HARTUNG, Crime, interferências e associações d e fatores, sobretudo co-
i I.aw and Society, Detroit, Wayne State University Press, 1965,
pág. 217; ISRAEL DRAPKIN, La Crirninologúz en Hispanoamkrica, implicações dialéticas, d e acordo c o m a preocupação
in Revista de Derecho EspaGol, Madrid, 1966, n.O 11, pág. 7 ; causal, mais o u menos rígida, p o r é m inevitàvelmente
BENIGNO DI TULLIO, Principias de Crivninologia Clinica y Psi-
polarizada e m t o r n o d e explicações, afinal exclusi-
qztWltrk Forense, Madrid, Aguiar, 1966, pág. 160; PAUL
W. TAPPAN, Crime, Justice and Correction, New York, Mac- vistas e unilaterais.
I Graw-Hilk 1960, pág. 169; WOLFMIDDENDORF, Sociologia de1 O s mesmos encaminhamentos p o d e m ser obser-
I Delito, Madrid, Revista de Occidente, 1961, pág. 247: H. VEIGA
I DE CARVALI-IO, Os Cri~minosose swrs Classes, São Paulo, Ser- vados, desde LOMBRIOSO, p a r a citar u m marco do
viços Gráficos da S. S. P., 1964, passirn; MANUELLÓPEZ~REY,
I Considérations Critiques su-r LU Criminologie Contemporaine, in
Annales de Ia Faculté de Droit de Liège, 1966, pág. 344; GIL-
biologismo, o u DURKHEIM, p a r a mencionar a opo-
siçzo sociologista, n ã o menos desvirtuadora. O socio-
FERTO DE MACEDO, AS Novas Direfrizes da Crintinologk, São -
~ Paulo, Leia, 1957, mág. 26. I
I 8. C. I. GOULIANE - L e Marx.M.me Devant PHornme:
I 6. MANNBEIM, Obra citada, vol. I,"pág. 221 Essai d'Anthropologie Philosophique, Paris, Payot, 1968, pág. 28.
7. JEAN PAULSARTRE, Questão de Método, São Paulo, I 9. MIGUELBUENO- Las Grandes Direcciones de I,a Fi-
I Difusora Européia do Livro, 1966, págs. 9-11. losofia, Mexico, Pondo de Cdltura Económica, 1957, pág. 36.
I
!
16 ROBERTO LPBA FILHO
10. LEFEBVRE, Obra Citada, pág. 12; GOULIANE,Obra 14. JosÉ ORTEGA Y GASSET - Obras Col~lpletas,Madrid,
citada, pág. 17-22. Revistã de Occidente-964, vol. VII, fai295.
11. LEON RADZINOWICZ, Ideology and Crime, London, 15. DI TULLIO, Obra Citada, págs. 139 e segs.
Heinemann, 1966, passim. Éste autor, numa douta resenha, 16. EDWARD PODOLSKY, T h e Clze'~~~.zical
Brcw of Crit~zinal
equivoca-se, todavia, ao considerar -o marxismo uma -filosofia - -- - -
Bclzavior in Jounzal of C r i ~ ~ i i n aLaw,
l C.r.iininology ,and Potice- -
economicista, pois esta versão subsiste, apenas, em deformações S C ~ P'1~ '01.C45,
, &S. 675 e segs. (1955) ; C h r o ~ ~ z o s o abnor-
i~~e
criadas, para fins polêmicos (GEORGE SAROTTE, Le Matérialissme 1
malzty nnd Cril~linalRrspoxsability (Siinpósio) , Jerusalém, Pu-
Hisforique duns Z'gtude dfc Droit, Paris, Les Éditions du Pavillon. blication of the Iilstitute o€ Criminology, n.O 6 (1969) ; ELMER
1969, pág. 13; LUCIENGOLDMANN, S&mces Humaifies et H. JOHNSON. C ~ ~ I I Cowcction
ZC, und Socicty, Hommewood (11-
Bhilosophie, Paris, Presses Universitaires de France, 1952, iinois) The Dorsey Press, 1964, pág. 97 e segs.; BOUZAT&
págs. 82 e segs.; ARMANDCUVILLIER,Piartis-Pris, Paris, PINATEL,Obra Citada, vol. 111, págs. 297 e segs.; PAULTAP-
Armand êolin, 1956, págs. 322 e segs.). I PAN, Obra Citada, pags. 98 e segs. ; VEIGADE CARVALIIO, Obra
12. RADZINOWICZ, Ideology, cit., pág. 55; DENIS SZABO, I
Citada, pág. 1s; GILBERTO DE MACEDO, Horm6nios e Conduta
#
Déviance et Criminalité, Paris, Armand Colin, 1970, pág. 12. E Criminal i n Cadernos: Curso d e Doutorado, Maceió, Faculdade
13. Ajud, ROBERTOLYRA,NOVO Direito Penal, Rio, de Direito da Universidade Federal de Alagoas, 1965, págs. 1-13.
Borsoi, 1971, pág. 209. L
18 ROBERTO LYRA F I L H O CRIMINOLOGIA DIALÉTICA
resenha algo melancólica de ELLENBERGER,'~ inclu- nociva, quando pretende descobrir, em seu próprio
sive nas pesquisas ditas "infractiológicas" da crimi- nível, a "causa" da delinquência, baseada em elemen-
nologia japonêsa l \ em muitas outras iniciativas tos somato-psíquicos, adquiridos ou hereditários.
florescentes. O que se aponta é o insucesso das ten- Entretanto, a macrocriminologia não se pode
tativas, no sentido de procurar acesso à macromino- pagar com arrogância o serviço de apontar as falhas
logia, através de explicações microminológicas, mes- da redução microcriminológica. A êsse propósito,
mo quando estas admitem o concurso" de fatores
I I
convém recordar que o mestre da Universidade de
sociais. O êrro, na perspectiva básica, impede o entro- Montreal, DENISSZABIO, termina a resenha das mo-
samento dos dados, em virtude das distorções, man- dernas doutrinas sociológícas da aberração (deviant
tidas em todo o itinerário. beihaviour) com um apêlo à ética.'l
Por outro lado, os estudos psicológicos e psi- E m síntese, todas as explicações no antigo sen
quiátricos enriquecem o elenco de visões parciais, sem tido causal - ainda muito atraente para certos cien
esquecer os caminhos da psicanálise, mas, revelam, tistas, pouco informados sobre a evolução dêsse co
todos, a mesma incapacidade para cingir o fenômeno ceito, na lógica "- e, inclusive, na lógica dialética 23
delituoso. do seu exclusivo ponto de vista espcciali- - esbarram num paradoxo fundamental.
zado. Neste setor, fracassaram os esforços dum con- De um lado, é a predominância dos fatores ín-
cordismo macro e microcriminológico, apesar de todo ternos, às vêzes com o recurso tático de admitir a
o talento e habilidade de cientistas como DOLLARD interferência dos fatores mesológicos. Porém - como
ou JEPFERY." Não está aí o caminho da almejada extrair da órbita bio-psíquica, ao nível d o crimí-
I'
compreensão do crime, faltando a envergadura, para noso", geralmente estudado a posteriori e nas pri-
armar as "mil sinuosidades dos trabalhos de porme- sões," a própria razão de ser dum fenômeno, delimi-
nor"."O A microcriminologia revela-se deficiente, e ate tado ao nível da "criminalidade", segundo parâmetros
sociológicos?
17. HENRI F. ELLENBEOGER i n Crivtzinologie en Action,
cit., págs. 46 e segs.
18. SHUFUYOSHIMAZU e SADAKATA KOGI,i n Acta Cri- 21. SZABO,Dévinnce, cit., pág. 32.
wzinologicn. c k , vol. 11, jaxeiro 1969, págs. 147-160. O método 22. MICHELANGELO PELAEZ, Introduzione allo Studio
infractiológico refere-se à pesquisa das relações entre os crimes, delln Criminologin, Milano, Giuffrè, págs. 100 e segs.; MAN-
ii? vicia livrc. e as infra~õespenitenciárias, no interior das pri- NIIEIM, Obra Citada, vol. I, págs. 5 e segs.
sóes (pág. 159). l 23. ATH.JOJA, A Lógica Dialética, São Paulo, Fulgor,
i
10. DENIS SZARO, DEeiiiinre, cit., págs. 18-19. 1965, p a s i ~ ~ z .
20. PIXATEL, in Criiizinoloyir e>t Action, cit. pá- i
I
24. SZABO,Déviuwe, cit., págs. 21-23; ELLENBERGER, in,
gina 136. Criminologie en Action, cit., pág. 45.
l
1
2O ROBERTO LYRA FILHO CRIMINGLOGIA DIALÉTICA 21
De outro lado, é a predon-rinância da análise das agressão contra os valores do grupo"." A palavra
' L
normas sociais e da aberraçáo ou desvio, que a delin- grupo torna-se muito imprecisa, para facilitar as
qG6ccia manifesta. Mas, nessas normas, essencial- transações, ao gosto da teoria de MERTON,~' e, de
mente rnutáveis, não se encontra alguma espécie de forma geral, das análises da criminalidade, com apoio
estabilidade, que admita as generalizaçõc.; científicas. nas idéias de associação difereaa~ial,'~
anomia e aber-
Elas oscilam, no tempo e no espaço e até. mesmo, ração,"'- desorganizaçáo social3' e quejandas.
- - - --- -
num tempo e espaço, por assim dizer, comuns, do Evidencia-se, ai, não só um impusse teórico,
ponto de vista horizontal. É que as estratificações através da relativização do conceito de crime; a tal
sociais, desde a divisão estamental a estritamente clas- ponto que se dissolve o próprio objeto da ciência cri-
sística, determinam pluralismos éticos e oposições, na minológica, mas, inclusive, uma vocação eininente-
avaliaçio da legitimidade e normalidade das condu- mente conservadora. - T o d o "fracasso, quebra ou
tas. O sociologismo, como projeção ideológica, -
en- desintegração" de estruturas será, nessas concepções
trega à sociedade, dita global, o controle do parâme- de "vellao" (old man) , equivalente a "doença".31
tro, que utiliza, reservando a desvios e aberrações o E a tendência é., portanto, identificar o desvio como
I,
conceito de subcultura. Ora, a sociedade global é algo "patoTógico" - metáfora que propicia as liga-
mero arranjo, que depende de interêsse e forças gre- ções com o biologismo e o psicologismo, apontando
dominantes; e as crises sociais, desvendando contra- L I
causas ou concausas em anomalias" somáticas ou
dições intrínsecas da estrutura e despertando contes-
tações radicais, mostran-r a ambigüidade da noção
26. PINATEL,in Cri??zinologie@tt Action, c&., pág. 140.
sociológica ou psicológica da anomia, expressivamente
- - - - - 2 7 . ROBERTK, MERTON,&C~U~ Theofr31 @nndSocial Struc-
- - -
tomada de empréstimo a DURKHEIM e reelaborada twe, New York, Free Press, 1949, pussim
a partir 28. EDWINH. SUTHERLAND & DONALD CRESSEY,Prin-
AS subculturas também possuem suas cipes Criw~inolo~ie, Paris, Cujas. 1966. págs. 85 e segs.; --
--
normas. - -- - -- - - -- -
psíquicas, reputadas correspondentes, Nêste sentido, de minorias privilegiadas, há crimes de perig0.e dano
a posição de QEFFERY é sintomática. ~crnuns.~%as essa distinção válida tornou-se neces-
A organização social dominante é fixada, como sária, justamente porque a invocação, em abstrato,
parâmetro, para a análise da aberração, idéia que da defesa social dissimula a existência de crimes" < 1
envolve a aceitação dos valores pelos qanais é deter- que resguardam privilégios, bem como o afeiçoamen-
minada e acaba avalisando a estrutura, numa inves- ~o de todo o sistema normativo aos interêsses funda-
tigaçáo muito amena da sociedade criminógena. mentais dos melhor aquinhoados. DENISSZABOacen-
A "explicação" desloca-se para um terreno securadá- tua a índole das preceituações legislativas, traduzidas
rio. J á ADORNOdenunciava a escamoteação, implícita 12 defesa de bens e pessoa dos possédants." Ora, nem
nessas atitudes, lembrando que "a comunidade da ~ ô d adefinição formal de ilicitude penal apresenta
reação social é, essencialmente, a da opr?ssão so~ial".~' eo ipso a chancela de legitimidade. E, além disso, no
O núcleo estratificado defende-se, por êsse meio, âmbito processual, as garantias judiciárias do fair
de todo questionamento básico e movimenta o velho trial só amparam, a bem dizer, aquêles que podem
'
espantalho da defesa social. Aliás, a crise de consciên- movimentá-las, em seu proveito. O ex-chefe do Mi-
cia dos mècanismos de controle deixou de apelar, nistério Público, nos Estados Unidos, RAMSAY
doutriiaàriamente, para a punição do aberrante, pre- CLARK,em libelo, de publicação recente, coloca nessa
ferindo sugerir, com hipocrisia, a reeducação, o re- perspectiva a organização judiciária d o seu país.3"
ajustamento, a cura de sua "doen<a". Todavia, ao SZABOjá lembrava que, no século XIX, as clas-
menor abalo, as tensões sociais provocam aquêle pa- ses laboriosas eram sinônimo de classes perigosas; e
vor, que logo tende a lançar mão dos recursos mais os pobres, como os 'criminosos natos", foram con-
I
violentos. regredindo, na ordem de evolução das ins- siderados "inimigos da sociedade", aos quais se apli-
tituições. jurídicas, até as etapas ditas primitivas. cavam os rigores da lei, a título de " e ~ g e n i a " .Ainda
~~
O liberalismo, como projeçáo ideológica, só funciona hoje, a criminologia, realmente científica, precisa lutar
desimpedido, na euforia das estruturas ainda não de- contra o "estereótipo d o criminoso", que, na expres-
safiadas bàsicamente. são de DENISCHAPMAN,é "simples artefato social
-
Sem dúvida, como nota ROBERTO LYRA,até
33. ROBERTO LYRA,E712 D ~ f e s ada Analogia, in Revista
numa sociedade dividida em classes e com o domínio Erasilcira dc Crinlinologin, Rio, n.O 2, janeiro-iuarço de 1948,
página 15.
32. TH. ADORNO & MAX HORKHEIMER, Sociologica, Ma- 31. S ~ A E ODL:zfionce,
, cit., pág. 11.
drid, Taurus, 1956, pág. 285. Ver Luís GARCÍASAN MIGUEL, 35. RAAISAY CLARR,C ~ i l ~inl e Americirt, New York, Sirnon
& Schuster, 1970, passinz.
Notas para una Critica de la Razón Jztrldiuz, Madrid, Technos,
1969, págs 103-105. 36. SZABO,Uéviance, cit., pág. 27.
24 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 25
e legal",3i para a criação de "bodes expiatórios" (sca- tes da estrutura; a intimidação revela, mais uma vez,
pegoats). Daí a importância, atribuída por N A G E L , ~ ~ a sua ineficácia; e a repressão exasperada continua a
em sua criminologia crítica, não sb à maneira por avolumar aquêle mesmo potencial, cujo transborda-
mento queria evitar. I
que o delinquente chegou a conduta formalmente pu-
nível, mas, com ênfase peculiar, a outra questão, em
geral obscurecida ou abandonada: essa incriminaçáo --
Mesmo fora dêsse clima, as verificações-
lúcidds e serenas da ciência já tinham demonstrado
mais-- - - ~
deve ser mantida? E isto, diz o criminólogo de Lei- que o combate a delinquência envolve operações de
den, é apenas um modesto comêço. mudança, ao nível da estrutura e organização sociais.
Enquanto as tensões sociais iam crescendo, a in- Em seu livro, justamente famoso, os criminólo-
vestigação científica, furtivamente engajada, tranqui- gos americanos, CLOWARDe OHLIN, recolheram da-
liza-va-se-com as idéias de -r-eeducação, -em q-ue-.o rigor de campo, a -fim de robustecer
dos, na in-v-e-stlgaç-ão- - -
opressivo ganhou o aspecto de técnica pedagógica; conclusões pertencentes ao mais moderno estilo de
mas as fissuras no sistema social, conscientizadas por pensamento social e criminológico: a deIinqiiência
grupos cada vez mais numerosos, traduziram-se em não é propriedade de indivíduos ou grupos subcultu- I
contestação de normas e valores; e o poder social, rais e, sim, do próprio sistema estratificado, em que
mais inquieto e mais franco, veio a adotar a linha êles se acham entrosados. Macrocriminològicamente,
definida pelo eminente autor americano, LLIOY~> os grandes surtos delinqiienciais decorrem da ruina de
OHLIN: "os grupos dominantes, politicamente, ten- velhas estrutura^.^^
tam impor uma definição de criminalidade aos que De qualquer forma, dissolvido o padrão da re- '
contestantes a formas de auto-expressáCãGé em pa- Sem dúvida, é preciso chegar a posições integra-
dróes da criminalidade chamada comum. T u m u l - das, em teoria criminológica. Eu, mesmo, procurei.
tuam-se as fronteiras, sempre litigiosas, entre defesa acompanhar êsse trend, em vários trabalhos;*' mas
e opressão sociais, de acordo com as visões conflitan-
- 40. RICHARDA. CLOWARD & LLOYD E. OHLIN,Delin-
37. DENIS CHAPMAN.Sociology and tlze Stereotype of quency and Oppo)*tunity, New York, Free Press of Glencoe,
fhe Criminnl, London, Tavistoclc Publications. 1970, pussim. 1961, pág. 211.
35. NAGEL,Obra Citada, pág. 7. 41. Pa~torammAtual da Crivninologia e Liv.~alizentoCon-
39. LLOYD OHLINin SZABO. org., Criminologie en Action, dicional e Intelífcrncigz Interdisciplir,ares in Revista Brasileira
cit., págs. 436-437. de Cri.ininologia e Direito Penal, n.cs 15 (outubro-dezembro.
creio q u e , neles, ainda sofria a influência d e c e r t a s Nos c a m i n h o s atuais da teoria criminológica, f i c o u
correntes f o r m a l i s t a s , de q 3 e m e p r o c u r o libertar, nu- p a t e n t e a o b s t r u ç ã o , m a n i f e s t a d a e m diferentes níveis
ma perspectiva mais a m p l a , matizada e profunda. de análise; e essa obstrução arrisca o d e s t i n o da pró-
O i m p o r t a n t e é refletir à altura do nosso t e m p o ; isto pria ciência, pois as c o n s t r u ç ó e s interdisciplinares, q u e
q u e r d i z e r , a p r o p r i a n d o - n o s da "circunstância" e m se e s b o s a m , c a r r e g a m , e m si, uma p e t i ç ã o d e p r i n c í -
que estamos imersos, para r e e n q u a d r á - l a , num plano I I
pio. As "ciências" p e n a i s n ã o - n o r m a t i v a s " , q u e a
superior,que nos liberte da sua prisão lógica.42 A abor- c r i m i n o l o g i a f u n d e e i n c o r p o r a no seu f o c o o b j e -
d a g e m correta reclama uma espécie d e Aufhebung, no tual," não t ê m , e v i d e n t e m e n t e , uma noção d e crime,
s e n t i d o h e g e l i a n ~ ,d~i a~l e t i z a n d o os impasses, para I I
s e n ã o arrancada à "ciência", dita n o r m a t i v a " , do
absorvê-los e superá-los. direito. E elas se d i s t i n g u e m , a p e n a s , p o r q u e , n e s t a
ú l t i m a , ainda p r e d o m i n a a exegese e c o n s t r u ç ã o d e
-
tegrar, na trama legislativa, dados criminológicos em ajusta à direção do pensamento contemporâneo. A an-
sentido estrito." tropologia filosófica de nosso tempo há de ser dialé-
Em todo caso, a criminologia, ganhando perfil tica e, não, metafísica, no sentido clássico. Mas é
autonomo, continua a oscilar, entre a porta estreita fundamental, de qualquer maneira, estabelecer a ne-
das formulações legislativas, quanto à noção de cri- cessidade de explicitar essa antropologia, como exi-
me, e as areias movediças das normas sociais, f ~ m a l -
-- - - --
-gência do próprio trabalho--cientifico; econsiderar, - ---
mente consideradas; com o que tende a consagrar, por outro lado, as condições de sua inserção, de tal
após um rodeio sociológico, o outro formalisimo, da sorte que não pareça uma intromissáo gratuita da
aberração, de alguma sorte redutível à sua contraparte filosofia.
A distância é muito pequena entre o for- Aliás, é comum objetar-se, contra ela, a extrema
mal confinamento às normas sociais ou, particular- dificuldade da tarefa ou a iraexistência de bons e só-
mente, às jurídicas: elas funcionam como gênero e lidos critérios universais e firmes, em filosofia ( o que
espécie. E, no final, ainda surge a ética, enquanto já constitui, aliás, uma opção filosófica). Desde logo,
instância mediadora, entre o relativismo de certas cumpre assinalar, portanto, que o problema não está
sociologias e aquêle esquema antropológico de base, na dificuldade do empreendimento, nem na sua re- I ,
que, como intuiu PINATEL, está sendo reclamado por matada e definitiva certeza absoluta (a pressupor que
todas as ciências humanas.49Pena é que o grande cri- as ciências humanas, entregues a si mesmas, apresen-
minólogo francês tenha, logo, desviado o foco, para
tassem tão invejável caracteristica - o que está longe
o terreno m e t a f í s i ~ o prejudicando
,~~ a sua construção.
da verdade). O essencial é a inevitabilidade da refle-
I? marcada, ~ ~ I N A T EainfluênciaL, doqsiquiatra - -
xáo sÔbTFó tema. E aqui se torna muito oportuhla
L
loeia russa, diz êle, vem-se tornando mais objetiva." ãtual. ~ u l G & a r a m - s e a tal ponto que há o risco do
-
~~~á claro que. noutra época, o marxismo, transfor- esquecimento de sua origem, incorporando-se o
mado em "teologia", teve a sua "escolástica", inclu- "diabo" às oracões. O mesmo se dirá de FREUD, como
4 I*
sive com "papa", "index" e inquisiçáo" - o que nota OSBORN, em paralelo dos fundadores da psica-
náo escapou à crítica de muitos dos seus próprios nálise e do materialismo históri~o.~VAliás, a aliança
adeptos e simpatizantes. Ainda recentemente. Gou- tentada por êsse autor inglês, do ponto de vista da
um dicionário da Alemanha orien- ciência psicológica, aproxima-se do esforço de SAR-
LIANE
tal, se que a antropologia filosófica é um TRE, no plano E essas preacupações ecoam
ramo da "filosofia imperialista" ...62 Como se sabe, no Simpósio da Unesco, onde se pretende fazer o
o filósofo de Bucareste não é, pròpriamente, um "oci- balanço do marxismo, diante da ciência e da filosofia
dental". RUMIANTZEV pôde escrever, na Rússia que atuais.'j7
não está definitivamente elaborado em
Procurando as raizes da antropologia filosófica,
MA~X
- -
e ENGELS" e que "todos os pontos da teoria
indispensável ao trabalho das ciências humanas, pa-
-estáo longe-- de uma construção profunda e convin-
--
rece-melítil r e t o m a r ~ f i odo assunto, no mominto
63 É O livre exame nascente e convicto de que
9,
cente em que o natu-alismo positivista foi mais duramente
a há de ser a mesma, em todos os quadrantes,
-- -
mas
--- -
dzda-apriori-nos-"llivros sagradosY'~"Ahis--- -
- __ atacado. _Veremos surgir, então,-alguns elementos, - --
~ R T R E @estão
, de Método, cit., pág. 23. 65. REUBENOSBORN, Ma~.2-isltle ct Psyclznnnlyse, Paris,
60. Payot, iO65, pnssi:?~.
61. LEON RADIZIN~WICZ, Ozi en est.. ., cit., p. 149.
C. I. ( ~ J L I A N E , Le Marrirme, cit., p. 13.
66. SARTRE, Qztestáo dc Método, cit., p. 53.
62. 6 ~\IAIIXA N D C~OXTEMPORANY SCIENTIFIC TIIOUGHT
63. ~ p u dB E R ~ RJEU, D Obra Citada, p. 437.
(Uriesco), The Hague, Mouton. 1969, pnssii~z.
JEU, Obra Citada, p. 438.
@.
34 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA
fatos, fatos. fatos. ..74 Arremetendo contra esses "par- da edição francesas, GURVITCHa v a h o ataques7'
tidários de insignificâncias"'- 0 pior é que elas Se quiséssemos discernir o que se oculta, Por trás
4'l
se apresentam como bastante significativas - Lu- dessa cortina de fumaça, emergiria a índole Cmserva-
*I '
CIEN FEBVRE dera duma sociologia da integração", amável ró-
I
intitulava-se historiador e, não tra- :i
!lIi
peiro, que vai enfiando tudo no mesmo surráo pro- tulo de DAHRENDORF,'~ para definir a polarização
miscuo.'"utatis mutandis, a farpa atinge o empi- segundo o arranjo dominante; isto, inclusive, na ex--
rismo puro, em todas as ciências, particularmente as f
plicação de alcance médio, com variantes rdacionaih
h m a n a s . Aliás. o simples recorte dos fatos já mo- II estruturais, de interaçáo simbólica, de imperativism~
vimenta esquemas de relevância e inteligibilidade, que 3 funcionãl e quantoniãmorraalm-a-ginaçáo-des~is-
~ ò m e n t ea açáo reciproca entre teoria o praxis pode
salvar-da empirismD-cezo-e-dõap~orismB idealistã. - -p- ' j'
I -
tadora."
p - ~ o - c o n t ~ x t o f o r m a l i s t a ~ oi~d~a l i s t a e junto 5
MAX HORKHEJMER enfatiza que, para a sociologia,
a relação com a filosofia "é algo de c ~ n ~ t i t ~ t i ~ ~ " , ~ ~
4! cisão entre o homem natural e o homem social, nutri-
- 1i " -
78. PIRITIM SOROKIN, Tendances et Déboires de la So-
4 . RADIZINOWICZ, Ideology.. ., cit., p. 127. ciologir A7iz&icaine, Paris, Aubier, 1959, p. 130 e %$S.
75. ~ J A R S I I A L L , Obra Citada, p. 27. ii
76. LUCIEN FEBVRE, CO??I~C P Io~ S~ L'Histoire,
I~ Paris, A r .
iji
79. Ióidei~,p. 4.
80. K. DAHRENDORE, Lns Clnscs Socialcs y su Conflito
mand Colin, E954, 17s. 7-8. NO nlesino sentido: E. H.
W h ~ist Hi~tol.~?, Harmondsworth, Penguin Books, 1964, p. 9 .I la Soricdod, Madrid, Rialp, 1962, p. 207; Luís G A R C ~SAN
~ I I G U EObra
L , Citada, p. 105.
A
e segs. 81. v e r a resenha de WALTER L. WALLACE, Soci010gicd
77. M*x HQRKEIMER,
in Sociologica, cit., p. 21. Thcory, Loridon, Heinemann, 1969, pussim.
38 ROBERTO LYRA FILHO
CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 39
V i e n a e s e u s satélites intelectuais, e m i g r a n d o p a r a os
a l g u m a generalidade"65 - e o registro insuspeito do
E s t a d o s U n i d o s , o n d e c o n s u m a r a m a v o c a ç ã o da I
m a t e m á t i c o FRÉCHET - "as ciências h u m a n a s cor-
A u s t r i a : aliás, na v i a g e m , p a r a o c a s a m e n t o do
r e m o risco d e se t o r n a r e m m a i s erroneas, no m o m e n t o
empirismo c o m a lógica s i m b ó l i c a , uma p a r t e d c c o r - f
preciso e m q u e se t o r n a m mais exatas"."
I
têjo d e i x o u - s e f i c a r na I n g l a t e r r a , c o n q u i s t a d a e sub- por o u t r o l a d o , não b a s t a r i a , p a r a defender a
missa. O uftimo r e c u r s o da razão e s v a z i a d a e r a o
o apelo desesperado à f e n o m e n o l o g i a husser-
jogo da . " q u a n t o f r e n i a " ou s e u e q u i v a l e n t e , no for- !
i l i a n a , c r i a d a e m p a u t a idealista o o b j e t o d e apossa-
rnalismo da a n á l i s e lingiiística, d e n t r o d e i n s t r u m e n -
mente pela f i l o s o f i a existencial, q u e a a d o t o u , e n -
tos c o m o o nada m e n o s q u e licencioso T o l e r a n z - quanto m é t o d o , s u b t r a i n d o - l h e o l a s t r o idealista (no
prinzip d e r S y n t a ~ O . ~ m a t e m a t i c i s m o , por outro
sentido gnoseológico e s t r i t o ) . A aplicação d a P r r -
l a d o , fazia c a s o omisso dos p r o b l e m a s i n t e r n o s d a s
p r ó p r i a s r n a t e r n á t i ~ a se~ ~d e sua i n a p l i c a b i l i d a d e às
pectiva fenomenológica à epistemologia científica
não conseguiu vencer o impasse dos parênteses ar-
82. Ver JEAN PAULSARTREet alii, Kierkegaurd Vivo, b i t r á r i o s d e HUSSERL,apesar d e esforços m u i t o
Madrid, Alianza Editorial, 1966 (sobretudo - SARTRE, ps. 17-49 b r i l h a n t e s , c o m o os d e MERLEAUPONTY"ou de
e GOLDMAN, ps. 97-122, discutindo as tesse de L u ~ Á c s ) . Tam-
bém: GOULIANE,Obra Citada, ps. 21 e 148 e segs.; EMANUEL S T R A ~ S EUma R . ~ ~psiquiatria e x i s t e n c i a l i ~ t a . c~o~m o
M~OUNIER, Introductioin aux Exzktentialismes, Paris, Denod,
1947, passim. Por outro lado, quanto à contribuilão do exis- c
- há uma dialética do método m;ttemático? Também: MAU-
tencialismo às ciências sociais, SARTRE,Questão de Método, cit., R~~~ FRÉCHET, Les M a t h h u t i q ~ f et
~ sle Con'cret,Paris, Presses
passim; DUVERGER, Obra Citada, p. 24; MAURICE MERLEAU Universitaires de France, 1955, ps. 1 e (sobre uma desa-
PQNTY, Les Sciences de l'Homme et la Phénoménologie, Paris, t
Centre de Documentation Universitaire, 1965, pussim, e MAU- 1 xiomatização da ciência).
du Caractère, Paris,
85. EMMANUEL MOUN~ER .
l'raitk
RICE MERLEAU PONTY,Résumés des Cours: Collège de France Éditions du Seuil, 1946, p. 39.
(1952-1960), Paris, Gallimard, 1968, sobretudo ps. 77 e segs. 86. FPÉCHET, Obra Citada, p. 116.
83. A respeito, JOJA, Obra citada, p. 38. 87. MERLEAUPONTY, Les Sciences.. . , cit., passiw.
84. Ver GEORGESBOULIGAND & JEAN DESGRANGES, Ee - 88. STEPHANSTRASÇER, Phénoménologiz ef Sciences de
Déclin des Absolus Mathémtico-Logiques, Paris, Smiété d>Édi-
tion d'Enseignement Supérieur, 1949, passim, sobretudo o en- 1t IJHomme, Lourain, Publications Universitaires de Louvain, 1967.
89. No texto, que não se destina a leitores formados em
saio de ~ E ~ G R A N G E (ps.
S 75 e segs.), respondendo à questão t filosofia, evito, por isso mesmo, as subdistinções sibilinas, entre
I
i
40 ROBERTO LYRA FILHO i CRIMINOLOGIA DIALfiTICA 41
. r
4 .
a de FRANKL,
mestre da 3." Escola de Viena, interessa, de ferro ideológica separava o mundo russo", o I I
I Por outro lado, os hegelianismos de esquerda, longe grande vivacidade, vários espectadores oferecem, logo.
das cátedras universitárias, salvo em figuras isoladas a expiicagáo" - é uma crise de hipomania ( u m
I I
e POUCO características, tal como a de MONDOLFO, psiquiatra) ; Esse desafio à autoridade trai um ódio
estava entregue àquelas formas dogmáticas, inspira- infantil ao pai (um psicanalista freudiano) ; Puro
I das em razões táticas e de ocasião.'" efeito duln metabolismo descalcificado (um d i s c í ~ u -
Completara-se a dissociaçáo antropológica. As lo de RABAUD); obedece aos interêsses de classe (um
, direções filosóficas, subjacentes à atividade científica, marxista). Trata-se, é evidente, duma caricatura~
-- - - -
----- que-só as proscrevia para melhor seguí-las, --- -- - --na tônica visa a desmoralizar psiquiatras. psicanalistas.
-
--
- - -- que
idealista geral, criaram uma espécie de hsmem frag-
- -
TRE, desvirtua o próprio enderêço, a que adere,g6 ainda se poderia acrescentar o eco de problematizagões
obscurecendo, por exemplo, a contribuição da psi- radicais, a exemplo de B A E C H L E R , pura -~ ~ ~ ~ ~ ~ ~
canálise," que, por outro lado, em FREUDe, sobre- e simplesmente, a divisão das ciências sociais e prefe-
tudo, em JUNG,se faz acompanhar du'a "mitologia rindo falar em redefinições de tais ciências, conforme
perfeitamente i n o f e n ~ i v a " . ~ ~ os diferentes níveis de análise da realidade social.lV3
A integração das ciências humanas, representan- Aliás, o sempre bem informado PINATEL já destacara
do, no seu quadro geral, tanto quanto no setor cri- à existência de novas e surpreendentes formações
minológico, uma insistente preocupação de nosso interdisciplinares, mostrando como ruem as barrei-
tempo, arrisca-se, contudo, a terminar n u m jogo di; ras de metodologias baseadas no protecionismo de
cancelamentos recíprocos, mais do que de colaboração áreas,lo4 Isto atinge, inclusive, o terreno das cigncias
fecunda. da natureza, como não deixou de assinalar o eminente
WQLFGANG e FERRACUTI esbanjaram talento e criminólogo francês,
erudição na sua tentativa de encontrar o caminho.gg A fusão, portanto, já parece bem tímida e, ade-
Seu livro, associando a investigação empírica à voca- mais, nela, se admite, ainda, aquela espécie de oposi-
ção teórica, é, sem dúvida, u m dos mais importantes são do "criminólogo clínico" e do "criminólogo so-
da bibliografia criminológica atual. Eles procuram c i o l ó g i ~ o ' ~O. ~problema,
~~ assim, escapa ao eontrôle
abandonar aqueles outros tipos de pesquisa interdis- duma teoria, realmente básica, para reduzir-se às aco-
ciplinar, recenceados pela National Education ASSO- modações, com sabor diplomático, do "protocolo
ciation; fixam-se no que esta denominou "fusão" e m e t o d o l ó g i ~ o " , recomendado,
~~~ há muito, pelo 2."
que tornaria indispensável um sistema teórico abran-
102. JEAN BAECHLER, Les Phénomèns Revolutionnaires,
gedor.laa Entretanto, na construção empreendida pelo Paris, Presses Universaires de France, 1970, p. 15. Aliás, como
sociólogo americano e pelo psicólogo da Itália, fica, assinalou, oportunamente, JEAN CAZENEUVE (in Quinzaine Lit-
mais do que nunca, evidente que falta explorar tôdas ctéraire, 1/15 de novembro de 1970, p. 20) seria injusto situar
o estudo de BAECHERentre os funcionalistas-estruturais, pois êle
as contradições internas das disciplinas, trazidas à não adere i simples rrgulação homeostática. Isto não quer dizer.
colação. É, talvez, êste o motivo das reticências, com entretanto, que se deva aderir a toda a análise de BAECHLER:
que MANNHEIMpesponta seu agudo prefácio:lol e defende-o, apenas, de uma acusação injusta; e, de qualquer ma-
neira, fica aberta a possibilidade de encontrar, ali, muitas obser-
vações pertinentes e exatas. Um exemplo é a revolta contra
97. Ibidem, p. 53. os compartimentos estanques, nas ciências sociais.
98. Ibideun, p. 54. 103. BAECHLER,Obra citada, p. 15.
5 9 . WOLFGANG FERBACUTI, Tlze Subculture of Via- 104. PINATEL, Criminologie en Action, cit., ps. 433-434.
lente, cit., pussim 105. WOLFANG & FERRACUTI, Obra Citada, ps. 74-75.
100. Ibidew, p. 10. 106. BOUZAT& PINATEL, Traité . . . , cit., vol. 111, p. 76.
101. Ibidewz, especialmente p. IX.
ROBERTO LYRA F I L H O CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 45
Congresso Internacional de Criminologia (Paris, essa própria investigação derivada possa trazer às
1950). Ora, nesse "protocolo", defrontam-se as reformulações da visão total, na instância unificadora
"competências especializadas", que trariam o dado e superadora da filosofia. Por outro lado, a constru-
científico de cada ramo, formando blocos de informa- ção filosófica não é simples articulação dos resultados
ção; e a teoria abrangedora não pode suturá-los, sem obtidos pelas ciências, como no positivismo de
- --
tem a perspectiva, nas microvisões monodisciplinares. justa o instrumental epistemológico empregado nas
Aliás, toda essa discussão, em torno de relações ex- ciências.
I '
teriores e vinculaçóes interdisciplinares, salta por cima Há, de certo, um esprit d e corps, cioso da auto-
de uma situação bem mais grave, como o proverbial nomia" daquêles saberes parcelados, O criminólogo
gato sobre brasas. É que, procurando vencer as resis- ELLENBERGER, por exemplo, chega a ponto de cha-
tências da psicologia ou d a sociologia, pressupõe-se mar "ciência" cada um dos ramos específicos de in-
que existe algo como uma frente única n o seio dessas vestigação, como o estudo de eletroencefalogramas.lOg
disciplinas. Em realidade, elas só forjam a sua "união As atitudes isolacionistas, aliás, ganharam o título
' I .
riacional",
-- para atacar invasores"; entregues a si amável de "lealdade disciplinar"; mas, sob essa apa-
mesmas, caem, lo@ no eterno jogo-das dissenções in-_ - rência de- boa ética, existe
- - --- apenas a íntima insegurança
ternas. Pensando que vão ser "colonizadas", esque- com que tais disciplinas alteiam a-voz; -Ao-c-abo, elas
' C *
cem a sua índole essencial e conjunta de instituição '
1
tífico.
e pragmática divisão de trabalho. De qualquer for- E m síntese: andam às voltas com a falta daquela
ma, todas as ciências humanas carecem dum esquema imagem global do homem, que ~ e r m i t i r i afocar e ge-
antropológico geral, comumente aceito e apto a fixar
neralizar os aspectos cometidos à investigação. A im-
o alcance e a hierarquia das investigações esperializa-
pressáo que oferecem é a dos cinco cegos em torno do
das. Isto, sem prejuízo d o acêrvo de elementos, que
-
- 108. GOULIAXE,
Obra Citada, p. 15.
107. M A X SCHELER,Lu Esencia de lu Filosof.icl, Buenos C r i m i m l o g i e e n Action, cit., p. 46
109. ELLEXBERGER,
Aires, Editorial Nova, 1958, 1). 133. e segs.
CRIMINOLOGIA DIALPTICA 47
46 ROBER'EO LYRA FILHO
espécime ap01ogal:l'~ o primeiro, sentindo a tromba, ralistas, herdaram a casca, sem a polpa. Nota, acer- .
tadamente, GILLESGASTONGRANGER,que o estru-
afirma que é uma serpente; o segundo, apoiado às '4
turalismo compromete mais do que uma simples
pernas cilíndricas e grossas, declara que é um tronco
opção metodoiógica", "postulando certa definição
de árvore; o terceiro, que se encosta ao corpo, sustenta
do objetivável" e, não raro, com o risco de trans-
que é um muro; o quarto, segurando a cauda, fala
formar-se "num espantalho, erguido pelos adversá-
numa corda esfiapada; e o quinto, batendo nos den-
rios da ciência, para se apartarem do conhecimento
tes, descreve-os como lanças. Afinal, seria, na própria positivo do homem" '16. Não seria, contudo, impug-
integridade, um elefante, aquêle bicho "mai feio, que nável, de igual maneira, o simples emprêgo da aná-
era coisa gentil de se ver".'ll E êle bem pode fugir lise estrutural, cortando as asas do ismo preten-
de circos científicos, na "subversão do método ou d o sioso 'I7.
do rítmo sossegado e harmonioso", como o viu o A volta ao sociologismo resultou impossível:
poeta.'" está fora do tempo. Êle representava o momento de
O movimento atual é, sem dúvida, no sentido ascensão da burguesia recém-instalada 'IS que não se
da unificação; mas, para ordenar o elenco de "disci- recupera, salvo com a feição anacrônica de múmias,
plinas indisciplinadas, usurpadoras e absorventes", tomadas como sêres vivos.
como diz RQBERTOLYRA'I3, é insuficiente o apêls Hoje, restam os fragmentos desossados da teo-
à velha "sociologia geral". Assim, teríamos o desco- ria primitiva, sempre refratários à unificação. Em si,
nhecimento de que a sociologia mesma participa da já constituem imagens distorcidas, enquanto preten-
crise das ciências humanas; e, de quebra, voltaríamos samente explicativas do homem e da sociedade ou,
à reificação comteana 114, de que os formalismos di- mesmo, incorretamente descritivas dêsses mesmos as-
versificados, desde os funcionalistas 'I5 até os estrutu- pectos da realidade, quando, em desespero de causa,
renunciam à explicação.
- O preço que se paga pela ausência duma antor-
110. GILRERTK. CHESTERT'ON, Ortodoxia, Pôrto, Tava-
res Martins, 1950, p. 9. pologia filosófica diretamente enfrentada é a prolife-
111. Documento citado por JORGE DE LIMA,apud CAS-
SIANO RICARDO, ,Poesias Completas, Rio, José Olyrnpio Edi- Pende Formelle at Scien-
116. GILLESGASTONGRANGER,
tora. 1957, p. 459. ces de L'Homme, Paris, Aubier, 1967, p. 5. -
112. CAÇSIANORICARDO,Ibidewt, p. 462. 117. A respeito, o estudo de ZYGMUNT BAUMAN, sobre as
113. ROBERTQ LYRA,C~~iminologia, cit.; p. 44. teorias contemporân~asda cultura, notadamente na crítica à on-
114. GUERREIRO RAMOS,A Redução Sociológica, Rio, tologia sociológica de LÉvI-STRAUSS(in MARXand. . ., Unesco,
Tempo Brasileiro, 1965, p. 192. cit., ps. 483 e segs. ; em especial, p. 492).
15. Iòidem, ps. 98-99. 118. GUEBBEIRO RAMOS,Obra Citada, p. 193.
ROBERTO LYRA F I L H O CRIMINOLOGIA D I A L ~ T I C A 49
, ração de antropologiazinhas ad usum delphini, para teúdos concretos de superação dialética das estruturas
os objetivos conturbados de tôdas as ciências huma- consideradas).
nas. Isto, ou a adoção duma linha filosófica, en- A consideração p a n t ô n ~ m a ' ' ~estaria irremedia-
quanto catecismo onie~plicativo, desde o tomista, velmente perdida? Ao contrário, se a visão for mais
-
inclusive com a injeção de coramina de Louvain, que, penetrante, chegará, decerto, a um verdadeiro reajus-
evidentemente, não basta para ressuscitá-lo, até o te, na organização de tôdas as ciências humanas,
. r ,
marxismo preguiçoso, na xpressão,-ja-~-i~aada~de--_- - elenco e esquema divisório resulta claramente
cujo%.
cáveis e, portanto, irremediàvelmente mortos. dar expressão, reinterpretando a ação circular, entre
Na criminologia, não faltam exemplos dêsse teoria e praxis e denunciando as antinomias abstratas
. tipo de falsificação. Delinquência? É a tradução dum e lógicas do idealismo e realismo puros, sem corres-
sentimento de culpa ou de complexo de inferioridade, pondência na realidade da ação e da cogniçáo h u -
conforme a escola psicanalítica preferida (atrás disso, manas.
está a redução do homem a mecanismos psicológi- Neste sentklo, é muito expressivo que as pseu-
cos, numa estrutura social não questionada, que fun- do-dialéticas, a que se refere SARTRE"', tendam a
. L - ciona-como u m a espécie de super-ego, extrapolado desaparecer, em obras mais fecundas e flexíveis, como
- -
-
zê-lo "corresponder" a um elemento da estrutura e n o mesmo plano global 12'. Para o encaminhament;,
processo somáticos) ; é o produto de associação dife-
Obras Completar, cit., tomo VII, p. 336.
119. ORTEGA,
rencial ou inadaptaçáo psico-social, manifestando 120. RAMOS,Obra Citada, p. 199.
GUERREIRO
uma espécie de anomia, conforme o gosto dos for- 121. LEFEBVRE, Pour Conmitre. . ., cit., ps. 12-13.
nialismos sociológicos (atrás disso, está um relativis- 122. SARTRE, Questão de Método, ps. 48 e Pd~si11~.
123. Ronou~o MONDOLRO,Estudos sobre Marx, São
mo, que, pelo avêsso, é conservador, pois esvazia o Paulo, Mestre Jou, 1967, ps. 215 e segs.
conceito de crime e não vê suas relações com os con- 124. Obra Citada,
ÇOULIANE, p. 88.
50 ROBERTO LYRA FILHO CRIM~NOLOGIA DIALBTICA 51
encontro,
-.
no plano metodológico, escoimado da fi- mente técnicov 139. Está claro que PARSONS aina
losofia idealista, que inspirara a segunda corrente.
da está muito longe de sentir o problema na sua
Depois da mera empatia intuitiva de DILTHEY,o
inteireza, mas a sua preocupação teórica já é bem sen-
culturalismo, principalmente com MAX WEBER13*,
sível
procurou cgganizar-se científica e objetivamente, em
- - - - - -
- N o clima atual, a cornpreensáo ( ~ e r s t e h e n,)
forma de investigação ernpirica 135, observa& exter-
- - - -
ciência idiográfica e nomotética (dentro da classifi- te, a "contradição nacional", ela obscureceria as
cação cunhada pelo chefe da Escola de Baden a "contradições entre as classes". Não se deve, entre-
que serviu de complemento a metodologia rickertia- tanto, desprezar, em qualquer hipótese, O encontro,
na) 148. e manobra a compreensão com teutônica fa-
pois, decerto, "pensadores de diferente orienta~ão
miliaridade li'. Aliás, desde EXNER,pelo menos, a teórica podem contribuir, embora em grau desigual.
compreensão ganhara prestigiosos foros de cidade, na para o acervo das verdades científicas 152. Ademais,
H
criminologia "' e PELAEZ já procurava disciplinar a 0s pontos críticos, de convergência e divergência Per-
auspiciosa convivência daquela abordagem com a mitem determinar as fraquezas de arcabouço teórico,
Pura explicação (erklaren) , referindo-se, ademais, ao em cada caso, bem como se tornam sintomáticos da ~
erro de se opor determinismo e liberdade ordem de problemas e sugestões atualizados, marcan-
141. R. P. RICKMAN,U n d ~ r s t a n d i n.~.., cit., pussim. do a onde se faz necessária a Aufhebung.
142. Ver WOLFGANG & FERRACUTI, Obra Citada, ps. 4-5. Assim é que, dialèticamente, mesmo na sua mar-
143. Ver RAYMOND BOUDON,Obra Citada, pç. 20-21. --
144. WILHELMWINDELBAND, Prelzidios Filosóficos, Bue- 119. GILBERTOFREYRE, Sociologia : Introdztção ao Es-
nos Aires, Santaigo Rueda, 1949, ps. 311 e çegç., particular- tzldodc sezis Principios. Rio, José Olympio, 1957, tomo 1, P. 146.
mente p. 317. Ver ROBERTO LYRAFILHO, prefácio ao livro de F R E Y ~Como~,
145. H. RICRERT, Ciencia CuZtural y Ciemcià Avaturpl, c Porque. . . , cit., p. 17.
Buenos Aires, Espasa Calpe, 1952, passinz. 150. PELAEZ,Obra Citada, p. 186.
~
~
146- MANNHEIM,Cowtparafive.. ., cit., vol. I, ps. 4 e 12, 151. Crítica recolhida, com elevação, pelo próprio GuER-
sobretudo. E;EIRO (Obra Citada, ps. 218 e 227), que, entretanto, 1-120Parece
" 147. FRANZ E ~ N E RBioIo~/ia
, Criutzinal en sus Rasgos ter com vantagem. a esse ponto, apesar de se de-
Fundanzentales, Barcelona, Bosch, 1917, ps. 30-31. A respeito, fender, sob outros aspectos, com ponderações de muita vivaci-
R O ~ ~ ~ *FILHO,
LYRA E n Torno.. ., cit., ps. 1 0 e passim. dade e pertinência. I
148. PELAEZ,Obra Citada, ps. 101 e 106. 152. Ibidem, p. 225.
ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA
gitações atinge diversas áreas especializadas e indica momento em que a grande maioria dos povos pri-
os lineamentos do estilo corrente, bem como certos mitivos'' aceitava o padrão europeu de vida. E isto
conteúdos,-geralmente adotados. As premissas de va- da miséria em que os lançara a destruição.
lor explicitadas, na teoria econômica de MYRDAL,
%-
*"
I ::
h
I 58 ROBERTO LYRA F I L E 0 +
CRIMINOLOGIA DIALaTICA 59
I
- têrmos absolutamente incompreensíveis para quem! .nea, como a bela ordenação compendiosa de VAZ-
careça de elementar iniciação dialética, porém, afinal, QUEZ I", muito recomendável pela limpeza do estilo
uma verdade adquirida, segundo os estilos de pen-, e argúcia da análise, ainda mantêm uma concepção,
sar de nosso tempo. A prova disso é que a superação a meu ver, demasiadamente estreita do jurídico 166,
da antítese clássica passou às obras de mera divul- porque só encaram o fenômeno, sob o ponto de vista
gasão.'61 A assimilação dá-se tão espontâneamente do direito formalizado, através do conduto estatal.
- -
_ q g não seria grcciso-reeorrer-a-E~~~~~para- nda parte dêste trabalho, cuidarei, especial-
probkmat-tentctndo-sti-pexaras~ambigui- --
--
tir o que êle já exprimia, nestes têrmos: 'o conh
ci-msnto e-a _utiliza&~d o determinismo são instru- concepção do direitõ e do Estado, que
-------.---
- - -- - - - -
- -,
mentos de libertação do homem, A necessidade s o ----- I ~ E F E R V R E ~ ~ O ~ ~ O U ' Gagudamente.
~,
é cega, quando não é entendida" lC3 Tôda ética funda-se na liberdade, mas, salvo---------
Por outro lado, não basta invocar a dialética, as velhas direções, já superadas, lida com sujeitos
tal como se faz, com excessiva frequência, para re- conscientes (de suas determinantes) e livres (dentro
solver todos os problemas: cumpre dinamizá-la numa d o quadro que as determinantes podem traçar).
captação constante, a seu nível, que é a verdadeira Êsses sujeitos defrontam-se com um sistema ético
"apropriação da essência do homem, pelo homem e normativo, que constitui a superestrutura de seus
para o homem" 164. padrões básicos de convivência social. Por outro lado,
- - - Os determinismos
- - mecanicistas, desde os fisio- o referido sistema não é único, mas vem contrastar-se,
psíquicos aos sociais, estão liquidados. Mas õ deter- - -na _dialéticad e grupos e classes, dentro da sociedade
- - -- -
minismo sobrevive, indene, dentro de uma antropo- chamada global, com outr&spadrões, q u e disputam - - -
-
microcriminológicos; vimos- q u e ficou iis daqueles mesmos grupos e classes. Sabendo-o, isto é,
as limitações formalisticas da aberração, p - - - _ - _ na - -
ropriando-se da -idéia d a sua- posição relativa
aquele apêlo dramático de SZABOà ética. É preciso, estrutura, é que o homem pode conscientizar o pro-
entretanto, explorar êsse veio mais profundamente. cesso e contribuir para- reorientá-10, instaurando a
Algumas tentativas de sistematização contemporâ-
165. ADOLFOSANCHEZ VAZQUEZ, Ética, Rio, Civilização
162. Por exemplo i n HUISMAN & VERGEZ,
Traité, cit, 1970.
Brasileira,
Métaphysique, p. 151. 166. Ib-z'dem, p. 83 e segs.
163. Ibidem, p. 152. 167. HENRILEFEBVRE, Lu Sociologie de M a w , Paris,
164. GRANGER, L a Raison, cit., p. 101. Presses Universitaires de France, 1968, p. 137.
62 ROBERTO L Y R A FILHO CRIMINOLOGIA DIALETICA 63
dialética do possível subjetivo, diante dos impera- car o' parâmetro da conduta dentro de si mesmo.
tivos das normas objetivas lGs, que não são, apenas, Dialèticamente, a verdade não está em qualquer da-
as da sociedade global, mas também as da própria quelas resultantes - da institucionalização social. ou
"subcultura" onde êle esteja eventualmente imerso. da autognose individual, subordinada a mandamen-
'i
Por outro lado, o sociologismo ético obscurece o tos divinos ou mergulhada em profundezas subjeti-
que ocorre no homem concreto, do momento sub- vas. A verdade está no processo mesmo, conscienti-
jetivo à dialética de objetivação" .'61 Nessas contra- zado como trânsito constante entre valor e necessi-
dições entre o homem concreto e as determinações dade. A inserção histórica das opções não reside, nem
exteriores é que se manifestam os rumos objetivos d o no foro íntimo da consciência individual, ligado ou
processo histórico, impelido pelas classes em ascen- não à captação, nesse nível, de supostos imperativos
são e abrindo ensejo à viabilidade das reorientações, revelados por uma instância transcendente (primeiro
dentro do quadro de possibilidades da conjuntura. subjetivismo) ; nem na pressão duma consciência
Dêsse impulso nascem as éticas de realização, en- coletiva irremovível e falsamente homogeneizada (se-
quanto se opõem às éticas estáticas dos arranjos do- gundo subjetivismo, êste último hipostático) . A cha-
minantes li''. Isto jamais reduzirá o sujeito indivi- ve aparece na interação dialética de teoria e praxis,
dual, ou os grupos, à absorção automática de valô- de reversão crítica perante normas positivadas e rea-
res impostos. O homem é, ao mesmo tempo, deter- tivação do processo nomogenético. A reflexão do
minado e livre, ente, cognoscente e agente - dentro homem não se opõe ao meio natural ou social (quer
dos limites progressivamente alargados, de seu po- na disposição dum plano global, quer no desnor-
tencial d? auto-conhecimento e remodelação, como teante e plurívoco mundo "subcultural") . Para cap-
espécie e como pessoa. As éticas idealistas é que ca- tar a realidade, o pensamento salta dela própria;
vam abismos entre dado e valor, porque absolutizam desvenda e, portanto, domina, as forças biológicas
o valor para querer que o dado se conforme a êle. donde emergiu, estrutura psíquica com que atua e
Daí a separação kantiana do mundo do sein sollen, os produtos culturais que forjou. "Produzindo-se,
perante o mundo do sein, que terminará em uma assim, o homem produz seu mundo e se modifica e
èspécie de solipsismo ético do sujeito moral, para bus- produz a si mesmo .17199
mas sobre êsse movimento dum trabalho originário divino" da estrutura somática, inferior", só apro-
- primeiro ato histórico de produção dos meios de veitada pelos que usam, sobretudo, os músculos, para
existência lm -, os elementos estruturais, de orga- carregar, no trabalho físico, o pêso da estratificação
nização cada vez mais complexa, revertem, para in- social. São muito renitentes os espiritualismos de vá-
fluenciar a base natural e social, segundo aquisições rios tipos e a arrogância da chamada intelligentzia.
libertadas, que os projetos emergentes reorientam, a As religiões, a seu tempo, atuaram, socialmente, nas
partir dos dados daquela praxis mesma. suas formas hierarquizadas e comprometidas com os
A razão não é mero ingrediente, pôsto no ho- diferentes establishments, à maneira dum aval dos
- - - -
mem ( o "espiritual"; para além do fisio--psíquico-e ilégios. Por outro -lado, o racionalismo
-- "desteo-
,---
- --
- - -- -- - -
- - - - -
vital), por uma criação, funcionando em sede trans- logizado" constituiu, apenas,-o refúgio, no crepusculo
cendente. Por outro lado, também não é simples epi- dos deuses, dum homem, que se divinizava, sem o
fenômeno de base fisio-psíquica. Ela está imanente intermediário transcendente. Continuava a ser, entre-
na estrutura do b m e m , a partir tanto, uma razão como princípio espiritual estranho,
-daquele- potencial,
-
chamou "conscii?ncia ao quadrado", pois é, também, em que o homem passou a mirar-se, vaidosamente.
consciência da consciência, no seu processo de gênese, Sob o ponto de vista filosófico, o desaparecimento
- - - - - - dos numes, deixou-
o pensamento entregue à postula-
-
ção dos númenos, seguindo o caminho comteano, do
172. TEILHARD,
Obra Citada, p. 302.
173. GULIANE,
Obra Citada, p. 17. teológico ao metafísico. Porém, quando se inaugurou
66 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 67
a etapa dita científica, numes e númenos perderam-se criminológica, na medida em que, também dialètica-
nos fenômenos, e o homem, reduzido a epifenômeno, mente, comece por afastar o seu paradoxo científico.
escondeu os próprios ressentimentos na deleitação no- Enquanto ciência, que procura a compreensão e ex-
minalista dos números. Êsse caminho só poderia ter- plicação do fenômeno delituoso, a criminologia é
minar, como de fato ocorreu, numa espécie de revolta forçada a operacionalizar um conceito, o de crime,
da consciência désaxée, ao momento em que a euforia històricamente determinado pelas manifestações espe-
social burguêsa, que, ideològicamente, se exprimira cíficas da cultura - e, inevitàvelmente, das "subcul-
nos t-trmos do cientificismo, encontrou, em crises de turas' '.
seu prolongado declínio, um instrumento adequado Nesse empenho, o conceito de crime é parte d o
pelo conteúdo anti-científico. Veio o existencialismo, afazer criminológico; e o afazer há de estudar, con-
filosofia própria da desorientação institucionalizada, juntamente, o processo de aberraçáo e a gênese das:
com a sensação de isolamento, buscando compensa- normas éticas e, em especial as jurídicas, apropriando-
ções no "eu" que se < experimenta", em comunicaçáo.
I
se da relatividade das formalizaçóes, para integrá-la
A abertura para a recuperação da dignidade, numa teoria superior, mais abrangedora, que com-
através do humanismo realista, proscreveu o positi- preenda e explique o fenômeno delituoso, como um
vismo naturalista e mecanicista e o subjetivismo exis- capítulo da dialética dos valores. A situação é seme-
tencial (muitos existencialismos transformaram-se, lhante à que, mutatis mutandis, ocorre na psiquiatria,
inclusive o de SARTRE), desenterrando o caminho com a noção de doença mental, como já observei e
dialé.tico, para evitar os falsos subjetivismos, tanto demonstrei, noutro ensaio 1'75
quanto os falsos objetivismos lq4. Mas êsse roteiro Aqui, em sua focalização do crime, não basta
teve de lutar contra a distorção de sua linha de desen- determinar as características formais, pois a crimino-
volvimento, pelos determinações duma praxis, sem logia não funciona como reboque do formalismo ju-
voo teórico e que se enrijecera nas formas do "dog- rídico. Por outro lado, também não há- saída, através
matismo bruto". da delegação à sociologia empírica.
A criminologia não poderia deixar de acompa- A integraçáo da criminologia e do direito pena1
nhar todas essas peripécias; e a reaquisição de um há de buscar suas raizes dentro dum reexame da fi-
itinerário, baseado no esquema d o homem global,
poderá chegar a desobstruir os impasses da teoria 175. Panorama Atual da Criminologia, i n Revista Bra-
sileira de Criminologia e Direito Penal, outubro-dezembro, 1966,
n . O 15, p. 51. Aliás, isto se torna óbvio nas atuais correntes da
174. Pour Connuitre.. ., cit., ps. 12 e 124
LEFEBVRE,
e segs. chamada Antipsiquiatria.
68 ROBERTO LYRA FILHO
- -
J;
. -
-
-
V-
-
7
I <
I
I
B rizados com o que se vem realizando, na filosofia
2 juridica e até na teoria geral do direito l. Aliás, mesmo
os que transitam, desembaraçadamente, nessa área,
I
náo parecem dispostos a purgar a mora, fazendo os
1, I necessários reajustamentos internos da doutrina. Por
outras palavras, a reflexão teórica mais ampla jurídico' esgotou-se num tecnicismo estéril, a que
não chega a ser domèsticamente atuante, no direito não traz remédio a reedição da filosofia tradicional '.
penal, e o capítulo das relações dêste último com a Esta é completamente
- inadequada para a tarefa, sem-
filosofia jurídica, mesmo quando frontalmente en- - -
pre necessária ao cientista, de meditar sobre pressu-
carado, termina, via de regra, com apêlo a velhas postos e resultados do seu afazer
metafísicas de vário estilo (como é o caso, por exem- Por outro lado, as dificuldades aumentam, quan-
-- -
- -- - PIO, - do
-
- -
eminente BETTIOL) \ou suas c considera que a teoria geral do direito foi, em
aplicações. Destas-resulta um- , construída-com-materiaissxtraidos do
maior do assunto. Assim acontece, do e afeiçoados à Óptica peculiar dos
o b r a , s e m d 5 v i d a -importante, d e - w ~ ~ ~ ~
cuja- -3, , . . fica bem patente na utili-
- - - uv~listas---o q- - --
influência, aliás retardada, pesa, hoje, sobre muitos zaçáo, como fundamentais, dos conceitos de obki-;---
especialistas latino-americanos. O mestre de Bonn g a ~ ã oe prestação, por exemplo. Aliás, o ~ r i m e i r o
tem, no Chile, alguns de seus mais talentosos discí- grande impulso daquela teoria corresponde, justa-
pulos, como JUANBUSTOS e ENRIQUE CURYUR- mente, à era do privatismo burguês, desdenhando,
zÚA,' entre outros.' A pbra dêstes é densa e valiosa,
ademais, o estudo dos fundamentos de sua dogmática,
não em virtude, mas apesar, da filiação. ao menos enquanto a chamada "sociedade ocidental"
Diante da herança dos positivismos filosóficos permanecia firme em suas estruturastJ,como assinala
I'
torial Jurídica de Chile, 1967, p m i m . .7aggi cits.. ps. 178 e 95, para o contraste entre certas postula-
5 . Ver ENRIQUECURYURZÚA, Orientación para e1 Es- qões, feitas em linha de princípio, no âmbito filosófico-jurídico
tudio de 10 Ten& de1 Delita, Valparaiso, Edeval, 1969, passiwi. e os cortes sumários de aderência estrita ao direito legislado.
6 . Não h á lugar, aqui, para uma discussão minuciosa das
- 9. Sôbre o assunto, ARMANDCUVILLIER,Partis PP-is,
posições de WELZEL. Sôhre o assunto, Ger a síntese de BTAGIO -
ris, Armand Colin, 1956, ps. 53 e segs:
PETROCELLI, S n g g i di Diritto Pevtale, Padova, Cedam, 1965, 10. MIGUEL REALE, Teoria Tridimensionul d o Direito,
ps. 81 e segs. São Paulo. Saraiva, 1%S, ps. 16 e segs.
74 ROBERTO LYRA FILHO CRIMPNOLOGIA DIALeTICA 75
nas noites da crise dum sistema de "crenças" l1 - já tigações sôbre epistemologia jurídica e suas irnpli-
o sublinhava, noutro contexto, o próprio HEGEL. cações ontológicas e axiológicas, de alcance, inclusive
Aquêle privatismo, entretanto, não impediu prático, no trabalho científico. Obscurece-se a "efetiva
que se tentasse uma adaptação e harnionizqão~ no continuidade entre a tarefa do filósofo e a do jurista
terreno penal, em proveito de sua própria estrutura enquanto tal" l5 - e isto atinge, com maior ênfase
orgânica e do apuro d o elenco de conceitos gerais 12. do direito penal, onde a consciência daquela continui-
Neste sentido, são relevantes, por exemplo, as contri- dade ainda não pôde inspirar investigações especia-
buições de CARNELUTTI,em que pese o vêzo de ori- lizada~,no genero e ao nível da obra de LARENZ
ginalidade, a todo custo, atingindo proporções fan- predominantemente orientada para o direito civil 16.
tásticas, sôbre o pano de fundo de seus cornpromisso.s Esta situação dificulta, extremamente, o estudo
filosóficos, nitidamente obsoletos 13. Outras tentati- das relações entre o conceito de crime, em criminologia
vas frustadas aparecem, como a de GRISPIGNI,que e direito penal. Vimos que aquela é, no momento,
trocou o enderêço do engajamento, sem ganhar em muito influenciada pelo formalismo sociologista, mas
atualidade, e ainda acrescentou um estilo de construção não se pode afirmar que seja mais saudável o influxo
sobrecarregado pelos ornatos rococós 14. do formalismo jurídico. A adoçáo dêste aíltimo im-
Em qualquer hipótese, parece espantoso que, porta, aliás, numa espécie de anacronismo, pois a van-
atualmente, escapem à atenção da maioria dos crimi- guarda filosófica está assinalando rumos decidida-
nalistas os debates, referentes à natureza e estrutura mente anti-formalistas, cujas repercussões, na dou-
da norma, à pluralidade dos ordenamentos - e, por- trina penal, se revelam, contudo, fragmentárias, len-
tanto, à teoria das fontes -, bem como os novos tas e, muitas vk~es,inconscientes das implicações teó-
caminhos da hermenêutica: em síntese, todas as inves- ricas de suas postulações. Exemplo disto é o debate
sobre a chamada antijuridicidade material - um
11. O têrmo - crenças - é empregado, no texto, em =conceitoencaixado, à força, para garantir a abertura
sentido orteguiano. Ver JOSÉ ORTEGA Y GASSET,Obras Com- do sistema, dito positivo, e que ganharia outra feição
fletas, Madrid, Revista de Occidente, 1964, vol. V, ps. 383
e relêvo, quando ligado às diferentes perspectivas já
e segs.
12. Ver, a propósito, EDUARDO B. C A ~ SInbroducción
, exploradas pela filosofia jurídica. É por essa razão
a1 Estudio de1 Derecho Procesal, Buenos Aires, Europa-Amé- que o tema definha, às voltas com defesas e impug-
rica, 1959, ps. 21-22.
13. Ver FRANCISCO CARNELUTTI, Teoria General dez De-
recho e Teoria General de1 Delito, Madrid, Revista de Derecho 15. MIGUELREALE,O -Direito como Experiência, São
Privado, 1941, parsim. Paulo, Saraiva, 1968, ps. 227 e segs.
14. Ver FILIPOGRISPIGNI,Diritto Penale Itialiano, Mi- 16. Ver KARLLARENZ, Methodenlehre der Rechtmis-
lano, Giuffré, 1947, passinz. senschuft, Berlin, Springer, 1960, passim.
ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALdTICA 27
nações, frequentemente estéreis, de que não escaparam, anterior e, portanto, de certo modo, superior, à lege
sequer, as colocações feitas por juristas do porte dum lata do Estado, que seria o ponto de partida inarre-
ALDOMORO17. Uma resenha muito erudita do status dável, tomado como uma espécie de "dado de fato",
quaestionum encontra-se, em notável ensaio de HE- na expressão de ANTOLISEI'"'. Por êsse caminho, a
LENO FRAGOSO, que admite, ao menos quanto às des- chamada ciência do direito se transforma em operação
criminantes, aquela antijuridicidade material, "com exegética e, indiretamente, apologética ou, pelo menos,
-- - ---_ -- - as suas_ implicações" IS. A posicão é, portanto,
-_ todas -- conformista.
- - -francamente antiformalista e a hostilidZde que mani-
-
* O r ; r ; - ~ d i ~ ~ é ~ i ~ ~ dança-eedda
- i ~ s e g u rjustiça -não
I 4
-- - -
festa à idéia da antijuridicidade material, para a r é tão simpl&, nem admite o endeusamento sumário - - - -
-.-.--- ------
traem o próprio objetivo. Os criminosos, indiscut?----
.--
-
--
I ;/ a
,
,
I / I
, ( L
princípios filosóficos, ligados à sua atitude liberal. + velmente criminosos, nazistas, n o Tribunal de Nu-
1 1:*1,1
É que, no direito penal, o tema se torna ainda . remberg, procuraram acobertar-se, com a alegação de
I
, I mais complexo, pois o contraforte do positivismo que estavam sendo julgados, segundo lei ex post
11 jurídico pode assentar no chamado princípio de se- facto, isto é, voltaram contra êle próprio o lado for-
1,
gurança - aqui, reforçado pelas conotações axioló- mal do princípio liberal-democrático, se não a sua
gicas da reserva legal. Ela dá por demonstrada a sua efetiva garantia, e justamente no ponto mais autêntico
validade, enquanto "princípio de preconstituiçáo" 19, e vital: a defesa dos direitos do homem, diante do
-- -
, sem atentar para as vinc-ulações-histórico-culturaisa - genocídio. Por outro lado, RADBRUCH
- L - - - já sugeria que,
1,
que está sujeita. E assim emerge uma espécie de boa tomando-se, sem mais, a Segurança c o m o valor ine; - -
consciência, exibindo opções filosóficas básicas, como rente à justiça, a lei irremediàvelmente injusta ter-
1' 4 4
,
i1/1 se fossem coisa assente. Num formalista, ademais, pa- mina por gerar uma pugna da justiça consigo mes-
ma- 21. A defesa do formalismo,-a título de segurança,
I I(
17. A L WMORO,
~ L'Anfigizo-idicità P e d e , Palermo, Priul- em critério de legitimidade, e, portanto, leva à acei-
-
18. Ver HELENQC. FRACOSO,Antijuridicidade, i n Re- 20. FRAXCESCO ANTOLIÇEI, Manztale di Diritto Penale -
vista Brasileira de Criminoloyia c Direito Penal, outubro-de- P i ~ r t rGcneralr, llilrino. Giuffré, 1960, p. 17. Segundo êste emi-
zembro de 1964, ps. 25-46. nente autor, a ciência jurídica recebe os institutos, legalmente
- -19, A expressão é ~ ~ _ M A N Z I NVer I . ROBERT~ definidos, como "dados de fato, e se propõe, principalmente. a e
FILHO, Czirso de Teoria Geral do Direito Penul, Brasília, descrevê-los com a maior esatidáo, na sua estrutura e funqão". -
1565, edição mimeografzda. Está claro que já reformulei mui- 21. GUSTAVRADBRUCH, Introdzrcción n la Filosofia de1
tas posições aí defendidas. Derecho, México, Fondo de Cultura, 1948, p. 44.
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78 BOBERTO L Y k A F I L H O
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tação de todo direito formalizado como eo ipso le- ;E Os encontros espúrios do direito penal com a
s
gítimo, desde que convenientemente legislado. A teo- filosofia não puderam render mais do que acenos
4C* vagos e contraditórios para o que os formalistas,
ria, chamada pura, do direito deu a isto a máxima .d"
43
expressão lógica, no mecanismo formal de derivações, x tendo confinado o direito à norma (e, em certos
casos, sobretudo jurídico-penais, à lei) chamam, de-
a partir da "normal fundamental", que só a força k
garante. Sem desrespeito a KELSEN,é inegável que, "t pois, de terreno metajurídico, A verdade é que a limi-
X-
/
l1
I
I
I eventuais editos dum paranóico 23 - situação dra- B do conceito de crime, evitando-se o risco de forma-
l
-- - -
a perplexidade - -do criminólogo,
- --
- - _ transformado em re- sátira dum Trial by Jury.
1 /
Cepcionista confuso. - - -- - --
- - - - - A d e m a i s , - CL espanto aum-ta, se juntarmos a
--
I ;/ O preço que se paga pelo abandono dessa tarefa essa remissão histórica a diversidade dos direitos pe- - - -
I,
,,
(I
I de classificação resulta óbvio na obra de eminentes nais americanos, de âmbito estadual. O próprio có-
I IIII
autores, como por exemplo, P A U L W. TAPPAN. Vale digo penal-modêlo, do American Law Institute ad-
/ II
II a pena demonstrá-lo, porque é um caso típico. Êsse mite, aliás, a rejeição de infrações de minimis entre
II autor pensa ter resolvido o problema dizendo que -
o as quais estão as admitidas por "tolerância ou licença
I I
crime "deve ser definido bem precisamente e de acordo costumeira" ou que apresentariam descriminantes tais
I,
com as formulações explícitas da legislatura", sem que não se poderia razoàvelmente considerar que a
concessão a outras modalidades de comportamento legislatura as houvesse previsto, a o incriminar a con-
anti-social ou ao que "deveria ser incriminado" 25. .c - ' p outro lado
d ~ t a Y - ~Pqr
- - --e independentemente da lei,
- -
-
-
- - -
numa tendência ao Freies Recht e com todos os perigos
27. Namen sind Schall und Rauch, nota ALFREDWEBER, d de subjetivismo que &mente úma fundamentação ob-
i
no limiar de unia elucidação do conceito de Sociologia ( E i n - =
28. &te, Jmtice and Conection, New York, MaGraw- Brown & Co., 1966, ps. 148-149.
HiU, 1960, p. 10. 31. NEWMAN, ob. cit., p. 148.
82 ROBERTO LYRA F I L H O CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 83
jetiva de padrões de ilegitimidade ou ineficácia da e o que sai por uma porta, entra pela outra. Basta
norma legal poderia eliminar. conferir, a respeito, o monumental levantamento de
É verdade que TAPPAN fala também em crime JULIUSSTONE36. O fato de que a sociologia ame-
como conduta definida "pela legislatura e pelos tri- ricana opere dentro dos parâmetros e segundo os mo-
bunais ", porém o que não se entende é como, diante delos, ditados pela matriz ideológica dominante 37, é
de tal oscilação (direito penal estadual e criações ju- outro aspecto, que não ampara o formalismo jurídico;
diciais), a criminologia ficaria bem servida de critérios apenas. desmoraliza o formalismo sociológico tam-
firmes, evitando as "frouxas abstrações" e os "juízos bém, e mostra que, nêle, toda mudança tende a ser
minoritários de valor" 33, que o criminólogo deseja aprendia como ruptura "decorrente de empreendi-
proscrever. Desde o avanço, no início do século, da mentos, de alguma forma, apocalípticos"" E o VGZQ
So,rio!ogical Judisprudence, o direito americano se conservador, que repetidamente acentuei, no primeiro
volta para a tentativa d o entrosarnento entre ordem capítulo dêste trabalho e que a sociologia das muta-
legal e ordem social 34. Afastar, portanto, a visão ções vem procurando transfigurar, com o exame
sociológica da conduta aberrante ou anti-social, como ' I
fica atrapalha muitos autores bem intencionados; a tanto, para evitar simplismos, que essa condenação as
exemplo do honesto e corajoso WRIGHTMILLS.~' atinge, enquanto organizações intelectuais tendentes
--
-2-
O caminho atual da sociologia crítica, acentuan- -- a estabelecer determinadas antropologias filosóficas
do o retorno reflexivo sobre pressupostas e resultados --
- S
%
4 implícitas, sem prejuízo do valor ou aproveitamento
da investigação empírica, estabelece aqude encontro -
.
3 de alguns dos elementos de suas operações ou meto-
de filosofia e ciência, já registrado, aqui, com - dologia, desde que melhor focados. Neste sentido é
*
-- - -- - -- de THEODOR
nos-estudos
-- -
-
ADDRNOe MAXHORKHEI- qeu se revela muito equilibrado o juizo de BAUMAN
- - --
----- - %
e na burocrati~ação",~~ isto é, como eu preferiria tíficas em concreto, embora comprometa a ' direção
-
dizer, do meu ponto de vista - dialetiza-se ou morre. r3
A
geral da obra e inspire grandes reservas, quanto a
i
Hoje, a teoria sociológica há de ser critica sociológica, muitas etapas e resultados de sua construção.
para evitar aquelas "cristalizações intelectuais", que i.
-e
Os formalismos sociológico e jurídico, debaixo
nos Estados Unidos da América assumiram o aspecto -
f
-
e
* da oposição periférica, mantêm um ponto ideológico
de "instituição", influenciando, inclusive, certas di- 3
de afinidade. Aí se desvendam o mêdo e as reações,
reções européias. Como diz, incisivamente, DUVIG- bt
mais grosseiras ou sutis, diante duma realidade social
NAUD, as "ideologias sociológicas contemporâneas ".
a
44. Ibidein. V
-
contemporary Scientific Thought, The Hague, Mounton, 1969.
L
.@
3
86 ROBERTO LYRA F I L H O CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 87
eance, cuja índole é conservadora 4'je, em última aná- em filosofia, refiro-me à filosofia viva; não há outra:
lise, acarretam uma opção filosófico-social, no endeu- tudo o mais é contrafação.
samento da homeostase, para servir, consciente o u O aprofundamento do conceito de direito tem
inconscientemente, às situações constituidas. O que descoberto, na própria filosofia, muitas obstruções,
não pode ser evitado é o novo dinamismo d o traba- atribuíveis a interferências da capa ideológica. É claro
lho empírico, de acordo com reorientações teóricas que a palavra - direito - indica uma realidade
dialetizadas. superlativamente complexa, onde GARCÍAMAYNEZ
O grande parti-pris antifilosófico dos empiris- pôde vislumbrar a associação de noções "distintas e
tas puros está condenado; mas também se desmasca- irredutíveis entre si"." Êle reconhece um "direito for-
ra, assim, o tipo de filosofia idealista, que se deixa "
malmente válido", um direito intrinsecamente vá -
ancilosar na reedição das velhas metafísicas ou nas Iido" e um "direito positivo", cujas contradições
cartilhas d o marxismo preguiçoso, a que se referia não logra superar, pela carência de fôlego dialético
SARTRE."O estudo de JOSEPH GABELaprofundou em seu perspectIvismo. A lucidez é comprometida por
aspectos dessa "ideologização d o marxismo",4s para um vêzo idealista, para a qual o conceito vai ser bus-
constituir aquela "falsa consciência", determinando a cado, quando já carrega as escamoteaçóes dum aprio-
"captação infradialética da realidade social".49 rismo, de influência kantiana." Subsiste, aqui, a ten-
A investigação científica não pode prescin- dência a "criar" o objeto pelo método, ao invés de
dir da função crítica e totalizadora da filoso- forjar os esquemas de inteligibilidade adequados, para
fia e esta não pode, igualmente, prescindir da cisncia, desvendar a unidade subjacente e captá-la na objetua-
sem transformar-se n u m jogo arbitrário, de simples lidade concreta, dentro da praxis.
diletantismo especulativo, que também manifesta u m De qualquer sorte, a tricotomia, bem destacada,
sentido ideológico elitista e alienado. Quando falo
serve para indicar que são aquelas, mesmas, as di-
46. Ver KÁLMANKULCSAR,Ricerche di Sociologia de1
Diritto i n Uzqlzerin, i n RENATO TREVES, og., L a Sociologia de1 50. EDUARDO GARCÍAMAYNEZ,Lu Definición de1 Dere-
Diritto, Milano, Ediizoni di Communiti, 1966. KÁLMANadmite cho, cit., p. 101.
a wziddle range theory como "ponte entre os dados .empíricos e 51. EDUARDO GARCÍA MAYNEZ,Introdución a1 Dereclzo.
a teoria geral". Neste sentido, também. a minha ressalva. n o Mésico, Porrua, 1955, p. 122 ; no mesmo sentido e sob a mesma
capítulo primeiro, ao falar nas hipóteses mediadoras de trabalho. influência, Luís RECASÉNÇ SICHES,Tratado General de Filo-
47. Questão dc Método, São Paiilo, Difusão Européia do sofin de1 D E T P C ~ México,
IO, Porrua, 1959, p. 12, em que um su-
Livro, 1966, p. 48. posto "conceito universal ou essencial do direito" é inscrito entre
48. JOSEPH GAREL, Lu Faztsse C o n s c i ~ n c e Paris,
, Les Édi- os pretensos "conceitos puros alheios à experiência, necessirios
tions de Minuit, 1962, p. 13. em tôda realidade jurídica histórica possível, condicionantes
49. Ibidem, p. 42. de todo pensamento jurídico".
88 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA
mensões do direito, no sentido global. O "direito for- num positivismo dos fatos, tão grato às correntes his-
malmente válido" representa a dimensão normativa toricistas e sociologistas. Para evitar êsses descami-
e define a órbita de operação dos diferentes positivis- nhos, é indispensável fortalecer o tonus dialético, li-
mos jurídicos; o "direito intrinsecamente válido" re- gando fato e valor, teoria e praxis e encarando as
presenta a dimensão axiológica e marca a pauta dos resultantes formalizadas, à luz de uma escala obje-
que se preocupam com a inversão do positivismo - tiva de val&ação, dentro da linha de irreversibilidade
I I
- - - - - --
vale porque manda" -, para a pesquisa do funda-
-----p-
histórica. Nesta, cada revelação do potencial ontoló-
I r -
rnento - manda-porq~i-valZ""~- e est
- -
i2-o-da==liberdade-humana+-em-su-a=luta~pela-positi-
-
- - -
to, sujeito à legitimação; o "direito pos vação, desperta sucessivas conscientizações jurídicas, -
"k
originalidade e de alguma concessão à pluralidade de
lllll!
V , lugar, porém, para desenvolvimentos bem distintos, ordenamentos,"? o direito estatal fica. entronizado.
1 lill &
111'l1 ou aproximações mais ou menos felizes, daquela ar- F
É como se o Estado mesmo não pudesse e devesse
I/ I:,
ticulação, como, por exemplo, de SAUER,HALL, g ser visto tridimensionalmente, enquanto fenômeno
111 I
STONE,RECASÉNS,FECHNERou do próprio REALE. i jurídico e com ênfase na legitimidade ou ilegitimidade
I,
,$
,,, , , , ,,r
,, Quanto a êste, decerto a maior figura da filosofia
juridica no Brasil, creio que certos empanamentos
i da sua organização e dos produtos da atividade le-
gislativa, reinseridos naquêle processo que o n-mmo
t
I,
I,
, /
8 1 //3
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ideológicos não lhe permitiram atingir todas as im- :
L
REALEdestacou." O aspecto mais grave dessa rever-
'{I !!,,' plicações da própria posição que defende. A dialéti- r são ao formalismo está em que êle paralisa a nomo-
ca de implicação e polaridade detém-se num esquema, gênese, em nome de um "postulado" de ordem "jurí-
i111
111~
!, ::, afinal também idealista, quando discute as kg dica"," para garantir o monopólio estatal da deda-
l',, l <I,, t
f
1, 11
fundamentais entre direito e segurança ou direito e .F ração, em última instância" do "que é l í c i t o OU ilí-
l l
i- 61 . Ibidem, Ibidem.
ordem5'"e certeza.60 E esta leva o eminente autor a re- E?
58. Ver O Direito Como Espeviêncin, cit., ps. 194 e segs. 63.
64. Ver
Filosofia 56.Direito, cit., v. 2, p. 522.
nota do
59. Filosofia do Direito, cit.. vol. 2, p. 521. 65. Ibidenz, Ibideliz.
k
F
" Fi
L
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3 x,
92 ROBERTO LYRA FILHO .. CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 93
em REALE, mediante agudos e eruditos rodeios, mui- maneira, chega-se à impossibilidade de "desenvolver
tos dêles originais e fecundos e que me parecem muito abertamente o direito" forçando o inevitável impulso
mais valiosos do que o decepcionante coroamento. d o progresso jurídico a entabular, com a ordem for-
A dimensáo axiológica, então, contrai-se a tal ponto, e mal entronizada, aquela espécie de jogo de esconder,
tão violentamente, que só resta lugar para as acomo- a que se referiu ESSER.~' E, nêsse jôgo, que põe, a
dações da exegese (ao cabo, teleológica ou timidamen- título de exegese, a oculta negação d o enunciado for-
te progressiva), sob formas engenhosas e flexíveis, ma "inalterado", está, muitas vêzes, a linha torta por
mas, em última análise, subordinadas àquela ú l t i m a que se escreve o direito certo, como, por exemplo, em
- - - - - - - - - - - -
ins~iinciaf o r r n a f i ~ t a . ~ ~ - ~ respettoré
êsse váli& epene- ãlgüns-ãc&d%s-de nossolpróprio Supremo TriKu- -
trante a crítica de INOCÊNCIO M. COELHO,relativa nal." Qual é o marco do direito ~ i g e n t e para , ~ ~ in-
à contribuição hermenêutica de- RELASÉNSSICHES,? serção da decisão-justa? LARENZ, mesmo, fica -uni - -
que adota expressamente o tridimensionalismo e pode pouco assustado com as implicações da relação dia-
ser extrapolada, m u t a t i s m u t a n d i s , de logos de 10 l é t i ~ a , ?seguindo
~, a marcha da lei no tempo, confor-
razonable de RECASÉNS à teoria realiana dos modê- me as aquisições da consciência jurídica, para que se
10s; isto, sem prejudicar-lhes a feição positiva, n o crie, no dizer de ESSER, a norma positiva autêntica,
plano de suas aplicações exegéticas, mas destacando assimilada ao direito em a ~ ã o . ' Mas,
~ afinal, não se
a raiz comum, formalista e conservadora, que sub- estaria criando uma série de irnpasses teóricos, me-
siste em ambos. Veja-se, por exemplo, ccmo vai im- diante postulações baseadas em preconceitos, para
plícita no corte positivístico, a hierarquizaçáo das evitar o arrombamento duma porta, de fato, aberta?
fontes, ancilosando,
- - -
nêsse - lado
-
formal, o jogo das- B O D E N H E T M E não R , ~prima
~ ~ ~ pela audácia- do- pen-- -
lidade formal d o enunciado" ( o grifo é meu) .?"Desta- minadora de casa de prostitui@io (psT 8 9e segs:). Dentro
do plano em que se colocou,. está, evidentemente, com toda - - -
-
66.- Ver O Direito Como Experiência, &., ps. 161 e-segx razão. O que sugerimos é outra coisa: O Tribunal, sensível,
àquela altura, aos problemas criados pela incriminação, que ge-
67. A Contribuição de Luís RECASÉNS SICHEÇ à Filo-
sofia, do Direito, Brasília, UnB (tese de doutoramento, edição
rara iniquidades e hipocrisias, procurava, ali, meios e modos
datilografada), 1967, passim. de contornar a questão.
68. REALE,O Direito Como Experiência, cit., p. 185. 73. KARENZ, Metodologk, cit., p. 290.
6 9 . Ibidem, p-210- -
74. Ibidem, p. 207, -
' 31
I'
malismo, historicista ou sociologista. As notáveis i
i Por outro lado, deparamos, aqui, com um as-
I,, ,
pesquisas empíricas, realizadas, no Brasil e na Ale- i pecto da filosofia marxista do direito que a investi-
, 1111,
~~illl
I # , manha, por CLAUDIOSOUTO, a respeito do senti- L gação científica posterior tem levado as ciências hu-
1/i11 I
,;I I~II mento de justiça, já levaram o mestre pernambucano manas a encarar com reserva. Sem maior exame,
E
/
I )
I,/
,It'
para algo que se aproxima, com ressalva do nome, F alguns autores daquela orientação continuam afir-
, ,:~,tl,
i / de um "jusnaturalismo" sociológico, à maneira de mando que o direito é simples "dispositivo coativo
I,,, 11 L
I# ,, SELZNICK,na busca dos princípios de crítica das for- externo, de natureza estatal", isto é, "ligado ao apa-
I, , ,,, rnalizações jurídica^.^' F recirnento do Estado". Assim, por exemplo, o filó-
Ir1
,111, a
,131
I, I
Nessa direção, que renega os formalismos, creio g safo ADOLFOSANCHEZ V A Z Q U E Zsob
, ~ ~tantos aspec-
I> ,,,,
I I'
$#I1 ,,,I, que cabe aprofundar o rumo espontaneamente tomado L tos admirável em suas agudas investigações. Aliás,
pela filosofia e sociologia jurídicas, a partir dum I a o falar na justificação dialética da moral,'' VAZ-
(>II,, I/ ,
I
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lllll ,,'1II,I tridimensionalismo integral que defende a correlaçáo QUEZ admite uma síntese ética, sobranceira ao forma-
l181i l,tfli~J 1
I 1 11, 1
dinâmica de meios e fins, em função da décalage cn- P lismo e à relativização, que cumpriria estender à
tre intraestruturas e superestruturas, dentro das k esfera do jurídico, pois, em última análise, as duas
€
estratificaçóes sociais. Hoje, os teóricos, não filiados 1 ordens de normas sociais só se distinguem, como en-
- -
- 76. E~GAR-BODENHEIMER. CiênCja d o a i r e i t o - Eilosofic -
1
- - - fatizarei
-
adiante,
- --
pela
-
coercibilidade
- - -
exterior das san-
-- -- -- - -
i_
E il/lotodologia J~rridicas,Rio, Forense, 1966, p. 338.
77. Vcr a aguda e erudita tese de cloutoramento de So- f 78. I n Socinl Di19z~mions.. . , cit., p. 511.
i
LANGE SOUTO, ContrOle Social P Direito, Recife, Universidade 79. Ver carta a J. Bloc (21/9/1890). A propósito; Bo-
Federal de Pernambuco (edição mimeografada) , 1968, p. 551 E
L DENHEIMER, Ciência do Direito, cit., p. 97.
Do próprio CLÁIJ~IOSOUTO,Fz~ndamcntos dc Sociologia Juri- E
E 80. Ética, Rio, Civilização Brasileira, 1970, p. 83.
dica, Recife, Faculdade de Filosofia da U.C.P., 1968, pussim.
-% 81. Ob. cit., p. 227.
;
-- - --
ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA
t
ções organizadas e pela bilateralidade atributiva, Aliás, a própria filosofia marxista do direito
peculiares ao direito. g oscila bastante, nesse ponto, ao menos quanto à sim-
De qualquer forma a identificação global do ples ligação de direito e Estado, como expressão crua
jurídico e dos enunciados formais dum voluntarismo
C
E e mecânica de interêsses classistas. O êrro está justa-
de raiz estatal faz regredir certas posições marxistas mente em ver todo o direito enquanto direito estatal
F
- - - - -a uma espécie _de formalismo jurídico, de inspiração B8 e dizer, com VYSHINSKY, que "direito é um sistema
diferente da positivista, porém com resultados estra- B de normas, estabelecido pelo Estado, mediante o qual
t
nhamente coincidentes. ada_m_tr~~-u r a-so-c1 a v1 8-4 . T Â L -
-- - . - L p \ i . i -
-- - -- - --~TõrTcl--aça-o, aqui-tomafidcfgçao-pr@ica_r xplicaria-o d'rreitõ -de con; - - -
- -
mente mecanicista, entre infraestrutura e formação testação e libertação, o inconformismo positivo,- que
I .. . . -
das-ldoas-e instituiço.es-jurídicas,-corta -o- i m p u l s o -
I
P
'&- ----
~ e ~ p ~ s e n t a T o E - d l r e i t o t a m b - E - E a ndo t e for-
nomogenético e infradialetiza as contradições do me- 3
[ malismo jurídico estatal, HELLERacentuou a exis-
lhor progressismo, também não explica a influência, tência duma espécie de "jusnaturalismo" implícito
de retorno, do direito, libertado de sua condição de it em toda posição contestante, y compris a m a r ~ i s t a . ' ~
mera vestimenta ideológica dos interêsses estatais en- i Note-se que GOLOUNSKY e STRIOGOVITCH matizaram
tronizados, E isto falseia a compreensão, enrijecendo i
1b bastante essa linha de raciocínio, embora aderindo,
a tese do desaparecimento do direito e do Estado, que I I
não tem apoio em qualquer prova científica e serve, i substancialmente, à concepção do direito como uma
forma específica de política da classe d ~ m i n a n t e " , ~ ~
apenas, à profecia nitidamente utópica do estabele- perspectiva em que até a norma consuetudinária é
r
Z
82. A propósito, YVONBOURDET,in Sociologie des Mu- 86. Ver a decisão do 1.O Congresso dos Constitucionalis-
tas Marxistas, no combate às teses de PASUKANIÇ, in STUCKA
)tu,cit., ps. 95-96.
07 A ....--i-:c- ---- .- P - A - ~ ..s. GURVITCH, as observa-
- -
et alii, Teorie Sovietiche de1 Diritto, Milano, Giuffré, 1964,
- -p. aF-fTexto de -STRooovIc-1). - -- - -- -- - - - - - - - -
iW U ~ C U M C L I C ~ ~ S C C I I U C I I L C1.n DialZctique ii So7iologie,
ic 'Filgrnrniir;nn 10h7 r, 1 << e 57. Ibidcm, p. 311.
3
-
98 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 99
ciência jurídica", de nenhum modo confinada à limi- direito à política de classe dominante, ademais toma-
tação do Estado, Ora, essa concessão manifesta, gri- da como bloco unívoco e sem contradições, o que é
tantemente, a necessidade duma perspectiva mais pecado de infradialetização.
ampla na abordagem do direito. Nas sociedades clas- A síntese dêsse jogo de contradições em cada
, sistas, acentuam, ainda, GOLOUNSKYe STROGO- concepção juridica, sem desconhecer a sua vinculaçáo
VITCH, não há uma só consciência jurídica e, poristo, à infraestrutura (isto é, hoje, largamente aceito,
"a regra de direito da classe dominante, fundada na como já assinalei, até por não-marxistas, à maneira
consciência jurídica dessa classe, não é igual à que de STONE),deveria extrair dessa visão da praxis ju-
se funda na consciência jurídica da classe subordina- rídica algo mais do que aquêle positivismo jurídico
da; sendo justa para a primeira, é injusta para a se- estatal. Assim é que se poderia destacar um tridimen-
gunda. Cada classe social, esteja ou não no poder, sionalismo global, ao nível do conhecimento do di-
tem sua própria concepção do direito, concepção que reito, em sua acepção plena, enquanto resultante e
a
não pode ser, e geralmente não é, a que se extrai do superação, a cada etapa, das contradições, na atuali-
direito positivo em vigor".88 STOYANOVITCH mos- zaçáo dos diferentes ideais de justiça, dentro do con-
trou que existe, nessa posição, a verdadeira militança creto histórico. Para a integraçáo, cabe rejeitar, tanto
crítica à doutrina "fechada", na pena dos próprios o jusnaturalismo tradicional e fixista, quanto o d a -
marxistas que se apresentam como o r t o d o ~ o s . ~ ~ tivismo em que vão dar, afinal, todos OS formalis-
A simples expressão, adotada por GOLOUNSKYe mos. A justiça não entra na dialética do direito, como
STROGOVITCH, embora ainda minimizando as con- principiologia postulada pela ordem OU segurança
tradições do próprio direito estatal, de qualquer sorte (formalismo positivo, de endeusamento estatal), nem
já vem abrir o debate mais fecundo, pois admite, em corno crítica simplista do direito dito positivo, a ti-
nome do processo jurígeno mesmo, a reinserção da tu10 de mecânica derivação de interêsses econômicos
dialética, pràticamente esquecida, no jogo das deri- (formalismo crítico infradialético, engajado'na &E-
vasões infraestruturais. O que não se pode entender çáo utópica de um têrmo final do processo, que klui-
é como os autores reconciliam suas verificações da daria, de vez, com a dialética histórica, sem qualquer
- pluralidade- de consciências jurídicas eca redução d e a p o i o em p m a e m p s c a e m guardar --coerência com
- - -
- k
a imanentizaçáo dessa mesma dialética) .
88. Ver a minuciosa resenha de K. STOYANOVITCH, in A determinação do direito, a cada momento,
La Philosophie du Droit em URSS (1917-1953), Paris, Libra- i
seria uma operação complexa, baseada naquêles pro-
F
rie Générale de Droit et de Jurisprudense, 1965, ps. 25 7e segs. cessas descritivos, analítico-regressivos e histórico-
89. Ob, cit., p. 259. E
e
=
C
-L
- 102 ROBERTO LYRA FILIIO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 103
petição mecânica das teses clássicas".105Na Iugoslávia, muitas vêzes de maneira não confessada",10g no dizer
OLEG MANICacentua a função dinâmica d o direito, autorizado e objetivo de GEORGESBALANDIER:"o
no uso da formalizaçáo jurídica para "dispor e im- Estado nasce da sociedade; aparece quando esta últi-
por mudança social".106 PODGORECKI, na- PolÔnia, m2 se emb~raçanum insolú~elcontradição consigo
registra os estudos da anomia em terreno socialista.107 mesma e tem o encargo de amortecer o conflito, man-
Cresce a certeza de que a dialética do conflito entre tendo-o nos limites da ordem; define-se como poder,
- . -- -
o r ~ d õ d ã - c i T d a ~ 6 m m m q u e e d e s e jZ al -o c Z s i -
temas conflitantes de valores e suas raizes infraes- acima dela e dela se desvencilhar cada vez mais .110 ' 9
1 ,,, entre as "subculturas" ligadas aos estratos ou classes enquanto meio de formalizaçáo normativa e mecanis-
sociais,'08 e enfrenta a questão de conceito e origem mo de sanções organizadas. A passagem d o terreno
I
do Estado. da mole originária de normas sociais, desde os usos,
Em que pesem as retificações de certos pontos, costumes, folkways e mores, até a emergência das for-
pelo material mais recente, as conclusões de ENGELS malizações jurídicas, tal como hoje as entendemos,
prende-se ao avanço e às contradições do processo de
--
- A 104. V e r i n RENATOTREVE-org., L a Sociologia de1 Di-
-
da classe dominante elimina as contradições, isto é. ligado o fenômeno jurídico. O direito destacou-se dos
infradialetiza a realidade. more^,''^ para ganhar o aspecto, que ora lhe conhe-
Gradualmente, no curso do tempo, tornaram-se cemos, enquanto subproduto da situação urbana,
mais precisas, nas diferentes sociedades, as órbitas dis- como assinala RALPHLINTON."*Êsse acabamento
tintas de direito, moral e religião, que, primitiva-
formal coincide, precisamente, com a inauguração da
mente, se apresentavam coligadas, numa espécie de
dialética do poder político, em formalização estatal,
comunhão pro-indiviso. Por outras palavras, desde
e do próprio útero social, donde essas estruturas pro-
o início apareciam vários tipos de realidade objetual
vêm, procurando ganhar fôrça de expansão autôno- .
diferente que só a diversificação posterior, no sentido
dos órgãos de formalização e tutela da aplicação per- ma e reorientar os processos sociais que os geraram.
mitiu divisar, em suas órbitas específicas, sem pre- Há vários tipos de normas, tanto na origem,
juízo das relações constantes entre elas. quanto na diversificação especial. Elas conservam a
Em toda sociedade dada, há usos e costumes, afinidade, na característica geral de imperatividade,
folkways e mores tendendo à composição em escala enquanto tendem a.apresentar-se como modêlos obri-
de crescente h f a s e imperativa, como normas sociais.''' . gatórios da conduta. Aliás, é tal cunho de imperati-
O uso distingue-se do costume pela brandura das vidade que dita a exclusão das chamadas normas téc-
sanções movimentadas, no caso da inobservância nicas, dentre as normas, pròpriamente ditas.l15 "Nor-
àquêles padrões de comportamento social, Os folk- ma" técnica é a que prescreve a conduta para a reali-
'
ways indicam os costumes revestidos pela força da zaçáo de certos fins e, embora KANT a houvesse desig-
tradição, enquanto que, nos mores, a imposição é nado como "iniperativo de habilidade", não há um
intensificada ao máximo, pois êles são, em última tipo de sanção específica, aplicável no caso de seu
< 4
análise, os costumes reputados absolutamente essen- descumprimento. Se não é seguida a norma" em
ciais, invioláveis e de caráter sagrado.l12 Através des- questáo, a tarefa resulta mal feita; nada mais. E ver-
sas normas sociais é que se delineia o perfil da mora- dade que, em alguns casos, a desobediência à "norma"
lidade, o aspecto sociológico da moral, a que está técnica acarreta sanções; mas, aí, elas vêm aplicadas,
não pelo descumprimento da técnica, e, sim, pelo
-- 11-1--ver PAUL. VINIXRA~YOF I n t r ~ d . u ~ c i ó ~ -Dere&oj
~l-- - - - -- - - - - - - - - -
desrespeito à norma ou jurídica a que ficou incor- ldialética, no binômio liberdade e determinação, que
iB
~0rada.l'~ kestudei, sobretudo no primeiro capítulo, e em outro
C
E importante dizer que, aqui, importa focalizar, B binômio correlato, que é a vinculaçáo da teoria à
a moral em seu aspecto exterior, isto é, como norma f
- praxis, do indivíduo (ou grupo) e sociedade.lz3 P o r
0
-
social ou "sistema de imperativos, valôres e juízos
. -- a outras palavras, falando em sociedade ou em caráter
axiológicos~queconstituem os lugares comuns d e ig social das atitudes morais, é preciso ter o cuidado de -
uma classe, um ambiente social ou uma sociedade".117 não hipostasiar aquela sociedade ou fazer do indiví-
-- =2X==v eri-f i~a5ã-e a~t;e~a-ntotnáo-hLde=~iz&niza~ - - -dit0-u-m.abso~uto.1-Haxerá,-semp~, nma ação cir- -- - -
outros aspectos, pois, e m última análise, podemos. cuIar entre a subjetivklade da consciência e a objeti-
$ 4
convir em que o problema moral - c ã o é um proble-
--
-
vidade das normas sociais. Só essa compreensão per-
- -
-
ma simples, nem como aceitação cega de regras de mite iluminar os vínculoL entre condicionamento e
I conduta prefabricadas exteriormente, nem como afir- liberdade e a aptidão humana de autognose e auto-
I mação duma liberdade radical para estabelecermos govêrno. A projeção dos valôres humanos. enquanto
I/ I/ .
nós mesmos os nossos valores e fins".11s Isto importa tais, não representa mais do que um processo de ajus-
em afirmar, simultâneamente, o caráter social da mo- tamento lúcido e reajustamento crítico, para incorpo-
ral, na medida em que suas normas e relações têm ragão das sucessivas aquisições histórico-sociais em
origem, desenvolvimento e endercço sociais,'19 e tam: concreto, na praxis conscientizada.
bérn a sua natureza de coimplicação individual, pois Assim, a atitude moral tem dupla feição: é hete-
"o sujeito do comportamento moral é uma pessoa - -
rônoma, enquanto não se desenvolve naquela espécie
--
"consciente e livre"12' e a consciência d o .de solipsismo kantiano - "das moralische Gesetz
4
indivíduo é a esfera em que se operam as decisões in mir";B5a lei moral dentro de mim; - é autôno-
-- morais.!?2 Apenas,_essa contradição 4-simples eco d a m a , enquanto n ã o se esgota, nem sequer se caracte-
- - -
El
tórico-social da humanidade, isto é, ao alargarnent micos. A força dêsses princípios estabeleceu-se, com
da quota de atualização da liberdade ontológica d o tal firmeza, que, nela, se vê a mola mestra das con-
homem, conforme as aquisições da praxis social. testações mais vigorosas de muitos establishrnents.
Note-se que não se trata daquêle progresso linear. J á ROOSEVELT incluia entre as liberdades do homem
automático do idealismo burguês e, sim da abertura a libertação da miséria.lZ8E os repertórios de direitos
de novas possibilidades de luta pela incorporação de fundamentais, que se vão recolhendo em documentos
perspectivas in6ditas conscientizadcrs, Muitas vezes, internaci~nais,'~~ dizia-o insuspeitamente o filósofo.
-_ -- - _ - - - - - - - ----- - - - - - - - - -
- - - - . ~ ~ - z ~ países f f o i õ ~ ã s o 7pof
n a t a - u ~ ~ determinados - - conservador, JACQUES MARITAIN, devem ser enrique-
exemplo, das naçóes d o ocidente europeu) assentam cidos e revistos, pois nunca serão "exaustivos e defi-
n i t i v ~ s " ,Hoje,
~ ~ ~ por exemplo, h5 um movimento A
e- êsse cumprimento). Apresentam-se, ademais, coati-
.geral, tendendo a garantir a passagem da igualdade vamente equipadas" (NAWIASKY) 13' Urna preceitua-
.-
ção será jurídica, se for externamente garantida pela
beranas", para a busca dum conteúdo real sócio-eco- possibilidade de coerção para obter a conformidade,
- -- - --
-
As normas sociais são imperativos unilaterais, lêmicas estéreis).134 É certo que, - no direito interna-
como decorrência, aliás, do caráter difuso do respec- cional, a ausência de rematada e definida organização
.tive sancionamento. Não havendo um sistema orga- de coercibilidade externa parece desmentir a caracte-
nizado de sanções, também não se atribui, por outro rização das sanções jurídicas, como organizadas. Mas
lado, a um sujeito específico a faculdade de exigir o aquêle direito se encontra ainda numa "fase atrasada
,cumprimento do dever moral.131 A sanção difusa é de sua formação", de sorte que a coercibilidade exter-
.exercida pela opinião pública. J á as normas jurídicas, na resulta "imperfeitamente determinada e regulada"
enquanto se vão delineando a u t ô n o m a ~ e n t e(embo- e, como acentua DEL VECCHIIO, ali há mais afinida-
ra correlatamente às demais, num jogo de recíproca des com a órbita moral correlata, do que com o di-
influência e repercussões, procurando homogeneizar reito em sentido e ~ t r i t 0 . lAliás,
~ ~ essa con-diçãõ rudi-
e sintetizar as contradições entre os pluralismos das
--------,A
lconsciencias jurídi-ca e moral) apresentam uma carac--- - - - - - - - 132. HANSNAWIAÇKY, Teoria General de1 Derecho, -Ma-
drid, Rials 1962, p. 31. - - - - - --- - -
- - - - - -
terística estrutura ímperativo-atributiva (bilaferal) , 133. Apztd MAX RHEINSTEIN, org., Max W e b e r o n L aw
pois a relação ali é estabelecida, entre sujeitos - um in Econo~wyland Society, Harvard University Press, 1966, p. 5.
- - - - - passivo -Cdevendo-cumprir-o-de~er jurídico)-;-oatro,- -- -
134. Hoje, a negação da imperatividade do direito é teima
- -- - -$a escola-egológica,argenti-, -de-C-A-R ~COSSIO
S e seus discí-
.ativo (a quem se confere o direito correlato de exigir pulos e simpatizantes (ver ENRIQUE XFTA~~ÓT, TFRNAN - - --- -
a~-
GARCÍAOLANOe JosÉ VILANOVA, Introducción a1 Derecho,
Buenos Aires, La Leâ, 1964, p. 104). O próprio KELSEN, invo-
130. S u r la Philosophie des Droits de Z J H o m w , in Au- cadq pelos autores egológicos, modificou sua posição anterior,
J e u -~d e & -Nouvelle Déclaration des Droits de PHomme,
- - - - -- - - - - - - - - - - - --- -- - - nesse assunto (ver HANSKELSEN,Problemas Escojidos de Ia
UNESCO, ed. Sagittaire, 1949, p. 64. Ver ARMAND C~LLIER, -- - - -- - - -- - -
Teoria P w a del-DZreTlzõ; Buienõs -Aires; Krâft,-1952; p. 47); - - - - - -
Sociologie et Problèmes Actuels, Paris, Vrin, 1958, ps. 55-56.
131. Ver GARCÍAMAYNEZ,Introducción, cit., p, 15-16.
135. GIORGIODEL VECCHIO,Lições de Filosofia do Di-
reito, Coimbra, A. Amado, 1959, vol. 11, pág. 138.
-
8
mentar do direito internacional destaca, luminosa- sensu jurídico, enquanto órgão de normação, sujeito,
mente, a origem do.direito mesmo, pois a indetermi- na praxis social, a inspiração, influência e con-
nação remanescente daquele ramo corresponde à for- tenção entre certas variáveis de possibilidade conjun-
mação da u r b s internacional, lastro positivo e indis- tural (que definem a eficácia) e validade material
pensável para que se arremate o processo de cristali- (que definem a quota de atualizaçáo de valores subs-
zação normativa e aparelhamento sancionatório, tal tanciais atinentes à maturação, num instante dado,
como a situação urbana forneceu ao aparecimento do da consciência jurídica, enquanto superação das
Estado e constituição autônoma do direito as condi- direções de pura acomodação ao interêsse classístico
ções necessárias de viabilidade, no âmbito interno. dominante). Isto importa dizer que o direito forma-
O direito, na sua forma primitiva, não forma- lizado é um projeto ou indício de juridicidade glo-
lizada, precedeu, enquanto projeto e modêlo, o pró- bal, a ser medida pela eficácia de seu sistema nor-
prio Estado e ambos continuam ligados, como poder mativo e pela legitimidade que êle apresenta, com
estruturado e impulso de nomogênese, no mesmo resolução dos eventuais conflitos entre as três dimen-
campo social onde o Estado é formado e ao qual re- sões do processo, através da dialética da necessidade
verte, com sua pretensão de estabelecer uma ordem,
modelando as relações intersubjetivas, em limites mais I e liberdade. FOULANTZAS nota que as proposições
"fato é valor" e "valor é fato" hão de ser tomadas,
-
ou menos rigidamente definidos. A "autonomia" do
"direito positivo", como a do próprio poder estatal,
também encontra a sua medida de eficácia (valor efe-
i não no sentido da lógica aristotélica, mas no sentido
hegeliano, que certamente não entra na cabeça anti-
dialética de alguns críticos, como K A L I N O W S K I , ~ ~ ~
tivo e funcional de operação) e seu parâmetro de É enquanto simples produto "positivo" de for-
legitimidade (valor, não puramente operacional, mas malização normativa que o aparecimento do direito,
de conteúdo efetivo, em têrmos de possibilidade em sentido autônomo, isto é, desentranhado das de-
histórica de concretização da justiça] no próprio 1 mais normas sociais, liga-se, de um lado, à situação
jogo da praxis social e suas contradições de infra-
L
urbana13? e ao advento das sociedades estratificadas
estrutura, ideologias conflitantes e "subculturas",
136. Ver GEORGES KALINOWSKI, Lu Querelle, cit., pág. 68.
--
inerentes
-
aos conflitos de interGsse
- -
- -
de estamentos ou
-- - - 137,R~w~ LIN-SON,TIze-íTree, cit.,-pág.- 122 :Lo-sub- - -
classes. É preciso não esquecer que o Estado, produ- produto significativo de vida urbana primitiva foi o apareci-
tor de "direito positivo", pela legislação ou pela -
mento de padrões altamente formalizados de direito e procedi-
i
mento legal". O processo econômico, nas cidades, com sua com-
chancela de formações consuetudinárias, deve ser en- plexa superestrutura, na organização de autoridade política e
carado, no seu perfil institucional, como um fenôme- jurídica, rompe aquela coesão dos grupos primitivos, que dis-
no inserido no mesmo processo e, portanto, lato pensava a expressão formalizada. O antropólogo KLUCKROHN
g
k
116 ROBERTO LYRA FILHO
complexas,138e, de outro, à institucionalização estatal, atração simultânea da ordem e da liberdade, cuja sín-
pelo instrumento de sanção organizada, cujo sistema tese define a posição conservadora, quando repousa,
operatório se transforma numa das funções do poder firmemente, na ordem estatal, o u contestante, quando
político. E este reverte ao jogo dialético da concen- levanta outras bandeiras de remodelação. O impor-
$ração e divisão dos poderes, cujo produto são as tante é assinalar que ambos pertencem ao jogo dialé-
-- diferentes-concepções do chamado-Estado--do Direito, -
tico d a gêncae d o dir?ito, n a s u a inteireza. A o b l i t e ~
isto é, com fundamento e limites jurídicos, regendo o ração de qualquer dos polos resulta, num caso, em
--
próprio poder de formalizaçh
- --
--
-
nomogênica e jucs- -çego formalismo,s_ubservien~ao_est&ILshmggttcCon~
dição. - - tituido, e, noutro casota anomia, no sentido da opo-
"Direito formalizado e procedimentos jurídicos sição à sociedade dita global, sem condições de.
esterotipados podem exktir em sociedades não u r b a - viabilidade para substitui~ãode seu sistema de nor-
nizadas, como há na maior parte das tribos africanas mas, pelos da formação "subcultural". Mas o desa-
e na Indonésia, com seY direito adat. Entretanto, a fio anômico é igualmente ambíguo. Quando êle re-
pequena comunidade aconchegada pode funcionar, presenta um anacronismo regressivo (em função da
com bastante sucesso, sem êsses padrões. A cidade de- maturidade da consciência jurídica do homem, de
cididamente não pode".139 Está visto que essa descri- forma geral) sua eficácia e, até, por assim dizer, sua
ção só há de ser explicada em referência à institu- mudança de sinal (passando a empolgar o controle
cionalização, incipiente ou florescente, com formações da sociedade dita global) pode ser definida como an-
burocráticas correlativas, d o poder estatal, asentado tijuridicidade material e até crime contra a humani-
aio contrôle dos -conflitos de estamentos e classes e dade (foi o caso do direito nazista, por exemplo).
tendendo à hegemonia da camada dominante, mas Por outro lado, quando a contestação anômica (isto
nem por isso desligado dos conflitos reais subjacentes, é, o desafio ao sistema da sociedade global por forças
-
-
que contrastam modêlos juridícos, como outGs tan- positivas, d o prTgresso)se insere no processo obje-
tos projetos "subculturais" de atualizciçáo de justiça tivo de desewvolvimento das instituições sociais e n o
social. Daí, aliás, a bipolaridade d o direito, com a sentido de maior quota de concretização de justiça,
- - - -- -- - - - -
no instante dadot ganhar4 viabilidade, a m a d u r e d a
viu "algo de verdadeiro" naquela frase do índio velho: "antiga- nessa luta, e a mudança de sinal representará um pro-
mente, não havia leis, todo o mundo fazia o que era justo e certo" gresso efetivo do sistema jurídica (foi o caso dos
(CLYDEKLUCKHOHN, Antropologia, México, Fondo de Cultura
Ecvonómica, 1957, pág. 39). nossos abolicionistas; primeiro "criminosos" co-
- 138. KLUCKHOHN, Antropologia, cit., pág. 40. - muns, pelo favorecimento de escravos em fuga; de-
139. LINTON, The Tree, cit., pág. 123. pois, heróis consagrados, diante do triunfo de sua
a
* 118 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA D I A L ~ T I C A 119
I
pela ruptura ou pela redisposição reformista, do Creio que o aspecto mais importante das inves-
quadro jurídico-formal, há de ficar em tela, num tigações do conceito de Direito é, hoje,
esforço de pesquisa da legitimidade dos projetos de o que se refere à dimensão axiológica - mas isto
prevalência dos valores conflitantes. 1 não significa que as outras não tenham recebido con-
Não existe anomia pura, isto é, o reverso de um tribuições importantes. O essencial é integrá-las, por-
desafio a qualquer norma ou conjunto de normas é que a consideração isolada de cada uma pode condu-
feito em conformidade a outro padrão normativo zir a anomalias graves. Assim, por exemplo, a exclu-
eputado superior. O problema será indagar se efe- siva preocupação formal conduz, geralmente, a exer-
mente o é, o que nos reconduz à questão do devir cícios eruditos, repousando sobre falsa base filosófi-
ano, em cada posição, n o tempo e no espaço, e ca, tal como o ensaio de CAPELLA,'~'J á vimos em
a síntese possível da necessidade e da liberdade. Isto, que dá tal preocupação, que volta as costas" 143 para
I<
por outro lado, engaja o jurista numa pesquisa de a "dimensão histórica do direito" e a "análise de con-
amplos contornos filosóficos, para evitar aquêle em- teúdo". Ela manterá um "positivismo" básico, ge-
irismo relativista, que acaba em rendição à fatali- rando obstáculos à Aufhebuny. devido à <pureza", I
-- - - - -- - - ---
Note-se que as chamadas teorias puras (como diriam 141. JUANRAMONCAPELLA, El Derecho como L e n g G T
os alemães, wertblind, isto é, cegas ao valor) têm o Barcelona, .Ariel, 1968, pussim.
142. Ibidem, pág. 25.
destino marcado, no reencontro, relativís tico dos seus 143. Ibidew, Ibidm.
144. Ver DENIS SZABO, Dévtance et CriminaEZté, Paris,
140. Apud TBEVES,
La Sociologia, cit., pág. 127. Armand Colin, 1970, pág. 31.
chamada sociedade global, as contradições classísticas
nela presentes.
Está evidente, porém, que a preocupação com o
valor, desligada dos fatos concretos da vida social,
I I
também pode conduzir a desvios, de cunho meta-
. - -físico",-intei-~amente-alienados. Assim -é que nascem -
- -. - -.- -.-
- - conservador -~-~~~~-~ER-F)I~~A-RQDEIGuE-z,~~~-
- - - - -
- - -- -- - -- -
II
Y
CRIMINOLOGIA DI
pluralidade de ordenamentoi, que disputam a hege- mentos ilegítimos (entrando no fluxo de anacronis-
monia. Há, sempre, mais de um modêlo em vias de mos regressivos) ou legítimos (quando buscam o
positivaçáo. Daís os conflitos de "cultura" e "sub- alargamento da quota de liberdade e justiça consci-
culturas" entre si e até mesmo internamente. É -pre- entizadas, perante os sistemas ainda atuantes e em
ciso avaliar os parâmetros concorrentes do sein sollen, exasperado e agressivo declínio). A anomia repre-
ontològicamente vinculado ao próprio sein. Cientifi- senta o prenúncio de mudança iminente, na estrutura
camente, a bússola metodológica exige a dialetização, institucionalizada, quando esta entra em décalage
para superar o jogo das microvisões e o cancelamento com a corrente histórica. As próprias contradições
recíproco dos resultados, nas formações multidisci- dum sistema, tornando-se mais agudas, despertam a
plinares. Por êsse caminho é, então,' possível enfren- consciência crítica, hoje arrimada no impulso, cada
ar o feixe tríplice de aspectos, indissolùvelmente vez mais forte, da comunicação, que estabelece um
oJigados e referentes: a ) à formalizaçáo (em que se contacto ecumênico. Nêste plano é que se forma o
determina a origem e constituição do elenco de nor- desenho imantado da nova moral e do novo direito.
mas gositivadas) ; b ) à eficácia (em que se mede o Filosofia e sociologia, jurídica e moral encofi-
poder edtivo de atuação d-.c,lelas normas, em retôr- tram-se, nos polos dialéticos de fato e valor, donde
no imperativo, para buscar o controle dos processos brotará a centelha de síntese da necessidade e da liber-
sociais, donde emergem) ; c ) à legitimidade em que
se analisam, crítico-valorativamente, os conteúdos
dade, coligadas à praxis. Com elas, ilumina-se o
processo subjacente às conjunturas históricas in cori-
!
positivados, para a cooptação de indivíduos e grupos, creto, e ali também se opera a clarificação dos esquc-
segundo os rumos históricos duma consciência jurí- mas valorativos e dos meios de inserção de indivíduos
dica e moral "desideologisada"). A noção de "sub- e grupos, no processo, para um engajamento lúcido e
cultura" é: a) formalista (pela hierarquização acrí- racional.
Eica dos elementos, conforme o arranjo dominante) ; Êsse deslinde da dialética imanente, captada na
praxis e teòricamente reorganizada, não tolera mais
b) meramente conservadora (pela admissão de uma
espécie de homeostase, no próprio sistema). Por s fixismo de valores, sacados à instância transcen-
dente dalguma caverna platônica. Também não dá
~
--
outro lado, a anomia, longe de representar, sociolò-
pp
- - -
ensejo p a r a T X b S i s t ê n T i a dosormalismos jurídicos
gicarnente, a simples rejeisão nihilista de toda e qual-
quer norma, denuncia a polarização de novos pro- e sociológicos das teorias puras ou de médio alcance
jetos de positivação norinativa, conquanto ainda .
(rniddle range nheory) No Brasil, o favorecimento
hesitantes ou scmente implícitos. Êsses projetos ins- pessoal de escravos em fuga inscreveu, a seu tempo,
piram-se na praris social e organizam-se em movi- os abolicionistas, no rol dos "criminosos" comuns.