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CONCEITOS E DIAGNÓSTICO
Droga é qualquer substância exógena que inter ra em um ou
mais sistemas do organismo.
Droga psicotrópica ou substância psicoativa são as drogas que
atuam no funcionamento cerebral, provocando alterações psíquicas
e comportamentais. Neste capítulo, muitas vezes a palavra droga
será usada como sinônimo de substância psicoativa.
Fissura (craving) signi ca um desejo intenso e quase incontrolável
de consumir uma substância, muitas vezes com sintomas físicos
associados.
Uso experimental corresponde ao uso eventual de uma substância
para experimentar seus efeitos, sem recorrência sistemática.
Uso ocasional ou recreacional é um uso intermitente em que há
algum padrão de consumo, sem causar problemas (físicos, psíquicos,
legais, familiares e sociais) sistemáticos.
Uso abusivo é diagnosticado conforme os critérios do Manual
diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV) descritos na
TABELA 114.1.4 A Classi cação internacional de doenças e problemas
relacionados à saúde (CID-10)5 classi ca o abuso como uso nocivo e,
já que os critérios se assemelham, não são descritos neste capítulo.
Dependência de substâncias é diagnosticada segundo os critérios
do DSM-IV apresentados na TABELA 114.2.4
Os padrões de uso experimental, recreacional, abusivo e de
dependência recém-relacionados tendem a ocorrer em um
continuum, no qual os problemas com o uso das substâncias
psicoativas aumentam à medida que o indivíduo se aproxima da
dependência e de acordo com a sua gravidade. Contudo, geralmente
os usuários transitam entre as formas de uso dentro desse continuum,
podendo retornar a um padrão anterior de consumo ou progredir em
direção à dependência.
A TABELA 114.3 mostra as prevalências de uso de drogas na vida,
no último mês e ano, segundo o II Levantamento Domiciliar sobre o
Uso de Drogas no Brasil, realizado em 2005. O consumo de
maconha e cocaína observado na vida foi maior na Região Sudeste,
com prevalências de 10,3% e 3,7%, respectivamente.6 Para
opiáceos, o consumo foi mais alto na Região Sul (2,7% dos
entrevistados).6 Para solventes, foi maior no Nordeste (8,4% dos
entrevistados).
RASTREAMENTO
Atualmente, as evidências são insu cientes para recomendar ou
desaconselhar o rastreamento rotineiro de uso de drogas na APS.8
Quando se opta por fazer o rastreamento, podem ser usados
instrumentos como o Alcohol, Smoking and Substance Involvement
Screening Test (ASSIST) – um teste de triagem do envolvimento com
álcool, tabaco e outras substâncias que serve também para
classi car o tipo de uso. Esse questionário inclui oito perguntas
sobre nove classes de substâncias psicoativas. Cada resposta
corresponde a um escore, que varia de 0 a 4, sendo que a soma total
pode variar de 0 a 20. Considera-se a faixa de escore de 0 a 3 como
indicativa de uso ocasional, de 4 a 15 como indicativa de abuso e 16
como sugestiva de dependência.9
Grupos prioritários para o questionamento sobre o uso de
substâncias são adolescentes (ver entrevista de adolescentes no
Capítulo Acompanhamento de Saúde do Adolescente), adultos
jovens e gestantes.
ABORDAGEM INICIAL DA PESSOA COM
DEPENDÊNCIA QUÍMICA
É importante estabelecer, desde o início do atendimento, um
vínculo adequado com os pacientes usuários de substâncias. Muitas
vezes, eles chegam descon ados, desmotivados ou mesmo obrigados
por seus familiares. Com frequência também, a queixa que os traz é
outra, e eles não estão preparados para abordar a questão da
dependência química, estando muitas vezes na fase pré-
contemplativa. Quando o pro ssional de saúde levanta o problema
da dependência química de forma precipitada e confrontativa, o
paciente abandona o acompanhamento. Perguntas mais abertas e
não confrontativas ou preconceituosas reduzem a ansiedade do
paciente, a negação e resistência ao tratamento D 10,11 e o risco de
abandono do tratamento (RRR=34%; NNT=13) C .12 Essas
orientações, baseadas em técnicas de entrevista motivacional,13,14
são discutidas no Capítulo Abordagem para Mudança de Estilo de
Vida. A entrevista de familiares neste momento pode ajudar a
con rmar a veracidade das informações fornecidas pelo paciente e
introduzir a família no plano terapêutico.
A avaliação inicial consta de um exame clínico e alguns exames
complementares, a partir dos quais é proposto um plano
terapêutico.
Avaliação clínica
A avaliação clínica deve abordar as substâncias utilizadas e seu
padrão de uso, os tratamentos anteriores, as comorbidades clínicas e
psiquiátricas, a história familiar de doença psiquiátrica e uso de
drogas, o per l psicossocial e o exame do estado mental. No exame
físico, sempre deve ser realizado um exame neurológico, uma vez
que o impacto das substâncias psicoativas no SNC é signi cativo, em
alguns casos mesmo em indivíduos jovens.15
Tratamentos anteriores
É importante investigar as modalidades de tratamento anteriores,
se o tratamento foi individual ou em grupo, hospitalar ou
ambulatorial, quais as medicações utilizadas e a resposta obtida com
cada tipo de tratamento. Deve-se questionar, também, sobre ideação
e tentativas de suicídio e atos de violência no passado. Estudos
mostram que intervenções de psicoeducação, medidas de restrição
aos meios letais (di cultar o acesso a armas, por exemplo) e
educação dos cuidadores têm impacto na redução dos suicídios D .
Essas medidas preventivas devem ser tomadas em qualquer suspeita
de risco de suicídio, e o paciente deve ser encaminhado a uma
emergência psiquiátrica acompanhado de um responsável.21,22
Outro aspecto relevante a ser observado é o comprometimento
com os tratamentos anteriores, isto é, se foram voluntários ou
impostos por familiares ou pela justiça. Em especial, uma linha de
tempo pode auxiliar a nortear o avaliador a respeito dos eventuais
sucessos e fracassos de abordagens anteriores. Todos esses aspectos
irão determinar as condutas no atendimento do paciente, podendo
ter importante efeito prognóstico.
Comorbidades psiquiátricas
O uso de drogas pode ser causa, consequência ou ocorrer em
paralelo a sintomas psiquiátricos. Quando a presença desses
sintomas parece representar um transtorno independente, além do
transtorno por uso de substância, isso identi ca um subgrupo de
pacientes com “diagnóstico duplo” ou com comorbidade, os quais
recebem um diagnóstico de transtorno por uso de substância
associado a outro transtorno psiquiátrico.
Deve-se elucidar cronologicamente a história do uso de drogas e
o início dos sintomas psiquiátricos, com o intuito de avaliar qual é a
hipótese mais plausível.23 O diagnóstico de outra comorbidade
psiquiátrica em um indivíduo que tem transtorno por uso de
substâncias é bastante complexo, visto que muitos dos sintomas
desencadeados pelo uso de álcool e outras drogas não apresentam
diferenças em relação àqueles desencadeados por outras patologias
psiquiátricas. Assim, o reconhecimento precoce do uso de drogas na
presença desses sintomas é fundamental para a escolha do
tratamento.24,25 É importante car atento para o início do sintoma
(se ocorreu antes ou depois do abuso de substâncias), para a história
familiar do indivíduo e principalmente para a manifestação de
sintomas durante períodos de abstinência.26
O Epidemiological Catchment Area (ECA-1990), realizado pelo
Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos,
entrevistando mais de 20.000 pessoas, sugeriu que pelo menos
metade das pessoas que abusam de álcool ou drogas apresentava
uma ou mais comorbidades nos últimos seis meses. Os diagnósticos
psiquiátricos mais comuns foram depressão, distimia e transtornos
de ansiedade.23 Também é importante car atento para o
diagnóstico de transtorno de dé cit de atenção e/ou hiperatividade
como comorbidade em usuários de substâncias psicoativas.27,28
Indivíduos com comorbidade psiquiátrica e abuso de substâncias
têm um prognóstico pior do que pacientes com apenas um desses
transtornos e são de difícil tratamento. Por isso, o primeiro ponto a
ser estabelecido é uma aliança terapêutica consistente, pois ela se
constitui em fator preditor do sucesso terapêutico.10 Esses pacientes
não respondem bem, em geral, a abordagens terapêuticas
direcionadas a apenas um dos transtornos, tornando-se necessário
combinar medicações e modi car as terapias psicossociais incluindo
abordagens para ambos.
Perfil psicossocial
O funcionamento atual do paciente deve ser detalhado,
principalmente no que se refere a consequências familiares,
pro ssionais e afetivas (com parceiro sexual e amigos) e problemas
nanceiros. É relevante questionar sobre como o paciente consegue
dinheiro para a droga, sobre a venda de objetos pessoais ou da
família, envolvimento com polícia, prisão por porte ou trá co de
drogas e processos judiciais.
Exame físico
Não existem sinais patognomônicos do uso de substâncias
psicoativas, mas alguns sintomas podem levantar suspeita do uso de
drogas:
→ Sonolência ou agitação
→ Alterações da marcha
→ Aceleração ou lenti cação da fala
→ Aceleração ou lenti cação do pensamento
→ Alterações da frequência cardíaca
Alterações da pressão arterial
→ Irritação nasal
→ Irritação das conjuntivas
→ Odor de maconha, inalantes ou outra substância psicoativa
→ Cicatriz indicativa de punção venosa nos membros superiores,
queimaduras nos dedos das mãos (crack)
Exames complementares
Os exames laboratoriais devem levar em consideração o tipo de
droga utilizado e os sintomas apresentados pelos pacientes. Alguns
órgãos e funções são mais tipicamente afetados pelo uso de
substância e devem fazer parte de uma rotina mínima de avaliação
laboratorial.
→ Abuso de álcool: TGO, TGP, GGT, hemograma (com foco especial
para anemia e aumento do VCM).
→ Drogas injetáveis ou associadas a comportamento sexual de
risco: anti-HIV, anti-HCV, anti-HBs, HbsAg e VDRL.
Os exames toxicológicos de urina, quando disponíveis, são muito
úteis se houver dúvida quanto ao relato do paciente e devem ser
utilizados em um contexto de colaboração entre paciente, avaliador
e familiares. Estão disponíveis os exames de tetraidrocanabinol
(maconha), benzodiazepínicos, cocaína, solventes, anfetaminas e
álcool. O tempo em que o exame urinário permanece positivo varia
de acordo com o tipo de droga e com o padrão de uso.
Em situações especiais, outros exames podem ser solicitados,
como espermograma, devido à diminuição da fertilidade ocasionada
pela maconha.
Intervenções psicossociais
Para pacientes menos graves e que não tenham recebido
tratamento anterior, podem ser utilizadas intervenções breves, com
bons resultados. Nos últimos anos, vários estudos têm demonstrado
que essas intervenções tendem a ser tão efetivas quanto os outros
tipos de psicoterapia, como a terapia cognitivo-comportamental
D .12,34-37
A família no tratamento
Devem ser investigados e abordados os problemas
sociofamiliares que podem estar reforçando o uso da substância.
Ferramentas de abordagem familiar usadas na APS podem ser úteis
nesse processo, como genograma, ecomapa, avaliação do ciclo de
vida, PRACTICE e conferência familiar (ver Capítulo Abordagem
Familiar) D . O uso abusivo de drogas pode ser visto como sintoma
de padrões familiares disfuncionais, que precisam ser considerados
para o sucesso do tratamento. Alguns exemplos frequentes são
con itos familiares graves, falta de diálogo e interação afetiva entre
os membros da família, educação excessivamente permissiva ou
autoritária, envolvimento materno insu ciente, pais que se
apresentam como “amigos” dos lhos, entre outros.41
Além disso, como frequentemente o médico de APS também
atende outros integrantes da família, tem a responsabilidade de
identi car e intervir em fatores familiares que podem estar
in uenciando ou sendo in uenciados pelo comportamento do
paciente, como depressão em outro integrante da família e crianças
em situação de vulnerabilidade. Muitas vezes é necessário o apoio
de um assistente social. Na presença de padrões familiares muito
disfuncionais, a intervenção por um terapeuta de família, se
disponível, pode ser útil. Mesmo que não se inclua uma nova
modalidade terapêutica, é de extrema importância a participação
dos familiares dos dependentes químicos no seu tratamento e
acompanhamento.
Intervenções comunitárias
Atividades comunitárias como palestras em escolas, atividades
em sala de espera, estímulo a estratégias para restrição de acesso às
drogas, entre outras, podem ser exploradas de acordo com o
contexto local (ver Capítulo Educação em Saúde e Intervenções
Comunitárias).
Grupos de autoajuda
Os Narcóticos Anônimos (NAs) surgiram com o sucesso dos
Alcoólicos Anônimos e também são baseados no modelo dos 12
passos. O programa de 12 passos está associado a uma manutenção
da abstinência do uso de drogas ilícitas de 28% em dois anos.34 De
acordo com as diretrizes da American Psychiatric Association44 para
o tratamento do abuso de substâncias, há pouca evidência empírica
que apoie a e cácia desses grupos de autoajuda, mas a experiência
clínica sugere que sejam um adjunto importante no tratamento D .
Algumas considerações são importantes na decisão de
encaminhar um paciente para um grupo de autoajuda: há pacientes
que não se adaptam aos conceitos dos 12 passos, tampouco de
abordagens de cunho religioso. Pacientes jovens obtêm mais
benefício em grupos com pessoas da mesma idade e com indivíduos
mais velhos recuperados; indivíduos com comorbidades devem ser
encaminhados para grupos em que a medicação seja aceita e não
vista como mais uma forma de dependência D .
Encaminhamento
Alguns casos podem ser encaminhados ao especialista em saúde
mental já no início do acompanhamento: pacientes com suspeita de
comorbidade psiquiátrica, aqueles que não melhoraram com os
recursos disponíveis e os que já tiveram múltiplas tentativas de
abstinência sem sucesso. Por meio das técnicas de aconselhamento,
como mencionado antes, o paciente pode ser motivado a buscar esse
tipo de atendimento. Muitas vezes é importante que o pro ssional
tome uma posição ativa em ajudar o paciente na marcação de
consultas com o médico especialista, remova barreiras que possam
estar di cultando a procura do atendimento, sugira alternativas e
agende uma consulta de retorno para avaliar se o paciente aderiu ao
tratamento com outro pro ssional.38
Internação
Se o paciente é incapaz de cumprir com as mínimas solicitações
ou comparece às consultas muitas vezes intoxicado, provavelmente
demonstra um indício da gravidade da dependência e da
necessidade de hospitalização, ou mesmo de sua remoção para
algum ambiente que envolva mais estrutura e segurança para si e
para os técnicos que o atendem.
A internação hospitalar pode ser necessária quando o paciente
apresentar:
→ Condições médicas ou psiquiátricas que exijam observação
constante (estados psicóticos graves, ideação suicida ou
homicida, debilitação ou abstinência grave) e complicações
orgânicas devidas ao uso ou à cessação do uso da droga.
→ Di culdade para cessar o uso de drogas, apesar dos esforços
terapêuticos.
→ Ausência de adequado apoio psicossocial que possa facilitar o
início da abstinência.
→ Necessidade de interromper uma situação externa que reforce o
uso da droga.
Os transtornos mentais produzidos pelas drogas costumam ser
temporários, mas precisam ser tratados agressivamente com
medicação ou algum tipo de contenção externa (ambiental ou até
física, em alguns casos raros), para garantir a segurança do paciente.
Quando o paciente é capaz de participar ativamente do tratamento e
não tem história de sintomas de abstinência relevantes, pode-se
orientar uma desintoxicação em nível ambulatorial.19,45
A internação domiciliar psiquiátrica ainda não é uma prática
difundida no Brasil e tem como objetivo aumentar o processo de
descentralização em saúde mental. Algumas experiências com
dependentes químicos têm encontrado resultados promissores.
Porém, ela depende de uma boa estrutura familiar e de um serviço
de rede primária com disponibilidade para fornecer o suporte
necessário ao atendimento.20
As comunidades terapêuticas e as fazendas para tratamento de
dependentes químicos possuem as mais variadas orientações teóricas
e, em geral, utilizam uma loso a terapêutica baseada em
disciplina, trabalho e religião. As diretrizes da American Psychiatric
Association44 orientam que esse recurso seja reservado para
pacientes que necessitem de um ambiente altamente estruturado e
para aqueles cujo nível de negação do problema seja muito grande.
Algumas comunidades disponibilizam atendimento médico e
devem ser preferidas quando houver a possibilidade da indicação de
uso de psicofármacos em função de comorbidade ou por
dependência grave. Dados sobre a efetividade dessa modalidade de
tratamento são raros, considerando que somente 15 a 25% dos
pacientes admitidos voluntariamente completam os programas.
Segundo as diretrizes, estudos de acompanhamento de pacientes que
continuam no tratamento sugerem que um mínimo de três meses é
necessário para que se observe algum benefício, e que o melhor
resultado é obtido com tratamentos mais prolongados, de seis meses
a um ano D .
→ Álcool
→ Benzodiazepínicos
→ Barbitúricos
→ Opiáceos
→ Naturais: mor na, codeína
→ Sintéticos: meperidina, propoxifeno, metadona
→ Semissintéticos: heroína
ESTIMULANTES DO SNC
→ Cocaína
→ Nicotina
→ Anfetaminas e drogas de ação semelhante (anfetamínicos)
→ Cafeína
→ MDMA (ecstasy)
PERTURBADORES DO SNC
Vias de administração
O cloridrato de cocaína é vendido em graus variáveis de pureza,
já que a droga é frequentemente diluída com açúcar, procaína,
farinha, anfetamina e outros elementos. O cloridrato de cocaína
pode ser inalado, ingerido, absorvido pelas mucosas ou injetado
após diluição em água. O crack é um derivado da cocaína, abordado
mais adiante neste capítulo. A merla é a cocaína na sua forma de
base e pode ser fumada, sendo seu uso mais prevalente nas Regiões
Sudeste e Centro-oeste do Brasil.
O tempo de início, a duração e a intensidade dos sintomas estão
diretamente relacionados com a via de administração e são dose-
dependentes. Com o uso intranasal, observa-se o início dos efeitos
em minutos, pico em 10 minutos e duração de 45 a 60 minutos. Já a
via intravenosa apresenta início de ação em 10 a 15 segundos, sendo
o efeito máximo em 5 minutos e duração de cerca de 15 minutos.47
Efeitos agudos
O uso agudo produz efeitos semelhantes aos de um estado
hipomaníaco, com euforia, sensação de aumento de energia,
aumento da autoestima, diminuição da fadiga e da necessidade de
sono e aumento do desejo sexual.47 A euforia é o efeito mais
proeminente do seu uso e está relacionada com um aumento da
dopamina na fenda sináptica em regiões cerebrais relacionadas com
prazer e recompensa.
No sistema cardiovascular, os efeitos são semelhantes aos dos
simpaticomiméticos (aumento da frequência e intensidade de
contração cardíaca e aumento da pressão arterial), sendo que a sua
magnitude é dose-dependente. A cocaína é cardiotóxica e, quando
administrada em grandes quantidades, pode causar insu ciência
ventricular esquerda aguda, edema pulmonar, arritmias e morte.
Quando utilizada em conjunto com outras drogas, pode haver um
incremento de seus efeitos nocivos, como sucede com o álcool, em
que há formação de uma nova substância conhecida como
cocaetileno, que aumenta a toxicidade ao organismo.
Intoxicação
Quando a cocaína é consumida em doses que causam
intoxicação, pode haver perda da capacidade de julgamento,
grandiosidade, impulsividade, alucinações e extrema agitação
psicomotora. Há midríase, aumento da frequência cardíaca,
xerostomia, hiper-re exia, hipertermia, sudorese e alteração de
conduta. Psicoses paranoides e alucinações podem ocorrer.
Em casos de overdose, o quadro pode progredir para convulsões
do tipo grande mal e alta temperatura corporal (mais de 41°C). Em
indivíduos jovens com queixa de dor torácica, é importante pensar
em isquemia miocárdica por uso de cocaína. A morte geralmente
está relacionada com acidentes vasculares cerebrais e arritmias
cardíacas. Não há tratamento especí co para a intoxicação: ele deve
ser dirigido às complicações clínicas. Também há relatos de casos de
encefalopatia tóxica e coma.
Abstinência
A síndrome decorrente da abstinência de cocaína apresenta três
fases.48
A primeira fase (crash) inicia em torno de nove horas após o
último uso e permanece por cerca de quatro dias. Caracteriza-se por
depressão, agitação e anorexia, evoluindo para hiperfagia, fadiga,
insônia que progride para hipersonolência e intensa ssura por
cocaína.
A segunda fase inicia em uma semana e prolonga-se por cerca de
10 semanas, caracterizando-se por normalização do sono, humor
eutímico, ansiedade leve, anedonia (incapacidade de obter prazer),
anergia e grande ssura por cocaína, exacerbada por situações que
se relacionam com o uso prévio da droga.
A terceira fase, chamada de extinção, tem duração inde nida. O
paciente apresenta humor eutímico, retorno da capacidade de obter
prazer e ssuras esporádicas.48 Muitas vezes, o uso da cocaína serve
como uma forma de aliviar esses sintomas de abstinência (reforço
negativo). Não há medicação especí ca para a abstinência de
cocaína, e o tratamento é de suporte para a sintomatologia mais
evidente e desconfortável (ou de risco) para o paciente.49
Complicações obstétricas
A cocaína é capaz de transpor a barreira uteroplacentária, e
existem evidências de maior número de malformações,
principalmente cardíacas e geniturinárias, em fetos de mães que a
utilizam. O uso da droga aumenta a resistência vascular uterina, e os
bebês podem sofrer de grave hipoxemia. Parto prematuro, placenta
prévia, abortos espontâneos e ruptura precoce de membranas
também podem ocorrer. É importante ressaltar que a droga passa
para o leite materno, e os bebês podem sofrer de síndrome de
abstinência no pós-parto imediato, semelhante à dos adultos.
Tratamento farmacológico
Não há nenhum fármaco aprovado pelo Food and Drug
Administration (FDA) para o tratamento especí co da dependência
de cocaína. Vários medicamentos já foram testados, entre eles
carbamazepina, betabloqueadores, antipsicóticos e antidepressivos.
Contudo, a maioria dos resultados não é consistente para que essas
medicações possam ser indicadas isoladamente D .44 Da mesma
maneira, o uso de dissul ram no tratamento da dependência à
cocaína não se mostrou efetivo C .53 Recentemente, tem-se investido
em nível experimental no aperfeiçoamento de vacinas capazes de
gerar anticorpos na corrente sanguínea que bloqueariam ou, ao
menos, reduziriam a passagem de cocaína e crack pela barreira
hematoencefálica em seres humanos.53,54
Crack
O crack foi descrito na década de 1980 por socioetnógrafos
americanos, apontando para uma nova e potente forma de uso da
coca. É formado dissolvendo-se a cocaína em uma base forte,
geralmente bicarbonato de sódio, extraindo-se a base livre com um
solvente, e então os separando. É vendido em forma de pequenas
pedras que, ao serem aquecidas, fazem um estalido peculiar (o
crack) ao se volatizarem, podendo assim ser fumadas.55
No Brasil, o crack chegou cerca de 10 anos mais tarde, e se
espalhou de maneira muito rápida. O quinto levantamento realizado
entre alunos do ensino médio e fundamental das escolas públicas do
Brasil constatou que 0,7% dos estudantes até 18 anos de idade já
usaram crack pelo menos uma vez na vida.56
O uso do crack vem sendo cada vez mais associado a
criminalidade, agressividade e mortalidade precoce dos usuários.
Um estudo brasileiro avaliou 131 usuários de crack/cocaína quanto
à relação do uso da droga com mortalidade, apontando que os
usuários de crack têm maior risco de morte do que a população
geral, sendo os homicídios e a AIDS as causas mais observadas. Mais
da metade das mortes foi relacionada com homicídios, enquanto um
quarto delas tiveram relação com contaminação por HIV.57
Outro estudo realizado em São Paulo mostrou que mulheres
envolvidas com sexo comercial e que usavam crack colocavam-se em
situações de maior vulnerabilidade e apresentavam maior
di culdade para se proteger de doenças sexualmente
transmissíveis/AIDS por meio do uso de preservativos.58 Um estudo
realizado na cidade de São Paulo mostrou que o per l do usuário de
crack é de uma população predominantemente masculina, jovem,
solteira, de baixa classe socioeconômica, baixo nível de escolaridade
e sem vínculos empregatícios formais. Em relação ao padrão de uso,
o tipo mais frequentemente citado foi o uso repetitivo da droga e
concomitante ao uso de múltiplas drogas. Além disso, identi cou-se
um padrão de uso controlado (não diário) de crack, que pôde ser
conseguido por meio de técnicas comportamentais de controle
aprendidas com ex-usuários.59
O crack é comumente fumado no Brasil com a utilização de latas
de alumínio furadas e com o auxílio de cinzas de cigarro, que
aumentam a combustão.55 A droga apresenta início de ação em 10 a
15 segundos, sendo o efeito máximo em 5 minutos e com duração
de cerca de 15 minutos.47 Um estudo foi realizado com 71 usuárias
de crack para investigar o impacto do uso em latas de alumínio no
Brasil, visto que este é um metal que pode provocar dano
neurológico. O estudo mostrou que as usuárias de crack
apresentavam maiores níveis séricos de alumínio, porém mais
estudos são necessários para se con rmar tal associação.60
Os efeitos agudos e crônicos do uso de crack são semelhantes aos
da cocaína, visto que é um derivado desta. Porém, o pico de efeito
mais rápido, mais intenso e de menor duração proporciona maior
predisposição à dependência. Os efeitos estimulantes do crack se
dissipam em cerca de 5 a 10 minutos, restando um desejo muito
forte pela obtenção da nova dose. O uso crônico do crack, além de
provocar danos semelhantes aos do uso da cocaína inalada, produz
maiores alterações pulmonares, com diminuição da capacidade
pulmonar e o “pulmão de crack”, caracterizado por dor no peito,
falta de ar e tosse com escarro hemoptoico.
O tratamento dos usuários de crack é bastante complexo e há
poucos estudos investigando técnicas terapêuticas para eles. A
maioria dos autores a rma que a abordagem deve ser
multidisciplinar, focada em estratégias de prevenção, manejo do
craving e prevenção de recaídas, envolvendo um atendimento
biopsicossocial e técnicas cognitivo-comportamentais D . Ainda não
existe medicação considerada e caz para o tratamento da
dependência de crack.55,61
Anfetaminas
Anfetaminas são substâncias estimuladoras do SNC, capazes de
provocar sintomas de euforia, aumento da vigília, efeitos
anorexígenos e aumento da atividade autonômica.27 Anfetamina,
dextroanfetamina, metanfetamina e vários outros sais são
coletivamente referidos como anfetaminas. O número de abusadores
de anfetamina no mundo todo chega a um total de 34 milhões de
pessoas, extrapolando o número de abusadores de cocaína e
heroína.62 O uso indevido dessas medicações na população
brasileira é feito principalmente como anorexígenos.
Vias de uso
As anfetaminas podem ser usadas por ingestão oral, inaladas,
injetadas, e o ice (hidrocloreto de metanfetamina cristalizado), que
pode ser fumado, já começou a ser utilizado.
Efeitos agudos
As anfetaminas são estimulantes poderosos e, mesmo em baixas
doses, podem aumentar a energia, a atividade física, diminuir o
apetite, provocar inquietação, ansiedade, aceleração da fala e do
pensamento, irritabilidade, midríase, taquicardia, elevação da
pressão arterial, cefaleia, tremores, calafrios e labilidade emocional.
Há risco de eventos cardiovasculares como infarto e arritmias,
especialmente em pessoas com história prévia de problemas
cardíacos. Outros efeitos são aumento da atenção, euforia,
hipertermia e taquipneia.
Quem fuma ou injeta anfetamina descreve um rush, uma
sensação intensa e breve de prazer. A inalação e a ingestão oral
produzem um high (leve euforia) que pode durar até 12 horas. A
inalação produz efeitos agudos em 3 a 5 minutos, pico plasmático
após 10 a 30 minutos, e tempo de ação entre 2 e 3 horas. Acredita-
se que tanto o rush quanto o high resultem da liberação de altos
níveis de dopamina em áreas do cérebro que regulam as sensações
de prazer.63
A metanfetamina tem uma estrutura semelhante à da anfetamina
e um alto potencial aditivo. É conhecida por diversos nomes, como
speed, crystal, ice, entre outros. Difere da anfetamina por sua maior
capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica e chegar em
maiores concentrações no SNC. Tem a forma de pó cristalizado
branco que pode ser facilmente dissolvido em álcool ou água. Os
abusadores tendem a utilizar a droga na forma de binges (mais de
cinco vezes em uma única ocasião), sobretudo pelo seu longo tempo
de meia-vida (10 horas). Pode ser utilizada por via oral, nasal ou
intravenosa.64
Intoxicação
As anfetaminas podem causar uma grande variedade de sintomas
em doses elevadas, como taquicardia, arritmia, elevação da pressão
arterial, midríase, sudorese, febre, convulsões, náuseas, vômitos,
irritabilidade, inquietude e agressividade. Em casos mais graves,
pode ocorrer acidente vascular cerebral, infarto agudo do miocárdio,
coma e morte.
Uso crônico
Indivíduos com uso crônico em geral apresentam sintomas de
comportamento violento, ansiedade, confusão e insônia. Além disso,
pode ocorrer psicose anfetamínica, sendo mais comum a ideação
paranoide acompanhada de ideias de referência e de um delírio bem
estruturado. Usuários crônicos podem apresentar diversas
anormalidades na química, estrutura e função cerebral. As áreas
mais atingidas são os núcleos da base, regiões com maior
concentração de dopamina. Os efeitos são bastante evidentes em
relação a uma acelerada deterioração da capacidade cognitiva,
prejuízo da memória, da atenção e da execução de tarefas.65 Com o
uso contínuo da droga, podem ocorrer alucinações e movimentos
estereotipados.
Estudos em animais sugerem que o uso crônico possa lesar
células cerebrais, principalmente neurônios serotoninérgicos e
dopaminérgicos.63 O tratamento da psicose anfetamínica deve ser
realizado com antipsicóticos D , mas há poucos estudos avaliando a
história natural da psicose anfetamínica e o risco/benefício do
tratamento antipsicótico.66
Dependência e abstinência
Para o diagnóstico de dependência de anfetaminas, podem-se
utilizar os critérios diagnósticos para dependência de substâncias do
DSM-IV (ver TABELA 114.2). A dependência de anfetaminas parece
ser mais difícil de ocorrer em contextos clínicos, quando o paciente
observa corretamente a prescrição médica. Entretanto, devido à
capacidade de induzir euforia, esta droga tem potencial de abuso e,
em alguns casos, pode gerar dependência. A tolerância aos efeitos
euforizantes e anorexígenos pode desenvolver-se rapidamente. Os
sintomas de abstinência mais comuns são depressão, hiperfagia,
hipersonia e isolamento, e esses sintomas tendem a remitir em
poucos dias.
Tratamento
Nos quadros de intoxicação aguda, ansiolíticos
benzodiazepínicos podem ser utilizados em doses usuais D .67
No tratamento da dependência de anfetaminas, a abordagem
psicoterápica do tratamento se assemelha à dos outros tipos de
dependências; quanto à abordagem medicamentosa, as evidências
têm se mostrado inconclusivas.68 Observou-se benefício com
bupropiona e naltrexona na manutenção da abstinência D , mas seu
uso não está estabelecido.62 Não foi observado benefício com o uso
de outros antidepressivos (inibidores da recaptação da serotonina,
tricíclicos e inibidores da enzima monoaminoxidase), bem como
com drogas como baclofeno e ondansetron D .65,69
Uso agudo
Estudos com animais mostraram que o MDMA compartilha
propriedades tanto alucinógenas (LSD-like) quanto estimulantes
(anphetamine-like). Os efeitos buscados pelos usuários são aumento
de energia, aumento da libido, diminuição da fadiga e sono, euforia,
bem-estar, maior sociabilidade, extroversão e sensação de
proximidade com as pessoas. Logo após sua utilização, o ecstasy
provoca agudamente uma sensação de euforia, aproximação com os
outros, aumento da capacidade perceptiva sensorial, principalmente
visão e tato, uma sensação de extremo bem-estar e melhora das
capacidades comunicativas. A indução de alucinação ocorre em
doses altas.72 Os efeitos desagradáveis são aumento da tensão
muscular (bruxismo, movimentos constantes das pernas), cefaleia,
náuseas, perda de apetite, visão borrada, boca seca, insônia,
alucinações, ansiedade, agitação e comportamentos bizarros. Pode
também produzir aumento na frequência cardíaca e pressão arterial.
A eliminação da droga é lenta (a meia-vida é de cerca de oito
horas), levando em torno de 40 horas para que 95% da droga seja
eliminada, com persistência de alguns efeitos por um ou dois dias.
Além disso, determinados metabólitos são farmacologicamente
ativos, prolongando ainda mais os efeitos.66 A farmacocinética do
ecstasy ocorre de forma não linear, o que signi ca que doses mais
elevadas da substância podem causar aumentos desproporcionais
nos níveis plasmáticos. O nível plasmático em torno de 8 mg/L é
considerado intoxicação grave, e casos fatais podem ter níveis
plasmáticos de 6 a 70 vezes maiores.71,73
Depois de um ou dois dias do uso, os pacientes queixam-se de
di culdade de concentração, depressão, ansiedade e fadiga. Além
disso, confusão, depressão, distúrbios do sono, ansiedade e paranoia
foram encontrados até semanas após o uso da droga.
Intoxicação
Há quatro tipos de toxicidade grave causados pela droga:
hepática, cardiovascular, cerebral e pirética.
A toxicidade hepática em geral é leve e lembra uma hepatite
viral, com recuperação em um período de algumas semanas a meses,
mas pode haver casos graves com progressão rápida para
insu ciência hepática fulminante, que tende a ser fatal a menos que
ocorra transplante hepático.
A toxicidade cardíaca manifesta-se por um grande aumento da
pressão arterial e da frequência cardíaca, o que pode provocar
insu ciência cardíaca, hemorragia cerebral e trombose vascular. A
sudorese intensa que surge com o uso em festas resulta da atividade
física vigorosa, da ação direta da droga no centro termorregulador e
do ambiente quente, levando ao aumento da temperatura corporal e
à ingestão aumentada de água. Não havendo reposição adequada de
sódio, pode ocorrer hiponatremia, a principal condição responsável
pela toxicidade cerebral, ocasionando convulsões e edema cerebral
e, às vezes, levando à morte.
A hiperpirexia resultante pode causar rabdomiólise,
mioglobinúria e insu ciência renal, dano hepático e coagulação
intravascular disseminada. O tratamento da hipertermia é
principalmente sintomático, sendo essencial o seu reconhecimento
precoce. Está indicado um resfriamento rápido do corpo, associado à
infusão de solução salina, lavagem gástrica e da bexiga com uidos
resfriados, além de suporte geral.74 O dantrolene, utilizado em
hipertermia maligna, tem sido empregado em alguns casos com
melhora rápida.74
Uso crônico
Diversos estudos apontam para uma neurotoxicidade produzida
pelo MDMA, sobretudo no sistema serotoninérgico mesmo após
meses de abstinência.75 Há evidências de que ocorra prejuízo da
memória tanto verbal quanto visual, proporcionalmente à
intensidade de uso prévio do MDMA, prejuízo de funções executivas,
processamento de informações, raciocínio lógico e solução de
problemas simples, maior impulsividade e perda de autocontrole,
ataques de pânico, delírios paranoides, alucinações,
despersonalizações, ashbacks e mesmo episódios psicóticos
recorrentes, ocorrendo algum tempo após o indivíduo ter parado o
uso da droga.
Além disso, podem surgir, também, episódios de depressão
grave, resistente a qualquer outro tratamento que não seja com
inibidores da recaptação de serotonina. Do ponto de vista físico, os
sintomas mais comuns são bruxismo, dores musculares e prejuízo do
controle da pressão arterial e frequência cardíaca pelo sistema
autonômico.74
Dependência
Não há evidências de que o MDMA cause uma síndrome de
dependência nos padrões propostos pelo DSM-IV. Já foi
demonstrado que o ecstasy pode causar dependência psicológica,
porém a dependência siológica ainda gera discussões. Não há
relatos de casos de craving pela droga e existem relatos controversos
em relação à síndrome de abstinência. No entanto, a droga pode
induzir tolerância e uso de doses cada vez maiores apesar dos
conhecimentos do risco.73
Tratamento
Não há evidências de tratamentos farmacológicos especí cos
para abuso de ecstasy. Como é uma droga pouco associada a
experiências não prazerosas, a simples informação dos malefícios do
uso não parece trazer muitos resultados. O tratamento para aqueles
que desejam parar de usar a substância deve basear-se em
estratégias para evitar o consumo e para evitar locais onde o uso
possa ser estimulado.76
Perturbadores da sensopercepção
Maconha
A Cannabis é uma planta originária da Ásia. Há duas espécies
mais conhecidas: a Cannabis sativa e a Cannabis indica. Sua principal
substância ativa é o delta-9-tetraidrocanabinol (Δ-9-THC), sendo que
sua concentração é progressivamente maior no caule, nas folhas e na
or. Em geral, a maconha obtida nos centros urbanos é uma mistura
de várias partes da planta. O haxixe é proveniente da compressão da
planta e das ores, que forma uma resina com concentração de THC
em torno de 10 a 20%, enquanto no cigarro de maconha esse
número varia entre 1 e 10%.46
Efeitos agudos
O uso da maconha provoca euforia e relaxamento, alterações da
sensopercepção, distorção do tempo e intensi cação de experiências
sensoriais comuns como comer, assistir a um lme ou ouvir música.
Além disso, há diminuição da memória recente e da atenção, da
habilidade motora e do tempo de reação durante o período de
intoxicação. Os efeitos desagradáveis mais comuns, principalmente
em usuários ocasionais, são ansiedade e reações de pânico. A
toxicidade aguda é muito baixa, não havendo casos con rmados de
morte por intoxicação por maconha.81
Tratamento
O tratamento psicoterápico para abuso/dependência de maconha
é semelhante ao dos outros tipos de dependência, havendo evidência
de resultados positivos com intervenções cognitivas
comportamentais e motivacionais, sobremaneira se aplicadas
concomitantemente. Dentre as intervenções comportamentais, são
enfatizadas aquelas direcionadas para melhorar estratégias de coping
(o conjunto das estratégias utilizadas para lidar com uma situação
adversa) para cessar o uso de maconha, bem como estratégias para
lidar com situações que podem desencadear esse uso. Analisar com
o paciente estratégias para lidar com a ssura e para conseguir
evitar o uso da substância são exemplos destas. Além disso,
intervenções psicoterápicas de família podem auxiliar os outros
membros da família a controlarem o uso da substância e ajudarem o
paciente a manter a abstinência. Nesse aspecto, técnicas de manejo
de contingência mostraram resultado.84
Mais estudos são necessários para avaliar a e cácia das
medicações no tratamento da síndrome de abstinência à maconha.
Alguns estudos testaram a e cácia de determinadas medicações,
como ácido valproico, naltrexona e nefazodona, na melhora dos
sintomas de abstinência, porém os resultados foram inconclusivos
D .85,86 O uso da bupropiona parece causar piora nos sintomas de
abstinência, como irritabilidade e depressão D ,87 e a administração
oral de THC parece reduzir alguns sintomas de ansiedade, alterações
de sono e ssura D .85
Efeitos agudos
Os efeitos agudos são analgesia, sonolência, alterações do humor,
euforia, apatia, di culdade de concentração, náuseas e vômitos.
Tolerância e dependência
A tolerância desenvolve-se rapidamente com a maioria dos
opioides, em especial com os analgésicos mais potentes; a
necessidade de aumento de dose para alguns efeitos pode chegar a
100 vezes. Os opioides são substâncias muito potentes em sua
capacidade de causar dependência, que varia diretamente com a
potência da droga em particular, a dose ingerida e o período de
exposição.
Intoxicação
Cerca de 50% dos usuários de heroína apresentam ao menos um
episódio de overdose relevante. Os sintomas especí cos variam de
acordo com a droga, com o tempo de uso e com as condições gerais
do paciente. Os sintomas são os seguintes: depressão respiratória,
palidez ou cianose, pupilas mióticas, hiperemia da mucosa nasal (se
a droga foi inalada), edema pulmonar, arritmia cardíaca e
convulsões, podendo acontecer morte por depressão respiratória e
edema pulmonar e/ou cerebral.
No tratamento, utiliza-se naloxona, um antagonista opioide,
além de suporte clínico D .17 Segundo as diretrizes para o
tratamento de pacientes com síndrome de dependência de opioides
no Brasil, pode-se administrar 0,8 mg de naloxona por via
intravenosa (IV), esperando que o paciente acorde. Se não houver
resposta, pode-se administrar 1,6 mg de naloxona IV. Se mesmo
assim não houver resposta em 15 minutos, serão administrados 3,2
mg de naloxona IV, aguardando-se mais 15 minutos. Se ainda assim
não houver resposta, que pode ser caracterizada por midríase,
agitação, melhora no nível de consciência e do padrão respiratório,
é necessário revisar imediatamente o diagnóstico de intoxicação por
opioides.88 Em indivíduos dependentes de opiáceos, o uso de
naloxona pode precipitar uma síndrome de abstinência que deve ser
tratada.
Abstinência
Como regra, as substâncias de curta ação tendem a produzir
síndromes breves e intensas de abstinência e as de mais longa ação
produzem síndromes prolongadas, porém leves. Os sintomas de
abstinência de mor na e heroína iniciam-se entre 6 e 8 horas após a
última dose, alcançam intensidade máxima no segundo ou terceiro
dia e cedem nos próximos 7 a 10 dias. Os sinais e sintomas
principais incluem ssura intensa, dilatação pupilar, inquietação,
irritabilidade, insônia, taquicardia, hipertensão, náuseas, vômitos,
cólicas, piloereção, rinorreia e lacrimejamento. No tratamento, são
utilizadas medidas de suporte e fármacos para aliviar os sintomas.
Tratamento da dependência
O tratamento visa diminuir os sintomas de abstinência, o desejo
de usar a droga ( ssura), o número de recaídas e a dose da
substância em questão. Pacientes ambulatoriais podem obter melhor
resultado em atingir e manter a abstinência de opioides quando a
abstinência é realizada por períodos mais longos e sob supervisão
médica. Pacientes ambulatoriais com abstinências iguais ou
inferiores a quatro semanas provavelmente têm menos recaída do
que aqueles cuja abstinência dura 26 semanas. Abstinências mais
breves são possíveis e em geral obtêm êxito quando realizadas e
supervisionadas em ambiente hospitalar D .88
Como a dependência de opiáceos é pouco frequente no Brasil, o
tratamento em geral é feito por especialista em dependência
química. A utilização da metadona reduz em 34% o risco de uso de
opioides (NNT=5) A ,89 porém seu emprego no Brasil é feito
principalmente em ambiente hospitalar. Em ambientes
ambulatoriais, o tratamento de manutenção é realizado, em geral,
com buprenor na, que mostrou e cácia na manutenção do
tratamento com médias e altas doses A , embora apresentando
resultados inferiores aos da metadona B .84 A naltrexona e a
clonidina podem ser úteis na manutenção D , em especial para
controle de sintomas de retirada, mas seu benefício na manutenção
da abstinência é incerto.90,91
Inalantes
São substâncias voláteis que podem ser inaladas com o intuito de
obter efeitos psicoativos. Apesar de outras substâncias de abuso
também serem empregadas por via nasal, o termo “inalantes” é
usado para descrever uma variedade de substâncias cuja
característica comum é o fato de não serem utilizadas por outra via.
Essa de nição abrange uma grande variedade de drogas encontradas
em centenas de produtos químicos que podem ter efeitos
farmacológicos diferentes. No Levantamento Nacional sobre o Uso
de Drogas entre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua,
realizado em 2003, foi identi cada uma prevalência do uso de
inalantes em 16,3% dos entrevistados, variando o tipo de inalante
conforme a região.92
A categorização precisa dos inalantes é difícil devido aos
diferentes tipos de substâncias. Um sistema de classi cação divide-
os em quatro categorias gerais:17
→ Solventes voláteis: líquidos que vaporizam na temperatura
ambiente, incluindo removedores de tinta e esmaltes, thinners,
líquidos corretivos, gasolina, colas, desengraxantes. Os
compostos aditivos principais são tolueno, butano, isopropano,
tricloretileno, acetona e tricloroetano.
→ Aerossóis: sprays que contêm propelentes e solventes (sprays de
tinta, sprays de cabelo, desodorantes, protetores de tecido). As
principais substâncias são butano, propano e uorcarbonados.
→ Gases: incluem anestésicos (éter, halotano e óxido nitroso) e
outros gases encontrados em produtos comerciais, como
isqueiros com butano, tanques de propano e garrafas de chantilly.
→ Compostos de nitrito: encontrados principalmente em
odorizadores de ambientes cujos principais compostos são
cicloexil nitrito, isoamil (amil) nitrito e isobutil (butil) nitrito.
Uso agudo
Vários sistemas cerebrais podem estar envolvidos nos efeitos
anestésicos, intoxicantes e reforçadores dos diferentes inalantes.
Quase todos (menos os nitritos) produzem efeitos prazerosos
mediante depressão do SNC. A maioria produz um efeito rápido que
lembra a intoxicação alcoólica com excitação inicial e posterior
sonolência, desinibição, tontura e agitação. Quando quantidades
elevadas são inaladas, quase todos produzem anestesia, hipoestesia e
mesmo inconsciência.93 A intoxicação fatal é rara, mas quando o
óbito acontece, geralmente resulta de as xia pelo próprio material
em que a droga é colocada (p. ex., plástico), de brilação
ventricular ou de outra arritmia cardíaca.94
Uso crônico
Os efeitos neurotóxicos do abuso prolongado de inalantes
incluem síndromes neurológicas que re etem dano a partes do
cérebro envolvidas com cognição, movimento, visão e audição. As
anormalidades cognitivas variam de alterações leves até demência
grave. Outros efeitos que podem ocorrer são di culdade na
coordenação dos movimentos, espasticidade, diminuição da audição
e visão. Os inalantes são também altamente tóxicos a outros órgãos,
como coração, pulmões, fígado e rins.
Alguns danos ao SNC e outros órgãos podem ser pelo menos
parcialmente reversíveis com a interrupção do uso, porém muitas
vezes os efeitos podem ser irreversíveis.93 Certos efeitos são mais
especí cos de determinadas substâncias, como a perda de audição
(tolueno e tricloretileno); lesão no SNC, alterações hepáticas e renais
(tolueno); neuropatias periféricas (hexano e óxido nitroso); e
alterações na medula óssea (benzeno).
Há controvérsias quanto à dependência ou tolerância de
inalantes. Não há evidências para e cácia de tratamento especí co
para o uso abusivo dessas substâncias.
Benzodiazepínicos
Os benzodiazepínicos (BZD) estão entre as drogas mais
frequentemente prescritas no mundo, devido às suas propriedades
sedativas, ansiolíticas, hipnóticas, amnésicas, antiepilépticas e de
relaxamento muscular.95 Estima-se que 50 milhões de pessoas façam
uso diário de BZD, sendo a maior parte delas formadas por mulheres
acima de 50 anos que apresentam doenças crônicas.96
Todas as drogas dessa classe podem ser administradas oralmente,
e a maioria é mais bem absorvida por via oral do que parenteral,
com exceção do lorazepam, que é mais bem absorvido por via
intramuscular, e o diazepam, que pode ser administrado por via
intravenosa.
O mecanismo de ação dos BZD é mediante estimulação do
receptor do ácido gama-aminobutírico (GABA), principal
neurotransmissor inibitório do SNC. Além disso, já foram
descobertos pelo menos três receptores benzodiazepínicos no
cérebro que atuam em conjunto com o GABA. O receptor Bz1
(ômega 1) contribui para os efeitos indutores do sono, e os Bz2 e
Bz3 (ômega 2 e 3) parecem ser mais ativos na atividade de
relaxamento muscular e ansiolítica.17
Intoxicação
As reações tóxicas são caracterizadas por vários níveis de
sedação e depressão do SNC, diminuindo as funções cardíacas e
respiratórias. No tratamento, além do suporte clínico adequado, da
manutenção dos sinais vitais e de avaliações cardiorrespiratória e
neurológica, utiliza-se umazenil 1 mg IV em 1 a 3 minutos ou 1 a 5
mg IV em 2 a 10 minutos C .99 Se a intoxicação for realmente por
BZD, a sedação reverte rápido. Entretanto, devido à meia-vida curta
do umazenil, pode ser necessário repetir a dose em 20 a 30
minutos. Como a mortalidade por overdose de BZD é baixa, o uso de
umazenil deve ser indicado com bastante cautela. Ele deve ser
reservado para situações graves, ou quando não há outro método
diagnóstico mais apropriado para se veri car a origem da
intoxicação D . Caso não ocorra melhora total ou parcial com o
umazenil, deve-se pensar em intoxicação por opioides
isoladamente ou em conjunto com BZD, já que produzem quadros
semelhantes.17
Os BZD possuem ampla margem de segurança na superdosagem,
com grau mínimo de depressão respiratória, e a dose letal
comparada com a normalmente prescrita é de cerca de 200 para 1
ou mais. Nas tentativas de suicídio, mesmo em doses elevadas, os
sintomas são apenas sonolência, letargia, ataxia, confusão e leve
depressão dos sinais vitais. Entretanto, quando associados a outros
depressores como álcool,16 antidepressivos tricíclicos e barbitúricos,
doses menores de BZD podem levar à morte. O alprazolam parece
ter maior potencial de toxicidade do que outros BZD e, portanto, sua
prescrição deve ser bastante cautelosa para pessoas com risco
aumentado de dependência química ou suicídio.100
Abstinência
A síndrome de abstinência dos BZD ocorre pelo surgimento de
novos sintomas com a parada abrupta ou diminuição da dose da
medicação, especialmente após o uso prolongado. Deve ser
diferenciada dos sintomas de rebote, que ocorrem com o
ressurgimento mais intenso dos sintomas iniciais pelos quais a
medicação foi prescrita. O rebote é observado sobretudo com os
BZD de curta ação e não tem relação com o tempo de uso, podendo
aparecer após apenas uma tomada de dose.
Sintomas de retirada podem surgir mesmo nas doses geralmente
prescritas pelos médicos, após utilização diária superior a duas a
três semanas. Incluem cefaleia e ansiedade (80%), insônia (70%),
tremor e fadiga (60%), bem como sintomas de rebote, alterações da
percepção, tinido, sudorese e diminuição da habilidade de
concentração. A retirada ou diminuição abrupta de doses altas de
BZD pode precipitar delirium, algumas vezes com sintomas psicóticos
e convulsões.
A síndrome de abstinência inicia-se cerca de 2 a 3 dias após a
retirada de um BZD de meia-vida curta e pode permanecer por até
10 dias após a retirada de um BZD de meia-vida longa. Cerca de
50% dos pacientes que usam BZD por mais de 12 meses evoluem
para sintomas de abstinência.96
A dependência de BZD pode ser prevenida pela adesão às
recomendações para o curto prazo de prescrição (até 2 a 4 semanas,
quando possível) e também por baixas doses. Quando as doses são
maiores e o uso é crônico, recomenda-se que a retirada seja gradual.
A retirada de BZD em pacientes dependentes é viável e não precisa
ser traumática, se criteriosa e individualmente manejada.
A maneira de fazer a retirada do BZD varia conforme o costume
do médico. Alguns optam pela redução de um quarto da dose por
semana, enquanto outros preferem decidir os prazos junto com o
paciente, o que dura em torno de 6 a 8 semanas. Preconiza-se a
retirada de pelo menos 50% da dose utilizada nas primeiras duas
semanas. Uma tática é a substituição em doses equivalentes (TABELA
114.6) por BZD de meia-vida mais longa, como diazepam ou
clonazepam.101-103 A substituição para a forma líquida da
medicação facilita a redução da dose D .96
O tratamento psicoterápico assemelha-se ao de outros tipos de
dependências químicas. Algumas medicações como paroxetina,
trazodona e infusão de doses baixas de umazenil foram testadas
como coadjuvantes no tratamento de retirada de BZD, porém com
evidências inconclusivas.101,104
O melhor local para tratamento é ambulatorial, mas casos de
maior gravidade podem exigir internação hospitalar. É importante
lembrar que com a abstinência dos BZD obtém-se melhora da
capacidade cognitiva e do funcionamento psicomotor,
principalmente em idosos, além dos benefícios econômicos.105
TABELA 114.6 → Doses terapêuticas e equivalentes de benzodiazepínicos
DOSE TERAPÊUTICA (mg) DOSE EQUIVALENTE
Alprazolam 0,75 a 4 1
Bromazepam 1,5 a 18 6
Lorazepam 2a6 2
Clordiazepóxido 15 a 100 25
Clonazepam 1a3 2
Diazepam 4 a 40 10
Nitrazepam 5 a 10 10
PROGNÓSTICO
Apesar de haver certa heterogeneidade, a maioria dos indivíduos
com dependência de substância psicoativa apresenta um curso
crônico. Períodos de uso sustentado são intercalados por outros de
remissão parcial ou completa. Mesmo que certos indivíduos sejam
capazes de atingir longos períodos de remissão sem um tratamento
formal, a abstinência é mais frequentemente mantida por aqueles
que se vinculam a algum tratamento formal ou grupo de autoajuda.
A maioria dos pacientes tratados para dependência de drogas (mais
de 70% em alguns estudos) é capaz de parar com o uso compulsivo
ou abster-se da droga em algum momento da vida. Um número
menor (15 a 20%) tem um padrão crônico de recaídas ao longo de
10 a 20 anos.44
Referências