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Disciplina - Literatura
Professor: Luvanor
O “Romance de 30” reúne diversas obras de caráter social da segunda fase do modernismo no Brasil
(1930-1945). Influenciados pelo movimento Neorrealista, esses romances são chamados de romances
neorrealistas ou romances regionalistas. Isso porque abordam aspectos de algumas regiões do país, como a seca
do Nordeste.
O romance de 30 teve como marco inicial a publicação do romance “A Bagaceira” (1928) do escritor José
Américo de Almeida.Os escritores dessa geração estavam preocupados em denunciar as desigualdades e
injustiças sociais no país, sobretudo na região do Nordeste. Assim, eles criaram uma literatura ficcional
crítica e revolucionária, cujo tema era a vida rural, agrária.
Regionalismo romântico
Romance social
Diversidade cultural brasileira
Retomada do romantismo e do realismo
Perspectiva determinista
Narrativa linear
Os autores que fizeram parte da segunda fase modernista exploraram temas como a miséria, desigualdade
social e econômica, dores e sofrimentos humanos. Confira abaixo os grandes destaques desse período:
1. José Américo de Almeida (1887-1980)
Escritor, professor, político e sociólogo paraibano, José Américo de
Almeida foi quem introduziu o romance regionalista no Brasil, com a
publicação de “A Bagaceira” (1928).Nesse romance, ele aborda o tema da seca
de 1898 e da fuga dos retirantes nordestinos.
Obras:
Resumo: A Bagaceira.
O romance se passa entre 1898 e 1915, os dois períodos de seca. Tangidos pelo sol implacável, Valentim
Pereira, sua filha Soledade e o a filha do Pirunga abandonam a fazenda do Bondó, na zona do sertão.
Encaminham-se para as regiões dos engenhos, no rejo, onde encontram acolhida no engenho Marzagão, de
propriedade de Dagoberto Marçau, cuja mulher falecera por ocasião do nascimento do único filho, Lúcio.
Passando as férias no engenho, Lúcio conhece Soledade, e por ela se apaixona. O estudante retorna à
academia e quando de novo volta, em férias, à companhia do pai, toma conhecimento de que Valentim Pereira
se encontra preso por ter assassinado o feitor Manuel Broca, suposto sedutor e amante de Soledade. Lúcio, já
advogado, resolve defender Valentim e informa o pai do seu propósito : casar-se com Soledade. Dagoberto não
aceita a decisão do filho. Tudo é esclarecido : Soledade é prima de Lúcio, e Dagoberto foi quem realmente a
seduziu. Pirunga, tomando conhecimento dos fatos, comunica ao padrinho (Valentim) e este lhe pede, sob
juramento, velar pelo senhor do engenho (Dagoberto), até que ele possa executar o seu "dever": matar o
verdadeiro sedutor de sua filha. Em seguida, Soledade e Dagoberto, acompanhados por Pirunga, deixam o
engenho e se dirigem para a fazenda do Bondó. Cavalgando pelos tabuleiros da fazenda, Pirunga provoca a
morte do senhor do engenho Marzagão, herdado por Lúcio, com a morte do pai.
Em 1915, por outro período de seca, Soledade, já com a beleza destruída pelo tempo, vai ao encontro de
Lúcio, para lhe entregar o filho, fruto do seu amor com Dagoberto.
trecho de “A Bagaceira”:
OS SALVADOS
Findo o almoço — podiam ser 9 horas — Dagoberto Marçau correu à janela, que é uma forma de fugir de
casa, sem sair fora de portas, como se o movesse uma grande curiosidade. Mas,
debruçado, apoiou o queixo na mão soerguida e entre fechou os olhos, num
alheamento de enfado ou displicência.
Vivia ele, desse jeito, entre trabalheiras e ócios, como o homem máquina
destas terras que ou se agita resistentemente ou, quando para, pára mesmo , como
um motor parado.
Como que cobrara medo ao vazio interior. Não há deserto maior que uma
casa deserta.
Entrava afobado, comia, ou, antes, engolia, de cabeça descaída, o repasto
invariável e ou saía de golpe ou ficava a espiar para fora.
A presença do filho recém-chegado, em férias, não lhe modificava essa
impressão. Em vez de confortar-lhe o abandono, agravava-o, mais e mais, como
uma sombra intrusa.
Lúcio voltou da cachoeira com a toalha enrolada na cabeça, como um
turbante .
Levantou o braço num gesto de quem mais parecia dar do que pedir a bênção. E foi, por sua vez ,
sentar-se à mesa,
Não se defrontavam, sequer, nesse ponto de comunhão familiar, onde as almas se misturam numa
intimidade aperitiva. Forravam-se , assim, ao constrangimento dos encontros calados ou das conversas
contrafeitas e escassas.
A casa-grande, situada numa colina, sobranceava o caminho apertado, no trecho fronteiro, entre o cercado
e o açude .
Num repentino desenfado, Dagoberto estirou o olhar, por cima das mangueiras meãs enfileiradas ladeira
abaixo, para a estrada revolta.
Parecia a poeira levantada, a sujeira do chão num pé-de-vento.
Era o êxodo da seca de 1898. Uma ressurreição de cemitérios antigos — esqueletos redivivos, com o
aspecto terroso e o fedor das covas podres.
Os fantasmas estropiados como que iam dançando, de tão trôpegos e trêmulos, num passo arrastado de
quem leva as pernas, em vez de ser levado por elas.
Andavam devagar, olhando para trás, como quem quer voltar. Não tinham pressa em chegar, porque não
sabiam aonde iam. Expulsos do seu paraíso por espadas de fogo, iam, ao acaso, em descaminhos, no arrastão
dos maus fados.
Fugiam do sol e o sol guiava-os nesse forçado nomadismo.
Adelgaçados na magreira cômica, cresciam, como se o vento os levantasse. E os braços afinados
desciam-lhes aos joelhos, de mãos abanando.
Vinham escoteiros. Menos os hidrópicos — doentes da alimentação tóxica — com os fardos das barrigas
alarmantes.
Não tinham sexo, nem idade, nem condição nenhuma . Eram os retirantes. Nada mais.
Meninotas, com as pregas da súbita velhice, careteavam, torcendo as carinhas decrépitas de ex-voto. Os
vaqueiros másculos, como titãs alquebrados, em petição de miséria. Pequenos fazendeiros, no arremesso
igualitário, baralhavam-se nesse anônimo aniquilamento.
Mais mortos do que vivos. Vivos, vivíssimos só no olhar. Pupilas do sol da seca. Uns olhos espasmódicos
de pânico, assombrados de si próprios. Agônica concentração de vitalidade faiscante.
Fariscavam o cheiro enjoativo do melado que lhes exacerbava os estômagos jejunos. E, em vez de
comerem, eram comidos pela própria fome numa autofagia erosiva.
Lúcio almoçava com o sentido dos retirantes. Escondia côdeas nos bolsos para distribuir com eles, como
quem lança migalhas a aves de arribação.
A cabroeira escarninha metia-os à bulha:
— Vem tirar a barriga da miséria...
Párias da bagaceira, vítimas de uma emperrada organização do trabalho e de uma dependência que os
desumanizava , eram os mais insensíveis ao martírio das retiradas.
A colisão dos meios pronunciava-se no contato das migrações periódicas. Os sertanejos eram malvistos
nos brejos. E o nome de brejeiro cruelmente pejorativo.
Lúcio responsabilizava a fisiografia paraibana por esses choques rivais. A cada zona correspondiam tipos
e costumes marcados.
Essa diversidade criava grupos sociais que acarretavam os conflitos de sentimentos. Estrugia a trova
repulsiva:
Eu não vou na sua casa ,
Você não venha na minha,
Porque tem a boca grande ,
Vem comer minha farinha...
Homens do sertão, obcecados na mentalidade das reações cruentas, não convocavam as derradeiras
energias num arranque selvagem. A história das secas era uma história de passividades. Limitavam-se a fitar os
olhos terríveis nos seus ofensores. Outros ronronavam. como se estivessem engolindo golfadas de ódio.
E nas terras copiosas, que lhes denegavam as promessas vistoriadas, goravam seus sonhos de redenção.
Dagoberto olhava por olhar, indiferente a essa tragédia viva.
A seca representava a valorização da safra. Os senhores de engenho, de uma avidez vã, refaziam-se da
depreciação dos tempos normais à custa da desgraça periódica.
O feitor alvitrava a admissão dos retirantes:
— Paga-se pouco mais ou nada...
Mas Dagoberto escarmentava a convergência molesta. Desafogava a fazenda da superpopulação
imprestável, consignada à caridade pública.
À vista do bueiro fumegante que sujava o céu estivo, a matula espetral detinha-se esperançosa. E ficava a
espiar a casa do engenho como uma grande essa armada no negrume do teto velho.
Alguns faziam menção de subir. Mas logo desandavam, aos tombos, na mobilidade incerta.
De quando em quando, um magote vingava o socalco. Chegavam mastigando em seco, para enganar a
fome, nas mais grotescas atitudes da miséria.
Dobravam-se os joelhos, não como pedinchões. Genufletiam moídos de fadiga.
Não se carpiam, como se estivessem realizando um destino irremediável. Nem, sequer, lavavam com
lágrimas as caras poentas.
Escorraçados, retrocediam, arquejantes, sem uma queixa.
E, desengonçando-se, de déu em déu, numa marcha esquecida, o rebotalho errante ia atulhar as feiras,
malignar as cidades.
Dagoberto despercebia-se do desfile macabro. A seca infundia-lhe um sentimento contrastante.
Era uma inquietação seródia, como a brasa remanescente que procura acender o cinzeiro.
Num período de vida em que o homem realiza o que sonhou, ele voltava a sonhar. Amor — pólvora que
se acaba com a primeira explosão. Amor que sabe a frutos apodrecidos. Era como o caminheiro que, fatigado
da jornada , estuga o passo para chegar antes de anoitecer.
Beirava uma idade em que o instinto sexual instigado se difunde por todos os sentidos e é mais
imaginação que materialidade, como a saudade do que se não gozou. Crise das uniões retardatárias.
Havia coisa de 18 anos, inveterava-se na viuvez desconfortada, por uma jura indiscreta:
— Mas eu não encontro outra mulher assim...
E gabava-lhe com minúcias de formas os caracteres da beleza e as prendas ocultas:
— Mulherão! mulherão!
Os dias do campo decorriam-lhe recreativos. Mas, à noite, quando as portas se cerravam, cerrava-se-lhe o
coração. [...]
Obras:
Tem gente que não acredita em sorte de são-joão. Quando adolescentes, no colégio de freiras, fizemos
sorte de bacia e sorte de clara de ovo. Na clara de ovo saiu que eu morria aos quinze anos - e me preparei para
esse fim prematuro; fiz até uns versos de despedidas. Uma vez que não tinha amores, cuidei em morrer como
uma virgem cristã, de capela de flores e vestido branco. Vieram contudo os quinze anos, e duas vezes quinze, e
ainda estou penando por este vale de lágrimas. Mas na sorte da bacia saiu tudo preto - destino obscuro que teve
interpretações variadas. Era morte, casamento infeliz, ou ficar para tia? Num velho livro de sortes, antiga edição
portuguesa que arranjáramos não sei onde, dizia assim: “Cara preta na bacia - casamento com homem negro ou
mouro”. Apeguei-me à ideia do mouro. Fazia-o belo e dramático: para me ajudar a imaginação lá estava, em
todo o esplendor Shakespearian©, o modelo clássico de Otelo. E vim atravessando todos os revoltos e sofridos
anos da vida, guardando a lembrança daquele mouro no coração; com o passar do tempo, cheguei quase à
convicção de que os mouros haviam saído da história desde o desastre de Alcácer-Quibir, e esperar por mouros
era o mesmo que esperar por D. Sebastião. Felizmente me enganava.
No Pará, quando eu tinha oito anos, deram-me à meia-noite, em véspera de são-joão, um banho de cheiro
cheiroso, para ter boa sorte. Mas talvez as ervas fossem fracas, ou minha estrela negra muito forte, porque
bastante demorou essa boa sorte para vir. Tomei depois muitos outros banhos de cheiro; tanta macacapuranga,
catinga-de-mulata, priprioca, japana, mucuracaá, consumida à toa! - e agora, quando já desenganada das ervas
eu me passara para os sais de banho ingleses, foi que a sorte mudou.
Entretanto, o melhor são-joão que passei na minha vida não foi em Belém do Pará, no Cariri ou na Bahia.
Faz três anos, foi na cidade de São Paulo, em tempo de frio e de garoa. Era uma sala sossegada; lá fora, no
mundo, tragédias públicas e particulares explodiam como vulcões. Mas a sorte da bacia preta se cumprira: ao
meu lado estava o mouro - afinal encarnado; rodava o dial do rádio, até conseguir, em vez dos jornais de guerra,
um samba de Noel Rosa, aquele tristíssimo Ültimo desejo, que começa falando em noite de São João e acaba
dizendo: “O meu lar é um botequim...”
(Rio,junho de 1944)
(L.P.Truques e Táticas) A obra O quinze de Rachel de Queiroz pertence a fase modernista em que predomina
uma literatura de denúncia. Nesse sentido, convém afirmar que nesse romance a crítica da autora se propõe a
denunciar
(A) a situação degradante da vida dos retirantes causada por fatores climáticos, sociais e econômicos;
(B) somente as consequências da seca na vida da população que vive em situação de pobreza;
(C) somente os efeitos da seca de 1915, que marcou a infância da autora;
(D) a crueldade dos proprietários de terra por não acolher seus trabalhadores no período da seca;
(E) principalmente a precariedade do “Campo de concentração”, local onde os retirantes eram recebidos.
Capítulo I – Mudança
1. Um escritor classificou Vidas secas como “romance desmontável”, tendo em vista sua composição
descontínua, feita de episódios relativamente independentes e sequências parcialmente truncadas.
Essas características da composição do livro:
a) constituem um traço de estilo típico dos romances de Graciliano Ramos e do regionalismo nordestino
b) indicam que ele pertence à fase inicial de Graciliano Ramos, quando este ainda seguia os ditames do
primeiro momento do Modernismo
c) diminuem o seu alcance expressivo, na medida em que dificultam uma visão adequada da realidade sertaneja
d) revelam, nele, a influência da prosa seca e lacônica de Euclides da Cunha, em Os Sertões
e) relacionam-se à visão limitada e fragmentária que as próprias personagens têm do mundo
2. Sobre a obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, todas as alternativas estão corretas, EXCETO:
a) o romance focaliza uma família de retirantes, que vive numa espécie de mudez introspectiva, em precárias
condições físicas e num degradante estado de condição humana
b) o relato dos fatos e a análise psicológica dos personagens articulam-se com grande coesão ao longo da obra,
colocando o narrador como decifrador dos comportamentos animalescos dos personagens
c) o ambiente seco e retorcido da caatinga é como um personagem presente em todos os momentos, agindo de
forma contínua sobre os seres vivos
d) a narrativa faz-se em capítulos curtos, quase totalmente independentes e sem ligação cronológica e o
narrador é incisivo, direto, coerente com a realidade que fixou
e) o narrador preocupa-se exclusivamente com a tragédia natural (a seca) e a descrição do espaço não é
minuciosa; pelo contrário, revela o espírito de síntese do autor
3. Leia o fragmento abaixo transcrito da obra Vidas Secas e responda a questão a seguir:
Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a
quentura da terra. Montado confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada,
monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. A pé, não se agüentava bem. Pendia para um lado, para
o outro lado, cambaio, torto e feio.Às vezes, utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se
dirigia aos brutos – exclamações, onomatopéias. Na verdade falava pouco. Admira as palavras compridas e
difíceis da gente da cidade, tentava reproduzir algumas em vão, mas sabia que elas eram inúteis e talvez
perigosas. (Graciliano Ramos)
O texto, no seu conjunto, enfatiza:
a) a pobreza física do personagem
b) a falta de escolaridade do personagem
c) a miséria moral do personagem
d) a identificação do personagem com o mundo animal
e) nda
O escritor produziu e publicou cinco romances aos quais deu a alcunha de “Ciclo da cana-de-açúcar”. São eles,
na ordem cronológica: “Menino de Engenho” (1932), “Doidinho” (1933), Banguê (1934), “O Moleque
Ricardo” (1935) e, por fim, “Usina” (1936). Muitos historiadores e analistas sociais comparam esse ciclo de
obras do escritor paraibano com o ciclo “Introdução à formação da sociedade patriarcal no Brasil”,do
antropólogo pernambucano Gilberto Freyre, cujo primeiro volume é “Casa Grande & Senzala” (1933).
trecho:
Pensava então naquilo que junto de gente eu não podia pensar. Já estava no engenho
há mais de quatro anos. Mudara muito desde que viera de Recife.
– Para o ano – diziam – iria para o colégio.
E o que seria esse colégio? Os meus primos contavam tanta coisa de lá, de um diretor medonho, de
bancas, de castigos, de recreios, de exercícios militares, que me deixavam mesmo com vontade de ir com eles.
Mas o engenho tinha tudo para mim. Tia Maria tomava conta de mim como se fosse mãe. E a lembrança de
minha mãe enchia os meus retiros de cinza. Por que morrera ela? E de meu pai, por que não me davam
notícias? Quando perguntava por ele, afirmavam que estava doente no hospital. E o hospital ia ficando assim
um lugar donde não se voltava mais. Via gente do engenho que ia para lá, com carta do meu avô, não retornar
nunca. E as negras quando falavam do hospital mudavam a voz: “Foi para o hospital.” Queriam dizer que foi
morrer.
Tinha um medo doentio da morte. Aquilo da gente apodrecer debaixo da terra, ser comido pelos tapurus,
me parecia incompreensível. Todo o mundo tinha que morrer. As negras diziam que alguns ficavam para
semente. Eu me desejava entre estes felizardos. Por que não podia ficar para semente? Dentro de um navio,
enquanto o mundo todo se acabasse. E nesse barco eu me via cercado de tudo que era bicho, e a minha tia
Maria, a negra Generosa, a vovó Galdina, o meu avô, tudo que me amava estaria comigo. Esta horrível
preocupação da morte tomava conta da minha imaginação.
principais obras:
Obras:
● O País do Carnaval, 1931
● Cacau, 1933
● Suor, 1934
● Jubiabá, 1935
● Mar Morto, 1936
● Capitães de Areia, 1937
● A Estrela do Mar, poesia, 1938
● Terras do Sem-Fim, 1943
● O Amor do Soldado, 1944
● São Jorge dos Ilhéus, 1944
● Bahia de Todos os Santos, 1944
● Seara Vermelha, 1945
● O Mundo da Paz, 1951
● Os Subterrâneos da Liberdade, 1954
● Gabriela Cravo e Canela, 1958
● Os Velhos Marinheiros, 1961
● Os Pastores da Noite, 1964
● Dona Flor e Seus Dois Maridos, 1966
● Tenda dos Milagres, 1969
● Teresa Batista Cansada de Guerra, 1972
● Tieta do Agreste, 1977
● Farda Fardão Camisola de Dormir, 1979
● O Menino Grapiúna, 1981
● Tocaia Grande, 1984
● O Sumiço da Santa: Uma História de Feitiçaria, 1988
● Navegação de Cabotagem, 1992
● A Descoberta da América pelos Turcos, 1994
● O Milagre dos Pássaros, 1997
Capitães da Areia faz referência aos meninos de rua de Salvador, menores cuja
vida desregrada e marginal é explicada, de uma forma geral, por tragédias familiares
relacionadas à condição de miséria. O grupo de meninos que forma os Capitães se
esconde em um armazém abandonado em uma das praias da capital baiana.
Os personagens que compõem o núcleo central da narrativa apresentam algumas
particularidades: João Grande possui uma força bruta, o professor é lembrado pelo
talento artístico, Sem-Pernas pela amargura existencial, a opressão sertaneja é
representada por Volta-Seca, a sexualidade precoce por Gato, o malandro é o Boa-Vida e
a tendência à religiosidade se manifesta em Pirulito. Todos são liderados por Pedro Bala,
o protagonista do romance.
trecho de “Capitães da Areia”:
O Trapiche
depois de algumas noites, ladrando à lua pela madrugada, pois grande parte do teto já ruíra e os raios da
lua penetravam livremente, iluminando o assoalho de tábuas grossas. Mas aquele era um cachorro sem pouso
certo e cedo partiu em busca de outra pousada, o escuro de uma porta, o vão de urna ponte, o corpo quente de
uma cadela. E os ratos voltaram a dominar até que os Capitães da Areia lançaram as suas vistas para o casarão
abandonado.
Neste tempo a porta caíra para um lado e um do grupo, certo dia em que passeava na extensão dos seus
domínios porque toda a zona do areal do cais, como aliás toda a cidade da Bahia, pertence aos Capitães da
Areia, entrou no trapiche.
Seria bem melhor dormida que a pura areia, que as pontes dos demais trapiches onde por vezes a água
subia tanto que ameaçava levá-los. E desde esta noite uma grande parte dos Capitães da Areia dormia no velho
trapiche abandonado, em companhia dos ratos, sob a lua amarela. Na frente, a vastidão da areia, uma brancura
sem fim.Ao longe, o mar que arrebentava no cais. Pela porta viam as luzes dos navios que entravam e saiam.
Pelo teto viam o céu de estrelas, a lua que os iluminava.
Logo depois transferiram para o trapiche o depósito dos objetos que o trabalho do dia lhes proporcionava.
Estranhas coisas entraram então para o trapiche. Não mais estranhas, porém, que aquela meninos, moleques de
todas as cores e de idades as mais variadas, desde os 9 aos 16 anos, que à noite se estendiam pelo assoalho e por
debaixo da ponte e dormiam, indiferentes ao vento que circundava o casarão uivando, indiferentes à chuva que
muitas vezes os lavava, mas com os olhos puxados para as luzes dos navios, com os ouvidos presos às canções
que vinham das embarcações...
É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia: Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim,
desde seus cinco anos. Hoje tem 15 anos. Há dez que vagabundeia nas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe,
seu pai morrera de um
balaço. Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. Hoje sabe de todas as suas ruas e de
todos os seus becos. Não há venda, quitanda, botequim que ele não conheça. Quando se incorporou aos
Capitães da Areia o cais recém- construído atraiu para as suas areias todas as crianças abandonadas da cidade o
chefe era Raimundo, o Caboclo, mulato avermelhado e forte.
Não durou muito na chefia o caboclo Raimundo. Pedro Bala era muito mais ativo, sabia planejar os
trabalhos, sabia tratar com os outros, trazia nos olhos e na voz a autoridade de chefe. Um dia brigaram. A
desgraça de Raimundo foi puxar uma navalha e cortar o rosto de Pedro, um talho que ficou para o resto da vida.
Os outros se meteram e como Pedro estava desarmado deram razão a ele e
ficaram esperando a revanche, que não tardou. Uma noite, quando Raimundo quis
surrar Barandão, Pedro tomou as dores do negrinho e rolaram na luta mais
sensacional a que as areias do cais jamais assistiram. Raimundo era mais alto e mais velho. Porém Pedro Bala,
o cabelo loiro voando, a cicatriz vermelha no rosto, era de uma agilidade espantosa e desde esse dia Raimundo
deixou não só a chefia dos Capitães da Areia, como o próprio areal. Engajou tempos depois num navio.
Todos reconheceram os direitos de Pedro Bala à chefia, e foi desta época que a cidade começou a ouvir
falar nos Capitães da Areia, crianças abandonadas que viviam do furto. Nunca ninguém soube o número exato
de meninos que assim viviam. Eram bem uns cem e destes mais de quarenta dormiam nas ruínas do velho
trapiche.
Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de
cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que totalmente a amavam, os
seus poetas.
[Sem-Pernas] queria alegria, uma mão que o acarinhasse, alguém que com muito amor o fizesse esquecer
o defeito físico e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou semanas, mas para ele seriam sempre
longos anos) que vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos homens que passavam, empurrado pelos
guardas, surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera família. Vivera na casa de um padeiro a quem chamava
“meu padrinho” e que o surrava. Fugiu logo que pôde compreender que a fuga o libertaria. Sofreu fome, um dia
levaram-no preso. Ele quer um carinho, u’a mão que passe sobre os seus olhos e faça com que ele possa se
esquecer daquela noite na cadeia, quando os soldados bêbados o fizeram correr com sua perna coxa em volta de
uma saleta. Em cada canto estava um com uma borracha comprida. As marcas que ficaram nas suas costas
desapareceram. Mas de dentro dele nunca desapareceu a dor daquela hora. Corria na saleta como um animal
perseguido por outros mais fortes. A perna coxa se recusava a ajudá-lo. E a borracha zunia nas suas costas
quando o cansaço o fazia parar. A princípio chorou muito, depois, não sabe como, as lágrimas secaram. Certa
hora não resistiu mais, abateu-se no chão. Sangrava. Ainda hoje ouve como os soldados riam e como riu aquele
homem de colete cinzento que fumava um charuto.
(Jorge Amado. Capitães da areia.)