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SUMÁRIO
Sobre o Autor 3
Referências
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Sobre o Autor
Daniel Pereira Rocha
3 3
1 O QUE A ANTROPOLOGIA TEM A DIZER SOBRE/
PARA A EDUCAÇÃO ?
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De uma forma geral, na nossa sociedade, a educação se
apresenta no seu âmbito formal por meio da existência da
escola, do professor, do aluno, cujo processo de aprendizagem
está submetido às formulações teóricas sobre a educação –
a Pedagogia – que postula formas de ensinar a saber. Como
aponta Brandão (1981), contudo, a educação seria um elemento
propriamente humano cuja expressão não reside unicamente
no ambiente escolar manifestando-se de forma diferente em
cada sociedade. No seu sentido mais amplo, a educação seria o
processo de transferências de saberes cuja manifestação ocorre
no seio da vida social nos permitindo experienciar aquilo que são
situações de aprendizagem.
Assim, para além do âmbito da formalidade que a educação
adquire na nossa sociedade, existem outras formas de aprendizado
face às diferentes relações sociais, ou seja, nem todas sociedades
possuem o mesmo processo de aprendizagem. Se nem todas
sociedades possuem aquilo que chamamos de educação, como
podemos enxergar estes outros processos de aprendizagem?
É aí que entra a antropologia, já que sendo a ciência que estuda
as diferenças, neste caso as diferentes sociedades e culturas, ela
pode fornecer algumas reflexões sobre como ocorre o processo
de aprendizagem e suas diferenças.
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Sugiro que essas alternativas correspondem a dois sentidos bem
diferentes de educação (…). O primeiro é bastante familiar para
nós, que sentamos em salas de aula no papel de alunos, ou que
nos colocamos à frente da classe para ensinar. Este é o sentido
do verbo latim [sic] educare: criar, cultivar, inculcar um padrão
de conduta aprovado juntamente com o conhecimento que o
sustenta. Há, contudo, uma variante etimológica que relaciona o
termo a educere, ou seja ex (fora) + ducere (levar). Nesse sentido,
educar é levar os noviços para o mundo lá fora, ao invés de – como
é convencional hoje – inculcar o conhecimento dentro das suas
mentes. Significa, literalmente, convidar o aprendiz para dar uma
volta lá fora. Que tipo de educação é essa, que se dá durante o
caminhar? E o que faz da caminhada uma prática tão eficaz para
a educação, concebida nesse segundo sentido? (INGOLD, 2015b,
p. 23).
6 6
Já no labirinto o objetivo é seguir o caminho, a ação e percepção
devem estar conectadas para seguir a trilha, seguir o caminho
neste caso é mais atencional que intencional.
Daí reside as duas formas ou dois sentidos da educação
proposta pelo Ingold. De um lado, teríamos o dédalo com seu
processo de inculcar, trazer para dentro às regras e representações,
“‘os mundos intencionais’ de uma cultura” (INGOLD, 2015b, p. 27). De
outro lado, teríamos o labirinto colocando em voga a exterioridade,
a relação entre o aprendiz e a experiência no mundo.
A problemática levantada por ele reside no fato de que se
nossa educação é um processo de inculcação cujo processo de
conhecimento se dá através de representações – o dédalo. Nosso
mundo torna-se limitado já que, mesmo com estas construções,
estas tentativas de reter o mundo, ele se esvai. Como, então, escapar
do dédalo? Para Ingold devemos tentar percorre o labirinto ainda
que na nossa socialização sempre tenhamos um pé no dédalo.
Pensar a educação como o labirinto é um devir, é um
processo constante de imaginação, de construir começos, é trazer
a vida para o centro da reflexão. Sendo a vida gestada a partir das
nossas relações sociais, poderíamos pensar em outras “escolas”,
em outras educações e em outros aprendizados.
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Se a educação pode ser labiríntica, como podemos realizar a partir
de outras experiências ou de nossas próprias uma aprendizagem
que possa ser múltipla?
Como sair do dédalo e entrar no labirinto?
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As noções antropológicas de alteridade
e diversidade
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Que devemos entender por culturas o russo, o francês e o inglês), línguas de
diferentes? Algumas parecem sê-lo, mas, se origens diversas, mas faladas em territórios
emergem de um tronco comum, não diferem contíguos, desenvolvem características
da mesma forma que duas sociedades que em comuns;por exemplo, o russo diferenciou-
nenhum momento do seu desenvolvimento se, sob determinados aspectos, de outras
mantiveram quaisquer relações. Assim o línguas eslavas para se aproximar, pelo
antigo império dos Incas, no Peru, e o do menos por determinados traços fonéticos,
Daomé, na África, diferem entre si de maneira pelo menos
mais absoluta do que, por exemplo, a Inglaterra por determinados traços fonéticos, das
e os Estados Unidos de hoje, se bem que estas línguas ugro-finlandesas e turcas faladas
duas sociedades devam também ser tratadas na sua imediata vizinhança geográfica. […]
como sociedades distintas. Inversamente, Com efeito, o problema da diversidade não
sociedades que muito recentemente se põe apenas a propósito das culturas
estabeleceram um contato muito intimo, encaradas nas suas relações recíprocas,
parecem oferecer a imagem de uma e mesma existe no seio de cada sociedade, em
civilização, ainda que a tenham atingido por todos os grupos que a constituem: classes,
caminhos diferentes, que não temos o direito meios profissionais ou confessionais, etc.,
de negligenciar. desenvolvem determinadas diferenças às
Operam simultaneamente, nas quais cada uma delas atribui uma extrema
sociedades humanas, forças que atuam importância.
em direções opostas, umas tendendo para Podemos perguntar-nos se esta diversificação
a manutenção e mesmo para a acentuação interna não tende a aumentar quando a
dos particularismos, outras agindo no sociedade se torna, sob outras relações,
sentido da convergência e da afinidade. mais volumosa e mais homogênea; esse
O estudo da linguagem oferece exemplos foi talvez o caso da Índia antiga, com o seu
surpreendentes de tais fenômenos. sistema de castas a desenvolver-se após o
Assim, ao mesmo tempo que as línguas estabelecimento da hegemonia ariana. (LÉVI-
da mesma origem têm tendência para se STRAUSS, 1976, p. 2-3)
diferenciarem umas das outras (tais como
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Roger Keesing em seu manual New Perspectives in Cultural
Anthropology começa com uma parábola que aconteceu ser
verdadeira: “Uma jovem da Bulgária ofereceu um jantar para
os estudantes americanos, colegas de seu marido, e entre eles
foi convidado um jovem asiático. Após os convidados terem
terminado os seus pratos, a anfitriã perguntou quem gostaria de
repetir, pois uma anfitriã búlgara que deixasse os seus convidados
se retirarem famintos estaria desgraçada. O estudante asiático
aceitou um segundo prato, e um terceiro — enquanto a anfitriã
ansiosamente preparava mais comida na cozinha. Finalmente, no
meio de seu quarto prato o estudante caiu ao solo, convencido
de que agiu melhor do que insultar a anfitriã pela recusa da
comida que lhe era oferecida, conforme o costume de seu país.”
Esta parábola, acrescenta Keesing, reflete a condição humana.
(LARAIA, 1994, p.74)
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O interessante de pensar no relativismo é que ele é utilizado
para superar visões preconceituosas acerca de sociedades
diferentes, no entanto, se o tomarmos como absoluto estaríamos
fazendo exatamente o contrário, muitas vezes aceitando posições
preconceituosas, sexistas, racistas.
Por isso mesmo, até o relativismo deve ser relativizado (ou
seja, deve ser utilizado em determinados contextos e nunca
universalmente). Isso fica bem claro naquilo que o filósofo Karl
Popper chamou de paradoxo da tolerância (a tolerância neste
caso seria tomada como referência ao relativismo).
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Fonte: Reddit
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Como forma de propor a compreensão sobre algumas noções
referentes a diferença e cultura, apresente o primeiro vídeo da
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série Índios no Brasil (disponível no Youtube®), e, logo após,
apresente as seguintes questões aos estudantes:
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Marcadores sociais da diferença e dispositivos de diferenciação
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vamos entendendo como aquele determinado estudante
reproduz ou rompe com as expectativas sociais que estão
implicadas nele através dos marcadores sociais que carrega.
Nossa tentativa enquanto educadores e educadoras seria,
então, assumir um papel de transformação de determinadas
expectativas sociais uma vez que determinados marcadores
sociais carregam consigo o peso estrutural das diferentes
formas de opressão: como o machismo e a misogina, a
lgbtfobia, o racismo, a transfobia, a gordofobia e a aporofobia,
entre outros. Pelo menos é essa a tentativa que nós devemos
assumir enquanto educadores e educadoras nos variados
espaços educacionais que transitamos, rompendo com aquilo
que Kabengele Munanga (2005) nomeia de piedade educacional
ou “política de avestruz”.
2 Cujo autores mais conhecidos em termos de análises sociológicas desenvolvidas são: Louis Althusser,
Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron.
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As análises de Coleman indicaram que as diferenças de
aprendizagem não estavam relacionadas às estruturas das escolas,
mas sim às desigualdades socioeconômicas de origem. Por isso, o
relatório afirmava, categoricamente: “a escola não faz a diferença!”
(ROSISTOLATO, 2012, p. 18-20).
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Nesse caso, para compreendermos melhor esse fenômeno seria
necessário entender como de fato se constituem as práticas
escolares, o acesso aos variados grupos que compõem a sociedade
e como eles se apresentam nas escolas, além das formas de
transmissão de conhecimentos e saberes no contexto escolar.
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“Minha autobiografia educacional”
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“Lutas Simbólicas”
https://drive.google.com/file/d/1NAEYF86555S-kkUrTa-HK02HgByxI8Om/view
Regras do Jogo:
https://www.lutassimbolicas.com/_files/ugd/e6eede_
e1b0f4af85c142f3a577f42657dc2903.pdf
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Rituais e processos de ensino-aprendizagem
Os currículos, as disciplinas, as aulas e todo o Paul Willis percebeu que os estudantes estavam
cotidiano da escola pretendiam formar os jovens negando a cultura oferecida pela escola porque
para que eles incorporassem saberes que nunca defendiam a sua cultura de classe. Mas esta defesa
fizeram parte da história da vida de seus familiares. guardava uma contradição: ao mesmo tempo em
Ao mesmo tempo, impediam que os estudantes que resistiam aos saberes escolares e defendiam
apresentassem os saberes não escolares que a sua cultura, reproduziam suas posições sociais
orientaram seus antepassados na formação para e acatavam ao “seu” destino social tomando para
a vida e o trabalho. Com isso, é possível pensar si os postos de trabalho menos valorizados. Esta
que uma questão se colocava para os estudantes contradição, apresentada por Willis, permite pensar
oriundos da classe trabalhadoras. Ela pode ser sobre os sentidos atribuídos à educação escolar
traduzida da seguinte maneira: se meus pais viveram entre as classes populares porque a resistência à
suas vidas sem a escola, por quais motivos eu cultura escolar formal, oferecida pela escola, pode
teria que estudar e aceitar a cultura oferecida pela
escola? A questão tinha sentido e fazia com que os
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ser vista como forma de resistência à imposição
cultural realizada pela própria escola, mas, ao
estudantes negassem a escola, sem necessariamente, mesmo tempo, reproduz a posição de classe,
se afastar dela. Eles permaneciam na escola, mas consolidada na aceitação de empregos estritamente
não participavam ativamente das aulas, faziam as manuais, reconhecidamente desvalorizados sob o
mais diversas algazarras, desafiavam professores, ponto de vista funcional e salarial. (ROSISTOLATO,
corpo de gestão e também os outros estudantes 2012, p.20-21)
que aceitavam os regulamentos apresentados pela
escola.
3 Refletiremos sobre a questão da etnografia de forma mais aprofundada nas seções seguintes.
2020
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Aprofundar nesses processos nos levam, então, ao
desenvolvimento de um olhar muito mais aguçado para as
relações sociais e, por efeito, as diferenças que elas suscitam
no contexto escolar.
Ter em mãos recursos para compreender problemas que em
sua maioria estão presentes na sociedade e se apresentam na
escola nos permitem enquanto educadores nos tornarmos mais
analíticos – independente da área de formação – para essas
problemáticas e nos inquietarmos cada vez mais nos motivando
a ação.
Nesse sentido, um trabalho muito interessante, produzido nos
anos de 1980, que toca, em parte, nas problemáticas levantadas
nas seções anteriores, é o estudo desenvolvido pela psicóloga
Maria Helena de Souza Patto (1990) acerca do fracasso escolar.
Ao analisar essa obra, Carvalho (2011) aponta que “A produção
do fracasso escolar” é considerada um clássico em virtude da
sua ruptura metodológica, permitindo enxergar as práticas
sociais escolares sob um novo olhar ao tentar entender como são
produzidos os estudantes ditos “fracassados” ou “reprovados”.
Segundo Carvalho (2011), a recusa de Patto em tratar o fracasso
escolar como um fenômeno isolado a leva a traçar paralelos
com condições históricas e sociais que subjazem as práticas
escolares, para isso analisa os discursos (verbais e não-verbais)
de coordenadores, diretores e professores e como este geram, de
certo modo, aquilo que entende como produção social do fracasso
escolar.
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os preconceitos, os dramas e sonhos de professores, alunos, pais,
coordenadores pedagógicos e diretores que nas páginas de sua
obra não são tratados como “números”, “estruturas” ou “objetos”,
mas como sujeitos cuja voz, os gestos, os desenhos nos guiam
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por entre os labirintos obscuros do cotidiano escolar (Carvalho,
2011, p.571-572).
As formas pelas quais temos acesso aos elementos constitutivos da cotidianidade de uma escola
pública são as mais variadas e por vezes emergem de recursos pouco usuais, mas de alto poder
elucidativo. Tomemos como exemplo a silenciosa eloquência da representação da escola nos
desenhos de Nailton: “a escola desenhada é tão grande que quase não cabe no papel, mas a
porta é pequena... Ele informa que desejava ter feito uma escada de acesso à porta, mas não
pode porque não coube!” (...). Sua representação gráfica (elaboração de sua experiência escolar?)
é de uma construção grandiosa, mas inacessível. Não há sequer janelas e, tal como sucede com
o personagem de Kafka em Diante da Lei, Nailton jamais transpõe o portão que daria acesso ao
que, em tese, foi feito para lhe abrigar.
Na brincadeira de faz de conta Ângela ocupa o lugar de professora: “fica em pé, com o corpo
retesado, o nariz para o alto e diz que vai ‘gritar o ditado’”. Repreende em voz alta a pesquisadora:
“Dona Denise, para de conversar e presta atenção no ditado”. A menina em seu papel de professora
separa as produções em boas e ruins, entre as que merecem parabéns e a que recebem nota 4,
seguem-se às notas as medidas disciplinares: “Vai para a Diretoria, viu? E sem preguiça”. Despede-
se com semblante de exausta: “Os alunos dão muito trabalho, estou muito cansada, já trabalhei
muito” (...), como se revelasse que o desgaste não acomete somente aos alunos.
Aprende-se, a partir dos relatos das atividades de aula, que não somente os alunos, mas as próprias
professoras muitas vezes não conseguem vislumbrar um sentido para as atividades escolares ou
mesmo, o que é ainda pior, para a experiência escolar como um todo.
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A professora cumpre sua obrigação realizando diariamente um ritual, sempre o mesmo, destituído
de vida e de significado que a mortifica; obediente mas descrente, coloca as sílabas na lousa, passa
mecanicamente entre as carteiras, constata sempre os mesmos erros que aponta com maior ou
menor irritação, para começar de novo no dia seguinte, no mês seguinte, no semestre seguinte. (...)
Essa rotina mecânica e destituída de significado formativo contamina as atividades mais elementares
do cotidiano escolar. As crianças repetem as frases da lousa num ritmo maquinal: a gata mata a
rata; a aranha está na sala... Mas convém não nutrir ilusões: a ‘técnica didática’ não é a fonte da
alienação do sentido formativo que uma atividade de alfabetização deveria ter, mas simplesmente
um de seus efeitos mais visíveis. (CARVALHO, 2011, p.574-575).
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Na brincadeira de faz de conta Ângela ocupa Essa rotina mecânica e destituída de
o lugar de professora: “fica em pé, com o significado formativo contamina as atividades
corpo retesado, o nariz para o alto e diz que mais elementares do cotidiano escolar. As
vai ‘gritar o ditado’”. Repreende em voz alta a crianças repetem as frases da lousa num ritmo
pesquisadora: “Dona Denise, para de conversar maquinal: a gata mata a rata; a aranha está
e presta atenção no ditado”. A menina em seu na sala... Mas convém não nutrir ilusões: a
papel de professora separa as produções em ‘técnica didática’ não é a fonte da alienação
boas e ruins, entre as que merecem parabéns e do sentido formativo que uma atividade de
a que recebem nota 4, seguem-se às notas as alfabetização deveria ter, mas simplesmente
medidas disciplinares: “Vai para a Diretoria, viu? um de seus efeitos mais visíveis. (CARVALHO,
E sem preguiça”. Despede-se com semblante de 2011, p.574-575).
exausta: “Os alunos dão muito trabalho, estou
muito cansada, já trabalhei muito” (...), como se
revelasse que o desgaste não acomete somente
aos alunos.
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2 MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
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Por exemplo, eu sou professor de um componente no ensino
médio da rede estadual chamado “A Arte de Morar”, nesse
componente resolvi apresentar para os e as estudantes o método
construtivo com uso de terra e, por consequência, as técnicas
existentes que usam terra como material construtivo como é
o caso da taipa de pilão, do adobe, do hiperadobe ou mesmo
o pau a pique. Percebam que eu poderia ter dito no exemplo
acima que basicamente eu iria apresentar no componente “as
técnicas existentes que usam terra como método construtivo”,
então, de certa forma método e técnica estão em uma relação
dialógica e de determinação mútua. No entanto, de maneira
geral, entende-se que o método seria o aspecto geral que
orienta a utilização de determinadas técnicas, ao passo que a
utilização de determinadas técnicas informam o método.
Pense, por exemplo, que agora você está em casa se preparando
para ir a um show na praça da sua cidade. Você, de antemão,
faz um planejamento de como irá chegar ao show, ou seja, o
caminho que irá percorrer levando em consideração a distância
da sua casa. A depender da distância, você escolherá a melhor
forma de chegar lá, se for perto você irá a pé, se for longe, você
irá chamar um táxi ou um mototáxi como meio de transporte.
Nesse caso, o caminho que irá percorrer é o método (o conjunto
de ações que você deve realizar) e o como você irá percorrer
esse caminho, a escolha do meio de transporte seria a técnica
(as ações em si).
Em ciência, temos basicamente dois tipos de métodos
que são os métodos quantitativos e os métodos qualitativos:
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São aqueles que tratam prioritariamente de
qualificar as informações e dados, leva em con-
sideração a forma como os sujeitos enxergam o
mundo (uma vez que a subjetividade não pode
Métodos Qualitativos ser traduzida em números). Qualificar envolve a
capacidade de interpretar e atribuir significados
a determinados fenômenos.
Exemplo: pesquisa que visa compreender como
o samba é ou se constitui patrimônio cultural
de um determinado grupo social.
5 Sabe-se que um dos objetivos principais da ciência é produzir algo que possa ser generalizado.
No entanto, dentro dos variados campos de pesquisa, principalmente na área das Ciências Humanas,
compreende-se que nem sempre uma pesquisa científica para ser válida seja necessário que ela produza
uma generalização.
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Já no método qualitativo, tem-se o oposto, visto que ele
permite compreender melhor as especificidades e os significados
produzidos por um grupo, no entanto é mais difícil produzir
generalizações.
É importante lembrar que, independentemente do método, a
pesquisa científica deve seguir uma certa lógica que envolve
alguns passos como:
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Técnicas de pesquisa em Educação
Estudo de caso
(…) Temos observado que muitas pesquisas gênese, apresentando-o de modo desconectado
classificadas por seus autores como da discussão corrente na área, como em seu
“estudos de caso” parecem desconsiderar desenvolvimento, no qual não se observa qualquer
o fato de que o conhecimento científico preocupação com o processo de construção
desenvolve-se por meio desse processo coletiva do conhecimento.
de construção coletiva. Ao não situar seu Na verdade, o maior problema de grande parte
estudo na discussão acadêmica mais ampla, dos trabalhos apresentados como estudos de
o pesquisador reduz a questão estudada ao caso é que eles não se caracterizam como
recorte de sua própria pesquisa, restringindo a tal. Refletindo uma visão equivocada sobre
possibilidade de aplicação de suas conclusões a natureza desse tipo de pesquisa, esses
a outros contextos pouco contribuindo para estudos são assim chamados por seus autores
o avanço do conhecimento e a construção pelo simples fato de serem desenvolvidos em
de teorias. Tal atitude frequentemente resulta apenas uma unidade (uma escola, uma turma)
em estudos que só têm interesse para os
que dele participaram, ficando à margem
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ou por incluírem um número muito reduzido
de sujeitos. Frequentemente, o autor apenas
do debate acadêmico. Esse problema não é aplica um questionário ou faz entrevistas em
novo nem se restringe aos estudos de caso, uma escola, sem explicitar por que aquela
mas, sem dúvida, é mais frequente nesse escola e não outra, deixando a impressão de
tipo de pesquisa. Talvez por focalizar apenas que poderia ser qualquer uma. Ou seja, a escola
a unidade ou por enfatizar o interesse ou a turma escolhida não é um “caso”, não
intrínseco pelo “caso” pelo que ele tem de apresenta qualquer interesse em si, é apenas
singular, muitos pesquisadores tendem a um local disponível para a coleta de dados. Em
tratá-lo como algo à parte, tanto em sua consequência, a interpretação desses dados é
superficial, sem recurso ao contexto e à história.
(ALVES-MAZZOTTI, 2006, p.639)
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Tem-se, então, que o estudo de caso, levando em consideração
essa perspectiva crítica, seria por definição o tipo de pesquisa
que visa estudar unidades singulares e grupos pequenos
criando a possibilidade fornecer (em termos comparativos) a
compreensão de algo de forma ampla possibilitando novas
proposições sobre o tema a ser pesquisado. Desse modo,
dois elementos seriam fundamentais segundo Alves-Mazzotti
(2006), a caracterização dos estudos de caso qualitativos e
a generalização e a aplicabilidade dos conhecimentos em
outros contextos.
A caracterização dos estudos de caso qualitativo como
modalidade de pesquisa, de maneira geral, é exatamente aqueles
que focam geralmente em um unidade como: um indivíduo, um
pequeno grupo, um evento, uma instituição ou um programa.
Alves-Mazzotti (2006) destaca a posição de dois autores sobre
essa caracterização, a posição de Robert Stake alinhada a 6uma
perspectiva do construcionismo social, e a de Robert Yin, cuja
filiação está vinculada ao paradigma do pós-positivismo .
6 O construcionismo social é um paradigma oriundo da Psicologia Social que visa compreender como
os indivíduos elaboram coletivamente. Já o pós-positivismo é um paradigma da filosofia da ciência que
leva em consideração a limitação do pensamento positivista no que diz respeito às possibilidades de fazer
ciência, sem descartar algumas premissas fundamentais presente no positivismo: a possibilidade da verdade
objetiva, metodologia experimental e realismo ontológico.
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29
Robert Stake – Construcionismo social
O estudo de caso, para ele, envolve três tipos: o intrínseco, o instrumental e o coletivo.
Intrínseco: busca a compreensão do “caso” a ser estudado em particular, o foco está
no interesse do pesquisador sobre aquela unidade ou grupo a ser pesquisado.
Instrumental: o interesse por esse caso envolve o fato de que ele pode facilitar a
compreensão de outro fenômeno geral, já que pode servir tanto de base para fornecer
reflexões sobre este ou de forma contrária serviria para demonstrar como o caso em
particular pode permitir a contestação de uma generalização amplamente aceita.
Coletivo: o pesquisador estuda de forma conjunta vários casos para conseguir com-
preender um determinado fenômeno, ou seja, é realizado um agrupamento de casos
individuais para reforçar exatamente os traços em comum existentes ou mesmo re-
futar uma generalização aceita (aqui o objetivo é o mesmo do caso instrumental).
Além disso, o enfoque do estudo de caso deve levar em conta os seguintes aspectos:
1. Natureza do caso;
2. Histórico do caso;
3. Contexto (econômico, político, estético, físico etc.);
4. Outros casos pelos quais é reconhecido;
5. Os informantes que permitem ele ser conhecido.
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Robert Yin - Pós-positivismo
De maneira sintética, Yin (apud ALVES-MAZZOTTI, 2006) define o estudo de caso como:
uma pesquisa empírica que investiga um fenômeno contemporâneo em seu contexto
natural, em situações em que as fronteiras entre o contexto e o fenômeno não são
claramente evidentes, utilizando múltiplas fontes de evidência. Ao definir o objeto do
estudo de caso como um fenômeno contemporâneo, o autor procura distingui-lo dos
estudos históricos, nos quais a evolução temporal é o foco de interesse, o que não
significa que nos estudos de caso não se recorra a fatos passados para compreender o
presente (ALVES-MAZZOTTI, 2006, p.643).
Ele descreve algumas situações em que o estudo de caso deve ser aplicado:
1. O caso é relevante para testar uma hipótese ou teoria previamente elaborada.
2. O fato do caso ser “extremo” ou “único”.
3. O caso ser “revelador”: fenômeno ou situação que era inacessível à investigação
científica.
Para ele, o que torna o estudo de caso algo “exemplar” são alguns aspectos como:
Deve ser completo. Para isto, toma-se como referência três elementos: a dis-
tinção entre o fenômeno e o seu contexto, esforço para coletar evidências relevantes,
o planejamento e a sua finalização não podem ser limitados por tempo ou recursos.
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No que diz respeito à caracterização dos estudos, tem-se que,
independente da perspectiva adotada, aspectos comuns como o
detalhamento do contexto e a relevância que o estudo de caso
possa vir a ter, são essenciais para este tipo de pesquisa. Já
no quesito generalização e aplicabilidade dos conhecimentos
em outras situações, as posições divergem levemente, já que,
enquanto Yin acredita que apesar desse tipo de estudo ter
um enfoque no caso em particular, é possível através de um
conjunto particular de dados e dos seus resultados propor
uma teorização que seja aplicada em outros contextos, a isso
ele dá o nome de generalização analítica. Stake, por sua vez,
acredita que o aspecto peculiar do estudo de caso que deve ter
preponderância é exatamente o aspecto intrínseco que permite
a promoção de uma “descrição densa” sobre o caso, mas não
ignora que factualmente seria possível realizar generalização,
já que o conhecimento sobre o caso em si poderia antecipar
conclusões que também poderiam ser aplicadas em outros
casos. Ele denomina esse processo de generalização naturalística
(ALVES-MAZZOTTI, 2006). Essa definição talvez seja uma boa
resposta para o que se busca de maneira geral com um estudo
de caso:
3232
32
Tais reflexões produzem questionamentos relevantes e adotam uma
perspectiva crítica, que foge do senso comum, no que diz respeito às práticas
escolares.
INDICAÇÃO DE LEITURA
ARTIGO:
PEREIRA, Alexandre Barbosa. Escritas Dissonantes: escolarização,
letramentos, novas tecnologias e práticas culturais juvenis. Porto
Alegre, Horizontes Antropológicos, ano 21, n.44, p.81-107, 2015
LEITURA
33 33
Pesquisa-ação
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34
Imagem 4: Ciclo da investigação-ação descrito por Tripp (2005)
35 35
Isso é importante porque se qualquer tipo Em vez de aceitar uma definição mais aberta
de reflexão sobre a ação é chamada de de pesquisa-ação, tal como “identificação
pesquisa-ação, arriscamo-nos a sofrer a de estratégias de ação planejada que são
rejeição exatamente por parte das pessoas implementadas e, a seguir, sistematicamente
com as quais a maioria de nós conta para submetidas a observação, reflexão e mudança”
aprovação ou financiamento do trabalho (...), passei a preferir uma definição mais estrita:
universitário. Assim como aconteceu com “pesquisa-ação é uma forma de investigação-
a pesquisa qualitativa há duas décadas, ação que utiliza técnicas de pesquisa
sou procurado agora regularmente por consagradas para informar a ação que se
estudantes graduados aos quais não se decide tomar para melhorar a prática”, e eu
permite usarem pesquisa-ação para suas acrescentaria que as técnicas de pesquisa
teses. Seus orientadores de pesquisa, ainda devem atender aos critérios comuns a outros
que considerando que ela é pesquisa (e não, tipos de pesquisa acadêmica (isto é, enfrentar
por exemplo, desenvolvimento profissional), a revisão pelos pares quanto a procedimentos,
não consideram o que vêem ser chamado de significância, originalidade, validade etc.) (TRIPP,
pesquisa-ação metodologicamente, rigorosa o 2005, p.447)
bastante para produzir uma tese de pesquisa
de grau superior.
3636
36
Constitui-se como colaborativa e participativa, uma vez
que prevê a inclusão de todos aqueles que, em maior ou menor
medida, serão impactados pelo estudo efetuado.
Pode ter um caráter experimental, mas, por possuir uma
tendência com foco prático pode-se dizer que é uma pesquisa
do tipo intervencionista.
A documentação da pesquisa muitas vezes acontece
através da compilação das informações num portfólio, no qual
são efetuados os registros sobre as situações que acontecem na
prática cotidiana (assemelha-se ao que comumente chamamos
na antropologia de caderno de campo).
O fato é que a pesquisa-ação estabelece uma relação
recíproca e dialética de melhorias da prática e do processo de
compreensão, ou seja, existe uma melhoria mútua, quanto aos
meios, os contextos e as finalidades em que é aplicada que, de
maneira geral, envolvem os seguintes aspectos:
Meios
37 37
Contextos
Finalidades
38 38
Já em 1945, Lippitt escreveu sobre Utilizo dois critérios para distinguir entre
pesquisa-ação para Collier: “Não se trata eles: o processo de mudança está sendo
de pesquisa-a-ser-seguida-por-ação, ou conduzido por meio da análise e interpretação
pesquisa-em-ação, mas pesquisa-como- de dados adequados, válidos e confiáveis? O
ação” (...). Como revisor de artigos de alvo principal da atividade é a criação de
pesquisa-ação submetidos à publicação conhecimento teórico ou o aprimoramento
em diversas revistas, não é raro que da prática? Isso quer dizer que um estudo
eu encontre pessoas que fizeram um de caso de um processo de pesquisa-ação
estudo de caso de um processo de não é uma pesquisa-ação, embora possa
desenvolvimento ou de mudança, tal como ser aceito para publicação numa revista de
a produção de um programa inovador pesquisa-ação como uma pesquisa sobre a
de ensino e aprendizagem, chamando pesquisa-ação. (TRIPP, 2005, p.452)
seu trabalho de “pesquisa-ação”, embora
não tenham realizado ação nenhuma e
o desenvolvimento tenha caminhado sem
qualquer pesquisa.
INDICAÇÃO DE LEITURA
ARTIGO:
REIGADA, Carolina e REIS, Marilia Freitas de Campos Tozoni. Educação
ambiental para crianças no ambiente urbano: uma proposta de
pesquisa-ação. Ciência educ. [online]. 2004, vol.10, n.02, pp.149-160. ISSN
1516-7313.
39
LEITURA
3939
39
Pesquisa de desenvolvimento (Design based research)
40 40
Assim, essa abordagem compartilha algumas características
similares com a pesquisa-ação como:
4141
41
Imagem 5: Quadro de fases do dbr e sua relação com tópicos de pesquisa elaborado por Matta et al (2014)
4242
42
Tabela 02: Ações para a educação indígena no Brasil
Implementação da intervenção
(primeira iteração).
Participantes.
Fase 3: Ciclos iterativos de
Coleta de informações.
aplicação e refinamento em
práxis da solução. Análise das informações.
Metodologia.
Implementação da intervenção
(segunda iteração).
Participantes.
Coleta de informações.
Análise das informações.
43 43
Do ponto de vista da ciência tradicional, o comunidade, e o conhecimento vai
potencial de generalização da DBR é bastante avançando em práxis comunitárias.
limitado. Ao contrário, quando se pensa na Por outro lado, em DBR, os produtos
possibilidade de construção gradativa e resultados da pesquisa são de importância
replicação contextualizada dos princípios de decisiva, a ponto de, sem eles considerar-se
design, resultado científico do diálogo prático com relativo insucesso o procedimento de
entre as teorias e a validação comunitária, investigação. Os artefatos resultantes design
percebe-se que estes resultados contêm podem ser softwares, desenvolvimento
um potencial de generalização dialógico, profissional, desenvolvimento atitudinal
bastante aplicado, e capaz de transformar comunitário ou outro pertinente ao processo
seu potencial de generalização, mesmo cognitivo estudado, mas sempre de natureza
limitado, em desenvolvi mento de aplicações prática e realizados em práxis social. (MATTA
concretas, responsivas ao comunitário, et al, 2014, p.32)
e sempre realizados em diálogo com os
conhecimentos locais. Os avanços práticos
vão acontecendo a partir da replicação dos
princípios que sempre dialogam com a
INDICAÇÃO DE LEITURA
DISSERTAÇÃO:
FREITAS, K. Modelagem da antiga muralha de Salvador e seu entorno
no século XVI para o ensino de História sob uma perspectiva
sociointeracionista. 2012. Dissertação (Mestrado em Modelagem
Computacional e Tecnologia Industrial) – SENAI Bahia, Salvador, 2012
LEITURA
44 44
Relatos (auto)biográficos
Esses trabalhos, baseados nas histórias de vida Intentam dar a conhecer, também, o modo
como método de investigação qualitativa e como pelo qual os professores-narradores-autores
prática de formação, procuram identificar, nas representam o próprio trabalho de biografização,
trajetórias de professores, questões de interesse considerando tanto a dimensão institucional de
45
para a pesquisa educacional, entre as quais: as escritas, realizadas em contexto de aprendizagem
razões da escolha profissional, as especificidades formal, quanto a que António Nóvoa (...) associa
das diferentes fases da carreira docente, as relações aos sentidos atribuídos à esfera privada da
de gênero no exercício do magistério, a construção profissão (PASSEGGI et al, 2011, p.370)
da identidade docente, as relações entre a ação
educativa e as políticas educacionais.
4545
45
Ao tratar do processo formativo docente como área de
interesse na construção de relatos autobiográficos, Passeggi et
al (2011) aponta para a existência de múltiplas significações
que caracterizam a formação e atuação do profissional da
educação e as representações acerca deste trabalho como:
o interesse pela profissão, as relações intra e inter-grupo, o
diálogo com as instâncias administrativas na área da educação,
o relacionamento com os pais de alunos e comunidade
escolar, os processos de ensino-aprendizagem, as exigências
curriculares, as articulações e soluções didático-pedagógicos,
além de questões que envolvem os aspectos materiais da
profissão, o imaginário envolto nesse contexto e o cotidiano
escolar, revelando o potencial que a adoção dessa abordagem
possui em termos de elaboração de conhecimento.
O procedimento desse tipo de investigação, então, leva em
conta determinados objetivos, desenvolvimento metodológico,
análise e interpretação e contribuições possíveis que podem ser
definidos assim:
46 46
Análise e Interpretação: Após a coleta das narrativas,
o pesquisador deve analisar e interpretar as informações
apresentadas, tentando identificar nessas histórias temas,
padrões e significados atribuídos à vivência desse indivíduo,
ou seja, deve “qualificar” essa história. Aqui não é descartado a
utilização de outros materiais de pesquisa que possam fornecer
um suporte para a contextualização da história narrada.
Contribuições: A pesquisa autobiográfica tem com um
dos aspectos contribuir para a prática educacional e servir de
suporte para outros tipos de pesquisa, uma vez que permite
uma compreensão mais profunda dos processos de formação
e de ensino-aprendizagem, reconhecendo as experiências
e influências que conformam a vida desse indivíduo,
caracterizando-se por ser uma abordagem que adota uma
perspectiva mais humana e subjetiva no campo da educação.
4747
47
A análise crítica de processos sociais em Tentar entender uma vida como uma série
curso mal analisados, sem o conhecimento única de acontecimentos sucessivos sem outro
do pesquisador e com sua cumplicidade, na vínculo além da associação a um “sujeito” cuja
construção desse tipo de artefato socialmente constância é sem dúvida aquela do nome
impecável que é “história da vida ”, e próprio é tão absurdo quanto tentar explicar
particularmente no privilégio concedido à a trajetória do metrô sem levar em conta a
sucessão longitudinal dos acontecimentos estrutura da rede, ou seja, a matriz de relações
que constituem a vida considerada como objetivas entre as diferentes estações. Os
história em relação ao espaço social em acontecimentos biográficos são definidos como
que os acontecimentos ocorrem, não é um muitos posicionamentos e deslocamentos no
fim em si mesma. Essa análise nos conduz a espaço social, ou seja, mais precisamente, nos
construir a noção de trajetória como uma série diferentes estados sucessivos da estrutura de
de posições sucessivamente ocupadas por um distribuição das diferentes espécies de capital
mesmo agente (ou um mesmo grupo) em um envolvidas em dado campo. (BOURDIEU, 1986).
espaço em constante construção e sujeito a
transformações incessantes.
INDICAÇÃO DE LEITURA
ARTIGO:
MAGALHÃES GOMES, Maria Laura. O ensino de aritmética na escola
nova: contribuições de dois escritos autobiográficos para a história da
educação matemática (Minas Gerais, Brasil, primeiras décadas do século
xx). Relime, Ciudad de México , v. 14, n. 3, p. 311-334, nov. 2011 .
LEITURA
48 48
3 ETNOGRAFIA DO ESPAÇO ESCOLAR
4949
49
(….) Não há como propriamente ensinar resíduo incompreensível, mas potencialmente
a fazer pesquisa de campo. Esta é uma revelador, que existe entre as categorias nativas
conclusão antiga, não só de professores apresentadas pelos informantes e a observação
bem-intencionados como de estudantes do etnógrafo, inexperiente na cultura estudada
interessados, mas atônitos. A experiência e apenas familiarizado com a literatura teórico-
de campo depende, entre outras coisas, da etnográfica da disciplina.
biografia do pesquisador, das opções teóricas
dentro da disciplina, do contexto sociohistórico As impressões de campo não são apenas
mais amplo e, não menos, das imprevisíveis recebidas pelo intelecto, mas têm impacto
situações que se configuram, no dia-a-dia, no sobre a personalidade do etnógrafo. Essas
próprio local de pesquisa entre pesquisador considerações talvez expliquem duas coisas: a
e pesquisados. Eis aí, talvez, a razão pela necessidade que os antropólogos sentem de se
qual os projetos de pesquisa de estudantes basear em uma instância empírica específica; e
de antropologia sempre esbarram no quesito o fato de que, na pesquisa de campo, é comum
metodologia, quando estes competem por constatar que a vida imita a teoria. No primeiro
recursos com colegas de outras áreas de caso, a procura do específico e do diferente
ciências sociais. (...) A despeito da confiança — onde talvez se revele aquele `resíduo’ que
na excelência de sua aparelhagem conceitual, permitirá o avanço na observação etnográfica
no seu método de pesquisa de campo e e, conseqüentemente, a possibilidade de
na sua tradição disciplinar, a antropologia refinamento teórico — passa a ser prática
não se reproduz como uma ciência normal regular dos antropólogos, que já batizaram
de paradigmas estabelecidos, mas por uma essas experiências de `incidentes reveladores’.
determinada maneira de vincular teoria- No segundo caso, trata-se da situação em
e-pesquisa, de modo a favorecer novas que o pesquisador, treinado nos aspectos
descobertas. dos mais bizarros aos mais corriqueiros da
Estas ficam sujeitas à possibilidade de que conduta humana, encontra um exemplo vivo
a pesquisa de campo possa revelar, não ao da literatura teórica a partir da qual se formou
pesquisador, mas no pesquisador, aquele (PEIRANO, 1995)
50 50
Um movimento geral é, entretanto, presumido Não é, em outras palavras, um conjunto
a partir de particularidades etnográficas e de meios processuais formais concebidos
generalidades antropológicas. (…) Eu não para satisfazerem os fins da investigação
acredito que a antropologia seja mais antropológica. Trata-se de uma prática em
anterior que à etnografia do que o contrário. seu próprio direito – uma prática de descrição
Elas são apenas diferentes. Pode ser difícil verbal. Os relatos que produz, de vida de outras
exercer ambas ao mesmo tempo, devido aos pessoas, são trabalhados acabados, não matéria-
diferentes posicionamentos que implicam, mas prima para posterior análise antropológica. Mas
maioria de nós provavelmente oscila entre elas, se a etnografia não é um meio para o fim da
como um pêndulo, no curso de nossas vidas antropologia então tampouco a antropologia
profissionais. O meu real propósito ao desafiar é serva da etnografia. Repito, a antropologia
a ideia de uma progressão unidirecional da é uma investigação sobre as condições e
etnografia para a antropologia não tem sido o possibilidades de vida humana no mundo; não
de menosprezar a etnografia ou tratá-la como é como – como tanto estudiosos em campos
uma reflexão posterior, mas sim libertá-la, de crítica literária considerariam – o estudo de
sobretudo da tirania do método. Nada tem como escrever etnografia, ou da problemática
sido mais prejudicial à etnografia do que a sua reflexiva da mudança da observação para a
representação à guisa de “método etnográfico”. descrição (INGOLD, 2015a, p.345).
Obviamente, a etnografia tem seus métodos,
mas não é um método.
5151
51
Por via do compartilhamento de experiências, conhecimentos
e perspectivas, estudantes, professores e funcionários que
compõem esse espaço têm a oportunidade de lidar com as
“diferenças” e, por consequência, a oportunidade de se colocar
no lugar do outro (aquele que é diferente).
O favorecimento do diálogo na escola, dessa forma, permite
que se construam relações mais igualitárias, fortalecendo uma
coexistência que visa o respeito e o apoio mútuo.
Vale dizer, no entanto, que, apesar de possuir o potencial de
possibilitar uma convivência multicultural, ao falar das diferenças
existe sempre a possibilidade delas produzirem conflitos, uma
vez que os conflitos são parte inerente de qualquer dinâmica
social.
A escola nesse sentido, teria um importante papel que
seria possibilitar a reflexão sobre eles transformando-os em
oportunidades de aprendizado.
Um olhar atento e a possibilidade de intervir nesse espaço
são um elementos de extrema importância para transmutar os
conflitos em processos de ensino-aprendizagem possibilitando
a construção de uma relação mais inclusiva e acolhedora entres
as partes que compõe a comunidade escolar.
Além disso, é nesse contexto que, de uma maneira geral, os
estudantes podem refletir sobre sua identidade cultural a partir
desse contraste que permeia a relação entre o “eu” e o “outro”
ou mesmo entre o “nós” e “eles”.
52 52
A interculturalidade é, cada vez mais, o termo no interculturalismo crítico busca-se suprimi-
usado para se referir a esses discursos, políticas, las por métodos políticos não violentos. A
estratégias de corte multicultural-neoliberal. assimetria social e a discriminação cultural
Seguindo Tubino (...), podemos nomear essa tornam inviável o diálogo intercultural autêntico.
interculturalidade como funcional, porque não (...) Para tornar real o diálogo, é preciso começar
questiona as regras do jogo e é perfeitamente por tornar visíveis as causas do não diálogo.
compatível com a lógica do modelo E isso passa necessariamente por um discurso
neoliberal existente. Essa interculturalidade de crítica social (…) um discurso preocupado
funcional se diferencia substantivamente da por explicitar as condições [de índole social,
interculturalidade entendida como projeto econômica, política e educativa] para que este
político, social epistêmico e ético, o que diálogo se dê (…) (WALSH, 2009, p.20-21).
denominei e ao que Tubino também se refere,
como interculturalidade crítica (...). Tubino
ajuda a esclarecer a diferença: Enquanto no
interculturalismo funcional busca-se promover
o diálogo e a tolerância sem tocar as causas
da assimetria social e cultural hoje vigentes,
5353
53
Porém, ainda que possa haver uma distinção possível entre
essas dimensões da pesquisa pensada em suas respectivas
áreas as técnicas utilizadas são as mesmas, como aponta André
(1995):
7 Lembrando que em termos antropológicos o campo pode ser algo múltiplo, nem sempre se refere a uma situação
a ser vivenciada em campo no seu sentido estrito.
54 54
Ao ser um “observador participante”, o pesquisador ou a
pesquisadora (professor ou professora), nesse caso, se situa
enquanto um membro ativo da comunidade escolar. Essa
proximidade permite muitas vezes obter informações e coletar
dados que até então seriam impossíveis sem essa vivência
profunda de uma observadora atenta. De outro lado, a abertura
de diálogo com os sujeitos proporciona que essa observação
de outrora seja comparada com as perspectivas individuais
e dos grupos que compõem o espaço escolar. Daí, termos
que operar muitas vezes na lógica do estranhamento, ou no
melhor dos termos, transformando o que nos é “familiar” em
algo “estranho”.
Assim, volto ao problema de Da Matta, para Encontramo-nos na rua, falo com alguns,
sugerir certas complicações. O que sempre cumprimento outros, há os que só reconheço
vemos e encontramos pode ser familiar mas e, evidentemente, há desconhecidos também. (…)
não é necessariamente conhecido e o que O fato é que dentro da grande metrópole,
não vemos e encontramos pode ser exótico seja Nova York, Paris ou Rio de Janeiro, há
mas, até certo ponto conhecido. No entanto, descontinuidades vigorosas entre o “mundo”
estamos sempre pressupondo familiaridades do pesquisador e outros mundos, fazendo
e exotismos como fontes de conhecimento e com que ele, mesmo sendo nova-iorquino,
desconhecimento, respectivamente. parisiense ou carioca, possa ter estranheza,
Da janela do meu apartamento veja na rua não-reconhecimento e até choque cultural
um grupo de nordestinos, trabalhadores da comparáveis à de viagens a sociedades e
construção civil, enquanto alguns metros regiões “exóticas”.
adiante conversam alguns surfistas.
(…) Assim, em princípio dispomos de um mapa
Na padaria há uma fila de empregadas que nos familiariza com os cenários e situações
domésticas, três senhoras de classe média sociais de nosso cotidiano dando nome, lugar
conversam na porta do prédio em frente; dois e posição aos indivíduos. Isso, no entanto, não
militares atravessam a rua. Não há dúvidas significa que conhecemos o ponto de vista e a
que todos esses indivíduos e grupos fazem visão de mundo de diferentes atores em uma
parte da mesma paisagem, do cenário da situação social nem as regras que estão por
rua, de modo geral estou habituado a sua detrás dessas interações, dando continuidade
familiaridade. Mas, por outro lado, o meu ao sistema. Logo, sendo pesquisador membro
conhecimento a respeito de suas vidas, hábitos, da sociedade, coloca-se, inevitavelmente, a
crenças, valores é altamente diferenciado. Não
só meu grau de familiaridade, nos termos de
55
questão de seu lugar e de suas possibilidades
de relativizá-lo ou transcendê-lo e poder “pôr-
Da Matta está longe de ser homogêneo, como o se no lugar do outro” (VELHO, 1980, p.126-127).
de conhecimento é desigual.No entanto, todos
não só fazem parte de minha sociedade, mas
são meus contemporâneos e vizinhos.
5555
55
Essa capacidade de estranhar a realidade e o exercício
imaginativo do pesquisador em contato com o espaço escolar
que o circunda permitem identificar situações, problemas
e questões ao passo que constitui uma oportunidade para
desenvolver um olhar questionador e investigativo que pode
ser utilizado no desenvolvimento das próprias práticas escolares
como seu “campo” de pesquisa.
Enquanto antropólogo e professor, lancei mão muitas vezes
de situações cotidianas dentro e fora da escola para realizar
práticas em sala de aula com o intuito, não só de favorecer o
aprendizado dos estudantes, mas também de compreender os
significados e sentidos que eles atribuíam ao conhecimento a ser
compartilhado, a vivência escolar e suas interações e o contexto
social que estava envolto nas experiências comuns
Uma dessas situações, por exemplo, foi quando propus uma
discussão acerca da temática da violência contra a mulher
e feminicídio em uma turma de terceiro ano na escola onde
trabalhava. O debate foi motivado pelo contato que tinha com os
estudantes fora da escola. Eu jogava bola com pessoas da cidade
e consequentemente alguns estudantes (homens) também faziam
parte do grupo.
Numa dada situação nesse grupo, alguns rapazes estavam
comentando uma notícia acerca de uma acusação de estupro
que havia sido realizada por uma mulher contra um jogador
de futebol.
Nas conversas, os homens mais velhos estavam achando um
absurdo essa acusação, já que ela certamente seria falsa, e,
que, nesses casos como em outras situações, deveria haver
uma reparação aos homens, ao passo que um falou: “agora,56
no Brasil, não tem uma lei João da Penha, só existe essas
leis para a proteção das mulheres”, eu, observador atento e
já achando aqueles comentários absurdos, percebi que alguns
dos estudantes que estavam ali concordavam com o que havia
sido dito respondendo: “é mesmo, deveria ter uma lei também
para esses casos”.
5656
56
Naquele contexto, eu tentei argumentar, mas fatalmente numa
lógica machista não houve argumento a ser considerado, no
entanto esse estranhamento foi uma oportunidade para que eu
pudesse levar o tema para a sala de aula, questionar os alunos
sobre o que pensavam dessa questão da violência contra mulher:
o que eles entendiam como violência? Quais os tipos de violência
existentes? Homens são mais violentos que mulheres?
Ao passo que eles iam respondendo as questões, eu ia
apresentando alguns dados e argumentos. Como parte final
dessa proposta, solicitei um trabalho sobre a Lei Maria da Penha
para turma, e para aqueles estudantes que jogavam bola comigo
eu pedi que apresentassem o trabalho deles em formato de
seminário.
Depois de avaliado os trabalhos, pude perceber um olhar mais
atento para essa temática por parte deles ao mesmo tempo que
pude compreender a concepção de outros e outras estudantes
que não tinham vivenciado aquela situação acerca do tema
proposto.
O interessante desse fato é que essa prática pedagógica não
surgiu de um planejamento prévio e elaborado como poderia ter
sido – sendo que geralmente o é, já que a temática é relevante –
mas nesse caso a discussão do tema, nessa turma em específico,
se deu em virtude dessa vivência com os estudantes.
Foi isso que me possibilitou promover e por quê não dizer
“investigar” sobre algo que permeava o cotidiano deles, ou
melhor, o “nosso” cotidiano.
Um outro trabalho que desenvolvi na escola e que ilustra um
pouco essa dimensão da prática escolar como instrumento de
57
investigação e pesquisa foi a produção de uma atividade curricular
complementar no contexto da pandemia do coronavírus, na qual
professores da área de Ciências Humanas da escola fizeram uma
proposta chamada “Trilhas da Chapada Diamantina” em que cada
professor tentava trabalhar os conteúdos dos seus componentes
com foco no território da Chapada Diamantina como também da
cidade da escola, que nesse caso era a cidade de Nova Redenção.
5757
57
Como estratégia para esse componente, criei um pequeno
ebook, com textos coletados da internet e propus algumas
atividades.
Uma dessas atividades elaboradas tinha como enfoque a
manifestação da prática cultural e religiosa do Jarê, que é
uma religião de origem africana e especificamente da Chapada
Diamantina, de modo que uma das intencionalidades de
trabalhar com essa temática, ocorre devido a um fato – por
mim estranhado – em que certo dia uma professora chegou
na escola vestida de azul e um dos funcionários da parte
administrativa elogiou o vestido dela e sinalizou que ela estava
parecida com Iemanjá.
Esse comentário fez que ela repreendesse de forma veemente
por considerar uma comparação “ofensiva”, o que se “justificaria”
pelo fato dela ser evangélica. Aproveitando o fato, outro colega,
também professor, resolveu comentar que os “batuques de
tambor tinham voltado” após um breve “sumiço” e que ele
achou que essa “zoada” tinha acabado. Seu comentário foi
seguido pela professora, que também em tom de repulsa, disse
“essa coisa tinha era que acabar mesmo”.
58
5858
58
Para a atividade que abordava o Jarê, trouxe um texto que
falava exatamente dessa manifestação religiosa na Chapada
Diamantina e sua conexão com os descendentes de escravizados
africanos que habitavam (e habitam) ali.
Como questão central, coloquei o tópico da intolerância
religiosa. Minha intenção era rastrear os discursos dos estudantes
para poder trabalhar em sala o tema de forma crítica tentando
romper com uma visão preconceituosa como a disseminada
pela professora.
Minha hipótese estava pautada no fato de que a maioria dos
estudantes da escola tinham uma vinculação com as religiões
evangélicas e que, portanto, não seria uma surpresa caso eles
assumissem uma postura similar a da dela e do outro professor,
daí os questionamentos propostos foram: Você já ouviu falar
do Jarê? O que as pessoas te dizem sobre essa religião? Você
acha correto ser intolerante com a religião do outro?
59
Fonte: Acervo próprio
5959
59
Ao mesmo tempo que proponho aos estudantes refletirem a
temática como parte de um conteúdo que foi planejado para
tal, atribuo também um sentido investigativo no qual posso
compreender melhor quais são os sentidos e os significados que
os estudantes atribuem a essa dimensão religiosa que parte
daquilo que pode constituir ou não sua identidade cultural.
As respostas que recebi, nesse caso, em sua maioria, foram no
sentido contrário da minha hipótese previamente estabelecida.
60 60
Na imagem acima, por exemplo, um estudante responde às
questões levantadas sobre o Jarê de forma bastante interessante
primeiro responde:
61
Parte desse processo de construção descritiva do contexto
escolar deve levar em consideração as dinâmicas que circundam
esse espaço. Segundo André (1995), é necessário para tal
compreender três dimensões: a institucional ou organizacional,
a instrucional ou pedagógica e a sociopolítica e cultural, que se
constituem como múltiplas inter-relações do cotidiano escolar.
6161
61
Institucional / Organizacional
» Refere-se às formas de organização do trabalho pedagógico, estru-
turas de poder e de decisão, níveis de participação dos seus agentes,
disponibilidade de recursos humanos e materiais.
» Essa dimensão envolve o contato direto com a direção da escola,
com o pessoal técnico-administrativo e com os docentes.
» Técnicas adotadas para coleta de dados podem envolver entre-
vistas individuais ou coletivas ou mesmo de conversas informais,
um estudo das representações dos atores escolares, além de um
acompanhamento das reuniões e atividades escolares. Pode envolver
também estudo das representações escolares, acompanhamento das
reuniões e atividades escolares.
Instrucional / Pedagógica
» Trata das situações que envolvem o ensino com foco na relação
professor-aluno-conhecimento.
» Nesse contexto, tem-se os objetivos e conteúdos do ensino, as
atividades e o material didático, a linguagem e outros meios de co-
municação entre professor e alunos e as formas de avaliar o ensino
e a aprendizagem.
» O direcionamento da atenção aqui está no processo de apropria-
ção ativa dos conhecimentos por parte dos alunos, na mediação
exercida pelo professor e no ambiente no qual se realiza o ensino.
Assim, nessa dimensão é importante reconhecer as formas de inte-
ração que envolvem componentes afetivos, morais, políticos, éticos,
cognitivos e sociais. Essa parte é onde leva-se em consideração a
dinâmica da sala de aula como parte constitutiva das práticas es-
colares. A investigação, nesse caso, ocorre por meio da observação
direta das situações de ensino-aprendizagem, análise tanto do ma-
terial didático utilizado pelo professor quanto do material produzido
pelos estudantes.
Sociopolítica / Cultural
» Envolve os aspectos macroestruturais que permeiam a prática edu-
cativa.
» O foco está em elementos como: o momento histórico, as forças
políticas e sociais, além das concepções e os valores presentes na
sociedade.
62 62
É importante lembrar, então, que essas dimensões não se
encontram separadas, mas interagem de forma a compor o
cenário que se apresenta nos espaços escolares. Estar atento a
esses aspectos produzirá por efeito aquilo que entende-se como
descrição densa, que se refere à capacidade que o pesquisador
e pesquisadora têm de produzir uma descrição detalhada das
situações relacionais do seu contexto de pesquisa, que, no
nosso caso, enquanto professores-pesquisadores desse cotidiano
escolar convencionalmente chamamos de “chão da escola”.
Por isso, muitas vezes, utilizamos essa experiência de base
(cotidiana) para nos colocar enquanto conhecedores dessa
vivência escolar (algo que possui extrema relevância).
6363
63
O antropólogo que apresentou essa ideia de que um trabalho
etnográfico deve ser descrito desta maneira foi Clifford Geertz
(2008).
Para ele, a descrição densa seria uma perspectiva metodológica
que permitiria a compreensão da cultura e do comportamento
humano através de um aprofundamento no contexto pesquisado
e do desenvolvimento da capacidade interpretativa do
pesquisador rompendo com o que seria simples observações
superficiais.
A cultura, desse ponto de vista, não se resumiria a um conjunto
de comportamentos ou aspectos visíveis do grupo social em que se
encontra em contato o pesquisador. De forma contrária, ela seria um
sistema composto por um conjunto complexo de significados que é
compartilhado pelos sujeitos pertencentes a um dado grupo social.
Portanto, seria função do antropólogo fazer um exercício de “leitura”
aprofundada e cuidadosa das práticas culturais como forma de captar
e identificar os símbolos e os significados implícitos. Daí reside a
importância que se atribui a uma interpretação profunda ou, como
descreve, densa dos contextos sociais.
(…) Um sentido correto do muito que existe é uma descrição densa. O que o etnógrafo
na descrição etnográfica da espécie mais enfrenta, de fato — a não ser quando
elementar — como ela é extraordinariamente (como deve fazer, naturalmente) está
“densa”. Nos escritos etnográficos acabados, seguindo as rotinas mais automatizadas
inclusive os aqui selecionados; esse fato — de coletar dados — é uma multiplicidade
de que o que chamamos de nossos dados/ de estruturas conceptuais complexas,
são realmente nossa própria construção muitas delas sobrepostas ou amarradas
das construções de outras pessoas, do que umas às outras, que são simultaneamente
elas e seus compatriotas se propõem — estranhas, irregulares e inexplícitas, e que
está obscurecido, pois a maior parte do ele tem que, de alguma forma, primeiro
que precisamos para compreender um apreender e depois apresentar. E isso é
acontecimento particular, um ritual, um verdade em todos os níveis de atividade
costume, uma ideia, ou o que quer que seja do seu trabalho de campo, mesmo o mais
está insinuado como informação de fundo rotineiro: entrevistar informantes, observar
antes da coisa em si mesma ser examinada 64
rituais, deduzir os termos de parentesco,
diretamente. (…) Nada há de errado nisso e, traçar as linhas de propriedade, fazer o
de qualquer forma, é inevitável. Todavia, isso censo doméstico... escrever seu diário.
leva à visão da pesquisa antropológica como Fazer a etnografia é como tentar ler (no
uma atividade mais observadora e menos sentido de “construir uma leitura de”) um
interpretativa do que ela realmente é. Bem manuscrito estranho, desbotado, cheio de
no fundo da base fatual, a rocha dura, se é elipses, incoerências, emendas suspeitas e
que existe uma, de todo o empreendimento, comentários tendenciosos, escrito não com
nós já estamos explicando e, o que é os sinais convencio nais do som, mas com
pior, explicando explicações.Piscadelas de exemplos transitórios de comportamento
piscadelas de piscadelas (...) O ponto a modelado (GEERTZ, 2008, p.7)
enfocar agora é somente que a etnografia
6464
64
Esse tipo de profundidade descritiva é um recurso que possui
relevância não só para trazer notoriedade ao texto, mas também
permitir que o leitor adentre ao universo contextual em que
se desenvolveu a pesquisa (e atiçado para certa curiosidade),
por isso, é preciso estar atento às problemáticas existentes em
“campo” e como eles podem ser apresentadas e aproveitadas
no relato etnográfico. Um exemplo desse contexto pode ser
visto na descrição abaixo realizada por Pereira (2017), que
trata da dificuldade na elaboração escrita pelos estudantes
para solicitação de demandas e conflitos em um dado contexto
escolar.
65 65
Desenhando e colorindo uma etnografia
8 Os desenhos são tratados na literatura antropológica geralmente como sketches, que traduzindo significa
esboço ou rascunho.
66 66
(...) desenhos e da experiência de desenhar que antropólogos
e antropólogas trouxeram essa prática para dentro de suas
reflexões profissionais, e não ao contrário. Como sabemos, ao
longo do século XX, o desenho perdeu seu protagonismo para os
equipamentos de produção de imagens como a câmera fotográfica
e a filmadora. O aprendizado da técnica vai desaparecendo dos
currículos escolares (ao menos na tradição ocidental) e seus
profissionais deixam de figurar como membros indispensáveis
de equipes de pesquisa, passando a ocupar áreas e nichos
específicos, seja em núcleos de ilustração científica, seja em
artes, arquitetura e design. Mesmo nesses campos, o meio
digital ocupou grande parte da produção do conhecimento
visual gráfico (KUSCHINIR, 2016, p. 7)
.
Meu objetivo nessa proposta de ensino foi então mostrar aos alunos
que antropologia e desenho são modos de ver e também modos
de conhecer o mundo. Colocar esses dois universos em diálogo
permite, na minha hipótese de pesquisa, um enriquecimento
mútuo — isto é, desenhar contribui positivamente para a pesquisa
antropológica, e vice-versa: pesquisar antropologicamente
contribui para desenharmos o mundo à nossa volta. Como eu
tinha um grupo de estudantes já familiarizados com etnografia,
minha tarefa inicial foi aproximá-los da prática do desenho.
Posso dizer que o que era apenas a minha pesquisa se tornou
um projeto de investigação (e diversão!) coletiva. Seria impossível
narrar aqui tudo o que desenvolvemos nas sessenta horas de
curso e nas muitas horas gastas nos trabalhos de campo. Escolhi,
portanto, apresentar apenas algumas aulas-chave como exemplos
etnográficos da investigação (KUSCHNIR, 2014, p.28.)(p.66.)
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Nesse ponto, gostaria de retomar o trabalho citado na
seção anterior das “Trilhas da Chapada Diamantina” na qual
desenvolvi uma atividade que estava relacionada à caracterização
sociocultural do território e cujo enfoque dado foi o aspecto
das construções das cidades da Chapada Diamantina.
O interesse por essa temática se deu por conta de, um dia, o
dono da casa em que eu morava ter ido resolver um problema
da casa e começou a me contar como ela tinha sido feita,
as mudanças estruturais efetuadas ao longo do tempo e que,
apesar de não aparentar, a casa era toda de adobe (que são
tijolos de terra).
Isso gerou uma conexão exatamente com o fato de que a
forma e como as casas da cidade no geral tinham sido feitas
seria expressão de uma característica cultural local que poderia
ser bastante relevante para ser trabalhada em sala de aula, já
que é de conhecimento comum que a Chapada Diamantina
é reconhecida pelas suas belezas naturais, mas também pela
peculiaridade arquitetônica de algumas das cidades que
compõem esse território, e, apesar da cidade de Nova Redenção
não ser uma cidade por excelência turística, também carregava
essa história.
Nessa atividade eu apresentei brevemente o conceito de
arquitetura vernacular que refere-se às construções que são
feitas com materiais locais e que são construídas de forma
específica adequada ao ambiente em que será realizada e
realizei, apresentei algumas fotos com construções de pedra,
adobe e pau-a-pique e fiz o seguinte questionamento:
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Pergunte a alguém que você conhece, se ele sabe o que são
essas construções e se sabem com construí-las, aproveite e
faça um desenho que represente uma construção de pau-a-
pique, adobe ou pedra.
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Imagem 9: Atividade Arquitetura Vernacular
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Imagem 10: Atividade Arquitetura Vernacular
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Imagem 11: Atividade Arquitetura Vernacular
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As atividades então geraram relatos interessantes sobre o fato
de familiares próximos, como pais ou mães, terem nascidos
e criados em casas com as características de arquitetura
vernacular, como também o fato desses familiares carregarem
consigo esse saber de como construir sua casa com os materiais
locais existentes.
Nesse caso, os desenhos representam e complementam esses
relatos. Uns dos relatos interessantes que estão nas imagens
acima foram:
Relato 1: “Eu procurei meu pai e ele me falou que sabe o que
é a construção de adobe, pau-a-pique e de pedra e também
me falou que morava em uma delas que é a casa de adobe e
quem construía a casa era o pai dele e para isso eles faziam
os adobes e depois o alicerce depois levantava um barraco com
uma porta e um janela e era o barraco com eternit ou telha e
o barraco estava pronto.”
Relato 2: “O relato de como se constrói uma casa de pau-a-
pique veio da minha mãe, o primeiro passo era a colocação
das varetas retas fixadas no solo e colocadas na vertical e
na horizontal bem próximas, que são amarradas entre cipós
que vai dando origem a um painel que será preenchido com
o barro pisado que dá origem as paredes (sic) e por fim se
faz a estrutura do telhado que é feita normalmente com as
peças de madeiras e as telhas ou como era feito antigamente
a colocação de palhas.”
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Nessa atividade, eu trouxe a reflexão sobre a questão do habitar
o mundo e a forma de construí-lo, desenvolvi uma atividade
de aquecimento prático de desenho em que incentivava os
estudantes a explorar as linhas, as formas e as texturas por
meio do lápis, e, por fim, realizei uma atividade de duas etapas
denominada “Olhar Arquitetônico”, que seria um forma de
instigar o olhar desses estudantes para os espaços da cidade,
em que eles, a partir do olhar, teriam que realizar desenhos
do tipo croqui: primeiro um desenho de um espaço da escola,
depois um desenho da rua.
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Imagem 14: Atividade Olhar Arquitetônico
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Essa atividade então fomentava um treino do olhar, ou seja,
a observação, mas também a descrição, assim questionava a
partir dos elementos que estavam no desenho:
Por que isso? Por que não aquilo?
Será que não está faltando algo?
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Que interessante esse detalhe!
Sendo que, muitas vezes, eu nem precisei intervir, já que
eles já vinham me mostrando desenho e falando: “professor,
eu escolhi esse local porque eu achei interessante aí aqui eu
estava sentado e tentei retratar isso ou aquilo”.
Então, o desenho era uma boa “desculpa” para problematizar
o espaço, território, desigualdades, o mundo que nós vivíamos,
e porque não de um aprendizado mútuo.
Todos esses relatos que trago aqui das atividades desenvolvidas
foram e são documentações de práticas escolares que desenvolvi
como parte de um exercício de “imaginação sociológica” –
ou, como coloca Paulo Freire (1996), de uma “curiosidade
epistemológica” – que perpassa o meu cotidiano escolar, já que,
enquanto professor, nunca abdiquei da posição de pesquisador,
e, talvez por isso meus interesses como antropólogo têm me
orientado enquanto docente.
Embora eu não tenha conseguido realizar nenhuma
publicação científica ou educacional dessas experiências
aqui listadas, esses registros e documentação das atividades
foram feitas exatamente como parte desse exercício reflexão
antropológica e de investigação etnográfica dos contextos
em que atuo, ou seja, é possível através disso acessar com
uma maior profundidade determinadas questões e por vezes
aumentar qualitativamente o vínculo com os e as estudantes
e o entorno escolar, já que demonstrar interesse na vida que
nos circunda pode nos propiciar coletivamente outros pontos
de vistas.
A ideia de compartilhar aqui um pouco dos conhecimentos
antropológicos, metodológicos, etnográficos e de experiência 75
escolar – ainda que de forma sintética, por isso sugiro fortemente
um esforço para acessar as referências aqui elencadas – pode
servir como um bom impulso para que a gente possa pensar
o espaço escolar na sua multiplicidade que por fim nos leva
a seguinte questão: será a escola o único espaço escolar?
Aproveitem esta reflexão.
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REFERÊNCIAS
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uma experiência didática e de pesquisa. Cadernos de Arte e
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ATÉ A
PRÓXIM A
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