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ETNOGRAFIA DO ESPAÇO

ESCOLAR

Daniel Pereira Rocha

Revisão de Português: Marcos Paulo Lopes Pessoa


Diagramação: Marcela Pitombo
Projeto Gráfico: Maurício Freire e Marcela Pitombo
Elementos gráficos e artes autorais: Marcela Pitombo

UNIDADE ACADÊMICA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

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1
SUMÁRIO

Sobre o Autor 3

1. O que a antropologia tem a dizer sobre/para a educação? 4


1. O processo de socialização e educação: conhecer o mundo é 5
percorrer caminhos?
2. As noções antropológicas de alteridade e diversidade 8
4. Desigualdade e equidade 15
5. Desenhando e colorindo uma etnografia 20

2. Métodos e técnicas de pesquisa em educação 24


1. As distinções entre métodos e técnicas de pesquisa 28
2. Técnicas de pesquisa em Educação 29
i. Estudo de caso 29
ii. Pesquisa-ação 34
iii. Pesquisa de desenvolvimento (design-based research) 40
iv. Relatos (auto)biográficos 45

3. Etnografia do espaço escolar 49

1. Estranhando o familiar: o cotidiano escolar 51


2. Por uma descrição densa do “chão da escola” 61
3. Desenhando e colorindo uma etnografia 67

Referências
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22
2
Sobre o Autor
Daniel Pereira Rocha

Professor de Sociologia da Secretaria de Educação do Estado da


Bahia (SEC/BA); Doutorando em Estudos Étnicos e Africanos pela
Universidade Federal da Bahia (2021); Mestre em Ciências Sociais
pela Universidade Federal da Bahia (2016);
Especialista em Práticas Assertivas de Educação Integrada à EJA
pelo Instituto Federal do Rio Grande do Norte (2020); Bacharel
em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo da
Bahia (2014).

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1 O QUE A ANTROPOLOGIA TEM A DIZER SOBRE/
PARA A EDUCAÇÃO ?

No seu sentido mais básico, a antropologia, como aponta sua


própria etimologia, é o estudo do homem (anthropos: homem;
logia: estudo; razão), no entanto, esta definição é limitada, já
que, se fôssemos pensar em outras ciências como história,
psicologia, medicina etc., estas também estudam o homem. Daí
a pergunta: o que de fato a antropologia estuda? Pode-se dizer
que a antropologia estuda o homem em face das suas relações.
Esta seria uma boa definição geral do que é a antropologia. Neste
sentido, ao falarmos de antropologia poderíamos falar de relações
biológicas, materiais, sociais e culturais.
É por isto que muitas vezes a antropologia é apresentada
de forma subdividida. Se pegarmos as “relações” anteriores
teríamos a conformação da Antropologia Física ou Biológica
que estuda as relações do homem com a natureza (biologia);
Arqueologia que estuda os vestígios materiais humanos como
forma de compreender sistemas sociais que deixaram de existir;
Antropologia Social e Cultural que estuda o homem e suas relações
tendo em vista a sociedade e a cultura.
Mas falar de antropologia não é só falar de relações, existe
um outro conceito que atravessa as discussões antropológicas
que é a noção de diferença. Isto porque de algum modo falar
de relações é falar de diferenças, ou seja, se eu quero entender
relações do homem com a natureza eu tenho que entender as
diferentes formas pelas quais se processam esta relação. Daí
a antropologia ser entendida não somente como estudo das
relações, mas também como estudo das diferenças.
No caso específico das Ciências Sociais, teríamos como campo
privilegiado de estudo a Antropologia Social e Cultural que visa
estudar o homem e suas diferenças sociais e culturais. Mas qual
seria a importância do estudo antropológico para entender o
fenômeno da educação?

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De uma forma geral, na nossa sociedade, a educação se
apresenta no seu âmbito formal por meio da existência da
escola, do professor, do aluno, cujo processo de aprendizagem
está submetido às formulações teóricas sobre a educação –
a Pedagogia – que postula formas de ensinar a saber. Como
aponta Brandão (1981), contudo, a educação seria um elemento
propriamente humano cuja expressão não reside unicamente
no ambiente escolar manifestando-se de forma diferente em
cada sociedade. No seu sentido mais amplo, a educação seria o
processo de transferências de saberes cuja manifestação ocorre
no seio da vida social nos permitindo experienciar aquilo que são
situações de aprendizagem.
Assim, para além do âmbito da formalidade que a educação
adquire na nossa sociedade, existem outras formas de aprendizado
face às diferentes relações sociais, ou seja, nem todas sociedades
possuem o mesmo processo de aprendizagem. Se nem todas
sociedades possuem aquilo que chamamos de educação, como
podemos enxergar estes outros processos de aprendizagem?
É aí que entra a antropologia, já que sendo a ciência que estuda
as diferenças, neste caso as diferentes sociedades e culturas, ela
pode fornecer algumas reflexões sobre como ocorre o processo
de aprendizagem e suas diferenças.

O processo de socialização e educação: conhecer o


mundo é percorrer caminhos?

Se cada sociedade tem a educação que precisa, como pensar


as múltiplas formas de aprendizado? 5
Se trouxéssemos à tona a reflexão do antropólogo Ingold
(2015b), veremos que ele enxerga duas formas pela qual
pode-se atribuir sentido à educação partindo da ideia de que
apreender o mundo é percorrer um caminho.

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5
Sugiro que essas alternativas correspondem a dois sentidos bem
diferentes de educação (…). O primeiro é bastante familiar para
nós, que sentamos em salas de aula no papel de alunos, ou que
nos colocamos à frente da classe para ensinar. Este é o sentido
do verbo latim [sic] educare: criar, cultivar, inculcar um padrão
de conduta aprovado juntamente com o conhecimento que o
sustenta. Há, contudo, uma variante etimológica que relaciona o
termo a educere, ou seja ex (fora) + ducere (levar). Nesse sentido,
educar é levar os noviços para o mundo lá fora, ao invés de – como
é convencional hoje – inculcar o conhecimento dentro das suas
mentes. Significa, literalmente, convidar o aprendiz para dar uma
volta lá fora. Que tipo de educação é essa, que se dá durante o
caminhar? E o que faz da caminhada uma prática tão eficaz para
a educação, concebida nesse segundo sentido? (INGOLD, 2015b,
p. 23).

A distinção que faz é entre o labirinto e o dédalo. O labirinto


seria esta forma aberta que nos impele à descoberta. No caminho
labiríntico, não há um fim como pressuposição, sempre haverá
algo que não conheço, “no caminhar pelo labirinto (…) escolher
não é uma questão. O caminho leva, e o caminhante deve ir para
onde quer que ele o leve. Mas o caminho nem sempre é fácil de
seguir.” (INGOLD, 2015b, p.25), o objetivo é não sair da “trilha”.
Já o dédalo remete ao caminho conhecido e cerceado,
é o mundo “fechado”. No dédalo queremos chegar a algum
fim, um local, um ponto, há sempre uma referência que nos
aponta para qual lado ir, seria o nosso caminho para algo.

Para o consumidor e trabalhador urbano, portanto, as ruas são


menos um labirinto que um dédalo. Tecnicamente falando, o
dédalo difere do labirinto por oferecer não um único caminho mas
múltiplas escolhas, entre as quais a opção é feita livremente mas
que, em sua maioria, levam ao fim da linha (KERN apud INGOLD,
2015b, p.25).

Enquanto o dédalo remete às intencionalidades daquele que


percorre o caminho, uma ausência de mundo, uma projeção para
onde se deve ir, feito a escolha delineia-se o caminho. Logo, “(…) no
dédalo, o molde da ação exterior segue o molde do pensamento
interior” (INGOLD, 2015b, p. 26).

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Já no labirinto o objetivo é seguir o caminho, a ação e percepção
devem estar conectadas para seguir a trilha, seguir o caminho
neste caso é mais atencional que intencional.
Daí reside as duas formas ou dois sentidos da educação
proposta pelo Ingold. De um lado, teríamos o dédalo com seu
processo de inculcar, trazer para dentro às regras e representações,
“‘os mundos intencionais’ de uma cultura” (INGOLD, 2015b, p. 27). De
outro lado, teríamos o labirinto colocando em voga a exterioridade,
a relação entre o aprendiz e a experiência no mundo.
A problemática levantada por ele reside no fato de que se
nossa educação é um processo de inculcação cujo processo de
conhecimento se dá através de representações – o dédalo. Nosso
mundo torna-se limitado já que, mesmo com estas construções,
estas tentativas de reter o mundo, ele se esvai. Como, então, escapar
do dédalo? Para Ingold devemos tentar percorre o labirinto ainda
que na nossa socialização sempre tenhamos um pé no dédalo.
Pensar a educação como o labirinto é um devir, é um
processo constante de imaginação, de construir começos, é trazer
a vida para o centro da reflexão. Sendo a vida gestada a partir das
nossas relações sociais, poderíamos pensar em outras “escolas”,
em outras educações e em outros aprendizados.

Não devemos, é claro, confundir escola nesse sentido com a


instituição familiar às sociedades ocidentais conhecida pelo
mesmo nome. Pois em sua história institucional, a escola tem se
dedicado a conter a imaginação, a convertê-la numa capacidade
de representar fins antes sua consecução. O propósito da
instituição tem sido, em larga medida, destinar o tempo, e não
des-destiná-lo; completar a inculcação, nas mentes dos alunos,
e não desembaraçá-lo (INGOLD, 2015b, p.32).

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Se a educação pode ser labiríntica, como podemos realizar a partir
de outras experiências ou de nossas próprias uma aprendizagem
que possa ser múltipla?
Como sair do dédalo e entrar no labirinto?

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7
As noções antropológicas de alteridade
e diversidade

A construção do pensamento antropológico remonta ao


período em que as sociedades europeias empreenderam a
política colonialista que produziu, a partir do século XVI, aquilo
que conhecemos como colonialismo. Não obstante, parte
do processo colonial produziu por efeito a proximidade dos
europeus com outros grupos sociais.
Apesar do caráter violento da empreitada colonial era
necessário conhecer melhor esses indivíduos aos quais se
ensejava dominar.
O contato com a diferença (ou com o diferente)
possibilitou uma reflexão que está no cerne da própria definição
da antropologia (como citado anteriormente) juntamente com
ela está a ideia de alteridade.
Embora seja um conceito um tanto quanto emblemático e às
vezes inacessível, é fácil compreender. Ao falar de alteridade é
só lembrar quando em literatura a professora citava a existência
de um tal de alter ego.
Nessa expressão o alter seria precisamente o “outro” e o ego
o “eu”, assim, traduzindo, alter ego seria “outro eu”.
De modo que, se pensarmos por essa lógica ao falarmos de
alteridade, estaríamos, então, falando da reflexão sobre “os
outros”. Mas quem seriam esses outros? Precisamente aqueles
diferentes de nós.
Por isso, uma outra noção fundamental em antropologia
é o conceito de diversidade, uma vez que ao nos referirmos a
antropologia estamos nos referindo precisamente ao estudo das
diferenças entre as sociedades humanas. E a noção chave que
permite pensar esses outros e essas diferenças seria precisamente
a noção e o conceito de cultura.

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Que devemos entender por culturas o russo, o francês e o inglês), línguas de
diferentes? Algumas parecem sê-lo, mas, se origens diversas, mas faladas em territórios
emergem de um tronco comum, não diferem contíguos, desenvolvem características
da mesma forma que duas sociedades que em comuns;por exemplo, o russo diferenciou-
nenhum momento do seu desenvolvimento se, sob determinados aspectos, de outras
mantiveram quaisquer relações. Assim o línguas eslavas para se aproximar, pelo
antigo império dos Incas, no Peru, e o do menos por determinados traços fonéticos,
Daomé, na África, diferem entre si de maneira pelo menos
mais absoluta do que, por exemplo, a Inglaterra por determinados traços fonéticos, das
e os Estados Unidos de hoje, se bem que estas línguas ugro-finlandesas e turcas faladas
duas sociedades devam também ser tratadas na sua imediata vizinhança geográfica. […]
como sociedades distintas. Inversamente, Com efeito, o problema da diversidade não
sociedades que muito recentemente se põe apenas a propósito das culturas
estabeleceram um contato muito intimo, encaradas nas suas relações recíprocas,
parecem oferecer a imagem de uma e mesma existe no seio de cada sociedade, em
civilização, ainda que a tenham atingido por todos os grupos que a constituem: classes,
caminhos diferentes, que não temos o direito meios profissionais ou confessionais, etc.,
de negligenciar. desenvolvem determinadas diferenças às
Operam simultaneamente, nas quais cada uma delas atribui uma extrema
sociedades humanas, forças que atuam importância.
em direções opostas, umas tendendo para Podemos perguntar-nos se esta diversificação
a manutenção e mesmo para a acentuação interna não tende a aumentar quando a
dos particularismos, outras agindo no sociedade se torna, sob outras relações,
sentido da convergência e da afinidade. mais volumosa e mais homogênea; esse
O estudo da linguagem oferece exemplos foi talvez o caso da Índia antiga, com o seu
surpreendentes de tais fenômenos. sistema de castas a desenvolver-se após o
Assim, ao mesmo tempo que as línguas estabelecimento da hegemonia ariana. (LÉVI-
da mesma origem têm tendência para se STRAUSS, 1976, p. 2-3)
diferenciarem umas das outras (tais como

O conceito de antropológico de cultura engloba sempre duas


dimensões: uma universal e outra particular. Pode-se dizer que
a cultura é universal pois não existe ser humano sem cultura, no
entanto, apesar de todo ser humano possuir isto que chamamos
de cultura, nem todos possuem a mesma cultura. Por isso, ao
tratarmos de cultura em antropologia é sempre como “culturas”
(no plural).
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Dessa forma, ao pensarmos em termos de culturas plurais temos
a possibilidade de dissolver determinadas hierarquias que seriam
a chave para produção de um pensamento racista quanto colonial.
O fato é que a tendência a pensar a cultura de forma plural vez
ou outra esbarra na propensão que temos em considerar a nossa
cultura como a “correta” ou a “melhor” o que chamamos, então,
de etnocentrismo. Observe o seguinte relato:

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9
Roger Keesing em seu manual New Perspectives in Cultural
Anthropology começa com uma parábola que aconteceu ser
verdadeira: “Uma jovem da Bulgária ofereceu um jantar para
os estudantes americanos, colegas de seu marido, e entre eles
foi convidado um jovem asiático. Após os convidados terem
terminado os seus pratos, a anfitriã perguntou quem gostaria de
repetir, pois uma anfitriã búlgara que deixasse os seus convidados
se retirarem famintos estaria desgraçada. O estudante asiático
aceitou um segundo prato, e um terceiro — enquanto a anfitriã
ansiosamente preparava mais comida na cozinha. Finalmente, no
meio de seu quarto prato o estudante caiu ao solo, convencido
de que agiu melhor do que insultar a anfitriã pela recusa da
comida que lhe era oferecida, conforme o costume de seu país.”
Esta parábola, acrescenta Keesing, reflete a condição humana.
(LARAIA, 1994, p.74)

Ainda segundo Laraia, o etnocentrismo seria

um fenômeno universal. É comum a crença de que a própria


sociedade é o centro da humanidade, ou mesmo a sua única
expressão. As autodenominações de diferentes grupos refletem
este ponto de vista. Os Cheyene, índios das planícies norte-
americanas, se autodenominavam “os entes humanos”; os
Akuáwa, grupo Tupi do Sul do Pará, consideram-se “os homens”; os
esquimós também se denominam “os homens”; da mesma forma
que os Navajo se intitulavam “o povo”. Os australianos chamavam
as roupas de “peles de fantasmas”, pois não acreditavam que
os ingleses fossem parte da humanidade; e os nossos Xavante
acreditam que o seu território tribal está situado bem no centro
do mundo. É comum assim a crença no povo eleito, predestinado
por seres sobrenaturais para ser superior aos demais. Tais crenças
contêm o germe do racismo, da intolerância, e, frequentemente,
são utilizadas para justificar a violência praticada contra os outros
(LARAIA, 1994, p.75)

Parte da empreitada antropológica tendo em vista esse entrave


do etnocentrismo utiliza como recurso para superá-lo aquilo que
chamamos de processo de relativização ou mesmo de relativismo
cultural.
Este, por sua vez, seria uma forma de se posicionar diante das
diferenças levando em consideração que cada cultura só pode ser
avaliada segundo o seu contexto de existência, ou seja, nos seus
próprios termos.

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O interessante de pensar no relativismo é que ele é utilizado
para superar visões preconceituosas acerca de sociedades
diferentes, no entanto, se o tomarmos como absoluto estaríamos
fazendo exatamente o contrário, muitas vezes aceitando posições
preconceituosas, sexistas, racistas.
Por isso mesmo, até o relativismo deve ser relativizado (ou
seja, deve ser utilizado em determinados contextos e nunca
universalmente). Isso fica bem claro naquilo que o filósofo Karl
Popper chamou de paradoxo da tolerância (a tolerância neste
caso seria tomada como referência ao relativismo).

Figura 1: Paradoxo da Intolerância

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Fonte: Reddit

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11
Como forma de propor a compreensão sobre algumas noções
referentes a diferença e cultura, apresente o primeiro vídeo da
1
série Índios no Brasil (disponível no Youtube®), e, logo após,
apresente as seguintes questões aos estudantes:

Você sabe o que são estereótipos?

Como é construída as representações dos indígena na


escola e na televisão?

Existem diferenças entre os indígenas ?

Aponte algo que você achou interessante no vídeo.

Figura 2: Vídeo: Índios no Brasil

Fonte: Youtube / Vídeo nas Aldeias

1 Link para o vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=SAM7IazyQc4

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Marcadores sociais da diferença e dispositivos de diferenciação

Pensar a educação a partir de uma perspectiva antropológica é desde


já lançar mão desses recursos para compreender determinados contextos
sociais. Daí, podermos dizer que compreender a diferença é também
ser capaz de reconhecer determinados marcadores assim como os
dispositivos que promovem essa diferenciação.
O espaço escolar é um ambiente atravessado pelos marcadores
sociais e propício para o surgimento de novos dispositivos de diferenciação
que surgem ou são acessados a partir das interações nesse contexto.
Se tomarmos como referência Louro (2002) pode-se dizer que:

Vê-se o que se mostra, o que aparece; e ao que se vê se atribui significados.


Pele, pêlos, seios, olhos são significados culturalmente. Muitos são os
significados atribuídos ao formato dos olhos ou da boca; à cor da pele;
à presença da vagina ou do pênis; ao tamanho das mãos e à redondeza
das ancas. Significados que não são sempre os mesmos — os grupos e as
culturas divergem sobre as formas adequadas e legítimas de interpretar ou
de ler tais características. Alguns desses aspectos podem ser considerados
extremamente relevantes (para alguns grupos) e, então, podem vir a se
constituir em marcas definidoras dos sujeitos — marcas de raça, de gênero,
de etnia, de classe ou de nacionalidade, decisivas para dizer do lugar social
de cada um. Para outros grupos, as mesmas marcas podem ser irrelevantes
e sem validade em seu sistema classificatório. De qualquer modo, há que
admitir que, no interior de uma cultura, há marcas que valem mais e marcas
que valem menos. Possuir (ou não possuir) uma marca valorizada permite
antecipar as possibilidades e os limites de um sujeito; em outras palavras,
pode servir para dizer até onde alguém pode ir, no contexto de uma cultura.
(LOURO, 2002, p.1)

Assim, é no contexto escolar que determinados preconceitos


podem ser reforçados ou superados. A educação, por excelência,
constitui-se como uma forma de relação que influencia nesse13
processo uma vez que é através da interação existente entre
professora – aluna, aluna – aluna, aluna – família, e do próprio
ensino-aprendizagem (ou seja, dessa pluralidade de relações)
que vamos detectar isso que anteriormente chamamos de
dispositivos de diferenciação.
A forma de falar, de se vestir, de brincar, de participar, de não-
participar, de responder, de silenciar, de gritar, de tocar que

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vamos entendendo como aquele determinado estudante
reproduz ou rompe com as expectativas sociais que estão
implicadas nele através dos marcadores sociais que carrega.
Nossa tentativa enquanto educadores e educadoras seria,
então, assumir um papel de transformação de determinadas
expectativas sociais uma vez que determinados marcadores
sociais carregam consigo o peso estrutural das diferentes
formas de opressão: como o machismo e a misogina, a
lgbtfobia, o racismo, a transfobia, a gordofobia e a aporofobia,
entre outros. Pelo menos é essa a tentativa que nós devemos
assumir enquanto educadores e educadoras nos variados
espaços educacionais que transitamos, rompendo com aquilo
que Kabengele Munanga (2005) nomeia de piedade educacional
ou “política de avestruz”.

Partindo da tomada de consciência Na maioria dos casos, praticam


dessa realidade, sabemos que nossos a política do avestruz ou sentem pena
instrumentos de trabalho na escola e na dos “coitadinhos”, em vez de uma
sala de aula, isto é, os livros e outros atitude responsável que consistiria, por
materiais didáticos visuais e audiovisuais uma lado, em mostrar que a diversidade
carregam o mesmo conteúdo viciados, não constitui fator de superioridade e
depreciativos e preconceituosos em inferioridade entre os grupos humanos,
relação aos povos e culturas que não mas sim, ao contrário, um fator de
oriundos do mundo ocidental. Os mesmos complementaridade e de enriquecimento
preconceitos permeiam também o da humanidade em geral; e por outro
cotidiano das relações sociais de alunos lado, em ajudar o aluno a discriminado
entre si e de alunos com professores para que ele possa assumir com orgulho
no espaço escolar. No entanto, alguns e dignidade os atributos da sua diferença,
professores, por falta de preparo ou por sobretudo quando esta foi negativamente
preconceitos nele introjetados, não sabem introjetada em detrimento de sua própria
lançar mão das situações flagrantes de natureza humana. (MUNANGA, 2005, p.15)
discriminação no espaço escolar e na sala
como momento pedagógico privilegiado
para discutir a diversidade e conscientizar
seus alunos sobre a importância e a
riqueza que ela traz à nossa cultura e à
nossa identidade nacional.

Essa lógica preconceituosa e discriminatória, então, muitas


vezes permeia o espaço escolar produzindo, por consequência
dessas características marcadoras, um processo que muitas
vezes leva a reprodução das estruturas excludentes e opressoras
no contexto educacional. Então, podemos nos perguntar: a
desigualdade é um problema da escola ou que aparece na
escola?
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Desigualdade e equidade

Pensar a desigualdade em contexto escolar muitas vezes nos


leva a romper com uma certa idealização e expectativas positivas
acerca do processo educacional. Como aponta Rosistolato (2012),
a análise da educação a partir das ditas teorias da reprodução
(desenvolvida notadamente por sociólogos franceses) levou a um2
certo deslocamento da perspectiva transformadora do espaço
escolar para a compreensão dos processos de reprodução que
por efeito a escola possui.
Essas teorias compuseram parte das teorias dominantes da
Sociologia da Educação (pelo menos na segunda metade do século
XX), cuja ideia central era que a escola reproduziria as diferenças
sociais (de classe) nos espaços de educação formal.
Assim, os sistemas educacionais reproduziram de forma
subjacente a cultura da classe dominante favorecendo os filhos
oriundos dessas classes sociais e excluindo estudantes oriundos
das classes sociais menos favorecidas.
Daí, esses últimos apresentarem dificuldades de aprendizagem
acerca dos conteúdos ofertados no currículo escolar gerando
uma insatisfação latente que por resultado provocaria o seu
afastamento e desistência dos processos formais de escolarização.
Rosistolato (2012) aponta, por exemplo, um estudo realizado nos
Estados Unidos:

Resultado de uma pesquisa quantitativa financiada pelo


governo americano, o relatório Coleman foi o que se classifica no
imaginário popular como um “banho de água fria” nas expectativas
relacionadas ao poder dos sistemas educacionais no combate às
desigualdades educacionais e sociais. Coleman construiu uma
amostra representativa dos Estados Unidos e desejava conferir
se escolas equipadas com todos os recursos considerados
necessários à prática educativa poderiam reduzir as discrepâncias
da aprendizagem entre crianças oriundas de diferentes classes
sociais.

2 Cujo autores mais conhecidos em termos de análises sociológicas desenvolvidas são: Louis Althusser,
Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron.
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As análises de Coleman indicaram que as diferenças de
aprendizagem não estavam relacionadas às estruturas das escolas,
mas sim às desigualdades socioeconômicas de origem. Por isso, o
relatório afirmava, categoricamente: “a escola não faz a diferença!”
(ROSISTOLATO, 2012, p. 18-20).

Dessa forma, a escola assumiria um papel excludente ao dar


continuidade à perpetuação das desigualdades existentes,
deixando de cumprir seu papel relacionado à democratização dos
diversos saberes e conhecimentos existentes na sociedade, ou
seja a promoção da igualdade como valor e, por consequência, o
fomento da justiça social e formas de equidade.
Apesar das teorias reprodutivistas trazerem elementos
importantes para refletir o papel da escola a partir de uma
perspectiva sistêmica (institucional), um elemento importante é
deixado de lado nessa questão e vai permitir que alguns teóricos
façam a crítica em relação a essa perspectiva tentando entender
como, para além do aspecto socioeconômico, a escola pode exercer
seu potencial transformador.
Essa é a crítica que Munanga (2005) faz, por exemplo, ao
discutir a questão da superação do preconceito racial na escola
trazendo outras referências e elementos que podem e devem ser
aproveitados no contexto escolar para que a escola seja não um
espaço reforçador (reprodutor) da desigualdade, mas sim, um local
de superação dessas estruturas desiguais.

Sem minimizar o impacto da situação Como escreveu o historiador Joseph


sócio-econômica dos pais dos alunos no Kizerbo, um povo sem história é como um
processo de aprendizagem, deveríamos indivíduo sem memória, um eterno errante.
aceitar que a questão da memória coletiva, Como poderia ele então aprender com
da história, da cultura e da identidade dos facilidade? As consequências de tudo isso na
alunos afro-descendentes, apagadas do estrutura psíquica dos indivíduos negros são
sistema educativo baseado no modelo incomensuráveis por falta de ferramentas
eurocêntrico, oferece parcialmente a apropriadas. Mas elas existem certamente
explicação desse elevado índice de e devem, como mostra bem Frantz Fanon
repetência e evasão escolares. Todos, ou pelo no seu livro Pele Negras, Máscaras Brancas,
menos os educadores conscientes, sabem prejudicar o sucesso escolar do aluno negro e
que a história da população negra quando é de outros submetidos ao mesmo tratamento.
contada no livro didático é apresentada do (MUNANGA, 2005, p.16)
ponto de vista do “Outro” e seguindo uma
ótica humilhante e pouco humana.

16 16
Nesse caso, para compreendermos melhor esse fenômeno seria
necessário entender como de fato se constituem as práticas
escolares, o acesso aos variados grupos que compõem a sociedade
e como eles se apresentam nas escolas, além das formas de
transmissão de conhecimentos e saberes no contexto escolar.

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“Minha autobiografia educacional”

Essa é uma atividade sugerida por Rosistolato (2012) que


permite identificar regularidades que perpassam as trajetórias
individuais dos estudantes.
Nessa atividade, sugere-se ao aluno que escreva um texto com
o título “Minha autobiografia educacional”, mas sem identificação.
Assim, pede-se para que eles escrevam sobre os seguintes
tópicos: como foi o seu- percurso escolar até agora?
O que o motivou ou o motiva a estar na escola? Como são
as relações dentro e fora da escola?
Depois que cada estudante tiver finalizado o texto, estes
devem ser trocados com outros colegas e lidos em voz alta.
Ao final, pergunta-se aos estudantes as semelhanças e as
diferenças entre as narrativas individuais, e reflete-se sobre
como cada história individual contém um elemento que advém
do coletivo, ou seja, do social e como cada história dessa pode
ser ou poderiam estar conectadas.
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“Lutas Simbólicas”

Figura 3: Imagem de Divulgação “Lutas Simbólicas”

Fonte: Twitter / @LutasSimbólicas

O jogo “Lutas Simbólicas” é um jogo de cartas que tem como


inspirações as reflexões do sociólogo Pierre Bourdieu.
O jogo consiste na disputa entre os participantes para
acumular os diversos capitais existentes (os capitais-simbólicos)
na sociedade com o intuito de com esses capitais os jogadores
possam acumular prestígio social.

Clique nos links abaixo para acessar:

Jogo Digital - Tabletopia:

Jogo para Impressão:

https://drive.google.com/file/d/1NAEYF86555S-kkUrTa-HK02HgByxI8Om/view

Regras do Jogo:
https://www.lutassimbolicas.com/_files/ugd/e6eede_
e1b0f4af85c142f3a577f42657dc2903.pdf

Explicação de como jogar no Tabletopia


https://www.youtube.com/watch?app=desktop&v=xU0pgkiSd00

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Rituais e processos de ensino-aprendizagem

Um aprofundamento da contextualização do espaço


escolar nesse sentido carece de uma investigação acerca
dessas práticas e, por consequência, dos atores que estão
envolvidos nos processos educativos (gestores, professores e
estudantes). Levar isso em conta permite que sejam abertas
novas possibilidades de análise.
É aí que entra a antropologia/etnografia como forma de
compreensão daquilo que são os rituais que marcam os processos
de ensino-aprendizagem.
Rosistolato (2012) cita, por exemplo, o trabalho etnográfico
desenvolvido pelo antropólogo e sociólogo britânico Paul Willis3
acerca da resistência de jovens britânicos oriundos do meio
operário à ação cultural desenvolvida nas escolas no qual é
possível ter uma noção em que medida existem diferentes visões
acerca do processo de formação escolar.

Os currículos, as disciplinas, as aulas e todo o Paul Willis percebeu que os estudantes estavam
cotidiano da escola pretendiam formar os jovens negando a cultura oferecida pela escola porque
para que eles incorporassem saberes que nunca defendiam a sua cultura de classe. Mas esta defesa
fizeram parte da história da vida de seus familiares. guardava uma contradição: ao mesmo tempo em
Ao mesmo tempo, impediam que os estudantes que resistiam aos saberes escolares e defendiam
apresentassem os saberes não escolares que a sua cultura, reproduziam suas posições sociais
orientaram seus antepassados na formação para e acatavam ao “seu” destino social tomando para
a vida e o trabalho. Com isso, é possível pensar si os postos de trabalho menos valorizados. Esta
que uma questão se colocava para os estudantes contradição, apresentada por Willis, permite pensar
oriundos da classe trabalhadoras. Ela pode ser sobre os sentidos atribuídos à educação escolar
traduzida da seguinte maneira: se meus pais viveram entre as classes populares porque a resistência à
suas vidas sem a escola, por quais motivos eu cultura escolar formal, oferecida pela escola, pode
teria que estudar e aceitar a cultura oferecida pela
escola? A questão tinha sentido e fazia com que os
20
ser vista como forma de resistência à imposição
cultural realizada pela própria escola, mas, ao
estudantes negassem a escola, sem necessariamente, mesmo tempo, reproduz a posição de classe,
se afastar dela. Eles permaneciam na escola, mas consolidada na aceitação de empregos estritamente
não participavam ativamente das aulas, faziam as manuais, reconhecidamente desvalorizados sob o
mais diversas algazarras, desafiavam professores, ponto de vista funcional e salarial. (ROSISTOLATO,
corpo de gestão e também os outros estudantes 2012, p.20-21)
que aceitavam os regulamentos apresentados pela
escola.

3 Refletiremos sobre a questão da etnografia de forma mais aprofundada nas seções seguintes.

2020
20
Aprofundar nesses processos nos levam, então, ao
desenvolvimento de um olhar muito mais aguçado para as
relações sociais e, por efeito, as diferenças que elas suscitam
no contexto escolar.
Ter em mãos recursos para compreender problemas que em
sua maioria estão presentes na sociedade e se apresentam na
escola nos permitem enquanto educadores nos tornarmos mais
analíticos – independente da área de formação – para essas
problemáticas e nos inquietarmos cada vez mais nos motivando
a ação.
Nesse sentido, um trabalho muito interessante, produzido nos
anos de 1980, que toca, em parte, nas problemáticas levantadas
nas seções anteriores, é o estudo desenvolvido pela psicóloga
Maria Helena de Souza Patto (1990) acerca do fracasso escolar.
Ao analisar essa obra, Carvalho (2011) aponta que “A produção
do fracasso escolar” é considerada um clássico em virtude da
sua ruptura metodológica, permitindo enxergar as práticas
sociais escolares sob um novo olhar ao tentar entender como são
produzidos os estudantes ditos “fracassados” ou “reprovados”.
Segundo Carvalho (2011), a recusa de Patto em tratar o fracasso
escolar como um fenômeno isolado a leva a traçar paralelos
com condições históricas e sociais que subjazem as práticas
escolares, para isso analisa os discursos (verbais e não-verbais)
de coordenadores, diretores e professores e como este geram, de
certo modo, aquilo que entende como produção social do fracasso
escolar.

A autora se distancia dessa modalidade recorrente de estudo


acadêmico que se limita a “aplicar” à realidade brasileira teses
prontas, transpondo conceitos e hipóteses cuja aceitação in
toto parece dispensar o pesquisador do laborioso contato com
a realidade empírica e de sua paciente reconstrução numa rede
conceitual capaz de desvelá-la em sua concretude histórica.
O trabalho de Patto, ao mergulhar no cotidiano de uma escola
pública da periferia de uma metrópole, faz emergir a peculiaridade
do diálogo de uma cultura escolar objetivada em mentalidades,
discursos, atitudes, regulamentações e procedimentos disciplinares,
avaliativos etc. com uma totalidade social específica. Ao optar
pela captação dessa cotidianidade das relações numa instituição
escolar e em seu entorno social, Patto faz emergir as esperanças,

21 21
os preconceitos, os dramas e sonhos de professores, alunos, pais,
coordenadores pedagógicos e diretores que nas páginas de sua
obra não são tratados como “números”, “estruturas” ou “objetos”,
mas como sujeitos cuja voz, os gestos, os desenhos nos guiam
4
por entre os labirintos obscuros do cotidiano escolar (Carvalho,
2011, p.571-572).

É precisamente essa postura tomada pela Maria Helena de Souza


Patto que buscamos de certo modo demonstrar e desenvolver no
processo de formação de educadores e educadoras.
Apesar de ser psicóloga a autora age precisamente como
antropóloga, que é alguém que vai se aprofundar através das
vivências com as pessoas em um dado contexto, rastrear seus
rituais, seus interesses, seus desinteresses, seu modo de pensar,
de sentir, etc. e trazer reflexões potentes sobre esse grupo ou objeto
analisado.

As formas pelas quais temos acesso aos elementos constitutivos da cotidianidade de uma escola
pública são as mais variadas e por vezes emergem de recursos pouco usuais, mas de alto poder
elucidativo. Tomemos como exemplo a silenciosa eloquência da representação da escola nos
desenhos de Nailton: “a escola desenhada é tão grande que quase não cabe no papel, mas a
porta é pequena... Ele informa que desejava ter feito uma escada de acesso à porta, mas não
pode porque não coube!” (...). Sua representação gráfica (elaboração de sua experiência escolar?)
é de uma construção grandiosa, mas inacessível. Não há sequer janelas e, tal como sucede com
o personagem de Kafka em Diante da Lei, Nailton jamais transpõe o portão que daria acesso ao
que, em tese, foi feito para lhe abrigar.
Na brincadeira de faz de conta Ângela ocupa o lugar de professora: “fica em pé, com o corpo
retesado, o nariz para o alto e diz que vai ‘gritar o ditado’”. Repreende em voz alta a pesquisadora:
“Dona Denise, para de conversar e presta atenção no ditado”. A menina em seu papel de professora
separa as produções em boas e ruins, entre as que merecem parabéns e a que recebem nota 4,
seguem-se às notas as medidas disciplinares: “Vai para a Diretoria, viu? E sem preguiça”. Despede-
se com semblante de exausta: “Os alunos dão muito trabalho, estou muito cansada, já trabalhei
muito” (...), como se revelasse que o desgaste não acomete somente aos alunos.
Aprende-se, a partir dos relatos das atividades de aula, que não somente os alunos, mas as próprias
professoras muitas vezes não conseguem vislumbrar um sentido para as atividades escolares ou
mesmo, o que é ainda pior, para a experiência escolar como um todo.
22
A professora cumpre sua obrigação realizando diariamente um ritual, sempre o mesmo, destituído
de vida e de significado que a mortifica; obediente mas descrente, coloca as sílabas na lousa, passa
mecanicamente entre as carteiras, constata sempre os mesmos erros que aponta com maior ou
menor irritação, para começar de novo no dia seguinte, no mês seguinte, no semestre seguinte. (...)
Essa rotina mecânica e destituída de significado formativo contamina as atividades mais elementares
do cotidiano escolar. As crianças repetem as frases da lousa num ritmo maquinal: a gata mata a
rata; a aranha está na sala... Mas convém não nutrir ilusões: a ‘técnica didática’ não é a fonte da
alienação do sentido formativo que uma atividade de alfabetização deveria ter, mas simplesmente
um de seus efeitos mais visíveis. (CARVALHO, 2011, p.574-575).

4 O destaque nesse trecho é meu.

2222
22
Na brincadeira de faz de conta Ângela ocupa Essa rotina mecânica e destituída de
o lugar de professora: “fica em pé, com o significado formativo contamina as atividades
corpo retesado, o nariz para o alto e diz que mais elementares do cotidiano escolar. As
vai ‘gritar o ditado’”. Repreende em voz alta a crianças repetem as frases da lousa num ritmo
pesquisadora: “Dona Denise, para de conversar maquinal: a gata mata a rata; a aranha está
e presta atenção no ditado”. A menina em seu na sala... Mas convém não nutrir ilusões: a
papel de professora separa as produções em ‘técnica didática’ não é a fonte da alienação
boas e ruins, entre as que merecem parabéns e do sentido formativo que uma atividade de
a que recebem nota 4, seguem-se às notas as alfabetização deveria ter, mas simplesmente
medidas disciplinares: “Vai para a Diretoria, viu? um de seus efeitos mais visíveis. (CARVALHO,
E sem preguiça”. Despede-se com semblante de 2011, p.574-575).
exausta: “Os alunos dão muito trabalho, estou
muito cansada, já trabalhei muito” (...), como se
revelasse que o desgaste não acomete somente
aos alunos.

Nós, enquanto educadores, estamos inseridos em um espaço que


nos permite aprofundar, compreender e refletir sobre as práticas
escolares.
Nosso objetivo com este material é auxiliar vocês nesse processo
fornecendo os instrumentos que permitam não só potencializar a
prática docente em si, mas também os processos de reflexão sobre
a escola e seus problemas, dos quais muitas vezes somos agentes
ou testemunhas.
Na próxima parte, aprofundaremos um pouco mais sobre noções
metodológicas e técnicas científicas que nos permitam desenvolver
análises com rigor no contexto escolar.
Dessa forma, poderemos construir caminhos como labirintos,
em que cada encontro, desencontro ou mesmo reencontro possa
evocar uma descoberta.
Qual descoberta nos aguarda?

23 23
2 MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO

O processo de produção de conhecimento científico evoca sempre


a possibilidade de realizar uma reflexão sobre uma determinada
coisa, essa coisa para os cientistas em geral chamamos de objeto
ou fenômeno. Toda ciência em seus diversos campos – humanas,
natureza ou exatas – possuem, em tese, um conjunto de objetos
ou fenômenos a serem analisados. Para tal, todo investigador que
se preze possui conhecimentos (ou capacidade de construir) as
formas ou maneiras de compreender esses objetos ou fenômenos
a partir das áreas do conhecimento a que esteja filiado. No nosso
caso, teremos como foco nossa área de conhecimento que são as
ciências humanas e na sua especificidade a educação.

As distinções entre métodos e técnicas de pesquisa

Para início da nossa reflexão, iremos traçar, a distinção entre


método e técnica de pesquisa e tentar discutir como elas se
relacionam dentro de um processo de investigação científica. Se
tomarmos como base os significados das palavras, já podemos
ter uma noção do que elas significam.
Método é uma palavra que é formada pelos termos gregos meta,
que significa através, e hodos, que significa caminho, dessa forma
temos que método é o caminho através do qual devemos percorrer
para realizar ou compreender algo. Enquanto a técnica, que vem
24 é
do grego téchnē, significa precisamente “arte” ou “ofício”, que
precisamente uma forma de realizar uma ação ou um conjunto
de ações.
De certo modo, método e técnica podem ser sinônimos, porque
em tese método também significa ou se caracteriza por ser a
realização de um conjunto de procedimentos que orientam uma
investigação, que no nosso caso, será sempre científica.

2424
24
Por exemplo, eu sou professor de um componente no ensino
médio da rede estadual chamado “A Arte de Morar”, nesse
componente resolvi apresentar para os e as estudantes o método
construtivo com uso de terra e, por consequência, as técnicas
existentes que usam terra como material construtivo como é
o caso da taipa de pilão, do adobe, do hiperadobe ou mesmo
o pau a pique. Percebam que eu poderia ter dito no exemplo
acima que basicamente eu iria apresentar no componente “as
técnicas existentes que usam terra como método construtivo”,
então, de certa forma método e técnica estão em uma relação
dialógica e de determinação mútua. No entanto, de maneira
geral, entende-se que o método seria o aspecto geral que
orienta a utilização de determinadas técnicas, ao passo que a
utilização de determinadas técnicas informam o método.
Pense, por exemplo, que agora você está em casa se preparando
para ir a um show na praça da sua cidade. Você, de antemão,
faz um planejamento de como irá chegar ao show, ou seja, o
caminho que irá percorrer levando em consideração a distância
da sua casa. A depender da distância, você escolherá a melhor
forma de chegar lá, se for perto você irá a pé, se for longe, você
irá chamar um táxi ou um mototáxi como meio de transporte.
Nesse caso, o caminho que irá percorrer é o método (o conjunto
de ações que você deve realizar) e o como você irá percorrer
esse caminho, a escolha do meio de transporte seria a técnica
(as ações em si).
Em ciência, temos basicamente dois tipos de métodos
que são os métodos quantitativos e os métodos qualitativos:

Tabela 1: Métodos quantitativos e qualitativos

São aqueles que envolvem a quantificação da


informação, ou seja, a tradução de dados em
números. Ao recorrer a esse tipo de método
geralmente se utilizam técnicas que envol-
vem análises estatísticas.

Métodos Quantitavos Exemplo: pesquisas de questionários (surveys)


utilizados em período eleitoral para medir a
intenção de voto em determinado/a candi-
dato/a.

25 25
São aqueles que tratam prioritariamente de
qualificar as informações e dados, leva em con-
sideração a forma como os sujeitos enxergam o
mundo (uma vez que a subjetividade não pode
Métodos Qualitativos ser traduzida em números). Qualificar envolve a
capacidade de interpretar e atribuir significados
a determinados fenômenos.
Exemplo: pesquisa que visa compreender como
o samba é ou se constitui patrimônio cultural
de um determinado grupo social.

Fonte: Elaboração Própria

Falar do método é sempre remeter à capacidade de que o


cientista tem de coletar dados, obter informações e, através
desses, chegar a determinadas conclusões.
Pense, por exemplo, em uma pesquisa que tem como tema a
evasão escolar: se eu utilizar o método quantitativo, o caminho
que provavelmente percorreria para chegar a uma determinada
conclusão seria produzir e aplicar um questionário na minha
escola e submeter esses dados a uma comparação, através de
modelos estatísticos com dados produzidos oficialmente pelo
governo e ver se a evasão na minha escola segue a tendência
geral da evasão escolar no Brasil; já se eu utilizar o método
qualitativo, a tendência seria realizar um pesquisa de campo em
que eu passaria um tempo na escola investigando os motivos
pelos quais determinados estudantes que frequentavam a
escola no início do ano não frequentam mais, pode inclusive
ser necessário acompanhar os estudantes fora da escola, para
entender melhor o cotidiano desses estudantes para compreender
os significados que fazem eles se afastarem da escola. 26
Assim, ambos métodos possuem prós e contras, no caso do
5
método quantitativo é mais fácil produzir generalizações sobre
determinado tema, no entanto, pode-se perder a especificidade,
os significados e os problemas que afetam determinado grupo.

5 Sabe-se que um dos objetivos principais da ciência é produzir algo que possa ser generalizado.
No entanto, dentro dos variados campos de pesquisa, principalmente na área das Ciências Humanas,
compreende-se que nem sempre uma pesquisa científica para ser válida seja necessário que ela produza
uma generalização.

2626
26
Já no método qualitativo, tem-se o oposto, visto que ele
permite compreender melhor as especificidades e os significados
produzidos por um grupo, no entanto é mais difícil produzir
generalizações.
É importante lembrar que, independentemente do método, a
pesquisa científica deve seguir uma certa lógica que envolve
alguns passos como:

A identificação do problema (ou questão a ser pesquisada);

A produção de hipóteses (que é uma resposta provisória para questão


levantada);

Justificativa (qual a relevância da pesquisa)

Objetivos do trabalho (o que se pretende atingir com esta pesquisa)

Aspecto teórico-metodológico (precisamente quais teorias, métodos e técnicas


serão utilizadas para a investigação do problema).

No nosso caso, iremos dar enfoque às técnicas de pesquisa que


estão associadas ao uso da metodologia qualitativa, já que estas nos
permitem lidar de uma forma mais aprofundada com os objetos que
são característicos da nossa área de interesse. Esse tipo de pesquisa
fornece a possibilidade de melhor compreender a realidade dos diversos
contextos escolares, além de suplantar as deficiências existentes no que
concerne às pesquisas na área de educação. Segundo Alves-Mazzotti
(2001), são cinco tipos de deficiência:

1. Pobreza teórico-metodológica na abordagem dos temas escolhidos associada


a estudos que são puramente descritivos ou exploratórios.
2. Irrelevância dos temas escolhidos.
3. Adoção acrítica de modismos no que concerne a escolha teórico-metodológica.
4. Preocupação com aplicabilidade imediata dos resultados.
5. Divulgação restrita dos resultados e pouco impacto em relação às práticas
educacionais.

27 27
Técnicas de pesquisa em Educação

Estudo de caso

O estudo de caso é uma das técnicas de pesquisas que, de maneira


geral, visam o estudo de um caso em particular. Segundo Alves-Mazzotti
(2006), essa definição simplista leva muitas vezes a alguns equívocos
em relação a esse tipo de pesquisa, por exemplo:o primeiro, refere-se
ao fato de que muitas pesquisas sinalizadas como “estudos de
caso” ignoram a dinâmica ampliada do processo de construção
do conhecimento científico, o que restringe os seus resultados
e o seu potencial comparativo; o segundo, seria que muitos
trabalhos que se auto intitulam como “estudo de caso” não o
são, já que não elencam critérios que impliquem em relevância
para esse tipo de pesquisa, e, por último, o fato de alguns
autores sinalizarem que esse é um tipo de pesquisa “mais
fácil” por investigar pequenas unidades.

(…) Temos observado que muitas pesquisas gênese, apresentando-o de modo desconectado
classificadas por seus autores como da discussão corrente na área, como em seu
“estudos de caso” parecem desconsiderar desenvolvimento, no qual não se observa qualquer
o fato de que o conhecimento científico preocupação com o processo de construção
desenvolve-se por meio desse processo coletiva do conhecimento.
de construção coletiva. Ao não situar seu Na verdade, o maior problema de grande parte
estudo na discussão acadêmica mais ampla, dos trabalhos apresentados como estudos de
o pesquisador reduz a questão estudada ao caso é que eles não se caracterizam como
recorte de sua própria pesquisa, restringindo a tal. Refletindo uma visão equivocada sobre
possibilidade de aplicação de suas conclusões a natureza desse tipo de pesquisa, esses
a outros contextos pouco contribuindo para estudos são assim chamados por seus autores
o avanço do conhecimento e a construção pelo simples fato de serem desenvolvidos em
de teorias. Tal atitude frequentemente resulta apenas uma unidade (uma escola, uma turma)
em estudos que só têm interesse para os
que dele participaram, ficando à margem
28
ou por incluírem um número muito reduzido
de sujeitos. Frequentemente, o autor apenas
do debate acadêmico. Esse problema não é aplica um questionário ou faz entrevistas em
novo nem se restringe aos estudos de caso, uma escola, sem explicitar por que aquela
mas, sem dúvida, é mais frequente nesse escola e não outra, deixando a impressão de
tipo de pesquisa. Talvez por focalizar apenas que poderia ser qualquer uma. Ou seja, a escola
a unidade ou por enfatizar o interesse ou a turma escolhida não é um “caso”, não
intrínseco pelo “caso” pelo que ele tem de apresenta qualquer interesse em si, é apenas
singular, muitos pesquisadores tendem a um local disponível para a coleta de dados. Em
tratá-lo como algo à parte, tanto em sua consequência, a interpretação desses dados é
superficial, sem recurso ao contexto e à história.
(ALVES-MAZZOTTI, 2006, p.639)

2828
28
Tem-se, então, que o estudo de caso, levando em consideração
essa perspectiva crítica, seria por definição o tipo de pesquisa
que visa estudar unidades singulares e grupos pequenos
criando a possibilidade fornecer (em termos comparativos) a
compreensão de algo de forma ampla possibilitando novas
proposições sobre o tema a ser pesquisado. Desse modo,
dois elementos seriam fundamentais segundo Alves-Mazzotti
(2006), a caracterização dos estudos de caso qualitativos e
a generalização e a aplicabilidade dos conhecimentos em
outros contextos.
A caracterização dos estudos de caso qualitativo como
modalidade de pesquisa, de maneira geral, é exatamente aqueles
que focam geralmente em um unidade como: um indivíduo, um
pequeno grupo, um evento, uma instituição ou um programa.
Alves-Mazzotti (2006) destaca a posição de dois autores sobre
essa caracterização, a posição de Robert Stake alinhada a 6uma
perspectiva do construcionismo social, e a de Robert Yin, cuja
filiação está vinculada ao paradigma do pós-positivismo .

Robert Stake – Construcionismo social

Para o estudo de caso como estratégia de pesquisa caracteriza-se justamente por


esse interesse em casos individuais e não pelos métodos de investigação, os quais
podem ser os mais variados, tanto qualitativos como quantitativos. Mas, o autor alerta
para o fato de que “nem tudo pode ser considerado um caso” e oferece algumas pistas
para a identificação do que pode constituir um caso. Para ele, um caso é uma unidade
específica, um sistema delimitado cujas partes são integradas. Assim, por exemplo, o
comportamento de uma criança apresenta padrões nos quais atuam fatores fisiológicos,
psicológicos, culturais, entre outros. Algumas características podem estar dentro do
sistema, nos limites do caso, e outras fora, e nem sempre é fácil para o pesquisador dizer
onde termina o indivíduo e começa o contexto. Da mesma maneira, uma escola, como
caso, deve ser estudada como um sistema delimitado, embora a influência de diferentes
aspectos que se ligam a esse sistema, como o contexto físico, sociocultural, histórico e
econômico em que está inserida a escola, as normas da Secretaria de Educação etc., não 29
deva ser ignorada (ALVES-MAZZOTTI, 2006, p.641).

6 O construcionismo social é um paradigma oriundo da Psicologia Social que visa compreender como
os indivíduos elaboram coletivamente. Já o pós-positivismo é um paradigma da filosofia da ciência que
leva em consideração a limitação do pensamento positivista no que diz respeito às possibilidades de fazer
ciência, sem descartar algumas premissas fundamentais presente no positivismo: a possibilidade da verdade
objetiva, metodologia experimental e realismo ontológico.
2929
29
Robert Stake – Construcionismo social

O estudo de caso, para ele, envolve três tipos: o intrínseco, o instrumental e o coletivo.
Intrínseco: busca a compreensão do “caso” a ser estudado em particular, o foco está
no interesse do pesquisador sobre aquela unidade ou grupo a ser pesquisado.
Instrumental: o interesse por esse caso envolve o fato de que ele pode facilitar a
compreensão de outro fenômeno geral, já que pode servir tanto de base para fornecer
reflexões sobre este ou de forma contrária serviria para demonstrar como o caso em
particular pode permitir a contestação de uma generalização amplamente aceita.
Coletivo: o pesquisador estuda de forma conjunta vários casos para conseguir com-
preender um determinado fenômeno, ou seja, é realizado um agrupamento de casos
individuais para reforçar exatamente os traços em comum existentes ou mesmo re-
futar uma generalização aceita (aqui o objetivo é o mesmo do caso instrumental).

Além disso, o enfoque do estudo de caso deve levar em conta os seguintes aspectos:
1. Natureza do caso;
2. Histórico do caso;
3. Contexto (econômico, político, estético, físico etc.);
4. Outros casos pelos quais é reconhecido;
5. Os informantes que permitem ele ser conhecido.

30

3030
30
Robert Yin - Pós-positivismo

De maneira sintética, Yin (apud ALVES-MAZZOTTI, 2006) define o estudo de caso como:
uma pesquisa empírica que investiga um fenômeno contemporâneo em seu contexto
natural, em situações em que as fronteiras entre o contexto e o fenômeno não são
claramente evidentes, utilizando múltiplas fontes de evidência. Ao definir o objeto do
estudo de caso como um fenômeno contemporâneo, o autor procura distingui-lo dos
estudos históricos, nos quais a evolução temporal é o foco de interesse, o que não
significa que nos estudos de caso não se recorra a fatos passados para compreender o
presente (ALVES-MAZZOTTI, 2006, p.643).
Ele descreve algumas situações em que o estudo de caso deve ser aplicado:
1. O caso é relevante para testar uma hipótese ou teoria previamente elaborada.
2. O fato do caso ser “extremo” ou “único”.
3. O caso ser “revelador”: fenômeno ou situação que era inacessível à investigação
científica.
Para ele, o que torna o estudo de caso algo “exemplar” são alguns aspectos como:

Deve ser completo. Para isto, toma-se como referência três elementos: a dis-
tinção entre o fenômeno e o seu contexto, esforço para coletar evidências relevantes,
o planejamento e a sua finalização não podem ser limitados por tempo ou recursos.

Deve considerar hipóteses ou perspectivas alternativas, ou seja, deve-se


comparar a explicação adotada com outras explicações contrárias a ela e examinar
as evidências a partir do contraste entre as perspectivas de cada explicação.

As evidências devem ser robustas no que diz respeito ao suporte às con-


clusões do estudo e ganho da confiança do leitor quanto a seriedade do estudo.

O estudo deve ser escrito de forma clara e instigante.

31 31
No que diz respeito à caracterização dos estudos, tem-se que,
independente da perspectiva adotada, aspectos comuns como o
detalhamento do contexto e a relevância que o estudo de caso
possa vir a ter, são essenciais para este tipo de pesquisa. Já
no quesito generalização e aplicabilidade dos conhecimentos
em outras situações, as posições divergem levemente, já que,
enquanto Yin acredita que apesar desse tipo de estudo ter
um enfoque no caso em particular, é possível através de um
conjunto particular de dados e dos seus resultados propor
uma teorização que seja aplicada em outros contextos, a isso
ele dá o nome de generalização analítica. Stake, por sua vez,
acredita que o aspecto peculiar do estudo de caso que deve ter
preponderância é exatamente o aspecto intrínseco que permite
a promoção de uma “descrição densa” sobre o caso, mas não
ignora que factualmente seria possível realizar generalização,
já que o conhecimento sobre o caso em si poderia antecipar
conclusões que também poderiam ser aplicadas em outros
casos. Ele denomina esse processo de generalização naturalística
(ALVES-MAZZOTTI, 2006). Essa definição talvez seja uma boa
resposta para o que se busca de maneira geral com um estudo
de caso:

O que se pode aprender de um único caso? (...) O que aprendemos


com um caso singular relaciona-se ao fato de que o caso é
semelhante ou diferente de outros casos conhecidos. Pesquisadores
naturalísticos, etnográficos e fenomenológicos relatam seus casos
sabendo que eles serão comparados a outros e, por isso, buscam
descrevê-los detalhadamente para que o leitor possa fazer
boas comparações. Por meio de uma narrativa densa e viva, o
pesquisador pode oferecer oportunidade para a experiência vicária,
isto é, pode levar os leitores a associarem o que foi observado
naquele caso a acontecimentos vividos por eles próprios em outros
contextos (ALVES-MAZZOTTI, 2006, p. 648).
32
Por fim, tratando-se de educação, o estudo de caso pode fornecer,
então, uma oportunidade de explorar o que existe de singular em
um dado contexto educacional. Assim, por meio desse estudo,
os educadores (que também são pesquisadores) podem refletir
de maneira mais profunda e detalhada sobre os fatores que
influenciam, em maior ou menor medida, os processos de ensino-
aprendizagem.

3232
32
Tais reflexões produzem questionamentos relevantes e adotam uma
perspectiva crítica, que foge do senso comum, no que diz respeito às práticas
escolares.

INDICAÇÃO DE LEITURA

ARTIGO:
PEREIRA, Alexandre Barbosa. Escritas Dissonantes: escolarização,
letramentos, novas tecnologias e práticas culturais juvenis. Porto
Alegre, Horizontes Antropológicos, ano 21, n.44, p.81-107, 2015

LEITURA

33 33
Pesquisa-ação

Já a pesquisa-ação refere-se a uma técnica que de pesquisa


que combina dois elementos que é a reflexão e a ação, cujo
objetivo é resolver problemas que tenham um caráter prático.
Nesse processo de pesquisa, é dada ênfase na relação que se
constitui entre pesquisadores e participantes da pesquisa na busca
de soluções de problemas, ou seja, é um processo que, além de
produzir um conhecimento como resultado, deve ser colaborativo
e gerar mudanças positivas em determinados contextos.
David Tripp (2005) aponta neste sentido que “a pesquisa-
ação educacional é principalmente uma estratégia para o
desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que
eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e,
em decorrência, o aprendizado de seus alunos” (TRIPP, 2005, p.
445).
De tal maneira, que a pesquisa ação seria um tipo dentre
vários tipos daquilo que denomina-se de investigação-ação,
que é um processo que envolve um ciclo de variação sistemática
entre o agir na prática e a investigação sobre os efeitos dessa
ação. Assim, segue-se a lógica do planejamento, implementação,
descrição, e, por fim, da avaliação para identificar se houve uma
melhora no campo da prática gerando um aprendizado tanto no
que se refere a prática em si quanto a investigação (em termos
de conhecimento).
Apesar do processo da investigação-ação envolver o ciclo
descrito, cada pesquisador deve a partir do seu contexto
escolher como utilizar e executar o ciclo, fato que permite o
desenvolvimento de várias versões desse mesmo ciclo tendo 34em
vista diferentes situações e contextos. O que deve ser destacado
como importante nesse processo é que as quatro atividades
elencadas sejam adequadas à situação, aos objetivos, aos
participantes e as práticas a serem executadas (TRIPP, 2005).

3434
34
Imagem 4: Ciclo da investigação-ação descrito por Tripp (2005)

Fonte: Tripp (2005)

Apesar do processo da investigação-ação envolver o ciclo


descrito, cada pesquisador deve a partir do seu contexto
escolher como utilizar e executar o ciclo, fato que permite o
desenvolvimento de várias versões desse mesmo ciclo tendo
em vista diferentes situações e contextos.
O que deve ser destacado como importante nesse processo
é que as quatro atividades elencadas sejam adequadas à
situação, aos objetivos, aos participantes e as práticas a serem
executadas (TRIPP, 2005).
Um outro aspecto importante seria, então, caracterizar
dentro dos diversos tipo de “investigação-ação” o que seria
a “pesquisa-ação”, uma vez que o primeiro termo é utilizado
muitas vezes de forma ampla e vaga, gerando confusão no
que diz respeito a aplicabilidade e cientificidade desse tipo
de técnica.

35 35
Isso é importante porque se qualquer tipo Em vez de aceitar uma definição mais aberta
de reflexão sobre a ação é chamada de de pesquisa-ação, tal como “identificação
pesquisa-ação, arriscamo-nos a sofrer a de estratégias de ação planejada que são
rejeição exatamente por parte das pessoas implementadas e, a seguir, sistematicamente
com as quais a maioria de nós conta para submetidas a observação, reflexão e mudança”
aprovação ou financiamento do trabalho (...), passei a preferir uma definição mais estrita:
universitário. Assim como aconteceu com “pesquisa-ação é uma forma de investigação-
a pesquisa qualitativa há duas décadas, ação que utiliza técnicas de pesquisa
sou procurado agora regularmente por consagradas para informar a ação que se
estudantes graduados aos quais não se decide tomar para melhorar a prática”, e eu
permite usarem pesquisa-ação para suas acrescentaria que as técnicas de pesquisa
teses. Seus orientadores de pesquisa, ainda devem atender aos critérios comuns a outros
que considerando que ela é pesquisa (e não, tipos de pesquisa acadêmica (isto é, enfrentar
por exemplo, desenvolvimento profissional), a revisão pelos pares quanto a procedimentos,
não consideram o que vêem ser chamado de significância, originalidade, validade etc.) (TRIPP,
pesquisa-ação metodologicamente, rigorosa o 2005, p.447)
bastante para produzir uma tese de pesquisa
de grau superior.

A pesquisa-ação desse modo tende a fugir da lógica comum dos


tipos de pesquisas tradicionais, uma vez que, ao mesmo tempo
que busca alterar o que está sendo pesquisado, ela está implicada
com uma certa ética com a prática e com o contexto em que
é aplicada. Pressupõe-se, então, uma mescla tanto da prática
(e seu caráter ordinário) quanto dos critérios que circundam a
pesquisa científica. Tripp (2005) aponta algumas características
que circundam a pesquisa-ação:

A pesquisa-ação é um meio termo entre a prática e a


pesquisa científica porque tende a ser proativa em relação à
mudança da prática ao mesmo tempo que busca modificar
36
essa prática através da compreensão e análise de informações
obtidas através de pesquisa.
Os procedimentos metodológicos da pesquisa-ação
sempre devem estar alinhados à prática.

3636
36
Constitui-se como colaborativa e participativa, uma vez
que prevê a inclusão de todos aqueles que, em maior ou menor
medida, serão impactados pelo estudo efetuado.
Pode ter um caráter experimental, mas, por possuir uma
tendência com foco prático pode-se dizer que é uma pesquisa
do tipo intervencionista.
A documentação da pesquisa muitas vezes acontece
através da compilação das informações num portfólio, no qual
são efetuados os registros sobre as situações que acontecem na
prática cotidiana (assemelha-se ao que comumente chamamos
na antropologia de caderno de campo).
O fato é que a pesquisa-ação estabelece uma relação
recíproca e dialética de melhorias da prática e do processo de
compreensão, ou seja, existe uma melhoria mútua, quanto aos
meios, os contextos e as finalidades em que é aplicada que, de
maneira geral, envolvem os seguintes aspectos:

Meios

Observação: envolve a capacidade de observar para


identificar problemas e desafios.
Diálogo: a possibilidade potencial que possui de gerar
uma troca de ideias e conhecimentos entre pesquisadores e
participantes para compreender o problema e buscar soluções
para tal.
Coleta de dados: nesse processo, podem ser coletados
dados qualitativos e quantitativos para embasar a compreensão
do problema e indicar as ações que podem efetivar sua melhoria.

37 37
Contextos

Ambiente de trabalho: a pesquisa-ação pode ser realizada


em organizações, empresas ou instituições com o intuito de
melhorar práticas, processos ou relações entre os trabalhadores.
Comunitários: é aplicada em comunidades visando
solucionar problemas sociais, desenvolver projetos ou promover
a participação dos moradores locais.
Educacionais: é comumente utilizada na área da educação, o
objetivo geralmente envolve a melhoria das práticas pedagógicas
e a promoção de atividades que visem uma maior integração
entre a comunidade escolar.

Finalidades

Melhorar uma situação: tem como objetivo principal a


melhoria de uma situação específica, seja ela no ambiente de
trabalho, na comunidade ou em qualquer outro contexto.
Promover a ação: busca envolver os participantes no
processo de pesquisa e nas ações práticas, para que eles se
tornem protagonistas na solução dos problemas identificados.
Produzir conhecimento: contribui para a produção de
conhecimento prático e teórico por meio da abordagem utilizada
e do seu contexto.

É possível perceber a partir da descrição acima que cada parte


desse processo pressupõe uma interligação e um alinhamento
quanto ao contexto a ser analisado, os meios utilizados e as
finalidades desse tipo de pesquisa. No entanto, um outro ponto
relevante destacado por Tripp (2005) é a necessidade de realizar
a distinção entre “pesquisa-ação” e “ação pesquisada”.

38 38
Já em 1945, Lippitt escreveu sobre Utilizo dois critérios para distinguir entre
pesquisa-ação para Collier: “Não se trata eles: o processo de mudança está sendo
de pesquisa-a-ser-seguida-por-ação, ou conduzido por meio da análise e interpretação
pesquisa-em-ação, mas pesquisa-como- de dados adequados, válidos e confiáveis? O
ação” (...). Como revisor de artigos de alvo principal da atividade é a criação de
pesquisa-ação submetidos à publicação conhecimento teórico ou o aprimoramento
em diversas revistas, não é raro que da prática? Isso quer dizer que um estudo
eu encontre pessoas que fizeram um de caso de um processo de pesquisa-ação
estudo de caso de um processo de não é uma pesquisa-ação, embora possa
desenvolvimento ou de mudança, tal como ser aceito para publicação numa revista de
a produção de um programa inovador pesquisa-ação como uma pesquisa sobre a
de ensino e aprendizagem, chamando pesquisa-ação. (TRIPP, 2005, p.452)
seu trabalho de “pesquisa-ação”, embora
não tenham realizado ação nenhuma e
o desenvolvimento tenha caminhado sem
qualquer pesquisa.

O aprofundamento nesse tipo de técnica produz uma série de


tipificações em virtudes dos tipos de objetivos e práticas que
pretende-se aprimorar, assim, podemos ter uma pesquisa-ação
técnica, prática, política, socialmente crítica ou emancipatória,
fugindo exatamente de um modelo “rígido” de pesquisa, mas que
compactua com o fato geral de que é necessário “aprender com
a experiência” (TRIPP, 2005). Logo, a pesquisa-ação apresenta-
se como uma técnica eficaz para ser aplicada em contextos
educacionais oferecendo bons parâmetros para “qualificar” uma
dada ação.

INDICAÇÃO DE LEITURA
ARTIGO:
REIGADA, Carolina e REIS, Marilia Freitas de Campos Tozoni. Educação
ambiental para crianças no ambiente urbano: uma proposta de
pesquisa-ação. Ciência educ. [online]. 2004, vol.10, n.02, pp.149-160. ISSN
1516-7313.
39

LEITURA

3939
39
Pesquisa de desenvolvimento (Design based research)

Outra abordagem é a do Desgin Based Research (DBR) ou


Pesquisa de Desenvolvimento, esta é uma técnica de pesquisa
que faz a junção entre os aspectos teóricos da pesquisa voltada
para educação e a realização de uma prática educacional. Essa
técnica assemelha-se muito à pesquisa-ação, uma vez que seu
foco é o desenvolvimento de aplicações que tenham o intuito
de serem utilizadas e integradas às práticas sociais comunitárias
levando em consideração as diferenças contextuais.
De uma maneira geral, o DBR é utilizado no planejamento,
implementação e avaliação de sequências de ensino-aprendizagem
e na elaboração de conteúdos didático-pedagógicos específicos.

Uma definição já clássica da DBR foi dada por Barab e Squire


(..) : “Uma série de procedimentos de investigação aplicados
para o desenvolvimento de teorias, artefatos e práticas
pedagógicas que sejam de potencial aplicação e utilidade
em processos ensino-aprendizagem existentes” (MATTA et
al, 2014, p.25).

O DBR surge dessa forma com o intuito de suprir uma lacuna


existente no cenário da área de educação no que diz respeito
ao pouco aproveitamento dos conhecimentos adquiridos ao
longo de uma pesquisa acadêmica. Isso refere-se ao fato de
que apesar das pesquisas na área de educação que adotam
metodologias de caráter descritivo ou experimental produzirem
resultados relevantes em termos de conhecimento, poucas entre
elas são realmente voltadas para a aplicação.
Nesse sentido, o DBR surge como um tipo de técnica ou
método que se pode denominar de pesquisa aplicada (MATTA
et al, 2014).

40 40
Assim, essa abordagem compartilha algumas características
similares com a pesquisa-ação como:

1) Teoricamente Orientada: não prescinde de teoria, já que


esta se constitui como elemento fundamental para o design
e modelagem das soluções práticas a serem implementadas.
2) Intervencionista: visa, a partir da reflexão teórica e do
diálogo com os atores envolvidos na pesquisa, produzir uma
intervenção no contexto, cujo produtos principais seriam: novas
propostas didáticas, materiais didáticos, programas educacionais
ou mesmo políticas públicas voltadas para a área da educação.
3) Colaborativa: uma vez que envolve atores comunitários.
O desenvolvimento da pesquisa deve levar em consideração
a relação desses sujeitos como colaboradores, inclusive na
definição do problema a ser investigado e na solução para tal, de
forma que não seja negada nenhuma forma de conhecimento.
A interação, então, deve ocorrer levando em consideração três
princípios básicos que são: acordo para extração dos dados,
parceria de investigação e acordo de coaprendizagem.
4) Fundamentalmente Responsiva: refere-se ao aprofundamento
do contexto e da situação-problema de forma que o que é
desenvolvido será validado pelos sujeitos e atores envolvidos
no processo de pesquisa.
5) Iterativa: a iteração refere-se a perspectiva de que enquanto
metodologia a DBR deve levar em consideração um caráter
processual é quem cada etapa é consequência de uma etapa
anterior, de modo que comporta a repetição de etapas 41ou
replicação da proposta de solução aplicada. Assim, constitui-
se como uma abordagem cíclica que envolve os seguintes
elementos: projeção, análise, aplicação e resultados.

4141
41
Imagem 5: Quadro de fases do dbr e sua relação com tópicos de pesquisa elaborado por Matta et al (2014)

Fonte: Matta et al (2014).

No DBR, ainda é possível identificar uma sequência de fases


na sua aplicação que se dividem em quatro:

Fase 1: Análise do problema por investigadores, usuários e/ou


demais sujeitos envolvidos em colaboração.
Fase 2: Desenvolvimento da proposta de solução responsiva aos
princípios de design, às técnicas de inovação e à cola-
boração de todos os envolvidos.
Fase 3: Ciclos iterativos de aplicação e refinamento em práxis
da solução.
Fase 4: Reflexão para produzir “Princípios de Design” e melhorar
implementação da solução.
42
Cada fase desta estaria alinhada com determinados tópicos que
seriam essenciais para sua validação, ao passo que estruturam e
orientam a construção de uma proposta ou projeto de pesquisa
que adote esta técnica. Essa estrutura de forma bem definida
é apresentada por Matta et al (2014):

4242
42
Tabela 02: Ações para a educação indígena no Brasil

FASES DA DBR TÓPICOS POSIÇÃO DA


PROPOSTA
Definição do problema. Definição de Problema, ou
Fase 1: Análise do problema Consulta recíproca entre Introdução, ou Fundamentação
por investigadores, usuários e/ sujeitos engajados na praxis ou Contexto
ou demais sujeitos envolvidos e investigadores.
em colaboração. Questões de pesquisa. Questões de pesquisa
Contextualização e/ou Contexto, ou Revisão de
revisão de literatura. Literatura.

Fase 2: Desenvolvimento da Construção Teórica. Quadro teórico.


proposta de solução responsiva
aos princípios de design, Desenvolvimento de projeto
às técnicas de inovação e de princípios para orientação
à colaboração de todos os do plano de intervenção.
envolvidos. Descrição da proposta de Metodologia.
intervenção.

Implementação da intervenção
(primeira iteração).
Participantes.
Fase 3: Ciclos iterativos de
Coleta de informações.
aplicação e refinamento em
práxis da solução. Análise das informações.
Metodologia.
Implementação da intervenção
(segunda iteração).
Participantes.
Coleta de informações.
Análise das informações.

Fase 4: Reflexão para Princípios de design.


produzir “Princípios de Design” Artefato(s) implementado(s). Metodologia.
e melhorar implementação da Desenvolvimento profissional.
solução.

Fonte: Matta et al (2014).

Um outro aspecto interessante refere-se a possibilidade de


generalização nesse tipo de pesquisa. Se tomarmos como
base os modelos tradicionais de pesquisa, teríamos uma certa
dificuldade em conseguir enxergar potencial de generalização,
no entanto, como aponta Matta et al (2014), se pensarmos que
o objetivo ao adotar esta técnica é a construção gradativa, a
replicação contextualizadas dos princípios de design e também
o resultado prático do diálogo das teorias com a validação
comunitária pode-se inferir que essa técnica possui, então,
um potencial de generalização dialógica.

43 43
Do ponto de vista da ciência tradicional, o comunidade, e o conhecimento vai
potencial de generalização da DBR é bastante avançando em práxis comunitárias.
limitado. Ao contrário, quando se pensa na Por outro lado, em DBR, os produtos
possibilidade de construção gradativa e resultados da pesquisa são de importância
replicação contextualizada dos princípios de decisiva, a ponto de, sem eles considerar-se
design, resultado científico do diálogo prático com relativo insucesso o procedimento de
entre as teorias e a validação comunitária, investigação. Os artefatos resultantes design
percebe-se que estes resultados contêm podem ser softwares, desenvolvimento
um potencial de generalização dialógico, profissional, desenvolvimento atitudinal
bastante aplicado, e capaz de transformar comunitário ou outro pertinente ao processo
seu potencial de generalização, mesmo cognitivo estudado, mas sempre de natureza
limitado, em desenvolvi mento de aplicações prática e realizados em práxis social. (MATTA
concretas, responsivas ao comunitário, et al, 2014, p.32)
e sempre realizados em diálogo com os
conhecimentos locais. Os avanços práticos
vão acontecendo a partir da replicação dos
princípios que sempre dialogam com a

Temos, então, que o DBR possui grande potencial para ser


aplicado em contextos educacionais. Ela emerge como um técnica
de pesquisa que permite o desenvolvimento de propostas que
visem melhorias e soluções práticas no processo de ensino-
aprendizagem, cujo destaque pode ser dado ao papel que
os atores comunitários possuem nesse processo e ao caráter
metodológico e científico que possui no desenvolvimento de
soluções.

INDICAÇÃO DE LEITURA

DISSERTAÇÃO:
FREITAS, K. Modelagem da antiga muralha de Salvador e seu entorno
no século XVI para o ensino de História sob uma perspectiva
sociointeracionista. 2012. Dissertação (Mestrado em Modelagem
Computacional e Tecnologia Industrial) – SENAI Bahia, Salvador, 2012

LEITURA

44 44
Relatos (auto)biográficos

A última técnica de pesquisa a ser apresentada aqui


são os relatos autobiográficos, essa técnica consiste em uma
abordagem de pesquisa que busca conhecer aspectos da vida
e da trajetória de dado indivíduo através da narrativa da sua
própria história.
Assim, essa investigação tem como foco elementos intrínsecos
ao indivíduo e é uma forma de reter aspectos que se perderiam
em estudos produzidos com intuito de generalização.
Logo, os relatos autobiográficos se constituem como um
tipo de técnica de pesquisa essencialmente qualitativa que tem
como base aquilo que chamamos de “histórias de vida”.
Essa abordagem ganha proeminência na área da educação
com a publicação das reflexões de António Nóvoa e Matias
Finger (2014) na década de 1990, acerca do potencial que esta
modalidade de investigação teria de se constituir como uma
ferramenta valiosa para compreensão do processo de formação
e identidade do indivíduo, cujo sujeito privilegiado na área da

Esses trabalhos, baseados nas histórias de vida Intentam dar a conhecer, também, o modo
como método de investigação qualitativa e como pelo qual os professores-narradores-autores
prática de formação, procuram identificar, nas representam o próprio trabalho de biografização,
trajetórias de professores, questões de interesse considerando tanto a dimensão institucional de
45
para a pesquisa educacional, entre as quais: as escritas, realizadas em contexto de aprendizagem
razões da escolha profissional, as especificidades formal, quanto a que António Nóvoa (...) associa
das diferentes fases da carreira docente, as relações aos sentidos atribuídos à esfera privada da
de gênero no exercício do magistério, a construção profissão (PASSEGGI et al, 2011, p.370)
da identidade docente, as relações entre a ação
educativa e as políticas educacionais.

4545
45
Ao tratar do processo formativo docente como área de
interesse na construção de relatos autobiográficos, Passeggi et
al (2011) aponta para a existência de múltiplas significações
que caracterizam a formação e atuação do profissional da
educação e as representações acerca deste trabalho como:
o interesse pela profissão, as relações intra e inter-grupo, o
diálogo com as instâncias administrativas na área da educação,
o relacionamento com os pais de alunos e comunidade
escolar, os processos de ensino-aprendizagem, as exigências
curriculares, as articulações e soluções didático-pedagógicos,
além de questões que envolvem os aspectos materiais da
profissão, o imaginário envolto nesse contexto e o cotidiano
escolar, revelando o potencial que a adoção dessa abordagem
possui em termos de elaboração de conhecimento.
O procedimento desse tipo de investigação, então, leva em
conta determinados objetivos, desenvolvimento metodológico,
análise e interpretação e contribuições possíveis que podem ser
definidos assim:

Objetivos: o objetivo central desta técnica é dar ênfase


na voz do sujeito da pesquisa, permitindo que ele narre sua
história e trate da sua experiência de vida de forma reflexiva.
Aqui valoriza-se o conhecimento pessoal e subjetivo que
permite um aprofundamento sobre o indivíduo que se está
estudando.

Desenvolvimento metodológico: o desenvolvimento da


construção da pesquisa autobiográfica geralmente acontece a
partir da realização de entrevistas com sujeitos pesquisados ou
mesmo de narrativas oralizadas (história oral), sem descartar a
possibilidade de utilizar outros meios de suportes expressivos
como a escrita ou mesmo material audiovisual. O papel do
pesquisador é ser ouvinte dessas narrativas ao mesmo tempo
que tenta criar um espaço confortável e seguro para que o
sujeito sinta-se à vontade e possa se expressar da forma mais
livre possível (sem constrangimentos).

46 46
Análise e Interpretação: Após a coleta das narrativas,
o pesquisador deve analisar e interpretar as informações
apresentadas, tentando identificar nessas histórias temas,
padrões e significados atribuídos à vivência desse indivíduo,
ou seja, deve “qualificar” essa história. Aqui não é descartado a
utilização de outros materiais de pesquisa que possam fornecer
um suporte para a contextualização da história narrada.
Contribuições: A pesquisa autobiográfica tem com um
dos aspectos contribuir para a prática educacional e servir de
suporte para outros tipos de pesquisa, uma vez que permite
uma compreensão mais profunda dos processos de formação
e de ensino-aprendizagem, reconhecendo as experiências
e influências que conformam a vida desse indivíduo,
caracterizando-se por ser uma abordagem que adota uma
perspectiva mais humana e subjetiva no campo da educação.

Nessa perspectiva, não se trata de encontrar linguagens no horizonte da pesquisa e


nas escritas de si uma “verdade” preexistente das práticas de formação: fotobiografias,
ao ato de biografar, mas de estudar como audiobiografias, videobiografias e abre-se para
os indivíduos dão forma à suas experiências a infinidade de modalidades na web: blogs,
e sentido ao que antes não tinha, como redes, sites para armazenar, difundir e praticar
constroem a consciência histórica de si e formas de contar, registrar a vida e até mesmo
de suas aprendizagens nos territórios que de viver uma vida virtual (Bibble; biographie.
habitam e são por eles habitados, mediante com; nègres pour inconnus; biographie.net,
o processos de biografização. Aqui a noção Second Life, o Museu da Pessoa...) (PASSEGGI
de grafia não se limita à escrita produzida em et al, 2011, p.371)
uma língua natural (oral e escrita), mas amplia
a investigação fazendo entrar outras

Os relatos autobiográficos, nesse sentido, servem também


como parte de estratégia pedagógica na atuação com os e as
47
estudantes (como aquela atividade sugerida na seção anterior:
“minha autobiografia educacional”) ou como material de estudo
como, por exemplo, o livro de Juan Francisco Manzano (2015)
que é um dos primeiros relatos autobiográficos publicados
de pessoas que foram escravizadas e que se constitui como
documento bastante relevante para entender como era vida de
uma pessoa escravizada no século XIX.

4747
47
A análise crítica de processos sociais em Tentar entender uma vida como uma série
curso mal analisados, sem o conhecimento única de acontecimentos sucessivos sem outro
do pesquisador e com sua cumplicidade, na vínculo além da associação a um “sujeito” cuja
construção desse tipo de artefato socialmente constância é sem dúvida aquela do nome
impecável que é “história da vida ”, e próprio é tão absurdo quanto tentar explicar
particularmente no privilégio concedido à a trajetória do metrô sem levar em conta a
sucessão longitudinal dos acontecimentos estrutura da rede, ou seja, a matriz de relações
que constituem a vida considerada como objetivas entre as diferentes estações. Os
história em relação ao espaço social em acontecimentos biográficos são definidos como
que os acontecimentos ocorrem, não é um muitos posicionamentos e deslocamentos no
fim em si mesma. Essa análise nos conduz a espaço social, ou seja, mais precisamente, nos
construir a noção de trajetória como uma série diferentes estados sucessivos da estrutura de
de posições sucessivamente ocupadas por um distribuição das diferentes espécies de capital
mesmo agente (ou um mesmo grupo) em um envolvidas em dado campo. (BOURDIEU, 1986).
espaço em constante construção e sujeito a
transformações incessantes.

Do que se depreende daí, então, são inúmeras possibilidades


que o relato autobiográfico pode suscitar sem esquecer o fato
de que toda autobiografia tem um pano de fundo social. Assim,
terminamos a apresentação de técnicas de pesquisa que podem
ser utilizadas na produção de trabalhos de pesquisa voltadas para
a área da Educação e que podem servir de suporte e parâmetro
para o desenvolvimento daquilo que apresentaremos na próxima
seção como método etnográfico no espaço escolar.

INDICAÇÃO DE LEITURA

ARTIGO:
MAGALHÃES GOMES, Maria Laura. O ensino de aritmética na escola
nova: contribuições de dois escritos autobiográficos para a história da
educação matemática (Minas Gerais, Brasil, primeiras décadas do século
xx). Relime, Ciudad de México , v. 14, n. 3, p. 311-334, nov. 2011 .

LEITURA

48 48
3 ETNOGRAFIA DO ESPAÇO ESCOLAR

A etnografia é um dos grandes temas de debates na área de


ciências humanas especificamente na Antropologia já que seu
surgimento enquanto método está conectado diretamente com
o desenvolvimento dessa disciplina.
A etnografia, por conta de seus resultados proveitosos no campo
das ciências sociais, passou a ser utilizado amplamente em
outras disciplinas como recurso “metodológico”, sobretudo, por
permitir se aprofundar nos contextos sociais e na compreensão
das diferenças como algo essencial da vida humana.
Muitas vezes, no entanto, a apropriação sobre o que é a
etnografia e sua aplicação em outras disciplinas é tomada a partir
de uma visão pouco profunda ou mesmo estereotipada sobre o que
seria esse “método”. Ignora-se quase sempre que sua aplicação e
revisão é parte sistemática do fazer antropológico e que por isso
mesmo não existe necessariamente um consenso sobre o que é
ou não é de fato etnografia.
Mariza Peirano (1995) aponta, por exemplo, para o fato de que
no interior da própria antropologia são ignoradas determinadas
questões e reflexões que possam ser usadas a favor da utilização
desse método.
Na contemporaneidade, este tem sido atravessado por certos
“modismos”, ignorando que a etnografia, como resultado do
49
trabalho de campo do pesquisador, está intrinsecamente ligada
às possibilidades de se refletir antropologicamente, o que nem
sempre é uma tarefa fácil.

4949
49
(….) Não há como propriamente ensinar resíduo incompreensível, mas potencialmente
a fazer pesquisa de campo. Esta é uma revelador, que existe entre as categorias nativas
conclusão antiga, não só de professores apresentadas pelos informantes e a observação
bem-intencionados como de estudantes do etnógrafo, inexperiente na cultura estudada
interessados, mas atônitos. A experiência e apenas familiarizado com a literatura teórico-
de campo depende, entre outras coisas, da etnográfica da disciplina.
biografia do pesquisador, das opções teóricas
dentro da disciplina, do contexto sociohistórico As impressões de campo não são apenas
mais amplo e, não menos, das imprevisíveis recebidas pelo intelecto, mas têm impacto
situações que se configuram, no dia-a-dia, no sobre a personalidade do etnógrafo. Essas
próprio local de pesquisa entre pesquisador considerações talvez expliquem duas coisas: a
e pesquisados. Eis aí, talvez, a razão pela necessidade que os antropólogos sentem de se
qual os projetos de pesquisa de estudantes basear em uma instância empírica específica; e
de antropologia sempre esbarram no quesito o fato de que, na pesquisa de campo, é comum
metodologia, quando estes competem por constatar que a vida imita a teoria. No primeiro
recursos com colegas de outras áreas de caso, a procura do específico e do diferente
ciências sociais. (...) A despeito da confiança — onde talvez se revele aquele `resíduo’ que
na excelência de sua aparelhagem conceitual, permitirá o avanço na observação etnográfica
no seu método de pesquisa de campo e e, conseqüentemente, a possibilidade de
na sua tradição disciplinar, a antropologia refinamento teórico — passa a ser prática
não se reproduz como uma ciência normal regular dos antropólogos, que já batizaram
de paradigmas estabelecidos, mas por uma essas experiências de `incidentes reveladores’.
determinada maneira de vincular teoria- No segundo caso, trata-se da situação em
e-pesquisa, de modo a favorecer novas que o pesquisador, treinado nos aspectos
descobertas. dos mais bizarros aos mais corriqueiros da
Estas ficam sujeitas à possibilidade de que conduta humana, encontra um exemplo vivo
a pesquisa de campo possa revelar, não ao da literatura teórica a partir da qual se formou
pesquisador, mas no pesquisador, aquele (PEIRANO, 1995)

Assim, embora estejam relacionadas antropologia e etnografia, não


necessariamente seriam as mesmas coisas. O fazer antropológico, estaria
ligado a produção teórica que tende a um aspecto mais generalizante sobre o
aquilo seria a vida humana e suas possibilidades de existência, e a etnografia
estaria direcionada a coleta de dados e ao aspecto descritivo da experiência
vivida em campo.
Essa relação e diferença não é acessada muitas vezes por
pesquisadores e pesquisadoras de outras áreas em virtude de uma certa
compreensão superficial, como se fazer etnografia fosse um “método” em
um sentido tradicional do termo, quando na verdade a etnografia trata-se
muito mais sobre uma “prática de descrição verbal”.

50 50
Um movimento geral é, entretanto, presumido Não é, em outras palavras, um conjunto
a partir de particularidades etnográficas e de meios processuais formais concebidos
generalidades antropológicas. (…) Eu não para satisfazerem os fins da investigação
acredito que a antropologia seja mais antropológica. Trata-se de uma prática em
anterior que à etnografia do que o contrário. seu próprio direito – uma prática de descrição
Elas são apenas diferentes. Pode ser difícil verbal. Os relatos que produz, de vida de outras
exercer ambas ao mesmo tempo, devido aos pessoas, são trabalhados acabados, não matéria-
diferentes posicionamentos que implicam, mas prima para posterior análise antropológica. Mas
maioria de nós provavelmente oscila entre elas, se a etnografia não é um meio para o fim da
como um pêndulo, no curso de nossas vidas antropologia então tampouco a antropologia
profissionais. O meu real propósito ao desafiar é serva da etnografia. Repito, a antropologia
a ideia de uma progressão unidirecional da é uma investigação sobre as condições e
etnografia para a antropologia não tem sido o possibilidades de vida humana no mundo; não
de menosprezar a etnografia ou tratá-la como é como – como tanto estudiosos em campos
uma reflexão posterior, mas sim libertá-la, de crítica literária considerariam – o estudo de
sobretudo da tirania do método. Nada tem como escrever etnografia, ou da problemática
sido mais prejudicial à etnografia do que a sua reflexiva da mudança da observação para a
representação à guisa de “método etnográfico”. descrição (INGOLD, 2015a, p.345).
Obviamente, a etnografia tem seus métodos,
mas não é um método.

Essa reflexão colocada em perspectiva visa demonstrar que,


embora esteja orientada em agenciamentos teóricos advindos
de uma reflexão conceitual antropológica através de categorias
como diferença, etnocentrismo, relativismo ou mesmo de cultura,
a etnografia possui sua particularidade enquanto maneira de
descrever contextos socioculturais. Aqui, iremos, então, pincelar
formas potenciais de descrição desses contextos em que são
vivenciadas e construídas (com outros sujeitos) as práticas
educacionais (ou escolares).

Estranhando o familiar: o cotidiano escolar.

A escola desempenha um importante papel no que 51diz


respeito a sua constituição enquanto um espaço intercultural, já
que muitas vezes, é nesse espaço em que diferentes culturas se
encontram, dialogam e se reconhecem. Sendo assim um espaço
propício ao desenvolvimento de diversos tipos de diálogos,
agenciamentos e conflitos.

5151
51
Por via do compartilhamento de experiências, conhecimentos
e perspectivas, estudantes, professores e funcionários que
compõem esse espaço têm a oportunidade de lidar com as
“diferenças” e, por consequência, a oportunidade de se colocar
no lugar do outro (aquele que é diferente).
O favorecimento do diálogo na escola, dessa forma, permite
que se construam relações mais igualitárias, fortalecendo uma
coexistência que visa o respeito e o apoio mútuo.
Vale dizer, no entanto, que, apesar de possuir o potencial de
possibilitar uma convivência multicultural, ao falar das diferenças
existe sempre a possibilidade delas produzirem conflitos, uma
vez que os conflitos são parte inerente de qualquer dinâmica
social.
A escola nesse sentido, teria um importante papel que
seria possibilitar a reflexão sobre eles transformando-os em
oportunidades de aprendizado.
Um olhar atento e a possibilidade de intervir nesse espaço
são um elementos de extrema importância para transmutar os
conflitos em processos de ensino-aprendizagem possibilitando
a construção de uma relação mais inclusiva e acolhedora entres
as partes que compõe a comunidade escolar.
Além disso, é nesse contexto que, de uma maneira geral, os
estudantes podem refletir sobre sua identidade cultural a partir
desse contraste que permeia a relação entre o “eu” e o “outro”
ou mesmo entre o “nós” e “eles”.

52 52
A interculturalidade é, cada vez mais, o termo no interculturalismo crítico busca-se suprimi-
usado para se referir a esses discursos, políticas, las por métodos políticos não violentos. A
estratégias de corte multicultural-neoliberal. assimetria social e a discriminação cultural
Seguindo Tubino (...), podemos nomear essa tornam inviável o diálogo intercultural autêntico.
interculturalidade como funcional, porque não (...) Para tornar real o diálogo, é preciso começar
questiona as regras do jogo e é perfeitamente por tornar visíveis as causas do não diálogo.
compatível com a lógica do modelo E isso passa necessariamente por um discurso
neoliberal existente. Essa interculturalidade de crítica social (…) um discurso preocupado
funcional se diferencia substantivamente da por explicitar as condições [de índole social,
interculturalidade entendida como projeto econômica, política e educativa] para que este
político, social epistêmico e ético, o que diálogo se dê (…) (WALSH, 2009, p.20-21).
denominei e ao que Tubino também se refere,
como interculturalidade crítica (...). Tubino
ajuda a esclarecer a diferença: Enquanto no
interculturalismo funcional busca-se promover
o diálogo e a tolerância sem tocar as causas
da assimetria social e cultural hoje vigentes,

A utilização da etnografia no espaço escolar coloca em


perspectiva, então, a possibilidade de compreender essas
dimensões interculturais, já que, como aponta Marli André
(1995), se o foco dos etnógrafos no geral seria descrever a
cultura de um dado grupo social em termos de suas práticas,
hábitos, crenças, linguagens, significados, etc, a preocupação dos
pesquisadores da área de educação ao adotarem esse método
seria compreender parte dessas dimensões, mas principalmente
aquilo que é o processo educativo. Interessante notar que, ao
pensar a etnografia nesses termos, tem-se uma diferença entre
a etnografia dos antropólogos e aquelas dos pesquisadores da
educação.

Existe, pois, uma diferença de enfoque nessas duas áreas, o que


faz com que certos requisitos da etnografia não sejam – nem 53
necessitem ser – cumpridos pelos investigadores das questões
educacionais. Requisitos sugeridos por Wolcott (...), como por
exemplo uma longa permanência do pesquisador em campo, o
contato com outras culturas e o uso de amplas categorias sociais
na análise de dados. O que se tem feito pois é uma adaptação
da etnografia à educação, o que me leva a concluir que fazemos
estudos do tipo etnográfico e não etnografia no seu sentido estrito
(André, 1995).

5353
53
Porém, ainda que possa haver uma distinção possível entre
essas dimensões da pesquisa pensada em suas respectivas
áreas as técnicas utilizadas são as mesmas, como aponta André
(1995):

1) Utiliza a observação participante que se refere ao princípio de


interação que existe entre o pesquisador e a situação estudada.
Essa técnica permite a coleta de dados através da observação e
do diálogo, conferindo exatamente o caráter de participação na
produção de dados de pesquisas.
2) Preocupação com os significados, ou seja, a dimensão
simbólica é de extrema relevância numa pesquisa etnográfica,
uma vez que permite que o pesquisador entenda porque os
indivíduos fazem o que fazem, e pensam o que pensam, e quais
são as experiências que marcam e produzem esses significados.
3) O trabalho de campo é uma outra dimensão que está posta
em termos de interação e de organização da pesquisa, já que se
refere ao local da pesquisa, o relacionamento com as pessoas, as
situações vivenciadas e a temporalidade do estudo. Basicamente
tudo que irá acontecer será determinado pelas condições em
que será realizado o trabalho de campo.7
4) A pesquisa etnográfica tem como foco retratar com
profundidade as situações vivenciadas e dados coletados, daí a
descrição ser o seu aspecto central, além disso tende a operar
em termos indutivos no qual a descrição de dados particulares
permite a explicação de determinados fenômenos referentes ao
grupo pesquisado.

Pensar a etnografia e o fazer etnográfico, nesse caso, é reconhecer


o potencial que o cotidiano escolar tem de possibilitar ao
pesquisador refazer os processos e relações que permeiam esse
espaço e suas experiências. A adoção das técnicas que fazem parte
da pesquisa etnográfica como a observação e as entrevistas no
contexto escolar permite a realização de um registro privilegiado
do dia a dia na escola além das descrições das representações ali
construídas e as ações dos sujeitos, bem como a construção de
uma narrativa rica em detalhes e significados.

7 Lembrando que em termos antropológicos o campo pode ser algo múltiplo, nem sempre se refere a uma situação
a ser vivenciada em campo no seu sentido estrito.

54 54
Ao ser um “observador participante”, o pesquisador ou a
pesquisadora (professor ou professora), nesse caso, se situa
enquanto um membro ativo da comunidade escolar. Essa
proximidade permite muitas vezes obter informações e coletar
dados que até então seriam impossíveis sem essa vivência
profunda de uma observadora atenta. De outro lado, a abertura
de diálogo com os sujeitos proporciona que essa observação
de outrora seja comparada com as perspectivas individuais
e dos grupos que compõem o espaço escolar. Daí, termos
que operar muitas vezes na lógica do estranhamento, ou no
melhor dos termos, transformando o que nos é “familiar” em
algo “estranho”.

Assim, volto ao problema de Da Matta, para Encontramo-nos na rua, falo com alguns,
sugerir certas complicações. O que sempre cumprimento outros, há os que só reconheço
vemos e encontramos pode ser familiar mas e, evidentemente, há desconhecidos também. (…)
não é necessariamente conhecido e o que O fato é que dentro da grande metrópole,
não vemos e encontramos pode ser exótico seja Nova York, Paris ou Rio de Janeiro, há
mas, até certo ponto conhecido. No entanto, descontinuidades vigorosas entre o “mundo”
estamos sempre pressupondo familiaridades do pesquisador e outros mundos, fazendo
e exotismos como fontes de conhecimento e com que ele, mesmo sendo nova-iorquino,
desconhecimento, respectivamente. parisiense ou carioca, possa ter estranheza,
Da janela do meu apartamento veja na rua não-reconhecimento e até choque cultural
um grupo de nordestinos, trabalhadores da comparáveis à de viagens a sociedades e
construção civil, enquanto alguns metros regiões “exóticas”.
adiante conversam alguns surfistas.
(…) Assim, em princípio dispomos de um mapa
Na padaria há uma fila de empregadas que nos familiariza com os cenários e situações
domésticas, três senhoras de classe média sociais de nosso cotidiano dando nome, lugar
conversam na porta do prédio em frente; dois e posição aos indivíduos. Isso, no entanto, não
militares atravessam a rua. Não há dúvidas significa que conhecemos o ponto de vista e a
que todos esses indivíduos e grupos fazem visão de mundo de diferentes atores em uma
parte da mesma paisagem, do cenário da situação social nem as regras que estão por
rua, de modo geral estou habituado a sua detrás dessas interações, dando continuidade
familiaridade. Mas, por outro lado, o meu ao sistema. Logo, sendo pesquisador membro
conhecimento a respeito de suas vidas, hábitos, da sociedade, coloca-se, inevitavelmente, a
crenças, valores é altamente diferenciado. Não
só meu grau de familiaridade, nos termos de
55
questão de seu lugar e de suas possibilidades
de relativizá-lo ou transcendê-lo e poder “pôr-
Da Matta está longe de ser homogêneo, como o se no lugar do outro” (VELHO, 1980, p.126-127).
de conhecimento é desigual.No entanto, todos
não só fazem parte de minha sociedade, mas
são meus contemporâneos e vizinhos.

5555
55
Essa capacidade de estranhar a realidade e o exercício
imaginativo do pesquisador em contato com o espaço escolar
que o circunda permitem identificar situações, problemas
e questões ao passo que constitui uma oportunidade para
desenvolver um olhar questionador e investigativo que pode
ser utilizado no desenvolvimento das próprias práticas escolares
como seu “campo” de pesquisa.
Enquanto antropólogo e professor, lancei mão muitas vezes
de situações cotidianas dentro e fora da escola para realizar
práticas em sala de aula com o intuito, não só de favorecer o
aprendizado dos estudantes, mas também de compreender os
significados e sentidos que eles atribuíam ao conhecimento a ser
compartilhado, a vivência escolar e suas interações e o contexto
social que estava envolto nas experiências comuns
Uma dessas situações, por exemplo, foi quando propus uma
discussão acerca da temática da violência contra a mulher
e feminicídio em uma turma de terceiro ano na escola onde
trabalhava. O debate foi motivado pelo contato que tinha com os
estudantes fora da escola. Eu jogava bola com pessoas da cidade
e consequentemente alguns estudantes (homens) também faziam
parte do grupo.
Numa dada situação nesse grupo, alguns rapazes estavam
comentando uma notícia acerca de uma acusação de estupro
que havia sido realizada por uma mulher contra um jogador
de futebol.
Nas conversas, os homens mais velhos estavam achando um
absurdo essa acusação, já que ela certamente seria falsa, e,
que, nesses casos como em outras situações, deveria haver
uma reparação aos homens, ao passo que um falou: “agora,56
no Brasil, não tem uma lei João da Penha, só existe essas
leis para a proteção das mulheres”, eu, observador atento e
já achando aqueles comentários absurdos, percebi que alguns
dos estudantes que estavam ali concordavam com o que havia
sido dito respondendo: “é mesmo, deveria ter uma lei também
para esses casos”.

5656
56
Naquele contexto, eu tentei argumentar, mas fatalmente numa
lógica machista não houve argumento a ser considerado, no
entanto esse estranhamento foi uma oportunidade para que eu
pudesse levar o tema para a sala de aula, questionar os alunos
sobre o que pensavam dessa questão da violência contra mulher:
o que eles entendiam como violência? Quais os tipos de violência
existentes? Homens são mais violentos que mulheres?
Ao passo que eles iam respondendo as questões, eu ia
apresentando alguns dados e argumentos. Como parte final
dessa proposta, solicitei um trabalho sobre a Lei Maria da Penha
para turma, e para aqueles estudantes que jogavam bola comigo
eu pedi que apresentassem o trabalho deles em formato de
seminário.
Depois de avaliado os trabalhos, pude perceber um olhar mais
atento para essa temática por parte deles ao mesmo tempo que
pude compreender a concepção de outros e outras estudantes
que não tinham vivenciado aquela situação acerca do tema
proposto.
O interessante desse fato é que essa prática pedagógica não
surgiu de um planejamento prévio e elaborado como poderia ter
sido – sendo que geralmente o é, já que a temática é relevante –
mas nesse caso a discussão do tema, nessa turma em específico,
se deu em virtude dessa vivência com os estudantes.
Foi isso que me possibilitou promover e por quê não dizer
“investigar” sobre algo que permeava o cotidiano deles, ou
melhor, o “nosso” cotidiano.
Um outro trabalho que desenvolvi na escola e que ilustra um
pouco essa dimensão da prática escolar como instrumento de
57
investigação e pesquisa foi a produção de uma atividade curricular
complementar no contexto da pandemia do coronavírus, na qual
professores da área de Ciências Humanas da escola fizeram uma
proposta chamada “Trilhas da Chapada Diamantina” em que cada
professor tentava trabalhar os conteúdos dos seus componentes
com foco no território da Chapada Diamantina como também da
cidade da escola, que nesse caso era a cidade de Nova Redenção.

5757
57
Como estratégia para esse componente, criei um pequeno
ebook, com textos coletados da internet e propus algumas
atividades.
Uma dessas atividades elaboradas tinha como enfoque a
manifestação da prática cultural e religiosa do Jarê, que é
uma religião de origem africana e especificamente da Chapada
Diamantina, de modo que uma das intencionalidades de
trabalhar com essa temática, ocorre devido a um fato – por
mim estranhado – em que certo dia uma professora chegou
na escola vestida de azul e um dos funcionários da parte
administrativa elogiou o vestido dela e sinalizou que ela estava
parecida com Iemanjá.
Esse comentário fez que ela repreendesse de forma veemente
por considerar uma comparação “ofensiva”, o que se “justificaria”
pelo fato dela ser evangélica. Aproveitando o fato, outro colega,
também professor, resolveu comentar que os “batuques de
tambor tinham voltado” após um breve “sumiço” e que ele
achou que essa “zoada” tinha acabado. Seu comentário foi
seguido pela professora, que também em tom de repulsa, disse
“essa coisa tinha era que acabar mesmo”.

Imagem 6: Ebook Trilhas da Chapada Diamantina – Sociologia

58

Fonte: Acervo próprio

5858
58
Para a atividade que abordava o Jarê, trouxe um texto que
falava exatamente dessa manifestação religiosa na Chapada
Diamantina e sua conexão com os descendentes de escravizados
africanos que habitavam (e habitam) ali.
Como questão central, coloquei o tópico da intolerância
religiosa. Minha intenção era rastrear os discursos dos estudantes
para poder trabalhar em sala o tema de forma crítica tentando
romper com uma visão preconceituosa como a disseminada
pela professora.
Minha hipótese estava pautada no fato de que a maioria dos
estudantes da escola tinham uma vinculação com as religiões
evangélicas e que, portanto, não seria uma surpresa caso eles
assumissem uma postura similar a da dela e do outro professor,
daí os questionamentos propostos foram: Você já ouviu falar
do Jarê? O que as pessoas te dizem sobre essa religião? Você
acha correto ser intolerante com a religião do outro?

Imagem 7: Atividade Jarê

59
Fonte: Acervo próprio

Essas perguntas colocam em jogo um sentido duplo reflexivo:

5959
59
Ao mesmo tempo que proponho aos estudantes refletirem a
temática como parte de um conteúdo que foi planejado para
tal, atribuo também um sentido investigativo no qual posso
compreender melhor quais são os sentidos e os significados que
os estudantes atribuem a essa dimensão religiosa que parte
daquilo que pode constituir ou não sua identidade cultural.
As respostas que recebi, nesse caso, em sua maioria, foram no
sentido contrário da minha hipótese previamente estabelecida.

Imagem 8: Resposta Jarê

Fonte: Acervo próprio

60 60
Na imagem acima, por exemplo, um estudante responde às
questões levantadas sobre o Jarê de forma bastante interessante
primeiro responde:

“sim, é uma religião legal mas nem todas pessoas aceitam


ela”, depois segue: “as pessoas me falaram que algumas pessoas
que são da religião do Jarê trabalham para resolver problemas
familiares entre outras, [e] muitos curadores trabalham fazendo
o bem”, por fim, acerca da intolerância religiosa, conclui: “(…)
cada um deve respeitar a religião do outro, mas muitas pessoas
tem preconceito com esta religião que é o Jarê, mas cada um
tem seu direito de decidir o que é que querem ser, independente
do que os outros querem. Ser cidadão é ter direito à vida, à
liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei”.

Essa possibilidade, então, de tornar as práticas escolares


como motivadoras de processos investigativos se apresenta
como um recurso de extrema relevância para produção de
estudos do tipo etnográficos. Nesse sentido, tudo que é
vivenciado pode e deve ser estranhado como potencial reflexivo,
bem como todas as práticas escolares realizadas podem ser
documentadas para que isso se apresente como dados para
reflexão desse cotidiano escolar.

Por uma descrição densa do “chão da escola”

61
Parte desse processo de construção descritiva do contexto
escolar deve levar em consideração as dinâmicas que circundam
esse espaço. Segundo André (1995), é necessário para tal
compreender três dimensões: a institucional ou organizacional,
a instrucional ou pedagógica e a sociopolítica e cultural, que se
constituem como múltiplas inter-relações do cotidiano escolar.

6161
61
Institucional / Organizacional
» Refere-se às formas de organização do trabalho pedagógico, estru-
turas de poder e de decisão, níveis de participação dos seus agentes,
disponibilidade de recursos humanos e materiais.
» Essa dimensão envolve o contato direto com a direção da escola,
com o pessoal técnico-administrativo e com os docentes.
» Técnicas adotadas para coleta de dados podem envolver entre-
vistas individuais ou coletivas ou mesmo de conversas informais,
um estudo das representações dos atores escolares, além de um
acompanhamento das reuniões e atividades escolares. Pode envolver
também estudo das representações escolares, acompanhamento das
reuniões e atividades escolares.

Instrucional / Pedagógica
» Trata das situações que envolvem o ensino com foco na relação
professor-aluno-conhecimento.
» Nesse contexto, tem-se os objetivos e conteúdos do ensino, as
atividades e o material didático, a linguagem e outros meios de co-
municação entre professor e alunos e as formas de avaliar o ensino
e a aprendizagem.
» O direcionamento da atenção aqui está no processo de apropria-
ção ativa dos conhecimentos por parte dos alunos, na mediação
exercida pelo professor e no ambiente no qual se realiza o ensino.
Assim, nessa dimensão é importante reconhecer as formas de inte-
ração que envolvem componentes afetivos, morais, políticos, éticos,
cognitivos e sociais. Essa parte é onde leva-se em consideração a
dinâmica da sala de aula como parte constitutiva das práticas es-
colares. A investigação, nesse caso, ocorre por meio da observação
direta das situações de ensino-aprendizagem, análise tanto do ma-
terial didático utilizado pelo professor quanto do material produzido
pelos estudantes.

Sociopolítica / Cultural
» Envolve os aspectos macroestruturais que permeiam a prática edu-
cativa.
» O foco está em elementos como: o momento histórico, as forças
políticas e sociais, além das concepções e os valores presentes na
sociedade.

62 62
É importante lembrar, então, que essas dimensões não se
encontram separadas, mas interagem de forma a compor o
cenário que se apresenta nos espaços escolares. Estar atento a
esses aspectos produzirá por efeito aquilo que entende-se como
descrição densa, que se refere à capacidade que o pesquisador
e pesquisadora têm de produzir uma descrição detalhada das
situações relacionais do seu contexto de pesquisa, que, no
nosso caso, enquanto professores-pesquisadores desse cotidiano
escolar convencionalmente chamamos de “chão da escola”.
Por isso, muitas vezes, utilizamos essa experiência de base
(cotidiana) para nos colocar enquanto conhecedores dessa
vivência escolar (algo que possui extrema relevância).

Em primeiro lugar, eu acho que nós precisamos saber qual é o


preço do pãozinho”, assim me interpelou um professor, ainda
na rodada de apresentações, antes mesmo que eu fizesse
minha exposição num curso de formação para docentes que
ministrei em escola pública estadual na periferia de São Paulo.
Com isso, o professor criticava, ao mesmo tempo, uma série de
posturas como a da academia de tratar da escola à distância
de seu cotidiano e a de nós antropólogos que se arriscam a
discutir educação. Ademais, com essa interpelação, o professor
queria dizer que eu não conhecia muito bem o “chão da
escola” e, portanto, não tinha legitimidade para falar sobre seu
cotidiano. O que me marcava imediatamente como um pedante
que lhes queria ensinar algo que eles sabiam e dominavam
muito mais. Ele também contrapunha a concretude das relações
vividas a uma visão ideal de escola que se situa apenas no
nível do discurso. Não se pode dizer que essa posição seja
totalmente desprovida de razão, muito pelo contrário. Quando
fui provocado por esse professor, no entanto, eu tentei lhe
mostrar que possuía algum conhecimento do “chão da escola”,
mas que gostaria, na verdade, de conversar menos sobre o
aspecto educacional e de controle disciplinar dos alunos e
mais sobre uma perspectiva antropológica que pudesse revelar
63
outras possibilidades de entendimento das relações sociais
(PEREIRA, 2017).

Estar atento a essa perspectiva antropológica é o que tende a


orientar a descrição densa do contexto, uma vez que é preciso
reconhecer que querendo ou não ir a campo com algumas
questões pode permitir um melhor estranhamento da realidade
a ser estudada, ainda que seja um termos de um “esboço” ou
“rascunho”.

6363
63
O antropólogo que apresentou essa ideia de que um trabalho
etnográfico deve ser descrito desta maneira foi Clifford Geertz
(2008).
Para ele, a descrição densa seria uma perspectiva metodológica
que permitiria a compreensão da cultura e do comportamento
humano através de um aprofundamento no contexto pesquisado
e do desenvolvimento da capacidade interpretativa do
pesquisador rompendo com o que seria simples observações
superficiais.
A cultura, desse ponto de vista, não se resumiria a um conjunto
de comportamentos ou aspectos visíveis do grupo social em que se
encontra em contato o pesquisador. De forma contrária, ela seria um
sistema composto por um conjunto complexo de significados que é
compartilhado pelos sujeitos pertencentes a um dado grupo social.
Portanto, seria função do antropólogo fazer um exercício de “leitura”
aprofundada e cuidadosa das práticas culturais como forma de captar
e identificar os símbolos e os significados implícitos. Daí reside a
importância que se atribui a uma interpretação profunda ou, como
descreve, densa dos contextos sociais.

(…) Um sentido correto do muito que existe é uma descrição densa. O que o etnógrafo
na descrição etnográfica da espécie mais enfrenta, de fato — a não ser quando
elementar — como ela é extraordinariamente (como deve fazer, naturalmente) está
“densa”. Nos escritos etnográficos acabados, seguindo as rotinas mais automatizadas
inclusive os aqui selecionados; esse fato — de coletar dados — é uma multiplicidade
de que o que chamamos de nossos dados/ de estruturas conceptuais complexas,
são realmente nossa própria construção muitas delas sobrepostas ou amarradas
das construções de outras pessoas, do que umas às outras, que são simultaneamente
elas e seus compatriotas se propõem — estranhas, irregulares e inexplícitas, e que
está obscurecido, pois a maior parte do ele tem que, de alguma forma, primeiro
que precisamos para compreender um apreender e depois apresentar. E isso é
acontecimento particular, um ritual, um verdade em todos os níveis de atividade
costume, uma ideia, ou o que quer que seja do seu trabalho de campo, mesmo o mais
está insinuado como informação de fundo rotineiro: entrevistar informantes, observar
antes da coisa em si mesma ser examinada 64
rituais, deduzir os termos de parentesco,
diretamente. (…) Nada há de errado nisso e, traçar as linhas de propriedade, fazer o
de qualquer forma, é inevitável. Todavia, isso censo doméstico... escrever seu diário.
leva à visão da pesquisa antropológica como Fazer a etnografia é como tentar ler (no
uma atividade mais observadora e menos sentido de “construir uma leitura de”) um
interpretativa do que ela realmente é. Bem manuscrito estranho, desbotado, cheio de
no fundo da base fatual, a rocha dura, se é elipses, incoerências, emendas suspeitas e
que existe uma, de todo o empreendimento, comentários tendenciosos, escrito não com
nós já estamos explicando e, o que é os sinais convencio nais do som, mas com
pior, explicando explicações.Piscadelas de exemplos transitórios de comportamento
piscadelas de piscadelas (...) O ponto a modelado (GEERTZ, 2008, p.7)
enfocar agora é somente que a etnografia

6464
64
Esse tipo de profundidade descritiva é um recurso que possui
relevância não só para trazer notoriedade ao texto, mas também
permitir que o leitor adentre ao universo contextual em que
se desenvolveu a pesquisa (e atiçado para certa curiosidade),
por isso, é preciso estar atento às problemáticas existentes em
“campo” e como eles podem ser apresentadas e aproveitadas
no relato etnográfico. Um exemplo desse contexto pode ser
visto na descrição abaixo realizada por Pereira (2017), que
trata da dificuldade na elaboração escrita pelos estudantes
para solicitação de demandas e conflitos em um dado contexto
escolar.

Em 2006, estive numa escola, em Em conversa dos alunos com um


bairro pobre da periferia da zona professor de língua portuguesa sobre
sul de São Paulo, para acompanhar
as explosões, um dia após a polícia ter
as relações cotidianas que ali se
desenvolviam, por conta da pesquisa entrado na escola para revistá-los, por
de doutorado que visava justamente causa da denúncia feita pela direção de
compreender as múltiplas relações que estudantes estavam com explosivos
que jovens/estudantes estabeleciam dentro do estabelecimento de ensino,
com o espaço escolar e seu entorno explicitaram-se as particularidades da
(...). Para tal pesquisa, observei quatro forma como os protestos foram conduzidos.
escolas públicas em regiões periféricas Nesse diálogo, os discentes afirmaram
de São Paulo, mas nessa específica que estavam insatisfeitos com a escola
à qual me refiro, logo nos primeiros devido aos fatores já apontados, mas que
dias de minha chegada, uma atuação não estavam contentes principalmente
de contraposição à dinâmica escolar com a demissão do porteiro. Contaram
chamou-me a atenção: a escola passava que a direção o havia responsabilizado
por uma série de “atentados” à bomba pelas explosões e que a polícia havia o
realizados pelos alunos. As bombas, procurado em casa por causa disso, o
na verdade, eram de pouco impacto, que gerou uma indignação ainda maior.
mas, em alguns momentos, faziam
O professor disse que concordava com
grande barulho e causavam medo
entre os docentes.Pude presenciar, por as reivindicações, mas que discordava
exemplo, a explosão de dez bombas da forma como eram efetivadas, pois
numa mesma noite. As explosões afirmou que alguém poderia se machucar
sucessivas nessa escola revelaram com as bombas Um dos estudantes, o
não apenas uma prática lúdica mais Natanael, . contou que gostaria de redigir
violenta ou uma reação a determinadas
um abaixo-assinado, mas que não sabia
medidas tomadas pela instituição que
contrariavam os discentes, como a como, nem o que escrever. “Não dá para
demissão do porteiro e o encerramento apenas escrever, reivindicamos isso e isso”,
do campeonato de futebol às sextas- lamentou. Continuou a conversa afirmando
feiras à noite, mas também a pouca que precisavam de alguém para ajudá-los a
habilidade dos jovens em acionar o escrever, deixando entender que desejavam
repertório do letramento para se valer
um auxílio do professor, o qual, entretanto,
de mecanismos não violentos de
contraposição ou de demonstração de não esboçou nenhum movimento no sentido
insatisfação com as ações da direção. de orientá-los. (PEREIRA,2017)

65 65
Desenhando e colorindo uma etnografia

É preciso dizer que, apesar da escrita ser o recurso mais


comum no processo de elaboração descritiva em um dado
contexto e as problemáticas que ela suscita em termos da
construção de uma narrativa, essa não é a única forma de operar
a forma de descrição em termos etnográficos, principalmente,
quando trata-se dos espaços escolares. Existem outros recursos
que podem ser aproveitados para possibilitar um processo
descritivo denso que abdique da escrita em si.
A antropóloga Karina Kuschnir (2016) aponta e explora a
relação entre o trabalho de campo antropológico e o desenho
como potencial recurso para a realização da pesquisa
etnográfica. Ela argumenta que o desenho se constitui como
uma poderosa ferramenta que permite não só comunicar, mas
também documentar as experiências que foram vividas durante
o processo de pesquisa.
Assim, desenhar ou “esboçar” permitiria uma compreensão
profunda acerca das culturas estudadas,
8 uma vez que ofereceria
uma abordagem única no que tange a possibilidade de captar
os espaços físicos, as interações sociais, e objetos culturais
encontrados durante a imersão em campo. O mesmo equivale
nesse caso à utilização da fotografia ou mesmo do filme e
gravação de vídeos que historicamente foram utilizados pelos
antropólogos para justificar a sua ida a campo que é reconhecido
através do famoso jargão “eu estive lá”.

Mas do que falam os autores quando abordam antropologicamente


o desenho, ou melhor, quando abordam “desenhativamente”
a antropologia? Perdoem o neologismo, mas foi justamente
por essa última perspectiva que, do meu ponto de vista, se
fortaleceu a ideia de que registros gráficos e antropologia têm
grande potencial de contribuição mútua. Foi por gostar de (...)

8 Os desenhos são tratados na literatura antropológica geralmente como sketches, que traduzindo significa
esboço ou rascunho.

66 66
(...) desenhos e da experiência de desenhar que antropólogos
e antropólogas trouxeram essa prática para dentro de suas
reflexões profissionais, e não ao contrário. Como sabemos, ao
longo do século XX, o desenho perdeu seu protagonismo para os
equipamentos de produção de imagens como a câmera fotográfica
e a filmadora. O aprendizado da técnica vai desaparecendo dos
currículos escolares (ao menos na tradição ocidental) e seus
profissionais deixam de figurar como membros indispensáveis
de equipes de pesquisa, passando a ocupar áreas e nichos
específicos, seja em núcleos de ilustração científica, seja em
artes, arquitetura e design. Mesmo nesses campos, o meio
digital ocupou grande parte da produção do conhecimento
visual gráfico (KUSCHINIR, 2016, p. 7)
.

No entanto, me parece que o desenho possui um potencial


muito interessante para ser abordado em sala de aula mas
também no processo de pesquisa etnográfica uma vez que
é necessário poucos recursos na sua aplicação e pode ser
replicado basicamente em todas as etapas de ensino seja ele
infantil, fundamental, médio ou mesmo em nível superior.

Meu objetivo nessa proposta de ensino foi então mostrar aos alunos
que antropologia e desenho são modos de ver e também modos
de conhecer o mundo. Colocar esses dois universos em diálogo
permite, na minha hipótese de pesquisa, um enriquecimento
mútuo — isto é, desenhar contribui positivamente para a pesquisa
antropológica, e vice-versa: pesquisar antropologicamente
contribui para desenharmos o mundo à nossa volta. Como eu
tinha um grupo de estudantes já familiarizados com etnografia,
minha tarefa inicial foi aproximá-los da prática do desenho.
Posso dizer que o que era apenas a minha pesquisa se tornou
um projeto de investigação (e diversão!) coletiva. Seria impossível
narrar aqui tudo o que desenvolvemos nas sessenta horas de
curso e nas muitas horas gastas nos trabalhos de campo. Escolhi,
portanto, apresentar apenas algumas aulas-chave como exemplos
etnográficos da investigação (KUSCHNIR, 2014, p.28.)(p.66.)

Foi baseado na reflexão antropológica e no relato da Kuschnir


(2014) que resolvi incorporar o desenho como prática pedagógica
e investigativa.

67 67
Nesse ponto, gostaria de retomar o trabalho citado na
seção anterior das “Trilhas da Chapada Diamantina” na qual
desenvolvi uma atividade que estava relacionada à caracterização
sociocultural do território e cujo enfoque dado foi o aspecto
das construções das cidades da Chapada Diamantina.
O interesse por essa temática se deu por conta de, um dia, o
dono da casa em que eu morava ter ido resolver um problema
da casa e começou a me contar como ela tinha sido feita,
as mudanças estruturais efetuadas ao longo do tempo e que,
apesar de não aparentar, a casa era toda de adobe (que são
tijolos de terra).
Isso gerou uma conexão exatamente com o fato de que a
forma e como as casas da cidade no geral tinham sido feitas
seria expressão de uma característica cultural local que poderia
ser bastante relevante para ser trabalhada em sala de aula, já
que é de conhecimento comum que a Chapada Diamantina
é reconhecida pelas suas belezas naturais, mas também pela
peculiaridade arquitetônica de algumas das cidades que
compõem esse território, e, apesar da cidade de Nova Redenção
não ser uma cidade por excelência turística, também carregava
essa história.
Nessa atividade eu apresentei brevemente o conceito de
arquitetura vernacular que refere-se às construções que são
feitas com materiais locais e que são construídas de forma
específica adequada ao ambiente em que será realizada e
realizei, apresentei algumas fotos com construções de pedra,
adobe e pau-a-pique e fiz o seguinte questionamento:

68
Pergunte a alguém que você conhece, se ele sabe o que são
essas construções e se sabem com construí-las, aproveite e
faça um desenho que represente uma construção de pau-a-
pique, adobe ou pedra.

6868
68
Imagem 9: Atividade Arquitetura Vernacular

Fonte: Acervo próprio

A minha hipótese nesse caso era que os estudantes


conseguissem trazer relatos de familiares e conhecidos parecidos
com aqueles que eu escutei do dono da casa em que eu morava
e pudessem demonstrar como eles se conectavam com essa
história construtiva “local” e as formas de representá-la.
O resultado foi bastante positivo, pois os estudantes trouxeram
relatos interessantes, e, apesar de inicialmente achar que o
desenho para eles e elas poderia soar “infantil” – já que o
desenho é um dos exercícios por excelência dessa etapa de
vida, houve uma boa adesão.

69 69
Imagem 10: Atividade Arquitetura Vernacular

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Fonte: Acervo próprio

7070
70
Imagem 11: Atividade Arquitetura Vernacular

71

Fonte: Acervo próprio

7171
71
As atividades então geraram relatos interessantes sobre o fato
de familiares próximos, como pais ou mães, terem nascidos
e criados em casas com as características de arquitetura
vernacular, como também o fato desses familiares carregarem
consigo esse saber de como construir sua casa com os materiais
locais existentes.
Nesse caso, os desenhos representam e complementam esses
relatos. Uns dos relatos interessantes que estão nas imagens
acima foram:

Relato 1: “Eu procurei meu pai e ele me falou que sabe o que
é a construção de adobe, pau-a-pique e de pedra e também
me falou que morava em uma delas que é a casa de adobe e
quem construía a casa era o pai dele e para isso eles faziam
os adobes e depois o alicerce depois levantava um barraco com
uma porta e um janela e era o barraco com eternit ou telha e
o barraco estava pronto.”
Relato 2: “O relato de como se constrói uma casa de pau-a-
pique veio da minha mãe, o primeiro passo era a colocação
das varetas retas fixadas no solo e colocadas na vertical e
na horizontal bem próximas, que são amarradas entre cipós
que vai dando origem a um painel que será preenchido com
o barro pisado que dá origem as paredes (sic) e por fim se
faz a estrutura do telhado que é feita normalmente com as
peças de madeiras e as telhas ou como era feito antigamente
a colocação de palhas.”

Essa atividade gerou um impulso para que na escola


que passei a atuar em outra cidade da Chapada Diamantina
pudesse novamente explorar isso de forma que o desenho aqui
se apresentasse como elemento principal.
Como comentei anteriormente em uma das seções, eu ministrei
um componente curricular chamado “A Arte de Morar” e nele
novamente trouxe a questão da arquitetura vernacular.

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Nessa atividade, eu trouxe a reflexão sobre a questão do habitar
o mundo e a forma de construí-lo, desenvolvi uma atividade
de aquecimento prático de desenho em que incentivava os
estudantes a explorar as linhas, as formas e as texturas por
meio do lápis, e, por fim, realizei uma atividade de duas etapas
denominada “Olhar Arquitetônico”, que seria um forma de
instigar o olhar desses estudantes para os espaços da cidade,
em que eles, a partir do olhar, teriam que realizar desenhos
do tipo croqui: primeiro um desenho de um espaço da escola,
depois um desenho da rua.

Imagem 12: Atividade Olhar Arquitetônico

Imagem 13: Atividade Olhar Arquitetônico

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Fonte: Fonte: Acervo próprio

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Imagem 14: Atividade Olhar Arquitetônico

Imagem 15: Atividade Olhar Arquitetônico

Fonte: Fonte: Acervo próprio

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Essa atividade então fomentava um treino do olhar, ou seja,
a observação, mas também a descrição, assim questionava a
partir dos elementos que estavam no desenho:
Por que isso? Por que não aquilo?
Será que não está faltando algo?

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Que interessante esse detalhe!
Sendo que, muitas vezes, eu nem precisei intervir, já que
eles já vinham me mostrando desenho e falando: “professor,
eu escolhi esse local porque eu achei interessante aí aqui eu
estava sentado e tentei retratar isso ou aquilo”.
Então, o desenho era uma boa “desculpa” para problematizar
o espaço, território, desigualdades, o mundo que nós vivíamos,
e porque não de um aprendizado mútuo.
Todos esses relatos que trago aqui das atividades desenvolvidas
foram e são documentações de práticas escolares que desenvolvi
como parte de um exercício de “imaginação sociológica” –
ou, como coloca Paulo Freire (1996), de uma “curiosidade
epistemológica” – que perpassa o meu cotidiano escolar, já que,
enquanto professor, nunca abdiquei da posição de pesquisador,
e, talvez por isso meus interesses como antropólogo têm me
orientado enquanto docente.
Embora eu não tenha conseguido realizar nenhuma
publicação científica ou educacional dessas experiências
aqui listadas, esses registros e documentação das atividades
foram feitas exatamente como parte desse exercício reflexão
antropológica e de investigação etnográfica dos contextos
em que atuo, ou seja, é possível através disso acessar com
uma maior profundidade determinadas questões e por vezes
aumentar qualitativamente o vínculo com os e as estudantes
e o entorno escolar, já que demonstrar interesse na vida que
nos circunda pode nos propiciar coletivamente outros pontos
de vistas.
A ideia de compartilhar aqui um pouco dos conhecimentos
antropológicos, metodológicos, etnográficos e de experiência 75
escolar – ainda que de forma sintética, por isso sugiro fortemente
um esforço para acessar as referências aqui elencadas – pode
servir como um bom impulso para que a gente possa pensar
o espaço escolar na sua multiplicidade que por fim nos leva
a seguinte questão: será a escola o único espaço escolar?
Aproveitem esta reflexão.

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REFERÊNCIAS

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