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A associação de associações e o controle concentrado


de constitucionalidade
A associação de associações e o controle concentrado de
constitucionalidade

Camila Machado Lima

Publicado em 08/2018. Elaborado em 06/2018.

Trata-se da exposição de modelo para criação de uma


associação de associações de determinado setor econômico,
com legitimidade para o possível ingresso de ações
constitucionais.

A Constituição Federal dispõe em seu art. 103 que são legitimadas para opor ADI e
ADC, dentre outros, as confederações sindicais ou entidades de classe de âmbito
nacional. Em face da ausência de norma que regulamente a caracterização da das
aludidas entidades, enquanto legitimadas, coube ao STF o encargo de alinhar o
tema.

Neste esteio, a possibilidade de ajuizamento dos referidos remédios


constitucionais por esses entes está condicionada ao atendimento de certos pré-
requisitos. Assim, importa esclarecer, a priori, alguns pontos importantes quanto
a subsunção a essas condicionantes.

Primeiramente, a entidade, para poder atuar como postulante das ações sob
análise, deve representar determinada classe ou categoria de forma singular, com
patente homogeneidade. Dessa forma, a entidade deve, inclusive por disposição
estatutária, atuar em defesa de uma classe bem definida e em sua integralidade,
não podendo representar apenas uma fração da categoria.

Quanto ao tema, o STF estabeleceu:


A entidade de classe considerada legítima para ajuizar ADI deve ser
integrada por membros vinculados entre si por objetivos comuns. É
necessária a presença de um elemento unificador que, fundado na
essencial homogeneidade, comunhão e identidade de valores, constitua
um necessário fator de conexão capaz de identificar os associados como
membros que efetivamente pertencem a uma mesma classe ou categoria
(ADI 108-6/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 24.4.1992)

Diante da exigência de homogeneidade, a Corte Constitucional também tem


entendido que entidades de caráter abrangente não dispõem de legitimidade para
a propositura da ação direta de inconstitucionalidade, justamente por
congregarem distintas classes, carreiras ou categorias - mesmo supondo exercício
de labor análogo -, ou, até mesmo, agrupando pessoas físicas e jurídicas em uma
mesma entidade (STF - ADI nº 4.230/RJ-AgR).

Ademais, outro importante pré-requisito é que a entidade de classe seja


enquadrada como de abrangência nacional. Para tal qualificação, o STF utiliza o
mesmo entendimento aplicado para o registro de partidos políticos perante o
Tribunal Superior Eleitoral, devendo a associação, portanto, ser composta por
membros de, pelo menos, 09 (nove) estados da Federação, para, só assim, ser
considerada como nacional (STF - ADI 386/ES).

Não se pode olvidar, ainda, da condicionante relativa à pertinência temática, visto


que a tese jurisprudencial firmada é que a lei ou o ato normativo impugnado por
controle de constitucionalidade esteja em compasso com o conteúdo material das
finalidades estatutárias da entidade, nos termos do entendimento da Magna
Corte:

A jurisprudência do STF, ao interpretar o alcance da cláusula inscrita no


art. 103, IX, da Carta Política, erigiu o vínculo de pertinência temática à
condição objetiva de requisito qualificador da própria legitimidade ativa
ad causam das confederações sindicais para o ajuizamento da ação direta
de inconstitucionalidade. Inicialmente exigida apenas quanto às
entidades de classe de âmbito nacional (ADin 396-DF, Rel. Min. Paulo
Brossard; ADin 839-Pr, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 133/1011, Rel. Min.
Sidney Sanches), a pertinência temática a partir do julgamento da ADin
1114-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, passou a ser considerada requisito de
observância indispensável também no que concerne às Confederações
Sindicais (STF - ADI 1184/DF).

Assim, a atividade profissional ou classe econômica representada pela entidade


deve guardar relação de pertinência temática sobre o conteúdo da norma, com
disposição estatutária específica contemplando, como objetivo da associação, a
finalidade de defender a constitucionalidade de normas que disciplinem a área de
atuação da categoria.
Superados os esclarecimentos acima, cumpre ressaltar que várias instituições,
apesar de serem associações civis de abrangência nacional, não se encaixam no rol
exaustivo de legitimados do dispositivo acima, restando impossibilitadas de
defenderem os interesses de seus associados em sede de controle de
constitucionalidade,

Uma alternativa para que essas entidades pudessem representar os seus interesses
e os do setor econômico o qual atua perante o STF, através das ditas ações de
controle concentrado de constitucionalidade, seria a criação, por parte delas, de
uma associação nacional de associações estaduais.

O reconhecimento da "associação de associações" como entidade de classe se deu


quando no julgamento da ADI 3153-8/DF. Desta decisão, insta ressaltar o voto do
então Ministro Sepúlveda Pertence:

Presidente, volta ao Plenário um problema cuja solução, na


jurisprudência da Corte, jamais, pessoalmente, me convenceu: é a que
baniu da legitimação para a ação direta de inconstitucionalidade o que se
tem chamado "associação de associações". A meu ver, nada o justifica.
Chegou-se a falar que uma "associação de associações" só poderia
defender os interesses das suas associadas, vale dizer, das associações que
congrega. Mas, data vênia, o paralogismo é patente. A entidade é de
classe, da classe reunida nas associações estaduais que lhe são filiadas. O
seu objetivo é a defesa da mesma categoria social. E o fato de uma
determinada categoria se reunir, por mimetismo com a organização
federativa do País, em associações correspondentes a cada Estado, e essas
associações se reunirem para, por meio de uma entidade nacional,
perseguir o mesmo objetivo institucional de defesa de classe, a meu ver,
não descaracteriza a entidade de grau superior como o que ela realmente
é: uma entidade de classe. No âmbito sindical, isso é indiscutível. [...]

A partir desse leading case, portanto, as associações de associações passaram a ser


legitimadas para a impetrarem ações de controle concentrado de
constitucionalidade, desde que atendidas as condicionantes de transregionalidade
de atuação, homogeneidade de composição e pertinência temática.

Dessa forma, resta definir-se o modelo de estruturação da associação nacional, a


qual deve ser vinculada diretamente à instituição interessada, assim como a
estrutura das associações estaduais, as quais comporão o quadro social daquela.

De antemão, sugere-se que as associações estaduais devam ser criadas por


sociedades estaduais já vinculadas a essas instituições em, pelo menos, nove
estados da Federação, ressaltando-se que os associados daquelas devem ser
compostos apenas por entidades singulares de um setor econômico homogêneo.
Quanto a associação nacional, ela deve ser composta pelas associações estaduais
acima, sendo necessário, no entanto, que sejam atendidos todos os pré-requisitos
de legitimidade anteriormente ventilados.

Assim, não se pode negligenciar a necessidade de que a associação de associações


tenha previsão expressa em seu estatuto sobre a possibilidade de ingresso de ação
específica para controle de constitucionalidade em face de normas que afetem a
classe/categoria/setor econômico. No mais, há de se observar, em cada ação a ser
ajuizada, a pertinência material da legislação atacada com os interesses do setor
econômico interligado.

Importa trazer à discussão que o art. 59 do Código Civil aponta que cabe à
Assembleia Geral de uma Associação a destituição dos administradores, bem
como a alteração do estatuto social, conforme segue in verbis:

Art. 59. Compete privativamente à assembléia geral: (Redação dada pela


Lei nº 11.127, de 2005)

I – destituir os administradores; (Redação dada pela Lei nº 11.127, de


2005)

II – alterar o estatuto. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)

Parágrafo único. Para as deliberações a que se referem os incisos I e II


deste artigo é exigido deliberação da assembléia especialmente convocada
para esse fim, cujo quorum será o estabelecido no estatuto, bem como os
critérios de eleição dos administradores. (Redação dada pela Lei nº
11.127, de 2005)

Com efeito, por não haver restrição legal a respeito da constituição dos
administradores de associações, é plenamente possível que a diretoria da
associação nacional a ser criada seja vinculada e controlada pela instituição
"criadora" da associação das associações, da forma mais conveniente aos membros
e aos interesses dos associados.

Frente ao exposto, aponta-se que a criação de uma associação de associações,


vinculada a uma associação nacional sem legitimidade para ajuizar ações em sede
de controle de constitucionalidade, estruturada no modelo aqui sugerido, e
atendidas todas as condicionantes jurisprudenciais, resultará no surgimento de
uma entidade de classe de âmbito nacional, legitimada para a proposição de ADI e
afins, nos termos do art. 103 da CF.

Autor
Camila Machado Lima

Advogada na área de Direito Público. Pós-Graduanda em


Direito Administrativo pela PUC Minas. Bacharela em Direito
pela Universidade Federal do Ceará (2016). Membro da Comissão de
Estudos Constitucionais OAB-CE.

Site(s):

www.linkedin.com/in/camila-machado-520233126/

Informações sobre o texto


Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Camila Machado. A associação de associações e o controle concentrado de


constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23,
n. 5535, 27 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/68434.
Acesso em: 27 mar. 2023.

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