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Curso Saúde LGBTQIA+: Práticas de Cuidado Transdisciplinar

Práticas sexuais: entre o


normal e o patológico?
Saulo Ciasca
Entrada
• Rufino et al. (2013): Brasil - inquéritos realizados com médicos
mostraram que 50 a 72% de ginecologistas, urologistas, psiquiatras e
clínicos gerais não investigavam de forma regular a saúde sexual dos
pacientes.

• Justificativa mais usada: deficiência de conhecimentos em saúde


sexual (15 a 28%) + insegurança (49%) para abordar e tratar as
disfunções sexuais, por exemplo.

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Prato Principal

1) Práticas sexuais / Variações sexuais / Parafilias / Transtornos


parafílicos

2) Tabus e heterocisnormatividade na prática clínica

3) Disfunções sexuais / Inadequações sexuais

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Práticas sexuais

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A billion wicked thoughts – Gaddam e Ogas

• 13% dos 400 milhões de termos


pesquisados eram de natureza sexual

• Questões ligadas a moralidade,


censura social, consequências legais
ou risco físico são menores ou
ausentes

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Enquete

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História

• Maior aceitação da variabilidade da expressão sexual humana a partir da


década de 60 (Kinsey).

• O que é aceitável no terreno da moralidade sócio-cultural?

• Tendência à estigmatização do considerado anormal.

• Desvio – Perversão - Parafilia

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Parafilias

• Stekel (1924): primeiro a usar o termo.


• Introduzido no DSM-III em 1980.

• Do grego: para (além de, ademais), philia (amor,


amizade).

• Mais de 100 termos já descritos como tipos de


parafilia.

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DSM-5
• Parafilia x Transtorno parafílico
• Ex: Fetichismo x Transtorno fetichista
• Pessoa sadia com comportamento sexual não-normativo X
Pessoa com comportamento sexual não-normativo
patológico

Reconhece as Parafilias como interesses eróticos atípicos, mas


evita rotular os comportamentos sexuais não-normativos como
necessariamente patológicos

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DSM-5

• Transtornos parafílicos:
- Critério A: caracteriza a natureza da parafilia (ex: um foco erótico em
crianças ou em expor os órgãos genitais a estranhos)
- Critério B: especifica as consequências negativas que transformam
parafilia em um transtorno mental (ex: angústia, prejuízo, dano ou
risco de dano a si ou aos outros).

Na ausência de consequências negativas a intervenção


clínica pode ser desnecessária

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CID-11 (2018)
• Transtornos parafílicos: padrões persistentes e intensos de excitação sexual atípica,
manifestada por pensamentos sexuais, fantasias, urgências ou comportamentos, cujo
foco envolve outros com idade ou condições que os faz não quererem ou não poderem
exercer consentimento.

• Podem incluir comportamentos solitários ou indivíduos que consentem se vier associado


a marcante sofrimento que não apenas decorrente de rejeição ou medo de rejeição
devido ao padrão de excitação.
• Inclui:
• Tr. exibicionista,
• Tr. voyerista,
• Tr. pedofílico,
• Tr. sadismo sexual coercitivo,
• Tr. frotteurista,
• outros transtornos parafílicos envolvendo indivíduos incapazes de consentir
• Tr. parafílico envolvendo comportamento solitário ou indivíduos que consentem

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Variações Sexuais
• Henry (1948), Gosselin & Wilson (1980)

• Tendência a ser minimizada a ênfase em anormalidade ou patologia.

• Padrões relacionados à sexualidade não necessariamente


problemáticos aos indivíduos envolvidos.

• Problema: quando o comportamento sexual exclui ou prejudica o outro


ou a si mesmo e perturbam o potencial de formação de laços
interpessoais.

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Variações Sexuais
•3 tipos de variações sexuais:

•Presença ou ausência de pulsão sexual;

•Estímulo sexual ou tipo de pessoa que atrai o indivíduo/produz


atração sexual;
• Ex: Fetichismo

•Como ocorre a interação com o parceiro sexual e que tipo de


estímulo sexual está envolvido na interação.
• Ex: BDSM

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Fetichismo

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Transtorno transvéstico / Travestismo fetichista
(DSM-5)
• Sofrimento ou prejuízo no funcionamento social resultante da
excitação sexual recorrente e intensa, resultante de vestir-se como do
"sexo oposto"
• Com ou sem autoginefilia: excitação sexual por pensamentos ou
"imagens de si mesmo como mulher"
• Constituiria uma possibilidade de exclusão de pessoas trans ao
processo de transição de gênero, quando presente.

A CID-11 não incluiu este diagnóstico

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BDSM
Bondage Amarrar ou restringir o movimento de outra pessoa com o objetivo de dar
e/ou receber prazer.

Cordas, correntes, venda, mordaça, algema de pulso ou pernas, fita adesiva


etc.
Disciplina Disciplinar ou ser disciplinado(a) por meio de submissão e dominação.
Pode envolver humilhações, “castigos” físicos ou psicológicos, restrições de
atividades ou comportamentos.
Sadismo Prazer em infligir dores e humilhações a outras pessoas.

Masoquismo Prazer em sentir dor ou receber humilhações.


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BDSM
• 40-70% das pessoas têm fantasias BDSM – 20% praticam
• 30,7% são bissexuais e 4,9% são homossexuais (1)
• 39,7% dos homens cis e 30,4% das mulheres cis eram exclusivamente
heterossexuais (2)

• Mulheres cis lésbicas e bissexuais:


– 19% - sadomasoquismo
- 33% - bondage e dominação
- 22,2% - exibicionismo com fotos ou vídeos

1 - Hébert A, Weaver A. An examination of personality characteristics associated with BDSM orientations. The Canadian Journal of Human Sexuality. 2014;23(2):106-15
2 - Botta D, Nimbi FM, Tripodi F, Silvaggi M, Simonelli C. Are role and gender related to sexual function and satisfaction in men and women practicing BDSM?. The journal of sexual
medicine. 2019 Mar 1;16(3):463-73

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BDSM
• Homens cis gays
– comportamentos “masculinos” – anilungus, anel peniano e fisting
- Cultura leather (couro) – 61% maior chance de viver com HIV que não
leather. Submissos também têm maior chance.
• Mulheres cis e homens cis heterossexuais - humilhação

• Fluidez de papéis entre submissão e dominação:

Pessoas não Pessoas Pessoas


binárias e
pansexuais
> Pessoas
cis gays > cis
lésbicas
> cis
bissexuais
> Pessoas cis
heterossexuais

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Tabus e heterocisnormatividade na prática clínica

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“Órgão excretor não
reproduz”

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• “ver o que o cu põe em jogo. Ver por que o sexo anal provoca
tanto desprezo, tanto medo, tanta fascinação, tanta hipocrisia,
tanto desejo, tanto ódio. E, sobretudo, revelar que essa
vigilância de nossos traseiros não é uniforme: depende se o cu
penetrado é branco ou negro, se é de uma mulher ou de um
homem ou de um/a trans, se nesse ato se é ativo ou passivo, se
é um cu penetrado por um vibrador, um pênis ou um punho, se
o sujeito penetrado se sente orgulhoso ou envergonhado, se é
penetrado com camisinha ou não, se é um cu rico ou pobre, se
é católico ou muçulmano. É nessas variáveis onde veremos
desdobrar-se a polícia do cu, e também é aí onde se articula a
política do cu; é nessa rede onde o poder se exerce, e onde se
constroem o ódio, o machismo, a homofobia e o racismo”. (Sáez e
Carrascosa, 2011, p. 13-Por el culo – políticas anales).

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Manifesto contrassexual
• EU, ................, voluntária e corporalmente, renuncio à minha
condição natural de homem [] ou mulher [], a todo privilégio (social,
econômico, patrimonial) e a toda obrigação (social, econômica,
reprodutiva) derivados de minha condição sexual no âmbito do
sistema heterocentrado naturalizado. RECONHEÇO-ME e reconheço
os outros como corpos falantes e aceito, de pleno consentimento,
não manter relacionamentos sexuais naturalizantes nem estabelecer
relações sexuais fora de contratos contrassexuais. RECONHEÇO-ME
como um produtor de dildos e como transfusor e difusor de dildos
sobre meu próprio corpo e sobre qualquer outro corpo que assine
este contrato. (...)

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FAQ do sexo anal

Cu foi feito pro sexo?


O que é chuca?
Dá pra dar sem dor?
Sexo anal dá hemorroida?
Dá pra lubrificar o ânus com saliva?
Há risco de IST se meus exames vieram todos normais?
Tem alguma posição sexual melhor para a primeira vez?

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NEURODILDO
https://globoplay.globo.com/v/7689042/

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Barebacking

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Barebacking
“Barebacking”: origem hípica: montar sem sela sobre o lombo de um
cavalo
“Bareback sex”: Sexo com as costas descobertas

Refere-se à “prática intencional e contínua, própria de homens que têm


relações sexuais com outros homens, de não usar preservativos
durante o sexo anal com parceiros casuais”
(Haig, 2006)

O barebacker aparece como aquele que boicota, que trai as conquistas


de duas décadas de militância homossexual.

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Barebacking – “Prazeres dissidentes”
“Causas e motivos”
1 – Mudança na percepção da infecção pelo HIV (de doença terminal a
infecção crônica)
2 – Percepções e crenças ingênuas e irracionais acerca dos riscos
3 – Sensação fatalista da inevitabilidade do contágio por ser homossexual
4 – Uso de drogas: debilita a percepção do risco
5 – Tendências inconscientes auto-destrutivas (p. ex. ligadas a homofobia
internalizada)
6 – Vontade de infectar-se para alcançar pertencimento grupal (“bug chasing”)
ou percepção erótica da doença (“gift giving”)
7 – Generationing – passar HIV como forma de criar laços eternos, familiares
ou de submissão/dominação
7 – Prazer e excitação ligados à situações de risco
8 – Prazer ligado à transgressão de normas sociais
(“o último tabu”)
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Barebacking
= Sexo anal sem preservativo

Sexo vaginal sem preservativo?

BAREFRONTING
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Chemsex
= Sexo e uso de substâncias psicoativas concomitantemente

ESTIGMA

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Camisinha de colágeno

Camisinha de polietileno – alergia


a látex

Camisinha de grafeno

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Disfunções e Inadequações sexuais

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Ciclo de resposta sexual
• Helen Kaplan: desejo, excitação, orgasmo, resolução

1 – desejo
2 – excitação (SNP)
M: ereção
F: vasocongestão e lubrificação da vagina e vulva

3 – orgasmo (SNS)
4 – resolução

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Resposta sexual “feminina” – Basson (2000)

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Crenças disfuncionais sobre a sexualidade
• A sexualidade não precisa ser aprendida;
• Homens não devem expressar sentimentos como medo, ternura e vulnerabilidade;
• Em sexo, a performance é o que importa;
• Carinhos afetuosos devem sempre levar a uma relação sexual;
• O homem cis deve estar sempre disposto para a relação sexual;
• O homem cis não dever perder a ereção durante a atividade sexual;
• Quando iniciados os jogos sexuais e ambos estiverem nus, é necessário que o homem
cis esteja com o pênis ereto;
• Sexo bom é quando termina em orgasmo pela penetração;
• Relação sexual prazerosa só existe se houver penetração e orgasmo;
• Orgasmos vaginais são mais femininos e maduros do que os clitorianos;
• As mulheres não devem ficar excitadas com filmes eróticos.

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Definição (DSM-5)
• Disfunções Sexuais são um grupo de transtornos heterogêneos tipicamente
caracterizados por uma perturbação clinicamente significativa na
capacidade de uma pessoa para responder sexualmente ou de sentir prazer
sexual.

• “Vários modos nos quais um indivíduo é incapaz de participar de um


relacionamento sexual como ele desejaria.” Comprometimento do
desempenho sexual do indivíduo. É de forma persistente e causa sofrimento
/ aflição.

• Prevalência: em torno de 40% (Shifren et al, 2008)


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Disfunção x Inadequação
• Disfunção – resposta fisiológica sexual

• Adequação – norma pessoal do que é confortável, aceitável,


considerando a satisfação de cada pessoa consigo e com a(s)
parceria(s)

• Ex: Mulher trans sem ereções por conta do hormônio


• Homens cis gays que fazem sexo anal receptivo e não têm ereção
• Mulheres cis e homens trans que não têm lubrificação vaginal

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Assexuais

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Assexuais – desejo sexual hipoativo

Pessoas assexuais podem apresentar sofrimento:


- Não compreensão da orientação sexual
- Pressão externa para que tenham práticas sexuais

DSM-5 não especifica as razões do sofrimento

Não há citação sobre assexuais na CID-11

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Cadê as pessoas intersexo?

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Disfunção da excitação sexual feminina (CID11)
Ausência ou redução acentuada de resposta à estimulação sexual em mulheres
(...)

1) Ausência ou redução acentuada da resposta genital, incluindo lubrificação


vulvovaginal, ingurgitamento da genitália e sensibilidade da genitália;

2) Ausência ou redução acentuada nas respostas não genitais, como enrijecimento


dos mamilos, (...)

3) Ausência ou redução acentuada nas sensações de excitação sexual de qualquer


tipo de estimulação sexual.

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Disfunção da excitação sexual “feminina” (CID11)

• Ausência ou redução acentuada de resposta à estimulação


sexual em mulheres cis, manifestada por ... Exclusão das
pessoas trans e
• 1) Ausência ou redução acentuada da resposta genital, travestis (termos
incluindo lubrificação vulvovaginal, ingurgitamento da genitália "masculino" como
e sensibilidade da genitália; sinônimo de quem
• 2) Ausência ou redução acentuada nas respostas não genitais, tem pênis e
como enrijecimento dos mamilos (...) "feminino" de quem
tem vulva).

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Disfunção da excitação sexual “feminina”

Ausência ou redução acentuada de resposta à estimulação


sexual em mulheres cis, manifestada por ... Existem homens
trans que se sentem
1) Ausência ou redução acentuada da resposta genital, muito
incluindo lubrificação vulvovaginal, ingurgitamento da desconfortáveis com
genitália (...); a lubrificação
vulvovaginal e
2) Ausência ou redução acentuada nas respostas não enrijecimento de
genitais, como enrijecimento dos mamilos (...) mamilos

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Disfunção erétil masculina

Incapacidade ou redução acentuada na capacidade dos homens de


atingir ou sustentar uma ereção peniana de duração ou rigidez
suficiente para permitir a atividade sexual.

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Disfunção erétil “masculina”

Exclusão de pessoas trans e travestis


• Incapacidade ou redução
acentuada na capacidade dos Pessoas trans e travestis com disfunção
erétil devido a hormonização?
homens cis de atingir ou
sustentar uma ereção peniana Pessoas trans e travestis que se
incomodam com a ereção?
de duração ou rigidez
Homens cis gays e pessoas trans que
suficiente para permitir a
não têm ereção durante sexo anal
atividade sexual. receptivo?

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Não está evidente que a queixa sexual pode estar relacionada à falta de
atração pela parceria atual. Pessoas não heterossexuais podem ter dor
à penetração ou ausência de ereção porque não sentem desejo/atração
pela parceria.

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Ejaculação rápida – DSM 5

• Gravidade:
- Leve: >30 segundos
- Moderada: entre 15 a 30s APÓS PENETRAÇÃO VAGINAL
- Grave: < 15 segundos

Sexo anal Sexo anal


Sexo oral?
insertivo? receptivo?

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CADÊ O SEXO ANAL???

“Cunismo”

Anodispareunia
- 14% homens cis gays

Damon, W., & Rosser, B. S. (2005). Anodyspareunia in men who


have sex with men. Journal of sex & marital therapy, 31(2), 129-141.

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Disfunções sexuais em pessoas transfemininas

• NP: nenhum procedimento


• UH: uso de hormônios
• VA: vaginoplastia

Ciasca SV et al. Saúde LGBTQIA+: Práticas


de cuidado transdisciplinar. Ed. Manole, 1ª
edição, 2021.

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Disfunções sexuais em pessoas transmasculinas

• NP: nenhum procedimento


• MA: uso de hormônios, mamoplastia e
opcional ovariohisterectomia
• ME: uso de hormônios, mamoplastia,
ovariohisterectomia e metoidioplastia
• FA: uso de hormônios, mamoplastia,
ovariohisterectomia e faloplastia

Ciasca SV et al. Saúde LGBTQIA+: Práticas


de cuidado transdisciplinar. Ed. Manole, 1ª
edição, 2021.

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Obrigado
Saulo Ciasca
@saulociasca

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