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DOENÇA PULMONAR AVANÇAD

AVANÇADA
ANÇADA
(ou Insuficiência Respiratória Crônica)

TEMAS EM DESTAQUE

TRANSPLANTE PULMONAR
indicações e técnica operatória
2 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010
DIRETORIA - BIÊNIO 2008/2009 SUMÁRIO
Diretoria (biênio 2010/2011)
Presidente: Jaquelina Sonoe Ota Arakaki 4 EDITORIAL
Vice-Presidente: Mônica Corso Pereira • Valorização da especialidade
Secretária Geral: Valéria Cristina Vigar Martins • A Doença Pulmonar Avançada
1º Secretária: Lara Maris Nápolis
2ª Secretária: Nephtali Segal Grinbaum 6 TEMAS EM DESTAQUE
Diretor de Finanças: Ricardo Milinavicius • Tratamento Endoscópico do Enfisema
Diretor de Assuntos Científicos: Oliver Augusto
Nascimento
• Transplante pulmonar –
Diretor de Divulgação: Carlos Viana Poyares Jardim indicações e técnica operatória
Diretor de Informática: Eduardo Henrique Genofre • Cuidados paliativos em pediatria
Comissões • Manejo da dispneia e fadiga no paciente com
Assuntos do Interior: Roberto Rodrigues Júnior doença pulmonar avançada
Defesa Profissional: Fabiola Gomes Rodrigues
Ensino: Roberto Saad Júnior
• Câncer – tratamento cirúrgico no paciente
Promoções: Paulo Manuel Pêgo Fernandes com DPOC avançada
Assuntos da Grande São Paulo: Igor Bastos Polonio • Papel da Fisioterapia no paciente com doença
pulmonar avançada
Cirurgia Torácica:
Luiz Carlos Filgueiras Leiro 41 RESUMINDO E RECORDANDO
Ricardo Kalaf Mussi
• Reabilitação Pulmonar em diferentes
Altair da Silva Costa Júnior
situações
Endoscopia Respiratória: • Oxigenoterapia domiciliar e ventilação não
Luiz Hirotoshi Ota invasiva domiciliar na DPOC estável
Ascedio Rodrigues • Oxigenoterapia domiciliar prolongada em
Viviane Rossi Figueiredo
outras doenças que não DPOC
Pediatria:
Marina Buarque de Almeida 56 CONTROVÉRSIA
Lucia Harumi Muramatu Uma Proposta de Classificação para a
Sonia Mayumi Chiba Insuficiência Respiratória Crônica
Fisioterapia Respiratória: 60 RELATO DE CASO
Luciana Dias Chiavegato • Insuficiência respiratória crônica pós-
Carla Malaguti
Priscila Batista de Souza transplante de Medula Óssea
• Histiocitose de Células de Langerhans
Conselho Fiscal
Efetivos: 69 EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA
Alberto Cukier Análise de sobrevida
José Antônio Baddini Martinez
Maria Vera Cruz de Oliveira Castellano 71 ASPECTOS ÉTICOS DA DOENÇA PULMONAR
AVANÇADA
Suplentes:
Irma de Godoy • Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia
José Eduardo Delfini Cançado Aspectos Éticos e Jurídicos
Sonia Maria Faresin • A autonomia do médico
Conselho Deliberativo 76 OPINIÕES E AÇÕES
Ana Luisa Godoy Fernandes • Defesa Profissional
Carlos Alberto de Castro Pereira
Fernando Augusto Fiuza de Melo
Francisco Vargas Suso 78 LINGUAGEM MÉDICA
Jorge Nakatani “Severo”
Manuel Lopes dos Santos
Miguel Bogossian
Nelson Morrone
Ricardo Beyruti
Roberto Stirvulov NOSSA CAPA
Virgílio Alexandre Nunes de Aguiar
Ilustração:
PNEUMOLOGIA PAULISTA Bira Dantas
Órgão Informativo da Sociedade Paulista de Pneumologia e
Tisiologia
Editores Responsáveis:
http://chargesbira.blogspot.com
Mônica Corso Pereira e Carlos Viana Poyares Jardim biradantas@globo.com
Editoração Eletrônica: Miriam Miranda
Impressão: Gráfica Riopedrense • Tiragem: 1200 exemplares

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 3


PALAVRA DA PRESIDENTE

Valorização da especialidade

N
o dia dois de junho (O2 de junho) , comemoramos ansiedade para elaboração do Livro pelas Ligas Acadêmicas
o dia do pneumologista. Atualmente somos 733 é contagiante. O Premio Jovem Pneumologista já
especialistas no Estado de São Paulo (sócios da proporcionou a participação de um jovem pneumologista na
SBPT e/ou SPPT), responsáveis pela saúde ATS – New Orleans (Premio Boheringher-Pfizer), levará dois
respiratória de 41.384.039 habitantes. pós-graduandos ao III Simpósio Latino Americano de
O Estado mais rico do país, responsável por 34% do PIB Hipertensão Pulmonar no México (Premio Actelion
nacional, tem também números vultuosos em relação à Pharmaceuticals do Brasil) e as inscrições estão abertas para
demanda da assistência médica. duas vagas para o Congresso Europeu em Barcelona (Premio
Estima-se que 20% da população adulta seja fumante, Boheringher-Pfizer e Premio GlaxoSmithKline). São parcerias
10% da população com mais de 40 anos sejam portadores de incentivando a pesquisa, mais uma vez, valorizando a nossa
DPOC e 10% da população seja asmática. especialidade.
Segundo dados do DATA SUS em abril de 2010 ocorreram Neste semestre realizamos dois Simpósios na capital, o
23.778 internações hospitalares por doenças respiratórias primeiro de Doenças Intersticiais e em junho o de
no Estado de São Paulo, sendo a pneumonia a principal Bronquiectasias e Fibrose Cística. Contamos com a presença,
causa. respectivamente, dos Professores Paul Noble e James
Estima-se que 250.000 mortes/ano por asma no mundo Yankaskas, que proporcionaram grande troca de
poderiam ter sido evitadas, caso as vitimas estivessem sob experiências, com eles, e entre os serviços do Estado de São
tratamento adequado. Paulo. Presenciamos a estreia de vários Jovens
Não há dúvidas, portanto, da importância da nossa Pneumologistas como palestrantes, que acredito, em breve
especialidade. estarão a frente da nossa especialidade.
Durante a Semana Estadual de Educação e A mobilização pela melhor remuneração pelos serviços
Conscientização sobre as Doenças Respiratórias, várias médicos, ainda que tímida, está ocorrendo, com o
ações foram realizadas no Estado de São Paulo. Um vídeo envolvimento de várias entidades médicas. A SPPT está
educativo, sobre os principais sintomas respiratórios e os presente nestas discussões, mas resultados positivos
riscos do tabagismo, foi veiculado nos vagões do metro da dependerão do comprometimento de cada profissional pela
cidade de São Paulo, atingindo milhões de usuários. valorização do ato médico.
Campanhas com a população com a aplicação de Desta forma, se antes pairava um pessimismo com o futuro
questionários avaliando os sintomas respiratórios, o grau da nossa especialidade, frente a baixa procura pelos serviços
de dependência à nicotina, dosagem do monóxido de de residência médica também no Estado de São Paulo, hoje
carbono expirado e espirometria foram realizadas em vejo vários motivos para comemorar o dia do O2 de junho,
aproximadamente 1000 pessoas. Contamos com a dia do pneumologista.
empolgação de acadêmicos, fisioterapeutas e jovens
pneumologistas em todas as ações, valorizando a nossa Parabéns a todos!
especialidade. Um grande abraço
O Projeto Jovem Pneumologista vem ganhando corpo.
Ligas Acadêmicas da área respiratória estão sendo Jaquelina Sonoe Ota Arakaki
identificadas. Na última Pizza Clínica que contou com 111 Presidente da SPPT
participantes, 35 eram acadêmicos. O entusiasmo e a jaqueota@gmail.com

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PALAVRA DA EDITORA

A Doença Pulmonar Avançada

F
alar de doença pulmonar avançada é como falar de do sistema público e suplementar de saúde em atender a
algo impalpavelmente concreto. Os pacientes estão necessidade e premência do tratamento em algumas
aqui, a nossa volta, a espera de medidas e cuidados situações, e da indisponibilidade de todas as formas de
que nem sempre podemos oferecer. É preciso refletir assistência ventilatória domiciliar, como o uso de ventilação
sobre o assunto. não invasiva. Há também o aspecto da indicação de
Afinal, atualmente, a morte é crônica... oxigenoterapia, quando feita corretamente, ser vitalícia na
O próprio termo doença pulmonar avançada carece de maior maior parte das vezes. Quem convive com estes pacientes
precisão, pois não consegue conter todas as possíveis graves sabe o quanto o sistema é perverso e cobra de maneira
situações em que a doença é avançada o suficiente para que o insistente que os doentes afirmem, a cada seis meses, de
doente necessite de uma assistência ventilatória em sua casa. forma burocrática e legível, que ainda precisam dos
Nos casos de pacientes portadores de afecções equipamentos para continuar vivendo... Não se exige isto
neuromusculares, por exemplo, os pulmões estão de pacientes renais crônicos, dependentes vitaliciamente
solenemente preservados, ao mesmo tempo em que a função de máquinas de hemodiálise.
ventilatória está morbidamente comprometida, situação São muitas as situações nas quais os pulmões não são
traduzida pela incapacidade destes doentes de respirar ou mais suficientes para desempenhar sua nobre função: a
tossir adequadamente. Estes pacientes estão entre os mais respiração. Englobá-las todas em um único termo parece
abandonados por nós, pneumologistas, e infelizmente ainda tarefa impossível. Em um artigo provocativo, Paschoal propõe
não é infrequente nos depararmos com um deles submetido uma classificação para estas situações associadas à
à traqueostomia em um pronto socorro devido a uma gripe... irreversibilidade de instalação sub-aguda e crônica.do
resultado da falta de diagnóstico precoce da insuficiência prejuízo da função pulmonar. Induz à reflexão sobre o
respiratória crônica. assunto.
Outros doentes, em pós-operatórios de cirurgias nas quais Longe de tentar esgotar o assunto, esperamos que este
foram subtraídos de parte dos seus pulmões por uma número do Pneumologia Paulista ajude-nos a ter uma ideia
neoplasia avançada sem um planejamento cirúrgico de modo da complexidade e diversidade de situações que podem
a evitar que tais pacientes evoluam como deficientes cursar com uma evolução comum na qual o doente sofre
respiratórios. O que fazer para minimizar o sofrimento destes cronicamente com falta de ar. Na impossibilidade de trocar
pacientes? O artigo de Stanzani, Santos e Faresin discute de os pulmões - afinal transplantes são procedimentos
maneira abrangente esta difícil situação. reservados apenas para alguns casos - que consigamos pelo
Como tratar a dispneia quando não é possível tratar a menos ajudar estas pessoas a respirar melhor.
causa da mesma? Questões que caem em nossos colos, sem
que tenhamos ansiado por elas, mas sim, tentado evitá-las. Mônica Corso Pereira
O uso da oxigenioterapia domiciliar – que pode ser Vice-presidente da SPPT
considerada uma órtese1 ventilatória – ainda continua uma Editora da revista Pneumologia Paulista
fonte de problemas para os pacientes, pela falta de agilidade corso@mpcnet.com.br

1
Órtese - aparelho ou equipamento destinado a corrigir uma função deficiente de algum órgão ou membro. [F.: Do gr. orthós,é, ón,
‘correto’; ‘direito’.] (Aulete Dicionário Digital).

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TEMAS EM DESTAQUE

Tratamento Endoscópico do Enfisema


AUTORES: Paulo Francisco Guerreiro Cardoso1 ; Adalberto Sperb Rubin2; Viviane Rossi Figueiredo 3;
Fabio Biscegli Jatene4

A
SERVIÇOS: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP
B
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Porto Alegre
C
Pavilhão Pereira Filho da Santa Casa de Porto Alegre
D
Instituto do Câncer Otavio Frias de Oliveira

1ABC
Doutor em pneumologia; Professor Associado, Depto.Cirurgia, Disciplina de Cirurgia Torácica, e
Cirurgião Torácico (BC); Professor Visitante, Disciplina de Cirurgia Torácica (A)
2BC
Doutor em pneumologia; Médico pneumologista; Professor do Curso de Pós-graduação em
Pneumologia
3AD
Doutora em Pneumologia; Médica broncoscopista; Diretora do Serviço de Endoscopia Respiratória
do InCor
4A
Professor Titular. Disciplina de Cirurgia Torácica

INTRODUÇÃO As opções de tratamento cirúrgico do enfisema incluem a


O aprisionamento de ar e o aumento da resistência ao bulectomia, cirurgia redutora de volume pulmonar (CRVP) e
fluxo aéreo são alguns dos principais mecanismos o transplante de pulmão. Todas possuem indicações
fisiopatológicos associados aos sintomas presentes em específicas e morbimortalidades consideráveis, a despeito
portadores de DPOC. No enfisema avançado, a de seus inequívocos benefícios. A CRVP surgiu como
hiperinsuflação marcada reduz a excursão diafragmática, alternativa terapêutica para pacientes com enfisema severo
aumenta a pressão pleural de repouso e aumenta o nos anos 1950 4,5; entretanto, a primeira série de casos
recrutamento da musculatura expiratória, fatos que se somam realizada com sucesso só foi publicada recentemente.6,7
à redução da capacidade de retração elástica pulmonar.1 Estudos randomizados demonstraram que os benefícios
Durante o exercício, a limitação ao fluxo expiratório leva à funcionais e a redução da mortalidade por doença restringem-
necessidade de prolongar o tempo expiratório, de modo que se aos pacientes com baixa capacidade de exercício e doença
o início da inspiração ocorre antes da capacidade residual acometendo predominantemente os lobos superiores.8,9,10
funcional ser atingida. Esta disfunção resulta em Não obstante os resultados obtidos com a CRVP, ainda
“empilhamento” dos movimentos respiratórios e permanecem controvérsias fundamentadas na sua elevada
hiperinsuflação gradual, denominada hiperinsuflação mortalidade (entre 5-6%)11, na durabilidade dos eventuais
dinâmica.2 O resultado final será uma redução da tolerância benefícios, na aplicabilidade desta modalidade terapêutica
ao exercício, predisposição a infecções respiratórias, além em larga escala e, até mesmo no que se refere às conclusões
do consumo da massa muscular, com perda ponderal e até dos estudos multicêntricos como o National Emphysema
desnutrição, fatores estes considerados preditivos de Treatment Trial (NETT). Recentemente, uma re-análise dos
mortalidade em DPOC. Nestes pacientes o tratamento dados do NETT12 revelou que sómente 45% das 571 CRVP
restringe-se a medidas clínicas que incluem o uso de foram realizadas em portadores de enfisema heterogêneo
broncodilatadores, corticóides, oxigenoterapia e tratamento acometendo os lobos superiores. Ademais, esta mesma
das exacerbações e infecções, cuja eficácia terapêutica é reavaliação demonstrou que no grupo de pacientes
dependente do grau de acometimento e do estágio da submetidos ao procedimento, 36% e 54% havia se perdido
evolução em que a doença se encontra. A associação de um dos acompanhamentos de 3 e 5 anos, respectivamente. O
programa de reabilitação pulmonar às medidas terapêuticas mesmo ocorreu no grupo de tratamento médico, no qual a
convencionais tem sido capaz de reduzir a sensação de perda de seguimento foi 43% e 51% dos pacientes em 3 e 5
dispnéia, melhorar a qualidade de vida, reduzir o número de anos, respectivamente.
internações hospitalares sem, no entanto, causar impacto Paralelamente aos estudos para a avaliação da eficácia da
estatísticamente significativo na sobrevida.3 CRVP, diferentes métodos endoscópicos vêm sendo

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estudados experimentalmente e testados em estudos trabalho (e.g. Pulmonary Workstation 2.0 ® , VIDA
clínicos, numa tentativa de encontrarem-se alternativas não Diagnostics, Iowa City-IA, EUA), obtem-se hoje uma análise
cirúrgicas para obter-se a redução volumétrica. detalhada das imagens geradas pela Tomografia
Conforme o mecanismo de ação, os dispositivos para o computadorizada de alta resolução (TCAR) convencional
tratamento endoscópico do enfisema heterogêneo têm sido (Figura 2), fornecendo informações quantitativas que são
assim classificados: dispositivos bloqueadores (e.g. válvulas complementares às das provas funcionais empregadas
unidirecionais) 13-15, não bloqueadores reversíveis ou universalmente. Isto permite um planejamento dos
removíveis (e.g. coils ou molas) 16, e não bloqueadores procedimentos, bem como uma previsão dos resultados das
definitivos ou não reversíveis (ablação térmica por vapor e intervenções (e.g. redução volumétria broncoscópica,
obstrução endobrônquica por polímeros)17, 18. No enfisema intervenções broncoscópicas e cirúrgicas sobre a traquéia e
homogêneo, até o momento a única tecnologia em estudo é brônquios).
o bypass das vias aéreas interno19 ou externo.20
Dentre os acima, até o momento as válvulas unidirecionais
são os únicos dispositivos validados para uso clínico em
território nacional. O modelo Zephyr®(Pulmonx, Redwood
City-CA, EUA) (Figura 1) é de instalação broncoscópica,
podendo ser removido caso necessário. As válvulas são
desenhadas para coaptarem-se aos brônquios segmentares
nos lobos superiores, promovendo assim uma desinsuflação
progressiva e, eventualmente, atelectasia. Obtem-se assim
uma redução volumétrica pulmonar endoscópica,
reconfiguração diafragmática, melhora funcional pulmonar Fig. 2 - Quantificação de enfisema através de imagens geradas
e na capacidade de exercício do paciente. Aparentemente por TC de alta resolução (Pulmonary Workstation 2.0®, VIDA
seu sucesso estaria relacionado à existência de cissura Diagnostics, Iowa City-IA, EUA)
completa e de uma avaliação precisa da ventilação colateral
no lobo a ser desinsuflado. Tais fatos tem sido estudados e Os estudos clínicos com dispositivos valvulares são
apresentados como fatores limitantes da eficácia do realizados em população não homogênea, reduzindo a
procedimento. Baseado em um método de quantificação 21, o consistência e o impacto dos resultados. Por exemplo, a
fabricante desenvolveu um sistema que permite uma análise eficácia em 90 dias pós-implante das válvulas unidirecionais
detalhada dos fluxos e pressões segmentares através de um em um estudo clínico não controlado incluindo 98 pacientes
sistema de oclusão endobrônquica seletiva por balão tratados 23, revelou 4,9% de redução do volume residual
(Chartis™, Pulmonx, Redwood City-CA, EUA). Este sistema (VR), 10% de incremento no VEF1, tendo apresentado 8% de
tem por objetivo orientar os médicos quanto a quais serão efeitos adversos graves com 1% de mortalidade. Um estudo
os segmentos a receberem as válvulas, possibilitando a realizado no Brasil com estas válvulas unidirecionais incluiu
determinação do índice de ventilação colateral e fluxo aéreo 19 pacientes com DLCO<45%, VR>130%. Os resultados após
interlobar, posto que há evidências de que a intensidade da 30 dias revelaram aumento do VEF1(% do previsto) de 28%
ventilação colateral no local possa limitar o sucesso da para 31% aos 3 meses de acompanhamento. Apenas 4 dos
intervenção.22 18 pacientes seguidos apresentavam um incremento acima
de 10% do VEF1, o mesmo ocorrendo em 3 de 14 pacientes
aos 6 meses de acompanhamento.14 Concluiu-se que os
critérios de seleção e resposta deveriam ser refinados, e que
a atelectasia lobar deveria ser removida do protocolo como
pré-requisito para o sucesso do procedimento.
Outro dispositivo valvular (IBV®), Spiration, Redmond-
WA, EUA) com propósitos semelhantes tem sido testado
(Figura 3). O dispositivo tem por objetivo obstruir o fluxo
aéreo seletivamente nos segmentos bronco-pulmonares em
que é posicionado, atuando como válvula unidirecional cujo
desenho permite a drenagem de secreções. Um estudo
Fig. 1 - Válvula unidirecional do tipo Zephyr®(Pulmonx, Redwood
City-CA, EUA) realizado em 30 pacientes com o implante válvulas do tipo
IBV® (6 por paciente), demonstrou melhora na qualidade de
Atualmente, a quantificação e mapeamento das áreas vida, entretanto sem diferença significativa na funcão
enfisematosas têm sido facilitados com a introdução de pulmonar.15 Este estudo apresentou problemas comuns aos
softwares de navegação que se utilizam da aquisição normal demais no que se refere aos critérios de seleção e na escolha
das tomografias helicoidais. Com o auxílio de estações de de desfechos similares aos da CRVP. Mais recentemente, as

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(Bronchoscopic lung volume reduction with airway valves
for advanced emphysema, promovido pelo National Institute
for Clinical Excellence-NICE, Inglaterra), cujo objetivo
concentra-se na correção de tais distorções.
O dispositivo não bloqueador (RePneu® Lung Volume
Reduction Coil, PneumRx Inc, Mountain View, California-
EUA) é engenhoso e simples. Consta de um fio de nitinol
com memória que, ao ser introduzido no brônquio
subsegmentar, curva-se trazendo consigo o parênquima
pulmonar num movimento pré-programado, sendo capaz de
reduzir o volume do parênquima por um mecanismo de torção
em torno do eixo do dispositivo (Figura 4). São colocados
vários dispositivos (até 10 podem ser implantados) em um
Fig. 3 - Válvula unidirecional do tipo IBV® (Spiration, Redmond- lobo com menor perfusão, até produzir-se a redução
WA, EUA)
volumétrica desejada. O dispositivo encontra-se em estudo
clínico no momento.16, 27
válvulas do tipo IBV® têm sido utilizadas com sucesso no
tratamento de fístula aérea parenquimatosa persistente após
ressecções em pacientes enfisematosos24, finalidade para a
qual este dispositivo já está validado nos EUA.25
O maior estudo concluído recentemente com válvulas
unidirecionais (VENT=Valve for Emphysema PalliatioN Trial)
foi realizado com os dispositivos do tipo Zephyr®. Os
desfechos primários foram aumento no VEF1 e no teste
tolerância ao exercício até 6 meses após o procedimento. Os
desfechos secundários incluíram melhoras na qualidade de
vida, escore de dispnéia e volumetria pulmonar por métodos
de imagem. O estudo incluiu 321 pacientes em 31 centros
nos EUA e mais 171 pacientes em 23 centros na Europa. Os
resultados preliminares foram apresentados em congresso
no ano de 2007, e ainda aguardam publicação definitiva. Os
patrocinadores e investigadores do estudo indicam que o
estudo atingiu os endpoints, demonstrando melhora
Fig. 4 - Mola (Coil) endobrônquico utilizado para redução
significativa no VEF1 (p=0.0047) e na tolerância ao exercício
volumétrica transbroncoscópica (RePneu® Lung Volume Reduction
no teste de caminhada de 6 minutos (p=0.0073). A despeito Coil, PneumRx Inc, Mountain View, CA-EUA)
destes resultados, o órgão regulatório dos EUA denegou a
aprovação nos EUA para as válvulas com base na parca
resposta funcional (aumento de 6% no VEF1 em 6 meses), no Os pacientes portadores de destruição mais extensa,
elevado índice de eventos adversos relacionados às bilateral, homogênea e hiperinsuflação grave não são
exacerbações do DPOC no grupo tratado versus o grupo elegíveis para redução volumétrica cirúrgica, restando
contrôle (23% vs 10%, p=0,01) e na maior frequência de apenas o transplante como opção de tratamento definitivo.
hospitalizações no grupo tratado (39% vs 25%, p=0,02). O Esta é a população de enfisematosos na qual o bypass das
broncoespasmo foi o achado mais frequente dentre as vias aéreas poderá ser indicado. Este procedimento é realizado
exacerbações, tendo ocorrido em 5% dos pacientes, e o através de broncoscopia flexível e inclui a produção de
pneumotórax a complicação mais frequente (até 10% dos orifícios (fenestrações) endobrônquicos na via aérea distal
casos), sendo a maioria dos casos de resolução (brônquios subsegmentares), os quais são mantidos
espontânea.14,26 permeáveis através da instalação de dispositivos (stents)
A conclusão consensual dentre os estudos realizados eluidores de drogas. 28 O fundamento do procedimento
com as válvulas unidirecionais até o momento é de que os baseia-se na abundante ventilação colateral existente nestes
procedimentos são seguros, possuem baixa mortalidade pulmões hiperinsuflados.29 As primeiras tentativas de utilizar
relacionada (inferior a 1%), e são eficazes no que tange aos a ventilação colateral para a desinsuflação foram propostas
parâmetros subjetivos (qualidade de vida e dispnéia) e à em 1978 por Macklem30, o qual propôs a instalação de
função pulmonar.23 Entretanto, os critérios de eligibilidade, espiráculos comunicando o parênquima pulmonar com o
bem como os métodos de avaliação dos resultados ainda meio externo por via transcutânea através da parede torácica.
requerem refinamentos. No momento existe um estudo clínico Moore et al 20 descreveram 6 pacientes nos quais um dreno

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era inserido num dos lobos superiores e mantido por até 3 braço controle, atualmente em curso, e cujos resultados do
meses. Verificou-se um aumento médio do VEF1 de 23% em 4 primeiro ano de avaliação deverão ser divulgados em 2010.36
dos pacientes. Em nosso meio há apenas um relato recente Apesar dos benefícios demonstrados pelos vários
de 3 casos31 nos quais o método foi utilizado para a realização procedimentos endoscópicos propostos para o enfisema
de drenagens transcutâneas resultando em melhora avançado, os resultados não são uniformes, tampouco
funcional. suficientes para sua aplicação clínica imediata em larga escala.
O procedimento originalmente proposto por Macklem 30 As possíveis críticas inerentes aos estudos multicêntricos
foi revisto e modificado, sendo as comunicações extra- realizados até o momento e as razões que as justificam,
anatômicas (ou fenestrações) transcutâneas substituídas fundamentam a necessidade de realização de novos estudos.
pela via endobrônquica.32 Esta modificação técnica do bypass Até o momento, há apenas um estudo controlado com
das vias aéreas requer a utilização de uma sonda doppler válvulas unidirecionais e um com o bypass das vias aéreas,
passada por broncoscopia flexível para a localização ambos ainda sem resultados publicados na literatura. Ainda
transmural dos vasos peribrônquicos. Uma vez detectada a existem dificuldades e dúvidas que necessitam
área avascular (silenciosa) ao doppler, cria-se a fenestração esclarecimentos e que merecem novos estudos. Dentre elas,
com um catéter acoplado a uma agulha retrátil e um balão a própria definição de enfisema severo ainda varia entre os
dilatador. A seguir, o catéter contendo o stent é avançado estudos. Os parâmetros radiológicos de destruição
até a fenestração e expandido no local com o auxílio de um parenquimatosa, em adição aos avanços da quantificação
balão hidrostático (Figura 5). Assim são instalados 3-4 stents das áreas de destruição, aliados ao declínio funcional
farmacológicos eluidores de paclitaxel em cada pulmão, cujo pulmonar devem ser correlacionados para uma conclusão.
objetivo será o de manter as fenestrações permeáveis.33 Para tanto, coeficientes de atenuação de 860-950UH
Todos os dispositivos utilizados no bypass das vias aéreas (Unidades Hounsfield) na TCAR parecem ser os que melhor
(Exhale Emphysema Treatment System™, Broncus se correlacionam com a perda funcional encontrada nestes
Technologies Inc., Mountain View, CA-EUA) foram pacientes.37
desenvolvidos para serem passados pelo canal de trabalho Ainda não está definido o número de dispositivos
de um broncoscópio flexível. Aos estudos de viabilidade e (válvulas, stents, coils, etc) a serem colocados, bem como se
segurança do procedimento 28,34, seguiram-se estudos sua aplicação deve ser unilateral ou bilateral. Tais fatos
clínicos19, 35 que avaliaram sua eficácia e segurança. Um adicionam heterogeneidade aos dados, contribuindo para
estudo multicêntrico com 35 pacientes demonstrou que após dificultar a interpretação dos resultados. No que se refere às
30 dias havia melhora significativa nos parâmetros funcionais válvulas, há estudos nos quais os pacientes recebiam
(volume residual-VR, capacidade pulmonar total-CPT, tratamentos repetidos, enquanto outros necessitaram ter os
capacidade vital forçada, escala de dispnéia e teste de seus dispositivos revistos, trocados ou adicionados durante
caminhada de 6 minutos). Seis meses após, persistia a as avaliações broncoscópicas. Em um estudo com válvulas
melhora no volume residual e na dispnéia. Os achados foram IBV ®15, estas reavaliações excederam 50% dos casos,
mais evidentes nos pacientes com hiperinsuflação marcada prejudicando em muito a uniformidade dos resultados.
(RV/CPT < 67%), nos quais o VR reduzira em 1040ml em um Vários estudos ainda não contemplam um programa de
mês e 400ml em 6 meses, o mesmo ocorrendo com a escala de reabilitação compulsório antes e depois do procedimento.
dispnéia.19 Estes resultados ensejaram a confecção de um Tal fato possivelmente tenha impacto nos resultados, uma
estudo muticêntrico fase III com mais de 300 pacientes e vez que a maioria destes pacientes possuem o profundo

Fig. 5 - Etapas utilizadas no procedmento de bypass das vias aéreas (Exhale Emphysema Treatment System™, Broncus Technologies Inc.,
Mountain View, CA-EUA): 1-localização da área “silenciosa”(avascular) com doppler; 2-criação e dilatação da passagem; 3-reavaliação
com doppler; 4-colocação do dispositivo (stent) por insuflação de balão; 5-saída de ar pela passagem acessória

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decondicionamento físico e o desequilíbrio nutricional da REFERÊNCIAS
DPOC. Depreende-se que o benefício funcional possa ser 1. Similowski T, Yan S, Gauthier AP, Macklem PT, Bellemare F.
ainda maior caso a reabilitação melhore a capacidade de Contractile properties of the human diaphragm during chronic
exercício. hyperinflation. N Engl J Med. 1991;325(13):917-23.
Os estudos disponíveis ainda calcam seus desfechos nos 2. Kemp SV, Polkey MI, Shah PL. The epidemiology, etiology,
parâmetros funcionais utilizados para a CRVP (e.g.VEF1) e clinical features, and natural history of emphysema. Thorac
outros, mais subjetivos (e.g.escore de dispnéia, qualidade Surg Clin. 2009;19(2):149-58.
3. ATS. Pulmonary rehabilitation-1999. American Thoracic
de vida), dos quais é frequentemente difícil obter medidas
Society. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(5 Pt
confiáveis, mormente nos portadores de grave 1):1666-82.
comprometimento funcional. Os estudos anteriores não 4. Brantigan OC, Mueller E. Surgical treatment of pulmonary
dispunham dos métodos atuais de quantificação da emphysema. Am Surg. 1957;23(9):789-804.
destruição parenquimatosa pelo enfisema, do grau de 5. Brantigan OC, Mueller E, Kress MB. A surgical approach to
hiperinsuflação pulmonar e tampouco da resposta pós- pulmonary emphysema. Am Rev Respir Dis. 1959;80(1, Part
procedimento. Sendo assim, foram utilizados métodos de 2):194-206.
quantificação e de resposta de outros estudos (e.g. NETT), 6. Cooper JD, Patterson GA. Lung-volume reduction surgery for
severe emphysema. Chest Surg Clin N Am. 1995;5(4):815-31.
cujos critérios de alocação são diferentes dos da população
7. Cooper JD, Patterson GA, Sundaresan RS, Trulock EP, Yusen
atualmente tratada por via transbroncoscópica.
RD, Pohl MS, et al. Results of 150 consecutive bilateral lung
Pelo exposto acima, e à luz das novas tecnologias volume reduction procedures in patients with severe
disponíveis para quantificação da destruição pulmonar, é emphysema. J Thorac Cardiovasc Surg. 1996;112(5):1319-
desejável que os estudos futuros incorporem novos 29; discussion 29-30.
métodos não invasivos de avaliação de hiperinsuflação, e 8. Geddes D, Davies M, Koyama H, Hansell D, Pastorino U,
que possuam parâmetros de mensuração direta. Dentre estes Pepper J, et al. Effect of lung-volume-reduction surgery in
destacam-se a optopletismografia eletrônica,38 a tomografia patients with severe emphysema. N Engl J Med.
2000;343(4):239-45.
de impedância elétrica39, a quantificação volumétrica por
9. Ciccone AM, Meyers BF, Guthrie TJ, Davis GE, Yusen RD,
imagem 40, avaliação da mobilidade diafragmática entre outras.
Lefrak SS, et al. Long-term outcome of bilateral lung volume
reduction in 250 consecutive patients with emphysema. J
CONCLUSÃO Thorac Cardiovasc Surg. 2003;125(3):513-25.
As alternativas endoscópicas para o tratamento do 10. Fishman A, Martinez F, Naunheim K, Piantadosi S, Wise R,
enfisema avançado incluem uma ampla variedade de Ries A, et al. A randomized trial comparing lung-volume-
dispositivos ainda em estudos clínicos fase II e III. O reduction surgery with medical therapy for severe
emphysema. N Engl J Med. 2003;348(21):2059-73.
tratamento medicamentoso, em conjunto com a reabilitação
11. Naunheim KS, Wood DE, Mohsenifar Z, Sternberg AL, Criner
pulmonar e o abandono do tabagismo, formam a base do
GJ, DeCamp MM, et al. Long-term follow-up of patients
manejo do paciente portador de DPOC, ao passo que os receiving lung-volume-reduction surgery versus medical
procedimentos endoscópicos são, em sua essência, therapy for severe emphysema by the National Emphysema
adjuvantes e paliativos. Por conseguinte, alcunhas tais Treatment Trial Research Group. Ann Thorac Surg.
como “tratamento endoscópico” e “tratamento do enfisema 2006;82(2):431-43.
por redução volumétrica broncoscópica” devem ser 12. Sanchez P. NETT trial: a reassessment. AATS meeting-
utilizadas com cautela, pois possuem um apelo terapêutico Abstracts. 2009.
forte sujeito a interpretações errôneas, mormente em 13. Snell GI, Holsworth L, Borrill ZL, Thomson KR, Kalff V,
indivíduos cuja vida é devastada por doença crônica e Smith JA, et al. The potential for bronchoscopic lung volume
reduction using bronchial prostheses: a pilot study. Chest.
incapacitante como no caso do DPOC. Não obstante,
2003;124(3):1073-80.
quando bem indicados e aplicados em pacientes em
14. de Oliveira HG, Macedo-Neto AV, John AB, Jungblut S, Prolla
tratamento médico médico bem orientado, os procedimentos JC, Menna-Barreto SS, et al. Transbronchoscopic pulmonary
endoscópicos podem melhorar consideravelmente a emphysema treatment: 1-month to 24-month endoscopic
qualidade de vida e amenizar o desconforto dos pacientes follow-up. Chest. 2006;130(1):190-9.
com severa limitação funcional. Ademais, estes 15. Wood DE, McKenna RJ, Jr., Yusen RD, Sterman DH, Ost
procedimentos poderão servir de “ponte” para outras DE, Springmeyer SC, et al. A multicenter trial of an
modalidades terapêuticas, como por exemplo o bypass das intrabronchial valve for treatment of severe emphysema. J
vias aéreas, o qual poderá vir a se tornar um método utilizado Thorac Cardiovasc Surg. 2007;133(1):65-73.
para melhorar o desempenho funcional dos pacientes 16. Herth F, Eberhardt R, Ernst A. Pilot Study of an Improved
Lung Volume Reduction Coil for the Treatment of Emphysema.
enfisematosos em lista de transplante pulmonar. Assim
Am J Respir Crit Care Med. 2009;179:A6160.
sendo, muitos estudos ainda necessitam ser empreendidos 17. Snell GI, Hopkins P, Westall G, Holsworth L, Carle A, Williams
para que se conheça melhor o lugar, bem como os reais TJ. A feasibility and safety study of bronchoscopic thermal
benefícios destas novas tecnologias endoscópicas não vapor ablation: a novel emphysema therapy. Ann Thorac Surg.
cirúrgicas aplicáveis ao DPOC. 2009;88(6):1993-8.

10 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


18. Ingenito EP, Reilly JJ, Mentzer SJ, Swanson SJ, Vin R, Keuhn Annual Meeting of the American Thoracic Society; 2006;
H, et al. Bronchoscopic volume reduction: a safe and effective San Diego-CA; 2006.
alternative to surgical therapy for emphysema. Am J Respir 36. Choong CK, Cardoso PF, Sybrecht GW, Cooper JD. Airway
Crit Care Med. 2001;164(2):295-301. bypass treatment of severe homogeneous emphysema:
19. Cardoso PF, Snell GI, Hopkins P, Sybrecht GW, Stamatis G, taking advantage of collateral ventilation. Thorac Surg Clin.
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stents with use of drug-eluting stents. J Thorac Cardiovasc
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bypass procedure for patients with emphysema. J Thorac
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35. Macklem P, Cardoso P, Snell G, Hopkins P, Sybrecht G, Pierce
J, et al. Airway Bypass: A New Treatment for Emphysema.

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 11


Transplante pulmonar –
indicações e técnica operatória
AUTORES: Rafael Medeiros Carraro1; Lucas M Fernandes2; Marlova Luzzi Caramori3; Paulo Manoel Pêgo
Fernandes4; Fábio Biscegli Jatene5

SERVIÇO: Grupo de Transplante Pulmonar InCor

1
Pneumologista
2
Cirurgião Torácico
3
Coordenadora Clínica
4
Professor Associado da Disciplina de Cirurgia Torácica
5
Professor Titular da Disciplina de Cirurgia Torácica

INTRODUÇÃO As diretrizes gerais para seleção de receptores,


O transplante pulmonar apresentou um grande avanço nas desenvolvidas pela American Thoracic Society (ATS) e
últimas décadas e representa hoje uma terapia cirúrgica eficaz International Society of Heart and Lung Transplantation
para o tratamento de doenças pulmonares avançadas.1 Desde o (ISHLT) são mostradas na tabela 1.3,4
primeiro procedimento realizado com sucesso na década de
oitenta, grandes avanços no entendimento de suas CONTRA-INDICAÇÕES
particularidades relacionadas à técnica cirúrgica, manejo de Apesar do crescente número de transplantes realizados a
imunossupressão, controle e profilaxia de infecções possibilitaram cada ano em todo mundo, a escassez de órgãos ainda é uma
cada vez maiores taxas de sobrevida após o procedimento. realidade e, aliada às menores taxas de sobrevida em
Dados até o ano de 2007 relatam a realização do comparação aos transplantes de outros órgãos sólidos, o
transplante pulmonar unilateral ou bilateral em mais de 28.500 transplante pulmonar deve ser realizado em pacientes
pacientes. Dentre as indicações para o transplante figuram selecionados e seguindo critérios de contra-indicação.
vários tipos de doenças pulmonares, desde a doença A idade avançada diminui os índices de sobrevida após o
pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) (35%), fibrose pulmonar transplante, sendo que hoje em dia, a maioria dos centros
idiopática (20%), fibrose cística (15%) até causas menos que realizam transplante pulmonar estabeleceram um limite
comuns como pneumopatias relacionadas a doenças do de 65 anos para a indicação do procedimento. Os pacientes
tecido conectivo e até câncer de pulmão.2 devem ser limitados pela doença (Classe Funcional III e IV),
porém não podem estar profundamente debilitados, condição
INDICAÇÕES GERAIS esta que frequentemente é verificada por distância caminhada
O transplante pulmonar deve ser considerado para no teste de 6 minutos menor que 182 metros. Além disso, a
aqueles pacientes com qualquer tipo de doença pulmonar presença de disfunção importante de outros órgãos vitais
avançada que evolui com piora clínica apesar de todas as dificulta e indicação do procedimento, mas em casos
alternativas de tratamento conhecidas já estarem sendo selecionados pode ser indicado o transplante duplo coração-
utilizadas. Os pacientes devem ter limitação nas suas pulmão ou fígado-pulmão.5
atividades diárias e expectativa de vida inferior a dois anos. As contra-indicações absolutas consideradas nos dias
Além disso, não deve haver comprometimento funcional atuais estão listadas na tabela 2.4,5
significativo de outros órgãos e sistemas vitais (p. ex. Outras condições como diabetes mellitus, osteoporose,
cardiovascular, hepático ou renal). refluxo gastroesofágico, comprometimento multi-orgânico

Tabela 1. Critérios gerais de indicação do transplante pulmonar.


Idade adequada: até 55, 60 e 65 anos, respectivamente para, cardiopulmonar, pulmonar bilateral e pulmonar unilateral
Doença avançada clinicamente e funcionalmente
Outras terapias inefetivas ou indisponíveis
Expectativa de vida limitada pela doença pulmonar
Estado nutricional adequado
Perfil psicossocial e suporte familiar adequado
Cobertura financeira adequada para a cirurgia e cuidados pós-operatórios

12 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Tabela 2. Contra-indicações absolutas ao transplante pulmonar.
Doença maligna nos últimos 2 anos (exceto câncer de pele não-melanoma)
Infecção pelo HIV
Infecção por vírus B ou C da hepatite com evidência de hepatopatia significativa
Tabagismo atual ou cessação há menos de 6 meses
Abuso de álcool ou outras drogas
Doença psiquiátrica grave
Má aderência ao tratamento documentada
Ausência de suporte familiar e social
Obesidade ou desnutrição

de doenças sistêmicas e doença arterial coronariana podem Fibrose Cística (BNFC) (18%); 4) Fibrose Cística (FC)(15%);
constituir contra-indicações e devem ser avaliadas 5) Linfangioleiomiomatose (6%); 6) Hipertensão Pulmonar
individualmente. Idiopática (HPI) (4%); Outras causas (5%). Os demais casos
incluem 4 pacientes com Silicose e 1 com Histiocitose de
CRITÉRIOS DE INDICAÇÃO POR DOENÇAS células de Langhans. Os pacientes com BNFC e FC
ESPECÍFICAS representam 55% das indicações do procedimento bilateral,
As diferenças nas apresentações clínicas, funcionais e enquanto DPOC e FPI contribuem com 78% nos
radiológicas das principais doenças pulmonares geram a transplantes unilaterais.
necessidade de critérios específicos de indicação para cada
uma delas. Tais critérios envolvem características clínicas, ASPECTOS TÉCNICOS
capacidade de exercício, valores de volumes pulmonares, Transplante Pulmonar Unilateral
escores de gravidade específicos, análise gasométrica e O transplante pulmonar unilateral é indicado para
repercussão hemodinâmica, variando de acordo com cada pacientes portadores de doenças terminais restritivas e
doença. A tabela 3 representa os principais critérios de obstrutivas sem processo infeccioso associado. 2,5
indicação do transplante de pulmão nas doenças pulmonares Representa a opção ideal para pacientes com fibrose
avançadas mais comuns.5 pulmonar nos quais a ventilação e perfusão são
No serviço de Transplante Pulmonar das Disciplinas de preferenciais para o enxerto.2,6 Há também uma tendência
Cirurgia Torácica e Pneumologia do InCor-HC/FMUSP, foram maior em se utilizar um único enxerto em pacientes maiores
realizados 132 procedimentos desde o ano de 1990, com a de 60 anos4,6 que apresentam melhores resultados pós-
seguinte distribuição por frequência de indicação: 1) DPOC operatórios imediatos, a curto e médio prazo.7,8,9
(29%); 2) Fibrose Pulmonar (23%); 3) Bronquiectasias não- A maior contra-indicação ao transplante unilateral são as

Tabela 3. Diretrizes para inclusão em lista de nas principais doenças pulmonares. Adaptado de.4
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica Índice BODE entre 7 e 10, ou pelo menos 1 dos seguintes:História de
hospitalização por exacerbação com hipercapnia aguda (PaCO2 < 50mmHg)Hipertensão pulmonar ou Cor
pulmonaleVEF1 < 20% ou DLCO < 20% ou distribuição homogênea do enfisema

Fibrose Pulmonar Idiopática Evidência histológica ou radiológica de UIP e uma das seguintes condições:DLCO < 40%
do previstoQueda de 10% da CVF em 6 meses de seguimentoOximetria < 88% durante teste de caminhada de 6
minutosFaveolamento da TC de alta resolução (Escore de fibrose > 2)

Fibrose Cística VEF1 < 30% ou declínio rápido da função pulmonar se VEF > 30% e/ou qualquer das seguintes
condições:Aumento na necessidade de oxigênio suplementarHipercapniaHipertensão pulmonar· Mulheres e
menores de 18 anos têm pior prognóstico (considerar inclusão mais precoce)

Hipertensão Pulmonar Idiopática Classe funcional NYHA III ou IV apesar de terapia medicamentosa máximaDistância
percorrida no teste de 6 minutos < 350m ou em declínioFalha à terapia com epoprostenol EV ou equivalenteÍndice
cardíaco < 2 L/min/m²Pressão de átrio direito > 15mmHg

Sarcoidose Classe funcional NYHA III ou IV e qualquer condição das seguintes:Hipoxemia em repousoHipertensão
pulmonarPressão de átrio direito > 15mmHg

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 13


doenças supurativas, uma vez que a manutenção da infecção Transplante Cardiopulmonar
no pulmão nativo levaria a pneumonias de repetição no O transplante cardiopulmonar declina significantemente
enxerto.2,6,10 Da mesma forma, não se dá preferência a essa desde os anos 90 e se mantém em uma média de 75 a 86 por
modalidade aos pacientes com doenças pulmonares com ano desde 2003. De 1998 a 2008, a maioria dos centros
hipertensão, pois o enxerto oferece menor resistência vascular realizou apenas 1 por ano e somente 1 centro realizou mais
e sofreria os danos dessa perfusão exagerada.2,10 de 10 no período.11
A escolha do lado a ser transplantado deve levar em As indicações se tornaram cada vez mais escassas e
consideração os fatores2: envolvem síndrome de Eisenmenger, defeitos cardíacos
- Anatômicos: pacientes com cirurgia prévia, pleurodese, complexos não passíveis de correção cirúrgica, hipertensão
ressecções, drenagens, o lado não operado geralmente é pulmonar severa com disfunção grave de ventrículo direito
preferível. refratária ao tratamento e miocárdio e coronariopatias
- Fisiológicos: pacientes com grandes diferenças de associadas a doenças pulmonares terminais.2.
ventilação/perfusão à cintilografia, devem ter o pulmão com
pior relação transplantado. Seleção do Pulmão Doador1
- Patológicos: Em pacientes com enfisema, o lado A seleção dos doadores para transplante de pulmão
direito, sempre que possível, é o escolhido para o também esta estabelecida com critérios específicos que
transplante, evitando que o pulmão enfisematoso faça devem ser respeitados. Entretanto o baixo número de
uma eventração sobre o lado contralateral. Da mesma doações e o número ainda menor de órgãos adequados para
forma se trabalha o paciente com fibrose pulmonar, o transplante têm gerado inúmeras medidas em diversas
transplantando neste o lado esquerdo que possivelmente esferas no intuito de aumentar o número de transplantes.
aumentará de tamanho sem o encalço do fígado Na esfera político-social as campanhas de esclarecimento
subjacente. Casos de hipertensão pulmonar secundária a e de doação têm sido estimuladas; entretanto, apesar de
defeitos intra-cardíacos podem ser mais bem abordados resultado positivo o número de doações ainda permanece
se transplantado o pulmão direito. abaixo do desejado.
Outra medida importante a ser tomada é a melhora do
Transplante Pulmonar Bilateral tratamento empregado no doador. Para o transplante de
O transplante pulmonar bilateral cresce consideravelmente pulmão muitos doadores são perdidos por causa de má
a cada ano, segundo o XXVI registro da Internacional Society qualidade do atendimento intensivo.
of Heart-Lung Transplantation, essa modalidade já responde O doador ideal tem critérios rígidos de seleção, o que
por 69% dos transplantes pulmonares no mundo.1 Sua limita seu encontro. Por isso cada vez mais se tem aceitado
principal indicação são as doenças supurativas bilaterais, para transplante o chamado doador marginal, que é aquele
como a fibrose cística, por eliminar a potencial contaminação doador que não preenche os critérios na sua totalidade, mas
do pulmão transplantado pelo pulmão nativo.2,6 Também é a que a experiência clinica tem demonstrado resultados
preferência para o transplante no enfisema/DPOC e satisfatórios com seu uso. Os critérios para o doador ideal
hipertensão pulmonar, a exceção são os pacientes com são resumidos na tabela 4.
fibrose pulmonar idiopática e pacientes idosos.2,6,8,9 Após a identificação do possível doador, as medidas de
Atualmente, o transplante bilateral é realizado de forma suporte, especialmente o manejo da ventilação mecânica e o
seqüencial, diferente do que se fazia no passado, quando se balanço hídrico, devem ser estabelecidas no intuído de
fazia o transplante em bloco e com uso de circulação prevenir a injúria pulmonar.
extracorpórea. Sendo assim, é de bom grado se começar o
transplante pelo lado mais doente, semelhante ao que é feito Tabela 4: Critérios do doador ideal.
no transplante unilateral. Idade < 50 anos
Tempo de intubação < 7 dias
Transplante Lobar pO2 > 300 mmHg (FiO2=100% e PEEP de 5cmH20 por
O transplante lobar é considerado uma alternativa ao 10 min)
transplante de doador cadáver e tem como alvo crianças e
Radiografia de tórax normal
pacientes menores. Apesar de suas indicações serem as
Broncoscopia sem sinais de supuração de broncoaspiração
mesmas do transplante pulmonar bilateral e da aparente maior
facilidade de possíveis doadores, o número de transplantes Igualdade ABO
desse tipo decresce a cada ano, em parte por razões éticas Sorologia negativa para hepatite B, C e HIV
de submeter 2 pessoas a uma lobectomia.12,13 Mesmo que a Sem antecedente de neoplasias (exceto neoplasias
doença de base do receptor não seja supurativa, é essencial primárias de SNC)
que 2 lobos sejam transplantados, uma vez que 1 lobo
Proporcionalidade entre os pulmões doados e caixa
pulmonar não possui área alveolar suficiente para suprir as
torácica do receptor
necessidades orgânicas.

14 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


A avaliação da história clínica é importante salientando a Tabela 6: Critérios de doador marginal.
procura dos itens acima descritos, como idade, tempo de Compatibilidade ABO
intubação e assim por diante. A análise da gasometria e dos Idade > 50 anos
parâmetros de ventilação deve ser realizada para comprovar Tempo de intubação > 7 dias
boa troca gasosa (avaliação do pO2). Tabagismo
A idade e a história tabágica são critérios racionais, porém, Trauma torácico com contusão pulmonar leve
não rígidos. Acredita-se que carga tabágica inferior a 20 anos
x maço seja adequada. A história de doença pulmonar prévia
incluindo asma exclui o doador. pulmonar. O paciente é posicionado em decúbito lateral,
A broncoscopia é realizada para inventário das vias aéreas fixado à mesa cirúrgica e degermado.
a procura de possíveis lesões endobrônquicas e Através de uma toracotomia póstero-lateral no quarto ou
principalmente para visibilização da secreção pulmonar quinto espaço intercostal, o pulmão escolhido para ser
(secreções purulentas ou sinais de importante hemorragia transplantado, então, é dissecado e o hilo pulmonar liberado.
alveolar, por exemplo, podem excluir o órgão). Para avaliar melhor a necessidade de circulação extra-
A inspeção e a palpação do pulmão realizadas no intra- corpórea, pode ser feito um pinçamento da artéria pulmonar
operatório são os passos finais da avaliação. São e observar a repercussão hemodinâmica e da oxigenação.
considerados: o aspecto, a coloração, a consistência; são Fazem-se as ligaduras da artéria pulmonar e das veias
procurados possíveis nódulos e outras lesões que podem pulmonares procurando manter o maior coto distal possível.
ter passado desapercebidos pela avaliação radiológica. O brônquio principal também é seccionado preservando parte
Algumas condições por estarem classicamente do tecido peribrônquico visando evitar isquemia da
associadas com resultados desfavoráveis constituem anastomose. Completa-se a pneumonectomia e o pulmão
critérios de exclusão para a doação. A tabela 5 traz os critérios nativo é removido. Os cotos arteriais e venosos são
gerais de exclusão. dissecados até suas porções intrapericárdicas.
O pulmão doado já preparado é colocado dentro da
Tabela 5: Critérios gerais de exclusão para a doação de cavidade torácica em um leito de compressas geladas para
órgãos cadavéricos manter a hipotermia e os elementos do hilo pulmonar são
Sepse não tratada alinhados. Uma anastomose término-terminal é feita no
Tuberculose em atividade brônquio, anteriormente seccionado há aproximadamente
Infecção por HIV dois anéis da carina secundária. Usa-se sutura contínua com
Hepatite viral fio inabsorvível na parede membranosa e pontos simples
Encefalite viral separados do mesmo fio, na parede cartilaginosa. A
Síndrome de Guillain-Barré
anastomose brônquica se conclui com a cobertura do retalho
pericárdico. Para a anastomose arterial, uma pinça Satinsky
Uso atual de drogas ilícitas
é colocada proximalmente ao coto da artéria pulmonar e faz-
Malignidade (exceto tumor primário de SNC)
se sutura término-terminal com fio inabsorvível de forma
contínua. Sem soltar o clamp arterial, uma segunda pinça
No intuito de aumentar o número de doadores Satinsky é colocada no átrio esquerdo com a finalidade de
disponíveis, vários programas têm liberalizado os critérios isolar o coto venoso. A anastomose venosa é confeccionada
de aceitação, criando assim a figura do doador marginal. com fio inabsorvível em sutura contínua.
Apesar dos bons resultados relatados por diversos grupos Tendo a fase de implantação terminada, é solicitado que
seu uso deve ser feito com reservas e cada caso deve ser seja infundido 500mg de metilprednisolona com intuito de
individualmente analisado para minimizar o risco de iniciar a imunossupressão e neste momento também se
insucesso do transplante. A tabela 6 resume os critérios de inicia o processo de ventilação do pulmão implantado que
doador marginal utilizados em nosso serviço. deve ser de forma lenta e gradual. O clamp arterial é liberado
O tamanho entre doador e receptor deve ser compatível, aos poucos, entre 10 e 15 minutos, enquanto a solução de
geralmente, esta comparação é feita com as medidas da caixa perfusão e o ar dos vasos saem pelo hiato da anastomose
torácica, principalmente a circunferência torácica infra- das veias pulmonares que é mantido semi-aberto. É
mamária e avaliação da radiografia. permitido que cerca de 200 a 300 ml de sangue saiam pelas
veias garantindo que não reste solução de perfusão, ar e
Técnica Operatória do Transplante Unilateral1 parte de radicais livres da reperfusão. A anastomose venosa
O paciente é trazido para a sala de operação e monitorizado é então fechada e uma meticulosa revisão de hemostasia é
para início do procedimento anestésico. A anestesia geral é feita nos cotos arteriais e venosos anteriormente e na
feita com uma sonda oro-traqueal de duas vias para haja o parede posterior.
bloqueio do pulmão a ser transplantado. É colocado um A cavidade pleural é drenada com dois tubos torácicos
cateter de Swan-Ganz para controle da pressão da artéria 36Fr, após revisão de hemostasia, aerostasia brônquica e

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 15


retirada de compressas. O fechamento da parede torácica é 9.Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/
feita por planos com a reaproximação dos espaços 18675115
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intercostais, da musculatura incisada, subcutâneo e pele. O transplantation. [Internet]. Proceedings of the American
paciente é retirado da posição de decúbito lateral e Thoracic Society. 2009 ;6(1):20-7.Available from: http://
encaminhado a UTI para cuidados pós-operatórios. www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19131527
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Técnica Operatória do Transplante Bilateral 1 Therapeutic advances in respiratory disease. 2008
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Com o paciente já monitorizado e anestesiado, ele é pubmed/19124375
posicionado em decúbito horizontal, com os braços junto ao 7. Mahidhara R, Bastani S, Ross DJ, Saggar R, Lynch J,
corpo e coxim sob as escápulas. A incisão utilizada é a Schnickel GT, et al. Lung transplantation in older patients?
bitoracotomia anterior com esternotomia transversa no quarto [Internet]. The Journal of thoracic and cardiovascular
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espaço intercostal (Clamshell), que permite uma exposição
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/18242277
ampla de toda a cavidade pleural. 8. Smith PW, Wang H, Parini V, Zolak JS, Shen KR, Daniel
A exemplo do transplante unilateral, é feita dissecção TM, et al. Lung transplantation in patients 60 years and
cuidadosa do pulmão e das estruturas do hilo pulmonar. Faz- older: results, complications, and outcomes. [Internet]. The
se o teste para assegurar-se da necessidade ou não de CEC Annals of thoracic surgery. 2006 ;82(5):1835-41; discussion
1841.Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/
e a pneumonectomia. O implante é realizado semelhante à
17062257
técnica unilateral, mantendo-se a ordem das anastomoses – 9. Fischer S, Meyer K, Tessmann R, Meyer a, Gohrbandt B,
brônquios, artéria e veia. O pulmão recém implantado é então Simon a, et al. Outcome following single vs bilateral lung
ventilado e reperfundido e procedimento idêntico é feito do transplantation in recipients 60 years of age and older.
lado contralateral. Após revisão meticulosa de hemostasia, [Internet]. Transplantation proceedings. 2005 ;37(2):1369-
70.Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/
são colocados 2 drenos 36Fr em cada hemitórax e se procede
15848723
ao fechamento por planos da parede torácica, aproximando 10. Cooper JD. The evolution of techniques and indications for
o esterno com fios de aço e os espaços intercostais, seguido lung transplantation. [Internet]. Annals of surgery. 1990
pela camada muscular, subcutâneo e pele. O paciente é ;212(3):249-55; discussion 255-6.Available from: http://
encaminhado para UTI para cuidados pós-operatórios. www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2204316
11. Christie JD, Edwards LB, Aurora P, Dobbels F, Kirk R,
Rahmel AO, et al. The Registry of the International Society
ASSISTÊNCIA CARDIOPULMONAR 15 for Heart and Lung Transplantation: Twenty-sixth Official
O uso da circulação extracorpórea (CEC) pode auxiliar Adult Lung and Heart-Lung Transplantation Report-2009.
qualquer das modalidades de transplante e em alguns casos [Internet]. The Journal of heart and lung transplantation :
the official publication of the International Society for Heart
obrigatória como no cardiopulmonar e crianças pequenas.
Transplantation. 2009 ;28(10):1031-49.Available from:
As indicações de uso são: (1) hipertensão pulmonar severa http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19782285
(supra-sistêmica); (2) necessidade de procedimentos 12. Benden C, Aurora P. Paediatric aspects of lung
intracardíacos (correção de defeitos intra-atriais/ transplantation [Internet]. Eur Respir Mon.
ventriculares); (3) via aérea muito pequena para colocação 2009;1998(45):251-265.Available from: http://
scholar.google.com/ scholar?hl=en&btnG=Search&q=intitle:
de cânula de duplo-lúmen; (4) doador relativamente pequeno
Paediatric+aspects+of+lung+transplantation#1
(evitar todo fluxo cardíaco para um leito vascular pequeno; e 13. Sweet SC. Pediatric lung transplantation. [Internet].
(5) estruturas vasculares muito frágeis para aceitar um clamp Proceedings of the American Thoracic Society. 2009
vascular com necessidade de cardioplegia. ;6(1):122-7.Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/
pubmed/19131537
14. Mclean M, Barr M, Starnes V. Living Lobar Lung
REFERÊNCIAS Transplantation [Internet]. Operative Techniques in
1. Jatene FB, Pêgo-fernandes PM, Medeiros IL. Transplante Thoracic and Cardiovascular Surgery. 2007 ;12(1):47-
pulmonar [Internet]. Revista de Medicina. 2009 ;88(3):111- 56.Available from: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/
122.Available from: http://www.fm.usp.br/gdc/docs/ pii/S1522294207000232
revistadc_166_6-pulmao.pdf 15. Davis R. Bilateral Sequential Lung Transplantation
2. Patterson GA. Indications. Unilateral, bilateral, heart-lung, [Internet]. Operative Techniques in Thoracic and
and lobar transplant procedures. [Internet]. Clinics in chest Cardiovascular Surgery. 2007 ;12(1):57-72.Available from:
medicine. 1997 ;18(2):225-30.Available from: http:// h t t p : / / l i n k i n g h u b . e l s e v i e r. c o m / r e t r i e v e / p i i /
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9187816 S1522294207000360
3. Miñambres E, Zurbano F, Naranjo S, Llorca J, Cifrián JM,
González-Castro A. [Mortality analysis of patients
undergoing lung transplantation for emphysema] [Internet]. Rafael Medeiros Carraro
Archivos de bronconeumología. 2009 ;45(7):335- rafael_mcarraro@yahoo.com.br
40.Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/
19467749
4. Marulli G, Rea F. Lung transplantation for emphysema.
[Internet]. Transplantation proceedings. 2009 ;40(6):2006-

16 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Cuidados paliativos em pediatria
AUTORES: Pilar Lecussan1; Silvia Maria de Macedo Barbosa2; Marina Buarque de Almeida3

SERVIÇO: Instituto da Criança, HC - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

1
Médica Psiquiatra e Membro da comissão de Bioética
2
Médica pediatra responsável pela Unidade de Cuidados Paliativos
3
Pneumologista pediátrica. Mestre e Doutora em Ciências pela FMUSP

A morte de um paciente pediátrico por doenças no ambiente hospitalar. A literatura descreve que o número
respiratórias é atualmente um evento cada vez menos comum de óbitos em um hospital pediátrico de 150-200 leitos varia
em muitos países do mundo. Este fato se deve a melhoria da de 100 a 150 crianças por ano.3 Muitas dessas crianças
tecnologia médica com aumento da sobrevida desses poderiam se beneficiar de cuidados domiciliares, inclusive
pacientes, que no passado certamente morreriam. na sua terminalidade.
A contrapartida deste fato é a ocorrência crescente de Embora as causas de mortes em pediatria tenham menor
crianças em condições clínicas complexas, portadoras de diversidade que nos adultos, isso não implica que a criança
doenças pulmonares que necessitam cada vez mais de necessite de um atendimento menos especializado. Tais
cuidados paliativos. causas são variadas e, excluindo-se as causas externas, as
A Organização Mundial da Saúde define o Cuidado crianças morrem em conseqüência de má-formações
Paliativo como “uma abordagem que promove a qualidade congênitas, prematuridade, baixo peso, causas
de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças cardiovasculares, neoplasias, doenças metabólicas e causas
que ameacem a continuidade da vida, por meio da prevenção infecciosas.1
e do alívio do sofrimento. Requer identificação precoce,
avaliação e tratamento da dor e de outros problemas de FAIXA ETÁRIA DOENÇAS
natureza física, psicossocial e espiritual”. • Anomalias
congênitas
Nos Cuidados Paliativos, a abordagem ocorre em doenças Lactentes (0-1 ano)
• Prematuridade
que ameaçam a vida, incluindo-se ai a terminalidade. Nestas • Morte súbita
situações, pode–se indicar este tipo de cuidado desde o • Traumas acidentais
diagnóstico. ou não
Deve-se levar em consideração que neste tipo de cuidado, Crianças (1-14 anos) • Câncer
sempre há o que ser feito, independente da doença de base • Anomalias congênitas
• Outras
e fase desta. A família também é inserida neste cuidado e o
• Trauma (incluindo
acompanhamento inclui o período do luto, sendo que nesta suicídio)
abordagem a religiosidade e a espiritualidade são fatores Adolescentes (15-19 anos) • Câncer
importantes. • Anormalidades
Uma adequada atenção à criança gravemente enferma é congênitas (doença
cardíaca)
também uma meta importante no cuidado da saúde. A
expectativa normal é que as crianças vivam mais que os seus Um grande número de outras doenças (miscelânea) resulta
pais, mas há casos em que a morte ocorre na infância ou na também em morte das crianças, incluindo-se aí raras síndromes
adolescência. metabólicas e síndromes genéticas.
Quando comparado aos adultos, o número de mortes em O modelo de cuidado paliativo que se aplica às crianças
pediatria é bem menor. No município de São Paulo, em dados adota a administração concomitante do cuidado curativo e de
colhidos no PRO-AIM (Programa de Aprimoramento das suporte com uma preocupação com os aspectos físicos,
Informações de Mortalidade no Município de São Paulo) psíquicos e espirituais. Este cuidado engloba o atendimento
referentes ao ano de 2007, ocorreram 2058 (3,22%) mortes de multidisciplinar que inclui: médicos, enfermeiros, assistentes
crianças até 19 anos, sendo que em 788 (1,23%) casos, estas sociais, capelania, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional. 4,5
eram portadoras de doenças crônicas. Por sua vez, o número O cuidado paliativo em pediatria reúne a melhor prática da
de óbitos de adultos no Município de São Paulo em 2007 foi pediatria geral combinado com um conhecimento
de 63.722 casos.1,2 especializado do cuidado paliativo do adulto.
As estatísticas brasileiras no assunto não são precisas. Várias são as trajetórias da morte em adultos que também
Sabe-se que muitas crianças gravemente enfermas morrem podem ser descritas na pediatria. Lunney et al em 2003

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 17


apresenta quatro distintas trajetórias.6, 7 princípios que devem ser recomendados para um adequado
• Indivíduos hígidos, com vida funcional, que morrem de modelo de serviço. 9
forma súbita. Ex: traumas, doenças infecciosas; 1. Respeito pela dignidade dos pacientes e da sua família;
• Indivíduos hígidos que adquirem uma doença que pode 2. Acesso a um cuidado competente;
chegar à terminalidade. Ex: câncer; 3. Suporte para os cuidadores;
• Pacientes com diagnóstico que resulta em uma diminuição 4. Melhora dos cuidados profissionais e suporte social para
da função com ciclos de melhora e de declínio progressivo. os pacientes pediátricos em cuidados paliativos;
Ex: fibrose cística; 5. Melhora contínua do cuidado paliativo pediátrico através
• Pacientes com debilidade significativa e que apresentam de educação e pesquisa.
uma deterioração lenta e progressiva. Ex: lesão cerebral por A IPCC (Initiative for Pediatric Palliative Care ) expressa as
hipóxia/anóxia. metas através da identificação de seis domínios de cuidado
Os pacientes pediátricos com patologias respiratórias que baseado na família.1
podem se beneficiar de cuidados paliativos incluem também 1. Suporte para a unidade familiar
aqueles onde o tratamento curativo é possível, mas pode falhar 2. Comunicação com a criança e com a família sobre as metas
(por exemplo, doenças malignas e metástases para os pulmões), do tratamento e sobre os planos;
doenças onde a morte prematura é possível, mas o tratamento 3. Ética e compartilhamento das decisões;
intensivo poderia prolongar a vida de boa qualidade (por 4. Alívio da dor e de outros sintomas;
exemplo, fibrose cística), condições progressivas em que o 5. Continuidade do cuidado;
tratamento é exclusivamente paliativo e podem se estender 6. Luto e suporte aos enlutados.
por muitos anos (por exemplo, insuficiência respiratória A discussão de alguns temas-chaves permite uma melhor
secundárias à distrofia muscular) e as condições, muitas vezes atuação, como por exemplo: 1) comunicação; 2) dor e questões
com comprometimento neurológico, causando fraqueza e físicas; 3) temas psicossociais e espirituais e 4) considerações
susceptibilidade a complicações (por exemplo, paralisia éticas e legais.
cerebral grave associada com aspiração periódica e A Academia Americana de Pediatria recomenda a inclusão
pneumonia). dos pacientes sempre que possível na discussão sobre o
O encaminhamento para os cuidados paliativos deve ser cuidado. Profissionais da área de saúde, pais e/ou
considerado em parceria com os médicos pneumologistas. Os responsáveis podem uma ter uma conversa com sensibilidade
médicos “paliativistas” devem trabalhar em estrita sintonia suficiente para não causar dano ou estresse psicológico em
com a equipe principal que sempre foi responsável pelo crianças com doenças limitantes de vida. Deve-se sempre levar
cuidado e suporte dos pacientes. Um ponto de entrada para o em conta a idade e o nível de desenvolvimento cognitivo da
programa de cuidados paliativos é o reconhecimento que o criança e/ou adolescente.9
paciente apresenta uma doença limitante de vida, sendo que a A equipe responsável pelo cuidado do paciente pediátrico
morte é esperada antes da vida adulta. Em pediatria, o paliativo inclui profissionais de diversas especialidades, e o
encaminhamento para este tipo de cuidado ocorre mais tarde sucesso deste cuidado depende de uma adequada troca de
na evolução da doença quando já existem determinados informações entre os vários membros da equipe. Falha de
indicadores prognósticos. Esta piora do prognóstico pode comunicação entre os membros da equipe pode resultar em:
ser avaliada da seguinte forma: inadequação do manuseio dos sintomas, prejuízo na qualidade
1. Dispneia persistente apesar da otimização do tratamento de vida do paciente ou erros de medicação. Mesmo o não
médico; entendimento das necessidades da família e dos pacientes
2. Diminuição da mobilidade decorrente da dispneia; pode prejudicar o planejamento dos cuidados, o que leva ao
3. Aumento do número de internações decorrente de infecção início de terapias agressivas ou talvez até pior, a morte do
respiratória ou descompensação respiratória; paciente sem a implementação das intervenções desejadas
4. Patógenos respiratórios resistentes; pela família e/ou pelo paciente. A atenção dada à comunicação
5. Melhora limitada após admissão hospitalar; entre a equipe é uma peça fundamental do cuidado paliativo.7
6. Dependência de oxigênio; Um outro aspecto importante do cuidado paliativo envolve
7. Hipertensão pulmonar o alívio dos sintomas físicos, como dor, fadiga e dispneia,
Pacientes que aguardam o transplante de pulmão também sintomas comuns em crianças com doenças limitantes de vida.
podem se beneficiar dos cuidados paliativos. A espera na Uma qualidade de vida aceitável não pode ocorrer quando
lista não exclui tais cuidados. As crianças e adolescentes que não há alívio dos sintomas como dispneia, dor, ansiedade,
aguardam na lista de espera podem morrer se não aparecer um náusea, constipação, além de outros que também podem
doador em tempo hábil. Um conceito em evolução nesses incomodar. Os profissionais de saúde devem tomar especial
casos é que as crianças possam se “graduar” por causa da atenção para a identificação e tratamento dos sintomas que
sobrevivência, pois após um transplante pulmonar com êxito, se agravam.7,10
sairiam dos cuidados paliativos.8 Os sintomas podem ser adequadamente manuseados com
A Academia Americana de Pediatria (2000) orienta alguns aplicação das intervenções terapêuticas existentes. Ainda hoje

18 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


muitas crianças não têm os seus sintomas aliviados porque enteral é utilizada com frequência. Nas outras faixas etárias o
as adequadas técnicas de manejo dos sintomas não são uso de sondas para alimentação enteral deve ser avaliado
aplicadas. frente aos potenciais benefícios e malefícios.
Em um sistema integrado de cuidados paliativos, a A náusea pode incomodar mais o paciente do que o próprio
assistência respiratória deve estar disponível para a criança. vômito. O tratamento pode ser feito com medicamentos de
O uso de medidas para suporte ventilatório deve ser avaliado ação central e com os agentes de motilidade.
em função da manutenção ou melhora da qualidade de vida. O Outros sintomas como convulsões, sangramentos e
manejo poderá ter diferentes níveis de gravidade e variar problemas de pele devem ser observados, sendo que o seu
individualmente e temporalmente. Estes cuidados vão desde tratamento não difere dos adultos.
suporte de permeabilidade das vias aéreas, uso de oxigênio
intermitente ou contínuo o qual poderá ser administrado de CONCLUSÕES
diversas formas, chegando até a necessidade de suporte mais 1. O cuidado paliativo é um direito de todos nós como cidadãos;
agressivo com uso da ventilação não-invasiva. 2. O cuidado paliativo pode ser associado às terapias curativas
A gestão adequada, competente e oportuna de sintomas antes mesmo que todas as tentativas de cura tenham se
na criança com doenças limitantes de vida é de suma esgotado;
importância. Para uma adequada abordagem das questões 3. A vida deve ter a melhor qualidade possível ;
psíquicas e espirituais é mandatório o tratamento de toda a 4. A morte de uma criança é uma das situações mais estressantes
sintomatologia clínica. da vida e até hoje permanece pouco aceita.
Não são apenas os sintomas respiratórios que podem afetar O cuidado paliativo pediátrico deve ter como principal
crianças com doenças pulmonares limitantes de vida. Estes objetivo a garantia de que as crianças e seus familiares tenham
podem apresentar cefaléia crônica, dor no tórax, cabeça, a melhor qualidade de vida, apesar de todas as difíceis
extremidades e abdômen. A ansiedade, náuseas e vômitos circunstâncias como o tratamento e os sintomas desagradáveis.
também podem estar presentes. Este cuidado multi-profissional deve também oferecer as
A dispneia foi definida como a consciência desconfortável possíveis alternativas sobre a melhor forma de cuidar.
da respiração. É angustiante para os pacientes e seus O cuidado paliativo é ao mesmo tempo dever e privilégio
familiares, principalmente na fase final da vida. A dispneia que certamente fazem toda a diferença para o paciente e sua
decorre de vários fatores e também da combinação destes. família durante e após todo o processo da doença.
Metátases pulmonares, doença pulmonar intrínseca, infecção,
insuficiência cardíaca, acidose e fraqueza muscular são alguns REFERÊNCIAS
deles. O diagnóstico correto da causa da dispneia é importante 1. Emanuel L L; Librach, S L. Palliative Care . Core Skills and
para a adequada escolha das terapias farmacológicas ou não. Clinical Competencies. 2007, Saunders, Philadelphia. 431-440.
Por exemplo, a ventilação não-invasiva pode ser uma opção 2. PROAIM:www2.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/saude/
viável para a gestão do sintoma de dispneia relacionada à publicacoes/0005. Consulta em 15/09/2008
3. McCallum DE, Byrne P, Bruera E. How Children Die in
fraqueza muscular. O broncoespasmo pode ser facilmente Hospital. Journal of Pain and Symptom Management; 2000;
revertido com broncodilatadores, e a excessiva secreção oral 20:417-23.
melhorada com medicamentos anticolinérgicos. A ansiedade 4. Himelstein BP, Hilden JM, Boldt AM, Weissman D. Pediatric
pode ser um componente da dispnéia terminal e a prescrição palliative care. N Engl J Med 2004;350:1752–62.
de um benzodiazepínico pode ser útil. 5. World Health Organization. WHO definition of palliative care.
Available at: http://www.who.int/cancer/palliative/definition/
Em relação à secreção ruidosa em um paciente inconsciente, en/. Acesso em 15/09/2008
este pode ser melhorado com posicionamento no leito, 6. Lunney JR, Lynn J, Foley DJ, et al. Patterns of functional
aspiração, e anticolinérgicos. A explicação para os familiares é decline at the end of life. JAMA 2003;289:2387–92
de suma importância para que estes entendam que este é o 7. Michelson K N; Steinhorn D M. Pediatric End-of-life Issues
processo da doença que ocorre e que não implica em nenhum and Palliative Care. Clin Pediatr Emerg Med 2007;8(3): 212-219
8. Collins JJ, Fitzgerald DA. Palliative care and paediatric respiratory
sofrimento adicional ao seu ente querido. medicine. Paediatric Respiratory Reviews 2006; 7:281–7
O manuseio dos outros sintomas que não a dor no cuidado 9. American Academy of Pediatrics. Committee on Bioethics and
paliativo pediátrico baseia-se nos mesmos princípios do Committee on Hospital Care. Palliative care for children.
cuidado paliativo do adulto. Pediatrics 2000;106(2 Pt 1):351–7.
10. Wolfe J, Grier HE, Klar N, et al. Symptoms and suffering at
Deve-se sempre pesar os princípios de autonomia,
the end of life in children with cancer. N Engl J Med
beneficência e maleficência. A dispneia freqüentemente 2000;342:326–33
responde ao ar ventilado sobre a face, posicionamento do 11. Boyd KJ, Kelly M. Orla morphine as symptomatic treatment
paciente, aspiração da secreção e o uso de opióides sistêmicos of dyspnoea in patients with advanced cancer. Palliative
ajudam a reduzir a sensação de falta de ar. Medicine 1997; 11: 277–281.
No que tange à hidratação e à alimentação esta também
costuma ser uma questão ética dentro do cuidado paliativo Marina Buarque de Almeida
em pediatria. No recém-nascido, a sonda para alimentação m.buarque@terra.com.br

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 19


Manejo da dispneia e fadiga no paciente
com doença pulmonar avançada
AUTORA: Lilia azzi Collet da Rocha Camargo1

SERVIÇO: Hospital do Servidor Públido Estadual

1
Médica assistente do serviço de pneumologia, mestre em ciências da saúde pelo Instituto de Assistência
Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE)

A doença pulmonar avançada (DPA), é definida como controle central e um sistema efetor que execute os
toda doença pulmonar crônica não neoplásica, cujo portador comandos enviados pelo controle central. A informação dos
em geral é idoso, tem grande limitação para realizar tarefas vários sensores alimenta o centro respiratório que determina
de vida diária, função pulmonar e trocas gasosas bastante ações dos efetores, músculos respiratórios, modificando a
reduzidas, e eventualmente estado mental-social deteriorado. ventilação. Tal processo resulta em um feedback negativo,
A maioria dos pacientes é portador de DPOC grau IV que diminui a ativação dos sensores, de modo que a
(SBPT/GOLD - VEF1 < 30% do predito), isolada ou associada homeostase seja alcançada.
a outras pneumopatias, seguida das fibroses pulmonares, A capacidade de responder a mudanças nos parâmetros
doenças de circulação pulmonar, bronquiectasias extensas, bioquímicos do sangue, às sobrecargas mecânicas, às taxas
doenças neuromusculares, fibrose cística e muitas outras. metabólicas e aos receptores neurais respiratórios possibilita
A limitação para realizar tarefas de vida diária se dá pela ao sistema respiratório se adaptar a circunstâncias especiais
fadiga e dispneia. É, portanto, primordial entender estes como dormir, se exercitar, se expor a grandes altitudes,
sintomas e quantificá-los para tratar estes pacientes. compensar estados patológicos como asma, DPOC, uso de
O tratamento da DPA é bastante similar drogas, respiração de Cheyne Stokes (CSR), e doenças
independentemente da etiologia da doença pulmonar de neurológicas.2
base.1 Na figura 1 temos a representação dos neurônios motores
Para entender bem a dispneia é necessário recordar a aferentes e eferentes do sistema respiratório. O córtex integra
fisiologia da respiração. os dados dos neurônios aferentes sensoriais (lado esquerdo)
A Ventilação é constantemente auto-monitorada para se e dos neurônios eferentes (lado direito) produzindo eupneia
manter ph e PaO2 constantes. Este controle homeostático ou sensações de dispneia, esforço, fadiga, fraqueza, etc.3
necessita de um sistema de sensores, um mecanismo de A eupneia é uma “forma de ventilação pulmonar rítmica

Fig.1 - esquema para representação dos neurônios motores aferentes e eferentes do sistema respiratório.

20 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


onde a inspiração é seguida pela expiração durante uma inspiratórios e expiratórios que inervam os músculos efetores
respiração tranquila. Eupneia é uma “forma normal de através dos nervos frênico, intercostais, e motoneurônios
respiração” abdominais respiratórios.
O centro respiratório é formado por dois grupos neuronais.
O grupo do tronco cerebral (involuntário), e grupo do córtex
cerebral (controle voluntário).
O primeiro é subdividido em centro pneumotáxico,
apnéustico e medular. Os centros pneumotáxico (núcleo
parabranquial e de Kolliker-Fuse) e apnéustico ficam na ponte,
e, determinam o fim da inspiração, modulando a resposta
respiratória à hipercapnia, hipóxia e insuflação pulmonar. A
inativação do centro apnéustico resulta na respiração
apnéustica que se caracteriza por grande tempo inspiratório e
breve expiração. O centro medular (bulbo) é dividido em
neurônios do grupo inspiratório dorsal (DRG) e neurônios do
grupo respiratório ventral (VRG). O primeiro integra os
estímulos procedentes das vias aferentes das vias aéreas
superiores (5º nervo craniano, trigêmio), dos quimioreceptores
intraarteriais (9º nervo craniano, hipoglosso), do parênquima
pulmonar através (10º nervo craniano, vago). Também é o
local de projeção dos aferentes de propriocepção dos
músculos respiratórios e da parede torácica. O grupo
respiratório dorsal é um centro processador de reflexos
respiratórios e o local de origem da respiração rítmica normal.
O grupo respiratório Ventral consiste de neurônios Fig. 3 - Visão da superfície ventral da medula mostrando as
regiões quimiosensíveis (5). As regiões rostral (R) e caudal (C). A
região intermediária (I) que não é quimiosensível mas tem uma
função central na resposta dos quimiosensores. Números romanos
indicam nervos cranianos.

Visão da superfície ventral da medula mostrando as regiões


quimiosensíveis. 5 As regiões rostral (R) e caudal (C). A região
intermediária (I) que não é quimiosensível mas tem uma
função central na resposta dos quimiosensores. Números
romanos indicam nervos cranianos.
Os corpos carotídeos respondem pela concentração de
PaO2 e íon hidrogênio ([H1]). A intensidade da resposta
varia de acordo com a gravidade da hipoxia e da acidose de
uma maneira não linear. O maior aumento é visto em resposta
a hipoxemia, especialmente quando cai a PaO2 a níveis
inferiores a 70 mm Hg. A partir de então a freqüência
respiratória e subsequentemente o volume-minuto aumentam
de uma forma acelerada. Este aumento é manifestado
principalmente por uma respiração mais profunda ao invés
de um aumento da frequência respiratória.
Nos mamíferos os corpos carotídeos são responsáveis
por mais ou menos 90% da resposta ventilatória à hipoxemia;
os restantes 10% vem dos corpos aórticos.
Fig.2 - Esquema de agregações de neurônios respiratórios pontino
e medular (bulbo) numa visão dorsal do tronco cerebral. (4)
Os corpos carotídeos também são responsáveis por 20 a 50%
Concentrações dos neurônios respiratórios inspiratórios e da resposta à hipercapnia e acidemia, sendo que os restantes 50
expiratórios (I,E); neurônios que alternam fase I-E; neurônios de a 80% são mediados pelos receptores do tronco cerebral.
bomba P; BOT- complexo Botzinger; DRG –grupo respiratório A perda aguda da informação dos corpos carotídeos ao
dorsal; KF – núcleo Kolliker Fuse; NA – núcleo ambiguus; NPBM
centro respiratório resulta em depressão da ventilação-
– núcleo parabraquial medial; NRA núcleo retroambugualis; PRG
– grupo respiratório pontino; vINTS – núcleo ventrolateral do minuto o suficiente para aumentar o CO2 e resultar em narcose
trato solitário; VRG – grupo respiratório ventral. nos pacientes com DPOC moderados/ graves.

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 21


Receptores na croça da aorta e neurônios profundos da expiração é passiva em pulmões normais. Durante o exercício
medula respondem ao aumento do CO2 e do hidrogênio (H).2 ou quando há broncoconstrição a expiração se torna ativa
O córtex cerebral influencia o centro respiratório e pode com contração expiratória dos músculos da parede
passar a frente do mecanismo de controle respiratório central abdominal e dos músculos intercostais internos. Dano nas
de forma que ocorra a tosse, o falar, o cantar, o segurar a vias espinais ascendentes (por cordotomia percutânea
respiração voluntariamente e outras atividades. cervical bilateral ou por cirurgias espinais anteriores) pode
Todos os receptores das vias aéreas têm aferência pelo resultar em disfunção respiratória por diminuição da
vago. Os receptores de adaptação lenta ou de estiramento atividade da formação reticular, causando depressão geral
traqueobrônquico, são localizados entre as fibras de da respiração com apneia durante o sono, que é revertida
musculatura lisa das vias aéreas. Sua ativação provoca a pelo despertar.
dilatação das vias aéreas. São responsáveis pelo reflexo de
insuflação de Hering Breuer, prolongando o tempo expiratório GÊNESE DA DISPNEIA
e diminuindo a frequência respiratória em resposta à A dispneia é a percepção consciente de que respirar é
insuflação pulmonar. Tal se manifesta quando o volume desagradável. É um fenômeno subjetivo que emerge de
corrente chega a 3 litros e parece ter um efeito protetor receptores sensoriais somáticos e viscerais ou da própria
prevenindo um hiperinsuflação. Se a insuflação pulmonar medula espinhal e centro respiratório com transmissão e
estiver diminuída, como na obstrução das vias aéreas ou na processamento neural complexo na ponte, mesencéfalo,
diminuição da complacência da parede torácica, os tálamo e córtex sensorial antes de chegar à percepção
receptores de adaptação lenta prolongam a inspiração. consciente. É equivalente a dor somática ou visceral no
Os receptores de adaptação rápida ou de tosse situam-se sentido de indicar que o comprometimento da respiração é
entre as células epiteliais das vias aéreas concentrados na tal que pode estar ameaçando a vida.5
carina e brônquios de primeira ordem. Respondem a pó, Cinco categorias principais de estímulos ou mecanismos
fumaça e histamina. Tem taxa de adaptação mais rápida em podem estar envolvidos:
relação aos de adaptação lenta. São inervados por fibras • Comando neural do centro respiratório
mielinizadas e sua descarga independe da fase respiratória • Quimioreceptores
(inspiração ou expiração). Parecem ser importantes na • Músculos respiratórios e caixa torácica
sensação de peito apertado, dispneia, broncoconstrição, e • Receptores pulmonares e das vias aéreas inferiores
na respiração curta e superficial que ocorre na asma. • Vias aéreas superiores
Receptores parenquimatosos juxtacapilares e perto de A discrepância entre o estímulo neural e a contração dos
parede alveolar são inervados por fibras C não mielinizadas. músculos respiratórios e a tensão produzida pela sua
Estão envolvidos em sensação de dispneia em condições contração é sentida no córtex cerebral como dispneia.
de congestão intersticial na insuficiência cardíaca. Estímulos
das fibras C estão associados à respiração rápida e
superficial, broncoconstrição e aumento de secreções.
As terminações musculares em fuso dos músculos
respiratórios e os órgãos tendíneos das juntas são sensores
de estiramento, tensão e movimento. Ascendem pela medula
pelos mesmos nervos eferentes dos músculos efetores da
respiração e afetam o tempo de inspiração e expiração. Devem
ser importantes na sensação de dispneia quando o esforço
respiratório está aumentado pelo mecanismo de
impropriedade comprimento-tensão.2
O sistema efetor consiste das vias e músculos envolvidos
na inspiração e expiração. As vias espinais conectam os
centros respiratórios do cérebro e a medula espinhal com os
músculos respiratórios e são divididos em vias ascendentes
e descendentes. As vias descendentes conectam o grupo
de neurônios respiratórios dorsais e ventrais, a coluna
ventrolateral da medula espinhal, o nervo frênico, e a
musculatura respiratória intercostal e abdominal.
Os músculos respiratórios consistem do diafragma, dos
intercostais, abdominais e acessórios (esternocleido-
Fig. 4 - Relação entre o índice da descarga medular respiratória
mastoídeo e outros músculos do pescoço). O diafragma é
e o aparecimento da dispneia. No repouso em pessoas normais o
responsável por 75% dos movimentos respiratórios na nível de descarga neural está abaixo do nível a partir do qual se
inspiração tranqüila. A inspiração no repouso é ativa e a sente dispneia. Quando a descarga neural aumenta, a atividade

22 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


das vias neuronais que levam o comando respiratório aumenta percepção da dispneia quando ela se torna crônica, temos o
sua atividade cada vez mais, e ao exceder o nível limite percebe-se deslocamento da sensação de dispneia para a direita, ou
dispneia, que aumenta progressivamente enquanto o drive
continuar a mandar seus estímulos. seja o paciente sentiria menos dispneia.
Se outros estímulos neurais fracos, facilitadores ou inibidores que
atuam nas vias neuronais, (inclusive aquelas que possibilitam a
sensação de dispneia) mas que não afetam o comando respiratório
são adicionadas, eles têm o efeito na dispneia mostrado pelas
setas: A - abaixo do nível de dispneia – o estímulo não teria nenhum
efeito sobre a dispneia que fosse facilitador ou inibidor; B – se o
estímulo fosse facilitador, a dispneia apareceria, porém o inibidor
não teria nenhum efeito; C – estímulos facilitadores e inibidores
afetariam a magnitude da dispneia; D – a dispneia está em seu
nível máximo –só um impulso inibidor teria algum efeito sobre a
dispneia.5

Taxa de dispneia
A fisiopatologia da dispneia é variável conforme a doença
causadora. Nos pacientes com DPOC ela pode ocorrer por
hiperinsuflação dinâmica pulmonar, dissociação neuro-
mecânica, anormalidades da troca gasosa, fraqueza da
musculatura inspiratória, influências cognitivas e
psicológicas.
Dispneia associada a asma, pneumonia, insuficiência
cardíaca e tromboembolismo pulmonar está relacionada mais
a estímulos dos receptores pulmonares do que a desarranjos
da mecânica pulmonar ou dos gases arteriais. A vagotomia Índice de drive neural
não tem nenhum efeito sobre a forma de respiração normal,
e a broncoconstrição depois da vagotomia não produz o Fig. 5 – A reta em vermelho, desviada para a direita é uma livre
modificação da figura anterior para representar a mudança na
aumento característico da ventilação em cães, sugerindo percepção da dispneia crônica, como explicado no parágrafo acima.
que a respiração superficial e rápida da broncoconstrição é
produzida via vago.2
Além disso, temos que diferenciar dispneia aguda que RELACIONAMENTO ENTRE DISPNEIA,
surge em pacientes previamente hígidos ou não, por doenças FADIGA E DEPRESSÃO
agudas, da dispneia crônica pelas doenças pulmonares A fadiga é a sensação de cansaço, falta de energia ou
crônicas e DPA. Em estudos da localização cerebral da exaustão. Engloba origens fisiológicas e psicológicas e não
percepção da dispneia provocada agudamente em está limitada à fadiga muscular esquelética ou periférica. Na
voluntários sadios descobriram-se duas redes neurais DPA, na qual se inclui a DPOC grave, os mecanismos de
distintas, uma relacionada à percepção da respiração dispneia e fadiga podem se sobrepor. Pelo
desconfortável em si (dispneia)6 e a outra relacionada à descondicionamento físico ocorre a “espiral da dispneia” e
modulação da intensidade desta percepção localizadas em as sensações de fadiga e dispneia podem acompanhar as
áreas da emoção.7 atividades diárias.
Demonstrou-se também que quando o paciente sente A Associação entre a dispneia e a fadiga é muito estreita.
alívio pelo fim da dispneia aguda há ativação de áreas Em alguns estudos, 8% da variância dos escores de dispneia
específicas cerebrais.8 Sendo assim a percepção da dispneia podem ser atribuído à fadiga e 26% da variância da fadiga
depende de múltiplos fatores, como estado psicológico, nível pode ser atribuída à dispneia.12 Desta forma fica difícil para o
de preocupação com o corpo, nível de alerta. Também vai paciente distinguir um de outro sintoma se não for inquirido
variar com nível de atividades diárias, peso corporal, estado apropriadamente. Como sintoma, a fadiga é como a dispneia,
nutricional, medicações em uso.5 subjetiva, e também medida por questionários padronizados.
Apesar da dispneia aumentar com o grau de disfunção, Uma preocupação é que a prevalência da depressão em
pacientes com doenças obstrutivas tem discrepância entre pacientes com DPOC grave é de 7% a 42%, e um dos sintomas
o grau de dispneia e a gravidade da limitação ao fluxo aéreo. da depressão é a fadiga. Um episódio maior de depressão
A dispneia tem melhor correlação com qualidade de vida e inclui humor depressivo, baixa energia praticamente todos
com sobrevida em portadores de DPOC, em comparação à os dias, fadiga, falta de interesse e ou prazer nas atividades,
gravidade funcional, expressa pelo VEF1.9,10 insônia, presentes na maioria dos dias por pelo menos 2
É como se o cérebro deixasse de perceber que há dispneia, semanas. Suspeitando-se de depressão, uma avaliação mais
acostumando-se com a disfunção do sistema respiratório. completa deve ser feita usando-se questionários de triagem
Representando na figura 5 abaixo a modificação da ou entrevistas com profissional treinado.12

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 23


Fig. 6 - Espiral da dispneia (11)

AVALIAÇÃO DA DISPNEIA A SOBQ também é discriminadora de diferenças de


“Graduar a dispneia fornece uma dimensão independente dispneia na reabilitação pulmonar, e o Questionário das
que não é dada por testes funcionais pulmonares ou pela doenças respiratórias crônicas CRQ é um do instrumento de
medida de dispneia no laboratório de exercício. A graduação medida mais usado e testado para avaliar dispneia e fadiga.12
da dispneia influencia e prevê a qualidade de vida relacionada Sugere-se portanto a graduação da dispneia dos pacientes
à saúde e a sobrevivência de uma forma mais ampla do que com DPA com escalas de dispneia multidimensionais para
as medidas fisiológicas”.13 melhor acompanhamento da efetividade da terapêutica a ser
Há escalas unidimensionais, que levam em conta somente instituída.
um aspecto da dispneia, e também são usados para graduar
fadiga como a escala analógica visual (VAS)14, e a escala de TRATAMENTO DA DISPNEIA E DA FADIGA
Borg.15 Há instrumentos unidimensionais ancorados às A Doença Pulmonar Avançada determina limitações de
atividades para graduar dispneia, como a escala do conselho atividades de vida diária que levam a Ansiedade e Depressão
britânico modificada (mMRC)16 e o diagrama de custo de que podem ser diminuídas ou revertidas com medicações e
oxigênio (OCD) 17 , e medidas indiretas de dispneia orientações muitas vezes simples.
multidimensionais ancoradas a atividades como o índice de Sabe-se que a cessação do tabagismo, o uso precoce da
dispneia basal de Mahler (BDI)(18) e a escala de dispneia da Ventilação não invasiva nas exacerbações da DPA, a
Universidade de San Diego, California (SOBQ) 19, que oxigenioterapia domiciliar prolongada (ODP) e a cirurgia
consideram diversos aspectos da dispneia, sendo que esta redutora de volume pulmonar aumentam a sobrevida. Já a
última contempla o aspecto emocional da dispneia. terapêutica farmacológica e a reabilitação pulmonar clássica
Há vários outros questionários de qualidade de vida e aumentam a qualidade de vida.
fadiga.12, 20 O paciente deve idealmente ser introduzido num programa
A dispneia é o melhor preditor da qualidade de vida21 e de reabilitação pulmonar com abordagem multidisciplinar
discrimina prognóstico melhor do que a qualidade de vida.23 combinando educação e exercícios que modifiquem o nível
Em uma revisão sobre a aplicação de escalas de dispneia de atividade diária e os sintomas. Os benefícios primários
e de qualidade de vida em DPOC24, os autores concluíram medidos são a diminuição dos sintomas, notadamente da
que uma escala unidimensional pode ser utilizada associada dispneia e da fadiga.12
a escalas específicas de QV. Alternativamente, uma escala As medicações broncodilatadoras e antiinflamatórias
multidimensional, que se correlaciona melhor com a qualidade melhoram o esvaziamento pulmonar por meio de relaxamento
de vida, pode ser aplicada. A BDI/TDI pode ser utilizada da musculatura lisa, aumento do diâmetro das vias aéreas, e
para esta finalidade. O BDI tem boa correlação com escores diminuição das exacerbações resultando em melhora do
de qualidade de vida em DPOC, e a mudança na qualidade exercício na esteira ou no teste de caminhada, e, diminuição
de vida após reabilitação se correlaciona com as variações da dispneia. As tentativas de explicar a melhora com o uso
no TDI.24 das medicações broncodilatadoras focando nas alterações

24 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Mecanismos de redução da Dispnéia Intervenção Alvo da
• Tomar medicações corretamente
reabilitação • Exercícios Diários
• Reconhecer quando a dispneia está fora de controle
• Tomar atitudes sem demora quando a dispneia aumentar
ou observando se há sinais de infecção (tosse, aumento ou
mudança de cor do escarro) auto manejo das exacerbações.28
• Modificar atividades e planejar antecipadamente
• Manejar a dispneia no contexto do trabalho, família,
socialmente e em viagens
• Prevenir infecções com vacinação de influenza e contra
pneumococo
• Manter consultas regulares com pneumologista ou
clínico interessado
Fig. 7 - Intervenção da reabilitação tendo como alvo a dispneia 12
Há também a considerar uma série de tentativas de
melhora da dispneia com medidas pouco ortodoxas, como
do VEF1 sempre foram muito decepcionantes. 25 por exemplo29:
A oxigenioterapia estabiliza as complicações sistêmicas e • Uso de morfina por nebulização que vários estudos não
deletérias da hipóxia crônica e diminui as internações. Reverte mostraram ser efetivo;
a policitemia secundária à hipóxia, aumenta o peso corporal, • Uso de buspirona administrada 3 x ao dia, não deprime a
previne a insuficiência cardíaca direita, melhora o sono, respiração mas a magnitude do efeito sobre a dispneia é
melhora o desempenho neuropsicológico e a capacidade de pobre;
realizar as atividades da vida diária. • Uso de fenotiazina diminuiu muito pouco a dispneia e
Recentemente surgiu a mistura de gás hélio - em causa muitos efeitos colaterais;
substituição ao gás nitrogênio do ar ambiente - com o • Anti depressivos como nortriptilina melhoram o humor,
oxigênio, com a hipótese de que se a densidade do ar porém não melhoram a dispneia ao exercício ou nas
inspirado for reduzida, a performance do paciente com DPA atividades diárias;
pode ser melhorada; tal fato foi demonstrado na mistura • Outras medidas como uso de indometacina, lidocaína
Heliox 28, com O2 a 28%, e os efeitos são mais evidentes nos inalada, bupicocaína inalada não resultaram em melhora da
pacientes com obstrução ao fluxo aéreo grave.26 dispneia.
Os exercícios de endurance e de força para recuperar a Terapias não farmacológicas como.29: abanar o paciente,
musculatura estriada dos membros inferiores e superiores um ventilador deve ser sempre ser providenciado caso o
diminuem a fadiga, melhorando o status funcional, o paciente peça, pois o vento nas vias aéreas superiores
condicionamento. diminui a sensação de dispneia. Transfusão de sangue
A equipe multidisciplinar deve idealmente ser composta aliviou a dispneia medida pela VAS por 14 dias, porém o
de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas (orientam o uso estudo foi não controlado. Uso de vibrador na parede
adequado do oxigênio domiciliar, as manobras de higiene torácica quando feito na “fase inspiratória” reduziu a
brônquica, manobras de relaxamento, e o treino com dispneia. Uso de vagotomia unilateral baseia-se no fato de
exercícios), nutricionista (orientam refeições balanceadas e que todos os receptores pulmonares caminham pelo vago
de fácil digestão), e do cuidador. para levar seus estímulos (vide acima na fisiologia da
A educação e o auto manejo ajudam a reduzir a dispneia.27 respiração), de forma que uma interrupção do tráfego do
Os objetivos específicos para um programa de auto controle vago aliviaria a sensação de dispneia. De fato, em casos
da Dispneia são: isolados houve alívio da dispneia; no entanto, pelo número
• Modular a intensidade ou o desgaste da dispneia pequeno de pacientes, falta de estudo controlado, e a
ajudando o paciente a lidar com ela; natureza invasiva do procedimento, a vagotomia não pode
• Melhorar a percepção da dispneia; ser recomendada no momento.
• Ensinar o paciente a viver com suas limitações pela Medicina alternativa: Acupuntura e Acupressão
dispneia; (pressão com os dedos nos pontos de acupuntura). Os
• Ajudar o paciente a aceitar os sintomas crônicos e estudos são poucos visando o alívio da dispneia e foram
permanentes; realizados com metodologia falha ou mostraram apenas leve
• Ajudar o paciente usar o sistema de apoio familiar,do melhora em relação ao placebo. Mais estudos são
cuidador e da comunidade; necessários para definir o papel destas terapêuticas na
• Incentivar a motivação para os exercícios; dispneia.
• Ficar atento aos sintomas relacionados : ansiedade, Medicina com ervas, vitaminas ou suplementos minerais
depressão, tosse e cansaço. não têm dados suficientes para demonstrar melhora da
Estão indicadas orientações como: dispneia.29

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 25


CONCLUSÃO 16. Bestall JC, Paul EA, Garrod R, Garnham R, Jones PW,
Wedzicha JA. Usefulness of the Medical Research Council
A melhora da dispneia deixou de ser apenas um objeto de
(MRC) dyspnoea scale as a measure of disability in patients
pesquisa clínica para ser um resultado a ser perseguido em with chronic obstructive pulmonary disease. Thorax 1999;
estudos clínicos. A aplicação prática da melhora da dispneia 54(7):581–586.
é evidente. Abre-se um campo enorme para pesquisa de 17. Ferris BG. Epidemiology Standardization Project (American
instrumentos para medir dispneia bem como de terapêuticas Thoracic Society). Am Rev Respir Dis. 1978; 118(6 pt 2):1–
120.
para diminuí-la.
18. Mahler DA, Weinberg DH, Wells CK, Feinstein AR. The
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Supplement 2 Pages 13–24
Lilia Azzi Collet da Rocha Camargo
13. Carrieri-Kohlman V, Dudgeon D, in Both S, Dudgeon D
prrc@uol.com.br
editors. Dyspnoea in advanced disease. Oxford University
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15. Borg GA. Psychophysical bases of perceived exertion. Med
Sci Sports Exerc 1982; 14(5): 377-381.

26 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Câncer – tratamento cirúrgico no
paciente com DPOC avançada
AUTORAS: Fabiana Stanzani1; Liana Pinheiro Santos2; Sonia Maria Faresin3

SERVIÇO: Universidade Federal de São Paulo

1
Mestre em ciências pela disciplina de pneumologia; pós-graduanda em nível de doutorado da disciplina
de pneumologia; médica assistente da disciplina de pneumologia
2
Pós graduanda da disciplina de pneumologia
3
Doutora em Medicina Interna pela disciplina de pneumologia; coordenadora do ambulatório de avaliação
pré-operatória da disciplina de pneumologia; professora afiliada da disciplina de pneumologia

ABREVIATURAS caracteriza por ser radical, compreendendo a remoção do tumor


ACCP American College of American Physicians primário com margem de segurança, e em algumas ocasiões a
CPP Complicação pulmonar pós-operatória retirada dos linfonodos das cadeias de drenagem linfática do
CRVP Cirurgia redutora de volume pulmonar órgão-sede do tumor primário.1
CVF Capacidade vital forçada 2ª. Margem de segurança, do ponto de vista oncológico,
CRF Capacidade residual funcional varia de acordo com a localização e o tipo histológico do tumor,
DCO Difusão de monóxido de carbono e ao contrário do tumor benigno, cuja margem de segurança é o
VEF1 Volume expiratório forçado no primeiro seu limite macroscópico, o câncer, pelo seu caráter de invasão
segundo da CVF microscópica, exige ressecção mais ampla.1
VEF1/CVF Relação do volume expiratório forçado no 3ª. É importante distinguir os conceitos de ressecabilidade e
primeiro segundo com a capacidade vital operabilidade. Diz-se que um tumor é ressecável quando
forçada apresenta condições de ser removido. Por outro lado, a
VO2máx Consumo máximo de oxigênio no pico do operabilidade diz respeito à possibilidade de realização da
exercício terapêutica cirúrgica, de acordo com as condições clínicas
VR Volume residual apresentadas pelo doente.2 Assim, um tumor pode ser ressecável,
PaO2 Pressão parcial de oxigênio no sangue mas o doente pode não reunir condições para sua remoção.
arterial 4ª. Apesar do tratamento cirúrgico do câncer de pulmão ser
PaCO2 Pressão parcial de gás carbônico no reconhecido como o único curativo na maioria dos tipos
sangue arterial histológicos encontrados, grande número de doentes não se
ppo Previsto para o pós-operatório beneficia do mesmo, porque o diagnóstico ocorre em fases
VVM Ventilação voluntária máxima avançadas da doença, quando só cabe indicar tratamentos
paliativos. Entretanto, para o tratamento curativo será realizada
no mínimo uma lobectomia.
INTRODUÇÃO
5ª. Cerca de 80% dos portadores de câncer de pulmão
O objetivo desta revisão é abordar a avaliação pré-operatória
de portadores de câncer de pulmão que apresentam também apresentam DPOC. Na nossa população, apesar de muitos terem
DPOC avançada, considerando como tal os estadios 3 e 4 da sintomas compatíveis, o diagnóstico nunca foi realizado e
doença. Portanto, são doentes com VEF1 menor que 50% do conseqüentemente não estão em tratamento.3,4 Vinte a 30%
previsto e sintomas pulmonares persistentes a despeito da deles tem grave comprometimento pulmonar, podendo
melhor terapêutica utilizada, que apresentam alteração na troca inviabilizar o tratamento cirúrgico.
gasosa e muitas vezes já são portadores de hipertensão arterial 6ª. Avanços na anestesia e nos cuidados intensivos
pulmonar ou de cor pulmonale. Desta forma parece quase que melhoraram a sobrevida de alguns doentes, mas o prejuízo
impossível retirar o tumor com margem de segurança adequada respiratório ao longo prazo permanece um problema a ser
quando estas margens incluírem parênquima pulmonar viável. enfrentado e um desafio para o pneumologista que deve estimar
Para alcançar nosso objetivo precisaremos inicialmente fazer a função residual pulmonar.
algumas considerações:
1ª. O tratamento cirúrgico do câncer pode ser aplicado com ALTERAÇÕES FISIOPATOLÓGICAS
finalidade curativa ou paliativa. É considerado curativo quando SECUNDÁRIAS À RESSECÇÃO PULMONAR
indicado nos casos iniciais da maioria dos tumores sólidos e se A ressecção de tecido pulmonar, além de diminuir a área

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 27


de troca gasosa, determina perda de leito vascular. se verifica nos primeiros dias após uma lobectomia ou uma
Conhecendo estas respostas fisiológicas fica fácil entender pneumonectomia é resultado da perda irreversível de tecido
porque as complicações imediatas advindas do procedimento pulmonar associada à redução de volumes e capacidades
são basicamente cardiopulmonares. pulmonares por disfunção diafragmática. Tardiamente a perda
Os efeitos no ventrículo direito, principalmente nas de volumes seria sempre maior nas pneumonectomias do
grandes ressecções, não estão bem esclarecidos, porém, a que nas lobectomias se o tecido ressecado ainda fosse
presença no pós-operatório de pressão média na artéria funcionante. Entretanto, até seis meses depois de uma
pulmonar maior que 33 mmHg está associada com aumento lobectomia, pode haver alguma recuperação dos volumes
da mortalidade 5 . Foi observado que agudamente há pulmonares e esta evolução não é esperada após uma
diminuição da performance ventricular direita devido ao pneumonectomia.
decréscimo da fração de ejeção e aumento do volume Estudos realizados até 40 meses após uma lobectomia
diastólico final. Em decorrência destas alterações, pode demonstraram que os efeitos deletérios sobre a função
ocorrer edema pulmonar, nos primeiros dias de pós- cardiopulmonar decresceram pouco, mas os sintomas
operatório, um evento grave, mas felizmente raro.6,7 clínicos melhoraram com o passar do tempo. Provavelmente,
A limitação tardia ao exercício pode resultar quer de este comportamento decorra da adaptação dos doentes a
disfunção respiratória, quer de cor pulmonale ou de ambos. esta situação desfavorável ou a limitação inconsciente das
Conseqüentemente haverá menor oferta de oxigênio para os suas atividades diárias.9
tecidos periféricos, e impacto negativo na qualidade de vida Olgilvie, Harris & Meecham10 estudaram a capacidade de
do doente.5 difusão pulmonar 1 a 10 anos após uma pneumonectomia e
Estudos, realizados em fase tardia da ressecção pulmonar, evidenciaram que os valores obtidos estavam abaixo do
mostraram que três meses após lobectomia a pressão na previsto para dois pulmões, mas acima do esperado para o
artéria pulmonar e a resistência vascular pulmonar pulmão remanescente. A explicação convincente para este
apresentam valores significantemente maiores que os fato seria que à medida que o tecido pulmonar remanescente
observados no pré-operatório, acompanhados de sofre hiperinsuflação aumenta a área alvéolo-capilar de troca
decréscimo significante no débito cardíaco e no volume gasosa e este mecanismo fisiológico compensaria a perda
ventricular sistólico.8 de até 25% de parênquima pulmonar.
Em estudo realizado por Nezu et al8, durante a avaliação O estudo de Baldi et al11, apesar de retrospectivo e de
pré-operatória 70% e 69% dos doentes que foram apresentar algumas limitações, é muito interessante na medida
submetidos, respectivamente, a pneumonectomia e que comparou os efeitos de uma lobectomia em doentes
lobectomia interromperam o teste de exercício por com e sem DPOC. O estudo incluiu 137 doentes, sendo 49
desconforto nas pernas. Aos três e seis meses após sem alteração funcional denominados controles normais e
lobectomia esta porcentagem permaneceu inalterada (58%; 88 com diagnóstico de DPOC. Foram analisados parâmetros
64%), mas após pneumonectomia, 65% dos doentes aos três espirométricos (VEF1/CVF, VEF1, CVF), parâmetros para
meses e 60% aos seis meses interromperam o exercício por caracterizar hiperinsuflação pulmonar (CRF, VR) e trocas
dispnéia. Este resultado poderia indicar que doentes gasosas (PaO2, PaCO2, DCO) e um índice de DPOC que
submetidos à ressecção de um pulmão continuam a ter consistiu na soma dos valores percentuais do previsto, em
limitação ao exercício, mudando apenas sua etiologia de decimal, do VEF1 com o VEF1/CVF. A presença de um índice
periférica para ventilatória ou cardiovascular. maior que 1,5 descartava obstrução e quanto menor o valor
Alterações na capacidade de exercício não se obtido mais grave era a mesma. Os doentes foram reavaliados
correlacionam necessariamente com alterações na função entre três e quinze meses após a lobectomia e repetiram todos
pulmonar, entretanto é a capacidade de exercício uma os exames funcionais. Os valores obtidos na reavaliação
importante medida de qualidade de vida. Esta capacidade foram então comparados aos valores que haviam sido
melhora no pós-operatório tardio das lobectomias, estimados durante a avaliação pré-operatória para o pós-
provavelmente em decorrência da hiperinsuflação vicariante operatório tardio.
do pulmão remanescente. Analisando os resultados foi possível concluir que em
Objetivamente, a redução da capacidade ventilatória, da doentes sem nenhuma alteração funcional as perdas na
capacidade de difusão e do débito cardíaco máximo são ventilação (VEF1) foram subestimadas e nos portadores de
fatores limitantes após ressecção pulmonar, mas muitos DPOC as perdas foram superestimadas, particularmente entre
autores consideram que é o decréscimo na capacidade os doentes com VEF1 abaixo de 65%. Só para dar um exemplo,
circulatória que explica em grande parte esta limitação. o VEF1 ppo estimado para doentes com obstrução mais
Em geral, considera-se que após seis meses da ressecção intensa (VEF1/CVF<55%) ficou 45% abaixo do valor obtido
pulmonar ocorra estabilização dos parâmetros ventilatórios, no pós-operatório e 20% abaixo quando a obstrução era
em especial da capacidade vital e do VEF1, do consumo menos intensa. Entretanto, o comportamento das trocas
máximo de oxigênio e da carga máxima de trabalho. gasosas foi inverso e houve perda significativa da PaO2 nos
Deve-se observar que a grande redução de valores que doentes mais graves apesar da menor perda no VEF 1.

28 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Infelizmente os autores não compararam a queda da DCO Quadro 1- Fórmulas utilizadas para cálculo da função
com a queda da PaO2. residual após lobectomia usando a regra dos segmentos
funcionantes.
Modo 1: T = 19 - número de segmentos obstruídos
R = T - número de segmentos funcionantes a ser
ressecado

Valores ppo = (valor pré-op / T) X R

Modo 2: a = número de segmentos não obstruídos a ser ressecado


b = número total de segmentos não obstruídos

VEF1ppo = VEF1 pré-op X (1 – a/b)


Fig. 1 - Análise da média dos valores de VEF1, em percentual do
previsto, obtidos antes e após lobectomia de 137 doentes com
câncer de pulmão. Grupo controle com VEF1 maior ou igual a
principalmente nos doentes mais graves, e a utilização da
80% e Grupos com DPOC com VEF1 menor que 80%. Adaptado
de Baldi et al9. medida da DCO no pré-operatório pretende minimizar os erros
desta estimativa.
Manter a qualidade de vida é um dos principais objetivos
da avaliação funcional pré-operatória e para alguns doentes
deparar-se com dependência definitiva ao oxigênio no pós-
operatório pode ser pior do que enfrentar o tratamento e a
evolução do câncer. Na avaliação de portadores de DPOC
estádio III e IV, estes são aspectos de fundamental
importância a serem abordados.

AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA
Fig. 2 - Análise da média dos valores absolutos de PaO2, obtidos A avaliação pré-operatória nesta condição é mais longa,
antes e após lobectomia de 137 doentes com câncer de pulmão. envolve um maior número de exames complementares,
Grupo controle com VEF1 maior ou igual a 80% e Grupos com
DPOC com VEF1 menor que 80%. Adaptado de Baldi et al9.
incluindo vários testes para quantificar a função pulmonar.
Além disto, operações oncológicas merecem discussões
Outro estudo revelou que em portadores de DPOC conjuntas entre oncologistas que julgarão taxas de
submetidos à lobectomia, e com obstrução mais grave, isto sobrevida, cirurgiões torácicos que julgarão ressecabilidade
é, médias de VEF1 de 49% do previsto e de VR de 157% do do tumor, e pneumologistas que participarão do processo
previsto, o valor obtido do VEF1 no pós-operatório foi maior de operabilidade.
que o seu valor pré-operatório.12 A avaliação inicia-se com a realização de uma história
Estes resultados indicam que provavelmente o cálculo clínica detalhada para a avaliação da gravidade dos sintomas,
utilizado para estimar o VEF1 ppo não pode ser o mesmo em da freqüência e gravidade das exacerbações, das medicações
portadores de câncer de pulmão com função pulmonar normal em uso e das doenças associadas que podem elevar o risco
e em portadores de câncer de pulmão com DPOC. Além disto, cirúrgico do portador de DPOC. Antes mesmo de iniciar a
podemos concluir que as alterações observadas na avaliação da função pulmonar é fundamental afastar doenças
ventilação não correm em paralelo com as alterações cardíacas, visto que complicações cardíacas pós-operatórias
verificadas nas trocas gasosas deste último grupo de em especial arritmias podem ocorrer em até 35% destes
doentes. doentes.13
Para que o cálculo do VEF1 ppo (Quadro 1) seja o mais O ECG pode indicar a coexistência de cardiopatias, e desta
fidedigno possível precisamos reconhecer através de exames forma auxiliar na identificação dos doentes com maior risco
de imagem (cintilografia pulmonar de perfusão, tomografia de complicações cardíacas. Em função do seu resultado e da
de tórax quantitativa) ou pela broncoscopia a participação clínica do doente pode ser necessário solicitar outros exames
efetiva do lobo a ser removido na manutenção da função como ecodopllercardiograma, registro contínuo de 24 horas
pulmonar. Quanto mais destruído estiver este lobo ou se por do eletrocardiograma, teste ergométrico, cintilografia de
obstrução brônquica não existe mais ventilação do mesmo e perfusão miocárdica ou até mesmo o cateterismo cardíaco.
ajustes fisiológicos já foram efetuados pelo organismo, Em 1955, Gaensler et al14 realizaram o primeiro estudo
menor será a repercussão da sua extirpação seja no pós- utilizando a espirometria na avaliação pré-operatória de
operatório imediato ou tardio. A avaliação pré-operatória tem portadores de tuberculose pulmonar e constataram uma
que contemplar estas eventualidades. mortalidade de 40% no pós-operatório de ressecção
Estimar perdas nas trocas gasosas é tarefa difícil de realizar, pulmonar e toracoplastia, entre os doentes que apresentaram

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 29


VVM menor que 50% e CVF menor que 70% do previsto. A figura 3 para a solicitação de exames complementares.
partir daí consideraram que, ao encontrar estes valores, Analisando, primeiramente a seqüência de exames,
procedimentos operatórios torácicos de uma geral poderiam observamos que todos os doentes com DPOC estádio III e
ser contra-indicados. Posteriormente, Miller et al 15 IV necessitarão praticamente de todos eles para a avaliação
construíram um diagrama, utilizando valores espirométricos de operabilidade. Segundo, o valor de corte de 40% do
pré-estabelecidos, que permitia classificar um candidato à previsto para o pós-operatório foi escolhido, pois abaixo
ressecção pulmonar como portador de risco satisfatório, dele aumentava muito a morbidade e a mortalidade após
elevado ou tão elevado que seria considerado inoperável. qualquer ressecção pulmonar. Considerando este valor, tanto
No entanto, Williams et al 16 , acompanhando doentes para o VEF1 ppo quanto para o DCO ppo ou o VO2máx ppo,
considerados inoperáveis por Miller et al15, encontraram taxas muitos doentes com DPOC nem ao menos iniciariam a
aceitáveis de mortalidade e de morbidade, 6% e 19% avaliação pois já apresentam valores abaixo deste limite no
respectivamente. Todas as complicações respiratórias pré-operatório.
descritas ocorreram após ressecção pulmonar, em doentes
com fraqueza muscular, e o único óbito descrito não foi de Espirometria
causa pulmonar. Baseados nestes resultados, os autores
sugeriram que o termo “inoperável” deveria ser substituído VEF1 > 1,5L Lobectomia VEF1 < 1,5L Lobectomia
VEF1 > 2,0 L Pneumonectomia VEF1 < 2,0 L Pneumonectomia
por “alto risco”. VEF1 > 80% previsto VEF1 < 80% previsto

Analisando estes estudos clássicos, podemos inferir que


as taxas de morbi-mortalidade elevadas encontradas em Suspeita de doença
intersticial
alguns deles devem ter sido secundárias a ressecção de
parênquima pulmonar ainda viável. Por outro lado em estudos
Não Sim
nos quais os doentes sofreram ressecção de parênquima
pulmonar inviável, não houve repercussão nem nas trocas Medição Dco
Cintilografia
gasosas nem no desempenho do ventrículo direito, pois já VEF1 ppo
Dco > 80% Dco < 80% Dcoppo
haviam ocorrido adaptações fisiológicas àquela situação.
Talvez, por isto as taxas de morbi-mortalidade foram baixas.
Hoje, inúmeros testes além da espirometria podem ser VEF1ppo E VEF1 ppo OU
Dcoppo > 40% Dcoppo < 40%
utilizados para avaliar a função pulmonar e há vários anos
são propostas na literatura diretrizes que incluem algoritmos
para ordenar a seqüência destes exames. À medida que mais
TECP
testes se tornaram acessíveis e mais estudos apareceram
para embasar tais direcionamentos, os algoritmos e os valores
considerados de risco foram sendo modificados17,18,19,20,21,22. VO2pico > VO 2pico 10- VO 2pico <
15 ml/kg/min 15 ml/kg/min 10 ml/kg/min

AS DIRETRIZES E SEUS ALGORITMOS


Segundo a diretriz do ACCP de 2007 é recomendável que
Risco Aceitável Risco Desconsiderar
portadores de câncer de pulmão sejam avaliados para Elevado procedimento

ressecção cirúrgica curativa por equipe multidisciplinar (Grau


de evidência 1C), que o tratamento cirúrgico não seja Fig. 3 - Algoritmo proposto pela ACCP em 200722.
descartado com base apenas na idade do doente (Grau de
evidência 1B) e que doentes com câncer de pulmão que Em virtude destes achados e por encontrar doentes nesta
apresentem fatores de risco maiores para complicações situação que ainda se beneficiaram com a ressecção, alguns
cardiovasculares sejam submetidos à avaliação cardiológica autores resolveram estudar este grupo particular de doentes
pré-operatória22 (Grau de evidência 1C) (Quadro 2). e não se basear apenas no cálculo simplificado (regra dos
A diretriz também indicou o algoritmo apresentado na segmentos) para avaliar as perdas.23,24,25,26,27,28 Para tanto seria

Quadro 2 - Preditores clínicos de incremento do risco cardiovascular perioperatório em candidatos a ressecção pulmonar
Maiores Síndromes coronarianas instáveis, arritmias e valvulopatias graves, Insuficiência cardíaca
descompensada
Intermediários Angina moderada, Infarto agudo do miocárdio prévio, Insuficiência cardíaca compensada,
Diabetes Melito, Insuficiência renal crônica
Menores Idade avançada, ECG anormal, ritmo não sinusal, HAS não controlada, Acidente vascular
cerebral prévio, baixa tolerância ao exercício

30 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


necessário estimar a função regional pulmonar, ou seja, valores de corte. Cabe salientar, entretanto, que estas
conhecer o grau de contribuição da área a ser extirpada na sugestões foram elaboradas por um consenso de
troca gasosa e com este resultado seria mais confiável especialistas, não tendo sido validadas.32 Foram propostos
predizer complicações. Áreas não ventiladas e não os valores de 30%, como limite indicativo de alto risco de
perfundidas poderão ser ressecadas, sem prejuízo na troca morbi-mortalidade, tanto para o VEF1 ppo, como para DCO
gasosa ou sobrecarga cardíaca. Assim, o intuito da avaliação ppo corrigidos pela cintilografia de perfusão, partindo-se
funcional em portadores de DPOC avançado é selecionar do conhecimento adquirido com a cirurgia redutora de
doentes com este perfil e impedir que os demais corram riscos volume pulmonar. Além disto o DCO passou a ser
desnecessários. considerado melhor preditor de risco de CPP que o VEF1.
Linden et al28 avaliaram 100 doentes, portadores de Nesta diretriz o teste de exercício incremental cardiopulmonar
tumores pulmonares pequenos, que apresentavam VEF1 pré- foi destacado como ferramenta indispensável na abordagem
operatório abaixo de 35% do previsto, e cuja ressecção tinha de doentes com VEF1 ou DCO pré-operatórios menores do
finalidade curativa. A média do VEF1 pré-operatório do grupo que 80% do valor previsto. Conclui-se, portanto, destas
foi 26% e 16 doentes já eram dependentes de oxigênio. A
maior parte das ressecções foi em cunha, mas houve 14
Avaliação VEF1 Ambos
lobectomias e oito procedimentos nos quais foram realizados
Cardiológica OK DLCO > 80%
também a CRVP. A taxa de mortalidade obtida foi de 1% e a
taxa de complicações foi de 36%. Onze novos doentes Se um dos 2
< 80% previsto
receberam alta com oxigenoterapia domiciliar e um ficou
dependente do ventilador. < 35% ou TECP > 75 % ou

Outros autores já haviam demonstrado a possibilidade < 10 mL/kg/min VO2 pico > 20 mL/kg/m

de ressecções em doentes com função pulmonar muito 35- 75% ou


comprometida, entendendo-se por muito comprometida 10-20 mL/kg/min

apenas a análise do VEF1 pré-operatório, quando está mais


do que certo que apenas este critério não é adequado para Cintilografia
a avaliação de operabilidade23,24,25,27 (Tabela 1). VEF1ppo Ambos
DLCOppo > 30%
Atualmente a melhor estratégia a ser utilizada em doentes
portadores de DPOC com alto risco de operabilidade é Se qualquer um
< 30%
conciliar a ressecção do parênquima com a cirurgia redutora
de volume pulmonar e nestes casos os parâmetros e valores < 35% ou VO2pico-ppo
de corte deverão seguir as diretrizes do NETT.29,30 < 10 mL/kg/min
> 35% ou
Do ponto de vista curativo lembrar que o tamanho do
> 10 mL/kg/min
tumor pode ser uma limitação para procedimentos menos
invasivos e no trabalho de Liden et al28 a média do diâmetro
dos tumores foi de 2,73 cm. Okada et al31, revisando 1272
Lobectomia ou ressecções Liberado até o Liberado para até
doentes que foram submetidos à ressecção completa de maiores: Não aconselhável calculado pneumonectomia
carcinoma de pulmão não-pequena-célula observou que a
sobrevida em 5 anos de doentes em estadio 1 com tumores
de 2 cm ou menos ou entre 2,1 e 3 cm foram respectivamente Fig. 4 - Algoritmo proposto pela Sociedade Européia de Tórax e
pela Sociedade Européia dos Cirurgiões Torácicos31
de 92,4% e 87,4% para lobectomia, 96,7% e 84,6 % para
segmentectomia e 85,7% e 39,4% após ressecção em cunha.
Quando o tumor apresentava mais de 3 cm de diâmetro, a considerações que para a avaliação pré-operatória de
sobrevida foi de 81,3% para lobectomia, 62,9% para portadores de DPOC e tumor pulmonar deveriam ser
segmentectomia e 0% para ressecção em cunha. solicitados: espirometria, medida da DLCO, cintilografia de
A mais recente diretriz sobre operabilidade de câncer de perfusão pulmonar e teste de exercício incremental
pulmão sugere um outro algoritmo de avaliação com novos cardiopulmonar. Cabe considerar também que em nosso meio,

Tabela 1 - Taxas de CPP e mortalidade após ressecção pulmonar em portadores de DPOC avançada.
Autor Ano Doença N VEF1 CPP % Mortalidade %
Miller & Hatcher 1987 Ca pulmão 32 < 1,0L ND 0
Temeck et al 1992 Ca pulmão 73 42% 4 1,4
Cerfólio et al 1996 Ca pulmão 85 44% 50 2,4
Linden et al 2005 Tu pulmão 100 < 35% 36 1,0
ND = não disponível

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 31


bem como em outros países em desenvolvimento cumprir 4. Nascimento OA, Camelier A, Rosa FW et al. Chronic
todos estes passos praticamente inviabiliza o tratamento obstructive pulmonary disease is underdiagnosed and
undertreated in São Paulo (Brazil): results of the PLATINO
cirúrgico do câncer de pulmão em portadores de DPOC de study. Braz J Med Biol Res 2007; 40:887-95.
qualquer gravidade. 5. Nugent AM, Steele IC, Carragher AM et al. Effect of
Para evitar problemas posteriores, não devemos esquecer thoracotomy and lung resection on exercise capacity in
que os risco de complicações pós-operatórias e de patients with lung cancer. Thorax 1999;54:334-8.
mortalidade, precisam ser sempre compartilhados com o 6. Pezzella AT, Adebono Jo AS, Hooker SG et al. Complications
of general thoracic surgery. Curr Probl Surg 2000, 37:733-858.
doente e seus familiares no período pré-operatório. Ambos 7. Deslauriers J, Aucoin A, Gregoire J. Postpneumonectomy
poderão opinar sobre a decisão final e poderão inclusive pulmonary edema. Chest Surg Clin N Am 1998; 8:611-31.
não aceitar o procedimento. Nesta circunstância caberá a 8. Nezu K, Kushibe K, Tojo T et al. Recovery and limitation of
equipe aceitar tal decisão e encaminhar o doente para exercise capacity after lung resection for lung cancer. Chest
tratamentos de segunda linha se houver ou indicar 1998;113:1511-6.
9. Miyazawa M, Haniuda M, Nishimura H et al. Long term
tratamentos paliativos. Embora esta última opção nem sempre effects of pulmonary resection on cardiopulmonary function.
deixe a equipe médica confortável devemos lembrar que J Am Coll Surg 1999; 189:26-34.
estamos tratando do doente e não do tumor e que o 10. Olgilvie C, Harris LH, Meecham J. Ten years after
tratamento paliativo tem se tornado cada vez mais necessário pneumonectomy for carcinoma. Br Med J 1963; 1:1111-5.
na abordagem inclusive de doenças crônicas.33 11. Baldi S, Ruffini E, Harari S. Does lobectomy for lung câncer
in patients with chronic obstrutive pulmonary disease affect
lung function? A multicenter national study. J Thorac
CONCLUSÕES Cardiovasc Surg 2005; 130:1616-22
No portador de DPOC avançado incluindo os estádios III 12. Korst RJ, Ginberg RJ, Ailawadi M, Bains MS, Downey Jr
RJ, Rush VW, Stover D. Lobectomy improves ventilatory
e IV serão fundamentais para permitir o tratamento cirúrgico function in selected patients with severe COPD. Ann Thorac
do câncer de pulmão com índices aceitáveis de complicações Surg 1998; 66:898-902.
e mortalidade os seguintes aspectos: 13. Villarroya BI, Álvarez SL, González CB et al. Complicaciones
• Avaliar operabilidade e realizar procedimento em hospital cardiovasculares y respiratorias postneumonectomía. Rev Esp
terciário com experiência na área; Anestesiol Reanim 2005; 52:474-89
14. Gaensler EA, Gugell DW, Lindgren I et al. The role of
• Rever a extensão do procedimento operatório e se pulmonary insufficiency in mortality and invalidism
possível realizar procedimento operatório minimamente following surgery for pulmonary tuberculosis. J Thorac Surg
invasivo; 1955; 29:163-87.
• Em doentes com função pulmonar muito alterada 15. Miller WF, Wu N, Johnson RL. Convenient method of
combinar a cirurgia de redução de volume pulmonar com evaluating pulmonary ventilatory function with a single breath
test. Anesthesiology 1956; 17:480-93.
ressecção do tumor pode ser uma alternativa: para doente 16. Williams CD, Brenowitz JB. “Prohibitive” lung function and
com enfisema heterogêneo e tumor localizado no lobo major surgical procedures. Am J Surg 1976; 132:763-6.
afetado ou tumor periférico e pequeno cuja remoção seja 17. Wyser C, Stulz P, Soler M et al. Prospective evaluation of an
possível por uma segmentectomia ou ressecção em cunha e algorithm for the functional assessment of lung resection
candidates. Am J Respir Crit Care Med 1999; 159:1450-6.
a CRVP será realizada em outra área enfisematosa seguindo
18. British Thoracic Society and Society of Cardiothoracic
as recomendações do NETT; Surgeons of Great Britain and Ireland Working Party.
• Utilizar métodos anestésicos avançados e incluir a Guidelines on the selection os patients with lung cancer for
melhor analgesia pós-operatória; surgery. Thorax 2001; 56: 89-108.
• Retaguarda em UTI com capacidade para cuidar de 19. Bolliger CT. Evaluation of operability before lung resection.
Curr Opin Pulm Med 2003; 9:321-6.
doentes de alto risco;
20. Beckles MA, Spiro SG, Colice GL et al. The physiologic
• Integração entre médicos, fisioterapeutas, enfermagem, evaluation of patients with lung cancer being considered for
nutrição e até psicólogos para garantir perfeita sintonia com resectional surgery. Chest 2003; 123 (suppl) 105-14.
o doente; 21. Cárdenas CMH, Jáuregui LA. Evaluación preoperatoria del
• Diagnosticar precocemente complicações para diminuir paciente sometido a resección pulmonar. Neumologia y Cirugía
del Tórax 2006; 65:68-73.
a mortalidade.
22. Colice GL, Shafazand S, Griffin JP et al. Physiologic evaluation
of the patient with lung cancer being considered for resectional
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32 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


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Respiratory Society and European Society of Thoracic Distúrbios Respiratórios do Sono
Surgeons clinical guidelines for evaluating fitness for radical Pedro Rodrigues Genta
treatment (surgery and chemoradiotherapy) in patients with
lung cancer. Eur Respir J 2009; 34:17-41. Doenças Intersticiais
33. ANCP: www.paliativo.org.br Bruno Guedes Baldi

DPOC
Dra Fabiana Stanzani Ilma Aparecida Paschoal
fabiana.stanzani@uol.com
Epidemiologia
Valdelis Novis Okamoto

Infeccões Respiratórias e Micoses


Mauro Gomes

Doenças Ambientais e Ocupacionais


Ericson Bagatin

Tabagismo
Sérgio Ricardo R. de Almeida Santos

Terapia Intensiva
Alexandre Marini Isola

Tuberculose
Luciene Franza Degering

Função Pulmonar
Silvia Carla Souza Rodrigues

Imagem
Gustavo de Souza Portes Meirelles

Doença Pulmonar Avançada


Ricardo Henrique de Oliveira Braga Teixeira

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 33


Papel da Fisioterapia no paciente com
doença pulmonar avançada
AUTORES: Juliana Franceschini1; Luciene Angelini2

1
SERVIÇO: Universidade Federal de São Paulo - Disciplina de Pneumologia
2
InCor/Hospital das Clinicas - Faculdade de medicina da Universidade de São Paulo

1
Fisioterapeuta,doutora em Ciências da Saúde, colaboradora do Ambulatório de Oncopneumologia da
UNIFESP, professora do curso de Fisioterapia do Centro Universitário São Camilo
2
Fisioterapeuta, mestre em ciências da saúde, colaboradora do ambulatório de
oxigenoterapia - Grupo da Obstrução - Disciplina de Pneumologia

INTRODUÇÃO prevalência continua a aumentar, e poderá ser a terceira causa


Atualmente está bem estabelecido que o seguimento mais comum de morte até 2020.9 As diretrizes definem a
individualizado e adequado de pacientes portadores de DPOC pela limitação ao fluxo aéreo, não completamente
doenças pulmonares crônicas por equipes especializadas reversível, caracterizado pela relação entre o volume
reduz custos, por diminuir o número de visitas não agendadas, expiratório no primeiro segundo e capacidade vital forçada
procura por serviço de emergência e internações, além de (VEF1/CVF) pós-broncodilatador < 0,72. E recentemente, um
melhorar a qualidade de vida e a qualidade de assistência em novo conceito definiu a doença como uma síndrome
cuidados paliativos nos estágios mais avançados da doença.1 inflamatória sistêmica crônica.10
As doenças pulmonares avançadas (DPA) acometem O interesse por novas abordagens terapêuticas fez com
milhões de pessoas no mundo e estão dentro do grupo das que reabilitação pulmonar crescesse nos últimos anos,
principais causas de morte. No Brasil, existem aproximadamente devido ao melhor entendimento da fisiopatologia das
dois milhões de indivíduos com pneumopatias não doenças pulmonares e de suas manifestações sistêmicas,
neoplásicas, sendo a doença pulmonar obstrutiva crônica a especialmente na DPOC.
mais freqüente, seguida por bronquiectasia, fibrose pulmonar,
doenças da circulação pulmonar, fibrose cística, deformidades TRATAMENTO NÃO-FARMACOLOGICO NA
da caixa torácica, entre outras.2,3 Em relação às doenças DPOC AVANÇADA
neoplásicas, o câncer de pulmão é o mais comum de todos os 1. Programa de Reabilitação Pulmonar (PRP)
tumores malignos, sendo o responsável pelo maior número A reabilitação pulmonar (RP) é um tratamento não
de mortes por câncer no Brasil.4 farmacológico com resultados positivos quando associado
A etiologia da DPA é multifatorial e está associada ao a outras terapias, como tratamento medicamentoso e a
aumento da dispneia, alterações na função pulmonar e troca suplementação de oxigênio. De acordo com a American
gasosa e, consequentemente, à insuficiência respiratória Thoracic Society (ATS) e a European Respiratory Society
crônica. 5 Estas condições determinam limitações nas (ERS), RP é definida como uma intervenção multidisciplinar
atividades de vida diária, redução na tolerância ao exercício e para pacientes com DPOC que são sintomáticos e que
impacto na saúde mental.6 apresentam redução das atividades de vida diária (AVDs).
As diretrizes de manejo da doença recomendam além do Integrada ao tratamento individualizado do paciente, a RP
tratamento farmacológico otimizado, a intervenção da equipe tem como metas: reduzir os sintomas de dispneia, otimizar o
multidisciplinar. A fisioterapia pode atuar nesses pacientes estado funcional, aumentar a adesão ao tratamento e reduzir
através de programas de educação, automanejo da doença, custos com a saúde por estabilizar ou reverter às
cessação ao tabagismo, manobras de higiene brônquica e de manifestações sistêmicas11, incluindo os pacientes com
relaxamento, técnicas de conservação de energia, melhora da doença grave ou avançada.12 Entretanto, os PRP também
capacidade física e acompanhamento da oxigenoterapia têm sido aplicados com sucesso em outras pneumopatias,
domiciliar.7,8 como doenças intersticiais, fibrose cística, bronquiectasias,
alterações de caixa torácica e doenças neuromusculares.13
DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA Dependendo do estado clínico do paciente, o tratamento
CRÔNICA com RP pode ser realizado em indivíduos hospitalizados14,
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é a ambulatoriais15 e domiciliares.16 Dentre estas modalidades,
principal causa de morbidade e mortalidade no mundo cuja o tratamento ambulatorial é o mais utilizado, porém a

34 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


reabilitação domiciliar vem adquirindo grande importância 3. Ventilação não invasiva
para se conseguir maior abrangência nos casos de doença A ventilação não invasiva (VNI) atua como um tratamento
pulmonar avançada14,17. adjunto aos exercícios supervisionados por reduzir a
sobrecarga dos músculos respiratórios, sintomas de dispneia
Sessões educativas e o desempenho ao exercício, entre as sessões de RP,
As sessões educativas visam aumentar a compreensão principalmente em pacientes com DPOC avançada13. Nas
do paciente sobre a doença e seu tratamento, promover exacerbações, a VNI reduz a dispneia, melhoram os sinais
estratégias de automanejo com um plano de ação para os vitais e a troca gasosa, evita a intubação endotraqueal, reduz
sintomas e exacerbações da doença, auxiliar na cessação do complicações e mortalidade, e diminui os dias de
tabagismo, promover programas de exercícios, e estabelecer hospitalização25.
estratégias que incluam o componente psicossocial, a fim
de melhorar a aderência ao tratamento e a qualidade de CÂNCER DE PULMÃO AVANÇADO
assistência ao paciente12,18. O câncer de pulmão é a segunda neoplasia mais frequente
e com maior taxa de mortalidade no mundo, sendo
Técnicas de conservação de energia responsável, anualmente, por um número de mortes maior
As técnicas de conservação de energia auxiliam o paciente que as causadas por câncer de mama, próstata e cólon
a manter sua funcionalidade de forma ativa e independente, associados. No Brasil, o número de casos novos de câncer
quebrando o ciclo da inatividade. Assim, o paciente diminuirá de pulmão estimados para 2010 é de 17.800 nos homens e de
a dispneia e o desconforto que, na maioria das vezes, leva 9.930 nas mulheres4,26.
os portadores de DPOC a diminuírem suas atividades Os avanços no tratamento desse tipo de neoplasia têm
funcionais19. aumentado a sobrevida, embora o prognóstico permaneça
ruim, ou seja, a taxa de sobrevida global em cinco anos, nos
Higiene brônquica países em desenvolvimento como o Brasil, está entre 7 e
Pacientes com DPOC podem apresentar hipertrofia 10%4. Neste contexto, a avaliação da qualidade de vida e a
das células produtoras de muco e aumento da secreção com análise dos principais sintomas que levam à limitação da
alteração da eficiência da tosse espontânea associada à piora capacidade funcional se tornaram aspectos de alta relevância
das variáveis clínicas, incluindo função pulmonar, nas pesquisas relacionadas ao câncer de pulmão. Em
hospitalização e morte. As técnicas de remoção e eliminação pacientes com esse tipo de neoplasia, a qualidade de vida é
de secreção visam facilitar o clearance mucociliar pulmonar afetada por vários fatores, como estádio da doença,
e as limitações físicas que comprometem a tosse reflexa20. características do tratamento e aspectos individuais27.
Os principais sintomas apresentados por pacientes com
Treinamento muscular câncer de pulmão em estágio avançado são fadiga, caquexia,
Pacientes com DPOC adotam, freqüentemente, um estilo dispneia e dor. Esses sintomas são responsáveis por
de vida sedentário, provavelmente devido à limitação ao detrimento da capacidade física e funcional dos pacientes e
fluxo aéreo, hiperinsuflação pulmonar e sintomas de dispneia, têm impacto negativo na realização das atividades de vida
que afetam tanto os músculos respiratórios quanto os diária e nas atividades laborais. Além destes, a presença de
músculos periféricos, e levam à redução da tolerância ao sintomas psicológicos, como ansiedade ou depressão, é
exercício. Por sua vez, causam limitação das AVDs e maior entre os pacientes com doença avançada e prognóstico
descondicionamento, que irão restringir a qualidade de vida desfavorável27,28.
dos pacientes 21 . A RP interrompe esse ciclo vicioso, A fadiga é um sintoma complexo, que pode ser definido
especialmente por melhorar o componente sistêmico, como a percepção subjetiva de cansaço, associada à
aumentar a capacidade para o exercício e promover atividade diminuição da motivação e deterioração das atividades físicas
física22. e mentais. As principais causas associadas à fadiga são a
anemia e a perda de peso, mais especificamente, a perda de
2. Oxigenoterapia domiciliar prolongada massa muscular29. Nos pacientes com câncer de pulmão,
Nos estágios avançados da doença com presença de assim como nos pacientes com DPOC, há alteração na
obstrução acentuada, que determinem hipoxemia crônica, distribuição das fibras musculares e atrofia muscular, que
acompanhada de aumento de pressão ventricular direita (cor leva a fraqueza e, consequentemente, à limitação na realização
pulmonale), hipertensão da artéria pulmonar, policitemia e de exercícios. As alterações musculares apresentadas por
insuficiência respiratória, a terapia em longo prazo com pacientes com câncer de pulmão geralmente resultam da soma
oxigênio é eficaz em aumentar a sobrevida, melhorar sintomas de diferentes fatores, como a miopatia da musculatura
e qualidade de vida dos pacientes com DPOC23. Além de esquelética, pelo uso de corticóides, o descondicionamento
reduzir a dispneia, desordens do sono, arritmias noturnas, físico, por inatividade, e a inflamação sistêmica, decorrente
anormalidades neuropsiquiátricas e aumentar a tolerância tanto da doença em si como dos tratamentos utilizados30.
ao exercício24. A dispneia é um sintoma comum, podendo ocorrer em até

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 35


70% dos pacientes com doença avançada. Este sintoma As terapias não farmacológicas, tais como a reabilitação
pode ser resultante de alterações no parênquima pulmonar, pulmonar, são alternativas úteis no manejo dos sintomas
devido à presença de tecido neoplásico e inflamação, de relacionados ao câncer de pulmão em pacientes com doença
redução na perfusão pulmonar e aumento do espaço morto, avançada e, por isso, desempenham papel importante na
como resultado de tratamento quimioterápico, de melhoria da qualidade de vida desses pacientes. Alguns dos
deterioração das trocas gasosas, pela presença de áreas sintomas mais debilitantes do câncer de pulmão, incluindo
de atelectasia ou de excesso de secreção ou de fadiga, caquexia, dispneia, ansiedade e depressão, podem
descondicionamento físico. A sensação de falta de ar limita ser minimizados com a realização regular de exercícios.29,30,35,36
as atividades de vida diária, como caminhar, subir escadas, Assim como na reabilitação pulmonar para pacientes com
tomar banho e alimentar-se, entre outras. Este sintoma DPOC, os programas podem ser realizados em ambiente
também sofre grande influência dos componentes hospitalar, ambulatorial ou domiciliar.30,35,37 Contudo, para
psicossociais e, por isso, nem sempre a gravidade da pacientes com doença avançada, os programas domiciliares
dispneia se correlaciona com medidas objetivas, como parecem ser mais aceitáveis e adequados a essa população.29
saturação de oxigênio ou a gasometria arterial.31 Outros recursos utilizados no manejo da dispneia são os
A dor oncológica é um sintoma frequente em pacientes exercícios respiratórios em geral e as técnicas de relaxamento,
com câncer de pulmão avançado. Sua prevalência aumenta que têm papel importante na diminuição da tensão muscular,
com a progressão da doença. Dor moderada ou intensa gerada pelo esforço respiratório, e da ansiedade e outros
geralmente incide em 30% dos pacientes com câncer aspectos emocionais relacionados à dispneia. As técnicas
recebendo tratamento e em 60% a 90% dos pacientes com de conservação de energia, como citado, atuam na diminuição
doença avançada. A dor é sempre subjetiva e pessoal, e da demanda metabólica e auxiliam na independência
impõe limitações importantes no estilo de vida, funcional dos pacientes.37,38
particularmente na autonomia do indivíduo. A intensidade Para os pacientes acamados, o posicionamento correto
da dor não é diretamente proporcional à quantidade de no leito pode aumentar a ventilação pulmonar e diminuir o
tecido lesado, e muitos fatores podem influenciar na trabalho respiratório, favorecendo o controle da dispneia.
percepção deste sintoma, como a presença de fadiga, Além disso, pacientes restritos ao leito apresentam maior
ansiedade, medo, depressão ou sentimentos de falta de suscetibilidade à retenção de secreções. As técnicas de
esperança e amparo. desobstrução brônquica podem contribuir na remoção e
As causas da dor oncológica são variadas e podem estar eliminação de secreção.31
relacionadas diretamente ao câncer (invasão tumoral óssea Assim como nos pacientes com DPOC, os pacientes com
ou do sistema nervoso periférico, entre outras), câncer de pulmão avançado podem desenvolver quadros de
indiretamente ao câncer (espasmos musculares, escaras de dispneia mais intensa, que poderá ser minimizada através da
decúbito, constipação intestinal, entre outras) ou ao utilização de VNI. A oxigenoterapia também será indicada
tratamento antitumoral (mucosite, neuropatia periférica, nos casos de hipoxemia.39
esofagite, radiodermite, entre outras). O sucesso no Em situações de dor oncológica, geralmente os pacientes
tratamento da dor requer uma avaliação cuidadosa de sua reduzem a realização de movimentação e a atividade física
natureza, entendimento dos diferentes tipos e padrões de
em geral. Esse comportamento pode levar ao
dor e conhecimento do melhor tratamento. A boa avaliação comprometimento gradual do condicionamento físico, da
inicial da dor irá atuar como uma linha de base para o força muscular, da flexibilidade e da capacidade aeróbica,
julgamento de intervenções subsequentes.32 predispondo ao desenvolvimento do imobilismo, que pode
Com o avanço da doença, os pacientes podem apresentar trazer prejuízos para a qualidade de vida do paciente. A
maior perda funcional e, com isso, as necessidades cinesioterapia pode ser utilizada com o intuito de restaurar
apresentadas se tornarão mais complexas. Nessa fase, o ou melhorar o desempenho funcional dos segmentos
manejo adequado dos sintomas e a satisfação dos pacientes corporais comprometidos, melhorando a amplitude de
e das famílias, assim como a minimização do tempo de movimento articular, a força e o trofismo muscular, o senso
internação, são o foco da assistência oferecida pela equipe de propriocepção do movimento e, assim, prevenir as
interdisciplinar33. complicações associadas à imobilidade no leito. A
massoterapia também pode ser utilizada no tratamento da
TRATAMENTO NÃO-FARMACOLÓGICO NO dor oncológica, com o objetivo de induzir o relaxamento
CÂNCER DE PULMÃO AVANÇADO muscular, reduzir o stress e os níveis de ansiedade. Com
O cuidado paliativo a pacientes com câncer de pulmão isso, é possível melhorar a qualidade do sono e,
deve ser interdisciplinar e focado na melhora da qualidade consequentemente, a qualidade de vida dos pacientes. Além
de vida dos pacientes e seus familiares, com ênfase na desses recursos, a eletroterapia e a termoterapia podem trazer
independência funcional do paciente. Para isso, este cuidado diversos benefícios quando indicadas no controle da dor
deve ser integral e integrado e deve ser iniciado oncológica, como relaxamento muscular e melhora do nível
precocemente34. de função e atividade.40

36 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Além das técnicas citadas, a educação e o treinamento 13. ZuWallack RL. The roles of bronchodilators, supplemental
do paciente e de seus cuidadores para o correto manejo oxygen, and ventilatory assistance in the pulmonary
rehabilitation of patients with chronic obstructive pulmonary
desses sintomas tem fundamental importância no disease. Respir Care 2008;53(9):1190-5.
acompanhamento do tratamento. A comunicação entre os 14. Votto J, Bowen J, Scalise P, Wollschlager C, ZuWallack R.
membros da equipe de cuidados paliativos e os pacientes Short-stay comprehensive inpatient pulmonary rehabilitation
com doença avançada e suas famílias também é essencial for advanced chronic obstructive pulmonary disease. Arch
para a melhoria da qualidade de vida ao final da vida. Isso Phys Med Rehabil 1996;77(11):1115-8.
15. Vale F, Reardon JZ, ZuWallack RL. The long-term benefits of
promove coerência entre os objetivos do tratamento e as outpatient pulmonary rehabilitation on exercise endurance
expectativas e preferências do paciente.33,34 and quality of life. Chest 1993;103(1):42-5.
16. Wijkstra PJ, Van Altena R, Kraan J, Otten V, Postma DS,
CONCLUSÕES Koeter GH. Quality of life in patients with chronic obstructive
pulmonary disease improves after rehabilitation at home. Eur
É fundamental salientar a importância da Respir J 1994;7(2):269-73.
multidisciplinaridade e da interdisciplinaridade, diante das 17. Hill NS. Pulmonary rehabilitation. Proc Am Thorac Soc
necessidades do paciente com DPA. A abordagem desse 2006;3(1):66-74.
paciente deve ser ampla e de forma integral; ele deve ser 18. Bourbeau J, Bartlett SJ. Patient Adherence in COPD. Thorax
visto como um ser biopsicossocial que carrega não apenas 2008; 63:831-838.
19. Velloso M, Jardim JR. Funcionalidade do paciente com doença
uma doença, mas todo o sofrimento causado por ela. pulmonar obstrutiva crônica e técnicas de conservação de
O trabalho com pacientes com DPA traz desafios energia. J Bras Pneumol. 2006;32(6):580-6.
específicos, que podem ser superados através do 20. Valderramas SR, Atallah AN. Effectiveness and safety of
atendimento adequado e individualizado. Nesse contexto, hypertonic saline inhalation combined with exercise training
os objetivos da fisioterapia são focados no manejo dos in patients with chronic obstructive pulmonary disease: a
randomized trial. Respir Care 2009;54(3):327-33.
sintomas e na melhora da funcionalidade, da autonomia e, 21. Rennard SI, Calverley P. 2003. Rescue. Therapy and paradox
consequentemente, da qualidade de vida. of the Barcalounger. Eur Respir J, 21:916–17.
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Luciene Angelini
lucieneangelini@hotmail.com

38 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 39
40 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010
RESUMINDO E RECORDANDO

Reabilitação Pulmonar em
diferentes situações
AUTORES: Vinicius Carlos Iamonti1, Matheus Claudino1, Cristiane Pradela1, Oliver A. Nascimento 2,
José Roberto Jardim3

SERVIÇO: Centro de Reabilitação Pulmonar - Universidade Federal de São Paulo - Unifesp

1
Fisoterapeuta e Membro da Equipe
2
Médico da Disciplina de Pneumologia e Vice-Diretor do Centro de Reabilitação Pulmonar
3
Professor Associado de Pneumologia e Diretor do Centro de Reabilitação Pulmonar

INTRODUÇÃO • Adquirir mais independência e tornar o paciente menos


O Programa de Reabilitação Pulmonar (PRP) pode ser dependente dos outros
definido como “intervenção terapêutica multiprofissional de • Reduzir hospitalizações e visitas ao médico
cuidados a pacientes com doença respiratória crônica que • Reduzir os sintomas respiratórios
apresentam sintomas e habitualmente tem limitação para • Controlar ou reverter sintomas de ansiedade ou estresse
realizar atividades da vida diária. O paciente recebe tratamento relacionado à doença
integrado e individualizado com o objetivo de reduzir os • Aumentar o conhecimento do paciente em relação à doença
sintomas, melhorar a capacidade funcional, aumentar sua pulmonar
participação social, reduzir custos relacionados aos serviços • Aumentar a capacidade de exercício
de saúde por meio da estabilização ou redução das • Melhorar a habilidade para realizar as atividades do
manifestações sistêmicas da doença”.1 cotidiano
Embora a maior parte dos estudos realizados com • Retornar ao trabalho (para alguns pacientes)
Programas de Reabilitação Pulmonar tenha sido realizada • Reduzir custo financeiro no tratamento desta doença.
com pacientes portadores de DPOC, pacientes com outras A inclusão do paciente em um programa de reabilitação
doenças respiratórias também se beneficiam do programa. pulmonar não deve ser feita exclusivamente para os pacientes
Independentemente da fisiopatologia envolvida na doença com grau mais avançado da doença pulmonar. Estudos
pulmonar, o descondicionamento físico está presente na recentes demonstraram que pacientes com DPOC com grau
maioria dos doentes. Estudos recentes demonstraram que mais leve da doença já apresentam alterações sistêmicas, o
pacientes portadores de doenças intersticiais e doenças que corrobora a necessidade de encaminhá-los o mais
vasculares pulmonares apresentaram benefícios após o precocemente possível aos programas de reabilitação
Programa de Reabilitação Pulmonar. 2,4 Porém, o tratamento pulmonar.
individualizado é importante para estes pacientes devido à O paciente deve passar por uma avaliação clínica
fisiopatologia diferente que está associada a cada doença. multiprofissional após o exame médico detectar a estabilidade
A aplicação integral da reabilitação pulmonar visa diminuir clínica. Deve-se avaliar a gravidade da doença e se há alguma
o sintoma de dispneia, otimizar o estado funcional, aumentar comorbidade que ofereça risco em relação à realização dos
a participação social, reduzir custos financeiros com exercícios físicos prescritos no programa de reabilitação
internações e visitas frequentes ao hospital, por meio da pulmonar.
estabilização e reversão parcial das manifestações sistêmicas
da doença.1 AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE
Existe um conjunto de estratégias, integrando familiares DE EXERCÍCIO
e profissionais da saúde, que é o pilar que pode ajudar a O método mais preciso para avaliar a capacidade física é
reduzir o impacto negativo da doença em relação à saúde, o teste de exercício cardiopulmonar (TECP), também
ajudando a reduzir os sintomas. denominado teste incremental máximo, realizado em esteira
Os objetivos de um programa de reabilitação pulmonar ergométrica ou cicloergômetro (bicicleta), e que tem por
são: objetivo a avaliação do consumo máximo de oxigênio
• Melhorar a qualidade de vida relacionada à saúde (VO 2 max). Apesar de preciso, este método não está

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 41


disponível na grande maioria dos laboratórios por ter alto Um elevado número de pacientes com doença respiratória
custo. Há nomogramas que estimam o VO2max a partir da crônica apresenta sinais de transtornos de humor como
carga máxima alcançada em cicloergômetro e da freqüência ansiedade e depressão. Estas alterações no comportamento
cardíaca neste ponto. Existem tabelas que fornecem o dos pacientes podem ser diagnosticadas com o auxílio de
consumo de oxigênio em diferentes tarefas, o que permite, instrumentos em forma de questionários específicos. A
também, avaliar a capacidade de realização de trabalho do utilização de questionários apropriados pode ajudar em um
paciente em função de seu VO2max. levantamento inicial, para que o paciente seja referido ao
O teste de resistência (endurance), também denominado psicólogo. Um questionário para investigação rápida é o
de teste de carga constante, quantifica o tempo máximo de Hospital Anxiety and Depression (HAD) muito utilizado nos
exercício atingido pelo paciente, utilizando-se uma carga programas de reabilitação pulmonar. Ele não faz o
constante, habitualmente 90% da velocidade ou carga máxima diagnóstico de ansiedade e depressão, mas valores acima
atingida no teste incremental. de sete pontos indica a possibilidade do diagnóstico e a
Há possibilidade de realizar testes mais simples, sem a necessidade de encaminhamento do paciente a um
mensuração do VO2max, que são capazes de quantificar o profissional da área.
desempenho dos pacientes ao exercício antes e após o
programa de reabilitação pulmonar. Um deles, simples e AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA
reprodutível, é o teste da caminhada dos seis minutos. O RELACIONADA AO ESTADO DE SAÚDE
progresso é avaliado pela comparação das distâncias É muito importante a avaliação da qualidade de vida
percorridas e as freqüências respiratórias e cardíacas ao final
relacionada ao estado de saúde nos pacientes com doenças
dos seis minutos, no início e ao término do programa,
respiratórias, pois reflete a sensação do paciente quanto ao
considerando-se resultado positivo o aumento igual ou maior
a 10% da distância percorrida no pré-treinamento. Caso a impacto que sua doença está causando em sua vida. Devido
distância ao final do programa não tenha aumentado 10%, sua importância, diversos estudos têm utilizado a avaliação
mas a freqüência cardíaca apresente valores mais baixos do da qualidade de vida como desfecho primário ou secundário.
que no período pré-treinamento, é possível que o paciente No Brasil já foram publicados quatro questionários para
não tenha se esforçado e, portanto, pode-se considerar o a língua portuguesa: o questionário genérico SF-36, de 36
resultado como positivo. O teste pode ser realizado em itens; e os questionários específicos para doença pulmonar
qualquer espaço plano (corredor ou quadra de esportes, por obstrutiva crônica, o SGRQ (Saint George Respiratory
exemplo), com pelo menos 20 metros de comprimento. O teste Questionnaire) com 76 itens, e o AQ-20 (Airways
deve ser realizado duas vezes e considerado aquele com Questionnaire 20), com 20 itens. Recentemente foi publicado
maior distância percorrida .5 a tradução do questionário Chronic Respiratory
Questionnaire (CRQ) para a língua portuguesa. Deve-se
AVALIAÇÃO DA HIPOXEMIA DURANTE AS chamar a atenção que a maioria dos questionários de
qualidade de vida são apropriados para avaliação de grupo
ATIVIDADES DA VIDA DIÁRIA
de pacientes e não para análise individualizada.
Deve-se sempre avaliar a saturação da hemoglobina pelo
oxigênio com o oxímetro de dedo, com o paciente simulando
os movimentos das atividades da vida diária, como higiene
BENEFÍCIOS
pessoal, alimentação, banhar-se, vestir-se, trabalhos O benefício do exercício no programa de reabilitação
domésticos, subir escada e qualquer outra atividade que pulmonar está bem estabelecido para o tratamento de
esteja ligada à vida do paciente. Deve-se orientar o paciente pacientes com doença pulmonar crônica (DPOC),
a fazer uso suplementar obrigatório de oxigênio sempre que independente da gravidade da doença. Contudo, outras
alguma atividade - que seja realizada por tempo prolongado doenças pulmonares crônicas também podem se beneficiar
- levar a saturação do oxigênio a valores abaixo de 88%. do treinamento de exercício.
Esta avaliação também fornece informações sobre como O programa de exercícios para os músculos das pernas,
o paciente realiza as suas atividades do cotidiano, dos braços e dos músculos respiratórios tem por objetivo a
possibilitando que lhe seja fornecida informações dos modos redução da sensação de dispneia, melhora da qualidade de
mais adequados para ele realizar as atividades com gasto vida, aumento da tolerância ao realizar atividades diárias,
energético reduzido, ou seja, utilizando técnicas de como caminhar e subir escadas, conseqüentemente, melhora
conservação de energia. da função muscular e cardiovascular (tabela 1). Os exercícios
também podem aumentar a motivação e melhorar o humor.6-8
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA
A avaliação psicológica identifica qual o grau de TREINAMENTO FÍSICO
motivação que o paciente irá dedicar ao programa e o quanto O exercício deve ser individualmente prescrito de acordo
a sua doença o incomoda psiquicamente e cria bloqueio às com a limitação apresentada pelo paciente, de acordo com a
suas atividades, interferindo na qualidade de vida. limitação ventilatória, alteração na troca gasosa e alteração

42 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Tabela 1. Benefícios que podem ser alcançados com o Programa de Reabilitação Pulmonar
BENEFÍCIOS COMPONENTES IMPORTANTES POSSÍVEL AUXÍLIO
Aumento da capacidade de exercício Treinamento de exercício Conservação de energia
Acompanhamento psicológico e
nutricional
Melhora na habilidade em realizar Treinamento de exercício Conservação de energia
atividades do cotidiano Oxigênio Acompanhamento psicológico
enutricional
Diminuição dos sintomas respiratórios Treinamento geral Conservação de energia
Terapia medicamentosa máxima Estratégias respiratórias
Oxigênio Acompanhamento psicológico
enutricional
Diminuição da ansiedade e depressão Aconselhamento psicológico Oxigênio
Treinamento geral
Melhora das habilidades e capacidades Terapia ocupacional Treinamento geral
Funcionais Oxigênio
Redução do número de hospitalizações Oxigênio Educação
Cuidados médicos Aconselhamento psicológico
Redução da mortalidade Oxigênio Cuidado médico
Educação
Melhora da qualidade de vida Treinamento de exercício Educação
relacionadaao estado de saúde Oxigênio
Conservação de energia

na musculatura esquelética e respiratória. Deve-se sempre pacientes com mais limitação física, o treinamento com cargas
incluir a avaliação com teste de exercício cardiopulmonar intermitentes pode ser utilizado. O treinamento com cargas
(TECP) para identificar os fatores que contribuem para intermitentes compreende a realização de exercício físico por
limitação ao exercício, avaliar a possibilidade de curtos períodos com alta carga (1 minuto com carga de 60%
coronariopatia ou miocardiopatia, além de servir para a do teste máximo) intercalados com exercício com maior
prescrição do exercício. período e com baixa carga (2 minutos, 20-30% de carga).
Fazem parte do programa de treinamento do Programa de Há dois estudos que avaliaram os benefícios do programa
Reabilitação Pulmonar: de reabilitação pulmonar em pacientes portadores de doenças
• Treinamento de exercício para membros inferiores da circulação pulmonar. A intensidade do treinamento foi
• Treinamento de exercício para membros superiores diferente nos dois estudos. Portanto, não há uma
• Treinamento de força para membros superiores e inferiores padronização da carga de treinamento para estes pacientes.
• Alongamento e técnica de relaxamento muscular Os estudos relatam que utilizaram uma adaptação das
diretrizes da American Heart Association para reabilitação
TREINAMENTO DOS MEMBROS em pacientes com insuficiência cardíaca, ou seja, utilizando
INFERIORES menor carga de treinamento (geralmente 50% da carga
O treinamento dos membros inferiores é semelhante na máxima) de modo intermitente (associando períodos de
maioria das doenças respiratórias, exceto nas doenças da repouso ou de menor carga de treinamento).10 A intensidade
circulação pulmonar devido ao fato de que estas se do exercício de treinamento proposto nos estudos foi limitado
comportam como doenças cardíacas. pela frequência cardíaca, de modo a não ultrapassar 120
O treinamento de membros inferiores tem grande importância batimentos por minuto.
em um programa de reabilitação pulmonar, recebendo grau de
recomendação 1A, segundo o American College of Chest TREINAMENTO DE MEMBROS
Physicians (AAACP), American Thoracic Society/European SUPERIORES
Respiratory Society Statament on Pulmonary Rehabilitation Este treinamento é importante, pois muitas atividades do
(ATS/ERS), que consideram esta modalidade de exercício como cotidiano envolvem movimentos com os membros
a mais eficaz para os pacientes com DPOC.1, 9 superiores. A simples elevação dos braços pode
No geral, a carga de treinamento ideal de treinamento sobrecarregar a musculatura acessória de respiração e
deverá ser de, aproximadamente, 80% da carga máxima ocasionar maior aprisionamento de ar, hiperinsuflação
atingida em um teste máximo. As recomendações para o pulmonar dinâmica.11 Este modelo de treinamento reduz a
treinamento em bicicleta são as mesmas que as apresentadas sensação da dispnéia durante as atividades do dia-a-dia e
para treinamento em esteira. O treinamento deve ser realizado reduz a necessidade ventilatória do sistema respiratório.12
por 30 minutos contínuos, três vezes na semana. Para os O modelo de avaliação e treinamento ideal é o realizado no

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 43


cicloergômetro de braço. Recentemente um estudo realizado ALONGAMENTO
pelo centro de reabilitação pulmonar da Unifesp/Lesf O alongamento realizado após as sessões de exercício
demonstrou que a carga de treinamento de 50% do máximo tem como principal objetivo diminuir a tensão muscular,
durante o treinamento de endurance no cicloergômetro, reduzindo as chances de sintomas de dor; o alongamento
obteve maior tolerância ao exercício nos pacientes com DPOC pré-exercício tem por finalidade reduzir a possibilidade de
e menor hiperinsuflação pulmonar dinâmica do que cargas lesão muscular durante o exercício.1 Os grupos musculares
mais altas.13 Modelos de treinamento menos onerosos são da cabeça e pescoço, dos membros superiores e inferiores
mais utilizados na prática diária com a utilização de pesos são alongados por períodos breves, em torno de 20 segundos
(halteres), bastões, faixas elásticas com resistências variadas. em cada posição.1
O treinamento é realizado com 50% da carga máxima atingida.
A sessão de treinamento deve ter a duração de pelo menos 30 INTERVENÇÃO EDUCACIONAL
minutos, podendo ser realizados períodos de dois minutos de A intervenção educacional permanece sendo um
treinamento com dois minutos de repouso. componente essencial do programa de reabilitação pulmonar.
O que ainda náo está muito claro é a real efetividade desta
TREINAMENTO DE FORÇA MUSCULAR intervenção devido à dificuldade em medir sua contribuição
PERIFÉRICA direta nos resultados finais da reabilitação pulmonar. A
O treinamento de força muscular periférica traz o benefício educação ao paciente é importante em todos os setores e
de aumentar o tônus e massa muscular. As sessões de fases da reabilitação pulmonar, desde o diagnóstico até os
treinamento geralmente incluem 2 à 4 séries de 6 a 12 cuidados paliativos do paciente com DPOC.
repetições com intensidade de carga que podem variar de 50 O auto-manejo aliado ao conhecimento dos mecanismos
a 85% do máximo, avaliado pelo teste de 1RM (uma repetição da doença são fundamentais para mudanças de
máxima).14 O sintoma de falta de ar é menos presente durante comportamento, aumentando a auto eficácia do tratamento.
o treinamento comparado aos treinamentos aeróbios de A necessidade de um programa educacional se baseia na
braços e pernas. A combinação de treinamento de endurance falta de conhecimento apresentada pelos pacientes em
e de força muscular pode ser a melhor estratégia para tratar relação a sua doença e aos benefícios a serem alcançados
a disfunção da musculatura periférica causada pela DPOC.1 com a reabilitação pulmonar.1 Os profissionais de saúde
envolvidos em programas de reabilitação pulmonar devem
TREINAMENTO DOS MÚSCULOS ter o conhecimento das estratégias para cessação do
RESPIRATÓRIOS tabagismo, para que possam ajudar pacientes que são
O treinamento dos músculos respiratórios, segundo as fumantes atuais.
evidências científicas publicadas não é um componente
essencial de um programa de reabilitação pulmonar. PROGRAMA DE REABILITAÇÃO PULMONAR
Recomenda-se somente para aqueles pacientes com DPOC DOMICILIAR (PRP DOMICILIAR)
e doenças neuromusculares nos quais se consiga comprovar O programa de reabilitação pulmonar domiciliar permite
que a fraqueza dos músculos respiratórios contribui para o manter os benefícios fisiológicos conquistados com os
agravamento da dispnéia, sendo um fator limitante a sua exercícios, além de manter o paciente bem próximo à sua
capacidade de exercício. Pacientes com doença família, de modo que ele fique motivado em conquistar sua
neuromuscular e com comprometimento dos músculos independência nas suas atividades de vida diária.15
respiratórios se beneficiam com este treinamento.9 No entanto, a realização do treinamento domiciliar em

Tabela 2. Tópicos de exemplos para aulas de educação


Técnicas de conservação de energia para tarefas do cotidiano
Irritantes e poluentes, incluindo cessação do tabagismo
Estratégias de controle da respiração
Doenças pulmonares
Uso correto das medicações inalatórias
Oxigenoterapia
Técnicas de higiene brônquica
Benefícios do exercício e manutenção do exercício pós-reabilitação
Prevenção e identificação precoce da exacerbação da doença
De como enfrentar a doença crônica e planos para cuidados paliativos
Orientações quanto a lazer, viagens e atividade sexual
Controle do pânico e ansiedade, incluindo técnicas de relaxamento e controle do estresse

44 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


pacientes muito graves, dependentes de oxigênio e com advisory from the Committee on Exercise, Rehabilitation,
comorbidades descompensadas não apresenta evidências and Prevention, Council on Clinical Cardiology, American
Heart Association; Position paper endorsed by the American
científicas significativas; no entanto, em um pequeno grupo College of Sports Medicine. Circulation 2000;101(7):828-
de pacientes com VEF1 com média de 26% do previsto, 33.
houve melhora na capacidade de exercício e qualidade de 11. Celli BR. The clinical use of upper extremity exercise. Clin
vida.16 A padronização do treinamento físico é baseada nas Chest Med 1994;15(2):339-49.
atividades diárias como subir escadas e realizar caminhadas. 12. Celli BR. Arm exercise and ventilation. Chest
A caminhada é uma atividade simples e funcional, muito 1988;93(4):673-4.
13. Colucci MC, F. Porto, E. Castro, A. Iamonti, V. Souza, G.
utilizada no PRP Domiciliar porque não gera custos ao
Nascimento, O. and Jardim, J. Upper limb exercises using
paciente e estimula atividades de vida diária permitindo os varied workloads and their association with dynamic
mesmos efeitos do programa tradicional.17 hyperinflation in patients with COPD. Am J Crit Care Med
Antes de se iniciar o PRP Domiciliar, o paciente deve passar 2008;179:A2368.
por uma avaliação clínica e checar a gravidade da doença e se 14. O’Shea SD, Taylor NF, Paratz J. Peripheral muscle strength
há comorbidades que o coloque em risco para realizar exercícios training in COPD: a systematic review. Chest
em domicílio. Em acréscimo, é necessário avaliar a oximetria na 2004;126(3):903-14.
simulação dos esforços que ele realiza neste programa com a 15. Golmohammadi K, Jacobs P, Sin DD. Economic evaluation
finalidade de identificar hipoxemia; embora ela não contra- of a community-based pulmonary rehabilitation program
for chronic obstructive pulmonary disease. Lung
indique as atividades, pode ser necessária a suplementação de
2004;182(3):187-96.
oxigênio na sua realização. Outra proposta e vantagem do PRP 16. Regiane Resqueti V, Gorostiza A, Galdiz JB, Lopez de Santa
Domiciliar é servir como forma de manutenção para exercícios Maria E, Casan Clara P, Guell Rous R. [Benefits of a home-
físicos aos pacientes que realizaram o PRP tradicional. Sabe-se based pulmonary rehabilitation program for patients with
que os benefícios alcançados com o tratamento duram 12 meses, severe chronic obstructive pulmonary disease]. Arch
Bronconeumol 2007;43(11):599-604.
a partir do qual começa a ocorrer declínio da capacidade física
17. du Moulin M, Taube K, Wegscheider K, Behnke M, van
e dos benefícios conquistados.9 den Bussche H. Home-based exercise training as maintenance
after outpatient pulmonary rehabilitation. Respiration
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Bourbeau J, et al. American Thoracic Society/European
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Am J Respir Crit Care Med 2006;173(12):1390-413. olivernascimento@yahoo.com.br
2. Ferreira A, Garvey C, Connors GL, Hilling L, Rigler J, Farrell S,
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and predictors of response. Chest 2009;135(2):442-7.
3. Uchi M, Saji T, Harada T. [Feasibility of cardiopulmonary
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6. O’Donnell DE, Webb KA. The major limitation to exercise
performance in COPD is dynamic hyperinflation. J Appl
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of exercise reconditioning on breathlessness in severe chronic
airflow limitation. Am J Respir Crit Care Med 1995;152(6
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10. Pollock ML, Franklin BA, Balady GJ, Chaitman BL, Fleg
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exercise in individuals with and without cardiovascular
disease: benefits, rationale, safety, and prescription: An

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 45


Oxigenoterapia domiciliar e ventilação
não invasiva domiciliar na DPOC estável
AUTORES: Maria Christina Lombardi de O. Machado1A; Maria Enedina C. Scuarcialupi2AB; Ahmad Abduny Rahal3AC

A
SERVIÇOS: Universidade Federal de São Paulo
B
Faculdade de Medicina da Fundação ABC - Santo André
C
Universidade São Francisco, Bragança Paulista

1
Coordenadora do Ambulatório de Doença Pulmonar Avançada (DPA)/Oxigenoterapia Domiciliar
Prolongada (ODP) e da Comissão de DPA da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia
2
Pneumologista Assistente do Ambulatório de DPA/ODP
3
Pneumologista e Cirurgião Torácico Assistente do Ambulatório de DPA/ODP

INTRODUÇÃO O oxigênio suplementar deve ser prescrito para uso


A oxigenoterapia domiciliar prolongada (ODP) é contínuo com baixos fluxos em portadores de DPOC estável
universalmente considerada o tratamento padrão para a com hipoxemia crônica. Como a DPOC possui caráter
correção de hipoxemia crônica em pacientes com doenças progressivo e se caracteriza por múltiplas exacerbações, a
pulmonares hipoxêmicas.1,4 Os principais benefícios clínicos titulação dos fluxos ideais de oxigênio deve ser realizada de
da ODP são o aumento da sobrevida e da qualidade de vida forma individualizada no início do tratamento e
nestes pacientes, benefícios obtidos com seu uso no mínimo constantemente refeita no seguimento, observando-se as
por 15 horas/dia.1,4 necessidades do uso de oxigênio suplementar em repouso,
Atualmente a ventilação não invasiva com pressão aos esforços e durante o sono.1,4
positiva (VNIPP) é classicamente indicada nas exacerbações O uso de oxigênio líquido portátil garante maior mobilidade
hipercápnicas da doença pulmonar obstrutiva crônica aos pacientes que necessitam usar ODP e é provável que
(DPOC). A VNIPP para uso domiciliar ainda não é este seja o ponto chave para uma melhor qualidade de vida.1-4
universalmente indicada em pacientes com DPOC A prescrição de ODP deve ser associada a um Programa
hipercápnica estável, apesar de que existem estudos Educacional voltado para pacientes e familiares sobre seu
demonstrando benefícios do seu uso nestes pacientes.5,7 correto uso, benefícios e cuidados domiciliares.1,4
Este texto abordará o uso domiciliar de oxigenoterapia e
ventilação não invasiva na DPOC grave estável. BASES CIENTÍFICAS PARA PRESCRIÇÃO
DE OXIGENOTERAPIA DOMICILIAR
OXIGENOTERAPIA DOMICILIAR PROLONGADA (ODP)
O uso de oxigenoterapia domiciliar prolongada (ODP) Nos anos 80, médicos do Reino Unido publicaram um
aumenta a sobrevida e melhora a qualidade de vida em estudo8 no qual avaliaram a sobrevida de pacientes com
pacientes com hipoxemia crônica e é o tratamento padrão DPOC estável e hipoxemia crônica (PaO2 < 55 mmHg em ar
para a correção da mesma tanto em pacientes com DPOC, ambiente). Os pacientes foram randomizados para usar ODP
como em pacientes com outras pneumopatias crônicas.1,4 durante 15 h/dia (incluindo as horas do sono) ou não usar
Os principais efeitos benéficos da ODP no organismo oxigênio. A Figura 1 mostra as curvas de sobrevida destes
são a diminuição do trabalho ventilatório e a melhora do pacientes, com melhor sobrevida no grupo que usou ODP.8
metabolismo orgânico, com conseqüente melhora das Na mesma época, médicos americanos 9 também avaliaram
funções cardiovascular e muscular. A ODP minimiza os a sobrevida de pacientes com DPOC hipoxêmica estável,
efeitos sistêmicos da hipoxemia crônica, diminui as mas quanto ao tempo de uso diário de ODP. Os pacientes
internações, reverte a policitemia secundária à hipóxia foram randomizados para usar oxigênio domiciliar somente
crônica, aumenta o peso corporal, melhora o sono e a noturno ou para usar ODP contínua (aproximadamente 20 h/
capacidade de realizar as atividades de vida diária.1,4 dia). As curvas de sobrevida destes pacientes estão na
A suplementação de oxigênio para pacientes com DPOC Figura 2, na qual são observadas diferenças significantes
e hipoxemia crônica se baseia no conceito que a manutenção na sobrevida entre os grupos aos 12, 24 e 36 meses (p<0,01),
de um nível mínimo e estável de oxigênio no sangue (pressão com melhor sobrevida no grupo que usou ODP contínua.9
parcial de oxigênio no sangue arterial [PaO2] ³ 60 mmHg) é Como os dados demográficos e a gravidade da doença
imprescindível para a manutenção de uma adequada dos pacientes destes estudos eram similares, a comparação
homeostase orgânica.1,4 das curvas de sobrevida destes pacientes é mostrada na

46 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Figura 3, na qual observamos que a pior sobrevida é a dos
pacientes que não usaram ODP e a melhor sobrevida é a dos
que usaram ODP contínua.1,4
Estes estudos embasam as orientações dos consensos
atuais sobre ODP para pacientes que possuem hipoxemia
crônica, ou seja, que o uso de ODP deve ser realizado
diariamente o maior tempo possível, pelo menos durante 15
horas/dia.1,4

OUTROS BENEFÍCIOS DA ODP


Krop et al. 10 mostraram que há melhora na função
neurológica em portadores de DPOC hipoxêmica usando ODP
versus ar ambiente. Estes resultados foram confirmados em
outro estudo11 que mostrou melhora significante na função
neurológica em pacientes que usaram ODP após um ano de
tratamento.
Fig. 1. Comparação das curvas de sobrevida dos pacientes no
A melhora da qualidade de vida em pacientes com DPOC
estudo MRC usando oxigênio 15 h/ dia versus sem oxigênio. A
melhor sobrevida foi a do grupo que usou ODP. hipoxêmica em uso de ODP foi demonstrada em estudos que
apontam diminuição significante no número de internações e
melhora na função cerebral nestes pacientes com seu uso.1,4

PRESCRIÇÃO E INDICAÇÕES DA ODP


A gasometria arterial em ar ambiente é imprescindível para
a indicação e prescrição de ODP. A ODP pode ser prescrita
provisoriamente nas exacerbações da DPOC, mas esta
somente deve ser mantida após a confirmação da presença
de hipoxemia na fase estável da doença.1,4
As indicações clássicas de ODP são:
1-PaO2 < 55 mmHg ou saturação arterial de oxihemoglobina
(SaO2 ) < 88% em ar ambiente e em repouso, ou
2- PaO2 = 56 - 59 mmHg em ar ambiente e em repouso, com
evidências clinicas de cor pulmonale ou hematócrito >55%.

TITULAÇÃO DOS FLUXOS IDEAIS


Fig.2. Comparação das curvas de sobrevida dos pacientes no DE OXIGÊNIO
estudo NOTT. A melhor sobrevida foi a do grupo que usou ODP A prescrição do fluxo ideal de oxigênio deve ser feita por
contínua.
titulação individual, usando-se o oxímetro de pulso no dedo
e adequando-se o fluxo de oxigênio até obter-se uma
saturação de pulso da oxihemoglobina (SpO2) > 90% (SpO2
ideal = 90-92%).1,4

1-4
CRITÉRIOS PARA MANUTENÇÃO DE ODP
1. Presença de doença estável e paciente em uso de
terapêutica farmacológica adequada (isto é,
broncodilatadores, antibióticos, corticosteróides e/ou outras
medicações).
2. Gasometria arterial coletada em ar ambiente, após pelo
menos 20 minutos sem usar oxigênio suplementar e em
repouso.
3. Presença de PaO2 < 55 mmHg ou PaO2 entre 56-59 mmHg
Fig.3. Os resultados dos estudos NOTT e MRC superpostos com sinais clínicos de cor pulmonale ou hematócrito >55%.
mostram que a melhora na sobrevida é proporcional à duração
do uso de oxigenoterapia diária. O grupo controle do MRC que
não usou oxigênio teve pior sobrevida e o grupo do NOTT que FLUXOS DE OXIGÊNIO 1,4
usou ODP contínua teve melhor sobrevida. 1. Fluxo contínuo por cânula nasal

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 47


2. Se houver prescrição de válvula poupadora, checar se 2- Cilindros de oxigênio gasoso portátil
há adequada saturação de oxihemoglobina com seu uso. A fonte portátil pode ser um pequeno cilindro de alumínio
3. Titular individualmente o menor fluxo de O2 que com oxigênio gasoso, que dá mobilidade ao paciente, pois
mantenha SpO2 = 90-92%. permite que ele use oxigênio nas suas saídas ocasionais.
4. Acrescentar 1 L a mais ao fluxo diurno de O2 para uso Seu custo depende dos fluxos de oxigênio prescritos e da
durante o sono e 2 L a mais para os esforços (banho, freqüência e do tempo que o paciente permanece longe de
deambulação, alimentação, etc.), caso haja impossibilidade sua residência. A prescrição de oxigênio gasoso portátil não
de se realizar oximetria noturna contínua ou testes de esforço. dispensa o uso de outra fonte de oxigênio estacionária no
domicílio.1,4
SISTEMAS OU FONTES PARA
FORNECIMENTO DE OXIGENOTERAPIA FORMAS DE SE ADMINISTRAR ODP
Fontes de oxigênio estacionárias: A cânula nasal é muito mais confortável do que os
1- Cilindros de oxigênio cateteres longos ou nasofaríngeos. Atualmente existem
Este é o modo mais caro de se administrar ODP e seu uso válvulas poupadoras ou conservadoras de oxigênio, nas
costuma causar grande preocupação aos pacientes e quais o oxigênio é liberado somente durante a fase
familiares devido ao fato dos cilindros serem pesados, se inspiratória. As válvulas poupadoras de oxigênio são ideais
esvaziarem rapidamente e necessitarem de reposições para serem usadas acopladas às fontes portáteis de oxigênio,
freqüentes. Ao preço do gás, soma-se toda a estratégia dos pois ao conservar oxigênio elas dão maior autonomia ao
pedidos, transporte e entrega dos cilindros na residência do sistema.1,4
paciente, além das dificuldades e dos custos elevados destes Todas as fontes de oxigênio devem ser testadas
procedimentos. Estas ações necessitam ser muito bem individualmente nos pacientes que usam ODP,
orquestradas para que não haja desabastecimento de ODP principalmente no caso de existir a prescrição de válvula
no domicílio.1,4 poupadora de oxigênio. Sabe-se que pacientes com fibrose
2- Concentradores de oxigênio pulmonar avançada ou com DPOC extremamente grave
São máquinas que separam o oxigênio do nitrogênio do usualmente não se adaptam à válvula poupadora de oxigênio,
ar ambiente, concentrando-o e fornecendo fluxos de oxigênio pois estes pacientes geralmente possuem dispnéia
de 1 a 10L/min. Os concentradores de oxigênio são leves e incapacitante e não têm sincronismo respiratório adequado
possuem rodas nas bases, mas precisam ser conectados à mesmo em repouso, o que pode se acentuar durante os
energia elétrica. Apesar do gasto extra com energia elétrica, esforços.1,4
os concentradores são muito mais baratos do que os
cilindros de oxigênio. Para o consumidor individual, o custo VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA DOMICILIAR
mensal do concentrador que fornece fluxos de 5 L/m Atualmente, o termo ventilação não invasiva (VNI) refere-
equivale a 25% do custo dos cilindros, considerando-se se a um suporte ventilatório usando-se uma interface
um uso contínuo com fluxos equivalentes nos dois sistemas (máscara facial ou nasal) sem usar métodos invasivos, ou
por 24 h/dia. 1,4 seja, sem entubação orotraqueal (EOT) ou traqueostomia.12,14
Desde os anos 80, a ventilação não invasiva com pressão
Fontes de oxigênio portáteis positiva (VNIPP) usando-se máscara facial é o tratamento
1- Oxigênio líquido padrão para pacientes que necessitam usar suporte
O oxigênio líquido pode ser armazenado em recipientes ventilatório, ou seja, para pacientes com hipercapnia
de 44 a 46 L para ser usado no domicílio. Este recipiente ou crônica.12,14 Atualmente a VNIPP é a técnica mais usada para
matriz de oxigênio líquido dispõe de uma mochila ou bolsa se realizar VNI domiciliar por tempo prolongado nestes
portátil que pode ser abastecida com oxigênio, pois ao sair pacientes, pois seu uso permite aos pacientes com
da matriz o oxigênio líquido imediatamente se transforma em insuficiência ventilatória crônica (hipercapnia) fazer o
gasoso e pode ser armazenado na bolsa portátil. Esta mochila tratamento no domicílio e diminui as internações recorrentes
portátil tem autonomia aproximada de sete horas (utilizando- que estes pacientes apresentam. 13-15 Os benefícios do uso
se fluxo de oxigênio de 1L/m) e dá maior mobilidade ao da VNIPP domiciliar foram descritos tanto em pacientes com
paciente, por permitir que ele saia mais frequentemente de DPOC hipercápnica como em pacientes com doenças
casa usando oxigênio portátil. Se o fluxo de oxigênio prescrito neuromusculares e com deformidades da caixa torácica.5-7, 13-
15
for em média 2L/m, o recipiente da matriz pode ser trocado a Na prática, dependendo da etiologia da doença de base e
cada 10 dias, pois cada litro de oxigênio líquido se transforma da sua gravidade, a VNIPP domiciliar pode ser usada
em 863 litros de oxigênio gasoso. O seu custo é menor do continuamente ou somente durante o sono para repousar
que o dos cilindros, aproximadamente menos da metade para os músculos respiratórios.15,17
o consumidor individual, considerando-se o uso contínuo Os objetivos principais do uso de VNIPP domiciliar em
com fluxos equivalentes nos dois sistemas por 24 h/dia.1,4 pacientes com DPOC hipercápnica estável são diminuir o

48 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


trabalho respiratório, repousar os músculos respiratórios, Basicamente existem quatro tipos de interfaces: máscara
melhorar as trocas gasosas e reduzir a pressão expiratória nasal, que é a mais usada por ser bem tolerada e permitir aos
positiva final (positive expiratory end pressure = PEEP) ou doentes falarem e se alimentarem enquanto a usam, máscara
auto-PEEP. 13,15 facial que cobre a boca e o nariz, travesseiro nasal e peça
As principais vantagens da VNIPP são evitar a EOT em bucal, sendo esta última indicada essencialmente para uso
pacientes com exacerbações hipercápnicas da DPOC, com diurno.16,19
conseqüente diminuição dos riscos associados, Um planejamento antecipado antes da alta hospitalar é
notadamente das infecções nosocomiais e das lesões vital para pacientes que necessitam usar ventilação domiciliar,
traqueais. 13,15 Adicionalmente, como a sedação não é o qual deve contemplar a manutenção regular dos
necessária, o uso da VNIPP permite ao doente falar, manter equipamentos, previsão de consumo, treinamento dos
tosse eficaz e se alimentar normalmente durante sua cuidadores e constante comunicação com a Equipe médica
utilização, é fácil de ser instituída ou retirada, podendo ser sobre o manejo e os riscos da ventilação domiciliar.20
usada em hospitais e no domicílio, e propicia a diminuição
do tempo de internação hospitalar, da mortalidade e dos CONCLUSÕES
custos do tratamento.12,15 A ODP deve ser prescrita em todas as doenças pulmonares
Os principais modelos ventilatórios para se realizar VNIPP, que cursam com hipoxemia crônica, pois propicia maior
assim como para ventilação invasiva, são a ventilação sobrevida e melhor qualidade de vida aos seus portadores.
regulada por pressão ou por volume, existindo poucos Alguns pacientes com DPOC hipercápnica estável se
estudos comparando estas duas modalidades. 13,15 Os beneficiam com o uso de VNIPP domiciliar.
ventiladores regulados por pressão são os mais Um planejamento antecipado antes da alta hospitalar e a
frequentemente utilizados para se realizar VNIPP, por terem aplicação de um programa educacional que contemple
menor custo, maior capacidade de compensar as fugas de ar, estratégias de manejo para o correto uso de ODP e VNIPP
por serem portáteis e bem tolerados pelos doentes, e podem no domicílio são essenciais.
ser utilizados em situações agudas ou crônicas.13,14
Os ventiladores portáteis regulados por pressão
frequentemente são chamados de BiPAP (bilevel positive
REFERÊNCIAS
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airway pressure = dois níveis de pressão positiva nas vias
MCLO. I Consenso Brasileiro de Oxigenoterapia Domiciliar
aéreas), apesar de que esta é uma denominação inadequada, Prolongada / SBPT- J Pneumologia, 2000; 26: 341-350.
pois o nome BiPAP também é uma marca comercial. Os 2. Pauwels RA, Buist AS, Calverly PM, Jenkins, Hurd SS.
ventiladores portáteis usualmente chamados de BiPAP Global strategy for the diagnosis, management and
fornecem ventilação por pressão positiva com um nível de prevention of chronic obstructive pulmonary disease.
suporte inspiratório (IPAP = inspiratory positive airways NHLBI/WHO Global Initiative for Chronic Obstructive
Lung Disease (GOLD) Workshop summary. Am J Resp
pressure) e outro nível de pressão no final da expiração
Crit Care Med 2001; 163:1256-1276.
(EPAP ou PEEP = expiratory positive airways pressure).13,14 3. Jardim JR, Oliveira JA, Nascimento O. II Consenso
Existem diversas vantagens de se usar EPAP, como a Brasileiro de DPOC / SBPT. J Bras Pneumol 2004; 30: S1-
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Tisiologia (SBPT). 2008-. Disponível em http://
atelectasias e redução do trabalho inspiratório necessário
www.sbpt.org.br/dowloads/arquivos/Revisoes.pdf. Acesso
para ativar o estímulo inspiratório em doentes com auto- em 9/maio/2010.
PEEP (PEEP intrínseca).13-15 5. Lloyd-Owen SJ, Donaldson GC, Ambrosino N, Escarabill
Já o CPAP (continuos positive airways pressure) aplica J, Farre R, Fauroux B, et al. Patterns of home mechanical
uma pressão positiva contínua nas vias aéreas durante todo ventilation use in Europe: results from the Eurovent survey.
Eur Respir J 2005; 25: 1025–1031.
o ciclo respiratório (ins e expiração) e, portanto, não auxilia
6. Janssens JP, Derivaz S, Breitenstein E, Muralt B, Fitting
ativamente a inspiração. Por esta razão o CPAP não é JW, Chevrolet JC, et al. Changing patterns in long-term
considerado um verdadeiro modo ventilatório, sendo usado noninvasive ventilation: a 7-year prospective study in the
principalmente no tratamento da síndrome da apnéia Geneva Lake area. Chest 2003; 123: 67–79.
obstrutiva do sono e em alguns casos de edema agudo do 7. Mehta S, Hill NS. Noninvasive ventilation. Am J Respir
Crit Care Med 2001; 163: 540–577.
pulmão.13,14
8. Long term domiciliary oxygen therapy in chronic hypoxic
A escolha da interface a ser usada é um ponto crucial cor pulmonale complicating chronic bronchitis and
para o sucesso da VNIPP, sendo que não devemos subestimar emphysema. Report of the Medical Research Council
a seleção de uma interface apropriada e bem ajustada, devido Working Party. Lancet 1981; 1(8222): 681-686.
ao seu impacto na qualidade da ventilação.16 O objetivo de 9. Continuous or nocturnal oxygen therapy in hypoxemic
chronic obstructive lung disease: a clinical trial. Nocturnal
se conseguir a melhor adaptação possível da máscara é Oxygen Therapy Trial Group. Ann Intern Med 1980; 93:
minimizar fugas de ar, melhorar o conforto e facilitar seu uso. 391-398.

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Eur Respir Mon 2001; 16: 137-146.

Maria Christina Lombardi de O. Machado


mchrismachado@hotmail.com

50 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Oxigenoterapia domiciliar prolongada
em outras doenças que não DPOC
AUTORAS: Júnia Rezende Gonçalves1; Mônica Corso Pereira2; Ilma Aparecida Paschoal3

A
SERVIÇOS: Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
B
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCC)

1B
Pneumologista, mestre em Clínica Médica e Professora da PUCC
2AB
Doutora em Clínica Médica, Médica Assistente da Disciplina de Pneumologia e Professora da PUCC
3A
Professora-associada da Disciplina de Pneumologia

INTRODUÇÃO que podem evoluir com IResC e, teoricamente, cada uma


Mais de um milhão de pacientes no mundo faz uso de delas deveria ser estudada em separado, por apresentarem
oxigenoterapia domiciliar prolongada (ODP), dos quais a fisiopatogenia e história natural distintas. Nas doenças
maioria é portadora de Doença Pulmonar Obstrutiva menos prevalentes, para o agrupamento de um maior
Crônica (DPOC)1,2. A literatura sobre a ODP, no que diz número de pacientes, careceríamos de trabalhos
respeito às suas indicações e efeitos, é extensa na Doença multicêntricos, talvez até internacionais, com execução mais
Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), mas bem menos tem trabalhosa. Mas o principal entrave para a realização de
sido publicado sobre as outras causas de insuficiência tais estudos certamente é a questão ética, já que seria
respiratória crônica (IResC), tanto obstrutiva quanto impossível privar pacientes da oxigenoterapia, sabendo que
restritiva.3 ela é um método reconhecido e aprovado para o tratamento
No início dos anos 80, dois estudos bem controlados da hipoxemia grave.
demonstraram que a ODP era capaz de aumentar
significativamente a sobrevida dos pacientes com DPOC e OUTRAS CAUSAS DE INSUFICIÊNCIA
hipoxemia grave. Um deles foi o estudo britânico RESPIRATÓRIA CRÔNICA OBSTRUTIVA
multicêntrico do MRC (Medical Research Council)4, no Quando prescrita, a suplementação de oxigênio nas
qual 87 pacientes com DPOC foram randomizados para outras causas de IResC obstrutiva segue, atualmente, as
receber ODP por pelo menos 15 horas ao dia, ou não. Em mesmas recomendações da DPOC: pressão parcial de
cinco anos de seguimento ocorreram 16 mortes no grupo oxigênio no sangue arterial (PaO2) < 55 mmHg ou saturação
da oxigenoterapia e 30 no grupo de controle. periférica de oxigênio (SpO2) < 88 % em repouso; e PaO2
O outro estudo clássico foi o norte-americano NOTT.5 entre 55 e 60mmHg ou SpO2 <89 a 90% no paciente com
Nele, 203 pacientes foram randomizados para receber ODP hipertensão pulmonar, edema periférico ou hematócrito >
de forma contínua ou por apenas 12 horas noturnas. Após 55%. Embora não existam estudos controlados realizados
12 meses, o risco relativo de morte foi de 1,94 no grupo que com este grupo de doenças, exceto pela fibrose cística8, as
recebeu ODP somente no período noturno. Ocorreram 64 semelhanças com a DPOC são tão óbvias que talvez até
mortes, 41 no grupo da ODP noturna e 23 no grupo da ODP dispensem estudos randomizados.
contínua. Quando as curvas de sobrevida dos estudos do O paciente deve fazer uso do oxigênio no mínimo por 15
MRC e do NOTT foram sobrepostas, a pior curva horas ao dia, idealmente de forma contínua. Ressalta-se
observada foi a do grupo controle do MRC, que não que a doença deve estar estável e com a terapia
recebeu nenhum oxigênio, e a melhor foi a do NOTT, que medicamentosa melhorada ao máximo. O objetivo é elevar
recebeu oxigenoterapia contínua.6 a PaO2 para valores acima e próximos de 60 mmHg ou SpO2
Além de aumentar a sobrevida dos pacientes com DPOC, de 90%. A prescrição deve ser reavaliada dois a três meses
a ODP comprovadamente melhora a qualidade de vida, após, para afastar a possibilidade de a ODP ter sido indicada
aumenta a tolerância ao exercício, reduz o número de durante uma exacerbação não detectada.9 As principais
hospitalizações, melhora o estado neuropsíquico dos vantagens e desvantagens das fontes de oxigênio
pacientes, reduz a policitemia e atenua a progressão da disponíveis no mercado estão descritas no Quadro 1.
hipertensão pulmonar.7 Além dos pacientes com DPOC, os portadores de fibrose
Nenhum grande estudo controlado, do porte dos citados cística foram os únicos estudados prospectivamente, de
acima, foi realizado com pacientes portadores de outras forma randomizada, em estudo duplo-cego. Em um
doenças que não a DPOC. Alguns motivos explicam este trabalho8, 28 pacientes foram randomizados para receber
fato. Em primeiro lugar, existe um imenso número de doenças oxigênio ou ar comprimido. Em três anos de seguimento,

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 51


Quadro 1 – Fontes de Oxigênio.

VANTAGENS DESVANTAGENS

Concentradores Volume de gás ilimitado Oneram a conta de luz


Baixo custo de manutenção Pesados e ruidosos
Fácil uso Necessário cilindro extra
Não são portáteis

Disponíveis em qualquer parte do país Custo elevado


Cilindros Necessitam recargas frequentes
Podem ser usados fora de casa
Risco de explosão

Melhor opção para oxigenoterapia Alto custo


Oxigênio líquido ambulatorial Risco de queimadura durante a recarga
Maior autonomia
Não consomem energia elétrica

não houve diferença significativa na taxa de mortalidade, tempo. São claras as semelhanças clínicas entre idosos
nas internações ou na progressão da doença. O único portadores de DPOC e jovens com bronquiectasias
resultado positivo foi o fato de que os pacientes do grupo extensas, no momento em que ambos evoluem para IResC,
da ODP faltaram menos ao trabalho e à escola. No entanto, necessidade do uso de ODP, e similares manifestações
esta pesquisa apresentou várias falhas: pequeno número sistêmicas da obstrução grave, como o baixo índice de massa
de pacientes incluídos; os pacientes receberam em média do corpo, a perda de massa magra, a dispnéia e a limitação
apenas sete horas de oxigênio por dia; e o critério de da capacidade de exercício.
inclusão foi uma PaO 2 < 65 mmHg (estudo prévio 10 Na última década os resultados de um número crescente
demonstrou que a ODP não aumenta a sobrevida de de publicações têm sugerido que outros fatores estão
pacientes com DPOC e hipoxemia moderada). fortemente relacionados com a perda acelerada da função
Em 2009 uma revisão da Biblioteca Cochrane11 avaliou pulmonar, embora menos intensamente do que o cigarro.
os estudos randomizados que investigaram o uso do Estes fatores incluem a poluição intra e extra-domiciliar, a
oxigênio em pacientes com fibrose cística por qualquer poeira ocupacional, infecções respiratórias na infância,
período, com o objetivo de determinar se a oxigenoterapia tuberculose pulmonar, asma, retardo do crescimento intra-
aumenta a sobrevida ou melhora a qualidade de vida destes uterino, desnutrição, e baixa condição socioeconômica.13,14
pacientes. Foram encontrados 11 estudos, com um total de É inquestionável a repercussão da perda de função pulmonar
172 participantes, dos quais apenas um avaliou o uso em na vida de qualquer indivíduo, independentemente da doença
longo prazo8. Não foi encontrada diferença estatisticamente de base ou do antecedente de tabagismo.15
significativa na sobrevida e na função cardíaca ou Em alguns países a tuberculose constitui a segunda
pulmonar. Em quatro estudos que avaliaram o efeito do indicação de ODP. 2;16 Lesões sequelares da infecção
oxigênio no sono por polissonografia, foi observada tuberculosa, quando não muito extensas, podem
melhora da oxigenação, mas com leve hipercapnia, permanecer assintomáticas e apenas serem detectadas em
provavelmente sem significado clínico, e nos seis trabalhos exames de imagem. No entanto, a doença pode causar
que investigaram os efeitos no exercício, os participantes extensa destruição do parênquima pulmonar, com ou sem
que receberam oxigênio exercitaram-se por um tempo acometimento pleural, e obstrução do fluxo aéreo, que
significativamente maior. podem levar a um distúrbio ventilatório restritivo,
Para os pacientes adultos com fibrose cística, os obstrutivo ou misto.
consensos recomendam o uso do oxigênio durante o No Brasil, é provável que a tuberculose seja a causa
exercício se a SpO2 cai abaixo de 88 a 90%, e no período mais frequente de bronquiectasias. O antecedente de
noturno se a SpO2 é < 88 a 90% por um tempo > a 10% do tuberculose é também reconhecido como um fator implicado
sono. 12 na prevalência da DPOC. Caballero et al.17, em um estudo
A DPOC e as formas graves de bronquiectasias realizado em cinco cidades da Colômbia, encontraram
apresentam várias características em comum, tais como a evidência de DPOC nas espirometrias de 25,8% dos
obstrução que não é totalmente reversível com os BD, perda participantes com antecedente de tuberculose pulmonar.
progressiva da função pulmonar (traduzida pela queda do Em outro trabalho 18 , 71 indivíduos que tinham sido
volume expiratório forçado no primeiro segundo – VEF1), e previamente tratados para tuberculose realizaram teste de
a incapacidade física e social que se instalam ao longo do função pulmonar. Evidência de obstrução ao fluxo aéreo

52 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


foi identificada em 68% dos participantes. Houve uma e distribuídos dentro do sistema.
relação inversa entre a extensão da doença, avaliada pelo Nas doenças pulmonares intersticiais a progressão da
radiograma de tórax, e o VEF1, e também entre a quantidade dessaturação é muito mais rápida do que a observada em
de expectoração e o VEF1. pacientes com DPOC. Em um dos poucos relatos de
avaliação prospectiva3, 62 pacientes com fibrose pulmonar
DOENÇAS PULMONARES INTERSTICIAIS e PaO2 entre 45 e 60 mmHg, foram seguidos por 3 anos.
No parênquima pulmonar existe uma rede tridimensional Destes, 37 receberam ODP e 25 foram controles. A sobrevida
complexa de fibras colágenas e elásticas que interliga a foi de 20%, e não houve diferença estatisticamente
parede das vias aéreas com as paredes alveolares. As significativa entre os tratados e os controles. Este resultado
doenças das vias aéreas causam habitualmente aumento não surpreende, pois, devido ao padrão de evolução
da resistência ao fluxo de ar e normalmente têm uma absolutamente não linear da fibrose pulmonar descrito
progressão linear, com piora progressiva dos sintomas e acima, é de se esperar que um paciente com PaO2 de 45
da função pulmonar. As doenças do parênquima pulmonar mmHg seja grave o suficiente para não apresentar benefício
aumentam ou diminuem a complacência pulmonar (enfisema de sobrevida com qualquer intervenção terapêutica.
e fibrose pulmonar, respectivamente) e parecem não evoluir Um estudo retrospectivo 21 avaliou o efeito da
de modo linear. oxigenoterapia (recomendada para 133 pacientes), da
Nas doenças do parênquima pulmonar, períodos colchicina, da prednisona ou de nenhum tratamento em
relativamente longos podem acontecer, sem perdas 487 pacientes que receberam o diagnóstico de FPI, entre
significativas de função pulmonar ou piora dos sintomas. os anos de 1994 e 1996, em um centro de cuidado terciário.
Tanto a fibrose pulmonar quanto o enfisema parecem evoluir A sobrevida média após a consulta índice (primeira consulta
aos “saltos”, até atingirem um ponto a partir do qual o com o diagnóstico de FPI no período do estudo) foi de 3,2
prejuízo da função dos pulmões é incompatível com a vida. anos. Foram feitas as hipóteses de que o oxigênio poderia
Variáveis fisiológicas podem mudar minimamente durante prolongar a sobrevida dos pacientes, por reverter o
a progressão da fibrose pulmonar idiopática (FPI) antes de componente de hipóxia da hipertensão pulmonar, ou
uma piora súbita dos sintomas que precede a morte. encurtá-la, pelo possível potencial do oxigênio de aumentar
Fumantes podem apresentar lesão de enfisema na as concentrações teciduais de radicais tóxicos. Em análise
tomografia de alta resolução do tórax antes de terem multivariada, a oxigenoterapia não foi uma variável
sintomas e/ou função pulmonar anormal. independente associada com a pior sobrevida.
Nas fases iniciais da fibrose pulmonar as lesões existem Outro estudo22 avaliou os fatores relacionados com a
em pequeno número e produzem mínimas alterações sobrevida em um grupo de 240 pacientes com doenças
funcionais até progredirem e acometerem porções parenquimatosas pulmonares que iniciaram o uso de ODP.
significativas do pulmão, de modo conectado. Parece existir Fibrose pulmonar foi a causa de IResC em 51 pacientes,
um grau de disseminação das lesões a partir do qual a sequela de tuberculose em 48, e 124 pacientes apresentavam
função cai drasticamente. No seguimento destas doenças mais de uma causa. Como esperado, o prognóstico foi
os parâmetros funcionais são importantes, em especial a melhor nos pacientes com sequela de tuberculose do que
queda – em um período de 6 meses - maior do que 10% da naqueles com fibrose pulmonar. Capacidade vital forçada
capacidade vital forçada (CVF) ou de mais de 15% da menor que 2,1 L nos pacientes com fibrose pulmonar esteve
capacidade de difusão19. associada maior mortalidade.
As doenças que se espalham pelo interstício do pulmão Para os estudos futuros, pelo padrão de evolução não
(central, periférico e intralobular) fazem isto como se
linear da fibrose pulmonar, seria mais interessante introduzir
estivessem se distribuindo por uma rede. A percolação,
a ODP de forma mais precoce do que nas doenças de vias
transmissão de eventos através de uma rede, é um processo
aéreas. Mas quando? Ainda não existe consenso na
utilizado para explicar fenômenos naturais como, por exemplo,
literatura. Dessaturação de quatro pontos percentuais ou
a disseminação de um incêndio em uma floresta20. À medida
que as lesões isoladas aumentam em número elas alcançam mais no teste de caminhada dos seis minutos (TC6) pode
ser um critério 23 . No nosso serviço, em função
subitamente um ponto, chamado limiar de percolação, no qual
principalmente dos recursos limitados, indicamos a ODP para
elas estão conectadas em uma distribuição contínua ao longo
do interstício do pulmão. Neste ponto o tecido pulmonar sofre os pacientes com SpO2 d” 92% em repouso e queda de quatro
pontos ou mais no TC6. Nestas situações, está indicada a
uma mudança abrupta em suas propriedades e a função
oxigenoterapia ambulatorial, tendo como fonte principal o
deteriora de modo acentuado.
O limiar de percolação é um exemplo de propriedade oxigênio líquido que, infelizmente, tem maior custo.
emergente, uma situação que surge dentro de um sistema
complexo não apenas como resultado dos fatores INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA
específicos envolvidos, mas também, em grande parte, em VENTILATÓRIA
razão do modo como estes componentes estão arranjados Na insuficiência ventilatória restritiva e hipoventilação

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 53


alveolar, a existência de doença pulmonar intrínseca não é evoluem com restrição verdadeira, devemos estar mais
frequente, de modo que, ainda que seja necessária a preocupados com a capacidade do paciente de se
utilização de oxigenoterapia juntamente com o suporte locomover e executar as atividades da vida diária do que
ventilatório durante episódios agudos, o uso em longo prazo com a sobrevida.
é improvável. Na eventualidade do uso crônico de
oxigenoterapia juntamente com o suporte ventilatório, a REFERÊNCIAS
PaCO2 (pressão parcial de dióxido de carbono no sangue 1. Ringback TJ, Lange P, Viskum K. Geographic variation in
arterial) deve ser monitorada cuidadosamente. long-term oxygen therapy in Denmark. Factors related to
adherence to guidelines for long-term oxygen therapy. Chest
2001; 119:1711-6.
CÂNCER 2. Zielinski J. A nationwide system of long-term oxygen therapy:
Cerca de 94, 78 e 50% dos pacientes com doença the Polish experience. Respir Care 2010; 45:231-5.
pulmonar crônica, câncer pulmonar e doença cardíaca, 3. Zielinski J. Long-term oxygen therapy in conditions other
than chronic obstructive pulmonary disease. Respir Care
respectivamente, vão sentir falta de ar em seu último ano 2000; 45:172-7.
de vida24. Nestes doentes, a indicação de ODP deve ser 4. Long term domiciliary oxygen therapy in chronic hypoxic
avaliada com cuidado porque o equipamento pode reduzir cor pulmonale complicating chronic bronchitis and
a mobilidade do paciente, e ainda se tornar um empecilho emphysema. Report of the Medical Research Council
no seu contato com os familiares. Working Party. Lancet 1981; 1(8222):681-6.
5. Continuous or nocturnal oxygen therapy in hypoxemic chronic
Uma meta-análise que avaliou o uso do oxigênio para obstructive lung disease: a clinical trial. Nocturnal Oxygen
alívio da dispnéia e melhora da qualidade de vida em Therapy Trial Group. Ann Intern Med 1980; 93:391-8.
pacientes com câncer encontrou quatro trabalhos 6. Flenley DC. Long-term home oxygen therapy. Chest 1985;
randomizados que compararam o uso do oxigênio com ar, 87:99-103.
com um total de 134 pacientes. O oxigênio reduziu a dispnéia 7. Kim V, Benditt JO, Wise RA, Sharafkhaneh A. Oxygen
therapy in chronic obstructive pulmonary disease. Proc Am
nos pacientes com hipoxemia acentuada, mas não nos Thorac Soc 2008; 5:513-8.
pacientes sem hipoxemia ou com hipoxemia leve.25 8. Zinman R, Corey M, Coates AL, Canny GJ, Connolly J, Levison
Em um estudo26, 14 pacientes com dispnéia e hipoxemia H et al. Nocturnal home oxygen in the treatment of hypoxemic
em consequência do câncer avançado, caracterizada por cystic fibrosis patients. J Pediatr 1989; 114:368-77.
SpO2 < 90%, foram randomizados para receber oxigênio ou 9. Guyatt GH, Nonoyama M, Lacchetti C, Goeree R, McKim
D, Heels-Ansdell D et al. A randomized trial of strategies
ar, ambos por máscara, a 5 L por minuto. A dispnéia foi for assessing eligibility for long-term domiciliary oxygen
avaliada por uma escala visual que variava de zero, nos therapy. Am J Respir Crit Care Med 2005; 172:573-80.
pacientes sem dispnéia, a 100, quando a dispnéia era 10. Górecka D, Gorzelak K, Sliwinski P, Tobiasz M, Zielinski
máxima. Em comparação com o ar comprimido, o oxigênio J. Effect of long term oxygen therapy on survival in patients
significativamente aumentou a SpO2, reduziu o esforço with chronic obstructive pulmonary disease with moderate
hypoxemia. Thorax 1997; 52:674-9.
respiratório e diminuiu a pontuação na escala visual de 11. Elphick HE, Mallory G. Oxygen therapy for cystic fibrosis.
dispnéia. Cochrane Database Syst Rev 2009; (1):CD003884.
Nas doenças sem proposta terapêutica, como o câncer e 12. Yankaskas JR, Marshall BC, Sufian B, Simon RH, Rodman
a fibrose pulmonar avançada, a prescrição se faz de forma D. Cystic fibrosis adult care. Consensus conference report.
Chest 2004; 125:1S-39S.
mais livre quanto ao número de horas utilizadas, pois o
13. Salvi SS, Barnes PJ. Chronic obstructive pulmonary disease
objetivo do tratamento é o alívio dos sintomas, e não a in non-smokers. Lancet 2009; 374:733-43.
redução da mortalidade. Mas nota-se nesses casos que, a 14. Mannino DM. Looking beyond the cigarette in COPD.
partir do momento que há a indicação do tratamento, Chest 2008; 133:333-4.
frequentemente ocorre rápida evolução para a necessidade 15. Lange P, Nyboe J, Appleyard M, Jensen G, Schnohr P.
Spirometric findings and mortality in never-smokers. J Clin
de oxigenoterapia contínua. Epidemiol 1990; 43(9):867-73.
16. Chailleux E, Fauroux B, Binet F, Dautzenberg B, Polu JM.
CONCLUSÃO Predictors of survival in patients receiving domiciliary
oxygen therapy or mechanical ventilation. A 10-year analysis
Existe uma carência de estudos controlados que avaliem
of ANTADIR Observatory. Chest 1996; 109:741-9.
o uso de ODP em pacientes com outras doenças que não a 17. Caballero A, Torres-Duque CA, Jaramillo C, Bolívar F,
DPOC, principalmente por razões éticas, que impedem que Sanabria F, Osorio P et al. Prevalence of COPD in five
os pesquisadores neguem oxigênio para aqueles que Colombian cities situated at low, medium, and high altitude
(PREPOCOL study). Chest 2008; 133(2):343-9.
apresentam hipoxemia acentuada. Nas doenças obstrutivas,
18. Willcox PA, Ferguson AD. Chronic obstructive airways
com destaque para as bronquiectasias, as semelhanças com disease following treated pulmonary tuberculosis. Respir
a bronquite crônica do portador de DPOC são tão evidentes, Med 1989; 83(3):195-8.
que nos permitem aplicar com certa segurança o 19. Jegal Y, Kim DS, Shim TS, Lim CM, Lee SD, Koh Y et al.
conhecimento advindo dos grandes estudos realizados na Physiology is a stronger predictor of survival than pathology
in fibrotic interstitial pneumonia. Am J Respir Crit Care
DPOC a este grupo de doentes. Já nas enfermidades que
Med 2005; 171:639-44.

54 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


20. Bates JHT, Davis GS, Majumdar A, Butnor KJ, Suki B.
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mechanical function by percolation. Am J Respir Crit Care
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cancer patients. Lancet 1993; 342:13-4.

Júnia Rezende Gonçalves


juniarg@gmail.com

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 55


CONTROVÉRSIA

Uma Proposta de Classificação para a


Insuficiência Respiratória Crônica
AUTORA: Ilma Aparecida Paschoal1

SERVIÇO: Faculdade de Ciências Médicas UNICAMP

1
Professora Associada - Disciplina de Pneumologia – Departamento de Clínica Médica

A realidade é muito mais impressionante que a mais deslumbrante das obras


de arte, desde que se consiga vê-la no seu todo, integrado e coeso.

Tudo começou com a bexiga natatória dos peixes, um a formação dos alvéolos estão sob o controle de conjuntos
balão de paredes não muito espessas que eles podem encher de genes distintos, muito embora ambas aconteçam por
de oxigênio proveniente de vasos sanguíneos da parede meio da interação entre o epitélio respiratório, de origem
do balão e com isso regular a sua flutuabilidade, em endodérmica, e o mesênquima subjacente.1
diferentes profundidades (balão cheio, peixe com o mesmo Uma descoberta desconcertante, do final da década de
volume, porém com menor densidade). 80 do século passado, revelou que um peptídeo, semelhante
Ao longo da escala filogenética a bexiga natatória se ao paratormônio, era produzido por células de alguns tipos
transformou nos pulmões de anfíbios, répteis e mamíferos, de neoplasia. Este peptídeo era capaz de produzir um
pulmões estes cada vez mais eficientes nas trocas gasosas, aumento da quantidade de cálcio iônico no sangue e graves
para suprir a necessidade cada vez maior de oxigênio.1 O sintomas de hipercalcemia. 2 Estudos posteriores
aperfeiçoamento da captação de oxigênio e da eliminação demonstraram que esta molécula, denominada PTHrP
de gás carbônico se fez por meio do aumento da superfície (Parathormone related Protein), não era produzida apenas
da membrana de trocas gasosas, da diminuição da espessura por células neoplásicas, mas por quase todos os tipos de
da membrana e da maior atividade do surfactante para células, em condições normais, tanto em embriões quanto
contrabalançar o efeito da tensão superficial. em adultos, e desempenhava funções de um fator de
A integração dos conhecimentos produzidos pela crescimento e diferenciação. Hoje se sabe que muitos dos
genômica com tudo o que já se sabe da biologia do hormônios produzidos por glândulas endócrinas podem
desenvolvimento e da embriologia é a oportunidade para ser sintetizados por outras células que não as da própria
aliviar os efeitos paralisantes de abordagens glândula e mesmo, durante a embriogênese, muito antes de
excessivamente reducionistas sobre a compreensão do a glândula estar formada.3
funcionamento de tecidos e órgãos. A falta da PTHrP na fase gestacional impede a formação
As incríveis bactérias desenvolveram e testaram grupos adequada de alvéolos.
de genes que atuam ordenadamente de modo a criar e regular A distensão da parede alveolar pelo líquido que preenche
processos específicos, para cumprir determinadas os pulmões durante a vida intra-uterina induz o pneumócito
finalidades, e se deram muito bem. Na verdade, elas tiveram tipo II a produzir PTHrP.4,5 Esta proteína, por sua vez, afeta
tanto sucesso que estes processos sobreviveram bilhões a composição do interstício alveolar, de vários modos
de anos e estão incorporados às nossas células e às células diferentes1: inibe a proliferação de fibroblastos, induz à
de todos os tipos de seres vivos que nos precederam. diferenciação de fibroblastos no fenótipo lipofibroblasto
A árvore brônquica está completamente formada ao final (células que tem inclusões de lípides neutros que serão
da décima sexta semana de gestação e, ao nascimento, o fornecidos ao pneumócito tipo II para a síntese de
sistema condutor de ar é praticamente o mesmo do adulto, surfactante) e estimula a apoptose de fibroblastos,
só que em miniatura. A formação dos alvéolos começa na colaborando para reduzir a espessura da membrana de
20a semana de gestação e só vai se completar depois do trocas gasosas. Por sua vez, os lipofibroblastos produzem
nascimento. A estruturação das vias aéreas de condução e leptina e outras citocinas que vão colaborar para a

56 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


diferenciação de pneumócitos tipo II.1 Se a definição de Insuficiência Respiratória depende da
Na falta de PTHrP, o número de fibroblastos no interstício presença de diminuição do oxigênio no sangue arterial, com
é maior, seu fenótipo predominante é o de miofibroblastos ou sem concomitante aumento na concentração de gás
e não há estímulo para a diferenciação de pneumócitos carbônico, sempre que este termo for aplicado a uma
tipo II. situação de doença espera-se que as alterações de gases
O interessante disto tudo é o fato de que a PTHrP é sanguíneos estejam presentes.
produzida durante toda vida e deve ter um papel importante No entanto, a ausência de alterações de gases
na regeneração normal da membrana alvéolo-capilar após sanguíneos em uma avaliação de um paciente com queixas
agressões, além do fato de que ela continua sensível à respiratórias crônicas não afasta a presença de insuficiência
distensão provocada pela expansão periódica do pulmão, respiratória. Há que se ter em mente que a hipoxemia pode
e também é sensível a estímulos gravitacionais, pois já se se manifestar em diferentes circunstâncias da vida do
demonstrou em animais de experimentação que a paciente e estas situações tem que ser consideradas. A
alveolização está prejudicada em situações de hipoxemia pode ser contínua ou intermitente e a hipoxemia
microgravidade, ponto no qual se retorna à bexiga natatória intermitente pode se manifestar durante atividade física e/
dos peixes.5 ou durante o sono.
As implicações destes mecanismos moleculares para a Estas peculiaridades do comportamento dos gases
fisiopatogenia da fibrose pulmonar e do enfisema parecem sanguíneos devem ser levadas em conta nos pacientes
óbvias, e representam uma luz de esperança para a portadores de doenças crônicas do sistema respiratório, e
compreensão destas duas doenças que nos tem também é fundamental que se considere o padrão de
sistematicamente derrotado. evolução da doença crônica para se tentar prognosticar a
A árvore brônquica e os alvéolos têm, portanto, vias partir de que momento da evolução da doença a
distintas de organização que devem ser consideradas ao insuficiência respiratória aparecerá.
se tentar entender as doenças que os afetam. Consideradas estas premissas, propõem-se, a seguir,
Seres vivos que respiram ar podem fazê-lo de modo uma classificação das doenças que podem levar à
contínuo, como as aves, ou de modo intermitente, como, Insuficiência Respiratória Crônica em três grandes grupos.
por exemplo, os mamíferos. Nos seres de respiração Ressalte-se que os termos IResC obstrutiva e IResC
intermitente, os pulmões contem um volume basal de ar, a restritiva são aqui empregados para designar a principal
Capacidade Residual Funcional (CRF) (Volume Expiratório alteração de propriedades físicas do aparelho respiratório
de Reserva + Volume Residual) ao qual periodicamente se envolvida na fisiopatogenia do processo de insuficiência
adiciona o Volume Corrente, durante a inspiração, para respiratória, e não necessária e obrigatoriamente a
quase imediatamente (0,5 a 1,5 s depois) eliminá-lo durante anormalidade espirométrica associada.
a expiração. O contato deste ar novo com a CRF é Neste contexto, o elemento estranho se encontra na
fundamental para que as trocas gasosas ocorram de modo colocação do enfisema como uma anormalidade que
normal, já que a perfusão pulmonar continuamente retira restringe a renovação do ar alveolar por mecanismos outros
oxigênio da CRF e adiciona gás carbônico a ela. Com o que não apenas a obstrução ao fluxo aéreo. Até acontece
aumento acentuado da área de secção transversal dos no enfisema a situação de as pequenas vias aéreas
espaços aéreos distais, não existe possibilidade física de apresentarem uma tendência maior ao colapso (portanto,
que este ar que chega se desloque nesta região por obstrução real ao fluxo aéreo) pela perda de ligações com
convecção (diferença de pressão). Oxigênio e gás carbônico os alvéolos destruídos pela doença. No entanto, este não
se deslocam nestes espaços aéreos distais por difusão é o principal mecanismo que prejudica a renovação do ar
química, e não se está aqui fazendo referência à difusão de alveolar. São mais importantes no enfisema a perda do
gases na membrana alvéolo capilar, mas nos espaços aéreos recolhimento elástico do parênquima pulmonar e o
antes dela, no caso do oxigênio, ou depois dela, no caso rebaixamento do diafragma produzido pelo grande aumento
do gás carbônico.6,8 de volume de um pulmão anormalmente complacente.
As possibilidades de mau funcionamento neste processo
são muitas: o volume corrente pode ser pequeno, pode 1. Insuficiência Respiratória Crônica Obstrutiva
demorar a chegar ou demorar a sair dos espaços aéreos Deste grupo fazem parte todas as doenças que acometem
distais por problemas nos “tubos” de condução do ar; os vias aéreas, em especial as de pequeno calibre (menores
“balões” onde está contida a CRF podem ter paredes muito que 2mm de diâmetro): bronquite crônica tabágica
espessas ou muito frouxas, de modo a fazer variar o volume obstrutiva, bronquiolites e bronquectasias. Aqui o defeito
da CRF e prejudicar a entrada ou a saída do ar do volume consiste em uma redução da luz das vias aéreas que
corrente. Ou ainda, a perfusão pulmonar é pequena, ou mal prejudica a passagem do ar.
distribuída.
Um ou vários destes mecanismos podem explicar 2. Insuficiência Respiratória Crônica Restritiva.
situações de insuficiência respiratória crônica. Neste grupo, alguma alteração de propriedades

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 57


mecânicas da caixa torácica ou do pulmão ou então algum
problema neurológico ou muscular restringe a renovação
do ar alveolar. Esta categoria comporta alguns subgrupos,
definidos pelo motivo principal da restrição:
• Alterações da complacência pulmonar:
• Diminuição da complacência: fibroses pulmonares
• Aumento da complacência: enfisema pulmonar
• Por hipoventilação global:
• Doenças neuro-musculares
• Hipoventilação alveolar do obeso
• Síndrome da Apnéia-hipopnéia obstrutiva do sono
• Deformidades da caixa torácica

3. Insuficiência Respiratória Crônica de Causa


Vascular: deste grupo fazem parte as insuficiências
respiratórias causadas por comprometimento da
vasculatura pulmonar:
• Doenças da artéria e/ou veias pulmonares
Propõe-se esta classificação apenas com o objetivo de
facilitar o raciocínio do clínico frente a um paciente portador
de IResC e é claro que, em alguns casos, os doentes podem
apresentar várias alterações simultaneamente, situação que
os coloca em dois ou em todos os grupos propostos. No
entanto, para organização do pensamento, este esquema
pode ser útil.

Referências
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from lung development to homeostasis and repair. Am J
Physiol Lung Cell Mol Physiol, 2007. 292(3): p. L608-11.
2. Martin, T.J., J.M. Moseley, and M.T. Gillespie, Parathyroid
hormone-related protein: biochemistry and molecular
biology. Crit Rev Biochem Mol Biol, 1991. 26(3-4): p. 377-
95.
3. Sanders, E.J. and S. Harvey, Peptide hormones as
developmental growth and differentiation factors.
Developmental Dynamics, 2008. 237(6): p. 1537-1552.
4. Torday, J.S., J. Sanchez-Esteban, and L.P. Rubin, Paracrine
mediators of mechanotransduction in lung development. Am
J Med Sci, 1998. 316(3): p. 205-8.
5. Torday, J.S. and V.K. Rehan, Mechanotransduction
determines the structure and function of lung and bone: a
theoretical model for the pathophysiology of chronic disease.
Cell Biochem Biophys, 2003. 37(3): p. 235-46.
6. Schwardt, J.D., et al., Sensitivity of CO2 washout to changes
in acinar structure in a single-path model of lung airways.
Ann Biomed Eng, 1991. 19(6): p. 679-97.
7. Schreiner, M.S., et al., Microemboli reduce phase III slopes
of CO2 and invert phase III slopes of infused SF6. Respir
Physiol, 1993. 91(2-3): p. 137-54.
8. Schwardt, J.D., et al., Noninvasive recovery of acinar
anatomic information from CO2 expirograms. Ann Biomed
Eng, 1994. 22(3): p. 293-306.

Ilma Aparecida Paschoal


ilma@mpc.com.br

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www.yearofthelung.org

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RELATO DE CASO

Insuficiência respiratória crônica pós-


transplante de Medula Óssea
AUTORES: Paulo Roberto Tonidandel1; Maurício Sousa de Toledo Leme1; Maira Eliza Petrucci Zanovello1;
Ilma Aparecida Paschoal 2; Mônica Corso Pereira 3

SERVIÇO: Faculdade de Ciências Médicas – Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

1
Residentes em Pneumologia - Disciplina de Pneumologia
2
Professora Associada - Disciplina de Pneumologia
3
Médica Assistente - Disciplina de Pneumologia

Paciente do sexo feminino, 37 anos, costureira, procedente cada 60 dias. Tem apresentado alguns (<3/ano) episódios
de Sumaré-SP, é encaminhada ao serviço de Pneumologia de exacerbação infecciosas.
HC-UNICAMP por queixa de dispneia progressiva. Em novembro de 2009 a paciente estava bem, com SpO2
Em 1997, após o diagnóstico de leucemia mielóide crônica 92% e melhora parcial da dispneia e quase completa da tosse.
(LMC) fase crônica, foi submetida a um transplante de célula Apresentou então três episódios de pneumotórax
tronco hematopoiético alogênico aparentado (irmã) espontâneo no pulmão direito, sendo que, exceto o primeiro,
(TCTHA). Foi realizado o condicionamento da medula óssea os demais foram drenados.
(MO) com bussulfan e ciclofosfamida, e profilaxia para Atualmente, mantem dispneia aos mínimos esforços
doença do enxerto contra hospedeiro (DECH) com (MRC: 3) com SpO2 em ar ambiente de 94%. Apresenta, no
metotrexate e ciclofosfamida. entanto, dessaturação aos esforços (ver teste de caminhada
Evoluiu com DECH agudo em intestino grosso, fígado, de 6 minutos, abaixo)
boca e olhos. Exames complementares: (Figura 1)
A primeira avaliação no ambulatório de Pneumologia foi - Gasometria em ar ambiente (março/2009):
no final de 1998 por quadro de sinusite crônica (TC de seios pH: 7,44 PaO2:56 PaCO2: 42,5 HCO3: 28,5 SO2: 89,3%
da face) e para avaliação de possível acometimento pulmonar - Ecocardiograma: (março/2009): Fração de ejeção de
pela DECH. Havia iniciado um ano após o transplante quadro Ventrículo esquerdo: 66%; insuficiência mitral leve. Refluxo
de tosse seca diária, que posteriormente evoluiu com a mitral leve sem sinais HAP.
produção de expectoração amarelada, além de hemoptóicos - Teste de caminhada de 6 minutos (junho/2010):
eventuais. Associada ao quadro relatava dispneia
progressiva, no início aos moderados esforços, e na ocasião SpO2 inicial (%) 94
de consulta em 2000 já em repouso (MRC =4). SpO2 final (%) 87
Em 2000 estava em uso de prednisona 5 mg/dia, formoterol Freqüência cardíaca inicial (bpm) 106
12mcg + budesonida 400mcg inalatórios a cada 12 horas. Freqüência cardíaca final (bpm) 122
Negava tabagismo. História ocupacional e ambiental sem Borg Inicial e final (0-10) 0e8
dados relevantes. Ausculta pulmonar com estertores Distância caminhada (m) 451
subcrepitantes basais e SpO2 de 92% em ar ambiente.
A despeito do tratamento para DECH evoluiu com piora
clínica bem como funcional (Figura 1) chegando a apresentar DISCUSSÃO
em 2007 SpO2 de 89%. O transplante de medula óssea (TMO) é um procedimento
Nesta época, foi aumentada a dose de budesonida realizado desde primórdios de 1960 no tratamento de doenças
inalatória, chegando a 1200mcg/d. Apesar de melhora hematológicas, neoplásicas, auto-imunes e genéticas e,
discreta, ainda se mantinha sintomática (tosse e dispneia ao frequentemente, prolonga a sobrevida do receptor. Apesar
esforço), e optou-se pela introdução de azitromicina 500mg do sucesso para tratar a condição de base a que se propõe,
em dias alternados e brometo de tiotrópio 18mcg 1x/dia. o transplante alogênico de células tronco associa-se a
Desde então, tem comparecido em nosso serviço em média a complicações múltiplas e potencialmente fatais para seus

60 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Figura 1 - Evolução espirométrica
23/01/08 05/12/08 23/09/09 05/03/10
Sem BD Sem BD Sem BD Pré-BD Pós-BD
VEF1* 620 (21%) 570 (18%) 550 (19%) 660 (23%) 650 (22%)
CVF * 1.560(45%) 1400 (38%) 1260 (37%) 1400(41) 1210 (35%)
VEF1/CVF 40 41 44 47 54
FEF25-75% 290 270 (8%) 270 (8%) 360 (11%) 390 (12%)
* Valor absoluto em mL (% previsto)
BD: broncodilatador

receptores. Os pacientes receptores de TMO se submetem à


importante imunossupressão para que o transplante não seja
rejeitado pelo sistema imunológico do hospedeiro. A
imunossupressão é induzida por quimioterapia e/ou
radioterapia e, apesar de ser necessária para viabilizar o
transplante de medula, desencadeia uma série de efeitos
secundários infecciosos e não-infecciosos. Além disso, as
células do doador podem não reconhecer tecidos do receptor
como próprios (self) e dar origem a manifestações da DECH.
Historicamente, a DECH tem sido dividida em forma aguda
(DECHa) e forma crônica (DECHc). A primeira é a que ocorre
nos primeiros 100 dias após o transplante e a última, após
esse período. A forma aguda ocorre principalmente na pele,
fígado e intestino. A incidência da crônica é de 30% para os
transplantes autólogos (quando na verdade seria uma Fig. 2 - (Março / 1999)
manifestação de auto-imunidade) e 60 a 70% para os
alogênicos; pode causar importante susceptibilidade a
infecções (colonização bacteriana crônica), alterações em
pele e mucosas, e, no sistema respiratório, bronquiolite
obliterante. 1
Complicações pulmonares são comuns e ocorrem em mais
de 60% dos pacientes transplantados. Em relação à
mortalidade, podem ser responsáveis por 30% de todas as
mortes. (2) O prejuízo da função pulmonar é uma das
complicações freqüentes após tal procedimento.
Tais complicações são divididas basicamente em
infecciosas e não infecciosas. Com o avanço da profilaxia e
terapêutica antimicrobianas, houve redução na freqüência Fig. 3 - (Março / 1999)
das complicações pulmonares de causa infecciosa, ao passo
que as de etiologia não infecciosa vêm causando aumento
de morbidade e mortalidade. Várias complicações não
infecciosas são reconhecidas: edema pulmonar, hemorragia
alveolar difusa (DECHa), bronquiolite obliterante (DECHc).2,3
A bronquiolite obliterante (BO) é a complicação não
infecciosa mais comum pós-transplante de MO, e se
caracteriza funcionalmente pela progressiva obstrução ao
fluxo aéreo pulmonar. Foi descrita pela primeira vez por
Beschorner e col. (4) em 1978, que, analisando autópsias de
pacientes pós TMO encontraram bronquite linfocítica em
10% deles.
A fisiopatologia da BO não é bem estabelecida, e teorias
sugerem que a injúria pulmonar tenha relação com o regime
de condicionamento. Tal regime tem como objetivo erradicar
a doença motivadora do procedimento, e nos transplantes Fig. 4 - (Março / 2008)

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 61


exista forte associação entre GVHD crônico e BO.14 Outro fator
que reforça a existência de tal associação é que eventualmente
consegue-se a estabilização do processo inflamatório em
pacientes transplantados de MO com a utilização de
corticosteróides e intensificação da terapia imunossupressora.
Em suma, embora os exatos mecanismos que levam ao
surgimento da BO em pacientes transplantados não sejam
completamente conhecidos, é possível que um conjunto de
fatores (quimioterapia, infecções e a reação imune alogênica)
atue de maneira combinada levando à lesão pulmonar. O fato
é que a BO como conseqüência pós-transplante de MO é uma
Fig. 5 - (Março / 2008) situação de caráter progressivo, e que muitas vezes leva à
doença pulmonar obstrutiva irreversível.
A bronquiolite resulta em obliteração de bronquíolos pela
destruição da parede das pequenas vias aéreas. Vários
estudos12,13,14 sugerem que a alteração estrutural que envolve
as pequenas vias aéreas (calibre menor que 2mm) seja o evento
patológico inicial que precede o aparecimento das dilatações
dos brônquios centrais e bronquiectasias. Quanto mais
inflamação e mais lesão epitelial, maior o prejuízo do
sofisticado processo de depuração mecânica e limpeza das
vias aéreas.
Doenças que acometem as pequenas vias aéreas
frequentemente evoluem para insuficiência respiratória
crônica, persistente ou intermitente, definida pela presença
de redução na pressão parcial de oxigênio e aumento da
pressão parcial de gás carbônico no sangue arterial.
A evolução funcional de um paciente portador de doença
Fig. 6 - (Setembro / 2009)
de vias aéreas, ainda que considerando etiologias variadas,
como discinesia ciliar, fibrose cística ou bronquiolite associada
alogênicos induzir imunossupressão para permitir o implante às doenças auto-imunes, se caracteriza pela presença de
das células do doador. Foram evidenciados altos índices de obstrução brônquica progressiva, em geral com pouca
BO quando o regime de condicionamento era realizado com reversibilidade, somada muitas vezes à restrição. Os pacientes
altas doses de Bussulfan.5,6 com bronquiolite pós GVHD, na qual o padrão
Outro mecanismo proposto é o desenvolvimento de BO histopatológico é a bronquiolite constrictiva, muitas vezes
secundária a processos infecciosos. Esse mecanismo é apresentam um componente restritivo associado.
explicado pela observação de associação de baixos níveis de O comprometimento funcional neste pacientes resulta do
imunoglobulinas séricas e bronquiolite obliterante.7,8,9 Isso envolvimento das pequenas vias aéreas, e não propriamente
levaria a um mecanismo de defesa local deficitário pulmonar da presença de bronquectasias. Na verdade, as
predispondo a processos infecciosos e BO. A observação do bronquectasias, definidas pela dilatação irreversível das
desenvolvimento de BO em pacientes transplantados que paredes brônquicas centrais, são a fase final de um processo
apresentaram infecção viral precoce corrobora esta hipótese.10 que começa em vias aéreas de pequeno calibre.
Além disso, já foi descrito comprometimento do transporte Um aspecto de relevância clínica é a possibilidade de
mucociliar em alguns casos após GVHD crônico, o que analisar acuradamente a função pulmonar do candidato à
predisporia a infecções pulmonares recorrentes e BO.11 TMO, pois este é um fator que ajuda a predizer risco
Outro possível fator predisponente é a presença de aumentado para complicações pulmonares pós-procedimento.
aspiração recorrente devido à esofagite associada com GVHD Bipin e cols analisaram 69 pacientes submetidos à TMO, e
crônico. Microaspirações promovem inflamação crônica das concluiram que, dos 19 que apresentavam DLCO < 80% do
vias aéreas, podendo predispor a infecções e previsto e VEF1 < 80% do previsto antes do procedimento, 17
consequentemente BO.12,13 desenvolveram cGVHD em comparação aos 26 dos 50 que
No entanto, o mais importante mecanismo que contribui apresentavam tais parâmetros pré-TMO normais (p=0.0049).
para o surgimento da BO é provavelmente o processo imune Tal análise permite inferir que tais parâmetros tiveram impacto
alorreativo dos linfócitos T do doador contra as células significativo em prever complicações pulmonares pós-
epiteliais dos bronquíolos promovendo reação inflamatória transplante.15
local. Tal fato faz com que muitos pesquisadores sugiram que Não existem ensaios controlados acerca do tratamento da

62 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


BO. No geral, o manejo da doença é similar a da GVHD crônica complications of solid organ and hematopoietic stem cell
e consiste em altas doses de corticosteróides sistêmicos e transplantation. Am J Respir Crit Care Med 2004;170: 22-48.
3. Sirithanakul K, Salloum A, Klein JL, Soubani AO. Pulmonary
intensificação da terapia imunossupressora. Sugere-se
complications following hematopoietic stem cell
prednisona na dose de 1-1,5 mg/kg/dia (máximo 100 mg/dia) transplantation: diagnostic approaches. Am J Hematol 2005;80:
por duas a seis semanas. Pulsos de corticosteróides também 137-46.
são relatados. Caso haja estabilização clínica, a dose é 4. Beschorner WE, Saral R, Hutchins GM, Tutschka PJ, Santos
diminuída a cada duas semanas por 6 a 12 meses. Tal regime é GW. Lymphocytic bronchitis associated with graft-versus-host
baseado na opinião de especialistas. Ciclosporina e tacrolimus disease in recipients of bone-marrow transplants. N Engl J
Med 1978; 299: 1030–6.
podem ser usados, bem como a azatioprina. Não existem dados 5. Ringden O, Remberger M, Ruutu T, et al. Increased risk of
definitivos com relação à efetividade desta terapia. chronic graft-versus-host disease, obstructive bronchiolitis, and
Macrolídeos têm seu papel crescente na estabilização alopecia with busulfan versus total body irradiation: long-term
inflamatória tecidual que leva à BO devido a suas propriedades results of a randomized trial in allogeneic marrow recipients
imunomoduladoras. Possuem propriedades antiinflamatórias, with leukemia. Nordic Bone Marrow Transplantation Group.
Blood 1999; 93: 2196–201.
pois reduzem a produção de citocinas no sítio inflamatório, a
6. Marras TK, Chan CK, Lipton JH, Messner HA, Szalai JP,
movimentação leucocitária pela diminuição da adesão e Laupacis A. Long-term pulmonary function abnormalities and
migração aos tecidos-alvo e aumentam a depuração mucociliar survival after allogeneic marrow transplantation. Bone Marrow
no epitélio respiratório. Devido a essas características, o uso Transplant 2004; 33: 509–17.
prolongado de baixas doses é considerado para o tratamento 7. Chan CK, Hyland RH, Hutcheon MA, et al. Small airways
de doenças inflamatórias crônicas das vias aéreas, como disease in recipients of allogeneic bone marrow transplants.
bronquiolite difusa e fibrose cística. O papel dos An analysis of 11 cases and a review of the literature. Medicine
(Baltimore) 1987; 66: 327–40.
corticosteróides inalatórios necessita de resultados mais 8. Holland HK, Wingard JR, Beschorner WE, Saral R, Santos
conclusivos; há alguns relatos de que a adição destas GW. Bronchiolitis obliterans in bone marrow transplantation
medicações ao regime imunossupressor padrão não resultou and its relationship to chronic graft-host disease and low serum
em alteração clinicamente significativa.18 IgG. Blood 1988; 72: 621–7.
Terapia agressiva resulta em melhora da função pulmonar 9. Galanis E, Litzow MR, Tefferi A, Scott JP. Spontaneous
pneumomediastinum in a patient with bronchiolitis obliterans
somente em 8-20% pacientes. A taxa de mortalidade varia de
after bone marrow transplantation. Bone Marrow Transplant
14-100% com mediana de 65%.17 1997; 20: 695–6.
Pela evolução radiológica (figuras 2 a 6) pode-se notar 10. Chien JW, Martin PJ, Gooley TA, et al. Airflow obstruction
progressivo aparecimento de dilatações brônquicas after myeloablative allogeneic hematopoietic stem cell
associadas a sinais diretos (árvore em brotamento - tree in transplantation. Am J Respir Crit Care Med 2003; 168: 208–14.
bud) e indiretos (atenuação em mosaico) de acometimento de 11. Au WY, Ho JC, Lie AK, et al. Respiratory ciliary function in
bone marrow recipients. Bone Marrow Transplant 2001; 27:
pequenas vias aéreas. Este fato sugere que as lesões de
1147–51.
pequenas vias aéreas precedam o surgimento de dilatações 12. Hadjiliadis D, Duane Davis R, Steele MP, et al.
brônquicas. Além disso, a simples presença de brônquios Gastroesophageal reflux disease in lung transplant recipients.
centrais dilatados não explicaria a presença de insuficiência Clin Transplant 2003; 17: 363–8.
respiratória crônica. 13. Benden C, Aurora P, Curry J, Whitmore P, Priestley L, Elliott
MJ. High prevalence of gastroesophageal reflux in children
after lung transplantation. Pediatr Pulmonol 2005; 40: 68–71.
CONCLUSÃO 14. Yousem AS. The histological spectrum PF pulmonary graft-
Descrevemos o caso de uma paciente submetida ao versus-host disease in boné marrow transplant recipients. Hum
transplante de medula óssea alogênico aparentado devido à Pathol 1995; 26: 668-75.
leucemia mielóide crônica que evoluiu com insuficiência 15. Savani et al. Chronic GVHD and pre-transplant Abnormalities
in Pulmonary Function are the Main Determinants Predicting
respiratória crônica secundária à bronquiolite, após três anos
Worsening Pulmonary Function in Long Term Survivors after
do transplante. Tal relato enfatiza a necessidade do Stem Cell Transplantation. Biol Blood Marrow Transplant
acompanhamento seriado destes pacientes e o 2006;12(12): 1261–9.
reconhecimento dos fatores determinantes da injúria pulmonar. 16. Cazzola M et al. Role of Macrolides as Immunomodular Agents.
Trata-se de um modelo natural de uma doença que envolve Clinical Pulmonary Medicine 2006; 13: 274-81.
17. Palmas A, Tefferi a, Mers JL et al. Late-onset noninfectious
primariamente as pequenas vias aéreas, e, muitas vezes, sem
pulmonary complications after allogeneic bone marrow
que ocorram muitas infecções pulmonares recorrentes, evolui transplantation. Br J Haematol 1998; 100: 680-7.
com o surgimento de bronquiectasias e o comprometimento 18. Soubani AO, Ubert JP. Bronchiolitis obliterans following
grave da função pulmonar. haematopoietic stem cell transplantation. Eur Respir J 2007;
29: 1007-19.
REFERÊNCIAS Mauricio Sousa de Toledo Leme
1. Antin JH.Clinical practice. Long-term care after hematopoietic-
cell transplantation in adults. NEJM 2002;347(1):36-42. maualeme@hotmail.com
2. Kotloff RM, Ahya VN, Crawford SW. Pulmonary

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 63


64 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010
RELATO DE CASO

Histiocitose de Células de Langerhans


AUTORES: Larissa Kumamoto Camelo1, Mateus Guimarães Fahel1, Carmem Lúcia Fujita2, Ronaldo Adib Kairalla3

SERVIÇO: Instituto do Coração, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

1
Médicos residentes de Radiologia Torácica
2
Médica assistente. Serviço de Radiologia. Radiologista torácica do Hospital Sírio Libanês
3
Professor assistente-doutor da Disciplina de Pneumologia

Paciente do sexo masculino, 32 anos de idade, foi e área focal de fibrose nodular. O estudo imuno-histoquímico
encaminhado ao ambulatório em março de 2008 por quadro foi negativo para CD1A.
de dispnéia aos esforços, com caráter lentamente progressivo A despeito do resultado da biópsia, o conjunto dos
há dois anos, e que no momento da consulta apresentava achados clínicos, radiológicos e de provas funcionais
grande limitação para atividades diárias, com pouca tosse, tornaram possível o diagnóstico de Histiocitose de Células
sem expectoração ou febre. de Langerhans. Atualmente o paciente está em lista de espera
Referia tabagismo pregresso, interrompido havia um ano, para realização de transplante pulmonar.
em virtude da piora do quadro de dispnéia, com carga
tabágica de 15 anos.maço. Fazia uso de O2 domiciliar (2L/ DISCUSSÃO
min). Negava qualquer patologia sistêmica pregressa e A Histiocitose Pulmonar de Células de Langerhans faz
trabalhava como segurança/zelador, porém não exercia parte de um espectro de doenças caracterizado pela
qualquer atividade havia cerca de 1 ano em virtude de proliferação monoclonal e infiltração de órgãos por células
dispnéia. Negava qualquer exposição ambiental. de Langerhans. As células de Langerhans são um subgrupo
Ao exame físico apresentava bom estado geral, raros de células dendríticas, responsáveis pela detecção e
estertores pulmonares crepitantes esparsos, freqüência fagocitose de organismos patogênicos e posterior
respiratória de 22 incursões por minuto e freqüência cardíaca apresentação de antígenos em sua superfície, capazes de
de 70 batimentos por minuto, saturando 85% em ar ambiente estimular as respostas imunes das células B e T.1
e 92% com uso de O2 (2L/min). Vários órgãos podem ser envolvidos na Histiocitose de
À prova de função pulmonar, apresentava distúrbio Células de Langerhans (HCL) – pulmões, osso, pele, hipófise,
restritivo grave e redução acentuada da difusão de monóxido fígado, linfonodos e tireóide.
de carbono, além de hipoxemia. O termo “Histiocitose Pulmonar de Células de
O ecocardiograma evidenciava hipertensão pulmonar, Langerhans” (HPCL) é usado para se referir à doença
disfunção sistólica moderada do ventrículo direito e pulmonar que pode ocorrer tanto isoladamente como parte
insuficiência tricúspide de grau discreto. de um envolvimento multissistêmico.2
Na tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR) A HPCL afeta adultos jovens entre 20 e 40 anos, com
identificavam-se múltiplos cistos de formato irregular distribuição variável entre os sexos.1
disseminados por ambos os pulmões, com distribuição Não são conhecidos fatores genéticos, ocupacionais ou
predominantemente nos campos médios e superiores, geográficos que levem a uma maior predisposição para o
poupando relativamente os seios costofrênico e desenvolvimento da doença. A única associação
cardiofrênico, achados compatíveis com Histiocitose de epidemiológica consistente é com o tabagismo (prevalência
Células de Langerhans (Figura 1). Havia ainda discreto que varia de 80% a 100% em vários estudos).2
espessamento das paredes brônquicas e enfisema As queixas mais frequentes incluem tosse não produtiva
parasseptal disperso por ambos os pulmões, bem como e dispnéia. Menos comumente, também pode haver queixa
alguns diminutos nódulos pulmonares não calcificados com de fadiga, perda de peso, dor torácica e febre.1
até 0,4cm esparsos bilateralmente. As provas de função pulmonar podem demonstrar um
Foi submetido à biópsia pulmonar transbrônquica que padrão obstrutivo, restritivo ou misto. A redução da
mostrou áreas de colapso alveolar com discreta fibrose de capacidade de difusão do monóxido de carbono está presente
septos alveolares, presença de macrófagos intra-alveolares em até 90% dos pacientes.1, 2, 4

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 65


A B

C D
Fig.1. Cortes tomográficos evidenciam múltiplos cistos de formato irregular disseminados por ambos os pulmões.
A reformatação no plano coronal mostra predomínio superior e médio poupando relativamente os seios
costofrênicos.

Os achados radiológicos dependem da fase da evolução radiografia simples na demonstração dos achados da HPCL.
da doença no momento do diagnóstico. Nas fases precoces Os achados mais comuns são a presença de nódulos e cistos,
são observados nódulos pulmonares mal definidos que ocorrem predominantemente nos campos médio e
disseminados, com predomínio nos campos superiores e superior, poupando relativamente as bases. As margens dos
médios. Acredita-se que os nódulos sofram degeneração nódulos são caracteristicamente irregulares. A TCAR muitas
cística com a progressão da doença. 5 Alguns autores vezes mostra uma distribuição centrolobular, peribrônquica
acreditam que a história natural da HPCL é a progressão dos ou peribronquiolar dos nódulos que podem se correlacionar
nódulos para nódulos escavados, destes para cistos de com a localização bronquiolocêntrica da lesão. A maioria dos
paredes espessas e finalmente para cistos de paredes finas.1,4 nódulos são vistos em associação com cistos, mas em raras
Assim, nas fases iniciais o achado mais comum são os ocasiões eles são achados isolados. Podem ter atenuação
nódulos, enquanto que nas fases posteriores, o padrão homogênea de tecidos moles ou apresentar baixa atenuação
cístico e fibrose predominam.2 central.1 O achado tomográfico mais freqüente são os cistos
A radiografia simples do tórax demonstra, nas fases iniciais pulmonares, que geralmente são menores que 10 mm de
da doença, pequenos nódulos de 1 a 10mm de diâmetro com diâmetro. Os cistos podem apresentar formato redondo ou
distribuição bilateral e simétrica, com predomínio nos campos oval mas também configurações bizarras (bilobados, em
superiores e médios. Com a progressão da doença, formato de trevo ou ramificados). As suas paredes podem
opacidades reticulonodulares podem ser observadas e ser finas ou espessas e nodulares. 1 Tais achados
posteriormente há predomínio de imagens císticas.1 predominam nos campos superiores e médios poupando
A tomografia computadorizada (e especialmente a relativamente as bases.
tomografia de alta resolução dos pulmões) é superior à A evolução da doença é variável: até 50% dos casos

66 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


apresentarão estabilidade clínica e radiológica enquanto até
25% dos casos apresentarão regressão espontânea. Os
restantes 25% podem apresentar substituição progressiva
do parênquima por lesões císticas resultando em doença
pulmonar terminal.3 A mortalidade da HPCL decorre de
hipertensão pulmonar e falência respiratória.1
O transplante pulmonar deve ser considerado para
pacientes com doença avançada associada à insuficiência
respiratória grave e com limitada expectativa de vida. Não há
indicadores claros que permitam a identificação de pacientes
com pior prognóstico, permitindo o seu encaminhamento
precoce para transplante. A avaliação para o transplante deve
ser considerada se houver evidências de rápido declínio da
função pulmonar ou se o paciente está gravemente limitado
por sintomas que não respondem à cessação do tabagismo
ou terapia imunossupressora.2

REFERÊNCIAS
1. Abbott,GF; Rosado-de-Christenson,ML; Franks,TJ;
Frazier,AA; Galvin,JR. Pulmonary Langerhans Cell
Histiocytosis. Radiographics 2004; 24:821-841
2. Vassallo, R; Ryu,JH; Colby,TV; Hartman,T; Limper,AH.
Pulmonary Langerhans’- Cell Histiocytosis. N Engl J Med
2000; 342:1969-1978
3. Vassallo,R; Ryu,JH; Schroeder,DR; Decker,PA; Limper,AH.
Clinical outcomes of Pulmonary Langerhans´-cell histiocytosis
in adults. N Engl J Med 2002; 346:484-490
4. Leatherwood,DL; Heitkamp,DE; Emerson,RE. Best cases
from the AFIP. Pulmonary Langerhans Cell Histiocytosis.
Radiographics 2007; 27: 265-268
5. Sundar,KM; Gosselin,MV; Chung,HL; Cahill,BC. Pulmonary
Langerhans Cell Histiocytosis: emerging concepts in
pathobiology, radiology and clinical evolution of disease.
Chest 2003; 123:1673-1683

Ronaldo Adib Kairalla


kairalla@uol.com.br

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68 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010
EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA

Análise de sobrevida
AUTORA: Valdelis Novis Okamoto1

SERVIÇO: Hospital AC Camargo – Unidade de Terapia Intensiva

1
Doutora em Ciências (Área de concentração: Pneumologia) pela Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo

O tempo até um determinado evento pode ser um desfecho censura) relaciona-se ao evento de interesse (morte).
de interesse em pesquisa clínica. O evento de interesse pode As curvas de sobrevida correlacionam porcentagem de
ser a morte, a recidiva de um tumor, o aparecimento de sobreviventes ao tempo. Na Figura 1, uma curva de
metástases, a interrupção da lactação, a falha de uma peça sobrevida simples, adaptada do livro Intuitive Biostatistics,
de uma máquina, entre outras. Em estudos que avaliam de Harvey Motulsky (excelente livro!). Nesta curva, 15
populações por períodos longos de tempo, um problema pacientes foram acompanhados por 36 meses. Dos 15
freqüente é a perda do seguimento de parte dos pacientes pacientes, nove morreram. Cada morte é representada por
acompanhados. Desconhecer se o desfecho de interesse um degrau na curva. Dois pacientes morreram aos 19 meses
ocorreu, ou não, nos pacientes que deixaram de ser seguidos de acompanhamento, onde observamos um degrau com o
torna impossível a análise dos dados do estudo pelos dobro do tamanho. Podemos observar, também, que, ao final
métodos tradicionais. Nesse contexto, a análise do tempo do estudo, 40% dos pacientes estavam vivos (foram
até o evento pode contornar essa limitação. Por estes censurados). O tempo zero da curva corresponde ao dia de
motivos, a análise de sobrevida é bastante popular nos inclusão do paciente no estudo. Este é um ponto importante,
estudos clínicos, embora ela seja mais capciosa do que já que o tempo zero pode ser diferente em anos de um paciente
aparenta. para outro. No tempo zero, todos os pacientes estão vivos
A análise de sobrevida é usada para avaliar dados em que (Y= 15 / 15 pacientes= 100%). Quando acontece a primeira
o tempo até um evento seja o desfecho de interesse. A morte, Y= 14 / 15 = 93,3% dos pacientes estão vivos. Quando
resposta é conhecida como tempo de sobrevida, tempo de acontece a segunda morte, Y= 13 / 15= 86,7%, e assim por
falha ou tempo até o evento. Trata-se de uma variável diante, até 40%. Se uma coorte é suficientemente longa, todos
contínua, geralmente de distribuição não normal. Em alguns os pacientes morrem.
sujeitos da amostra, seu valor exato é conhecido – naqueles
em que o evento aconteceu, sabemos exatamente o tempo
até o evento. Nos sujeitos em que o evento não aconteceu,
sabemos que ele não aconteceu pelo menos até o último
contato. Em outras palavras, sabemos que seu tempo de
sobrevida foi, pelo menos, igual a t. Quando há perda de
seguimento depois de t, dizemos que a observação desse
sujeito foi censurada em t. Isso significa dizer que não
sabemos o que aconteceu ao sujeito após t, mas ele
sobreviveu pelo menos até t. Existem três razões para ocorrer
a censura: (1) o estudo acaba antes de o sujeito apresentar o
evento; (2) o sujeito abandona o estudo; (3) ocorre perda o
seguimento do sujeito. Qualquer que seja o motivo da
censura, é necessário que ela não esteja relacionada à
iminência do evento, pois isto invalida a análise. Por exemplo, Fig. 1 - Curva de sobrevida sem dados censurados
em um estudo a respeito de sobrevida em câncer de pulmão,
um indivíduo pode perder o seguimento no estudo por estar Existem dois tipos de curvas de sobrevida: o método
moribundo em casa, pelo câncer de pulmão. Utilizar o tempo atuarial e o método de Kaplan-Meier. No método atuarial, o
de sobrevida desse paciente na análise é errado porque o eixo X é dividido em intervalos regulares e a sobrevida é
motivo que o levou a perder o seguimento (e, portanto, à calculada para cada intervalo. No método de Kaplan-Meier,

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 69


a sobrevida é calculada a cada evento. No exemplo acima, a tempos mais distantes da curva, são poucos os pacientes
probabilidade de sobrevida é 100% no tempo zero. Aos 9 ainda em seguimento, de modo que não se pode tirar
meses, ocorre a primeira morte, então a possibilidade de conclusões baseadas nesse aspecto.
sobrevida é 14/15 ( 93,3%). Agora, são quatorze, os Podemos derivar a mediana de sobrevida a partir da curva
sobreviventes. No mês 13, acontece a segunda morte. Entre de Kaplan – Meier. Para isso, basta olhar, no eixo X o tempo
os quatorze que sobreviveram até o mês 13, a probabilidade correspondente a 50% de sobreviventes. Na Figura 1, a
de sobrevida foi 13/14 (92,9%). Para a coorte como um todo, mediana de sobrevida é aproximadamente 24 meses. Caso o
a probabilidade de sobrevida no mês 13 foi a probabilidade ponto caia sobre uma linha horizontal, a mediana é,
de sobrevida no mês 9 multiplicada pela probabilidade de aproximadamente, a média entre os dois pontos extremos
sobrevida no mês 13: (14/ 15) * (13/14)= (93,3% * 92,9%) = dessa linha. Obviamente, não podemos calcular a mediana
86,7%. Agora são 13 sobreviventes. No mês 14, morre mais de sobrevida em uma curva em que mais de 50% dos sujeitos
um paciente. A probabilidade de sobrevida entre os 13 sobreviveram até o final do estudo.
sobreviventes é 12/13 (92,3%). Para a coorte como um todo, Além da independência entre motivo da censura e
a probabilidade de sobrevida no mês 14 é a probabilidade de sobrevida, existem outras premissas que devem ser
sobrevida no mês 9, multiplicada pela probabilidade de vida respeitadas para que a curva de sobrevida seja considerada
no mês 13, multiplicada pela probabilidade de sobrevida no válida: amostra randômica, ou pelo menos, representativa
mês 14: (14/15) * (13/14) * (12/13) = 80,0%. No mês 19, há da população, observações independentes, critérios de
duas mortes. Para os 12 sobreviventes até este momento, a inclusão e definição de desfecho consistentes. Supondo um
probabilidade de morte é 10/12 (83,3%). Para a coorte como estudo sobre câncer, em que o critério de inclusão é o
um todo, (14/15) * (13/14) * (12/13)*(10/12)= 66,7%, e assim, aparecimento de metástases à distância. Se, ao longo do
sucessivamente. Na curva de sobrevida representada pela estudo, for adotado método de detecção mais precoce das
Figura 1, não existem dados censurados. Quando há dados metástases, a sobrevida dos pacientes tenderá a aumentar,
censurados, deve haver redução, tanto do numerador, quanto sem que haja qualquer mudança no tratamento ou na história
do denominador no dia em que um paciente for censurado. natural da doença. Por outro lado, se a definição de desfecho
Na curva de Kaplan – Meier, as censuras aparecem como mudar ao longo do estudo (obviamente, o desfecho morte
pontos destacados (Figura 2). não deve mudar em breve, mas outros desfechos, como
rejeição de um transplante, podem ter diferentes definições),
a sobrevida também se alterará artificialmente.

REFERÊNCIAS
1. Intuitive Biostatistics. Harvey Motulsky. First edition, 1995.
Oxford University Press Inc. Disponível em http://
www.graphpad.com/www/book/survive.htm.
2. Practical Statistics for Medical Research. Douglas G. Altman.
First edition,1991. Chapman & Hall / CRC.
3. Using and Understanding Medical Statistics. D.E. Matthews
& V.T. Farewell. Third edition, 1996. Karger.
4. Primer of biostatistics. Stanton Glantz. Fourth edition, 1996.
Mc Graw Hill.
5. John McGready. Statistical Reasoning II Course Lectures.
Disponível em http://distance.jhsph.edu/more/statr1.cfm.

Fig. 2 - Curva de sobrevida com dados censurados


Valdelis Novis Okamoto
Embora seja possível construir um intervalo de confiança val.okamoto@hcancer.org.br
em torno de uma curva de Kaplan – Meier, na maior parte
das vezes, ele é omitido. Isso dificulta a interpretação do
grau de incerteza contido na estimativa que a curva
representa e atrapalha a comparação da sobrevida entre
grupos. Por isso, não se deve tirar conclusões apenas pelo
aspecto das curvas, é importante observar a significância
estatística dos achados. Outro erro comum na interpretação
das curvas de Kaplan – Meier é considerar os trechos
horizontais nos tempos mais distantes da curva como
evidência de uma fração de pacientes “curados” ou
especiais de alguma maneira. É importante ressaltar que nos

70 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


ASPECTOS ÉTICOS DA DOENÇA PULMONAR AVANÇADA

Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia


Aspectos Éticos e Jurídicos
AUTORA: Sílvia Helena Rondina Mateus

Médica Pneumologista, Conselheira do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

INTRODUÇÃO EUTANÁSIA
A morte é um tema discutido desde sempre, com A junção do prefixo latino eu, que significa bom, com a
abordagens religiosas, filosóficas, éticas e legais dentro das palavra thanatos, que expressa morte em grego, gerou a
diferentes culturas e sociedades que se tem notícia. A grande expressão eutanásia, que quer dizer boa morte. Tem sido usada
questão é o sofrimento no fim da vida, e como minimizá-lo. para denominar “morte sem sofrimento”, “morte sem dor”.2
Ainda mais, com a evolução tecnológica que cada vez mais Traduz-se pela antecipação da morte, ato de provocar
permite o prolongamento da vida. A quantidade e a qualidade diretamente o fim da vida de um ser humano, de tal modo que
da vida na fase terminal da existência humana nem sempre advenha rapidamente e sem sofrimento, seja agindo para esse
andam juntas. Há situações em que o prolongamento da vida fim (eutanásia ativa), seja abstendo-se de agir (eutanásia
se traduz pelo aumento do sofrimento, quando a qualidade de passiva). A intenção de quem provoca a morte deve ser livrar
vida já não existe. Mas qual é o conceito de qualidade de aquele que está para morrer de uma condição insuportável:
entende-se com isso, em geral, sofrimentos intoleráveis ou
vida? Sem dúvida, é uma expressão tão complexa quanto
uma situação de indignidade e de desamparo extremo
subjetiva. Como conhecer a percepção da qualidade de vida
provocado pela doença.3 Entre os argumentos utilizados pelos
de outros indivíduos? Com certeza, varia de pessoa para
que defendem a eutanásia estão a compaixão: quando o
pessoa diante dos valores, da cultura e da sociedade em que
paciente está em sofrimento e tristeza insuportáveis
vive. Claramente é diferente entre o homem ocidental e oriental,
decorrentes de uma doença incurável, “terminar com a sua
assim como difere também no tempo. O conceito de vida não vida” é um ato misericordioso ante deixá-lo viver para
é somente biológico, orgânico, mas inclui a inserção do ser continuar sofrendo, e o direito de morrer: quando um paciente
biológico na sociedade em que vive, de acordo com a sua com doença incurável, apresentando dor e sofrimento
cultura e seus costumes, e também como ele sente isso, ou intoleráveis, não aliviados pelos meios disponíveis, solicita a
seja: a vida deve ser vista em um contexto biopsicossocial. E eutanásia. Há quem considere esse direito de reivindicar a
a qualidade de vida, por sua vez, deve ser vista sob a ótica da morte como pertinente ao princípio de autonomia.2
percepção individual.
“... Confesso que, na minha experiência de ser humano, DISTANÁSIA
nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas do A palavra, de origem grega, significa “morte difícil ou
coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define penosa”. É a obstinação terapêutica, o prolongamento do
biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe processo da morte, por meios de tratamentos que apenas tem
em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a o objetivo de prolongar a vida biológica do paciente. A
possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se obstinação terapêutica é dada pela dificuldade de
transforma em uma casa de cigarra vazia...” 1 discernimento do médico quando os procedimentos são
A discussão sobre como diminuir o sofrimento no final inúteis e se deve deixar o paciente morrer em paz. Antigamente,
da vida também tem se dado de forma polêmica. Há quem o médico tinha tanto o objetivo de salvar e curar, quanto de
defenda abreviar a vida de pacientes terminais e sem ajudar a suportar e atenuar o sofrimento da morte, quando
perspectiva, e há quem condene essa prática. Há quem inexistissem meios de cura. Hoje, a formação é voltada para
justifique o prolongamento da vida a qualquer custo e de salvar e preservar a vida humana. Apontamos como possíveis
qualquer forma, utilizando toda a tecnologia disponível, e causas da conduta distanásica a convicção acrítica de alguns
há quem execre da mesma forma esta prática. Os princípios médicos de que a vida biológica tem valor absoluto, isto é, um
são antagônicos: alívio do sofrimento x preservação da bem pelo qual se deve “lutar” até o limite, não levando em
vida. consideração a qualidade de vida; ignorância ou desprezo do

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 71


direito do paciente ou de seus representantes legais e da família psicológicos, morais e econômicos: as prioridades de atenção
de recusar, em nome do paciente, o início ou a continuação mudam quando o paciente está claramente morrendo, e não
dos tratamentos médicos que prolongam a agonia do paciente existe a obrigação de utilizar tratamentos que não prolonguem
terminal; e, por fim, a angústia do médico, perante o insucesso a vida, mas posterguem a morte; 3) o duplo efeito, que
terapêutico e a resistência em aceitar a morte do paciente. basicamente é seguir algumas condições frente a um
Ainda podemos citar fatores predisponentes para a conduta tratamento que pode trazer como efeito colateral a privação
distanásica: a exigência de familiares para que se faça tudo o de consciência, chegando a ser visto como uma forma de
que for humanamente possível para salvar a vida do paciente, eutanásia: por exemplo, a utilização da morfina para o
idade muito jovem do paciente, falta de comunicação entre a tratamento da dor, pode induzir depressão respiratória. Para
equipe médica e a família quanto aos desejos do paciente que o ato seja considerado lícito, deve-se seguir as seguintes
antes de entrar em estado de inconsciência e a dificuldade de condições: que a ação seja em si mesma boa ou indiferente
avaliar o prognóstico acerca da sobrevivência e da qualidade (nem boa, nem má), que o efeito mau previsível não seja
de vida do paciente.4 diretamente buscado, mas somente tolerado (como efeito
indireto), que o efeito bom não seja causado imediata e
ORTOTANÁSIA necessariamente pelo mau e que deve existir uma
Enquanto o referencial da medicina é predominantemente proporcionalidade entre o efeito bom direto, e o mau indireto;
curativo, é difícil encontrar caminho que não pareça desumano, 4) a prevenção das possíveis complicações e/ou sintomas
de um lado, ou descomprometido com o valor da vida humana, que com maior frequência se apresentam na evolução de uma
de outro. Há necessidade de uma mudança de paradigma para condição clínica e 5) o não abandono.5
evitar os excessos da eutanásia e da distanásia. É a arte do
bem morrer. A ortotanásia permite ao doente, que já entrou na A LEGISLAÇÃO
fase final e aqueles que o cercam, enfrentar a morte com certa Código Penal
tranquilidade, porque, nessa perspectiva, a morte não é uma Art. 121 – Matar alguém. Pena – reclusão, de seis a vinte
doença a curar, mas sim algo que faz parte da vida. Uma vez anos. Parágrafo 1º. – Se o agente comete o crime impelido por
aceito este fato, que a cultura ocidental moderna tende a motivo de relevante valor social ou moral, (...), o juiz pode
esconder e a negar, abre-se a possibilidade de trabalhar com reduzir a pena de um sexto a um terço.
as pessoas a distinção entre curar e cuidar, entre manter a Art. 122 – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou
prestar-lhe auxílio para que o faça. Pena – reclusão, de dois
vida, quando isso é o procedimento correto, e permitir que a
a seis anos, se o suicídio se consuma, ou reclusão de uma a
pessoa morra, quando a sua hora chegar.5
três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal
Surgem neste momento da discussão o princípio ético pela
de natureza grave.
autonomia do paciente e a questão dos cuidados paliativos.
Todo o nosso ordenamento jurídico se faz ao redor da
Quanto ao direito do paciente de saber da sua real situação e
tutela de bens e valores admitidos na sociedade, e por isso o
decidir sobre o tratamento paliativo para amenizar seu
maior bem tutelado no Código Penal, e na própria Constituição
sofrimento e dor, o direito de não ser tratado como mero objeto,
Federal, em seu artigo 5º. , é a vida. Assim, não se pode falar
cuja vida possa ser encurtada ou prolongada segundo as
em direito de matar, nem de morrer.7 Há claramente, portanto,
conveniências da família ou da equipe médica,6 temos a certeza
a vedação à eutanásia, que é considerada crime contra a vida,
de que é o ético.
passível de pena de reclusão, seja pela ação direta do médico
(art. 121), ou mesmo na hipótese da solicitação pelo paciente,
CUIDADOS PALIATIVOS que pode ser caracterizada por auxílio ao suicídio (art.122).
A filosofia dos cuidados paliativos afirma a vida e encara o Ainda que a eutanásia seja realizada por motivo de compaixão,
morrer como um processo normal; não apressa nem adia a nosso ordenamento jurídico considera o ato como crime,
morte; procura aliviar a dor e outros sintomas angustiantes; apesar de atribuir a isso uma atenuante no momento da
integra os aspectos psicológicos e espirituais nos cuidados aplicação da pena, apenas.
do paciente; oferece um sistema de apoio para ajudar o Juridicamente, não há possibilidade do cometimento da
paciente a viver ativamente tanto quanto possível até a morte; eutanásia, sem que se esteja cometendo um crime, mesmo
oferece um sistema de apoio à família para lidar com a doença com a declaração de vontade do paciente.
do paciente e com seu próprio luto.5 Também tem como Em 2006, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou
referenciais éticos: 1) a veracidade, que nada mais é do que a Resolução nº. 1805, resultante de uma grande mobilização
informar ao paciente e seus familiares a verdade (princípio da de diferentes especialistas da área dos cuidados com doentes
beneficência) para que possam participar no processo de terminais. Seu objeto era permitir ao médico limitar ou suspender
tomada de decisão (princípio da autonomia); 2) a procedimentos e tratamentos que prolongassem a vida do
proporcionalidade terapêutica, que visa implementar todas as doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável,
medidas em que os meios empregados sejam proporcionais respeitada a vontade da pessoa ou seu representante legal.
aos resultados, e para tanto devem ser levados em conta a Garantia que o doente continuasse a receber todos os
utilidade ou não da medida, as alternativas de ação com seus cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao
riscos e benefícios, o prognóstico e os custos físicos, sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico,

72 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


psíquico, social, espiritual e o direito a alta hospitalar. Essa novo código também o cuidado de determinar como dever do
resolução foi suspensa por ação civil pública movida pelo médico a manutenção dos cuidados paliativos. Do ponto de
Ministério Público do Distrito Federal. A nosso ver, os limites vista ético, devemos nos pautar pelo respeito à vontade do
entre a eutanásia e a ortotanásia são claros, mas nem sempre paciente, exceto quando isto nos remeter à eutanásia, e sempre
de fácil definição. O fundamento para a ação civil pública evitar os excessos, mantendo os cuidados paliativos.
acolhido pela Justiça foi a confusão com a eutanásia, tendo
em vista que a resolução falava em limitar e suspender CONCLUSÃO
procedimentos. Com a edição do Novo Código de Ética A distinção entre o processo de se prolongar a vida, ou
Médica, o princípio fundamental XXII e o artigo 41 superam a prolongar o processo da morte, é de suma importância na
discussão. O interessante é que a elaboração do Novo Código ação dos médicos no seu dia a dia, sobretudo aqueles que
durou dois anos e contou com a colaboração de toda a trabalham diretamente com pacientes terminais. Isso nem
sociedade civil, inclusive do Ministério Público Federal e da sempre é fácil e piora quando nos deparamos com o binômio
Igreja, conseguindo assim uma redação que não fala na preservação da vida X alívio do sofrimento.
suspensão de procedimentos, mas na oferta dos cuidados A eutanásia é condenável, tanto jurídica quanto
paliativos e não empreendimento de ações inúteis. Ou seja, a eticamente. A recomendação para que sempre se adotem os
resolução anterior, nos remetia de alguma forma à discussão cuidados paliativos está clara no novo Código de Ética
da eutanásia, e o novo Código de Ética Médica, nos remete à Médica. A discussão avança na medida em que nos
não prática da distanásia. O ordenamento jurídico é omisso deparamos com a evolução histórica dos valores. Para
quanto à distanásia. ilustrar, transcrevemos as palavras do Papa Pio XII “é de
incumbência do médico tomar todas as medidas ordinárias
Código de Ética Médica de 1988 destinadas a restaurar a consciência e outros fenômenos
É vedado ao médico: vitais, e empregar medidas extraordinárias quando estas
Art. 66 - Utilizar, em qualquer caso, meios destinados a se acham ao seu alcance. Não tem, entretanto, a obrigação
abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de de continuar de forma indefinida o uso de medidas em casos
seu responsável legal. irreversíveis. De acordo com o critério da Igreja Católica
Art. 130 - Realizar experiências com novos tratamentos chega um momento em que a ressuscitação deve suspender-
clínicos ou cirúrgicos em paciente com afecção incurável ou se e não nos opormos mais a morte”. Em 1980, o Papa João
terminal sem que haja esperança razoável de utilidade para o Paulo II afirmou: “Ante a iminência de uma morte inevitável,
mesmo, não lhe impondo sofrimentos adicionais. apesar dos meios empregados, é lícito, em consciência,
O código de 1988 reiterava a norma legal no sentido de proibir renunciar a alguns tratamentos que procuram unicamente
a eutanásia mesmo com a declaração de vontade do paciente. um prolongamento precário e penoso da existência. Por
No artigo 130 vedava a realização de procedimentos inúteis. isso, o médico não tem motivo de angústia como se não
houvesse prestado assistência a uma pessoa em perigo”.8
Código de Ética Médica de 2009 Para concluir, lembramos que o maior exemplo na história
Princípios fundamentais recente da renúncia a procedimentos que apenas
XXII - Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o prolongariam o processo da morte foi do próprio Papa João
médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e Paulo II.
terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob
sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados. REFERÊNCIAS:
É vedado ao médico: 1. Alves R. Sobre a morte e o morrer. Folha de São Paulo, 2003
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido out 12. p.3
deste ou de seu representante legal. 2. Brandão Neto D. Eutanásia. In: Petroianu A. Ética moral e
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e deontologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2000.
terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados Cap. 46. p. 251-3.
paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas 3. Oliveira RA. Questões éticas no final da vida. In: Siqueira JE,
Zoboli E, Kipper DJ. Bioética clínica. São Paulo: Gaia; 2008.
ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em
4. Leone S, Privitera S, Cunha JT. Dicionário de bioética.
consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua Portugal: Perpétuo Socorro ; 2001. p. 450-3
impossibilidade, a de seu representante legal. 5. Pessini L. Eutanásia. São Paulo: Loyola; 2004.
O atual código é mais assertivo na redação, mantendo a 6. Martin LM. Eutanásia e distanásia. In: Iniciação a bioética.
proibição da eutanásia, ainda que seja o desejo do paciente. Brasília: Conselho Federal de Medicina; 1998. p. 171-92
Isso demonstra a limitação da autonomia do paciente, pois 7. França GV. Direito médico. 8 ed. São Paulo: Byk; 2003. p.
mesmo que tenha vontade de morrer e manifeste isso ao médico, 409-36
8. Diniz, MH. O Estado atual do biodireito. 2 ed. São Paulo:
há proibição legal e ética para a prática da eutanásia.
Saraiva; 2002. p. 317-61
Entretanto, em seu parágrafo único, o novo código nos diz
que não precisamos partir para o extremo oposto, realizando
procedimentos inúteis, e que agora sim, desde que haja vontade Sílvia Helena Rondina Mateus
do paciente, devemos respeitar o seu momento de morte. Tem o shrmateus@yahoo.com.br

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A autonomia do médico
AUTOR: Renato Azevedo Júnior 1

1
Médico Cardiologista; Vice Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

INTRODUÇÃO Lei Estadual 10241 de 1999, estabeleceu os direitos dos


Autonomia, do grego auto - si mesmo e nomos - lei, norma, pacientes atendidos nos serviços de saúde do Estado,
regra, significa o direito de um indivíduo tomar decisões inclusive o de “consentir ou recusar, de forma livre, voluntária
livremente sobre suas ações ou “a competência humana em e esclarecida, com adequada informação, procedimentos
dar-se suas próprias leis”.1 diagnósticos ou terapêuticos a serem nele realizados” (artigo
Deste modo, entende-se como autonomia do médico, no 2, item VII).5 O novo CEM consagra este preceito no inciso
exercício da sua profissão, a liberdade deste profissional de XXI de seus Princípios Fundamentais e, nos capítulos
tomar decisões sobre métodos diagnósticos e terapêuticos, deontológicos que tratam dos direitos humanos e da relação
independente de influências ou pressões externas à sua do médico com pacientes e familiares, os artigos 22 e 31
consciência profissional. Esta orientação foi reafirmada no novo vedam ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de
Código de Ética Médica (CEM), nos incisos VIII e XVI de seus seu representante legal de decidir livremente sobre a
Princípios Fundamentais, bem como no artigo 20 das normas execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, após o
deontológicas.2 devido esclarecimento, com a importante exceção de
Porém, entende-se hoje que há limites à autonomia do pacientes em risco iminente de morte. Evidentemente, caso
médico, que pode ser demarcada principalmente em quatro a decisão do paciente venha a causar conflito com os
situações: pelo direito do paciente em compartilhar da decisão ditames de consciência do médico, prejudicando o adequado
médica após devidamente esclarecido e informado, pela Ciência relacionamento médico-paciente, poderá o médico recusar-
Médica, através das evidências científicas disponíveis, pela se a continuar o atendimento àquele paciente, devendo, neste
Lei, que regulamenta vários aspectos do exercício médico e por caso, comunicar sua decisão ao paciente e assegurar a
aquilo que chamamos de responsabilidade profissional e social, continuidade dos cuidados por outro médico ( art. 36, par 1
que é a adequada utilização dos recursos disponíveis pelo do CEM).
médico no exercício de sua profissão.
A CIÊNCIA
O PACIENTE Seguir a melhor evidência cientifica disponível é uma
Até o final da Segunda Grande Guerra, na relação médico- obrigação do médico nos dias de hoje, em que o acúmulo de
paciente vigorou o principio do paternalismo hipocrático conhecimento científico na Medicina, principalmente ao
ou paternalismo benigno, no qual o médico, detentor do longo do século XX, permitiu avanços em métodos
conhecimento, determinava ao paciente o que deveria ser diagnósticos e tratamentos jamais vistos na história da
feito, visando a promoção ou recuperação da saúde do humanidade. Deste modo, não pode o médico utilizar
paciente. A partir da metade do século XX, especialmente procedimentos que não sejam cientificamente reconhecidos
após a promulgação da Declaração Universal dos Direitos no tratamento de seus pacientes. Isto, porém, não deve
Humanos, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em significar que o médico adote uma postura exclusivamente
Dezembro de 1948, tenta-se reconhecer que “todas as cientificista na relação médico-paciente. Esta relação, como
pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São qualquer relação humana, envolve outros fatores como
dotadas de razão e consciência e devem agir em relação emoção, confiança, psiquismo, história de vida, fatores estes
umas às outras com espírito de fraternidade”.3 Assim, ao que irão influenciar diretamente o resultado de qualquer
longo do século XX e neste inicio de século, com o advento intervenção médica. Assim, a Medicina de hoje tem muito de
dos princípios da Bioética, passou-se a compreender que a Ciência, mas continua tendo uma boa quantidade de Arte,
autonomia do médico não é absoluta, mas sim deve ser que se traduz na adequada relação médico – paciente.
baseada no principio benigno humanitário, com respeito aos
direitos dos pacientes em relação à sua própria saúde. A LEI
O direito do paciente em, após devidamente informado Diversas disposições legais impedem ou obrigam o
sobre o procedimento diagnóstico ou terapêutico, livremente médico a fazer ou deixar de fazer determinados procedimentos.
consentir ou não com a decisão médica, teve como marco O CEM, no seu artigo 14, veda ao médico praticar ou indicar
histórico a Carta de Direitos do Paciente, publicado em 1973 atos médicos proibidos pela legislação do País, como, por
pela Associação Americana de Hospitais.4 Em São Paulo, a exemplo, a prática da eutanásia ou do aborto (salvo em casos

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de estupro ou risco de morte da gestante), proibidos pelo CONCLUSÃO
Código Penal vigente. Por outro lado, o médico pode recusar- A complexa relação humana traduzida no binômio médico-
se a realizar atos médicos que, embora permitidos por Lei, paciente deve ser pautada no respeito mútuo, sem paternalismo
sejam contrários aos ditames de sua consciência. ou submissão, com respeito à Lei, à Ciência e ao interesse social,
respeitando enfim os quatro grandes princípios da Bioética: a
A RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL Beneficência, a Não Maleficência, a Justiça e a Autonomia.
E SOCIAL
O médico não pode e não deve ceder às imposições que REFERÊNCIAS
muitas vezes lhe são feitas por instituições alheias à relação 1. Segre, M; Silva, FL; Schramm, FR. O contexto histórico,
médico-paciente, no sentido de limitar, por motivo de redução semântico e filosófico do princípio de autonomia. Bioética,
Brasília, DF; v.6, n.1, p.15-23, 1998.
de custos, de aumento de lucros, ou quaisquer outros, a 2. Brasil. Conselho Federal de Medicina. Resolução n 1.931, de 17
melhor utilização de recursos diagnósticos e terapêuticos de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Diário
disponíveis, devendo manter sua autonomia nesta situação, Oficial da União; Poder Executivo, Brasília, DF, 24 set. 2009.
Seção 1, p.90-2. Disponível em: < http://www.cremesp.org.br/
conforme reza o CEM no inciso XVI de seus Princípios library/modulos/legislacao/versao_impressao.php?id=8822>.
Fundamentais. Porém, como importante ator social que é, Acesso em: 16 de maio de 2010.
não pode o médico se furtar de compreender que os recursos 3. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
< h t t p : / / p o r t a l . m j . g o v. b r / s e d h / c t / l e g i s _ i n t e r n /
em Saúde são finitos e que, quando o médico desperdiça
ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 16 de maio de 2010.
recursos ou exagera na utilização desnecessária dos mesmos, 4. Fortes, PAC. Ética e saúde : questões éticas, deontológicas e
estará indiretamente prejudicando a terceiros que serão legais, autonomia e direitos do paciente, estudos de casos. São
desprovidos de outros recursos tão ou mais necessários à Paulo: E.P.U, 1998.
5. São Paulo (Estado). Lei n º 10.241, de 17 de março de 1999.
saúde daquela pessoa. A isto eu chamo de responsabilidade Dispõe sobre os direitos dos usuários dos serviços e das ações
profissional e social e está previsto no Capítulo de de saúde no Estado e dá outras providências. Diário Oficial do
Responsabilidade Profissional do CEM, cujo artigo 14 diz Estado; Poder executivo, São Paulo, SP, n. 51, 18 mar. 1999.
Seção 1, p. 1. Disponível em: <http://www.bioetica.org.br/
que é vedado ao médico praticar ou indicar atos médicos legislacao/leis_projetos/integra.php>. Acesso em: 16 maio 2010.
desnecessários. Um ato médico desnecessário poderá deixar
de atender, por tirar recursos escassos, à necessidade de Renato Azevedo Júnior
outro paciente, prejudicando-o. renatoazevedo@cremesp.org.br

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OPINIÕES E AÇÕES

Defesa Profissional
AUTOR: Altair Silva Costa Junior
Membro do departamento de Cirurgia Torácica da SPPT

Caros colegas do sistema respiratório, este bimestre foi Outro encontro que ocorreu foi: Fórum da APM para
atarefado. O Encontro nacional das Entidades Médicas discussão de remuneração no SUS e na Saúde
(ENEM) do Sudeste, realizado em 14 e 15 maio, foi uma Suplementar, realizado em 28/06.
plenária com exposição de vários temas: educação médica, Tivemos a presença da Unimed, da Unidas e da
saúde suplementar, SUS, movimento médico, plano de ABRAMGE. Também da ANS e de juízes. Houve grande
carreiras, entre outros. pressão da platéia, com um enfoque sobre o DESCASO
A dinâmica consistiu em incluir, melhorar ou excluir com o médico. Também houve criticas sobre o sistema
propostas nos respectivos temas. Após a discussão foi perverso atual de remuneração, atrelado a um atendimento
elaborado um documento com as propostas para serem de qualidade desejável.
discutidas no ENEM nacional que acontecerá em Brasília A APM fez um estudo junto a FIPE (Fundação Instituto
de 27 a 30 de julho próximo. de Pesquisas Econômicas) sobre o valor mínimo atualizado
Pontos importantes foram as propostas para: da consulta médica, que hoje corresponderia a R$83, 00,
• Piso salarial de R$ 8.239,24 por 20 horas semanais; somente com atualização monetária.
• Plano de carreira, cargos e vencimentos; As entidades prometeram “abrir um canal de diálogo”
• Estratégias para melhoria da saúde suplementar; conosco. O que pessoalmente, eu duvido que de algum
• CBHPM como referência e sua respectiva atualização resultado, afinal já foram sete anos desde a criação da
• Parecer do Supremo Tribunal Federal... CBHPM e até agora nada!
Ao todo, foram mais de 120 propostas. A opinião geral é Os juízes presenciaram as discussões e foram indagados
que ninguém está satisfeito com o sistema atual público e sobre o assunto. Em resumo as conclusões deles foram:
suplementar. 1- O Brasil tem dois sistemas mal regulados - O SUS e a

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saúde suplementar, que precisam de melhorias O Bradesco Saúde informou que o seu balanço do primeiro
urgentemente. trimestre de 2010 registrou crescimento de 20,16% no
2- Quanto à questão da remuneração: O judiciário faturamento da seguradora, quando comparado a 2009,
responde e atua sobre provocações - e até agora não fomos chegando a mais de R$ 1,7 bilhão.
provocados neste assunto. Não há como emitir um parecer h t t p : / / w w w. s a u d e b u s i n e s s w e b . c o m . b r / n o t i c i a s /
sem a indagação ou indignação da sociedade. index.asp?cod=67783
A ANS não atua na relação operadoras-médicos- A receita líquida da Amil chegou a R$ 1,425 bilhão, uma
remuneração, mas criou um “grupo de trabalho” para tal. alta de 22,7% em relação aos três últimos meses de 2008.
Como sabemos que a diretoria da ANS é composta de ex- A Unimed Seguros Saúde manteve o mesmo ritmo e
diretores de operadoras, não é difícil prever a atuação deste apresentou aumento de mais de 27%, totalizando mais de R$
grupo de trabalho... eles que nos provem o contrário. 446 milhões no período.
Vejam como foi a programação do fórum: h t t p : / / w w w. s a u d e b u s i n e s s w e b . c o m . b r / n o t i c i a s /
http://www.apm.org.br/aberto/noticias_conteudo index.asp?cod=65984
.aspx?id=10212 E a sua consulta Doutor? Quanto vale?
A SOGESP - Associação de Obstetrícia e Ginecologia de
São Paulo - fez a lição de casa - publicou uma campanha
com os valores da consulta medica de R$29,00 e o valor de Altair da Silva Costa Júnior
um parto - R$200,00. Veiculado em jornais, rádios, revistas, asc.jr@uol.com.br
outdoors, etc...
http://www.apm.org.br/aberto/noticias_conteudo.
aspx?id=10243
http://www.isaude.net/pt-BR/noticia/7778/profissao-
saude/campanha-de-valorizacao-profissional-
tocoginecologista-e-lancada-pela-sogesp
O momento não é de expectativa e sim de ações! Temos
que colocar o assunto na mídia de forma constante,
denunciar e até processar as operadoras de saúde! O que
não podemos fazer é continuar com atitudes pacatas e
ficarmos acomodados.
A APM está disposta a se expor, a arriscar e a lutar pela
classe médica, mas precisa do nosso apoio. No site tem os
valores atuais que as operadoras pagam pelas consultas
em 2010. Variam de R$29,00 a R$80,00.
Vejam a pesquisa da APM sobre valor das consultas
2010
h t t p : / / w w w. a p m . o rg . b r / a b e r t o /
defesaprofissional_lista.aspx? id=170&idCont=1695
Os planos de saúde estão entre os setores que mais geram
dúvidas e recebem reclamações no Procon de São Paulo. O
setor motivou 21,8% dos 5.692 problemas de consumo
reportados ao IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor)
em 2008 e lideram reclamações pelo 9º ano consecutivo.
Se a população (que são os usuários) não está satisfeita
e os prestadores (nós médicos) também não estamos
contentes, como essas empresas continuam a lucrar cada
vez mais ano apos ano? São milhões!
SulAmérica saúde é a principal carteira com 52% dos
negócios. A seguradora informou que teve lucro líquido de
R$ 109,6 milhões no primeiro trimestre, resultado que supera
em 10,5% o ganho de R$ 99,1 milhões de igual período do
ano passado. Os ativos da companhia atingiram R$ 11
bilhões em março
Leia mais: http://www.valoronline.com.br/?online/
empresas/11/6266702/lucro-da-sulamerica-sobe-10,5%-no-
trimestre,-para-r-109,6-milhoes#ixzz0qruTneV8

Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 77


LINGUAGEM MÉDICA

“Severo”
Excerto do livro Linguagem Médica, de Joffre M. de Rezende1
1
REZENDE, J.M. Linguagem Médica. AB Editora, Goiânia, GO, 3ª edição,2004, páginas 383-384.

É freqüente dizer-se doença severa ou forma severa de um sintoma temos, entre outros, os adjetivos intenso,
determinada doença, com o sentido de mau prognóstico. persistente, acentuado. Ex.: dor intensa, tosse persistente,
Também se emprega severo(a) para caracterizar a maior cifose acentuada etc.
intensidade de um sintoma. Ex.: tosse severa, diarréia severa, Assim, quem desejar perseverar a linguagem médica
hipertensão severa etc. vernácula das influências alienígenas deve usar outros
O uso cada vez mais comum de severo(a) com as acepções adjetivos em lugar de severo(a).
acima referidas decorre das más traduções do inglês para o Existem muitas palavras em inglês que devemos adotar em
português ou do hábito da leitura de textos médicos em inglês. sua forma original ou aportuguesada, por não haver tradução
Severe, em inglês, é palavra adequada a estas situações, correspondente em nosso idioma. Tal não é o caso, entretanto.
porém severo em português é outra coisa; quer dizer rigoroso, Trata-se de mero adjetivo, para cuja tradução possui a língua
austero, sério, circunspecto, duro , rígido, inflexível. Em portuguesa vocábulos apropriados.
linguagem literária e em sentido figurado, também se emprega Muitas traduções de livros médicos no Brasil fazem lembrar
severo com o significado de saliente, distinto, bem definido.1 a história do jornalista brasileiro que, em um despacho telegráfico
Em linguagem médica, severo é um falso cognato de severe, de Assunção, capital do Paraguai, informava que as lagostas
em inglês, e não deve ser empregado. estavam destruindo as plantações do charco paraguaio. Ocorre
A classificação da hipertensão arterial da Organização que langosta em espanhol significa também gafanhotos e as
Mundial de Saúde, por exemplo, na versão em inglês, estadia plantações estavam localizadas na província do Chaco.
a pressão arterial em mild, moderate and severe, que deve
traduzir-se em português por leve moderada e grave 2 e não
em leve, moderada e severa, como se vê freqüentemente. Joffre M. de Rezende
Professor Emérito da Faculdade de Medicina da
Para definir mau prognóstico o termo adequado é grave. Universidade Federal de Goiás
Devemos dizer doença grave ou forma grave de uma Membro Titular da Soc. Bras. de História da Medicina
determinada doença. Para descrever a maior intensidade de jmrezende@cultura.com.br

PRÓXIMA EDIÇÃO:

Doenças Pulmonares Ocupacionais e Poluição Ambiental

Envie suas sugestões para: sppt@sppt.org.br

78 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010


Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010 79
80 Pneumologia Paulista Vol. 23, No.9/2010

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