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Boletim Revista do Instituto Baiano de Direito Processual Penal

Ano 5, Nº 23
ISSN 2675-2689 (Impresso) ISSN 2675-3189 (Online)

Ponto e Contraponto Elas no Front com Júlia Múltiplos Olhares com


com Aléssia Tuxá: Travessa: "Um resgate da Rodrigo Ríos P. 24
"Sobre pontos cegos teoria brasileira do habeas
no processo penal: a corpus: uma releitura à luz
invisibilidade dos povos da atuação de Luiz Gama"
indígenas" P. 5 P. 7
Ano 5 - N.º 23,
Fevereiro/2022
Boletim Revista do Instituto ISSN: 2675-2689 (impresso)
Baiano de Direito Processual Penal ISSN: 2675-3189 (online)

EXPEDIENTE
Conselho editorial Selo Trincheira Democrática
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e Vinícius Romão
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Magalhães da Silva Plaza, Torre Empresarial, 5º andar, sala
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Bruno Moura, Flavia S. Pinto Amorim, Impressão: Impactgraf
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EDITORIAL
O FUTURO DO PROCESSO PENAL DO FUTURO

Superado formalmente o processo eleitoral, E tal prognóstico não advém de postura anti-
que culminou na nova titularidade da Presidência progressista. Decorre das indagações corriqueiras
da República a partir de 2023, temos por necessi- na academia e na prática jurídico-penal: “não es-
dade ao menos se pensar e debater o que pode- tamos andando em círculos? “quando virá a refor-
mos esperar do processo penal do futuro. ma do Código de Processo Penal?”. Não é possível
Falar sobre o que está por vir, no entanto, estabelecer, por exemplo, que o processo penal do
implica em uma análise histórica, um escrutínio do futuro seja discutido de maneira desacoplada ao
passado. Não podemos discutir e analisar o siste- sistema prisional, punitivista e encarcerador, que
ma de ensino jurídico, passando pela seletividade desagua em um panorama racista e falido.
de aplicação do processo penal e o seu conjunto Constroem-se mais unidades carcerárias,
de direitos e garantias, sem tratar das mazelas que aumentam-se numericamente os presos, e o cri-
encerram o nosso sistema jurídico-processual. me e a segurança pública seguem como pautas
Entramos em uma era em que cada vez mais, inspiradoras de medo e como plataformas eleito-
visa-se o trabalho preventivo, e a aceleração dos rais, ao entendimento de que não estamos segu-
procedimentos em todas as esferas: a investigação ros. De fato, estamos cada dia mais violentos, mas
defensiva, os pedidos antecipados, instrumentos não somente nos anuários de segurança pública. A
de resolução “consensual”, e as aulas assistidas em violência se manifesta nas decisões judiciais e na
hipervelocidade. Tudo é para já. Mas o Direito Pe- instrumentalização do poder punitivo, dando azo
nal e as análises jurídicas não conseguem ainda se às frustrações e denúncias de deslegitimação do
adaptar, haja vista que a velocidade insensibiliza o sistema de justiça.
Judiciário e subtrai dos jurisdicionados o que eles Vivemos em uma pobreza argumentativa
efetivamente buscam na jurisdição: garantias fun- tão etérea que as opiniões emanadas por pessoas
damentais, inclusive processuais (MORAIS e MAR- leigas pretendem ter o mesmo impacto do que as
CELLINO, 2013, p. 28). análises especializadas. Desinformação, desordem
Este cenário dual nos leva à realidade em que, informacional, notícias falsas, infodemia. O acesso
ao mesmo tempo em que se apresenta como pauta à informação verdadeira vem sendo minado, e até
de novos estudos o visual law, marketing digital e mesmo as instituições do sistema de justiça cri-
o que se convencionou chamar “Direito 4.0”, segui- minal entram na mira destas mazelas. E a conta
mos na denúncia de fenômenos como a necropo- mais pesada fica para a defesa, seja particular ou
lítica, a necessidade de aprendermos sobre direito pública, estigmatizada como “protetores de ban-
e as relações raciais, o combate ao genocídio da didos”, rótulos que diminuem lutas, trabalhos, re-
população negra e o peso da opressão patriarcal sistências democráticas, e desrespeitam inclusive
no sistema de justiça, que são pautas enfatizadas a Carta Magna. Falas que pregam o mais desmedi-
na perspectiva crítica do processo penal. Enquanto do desrespeito ao que está positivado, às institui-
a um passo a “ordem do dia” é a aceleração dos ções jurídicas e colocam o direito em uma posição
procedimentos em termos de política-criminal, em de maniqueísmo irreal, pois ou o mesmo age em
outro, a instrumentalização do aparato repressivo acordo com o que as opiniões individuais, onde o
de modo sumário é a prioridade. E assim discute-se fiel da balança seria a abstrata “voz das ruas”, ou
o uso de robôs e tecnologias, mesmo quando ainda este passa ao descrédito e insuficiência.
estamos longe de dominar o uso das ferramentas E a realidade infelizmente se curva ao cená-
atuais, analógicas. O pensar é cada vez mais abdi- rio da relatividade propagada em discursos, nas mí-
cado em prol do responder, sempre seletivo. dias e/ou nas redes sociais como soluções fáceis a
problemas complexos, fórmula pretérita, mas ainda
atual. Prisões superlotadas, as propostas políticas inviabiliza a efetivação da cidadania dos grupos
de criminalização de um rol ainda maior de condu- politicamente minorizados, a partir da instrumen-
tas e uma estratégia cada vez mais encarceradora talização do caráter seletivo do processo penal. O
dominam o horário político, as bancadas parlamen- processo penal é munição de poder letal, cujos es-
tares e as proposições legislativas. Contudo, é cada tilhaços atingem toda a sociedade. Sem exceções.
dia mais claro que o enxerto de um Código Penal já “Amanhã há de ser outro dia”1, canta Chico
tão defasado apenas afeta e prejudica grupos alve- Buarque. Esse amanhã, a utopia que faz caminhar,
jados, e quase sempre não-alvos. tudo nos leva a um patamar da reflexão sobre para
Neste contexto, o discurso abstrato de nor- onde iremos a partir daqui. E talvez a resposta seja
malidade institucional e de proteção genérica aos justamente essa: entender o que significa “daqui”,
preceitos democráticos já não cabe, tampouco ter vozes conscientes, publicações críticas e a pro-
basta. O apego ao saber encastelado, o elitismo dução do conhecimento e valorização dos saberes
que ronda o ambiente acadêmico e jurídico não plurais, capazes de iluminar o caminho, e lembrar
mais distancia e inviabiliza as discussões, e o as- de sonhar, de acreditar que o Processo Penal mais
pecto social é ponto fulcral das proposições e das justo e humano que desejamos está nas decisões
execuções na seara político-criminal, de modo que escolhemos não silenciar.
que se faz necessário um novo equilíbrio entre o Que os artigos trazidos nesta edição tenham
saber acadêmico e os saberes populares, sem que o condão de inspirar, e assentar novos degraus na
esta equação penda a um ode à ignorância. necessária discussão sobre o futuro do processo
O processo penal do futuro, portanto, care- penal do futuro.
ce de um giro paradigmático a partir da participa-
ção ativa da sociedade nas discussões jurídicas de Jonata Wiliam e Rebecca Santos
interesse público, e as pessoas que estão precisam
apresentar uma nova forma de conceber o para- REFERÊNCIAS
digma da justiça, para apresentação de um pro-
cesso penal coerente e realista. Ser do futuro é, ROSA, Alexandre Morais da; JUNIOR, Julio Cesar Marcellino.
novamente, entender o passado, de onde viemos, O processo eficiente na lógica econômica: desenvolvimento,
como as escolhas anteriores reverberam no pano- aceleração e direitos fundamentais. UNIVALI; FAPESC, 2012
rama presente, e como romper com as amarras do – (Coleção Osvaldo Ferreira de Melo; 4).
colonialismo, do epistemicídio e do pacto civil que

1
Referência à música "Apesar de você", de Chico Buarque.
SUMÁRIO

4 IBADPP REALIZA

5 COLUNA PONTO E CONTRAPONTO POR DORA LÚCIA DE LIMA BERTÚLIO


SOBRE PONTOS CEGOS NO PROCESSO PENAL: A INVISIBILIDADE DOS POVOS INDÍGENAS

7 ELAS NO FRONT COM JÚLIA LORDÊLO TRAVESSA


UM RESGATE DA TEORIA BRASILEIRA DO HABEAS CORPUS: UMA RELEITURA À LUZ DA ATUAÇÃO DE LUIZ GAMA

10 LIRISMOS INSURGENTES

ARTIGOS

11 OS CRIMES POLÍTICOS DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E SUA TIPICIDADE

13 RECONHECIMENTO FACIAL E A AUSÊNCIA DE DADOS SOBRE FALSOS POSITIVOS NA BAHIA: RACISMO À


MODA BRASILEIRA

16 O COMPLEXO DO CURADO E A ATUAÇÃO NA DEFESA DA LIBERDADE: QUANTAS NEGATIVAS SÃO SUFICIENTES


ATÉ O CUMPRIMENTO DA DECISÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS?

19 A PRISÃO PREVENTIVA EM MOÇAMBIQUE, UM MECANISMO DE VIOLAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

21 A ESQUERDA, A DIREITA, E DENTRO (DOS MUROS): OS (QUASE INEXISTENTES) IMPACTOS DAS MUDANÇAS
POLÍTICO-IDEOLÓGICAS NO CENÁRIO PENITENCIÁRIO DO RJ

24 MÚLTIPLOS OLHARES COM RODRIGO RÍOS

28 WALKIE-TALKIE
1: grupo reunido no encerramento do 1° dia de Seminário; 2: resultado do Concurso de artigos Professor Fer-
nando Santana; 3 e 4: entrega de título de membro emérito à professora Alessandra Prado; 5 e 6: entrega de
título de membro emérito ao professor Luciano Goes;7: encerramento do evento, após palestras de Eugênio
R. Zaffaroni e Matías Bailone.
Pont
Coluna

e
.CONTRAPONTO Por Aléssia Tuxá

Sobre pontos cegos no processo penal:


a invisibilidade dos povos indígenas
Trabalhar com processo penal na prática, possível classificar os indígenas em três grupos:
tendo como cenário os presídios e salas de audi- isolados, em vias de integração e integrados.
ência em vez das salas de aula e palcos de Con- Ao tratar sobre a condição do indígena réu no
gressos é uma experiência rica de oportunidades processo penal, o Estatuto do Índio estabelece em
para reflexão, especialmente em relação aos “pon- seu art. 56 que este fato, por si só, constitui uma hi-
tos cegos” desta área. Assim como acontece na di- pótese de circunstância atenuante e a sua aplicação
reção automotiva, o processo também tem pontos levará em conta o “grau de integração” desse indíge-
que fogem do campo de visão do seu condutor. Às na. Além disso, o Estatuto prevê também que as pe-
vezes, estes pontos correspondem a indivíduos nas de reclusão e detenção serão preferencialmen-
que, assim como no trânsito, acabam sendo atro- te cumpridas em regime especial de semiliberdade,
pelados sem sequer terem sido percebidos. podendo ser admitida a aplicação de sanções pró-
Tratar sobre povos indígenas no âmbito do prias da comunidade indígena, desde que não sejam
processo brasileiro é abordar um tema pouco trata- cruéis ou infamantes, vedada a pena de morte.
do academicamente e invisibilizado na prática. Ape- Como dito anteriormente, o Estatuto do ín-
sar de a Constituição Federal de 1988, em seu artigo dio consagra a teoria assimilacionista, superada
232, reconhecer expressamente a capacidade dos pela Constituição Federal e, por diversos funda-
indígenas - superando a tutela orfanológica - e de o mentos, é considerado como não recepcionado
Código Civil vigente não mais incluir os “silvícolas” pela Constituição de 1988. No entanto, até a pre-
como relativamente incapazes, a imputabilidade sente data o Supremo Tribunal Federal não se ma-
dos indígenas ainda é matéria que suscita dúvidas. nifestou expressamente sobre a não recepção do
O Código Penal brasileiro menciona indíge- Estatuto, permanecendo a lei vigente e devendo a
nas apenas em duas oportunidades, como causa sua aplicação ser feita à luz do paradigma consti-
de aumento de pena dos crimes de frustração de tucional em vigor.
direito assegurado por lei trabalhista (art. 203, §2º) Neste ponto, um aspecto do processo penal
e aliciamento de trabalhadores de um local para merece destaque: apesar do tratamento especial
outro do território nacional (art. 207, §2º). previsto no Estatuto do Índio, os indígenas que
A lei 6.001/73, conhecida como Estatuto do figuram como réus seguem sendo atropelados
Índio, corresponde à positivação da teoria assimi- pelo sistema penal de punição em massa, tendo
lacionista que prevalecia no direito brasileiro até a ignorado o seu direito a um tratamento diferen-
entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. ciado, que nada tem a ver com a sua imputabi-
De acordo com esta teoria, a condição de “índio” lidade. Afinal, se é certo que a Constituição de
e a tutela jurídica especial daí decorrente é algo 1988 superou o paradigma assimilacionista, o que
transitório, que deixaria de existir no momento fulminou do direito brasileiro a ideia de transito-
em que aquele indivíduo pudesse ser considera- riedade da condição indígena, é uma consequên-
do “integrado” à comunhão nacional. Assim, seria cia lógica a interpretação de que a aplicação dos

5
Coluna: Ponto e Contraponto

Coluna
artigos 56 e 57 do Estatuto do índio independe de siderar as normas constitucionais previstas além
tratar-se de indígena isolado ou não. do art. 5º da Constituição Federal, inclusive o pa-
No intuito de superar esse ponto cego, tor- radigma intercultural.
nar visível o indígena no processo penal e ver
respeitados os seus direitos, em 2019 o Conselho REFERÊNCIAS
Nacional de Justiça aprovou a Resolução 287, que
estabelece os seguintes princípios a serem obser- AMADO, Luiz Henrique Eloy; VIEIRA, Victor Hugo Streit. O
vados na atuação de tribunais e juízes em casos tratamento jurídico-penal reservado aos indígenas sob a
criminais envolvendo indígenas: autodetermina- ótica intercultural e decolonial. Boletim IBCCRIM. Ano 29,
ção e diversidade dos povos indígenas, dever de nº 339, fevereiro de 2021. Disponível em: https://ibccrim.
consultar as comunidades indígenas, direito de org.br/publicacoes/visualizar-pdf/738/2
acesso à justiça dos povos indígenas, excepciona- BARRETO, Helder Girão. Direitos Indígenas Vetores
lidade extrema do encarceramento indígena. Além Constitucionais. Curitiba: Juruá, 2005.
disso, a Resolução 287 prevê a necessidade de se BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil,
considerar os mecanismos próprios da comunida- de 5 de outubro de 1988. Disponível em: http:// www.
de indígena a que o acusado pertença, no momen- planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
to da sua responsabilização com a possibilidade de _______. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
homologação dos meios de resolução de conflitos 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.
aplicados segundo as regras daquele Povo, deven- gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.
do as medidas cautelares alternativas à prisão, se _______. Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 287, de
indispensáveis, serem aplicadas de modo adapta- 25 de junho de 2019. Estabelece procedimentos ao tratamento
do aos costumes e tradições da comunidade. das pessoas indígenas acusadas, rés, condenadas ou privadas
Apesar da Resolução, que em conformidade de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa
com a normativa internacional de proteção aos população no âmbito criminal do Poder Judiciário. Disponível
Povos Indígenas, prevê a necessidade de consul- em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/
ta prévia à comunidade indígena na definição da Manual-Resolu%C3%A7%C3%A3o-287-2019-CNJ.pdf
sanção aplicável, o ponto cego persiste. CUNHA, Manuela Carneiro da. Índios na Constituição. In: Dossiê
Como disse Marcelo Neves (2009), ao tratar 30 anos da Constituição. Brasileira: novos estudos. CEBRAP 37 (3),
sobre o conflito entre ordens jurídicas distintas e set-dez. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/nec/a/
necessidade de solução através do diálogo: “o pon- d9Kq7jjTt8GqR8DqBSgQbTK/#:~:text=do%20artigo%20
to cego, o outro pode ver”. O ponto cego não pode 231%3A-,Art.,respeitar%20todos%20os%20seus%20bens.
ser visto por quem está conduzindo, mas é plena- DE CASTILHO, Ela Wiecko; MOREIRA, Elaine; DA SILVA, Tédney
mente visível aos demais. Ao tratar sobre a situa- Moreira. Os direitos dos acusados indígenas no processo
ção do indígena no processo penal, o ponto cego penal sob o paradigma da interculturalidade. Revista de
- a invisibilidade do direito ao tratamento diferen- Estudos Empíricos em Direito. vol. 7, nº 2, jun 2020, p. 141-160
ciado decorrente exclusivamente da condição de NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo:
ser indígena - pode ser visto por esses Povos, que Editora Martins Fontes, 2009.
historicamente foram tratados como meros ob- SANTOS FILHO, Roberto Lemos. Indios e Imputabilidade
jetos ou sujeitos em situação peculiar transitória. penal. Disponível em:https://www.mpf.mp.br/atuacao-
Afinal, não faz sentido falar em sistema de justiça tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/artigos/docs/
democrático sem que a sua construção perpasse artigos/docs_artigos/indios_imputabilidade_Penal.pdf
pela efetiva contribuição dos diversos povos que
compõem este país, assim como não faz sentido
falar sobre processo penal democrático sem con-

ALÉSSIA TUXÁ (ALÉSSIA PÂMELA BERTULEZA SANTOS)

Indígena do Povo Tuxá. Defensora Pública no Estado da Bahia. Mestra em


Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bacharela em Direito pela
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

6
Coluna

ELAS
NO FRONT

Um resgate da teoria brasileira


do habeas corpus: uma releitura
à luz da atuação de Luiz Gama
Por Júlia Lordêlo Travessa

Dados das Defensorias Públicas denotam to de influxo neoliberal e não fruto profundo da
que o aumento expressivo de delitos famélicos foi ideologia neoliberal racista e excludente na gestão
uma das mais significativas percepções do impac- da vida social. Comprovação do manejo do Direito
to sócio-político da forma de gestão pandêmica no Penal para “esconder” o drama social da fome e
Brasil, notadamente pelos seus reflexos criminali- a ineficácia/ausência de políticas públicas sobre
zantes. Essa explosão de dados criminais, coinci- segurança alimentar é precisamente essa explo-
dentemente (ou não), ocorre no mesmo momento são dos “furtos” famélicos: segundo dados ape-
em, segundo Pesquisa divulgada pela Fundação nas2 da Defensoria Pública do Estado da Bahia3, os
Getúlio Vargas no final de maio de 20221, a insegu- flagrantes de crimes famélicos foram de cerca de
rança alimentar no Brasil é a maior desde a série 11,5% em 2017 para 20,25% em 2021.
histórica inicial em 2006 e supera a média simples O que credenciam os dados reunidos pelas
mundial, atingindo 75% (setenta e cinco por cento) instituições defensoriais como verdadeiro termô-
da população brasileira, índice cada vez mais pró- metro para a conclusão que se propõe a seguir
ximo do país africano Zimbabué (pior insegurança é porquê o grande espaço de defesa social (aqui
alimentar do mundo com 80% da população em compreendida como defesa do plexo jurídico-
insegurança alimentar). -constitucional de garantias penais e processuais
A importância de refletir entre a conexão penais) no âmbito criminal são precisamente as
fome e Direito Penal no Brasil permite aproximar
ainda mais o Brasil do Zimbabué do que imaginam 2
Fundamental esclarecer aqui que não se trazem os dados
aqueles que defendem que é apenas um momen- das outras 26 unidades da Federação, apenas os do Estado
da Bahia.
3
https://www.defensoria.ba.def.br/noticias/furto-por-
1
Veja em https://www.cartacapital.com.br/sociedade/ -fome-levantamento-da-defensoria-da-bahia-aponta-
furto-%E2%80%8Bfamelico-fenomeno-crescente-num- -o-dobro-de-prisoes-por-furtos-famelicos-em-cinco-a-
-pais-desigual/, acesso em 07/10/2022, às 09h. nos/, acesso em 07/10/2022, às 22h.

7
Coluna: Elas no front

Defensorias Públicas, não só pela primária atuação tucional” indicam seu manejo precisamente na
em favor daqueles que são vulneráveis economi- correção de não autorizada pelo ordenamento ju-
camente e, também, por ser a instituição que faz rídico8 segregação da liberdade individual de ir e
a voz processual penal dos que não tem qualquer vir (em direta conexão do ser e existir).
defesa técnica nos autos ainda que não seja eco- Assim, a atual conjuntura jurídico-penal de
nomicamente despossuídos, permitindo, portan- criminalização dos famintos demanda um resgate
to, qualificar a instituição defensorial como, se- histórico do período republicano brasileiro, precisa-
gundo já defendi em artigo publicado pela Editora mente quanto à atuação do não bacharel em Direito
Tirant Lo Blanch4, amicus dignitatis penal. Luiz Gama9, uma vez que há ilicitude da flagrância/
É cediço que as Defensorias Públicas são, acusação tanto em caso de “delitos” famélicos quan-
para além da qualificação de amicus dignitatis pe- to nas situações de fuga/desobediência dos negros
nal, as maiores litigantes em quantidade de recur- escravizados pós conjunto de leis antiescravagistas,
sos penais nos Tribunais Superiores5, obtendo a notadamente a do ventre livre, sexagenários e de
revisão dos pronunciamentos judiciais no âmbito proibição de tráfego/comércio de escravos.
penal em cerca de 50% (cinquenta por cento) de- A relevância do habeas corpus é tamanha em
les. Desse modo, considerando que a Emenda realidades cons-
Constitucional 64/2010 inseriu no rol dos di- titucionais como
reitos sociais do art. 6º da Constituição Fe- a brasileira de de-
deral de 1988 o direito à alimentação ade- mocracias de baixa densida-
quada, é possível, assim, dentro de uma de que seu uso extensivo no Brasil10
perspectiva das penas ilícitas de Zaf- permite qualifica-lo como meio jurídico-
faroni6, construir a conclusão de que -político de resistência
nos delitos famélicos há evidente contramajoritária,
ilegalidade em qualquer postu- originando até
ra do Estado que não seja a mesmo uma
imediata não conver- abordagem doutri-
são em preven- nária de amplitude
tiva (e mais, na elástica para qualquer
própria prisão situação ilegal de pri-
em flagrante) vação, inclusive de
e, também, o não forma indireta.
processamento penal do indivíduo. A teoria brasileira do habeas corpus,
E um dos instrumentos essenciais para aliada à ausência de necessidade de capacidade
“correção” de qualquer indicativo estatal no sen- postulária para seu manejo (essencial para a prá-
tido de buscar a aplicação de sanção penal para tica libertária de Luiz Gama e diversos outros),
os “delitos”7 famélicos é o remédio constitucional permitiu por inúmeros anos a sua consagração
habeas corpus, haja vista que a natureza jurídica de
“remédio” conjugada com o qualificativo “consti- 8
Nunca é demasiado esquecer que com a CF/1988, nota-
damente pelo princípio da supremacia da Constituição e
graças à sua eficácia normativa, a compreensão de orde-
4
Capítulo 6 in: MAIA, Maurílio Casas Maia (org). Defensoria namento jurídico demanda uma adequação constitucional
Pública, Democracia e Processo II. 1 ed. São Paulo: Tirant de toda e qualquer norma jurídica.
Lo Blanch, 2021. 9
https://www.revistabula.com/33096-luiz-gama-a-histo-
5
Em 2019, no STJ havia 05 (cinco) vezes mais recursos in- ria-do-poeta-e-advogado-que-foi-escravizado-pelo-pai-e-
terpostos por Defensoras e Defensores Públicos compa- -virou-patrono-da-abolicao/, acesso em 27/09/2022 às 15h;
rados com demais recorrentes, senão veja-se em https:// e https://www.dw.com/pt-br/documentos-in%C3%A9di-
www1.folha.uol.com.br/poder/2019/11/defensoria-publi- tos-confirmam-que-luiz-gama-era-advogado/a-59756876 ,
ca-supera-advogados-particulares-em-casos-revistos- acesso em 27/09/2022 às 15h
-por-stj-e-stf.shtml (acesso em 07/10/2022, às 23h). 10
https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/2709601/numero-de-
6
Disponível o livro digital em file:///C:/Users/dpe/ -habeas-corpus-no-stj-dobra-em-apenas-tres-anos-e-preo-
Downloads/E._Raul_Zaffaroni_-_Penas_illicitas.pdf.pdf. cupa-ministros, acesso em 27/09/2022, às 16h; e https://stj.
pdf.pdf.pdf, acesso 07/10/2022, às 23h. jusbrasil.com.br/noticias/114420311/em-25-anos-numero-
7
O uso de aspas é para enfatizar que, a partir deste mo- -de-habeas-corpus-no-stj-bate-em-300-mil#:~:text=O%20
mento em diante, não mais será qualificado como delito Superior%20Tribunal%20de%20Justi%C3%A7a,de%20recur-
para os propósitos deste texto. so%20era%20a%20praxe. acesso em 27/09/2022 às 15:19h

8
Coluna: Elas no front

como “recurso” criminal prima facie. Entre- sustentar instrumentos que viabilizaram a trans-
tanto, nas últimas duas décadas, notadamente formação corretiva que Luiz Gama fez.
sob os influxos das teorias dos precedentes e da Por isso, é essencial discutir e resgatar o ins-
busca incessante de reformas eficientistas, os trumento do habeas corpus, inclusive construindo
Tribunais Superiores passaram adotar a práxis diariamente uma prática de provocar a expedição
decisória limitadora do manejo de habeas corpus de pronunciamentos judiciais no âmbito penal ao
sob a justificativa aparentemente doutrinária de modo Luiz Gama: impedindo que se use o Direito
que não se trata de “sucedâneo recursal”. Penal como instrumento prima facie de suposta
Trata-se verdadeiramente do uso de uma política pública, afinal 65% das famílias que pas-
justificativa de “correção”/“adequação” teórica sam fome hoje no Brasil são chefiadas por pessoas
para “esconder” sua verdadeira característica de pretas e pardas12!
instrumental neoliberal, uma vez que a finalidade é
apenas encerrar mais precocemente os feitos cri-
REFERÊNCIAS
minais para “passar a bola” para as instituições de
cárcere, porém sem contudo “sanear” a origem das CASARA, Rubens. Estado pós-democrático: neo-
situações fáticas ensejadoras dos habeas corpus: obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de Janeiro:
persistentes e reiterados cometimentos de ilegali- Civilização Brasileira, 2017.
dades pelas instâncias penais. Questiona-se, então, DIVAN, Gabriel Antinolfi. Revolução permanente: ensaio
como irão se portar os Tribunais Superiores com crítico sobre o discurso garantista e a racionalidade
a recorrente e indiscriminada criminalização da neoliberal. Porto Alegre: Elegantia Juris, 2020.
fome: será que esse aumento expressivo de recur- LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 17 ed. São Paulo:
sos criminais nos últimos 02 (dois) anos11 ensejará a Saraiva Educação, 2019.
construção de outro argumento de neoliberal res- LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal:
tritivo do habeas corpus para validar este estrata- volume único. 7 ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Ed.
gema também de raiz neoliberal de usar o Direito JusPodivm, 2019.
Penal para “varrer” para o canto da “inexistência” os MAIA, Maurílio Casas Maia (org). Defensoria Pública,
famintos que crescem cada vez mais no país? Democracia e Processo II. 1 ed. São Paulo: Tirant Lo
Breve, então, corre-se o risco, também via Blanch, 2021.
processo de criminalização, de chegar o tempo em PIMENTEL, Fabiano. Processo Penal. 2 ed. São Paulo:
que as defesas criminais, ainda que a privação de li- D’Placido, 2022.
berdade seja liberalmente um “bem jurídico” inafas- ZAFFARONI, Eugenio Raul. Penas ilícitas: un desafío a la
tável, também estarão restringidas em sua própria dogmática penal. 1 ed. Buenos Aires: Editores del Sur,
existência! E a história, como lembra o episódio 10 2020. Livro digital disponível em file:///C:/Users/dpe/
(dez) do podcast Levante 129, é o instrumento pri- Downloads/E._Raul_Zaffaroni_-_Penas_illicitas.pdf.
mordial para mostrar a importância de resgatar e pdf.pdf.pdf.pdf, acesso 07/10/2022, às 23h.

11
https://portalossoduroderoer.com.br/supremo-enfren- 12
https://www.cfn.org.br/index.php/noticias/pesqui-
ta-explosao-de-numero-de-casos-de-baixo-potencial-o- sa-revela-que-fome-no-brasil-atinge-331-milhoes-de-
fensivo-consultor-juridico/ acesso em 27/09/2022 -pessoas/, acesso em 23h e 50 min.

Júlia Lordêlo Travessa

Defensora Pública Estadual, mulher, nordestina, parda, Mestra em Direito


Público e Especializada em Direitos Humanos e Direito Penal

9
Lirismos Insurgentes

RIO 10
Graças a uma janela tecnológica E aqui do meu lado do país
Ouço, vindo do outro lado do país Os que não ouviram
O som das pessoas correndo Ou sentiram
Dos carros correndo Se acham no direito
Dos gritos correndo De apontar culpados
Da bala correndo E sugerir soluções
Do sangue correndo Impô-las
Sinto o cheiro da maravilhosa cidade E acham que com palavras vão
O cheiro do mar fazer a bala parar de correr
O cheiro da praia Pseudo-porras.
Do asfalto
Do muro
Da terra
Do pó
Do morro do pó
Da fumaça do pó
Do dinheiro do pó
Da corrupção do pó
Da violência do pó
Do sangue do pó

Mariana Rozario
Poeta e advogada de Feira de Santana. Apaixonada por livros, línguas e letras, é
graduada em Letras com Inglês, e mestranda em Relações Internacionais pelo
Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais do IHAC - UFBA.
Artigos

Os crimes políticos de manifestação


do pensamento e sua tipicidade
Por Alex Agra Ramos

No dia 23 de agosto de 2022, a Polícia Federal subversiva, é necessário que haja uma adequação
cumpriu mandados de busca e apreensão nas casas da conduta à potencialidade causal que demanda o
de oito empresários, após autorização do ministro tipo objetivo. A incitação, portanto, deve referir-se
Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a fato concreto determinado. A observação de Fra-
em virtude da Petição 10.543/DF, feita no âmbito goso é excelente, ao afirmar que
Inquérito 4.874/DF. Além da busca e apreensão, a
Polícia Federal solicitou também a quebra do sigilo Os crimes políticos de manifestação
telemático dos oito empresários. Segundo a inter- do pensamento são crimes de peri-
go. Quando se realiza a instigação ou a
pretação da Polícia Federal, acolhida pelo supracita-
propaganda não surge qualquer dano
do ministro do STF na sua decisão1, os empresários à segurança do Estado, ou seja, não há
teriam cometido os delitos presentes no art. 359-L qualquer alteração pejorativa da realida-
(abolição violenta do Estado Democrático de Direi- de fenomênica com respeito à inviolabi-
to) e no Art. 359-M (Golpe de Estado) do Código Pe- lidade do regime e do governo, da inde-
nal. A motivação da Polícia Federal para os pedidos pendência da nação e de sua soberania.
(FRAGOSO, 1973, p.287)
encaminhados ao STF foi o vazamento de conversas
de WhatsApp por um portal de comunicação2 em
que os empresários conversam em abstrato sobre a Ou seja, para que a manifestação do pensa-
necessidade de um golpe de Estado no país. Nossa mento – do ponto de vista de um crime político –
análise é guiada pela seguinte pergunta: do ponto represente de fato caráter típico, é necessária que
de vista penal, está correta a interpretação do Mi- essa manifestação se destine à condução de ação
nistro Alexandre de Moraes ao acolher a tipicidade potencial causal de ameaça ao Estado ou às insti-
da conduta no caso concreto? É correto que o va- tuições democráticas.
zamento de conversas privadas do WhatsApp que Conforme o julgamento do STF na petição
falam abstratamente em abolir o Estado Democrá- 9.844, à Lei dos Atos Antidemocráticos – Lei nº
tico possam ensejar não só a violação de garantias e 14.197/21 – aplica-se o princípio da continuidade
direitos fundamentais de quem quer que seja, mas a normativo-típica em relação à antiga Lei de Segu-
possibilidade de imputação do 359-L e do 359-M do rança Nacional, nos seguintes termos: a) nos antigos
Código Penal? Passamos à analise. arts. 18 e 23, IV da LSN e no atual art. 359-L, do Có-
digo Penal; e b) No antigo art. 26 da Lei nº 7.170/83
Na sua obra Jurisprudência Criminal – Vo- e o delito previsto no art. 138 c/c art. 141, II, ambos
lume II (1973), Heleno Cláudio Fragoso comenta o do Código Penal. O antigo art. 23 da LSN, em seu in-
caso de entrevista em que o historiador Caio Pra- ciso I, é precisamente a matéria que trata da inci-
do Jr., em entrevista sobre o seu livro A Revolução tação à subversão, havendo continuidade normati-
Brasileira (1987) concedida a estudantes da USP que vo-típica em relação, portanto, ao artigo 359 da Lei
virou alvo de condenação do Superior Tribunal Mi- nº 14.197/21, que trata da Abolição violenta do Estado
litar. Na ocasião, foi observado que para configurar Democrático de Direito, e recebe a seguinte redação:
as chamadas incitação à subversão e propaganda
Art. 359-L. Tentar, com emprego de vio-
lência ou grave ameaça, abolir o Estado
1
Disponível em: https://images.jota.info/wp-content/ Democrático de Direito, impedindo ou
uploads/2022/08/decisacc83o-pet-10543.pdf. Acesso restringindo o exercício dos poderes
em: 12 de agosto de 2022. constitucionais
2
Disponível em: https://www.metropoles.com/colunas/
guilherme-amado/exclusivo-empresarios-bolsonaristas-
defendem-golpe-de-estado-caso-lula-seja-eleito-veja- Vejam que o tipo objetivo demanda o empre-
zaps. Acesso em: 12 de agosto de 2022. go de violência e grave ameaça, e a potencialidade

11
Artigos

causal conecta-se com a concretude da tentativa aos atos executórios, isto é, nos atos preparatórios,
em relação ao impedimento ou restrição do exer- haveria que restar caracterizada uma conduta autô-
cício de poderes constitucionais. Sendo, como noma criminalizada. É o exemplo do indivíduo que
disse Fragoso, os crimes políticos de manifestação ameaça matar alguém e vai até uma loja comprar
crimes de perigo, podem ser separados em perigo um facão pra matar. O ato preparatório de comprar
concreto e perigo abstrato. Os crimes políticos de o facão é impunível, mas o ato de ameaçar é condu-
manifestação de pensamento têm como natureza ta típica autônoma, respondendo o agente somen-
jurídica o perigo concreto. Basta observar a defini- te por essa conduta. Não é o caso, no entanto, da
ção de Juarez Cirino: manifestação de liberdade de pensamento feita em
grupo privado de rede social, que não projete nem
Os tipos de perigo concreto exigem a potencialidade causal nem represente violência ou
efetiva produção de perigo para o objeto grave ameaça.
de proteção, de modo que a ausência de
Há um risco, no entanto, na decisão do Su-
lesão do bem jurídico pareça meramen-
te acidental, como o perigo de contágio premo Tribunal Federal de autorizar violação de
venéreo (art.130), o perigo para a vida ou garantias e direitos fundamentais devido à di-
a saúde de outrem (art. 132), o incêndio vulgação de mensagens que foram publicadas em
(art. 250), a explosão (art. 251) etc. Segun- uma rede social privada: não se pode criar pre-
do SCHUNEMANN, o perigo concreto cedentes judiciais para supostamente defender a
caracteriza-se pela ausência casual do
democracia sacrificando o princípio democrático
resultado, e a casualidade representa
circunstância em cuja ocorrência não se da legalidade. Não se pode sacrificar a democracia
pode confiar. (DOS SANTOS, 2022, p. 107) sob o argumento de defesa da democracia, porque
embora a democracia não possa tolerar os into-
lerantes, a intolerância dos intolerantes deve ser
Portanto, enquanto do ponto de vista do tipo prescrita em forma da lei.
objetivo, a tipicidade só se configura na conduta Dito isso, a atipicidade da conduta dos em-
prevista do art. 359-L quando há – de fato – poten- presários, ainda que a conduta represente uma
cialidade causal entre a conduta que se pretende preocupação política, coloca em evidência uma
incriminar e o perigo efetivo de impedimento ou atuação fora da legalidade e da constitucionalidade
restrição do exercício dos poderes constitucionais. por parte do Supremo Tribunal Federal. Preceden-
Além disso, para configurar a tipicidade, o meio es- te, portanto, perigoso para todos aqueles que são
colhido para a realização da conduta deve, neces- defensores de um processo penal democrático.
sariamente, ser a violência ou grave ameaça.
Importante destacar também que o enqua-
REFERÊNCIAS
dramento típico da conduta demanda adesão dessa
não só ao tipo objetivo, mas também ao tipo sub- FRAGOSO, Heleno Cláudio. Jurisprudência Criminal: Vo-
jetivo, caracterizado pela consciência e vontade. lume II. RJ: Editor Borsoi. 1973.
A adequação ao tipo subjetivo demanda que seja DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito Penal: Parte Geral.
identificado e provado o ânimo do agente de rea- Rio de Janeiro: Editora Tirant Lo Branch. 2022. 9ª ed.
lização da conduta típica prevista no Código Penal, PRADO JÚNIOR, Caio. A Revolução Brasileira. São Paulo:
no exemplo que tratamos, a de tentar, por meio Editora Brasiliense. 1987.
de violência ou grave ameaça, abolir o Estado De-
mocrático de Direito, impedindo ou restringindo ALEX AGRA RAMOS
os poderes constitucionais. A mera declaração de
vontade de existência de golpe é – do ponto de vis-
ta do iter criminis – mera fase de cogitação, fase Bacharel em Ciências Sociais
interna, e, portanto, impunível. Para que houvesse – Universidade Federal da
o tipo subjetivo caracterizado, o ânimo deveria ser Bahia. Mestrando em Ciên-
localizado ao menos nos atos executórios. cia Política – Universidade
Por outro lado, para que pudéssemos, excep- Federal da Bahia. Bacharelando em Direito – Uni-
cionalmente, falar em tipicidade na fase anterior versidade Católica do Salvador.

12
Artigos

Reconhecimento facial e a ausência de


dados sobre falsos positivos na Bahia:
racismo à moda brasileira
Por Daniel Lima Oliveira

Em um país marcado por uma herança co- dendo, ao final, à fase de reconhecimento ou não
lonial que se manifestou no sequestro de pessoas da identidade (MAGNO e BEZERRA, 2020). Em sín-
negras de África - motivando a existência da escra- tese, é uma forma de biometria, que é a ligação
vidão, no Brasil, por mais de três séculos-, o racis- entre um elemento único do corpo humano de um
mo se constitui como um dos braços armados do indivíduo com uma unidade de registro.
Estado, produzindo, nos silenciamentos cômodos A Bahia foi o primeiro estado brasileiro a im-
da branquitude, as mortes físicas e sociais de suas plementar o uso do reconhecimento facial na área
vítimas. Apoiado em uma concepção de harmonia de segurança pública, sendo que as primeiras câ-
racial, forjou-se, no país tropical e bonito por na- meras de vigilância foram colocadas nos espaços
tureza1, um “pacto social racialmente fundamen- públicos em dezembro de 2018. Em março do ano
tado” (FLAUZINA, 2006, pp. 13-14). Em uma terra seguinte, momento em que se realizava o carnaval
onde o racismo encontra solo fértil para fincar raí- de Salvador, aconteceu a primeira prisão de uma
zes, não causa espanto que tecnologias, pretensa- pessoa considerada “foragida”. Em quase quatro
mente neutras, sejam evocadas como verdadeiras anos, o estado baiano não só implementou a tec-
pontes para criar novas formas de violência. nologia, como também já determinou a expansão
A tecnologia de reconhecimento facial pode para 77 municípios, apesar de não ter havido um
ser conceituada como uma espécie de técnica de debate amplo sobre o seu emprego. Atualmente, já
identificação biométrica em que um software ma- é o estado brasileiro que mais encarcera pessoas
peia padrões das linhas faciais e, através de algo- com a utilização desta ferramenta2.
ritmos, compara-os a uma imagem digital, proce- Qualquer inovação tecnológica que utili-

2
Até o dia 26 de abril de 2022, o número de pessoas presas
1
Referência à canção “País tropical”, do músico Jorge Ben Jor. totalizava 241.

13
Artigos

za algoritmos para o seu funcionamento tem o não era a pessoa procurada pelo software. Ambos
potencial de produzir erros (NUNES, 2019). No os fatos aconteceram na capital baiana.
caso do reconhecimento facial, as tecnologias O sentimento de desresponsabilização por
são imprecisas e frágeis (SILVA, 2022), o que ge- parte dos agentes policiais é notório. Sabe-se, po-
rou decisões sobre o seu banimento em diversos rém, que apesar da taxa de similaridade ser con-
países. No Brasil não há tantos estudos empíricos duzida pelo algoritmo, após a emissão do alerta
sobre o tema, até porque a coleta de dados é uma faz-se necessário proceder à uma análise humana,
questão sensível e necessita de uma maior trans- e será o agente de segurança quem, por fim, rea-
parência dos estados federados, mas algumas lizará um cruzamento entre a foto que consta no
iniciativas de organizações independentes da so- banco de dados e a imagem gerada pelo sistema,
ciedade civil nos dão algumas pistas. Consoante no sentido de confirmar a identidade da pessoa.
o relatório produzido pela Rede de Observató- Trata-se de uma análise compartilhada, tornando-
rios da Segurança, em que foram monitorados os -se um risco, principalmente, à população negra,
casos de prisões e abordagens policiais em face em razão de todos os preconceitos e vieses que
do uso do reconhecimento facial em 2019, dos estruturam a sociedade e demarcam os efeitos da
episódios em que havia informações sobre ele- colonização que ainda persistem.
mentos raciais, 90,5% das pessoas presas eram O cenário brasileiro, onde a noção de cor-
negras. A Bahia, inclusive, liderou o número de dialidade estabeleceu os métodos para a crença,
abordagens e prisões com a nova técnica (51,7% por boa parte dos grupos minorizados, sobre a
das prisões), seguida pelos demais quatro estados existência de uma suposta igualdade (SILVA, 2022),
monitorados pela Rede3. evoca um dever de recontar a história. Trata-se de
Os órgãos de comunicação do estado da uma tarefa exaustiva, ainda mais quando o con-
Bahia se lambuzam ao expor o número de pri- texto dos usos de tecnologias, supostamente neu-
sões com o uso da tecnologia, mas omitem in- tras, colocam as minorias em um verdadeiro não-
formações acerca dos erros provocados pela -lugar. Independente do manuseio da tecnologia
mesma ferramenta. A ausência de dados ofi- de reconhecimento facial, que tem servido para
ciais, no fundo, também é a expressão caricata encarcerar, em maior grau, pessoas negras, esta
do racismo à moda brasileira. O assistente ad- ferramenta potencializa o que sempre foi observa-
ministrativo de prenome Davi, um jovem homem do no território baiano. O cárcere continua sendo
negro, foi falsamente reconhecido pela tecnolo- o instrumento basilar de dominação institucional
gia e abordado por policiais em trabalho osten- mediante o controle dos corpos matáveis. Novas
sivo. Davi não virou estatística para os dados pú- tecnologias, velhíssimas histórias. Até quando?
blicos oficiais do estado baiano, sendo liberado
após ter sido comprovado que ele não era quem
as câmeras de vigilância apontaram como sendo REFERÊNCIAS
a pessoa procurada.
Outros dois episódios de falsos positivos BENTO, Maria Aparecida Silva. Pactos narcísicos no racis-
também foram denunciados por canais da mídia mo: branquitude e poder nas organizações empresariais e
local. Em setembro de 2019 policiais militares rea- no poder público. Tese (doutorado). 169 p. Departamento
lizaram a abordagem de um jovem de 25 anos de de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da
idade, portador de necessidades especiais, que foi Personalidade. Instituto de Psicologia da Universidade de
reconhecido pelo sistema como um homem pro- São Paulo: São Paulo, 2002.
curado pela justiça em razão da prática do crime
de roubo. Já no dia 02 de novembro de 2019, um FALCÃO, Cíntia. Lentes racistas: Rui Costa está transfor-
rapaz negro de apenas 17 anos de idade foi abor- mando a Bahia em um laboratório de vigilância com re-
dado por policiais militares quando ainda estava conhecimento facial. A ascensão do tecnoautoristarismo
dentro da estação de metrô, sendo encaminhado – Parte 4. The Intercept Brasil, set. 2021. Disponível em:
para a Delegacia do Adolescente Infrator. Entre- <https://theintercept.com/2021/09/20/rui-costa-esta-
tanto, comprovou-se na unidade policial que ele -transformando-a-bahia-em-um-laboratorio-de-vigilan-
cia-com-reconhecimento-facial/>. Acesso em: 10 out. 2022.
3
À época da publicação do Relatório, cinco estados eram
monitorados pela Rede: Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no
Janeiro e São Paulo. chão: o sistema penal e projeto genocida do estado penal

14
Artigos

brasileiro. 2006. 145 p. Dissertação (Mestrado em Direito). cimento-facial-na-bahia-mais-erros-policiais-contra-ne-


Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2006. gros-e-pobres/>. Acesso em: 30 set. 2022.
MAGNO, Madja Elayne da Silva Penha; BEZERRA, Josenil- ______. Racismo algorítmico: inteligência artificial e
do Soares. Vigilância negra: O dispositivo de reconheci- discriminação nas redes digitais. Edições Sesc: 2022. Edi-
mento facial e a disciplinaridade dos corpos. Novos Olha- ção eBook do Kindle.
res, 9(2), 45-52. Sistema de reconhecimento facial de Salvador confunde
homem com necessidades especiais com assaltante. Mídia
Procurado por homicídio vai para o carnaval de Salvador 4P, 07 jan. 2020. Disponível em: <https://midia4p.cartaca-
vestido de mulher e é preso após ser flagrado por câme- pital.com.br/sistema-de-reconhecimento-facial-de-sal-
ra. G1 Bahia. 05 mar. 2019. Disponível em: <https://g1.glo- vador-confunde-homem-com-necessidades-especiais-
bo.com/ba/bahia/carnaval/2019/noticia/2019/03/05/ -com-assaltante/>. Acesso em 30 set. 2022.
procurado-por-homicidio-vai-para-o-carnaval-de-sal-
vador-vestido-de-mulher-e-e-preso-apos-ser-flagrado- DANIEL LIMA OLIVEIRA
-por-camera.ghtml>. Acesso em: 30 set. 2022.
Especialista em Ciências
REDE DE OBSERVATÓRIOS DA SEGURANÇA. Retratos Criminais e Segurança Pú-
da Violência: Cinco meses de monitoramento, análises e blica (UERJ). Bacharel em
descobertas. Rio de Janeiro: CESeC, 2019. Disponível em: Direito (UFBA). Advogado-
<http://observatorioseguranca.com.br/wpcontent/uplo- -monitor do Patronato de
ads/2019/11/1relatoriorede.pdf>. Acesso em: 30 set. 2022. Presos Estado da Bahia. Membro da Comissão Es-
tadual da Advocacia Negra (OAB/BA). Associado
SILVA, Tarcízio. “Reconhecimento facial na Bahia: mais ao Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)
erros policiais contra negros e pobres”. 21 nov. 2019. Dis- e ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
ponível em: <https://tarciziosilva.com.br/blog/reconhe- (IBCCRIM). Advogado Criminalista.

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Artigos

O Complexo do Curado e a atuação na defesa


da liberdade: quantas negativas são suficientes
até o cumprimento da decisão da Corte
Interamericana de Direitos Humanos?
Por Gabriela Andrade, Henrique de Souza e Michel Nakamura

Entre as medidas provisionais que o Brasil Essa cronologia nos permite concluir que, ao
coleciona na Corte Interamericana de Direitos menos, desde o ano de 2008 foram noticiadas vio-
Humanos (Corte IDH) por violação aos direitos lações envolvendo o Complexo do Curado ao sis-
das pessoas privadas de liberdade, há o Assunto tema interamericano e por este reconhecida. Em
do Complexo Penitenciário do Curado (2014), lo- agosto de 2012, inclusive, considerava-se o maior
calizado na cidade do Recife, em Pernambuco. presídio do Brasil, com 1513 (hum mil quinhentos
Há mais de dez anos, em 2011, a Comissão e treze) vagas, mas que continha 5463 (cinco mil
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emi- quatrocentos e sessenta e três) pessoas em priva-
tiu medida cautelar (MC 199-11) sobre as pessoas ção de liberdade (LEGALE, 2019. p. 155). Hoje, a lo-
privadas de liberdade no então Presídio Aníbal tação é 360% superior à capacidade das unidades
Bruno, noticiando a ocorrência, desde o ano de do Complexo, contando com 6.508 homens1.
2008, de mais de 50 mortes violentas dentro da Considerando, então, a contínua ausência de
unidade prisional, além de atos de rebelião em ju- implementação das determinações da Corte pelo
lho de 2011, que resultaram em 16 pessoas feridas Estado, não existindo, à época, uma posição oficial
e mortas (CIDH, 2011). Após a emissão das medidas sobre o cômputo em dobro da pena cumprida no
cautelares e do contínuo descumprimento do Es- Complexo do Curado pelo Judiciário pernambuca-
tado Brasileiro, em 2014, a CIDH submeteu à Corte no, em dezembro de 2020 a Defensoria Pública do
a solicitação de medidas provisionais, a fim de que Estado de Pernambuco iniciou um levantamento
fossem adotadas providências para proteger a in- das pessoas privadas de liberdade que preenchiam
tegridade, a dignidade e a vida das pessoas priva- os critérios estabelecidos pela Corte IDH para ob-
das de liberdade no Curado (LEGALE, 2019, p. 155 tenção do direito, tendo solicitado habilitação,
e 156). Mas não foi suficiente. ainda, como Amicus Curiae perante a Corte.
Em 2018, em sua sexta Resolução sobre o Assim, como estratégia de atuação, foram
“Assunto do Complexo Penitenciário de Curado”, a realizados mais de 200 pedidos de aplicação do
Corte IDH determinou a necessidade de se com- cômputo em dobro em razão do cumprimento de
putar em dobro o tempo de pena cumprida, diante pena ilícita, sendo, em realidade, uma pequena
do cenário antijurídico decorrente da falta de ser- amostra, escolhida a partir de critérios que nos
viços básicos, da insalubridade e, notadamente, pareciam indiscutíveis para o cumprimento da de-
da superlotação da unidade. Nesse cenário, afir- cisão da Corte IDH. Mas não foi suficiente.
mou que não é o bastante aguardar a construção Em todos os processos, o Ministério Públi-
de novos estabelecimentos prisionais, a reforma co manifestou-se contrariamente ao deferimento
dos já existentes ou a contratação de agentes do pedido e foi além: “de onde advém a capaci-
penitenciários em número suficiente, enquanto dade legislativa da CIDH (sic)?”, manifestou-se
mortes, atos de violência, situações humilhantes expressamente o Ministério Público em todos os
e degradantes continuam ocorrendo com fre- pedidos da Defensoria Pública. A partir da postu-
quência alarmante. Considerou, assim, que o úni- ra processualmente assumida, a instituição negou
co meio para mitigar a situação de cumprimento
de pena antijurídica, que representa uma contínua 1
PDisponível em: <https://www.cnj.jus.br/corregedoria-
violação à Convenção Americana, consiste em re- -da-ao-tjpe-oito-meses-para-tirar-70-dos-presos-do-
duzir a população do Complexo de Curado. -complexo-do-curado/>. Acesso em 25 de out de 2022.

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Artigos

não apenas o direito das pessoas privadas de li- mição sui generis, em posição divergente à nature-
berdade, mas questionou a própria competência za jurídica apresentada pela Corte IDH - de medida
da Corte IDH, dentre outras ginásticas interpre- reparatória, conforme sustentado pela Defensoria
tativas e mecanismos “que não visam libertar aos - sendo certo que a conta corrente penal, popular-
poucos, mas, ao contrário, aprisionar um pouco mente conhecida como "poupança de tempo de pri-
mais” (FLAUZINA, 2008, p. 63). são", levantada pelo TJPE numa tentativa de obsta-
Se a negativa parecia suficiente para extrair culizar a fruição do referido direito, não se confunde
a posição institucional do Ministério Público e do com a utilização do tempo de prisão cumprido em
Judiciário, os embaraços ao cumprimento da deci- determinado presídio para efeitos de direitos sub-
são da Corte IDH ainda estavam longe de acabar. jetivos no âmbito da execução penal. Para além da
Em 2021, diante de decisões conflitantes dos juí- perspectiva quanto ao papel do Judiciário como
zos de execução penal, foi instaurado o Incidente produtor mediato de tortura e de penas ilícitas, o
de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) n° que, por si só, deveria levar ao estado de liberda-
8770-65.2021.8.17.9000, suscitado pelo Ministério de, um dos critérios apresentados por Zaffaroni ao
Público Estadual no âmbito do TJPE e que versa tratar das penas ilícitas desvela uma solução com-
diretamente sobre a aplicação do cômputo em do- pensatória, a partir do princípio da proporcionali-
bro no Complexo do Curado. Em virtude da ins- dade nos casos de prisão em situação de deteriora-
tauração do citado IRDR, houve a suspensão da ção carcerária, considerando o grau de sofrimento,
análise de todos os pleitos da Defensoria formula- de forma a impactar diretamente no tempo de pri-
dos em primeiro e segundo graus, de modo que o vação de liberdade (ZAFFARONI, 2020, p. 34).
referido direito não vinha sendo concretizado no O TJPE, contudo, sem qualquer base con-
estado, tendo sido impetrados Habeas Corpus pe- vencional, modulou a resolução da Corte IDH, es-
rante o Superior Tribunal de Justiça (STJ). vaziando-a de efeito, valendo-se de especificações
Inclusive, a Corte da Cidadania pôde se ma- internas sobre crimes que não são refletidas ne-
nifestar, em mais de uma oportunidade, sobre a cessariamente no plano internacional, ao excluir,
aplicação da medida reparatória do cômputo em por exemplo, delitos contra a integridade física,
dobro da pena cumprida no Instituto Penal Plá- bem como aos recolhidos em virtude dos crimes
cido de Sá Carvalho (RJ), sendo esta também uma hediondos e equiparados. Dessa forma, afasta-se
determinação oriunda de uma medida provisória do alcance da compensação penal por pena anti-
da Corte IDH. O STJ já havia firmado entendimen- jurídica os acusados de lesão corporal, tráfico de
to sobre a necessidade de cumprimento das me- drogas, roubo circunstanciado, dentre outros que
didas da Corte, reconhecendo o direito ao cômpu- compõem a maioria massiva daqueles que se en-
to em dobro na unidade carioca (RHC 136961). Os contram recolhidos no complexo.
pedidos da Defensoria Pública do Estado de Per- Diante desse abismo, o cumprimento da
nambuco para que idêntico entendimento fosse decisão da Corte IDH no estado de Pernambuco
aplicado também aos apenados no Complexo do segue atravancada, desvelando a projeção de fu-
Curado, no entanto, não foram suficientes. turo quase inescapável de que falava Nilo Batista
Após Força-Tarefa realizada no estado de nos idos dos anos noventa (BATISTA, 1990, p. 38):
Pernambuco no mês de agosto de 2022, liderada punidos e mal pagos.
pela Corregedoria Nacional de Justiça e pelo De-
partamento de Monitoramento e Fiscalização do
REFERÊNCIAS
Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de
Medidas Socioeducativas (DMF), foi determinado COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS.
pela Corregedoria Nacional de Justiça ao TJPE o Medida cautelar 199/11. Disponível em: <http://www.
prazo de oito meses para tirar 70% (setenta por oas.org/pt/CIDH/decisiones/MC/cautelares.asp?Ye-
cento) dos presos do Complexo do Curado2. ar=2011>. Acesso em 11 de out. 2022.
Posteriormente, a decisão do TJPE no referido CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS (Cor-
IRDR fixou entendimento acerca da natureza jurídi- te IDH). Resolução de 20 de abril de 2021 (Medidas pro-
ca do cômputo em dobro, afirmando tratar-se de re- visórias relacionadas ao Brasil, nos assuntos da unidade
de internação socioeducativa, no Complexo Penitenciário
2
Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/corregedoria- do Curado, no Complexo Penitenciário e do Instituto Pe-
-da-ao-tjpe-oito-meses-para-tirar-70-dos-presos-do- nal Plácido de Sá Carvalho). Disponível em <https://www.
-complexo-do-curado/>. Acesso em 25 de out de 2022. corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_333_por.

17
Artigos

pdf>. Acesso em 25 de out. de 2022. HENRIQUE DA FONTE


BATISTA, Nilo. Punidos e Mal Pagos: violência, justiça, se- ARAÚJO DE SOUZA
gurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio
de Janeiro: Revan, 1990. Defensor Público do Estado
FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: de Pernambuco, Coordena-
o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. dor do Núcleo de Defesa e
Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. Promoção de Direitos Huma-
LEGALE, Siddharta; ARAÚJO, Luis Claudio Martins de. Di- nos da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco.
reitos Humanos na prática interamericana: o Brasil nos
casos da Comissão e Corte Interamericana de Direitos Hu-
manos. Lumen Iuris : Rio de Janeiro, 2019. MICHEL SEICHI NAKAMURA
WACWANT, Loic. Punir os pobres: a Nova Gestão da Miséria
nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: F. Bastos, 2001, Revan, 2003. Defensor Público do Estado
de Pernambuco, Subdefen-
sor da Execução Penal da
GABRIELA LIMA ANDRADE Defensoria Pública do Esta-
do de Pernambuco.
Mestranda em Raciocínio
Probatório (Universidade de
Girona - UdG). Defensora Pú-
blica do Estado da Bahia. Ex-
-coordenadora do Núcleo Es-
pecializado de Cidadania Criminal e Execução Penal
da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco.

18
Artigos

A Prisão preventiva em Moçambique,


um mecanismo de violação da dignidade
da Pessoa Humana
Por Hélder Ernesto Injojo

Os dados do Ministério da Justiça, Assuntos quando inocente. Sobre este bem jurídico, a Cons-
Constitucionais e Religiosos, indicam que cerca tituição Moçambicana, consagra no artigo 59, que:
de quarenta e cinco por cento da população re-
clusória em Moçambique é constituída por presos Na República de Moçambique, todos
têm direito à liberdade e à segurança,
preventivos, o que evidência a distorção da natu-
ninguém pode ser preso e submetido a
reza jurídica da prisão preventiva, uma medida de julgamento se não nos termos da lei. Os
coação de carácter excecional que visa acautelar arguidos gozam da presunção de ino-
fins de natureza instrumental. cência até decisão judicial definitiva.
O princípio da presunção de inocência se er-
gue em sociedades modernas, Estados de Direito No que concerne à prisão preventiva, a
Democrático e é consagrado em vários diplomas Constituição no seu artigo 64, estabelece que:
internacionais, tais como, a Declaração Universal
dos Direitos do Homem, a Convenção Europeia dos A prisão preventiva só é permitida nos
Direitos do Homem, a Carta dos Direitos Funda- casos previstos na lei, onde são fixados
os respetivos prazos. O cidadão sob pri-
mentais da União Europeia, a Declaração America-
são preventiva deve ser apresentado no
na dos Direitos e Deveres do Homem, entre outros. prazo fixado na lei à decisão de autori-
O direito à liberdade é um dos mais relevan- dade judicial, que é a única competente
tes bens jurídicos, a seguir à vida. A privação da para decidir sobre a validação e a manu-
liberdade de um cidadão por suspeita de ter prati- tenção da prisão. (…)
cado um crime é essencial à realização da justiça e
à defesa da sociedade contra as ações criminosas, Como se pode depreender, este instituto ju-
mas constitui cautela processual muito gravosa rídico tem dignidade constitucional e a sua apli-
para o direito individual à liberdade, sobretudo cabilidade deve decorrer da lei. O princípio da

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Artigos

presunção de inocência não deve ter uma inter- o perigo de possíveis intervenções dos poderes
pretação literal, deve ser interpretado de forma públicos à margem da lei. As presunções legais
que garanta que a pena somente seja imposta no não podem servir, por si só, de fundamento para
final do processo, por que a prisão antecipada só a imposição da prisão preventiva, é essencial,
se justifica enquanto medida puramente cautelar. para a sua aplicação, a existência de fortes indí-
Na verdade, a discussão vai além do conteú- cios de que o arguido em liberdade constitui uma
do semântico, ela perpassa pelo escopo do pro- ameaça grave de perturbação do processo, ou de
cesso penal, qual seja, a efetivação da pretensão escapar à ação penal.
punitiva do Estado com a devida aplicação da Portanto, o uso da prisão preventiva como
pena, bem como a garantia dos direitos e garantias regra, constitui atentado aos princípios básicos
individuais. O fim do princípio da presunção de dum Estado de Direito Democrático. Mesmo que
inocência é a manutenção dos direitos e garantias se justifique a prisão preventiva como essencial
individuais, mais especificamente a liberdade, até para a investigação, por haver perigo de oculta-
o transito em julgado da sentença condenatória. ção ou destruição de parte da prova ou por pe-
(CARVALHO, 2008, p. 105). rigo de fuga, a liberdade do suspeito é um valor
A presunção de inocência não é apenas uma jurídico superior à da defesa da investigação para
garantia de liberdade e de verdade, mas também uma adequada acusação. A questão das restrições
uma garantia de segurança ou, se quisermos, de de direitos fundamentais por necessidade do pro-
defesa social: da específica “segurança” fornecida cesso viola princípios fundamentais que resvalam
pelo Estado de direito e expressa pela confiança para a violação da dignidade da pessoa humana.
dos cidadãos na justiça, e daquela específica “de-
fesa” destes contra o arbítrio punitivo. (FERRAJO-
LI, 2002, p. 441). REFERÊNCIAS
A prisão preventiva corresponde normal-
mente a uma violação da regra jurídica de presun- CARVALHO, Paula Marques. As medidas de coacção e de
ção de inocência do suspeito. A prisão preventiva garantia patrimonial, uma análise prática à luz do regime
é a medida de coacção mais grave e problemática, introduzido pela lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, 2ª edi-
desde logo porque opõe dois interesses divergen- ção, Editora Almedina, Coimbra, 2008.
tes, por um lado, o interesse do Estado em pri- FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo
var da liberdade ao cidadão numa fase processual penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
em que este ainda goza da presunção da inocên- SILVA, Germano Marques da. Curso de processo penal.
cia com o fim, entre outros, de proteger o normal Vol.II. 5ª Edição, Editora Babel, Lisboa, 2011.
andamento do processo e de garantir a execução Legislação
penal, e, por outro lado, o interesse do arguido em Constituição da República de Moçambique de 2004
responder o processo em plena liberdade, de ma- Hélder Ernesto Injojo, Doutorando em Direito Público pela
neira a melhor realizar a sua defesa. Neste que- Universidade Católica de Moçambique, Mestre em Ciên-
sito, a prisão preventiva deve ser tida como uma cias Jurídicas pelo ISCTEM, Licenciado em Direito pela
medida excecional, o carácter excecional da pri- Apolitécnica. Advogado. Deputado e Vice-Presidente da
são preventiva traduz-se no facto de ela nunca po- Assembleia da República de Moçambique.
der ser aplicada nem mantida quando não estejam
presentes, no caso em concreto, os pressupostos
materiais constantes na Constituição e na lei. HÉLDER ERNESTO INJOJO
A prisão preventiva só deve ser aplicada
quando se revelar inadequadas ou insuficientes Doutorando em Direito Pú-
as outras medidas de coação. A execução das me- blico pela Universidade Ca-
didas de coação não deve prejudicar o exercício tólica de Moçambique, Mes-
de outros direitos fundamentais que não forem tre em Ciências Jurídicas
incompatíveis com as exigências cautelares que o pelo ISCTEM, Licenciado
caso requerer. (SILVA, 2011, p.348). em Direito pela Apolitécnica. Advogado. Deputa-
Por isso, a natureza excecional da prisão do e Vice-Presidente da Assembleia da República
preventiva, leva-nos ao entendimento que o seu de Moçambique.
uso abusivo viola os direitos e liberdades funda-
mentais dos cidadãos(arguidos), resvalando para

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Artigos

A esquerda, a direita, e dentro (dos muros):


os (quase inexistentes) impactos das
mudanças político-ideológicas no cenário
penitenciário do RJ
Por Isabella Mesquita Martins e Vinicius Mesquita Martins

Mais inflamados nos últimos anos, os emba- estadual com representantes de diferentes ver-
tes políticos entre as alas tidas como esquerda e tentes e posicionamentos políticos.
direita no Brasil não são exatamente uma novida- Apesar disso, no contexto prisional flumi-
de. As hostilidades que eclodiram em nível fede- nense, não parece haver mudanças claras de pers-
ral foram também vistas nas disputas estaduais e pectivas com a alternância entre governos, inde-
municipais, em sequência. Os campos ideológicos pendente do seu posicionamento político. Mesmo
opostos passaram a se intitular representantes de com toda a relevância que evocar questões rela-
diferentes ideias de nação, e se contrapõem entre cionadas à segurança pública possui no campo de
discussões políticas ou de juízo moral sobre situa- batalha da política fluminense, o sistema peniten-
ções, instituições, contextos e/ou grupos. ciário segue sendo esquecido para propostas e
Existem diferentes vertentes de direita e de políticas de melhoria e desenvolvimento, servindo
esquerda, apesar disso, no discurso amplo da so- apenas de suporte para posicionamentos de pro-
ciedade nos últimos anos pudemos assistir essa teção e alavancagem política pontuais.
dualização simplificada ganhar força. Esse resumo Assim, no Brasil os grupos sociais locali-
dualizado das relações e estruturas políticas criam zados em posições mais elevadas da pirâmide
movimentos de compreensão sobre o que preten- social têm sido ligados à direita ideológica, pas-
de cada uma delas, ou ao menos o que diz pre- sando por um discurso que defende que a as-
tender. E, apesar de existirem outros posiciona- censão da esquerda traria consigo um “excesso”
mentos dentro do espectro político, as discussões de direitos para os grupos mais baixos, e que
(principalmente o embate moral) tem se resumi- esses “privilégios excessivos” seriam bancados
do entre essas duas alas, mesmo com a presen- por uma grande carga tributária para as classes
ça constante e poder inegável do dito “centão” no mais altas. Por outro lado, a esquerda defenderia
contexto político nacional. a necessidade de investimentos sociais de base
É bastante comum a alternância de poder e maior participação do Estado no desenvolvi-
entre os partidos no governo no Rio de Janeiro, e mento da economia e nos direitos sociais dos
na área da segurança pública as diferenças entre os cidadãos, e também a necessidade de garantir
discursos das duas alas políticas é muito bem de- direitos para os grupos mais vulneráveis, para
marcada. Daniel Misse (2019) resume e conceitua que a partir daí se possa alcançar maior equida-
a categoria de movimento pendular na segurança de. Com isso, acusa a direita de governar para os
pública do Rio de Janeiro, explicando que “have- ricos, mantendo os privilégios desses em detri-
ria uma oscilação contínua e radical de discursos mento dos mais pobres.
e posturas políticas que opõem dicotomicamente Entre essas vertentes e formas de compre-
defensores de direitos humanos e defensores da ender o papel do Estado, a prisão fica posiciona-
repressão policial ao longo do tempo na política da em um limbo político identitário, onde apesar
fluminense” (MISSE, 2019, p.32). de ser perfeitamente possível encontrar políticos
Entre os discursos de dignidade do indiví- com ações direcionadas à esse contexto (princi-
duo aliado às garantias do cidadão apesar do deli- palmente os de esquerda), são movimentos, em
to e o discurso que contempla tiradas como “atirar geral, isolados e pontuais, e não um movimento
na cabecinha”, a população do Rio de Janeiro tem político consistente e constante, enquanto uma
acompanhado o desenrolar da trajetória política pauta assumida.

21
Artigos

A preocupação de políticos com os direitos ou se ofereça nenhuma proposta específica para


humanos na prisão parece emergir quando a pri- esta seara) possui um real potencial de angariar
são transborda seus muros em direção ao restan- votos de familiares já desgastados também pela
te da sociedade, escancarando alguma situação dinâmica prisional.
extrema, ou como solução para algum crime que Dentro do ringue eleitoral, qualquer busca
tenha ganhado repercussão pública, evocando a por direitos para esse grupo pode ser encarado
punição como resposta e solução. Dessa maneira, como tentativa de dar-lhes privilégios e regalias
o cotidiano da prisão, marcado pela falta e pela (CALDEIRA, 1991), pecha que nenhum candidato
negação de direitos, só é acionado politicamente quer sobre si e que muitos candidatos não fazem
quando a convulsão das suas dinâmicas não con- cerimônia em rotular os adversários de tal for-
segue ser contida por seus muros e grades (CRO- ma, explorando todo capital político da acusação.
ZERA, 2017). Além do contexto da corrida eleitoral, também
O jornal UOL publicou em suas redes um é importante ressaltar o quão raro é encontrar
breve compilado das declarações dos candidatos nas propostas de governo, investimentos e pro-
ao governo do Rio com as suas principais propos- jetos com relação ao sistema prisional, ainda que
tas para a área da segurança pública na campanha novas perspectivas comecem a aparecer com a
das eleições de 20221, retiradas das participações nomeação de uma profissional de carreira para
na sabatina feita pelo jornal. Com falas de Felipe secretária e com a chegada da atual nomenclatu-
Santa Cruz (PSD), Rodrigo Neves (PDT), Anthony ra de “polícia penal” para a classe. E a justificativa
Garotinho (União Brasil), Eduardo Serra (PCB), para o “abandono” dessa pauta não é nem mes-
Cyro Garcia (PSTU), Marcelo Freixo (PSB) e Cláu- mo necessária, já que de maneira geral a socie-
dio Castro (PL), todos se manifestaram sobre as dade também não se preocupa com o cotidiano
polícias, como era de se esperar, e apenas o pri- das prisões, relativizando a falta de preocupação
meiro cita a administração penitenciária, mas se com os presos pela necessidade de se preocupar
limitando a dizer que ela tem uma “óbvia parti- e investir em outras áreas também carentes de
cipação nesse trabalho”, se referindo à busca por estrutura, como educação e saúde, ao invés de
soluções na segurança do estado. “investir em bandido”.
A constante carência de direitos políticos e Com novas eleições a caminho e pautas
atenção estatal da parcela da população atraves- sendo trazidas ao debate, é importante lembrar
sada pelo sistema penitenciário, se constrói ali- que os processos de segurança pública (tão uti-
cerçada na “ausência” do mesmo Estado de quem lizados como plataforma política) não se encer-
se espera suporte. Dessa maneira, o sistema peni- ram na atividade policial seja com o patrulha-
tenciário acaba se manifestando como uma moeda mento de rua ou as operações tão comuns em
política com um baixo custo de manutenção, no favelas do Rio de Janeiro, mas que na realida-
sentido de que qualquer pequeno movimento em de todo um aparato de segurança que inclui as
sua direção já aparenta ser uma grande conquista. prisões (e que agora também implicam em uma
O abandono político sofrido por esses in- nova categoria policial) precisa ser observada
divíduos deve ser considerado também como in- para que as políticas de segurança possam ser
vestimento, uma vez que a candidatura política realmente efetivadas.
também possui um caráter moral, fazendo com Acreditar na possibilidade de execução de
que os políticos não queiram correr o risco de uma boa política de segurança pública ignorando o
serem vinculados à pecha de “defensor de ban- peso do sistema prisional nessa equação é ignorar
dido”, ainda mais em uma sociedade em que a que o mesmo sistema que é utilizado para “retirar
máxima “bandido bom é bandido morto” perma- pessoas de circulação” também retorna pessoas e
nece com muita força independente do segmen- efeitos para a sociedade, de forma que os muros
to social em que se esteja analisando. Assim o não isolam as prisões do restante da sociedade, e
abandono da pauta protege, e o contato com ela as urnas não deveriam estar cegas para isso.
(ainda que não produza nenhum compromisso

REFERÊNCIAS
1
Disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=bmpEYE52eh0&t=2s&ab_channel=UOL>. Acesso CALDEIRA, T. P. R. Direitos humanos ou “privilégios de
em: 08/07/2022. bandidos”? Desventuras da democratização brasileira.

22
Artigos

Novos Estudos - CEBRAP, São Paulo, n. 30, p. 162-174, jul. VINICIUS MESQUITA
1991. MARTINS
CROZERA, Francisco. Onde começam os massacres? In:
MALLART, Fabio e GODOI, Rafael (Orgs). BR 111 – A Rota das Advogado. Delegado da Co-
prisões brasileiras – São Paulo: Veneta, 2017. missão de Acompanhamento
MISSE, Daniel Ganem. A pacificação das favelas cariocas e e Fomento de Políticas Pú-
o movimento pendular na segurança pública. Revista Dile- blicas do Sistema Prisional
mas IFCS-UFRJ, v. 1, p. 29-52, 2019. da OAB Niterói/RJ. Orientador de Prática Jurídica
da Universidade Estácio de Sá. Pós Graduando em
ISABELLA MESQUITA Direito Civil e Processo Civil.
MARTINS

Doutoranda em Sociologia e
Direito, mestre em Justiça e
Segurança e bacharel em Se-
gurança Pública, ambos pela
Universidade Federal Fluminense. Pesquisa admi-
nistração penitenciária, familiares de presos e efei-
tos das prisões nos territórios.

Respiro

Charge por: André Dahmer @andredahmer

23
Entrevista com:Rodrigo Rios
Doutorando em Direito Penal, Universidade de Buenos
Aires. Advogado e Mestre em Direito da Universidade do
Chile. Fundador da Picand & Ríos Abogados. Professor
do Direito Processual Penal e Litigação Oral, na
Universidade Finis Terrae e na Universidade Católica do
Maule, Chile. Membro do Projeto Inocente (Chile).

1
Passados mais de 20 anos da reforma considerar a exigência de necessidade de precau-
do processo penal chileno, quais são os ção conforme configurada, essencial para decretar
principais efeitos decorrentes da incor- essa medida cautelar pessoal, basicamente na área
poração de uma estrutura acusatória de pro- do critério de periculosidade para a segurança da
cesso? Houve uma mudança de racionalida- sociedade que é o mais utilizado por nossos juízes
de penal e processual? para justificar a imposição da prisão preventiva.
Um impacto imediato também pôde ser visto na res-
RODRIGO RÍOS Um dos principais impactos da posta dada pelo sistema aos crimes flagrantes. Sob
reforma processual penal foi em termos de prisão as novas regras processuais, com a incorporação do
preventiva, reduzindo os índices que foram arras- juiz de garantia e da audiência de controle de de-
tados do antigo sistema, que era marcadamente tenção, consolidou-se uma resposta eficaz e célere
inquisitorial. Antes do ano 2000, ano em que as a esse tipo de crime, injetando um dinamismo sem
regras do novo processo penal acusatório come- precedentes no comportamento do sistema proces-
çaram a ser aplicadas gradualmente, a proporção sual penal chileno. Junto ao exposto, estabeleceu-se
nas prisões chilenas de presos em prisão preventi- pela primeira vez uma cultura de respeito ao direito
va em relação aos condenados chegou a 45%. Esse de ser julgado dentro de um prazo razoável, seguindo
número começou a diminuir gradativamente, até os parâmetros convencionais a esse respeito, bem
atingir um valor histórico em 2010, com 21% dos como a consolidação do direito de defesa em seu as-
réus em prisão preventiva. Este decréscimo per- pecto técnico, estabelecendo a Defensoria Penal Pú-
centual explica-se essencialmente pela fixação ao blica como órgão encarregado de prestar o serviço
nível normativo da presunção de inocência e pelo de defesa jurídica a todos os réus que não possuem
carácter excepcional da prisão preventiva. advogado de defesa de confiança, o que, sem dúvida,
O preocupante é que a partir de 2010 vimos como constituiu um salto qualitativo tendo como referên-
esse percentual foi aumentando até chegar a 37% cia o ocorrido em nossa história judiciária.
em 2022.
Entre as razões que explicam este fenômeno, sem
dúvidas, está o impacto que as reformas introdu- Na sua visão, há benefícios no intercâm-
zidas no Código de Processo Penal começaram a bio de experiências processuais penais
gerar. Algumas delas em termos de prisão preven- entre países da América Latina? E o que
tiva, outras se referiam à incorporação de marcos o Brasil pode absorver da experiência chilena?
rígidos de condenação e ao aumento de penas em
determinada categoria de delitos. As alterações RODRIGO RÍOS Parece-me fundamental que
foram ampliando ainda mais os parâmetros para se promovam na região atividades de troca de

24
Entrevista: Múltiplos Olhares

experiências que permitam aos diferentes ope- RODRIGO RÍOS SO Centro de Estudos da Justiça
radores do sistema conhecer realidades com- das Américas (CEJA) divulgou em 2017 os resulta-
parativas, que compartilham um núcleo comum dos do seu estudo “Desafios da reforma processu-
determinado por comunidades com mentalida- al penal chilena: análise e retrospectiva de mais de
des altamente inquisitórias. uma década”, em que se analisou o comportamen-
Ambos os países têm um desenvolvimento históri- to do sistema chileno. Neste ponto em particular,
co-político semelhante, com influência decisiva dos através de trabalhos empíricos e entrevistas com
períodos ditatoriais, e como isso permeou fortemen- diferentes operadores do sistema penal, obtive-
te aquele caráter inquisitório ao qual mencionei e ram resultados que deixam em dúvida essa pres-
que caracteriza nossas sociedades. são da mídia sobre o trabalho dos juízes. Como
A experiência da reforma chilena por exemplo, um juiz de garantia e um procurador
em nível processual penal deve ser do Ministério Público indicaram:
compreendida e contextualizada um dos aspectos
neste cenário de transição e recu- “Não deveria, mas às vezes se valori-
peração da democracia que come-
mais marcantes za em algumas resoluções quando há
uma conotação social, ou há pressão
çou em 1990 e que tem seu marco é, sem dúvida, a pública, há uma espécie de crimina-
culminando em 2000 com a imple- implementação e lização prévia, há tribunais que são
mentação do novo sistema de tri- sensíveis a isso”.
bunais contraditórios e acusatório. aplicação de um Entrevista com Juiz de Garantia,
Então, de um ponto de vista par- sistema baseado Santiago.
ticular, é interessante para um
na oralidade, onde “Aumentou [o uso da prisão preven-
operador do sistema brasileiro
analisar o comportamento e o de- pela primeira vez se tiva], o sistema de garantia acabou e
senvolvimento dos diversos sujei- reconhece o respeito por uma questão de impacto social.
Quando há a imprensa, é mais pro-
tos processuais que nasceram sob
pelo princípio vável que te dêem prisão preventiva.”
os auspícios da reforma processual Entrevista com o procurador do Mi-
penal em 2000, a saber, Ministério acusatório (...) nistério Público, Santiago.
Público, a Defensoria Penal Pública
e, em particular, o papel dos novos tribunais e o seu O Chile não é exceção ao fenômeno global de
impacto nas fases do processo em que intervêm: Jui- influência midiática sobre o comportamento
zados de Garantias e Tribunais do Julgamento. Vários das principais instituições do Estado, influência
desses assuntos processuais encontram correlatos que se predomina ainda mais por um acentua-
na estrutura do processo penal brasileiro, com nu- do populismo criminal que se instalou e con-
ances que tornam o estudo e a análise comparativa solidou nas últimas décadas no Chile, levando
de ambas as realidades particularmente atraentes. em conta o legislador sua caixa de ressonância
Na minha opinião, um dos aspectos mais marcantes principal. Uma informação chama a atenção
é, sem dúvida, a implementação e aplicação de um neste ponto: desde a aprovação do novo Códi-
sistema baseado na oralidade, onde pela primeira vez go de Processo Penal até este ano, mais de 30
se reconhece o respeito pelo princípio acusatório, e reformas foram introduzidas no referido órgão
a divisão de funções que isso implica, tendo também regulador, muitas delas sendo uma regressão a
uma reflexão sobre a consolidação, no âmbito do aspectos puramente inquisitórios.
processo ordinário, do respeito pela imparcialidade Deixando de lado a discussão sobre onde surgi-
do juiz. Este último, essencialmente graças ao prota- ria esse círculo vicioso, podemos afirmar que hoje
gonismo e competência exclusiva conferida ao juiz de existe em nossa sociedade uma percepção com-
garantias nas fases preliminares do julgamento oral, pletamente distante dos princípios e fundamen-
entregando a função de decidir a um tribunal diverso, tos sobre os quais foi construído o processo penal
após a realização de um julgamento oral e público. chileno em 2000. Por exemplo, a visão do acusado
atrelada à presunção de culpa está profundamen-
te enraizada, ao invés de assumir que ele é sujei-
A partir da experiência do seu país, to de direitos que deve ser considerado e trata-
qual a correlação entre a atividade mi- do como inocente, conforme estabelecido em lei.
diática e a mentalidade social no que Disso decorre a "incompreensão" social toda vez
diz respeito ao sistema de justiça criminal? que um réu, nas primeiras ações do processo, não

25
Entrevista: Múltiplos Olhares

estava em prisão preventiva, cunhando frases crí- no contexto do atual processo penal, bem como
ticas ao sistema, como a noção de "porta giratória” um profundo desconhecimento das caracterís-
que geralmente é utilizada em períodos eleitorais ticas e virtudes do novo sistema, desde a pers-
do sistema político como crítica ao trabalho dos pectiva de qualquer cidadão diante do exercício
juízes de garantia, que ao aplicar as regras excep- do ius puniendi.
cionais da prisão preventiva estariam excessiva- Há uma dissociação entre a percepção pública
mente "garantidores". do sistema e a visão técnica que provém de seus
Essa realidade nas audiências iniciais (que seria operadores. Isso denota uma importante falha
uma espécie de audiência de custódia no Brasil), educacional e comunicacional, e uma importan-
demonstra a distorção e as expectativas equivo- te perda de legitimidade, que, como destaquei,
cadas que a sociedade deposita em um sistema pode se tornar o principal risco para o sistema
que foi construído em uma linha totalmente anta- penal como um todo.

5
gônica a essa visão.
Na minha opinião, este é o principal perigo que Quais são os principais desafios que
o nosso sistema processual penal enfrenta: a falta se apresentam no Chile no sistema
de compreensão e, portanto, a perda de legitimi- de justiça criminal nacional?
dade e confiança frente à comunidade.

4
RODRIGO RÍOS Vinte e dois anos se passaram
A partir da observação do panorama desde o estabelecimento do novo sistema mar-
pós-reforma do processo penal chile- cadamente acusatório e adversarial. Os desafios
no, é possível afirmar que houve um que temos para o futuro, como indiquei na res-
fortalecimento democrático decorrente da posta anterior, devem visar a consolidação do
reforma processual penal nacional? sistema na nossa comunidade, apostando for-
temente num trabalho educativo e de comuni-
RODRIGO RÍOS O avanço que cação que nos permita socializar
a reforma processual penal sig- melhor as características e be-
nificou em relação ao que era o A reforma processual nefícios que isso acarreta para o
antigo sistema de tribunais in- penal nesse sentido pleno exercício dos direitos.
quisitórios é imensurável a par- significou uma Isto deve estar a par do papel que
tir de uma lógica de respeito às cada instituição que apoia o sis-
garantias e direitos dos acusados mudança radical no tema penal deve desempenhar
e demais participantes, o que em desenho do sistema para melhorar os seus proces-
termos regulatórios é inédito em processual penal, sos de trabalho e de prestação
nosso país. de serviços aos cidadãos, o que
A reforma processual penal nes- sendo um marco torna essencial o estabelecimen-
se sentido significou uma mu- histórico que se to de processos permanentes de
dança radical no desenho do
insere nesse trânsito revisão e auditoria que visem ele-
sistema processual penal, sendo var esses padrões.
um marco histórico que se insere de recuperação da Devemos combater diretamen-
nesse trânsito de recuperação da democracia no Chile. te o perigo de burocratização de
democracia no Chile. instituições que são novas em
Significava também atualizar nossa história judicial, como o
nossa legislação processual penal para os parâ- Ministério Público e a Defensoria Penal Pública.
metros convencionais de respeito e garantia es- Acredito que também seja necessário fazer al-
sencialmente do devido processo. Foi em 1990 guns ajustes regulatórios em termos de prisão
que o Chile ratificou a Convenção Americana preventiva que permitam redirecionar essa me-
sobre Direitos Humanos, que destaca a neces- dida cautelar pessoal como ferramenta de ul-
sidade de avançar para um sistema compatível tima ratio, deixando de lado a atual tendência
com essas obrigações internacionais. de desnaturalização e uso excessivo que temos
O problema que temos, e que está ligado à ques- hoje com taxas mais próximas ao que era o pro-
tão anterior, é o elevado grau de desconheci- cesso penal chileno anterior ao ano 2000.
mento que ainda existe na nossa comunidade Nesta mesma lógica, creio ser urgente também
dos papéis que cada sujeito processual exerce rever os efeitos sobre a imparcialidade do juiz

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Entrevista: Múltiplos Olhares

existentes no âmbito dos procedimentos es- cussões anteriores ao referido julgamento oral.
peciais, essencialmente no procedimento sim- Uma solução poderia ser a de entregar a com-
plificado, que se aplica aos crimes simples aos petência deste julgamento oral simplificado ao
quais não é solicitada pena de mais de 540 dias tribunal oral criminal, nos mesmos termos do
de privação de liberdade. Nesse procedimen- processo ordinário, e se quiser, mesmo permi-
to especial, vemos como toda a virtude e força tindo que seja perante um juiz singular do mes-
que a reforma construiu em torno do procedi- mo tribunal, mas evitando que seja o próprio
mento ordinário e do respeito ao direito de ser tribunal de garantia que deve ditar a sentença
julgado por um juiz imparcial se confundem de final, com as tensões e problemas que isso sig-
alguma forma, gerando aí uma divisão de com- nifica na perspectiva do direito de ser julgado
petência material entre o juiz de garantia e o por um juiz imparcial.
tribunal de julgamento oral, sendo este último O anterior me parece uma solução viável, se for
quem deve proferir a sentença definitiva uma tida em conta a porcentagem de julgamentos
vez concluído o julgamento oral antes do mes- orais que hoje se realizam no âmbito do proces-
mo, e que consagra a oralidade e o imediação so ordinário: menos de 5% dos casos que en-
como aspectos essenciais. tram no sistema são resolvidos em audiências
A crítica que faço baseia-se no fato de que nes- orais perante os tribunais penais, o que mostra
tes procedimentos especiais existe a possibili- que é viável a ampliação dessa jurisdição e que a
dade de desenvolver também um julgamento resolução desse tipo de caso seja assumida por
oral, mas que este seja realizado perante o mes- outro tribunal que não aquele que conhecia to-
mo tribunal de garantia que ouviu todas as dis- das as discussões das etapas preliminares.

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O QUE REVERBEROU NAS REDES SOCIAIS

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