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PEFERENCIAR ASSIM: CARDOSO, Denise M.; SILVA, Luiz de Jesus; PIMENTEL, Ana Carla.

Relações
dialógicas cotidianas: Uma reflexão a partir da teoria buberiana do Eu e Tu. In: RIBEIRO, Joyce O. S.;
RODRIGUES, E.T.; HALBMAYER, Ernest (Orgs.) Identidades. Novas configurações em territórios múltiplos.
Curitiba:CRV, 2018

RELAÇÕES DIALÓGICAS COTIDIANAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DA


TEORIA BUBERIANA DO EU E TU

Denise Machado Cardoso1


Luiz de Jesus Dias da Silva2
Ana Carla Vieira Pimentel3
Introdução
A vivência do cotidiano de diversos povos está marcada, nesta segunda década do
século XXI, pelo fato de que o ser humano cada vez mais atrai tarefas e responsabilidades que
o fazem ter a sensação de que disponibiliza menos tempo para si e para dispensar atenção aos
seus pares, aos agrupamentos sociais mais próximos no seu ambiente de convívio, seja esse
doméstico, no trabalho ou em outro lugar de sociabilidade. Diante disso, este paper tem o
objetivo de desenvolver uma reflexão acerca da possibilidade de maior atenção nas relações
humanas do dia a dia a partir da visão teórica de Martin Buber acerca do Eu e Tu, pois o modo
como um ser humano age, ou como ele é, interfere diretamente nos outros que estão ao seu
redor.
Como referencial teórico utilizamos com embasamento da obra de Martin Buber “Eu
e Tu” que é tida como a chave das demais obras desse pensador, “cuja mensagem antropológica
constitui um marco essencial dentro das ciências humanas e da filosofia (VON ZUBEN, 1974,
p. v)”. Considera-se, também, os comentários de Von Zuben, o tradutor da obra de Buber do
alemão para a língua portuguesa, pois nessa tradução há uma introdução, onde esse autor faz
um intermediário entre a obra de Buber, o próprio tradutor que passa a ser comentador e o leitor,
apresentando sua visão nos comentários, sem os quais não seria possível este ensaio – pelo
menos nesse formato.
Estruturalmente este paper trata, inicialmente, dos tipos de relações que os seres
humanos tendem a manter no seu cotidiano contemporâneo, caracterizado por ser considerado

1
Doutorado em Desenvolvimento Socioambiental/NAEA/UFPA; Mestrado em Antropologia Social/UFPA;
Especialização em Teoria Antropológica/UFPA; Professora Associada da FACS/IFCH/UFPA. E-mail:
denise@ufpa.br
2
Doutorado em Antropologia Social/PPGSA/UFPA; Mestrado em Arquitetura e Sustentabilidade
(PROArq/UFRJ); Especialização em Conforto Ambiental/FAU/UFPA; Arquiteto Urbanista/UFPA; Professor
Associado da FAU/ITEC/UFPA. E-mail: ljesusds@hotmail.com
3
Mestranda no Programa de Pós-graduação em Cidades: Territórios e Identidades/PPGCITI/UFPA; licenciada em
Matemática pela Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologias/Campus Abaetetuba/UFPA; Pesquisadora do Grupo
de Estudos e Pesquisa Memória, Formação Docente e Tecnologia/GEPEM. E-mail: annacarla91@hotmail.com

1
excessivamente atribulado. Utiliza-se da teoria do EU e TU, trabalhada por Martin Buber, nos
aspectos conceituais deste dilema da sociedade atual, ou seja, das proximidades, fluidez,
virtualidades das relações sociais ditas “distantes” e em que isso implica no modo de ser dos
humanos. Em seguida enfatizamos as discussões das relações humanas com Deus, no dia-a-dia,
e, adiante a esse debate há aqueles concernentes às relações entre seres humanos com a natureza,
vistas sob a mesma ótica teórica de Buber. Concluindo, faz-se uma reflexão da importância da
prática de aprofundamento das relações humanas nos aspectos interpessoais, com Deus e com
o mundo da natureza, visando a um equilíbrio do EU, no mundo relacional.

1 Diálogos e conexões na contemporaneidade


Diante das novas estruturas sociais estabelecidas através das Tecnologias de
Informação e Comunicação (TIC) que se mostram presentes na estruturação da vida social,
torna-se relevante problematizar e debater a importância destas tecnologias como mediadoras
das relações sociais contemporâneas. Contudo, não se pretende neste trabalho tratar
especificamente deste aspecto das tecnologias informacionais, ou do que concerne ao aspecto
existencial do homem como ser. Trata-se, de um esforço de fazer compreender a teoria
buberiana dialógica das relações humanas no cotidiano, muito atual e envolvente nesta segunda
década do século XXI.
Essas relações, muitas vezes marcadas pela desatenção, estende-se, ainda, a outros
seres vivente e às coisas espirituais – as coisas de Deus. Neste sentido, é importante refletir
sobre as palavras de alguns dos principais pensadores das questões sociais. Max Weber indica,
por exemplo, que:
Não há qualquer dúvida de que o ponto de partida do interesse pelas ciências
sociais reside na configuração real e, portanto, individual da vida sócio-
cultural que nos rodeia, quando queremos apreendê-la no seu contexto
universal, nem por isso menos individual, e no seu desenvolvimento a partir
de outros estados sócio-culturais, naturalmente individuais também (1992, p.
125-126).

Weber traz a fundamentação da ciência da sociedade, da cultura e das relações entre


os humanos para maior compreensão dessas dimensões. O ser humano em suas múltiplas
dimensões é um ser biológico, psicológico e também é um ser social. Mas é importante refletir
quanto a existência de outras dimensões pouco exploradas por diversos pensadores e pensadoras
que se arvoram nessa linha de pesquisa, como a dimensão ambiental. Desse modo, é importante
considerar o poder que o ser humano tem de adaptação e de intervenção no meio ambiente onde
ele está inserido e a dimensão espiritual, metafísica ou transcendental para alguns, pois que o
ser humano, desde seus ancestrais de tempos imemoriais, sempre foram dados às práticas de

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rituais à divindades ou ao desconhecido mundo invisível, o que acompanha sua evolução até
chegar em uma espécie de consenso, quanto a existência de um Ser superior causa primária de
tudo, aceito por toda a sociedade, indo ao encontro ao que Durkheim (1977) trata como um fato
social.
Tais dimensões não são dissociadas em uma pessoa e mesmo como indivíduo
multidimensional, o ser humano vive no seu cotidiano atemporal, alguns momentos de
isolamento, preocupado em calcular tempo, volume, dimensão linear, ganhos, em evitar perdas
e projetando suas ações diárias em diversos sentidos, utiliza a tecnologia disponível para se
comunicar cada vez com mais rapidez e nesse sentido a contemporaneidade trouxe a rede
mundial de computadores (Internet) acelerando e multiplicando essa comunicação em tempo
presente, fazendo com que cada indivíduo faça parte de redes sociais virtuais. Mas, potencializa
também suas realizações planejadas e racionalizadas nesses momentos isolados, buscando
satisfação de suas necessidades, desde as mais essenciais até àquelas vistas por muitos como
supérfluas, seu conforto, poder e conquistas diversas. Nesses momentos, muitas vezes o ser
humano pode se afastar do seu meio social, embora ele esteja plenamente envolto pela
sociedade.
No emaranhado dessa busca constante, o ser humano se afasta do seu próximo sem
notar que está sendo absorvido por um sistema cativante, que não o deixa perceber sua
desatenção com as coisas que o cercam, sejam elas relativas à natureza, ao seu semelhante ou
com a divindade. Ao tempo em que a tecnologia da contemporaneidade, disponível, permite,
contraditoriamente, uma imensidão de formas de comunicação à distância, na medida em que
ela contribui para minimizar a comunicação mais próxima ou direta entre humanos de um
mesmo grupo social e as relações humanas se tornam mais frias, frágeis, materiais e distantes.
Tais relações podem, desse modo, passar a existir sem que haja diálogo, cumplicidade
entre as partes envolvidas, havendo assim falta de sintonia. Tem-se neste cenário as perguntas
que deixam de ser respondidas, mensagens não compreendidas por barreiras na comunicação e
aumento gradativo da frieza relacional. Também podem tornar o homem mais distante do
ambiente natural, do seu meio circundante, e dos pensamentos mais íntimos de elevação a Deus
(seja através de preces, nos cultos, ritos ou simplesmente na reflexão quanto ao que é divino,
sua necessidade e importância).
A questão da compreensão da vida humana sempre foi tida como importante e teve na
hermenêutica um grande apoio para esse fim; seja como filosofia ou como método há o
propósito de aproximação da interpretação e compreensão. Para Geertz era o próprio
Interpretativismo que tinha essa visão, no entanto há o reforço do pensamento de que em
Ciências Sociais trabalha-se com indícios e nesse sentido a teoria buberiana do EU e TU pode
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ser abordada para analisar os sinais encontrados no processo de compreensão ou interpretação
das relações humanas mais aprofundadas, que embora nunca consigam ser plenas, podem ser
intensas, onde a sintonia a dois pode estar associada a uma melhor relação do ser humano com
o mundo.
Martin Buber é tido como o um grande pensador da sua época, um marco essencial
dentro das ciências humanas e da filosofia, o qual assumiu o paradoxo em sua vida e em suas
obras. Quando trabalhou na obra sobre a Bíblia e o Judaísmo ficou conhecido como um dos
pilares de toda a evolução contemporânea da reflexão teológica. Também em parceria com o
amigo Franz Rosenzweigi traduziu a Bíblia para o alemão, cuja a tradução foi finalizada em
1929 (VON ZUBEN, 1974). Foi através dos estudos sobre o Hassidismo que Buber foi
projetado ao mundo intelectual do Ocidente como exímio escritor e como o revelador desta
corrente da mística Judaica, mas é com a obra do EU e TU que o autor mostra que o homem
vive em uma dualidade relacional EU-TU e:
O homem é tanto mais uma pessoa quanto mais intenso é o Eu da palavra-
princípio Eu-Tu, na dualidade humana de seu Eu. O seu dizer-Eu- portanto, o
que ele quer dizer ao pronunciar Eu- decide seu lugar e para onde leva seu
caminho. A palavra ‘Eu’ é o verdadeiro ‘shibbolet’ da humanidade (BUBER,
1974, p. 76).

A atualidade de Buber se fundamenta em dois aspectos, um é o vigor com que suas


reflexões provocam e tornam possíveis novas reflexões, que mesmo pertencendo ao passado
ainda exercem fascínio sobre os que têm acesso a suas obras em qualquer momento da história
da humanidade. O segundo aspecto é o comprometimento deste pensamento com a realidade
concreta, com a experiência vivida. Pensamento e reflexão assinaram pacto indestrutível com a
práxis, com a situação concreta da existência. Trabalhada entre reflexão e ação, entre práxis e
logos.
Para Buber a experiência existencial da presença no mundo ilumina as reflexões, isso
pode significar que cada indivíduo ao perceber a importância de sua existência, do seu EU, faz
com que reflita de modo positivo quanto a potencialização de sua relação com o mundo em seu
entorno, principalmente com as pessoas do seu convívio, o TU. A filosofia aparecia nos
pensamentos de Buber quando se tratava da procura do verdadeiro, diante das várias verdades.
Naquele momento aparecia a postura intelectual de Buber, qual nunca se desligava do mundo,
e suas ideias. Sua proximidade de grupos estudantis data desde sua formação intelectual
quando, à frente de grupos, defendia a concepção do sionismo, falava do esforço de liberação
e purificação interior, como também um meio de elevar o nível social e cultural das massas
judaicas. Esse pensamento deixava transparecer a compreensão e sentido de liberdade pessoal.

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A fé no ser humano marcou a personalidade de Buber e seu espírito filosófico. Buber
superou as suas dificuldades buscando solução para o problema existencial do homem atual.
Por ter entendido a voz que o interpelava, desejava que todas as pessoas tentassem responder a
essa voz.
Buber tinha como propósito levar os indivíduos a descobrirem a realidade vital de suas
existências e abrirem os olhos para a situação concreta que vivia. “Os estudos humanos não
lidam com fatos e fenômenos que silenciam o homem, mas com fatos de fenômenos que apenas
são significativos pela luz que trazem aos processos internos do homem, à sua experiência
interna (PALMER, 1969, p. 110).”
A explicação e interpretação da teoria do EU e TU é antes de tudo um exercício de
aplicação à vida relacional de um ser humano a partir de uma reflexão individual quanto à sua
necessidade na busca constante por melhor qualidade de vida. Pois o próprio fato de existir
pode ser considerado como um processo constante de interpretação (PALMER, 1969, p. 20).
Ao interpretar a profundeza que o Tu representa para o EU, pode influenciar o pensamento
humano para aprofundar suas relações para além do EU e ISSO maquinal. O ISSO mecânico
pode muitas das vezes surgir em função da gradativa desatenção do EU para o TU.
Mas o EU-ISSO faz parte da vida humana gerando o mundo das experiências
vivenciadas e apreendidas, sem as quais não seria possível muitas de suas habilidades, que de
tanto repetidas se tornam automáticas no cotidiano, mas sempre necessárias à sua existência.
A questão da explicação e interpretação da necessidade de relação humana, trazida por
Buber, parte do princípio de que cada indivíduo em sua existência se depara com o mundo em
todos os seus aspectos, estabelecendo inevitavelmente um vínculo de correlação que irá
caracterizar seu próprio modo de ser. A dualidade Eu-Tu, está mais propriamente dito ligado á
relação humana como deve ser e Eu-Isso ligado mais à experiência humana, ambas fazem parte
do cotidiano do homem e demonstram as duas dimensões da filosofia do diálogo que, segundo
Buber, dizem respeito à própria existência.
Buber elaborou e desenvolveu a “filosofia do diálogo” existencialista e subjetivista
[...] (SCHOLEM, 1994, p.18), para esse autor, Buber, em determinado momento de suas obras,
aí incluída EU-TU, renunciou ao mundo do misticismo e assumiu uma nova postura que o
colocou na linha de frente do que hoje se denominaria de “existencialismo religioso
(SCHOLEM, 1994, p.13)”, embora não tenha usado esse conceito de modo ostensivo em seus
textos. Mas, a capacidade para o diálogo é um atributo natural do homem [...] e o diálogo precisa
ser compreendido em sentido bem mais ambicioso (GADAMER, 2004, p. 243). Nesse sentido
Buber conclama em EU e TU uma relação aprofundada do homem, que pode ser pelo diálogo
atencioso, pela percepção plena do Tu.
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2 As relações humanas e a teoria do EU e TU de Buber
A filosofia do diálogo do Eu e Tu é vista pelo próprio autor como sua principal obra,
pois ela embasa as demais. Nessa obra, Buber trata e oportuniza uma viagem dos assuntos e
suas relações com o momento atual, que na verdade é atemporal pelas contribuições presentes.
Assim explorar esse manancial de informações e trazer para o cotidiano, é mostrar a
importância e contribuição desse pensador para a vida humana. Desse modo, na sua obra há
destaque para as três esferas, onde o mundo da relação se realiza, que é a vida com a natureza;
a vida com o ser humano e a vida com os seres espirituais.
Para Buber (1974, p. 3) o mundo é duplo para o ser humano, segundo a dualidade de
sua atitude. Essa atitude é dupla de acordo com a dualidade das palavras-princípio que ele pode
proferir, sendo que essas não são vocábulos isolados, mas pares de vocábulos.
Uma palavra-princípio é o par EU-TU. A outra é o par EU-ISSO no qual, sem
que seja alterada a palavra-princípio, pode-se substituir ISSO por ELE ou
ELA. Desse modo, o EU do homem é também duplo. Pois o EU da palavra-
princípio EU-TU é diferente da palavra-princípio EU-ISSO (BUBER, 1974,
p. 3).
Dentro da dualidade proposta por Buber, EU é relacional, isto é, pode tratar do como
os seres humanos se relaciona no mundo. Para o autor não há EU em si, mas apenas o EU
palavra-princípio EU-TU e o EU da palavra-princípio EU-ISSO. A palavra princípio EU-TU,
só pode ser proferida pelo ser na sua totalidade e fundamenta o mundo da relação mais profunda
ou consistente, mesmo que momentânea; diferentemente do EU-ISSO que vê o mundo como
experiência, onde a relação é mecânica, robótica e superficial.
Desse modo, quando o homem age mecanicamente, isto é, quando ele calcula, planeja,
se relaciona superficialmente, ele está exercendo uma relação EU-ISSO, mas algumas vezes ele
consegue, num simples gesto demonstrar atenção profunda ao seu redor, ao seu interlocutor, à
divindade ou à espiritualidade, à alguma parte da natureza que é contemplada com toda atenção,
com desprendimento, com respeito à sua conservação e consequente resultando na
possibilidade de outras gerações usufruírem de seus recursos naturais; às vezes em um olhar
pode acontecer essa plenitude, uma reflexão que seja ou em um diálogo intenso, nesse momento
ele está exercendo o EU-TU, dentro da visão de Buber.
Para Gadamer, em um diálogo (2004, p. 25), a identidade do eu, assim como a
identidade do sentido, que se constrói através dos participantes do diálogo, permanece intocada.
Para o autor não há plena compreensão entre os dialogantes. No entanto, embora a compreensão
e entendimento entre os dialogantes não seja completa o mais importante é o experimento desse
evento, é a novidade que pode surgir a partir do verdadeiro diálogo. Gadamer considera que “o
que perfaz um verdadeiro diálogo, não é termos experimentado algo de novo, mas termos
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encontrado no outro, algo que ainda não havíamos encontrado em nossa própria experiência de
mundo (2004, p. 247).
A vida contemporânea é muito propensa a levar os humanos a se isolarem, e mesmo
que tenha muita gente em sua volta, as pessoas muitas vezes se sentem sós, isoladas dos demais
ou se sentem dessa maneira sem que as demais assim a percebam. Isso pode ser explicado a
partir de um mecanicismo relacional trazido a partir da prática mais veemente do EU e ISSO.
Nesse início de século XXI, é muito comum se observar nos lugares públicos, como
bares, lanchonetes, salas de espera e ainda nos lugares mais restritos como os lares, a reunião
de pessoas juntas fisicamente, mas distantes no pensamento, na atenção. Na maioria das vezes
cada um está se comunicando com outros grupos sociais distantes fisicamente, mas perto
virtualmente, através de seus minúsculos aparelhos smartphones. Fica, do mesmo modo, cada
vez mais incapaz de ter um momento de contemplação com algo natural, como um pôr do sol,
um luar, um pássaro em cântico, o mar.
É no seu dia-a-dia que os homens e mulheres são levados a aceitar a sua vida, o que
está em sua volta, onde quer que ele esteja há relações com pessoas; em suas relações sociais e
é neste contexto que nos vemos compelidos a relativizar (ou não) o próprio modo de viver e de
ser, de nos relacionarmos levando em consideração as individualidades de nossos
interlocutores. Certamente, tal situação acontece desde tenra idade, quando o ser humano
começa a perceber e ampliar seu universo de conhecimento a partir seus pais, parentes,
vizinhos, colegas de escola, indo por tantos ambientes quanto ele puder frequentar durante sua
vida. Gadamer (2004, p. 245) considera que a incapacidade para o diálogo não é o único
fenômeno comum em desaparecimento de que detemos conhecimento.
Ao acordar, uma pessoa inicia seu dia, envolta por todas as suas previsibilidades ou
com as surpresas do porvir, mas os eventos repetitivos do cotidiano podem vir a ser causadores
da prática do EU e ISSO, em detrimento do EU e TU teorizado por Buber. A repetição de atos,
que se tornam mecânicos pode potencializar a desatenção nas relações e de modo extremo até
na fuga, materializada – por exemplo - nas separações de casais, no abandono de filhos, de
amizades e da comunidade. O cantor e compositor Chico Buarque de Holanda compôs
“Cotidiano”, uma canção onde reporta essas “mesmices diárias” e a vontade de fugir desse
círculo, em trechos de seus versos, como:
Todo dia eu só penso em poder parar
Meio dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão (Chico Buarque, 1973)4

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“Cotidiano” é uma canção do cantor e compositor brasileiro Chico Buarque, lançada em 1971 para seu
álbum “Construção”.
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A prática de pequenos gestos como um olhar mais profundo e plenamente atencioso,
as respostas merecidas a quem pergunta algo, a prática do diálogo pleno, são exemplos da
prática do EU e TU, que podem fazer a diferença no dia-a-dia das relações, cuja ausência muitas
das vezes pode trazer arrependimento. A criatividade advinda do respeito pelo que se tem ao
seu redor faz com que se evitem fugas, separações e outros desencontros nas relações, pois
essas são em geral imbuídas de subjetividade, não percebida. “Mas o EU que se separa do
evento de relação em direção da separação, consciente desta separação, não perde sua
atualidade (BUBER, 1974, p. 74).” Para o autor:
É este o domínio da subjetividade, onde o EU toma consciência
simultaneamente tanto de seu vínculo quanto de sua separação. A
autêntica subjetividade só pode ser compreendida de um modo
dinâmico, como a vibração de um EU no seio de uma verdade solitária.
É aqui, também, o lugar onde irrompe e cresce o desejo de uma relação
cada vez mais elevada e absoluta, o desejo de uma participação total
com o ser. Na subjetividade amadurece a substância espiritual da pessoa
(BUBER, 1974, p. 74).
Para Buber (1974), submisso à palavra-princípio da separação, afastando o EU do
ISSO, dividiu sua vida com homens em duas “zonas” claramente delimitadas: as instituições e
os sentimentos, domínio do ISSO e domínio do EU. O ser humano, ao curso de sua vida, está
envolto pelos fatos sociais, se comprometendo com as instituições, sejam elas públicas ou
pessoais. A verdadeira vida pública e a verdadeira vida pessoal são duas formas de ligação.
Dentre as instituições da vida pessoal está o matrimônio, o casamento formal ou não,
onde a união se propõe a assumir uma companhia de um EU para um TU, para convivência em
mutualidade por tempo indeterminado, incluindo aí a formação de uma família que é outra
instituição de mútua cooperação e cuidado, e, ao se ver exposto nas mesmices diárias é tentado
a sucumbir e abrir mão dessa companhia. Muitas das vezes angustiado pela falta de diálogo, em
um estar se sentindo “só”, mesmo “acompanhado”, pela falta da prática de pequenos gestos de
cumplicidade, de entendimento da realização do EU no TU. A verdadeira união de parceiros se
fundamenta sempre no fato de que dois seres humanos se revelam o TU um no outro. O Eu no
Tu e Tu no Eu. É sobre esse fundamento que o TU, que não é o EU para nenhum dos dois,
edifica a união.
Casais, parceiros absorvidos nas relações EU e ISSO podem se ver em dificuldade de
manter comunicação mais profícua, saudável, onde uma fala e o outro não escuta, onde há
distorção do que foi dito e assim vão se ampliando as distorções que podem levar ao silêncio
pleno, às relações burocráticas, na qual os dois só despacham, como se estivessem sempre no
ambiente de trabalho e assim chegam ao tédio. E em geral “uma pessoa considera que a

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incapacidade para o diálogo está sempre na outra pessoa (GADAMER, 2004, p. 250).” Mas a
relação mais íntima das pessoas é um ótimo parâmetro para monitorar a vida a dois, onde
pequenos gestos são imprescindíveis para uma entrega plena e um EU e TU bem vivenciado,
onde os corpos respondem melhor quanto maior for o TU de cada um para o outro.
“Fazer ouvido de mercador ou ouvir erroneamente, ambas atitudes surgem por
motivos que se encontram na própria pessoa (GADAMER, 2004, p. 251).” No dia-a-dia todos
são desafiados a manterem um nível de relação que garantam ou realcem as afinidades,
gostando da companhia um do outro respeitando as individualidades; partilhar vivências a partir
EU e TU, incluindo amorosamente o outro em seu cotidiano, se importar com o TU, que
complementa despretensiosamente a satisfação do EU é a meta para quem deseja manter viva
a relação.
Este é o fato metafísico e metapsíquico do amor, do qual os sentimentos são apenas
acessórios. Aquele que deseja renovar uma união, como exemplo o matrimônio, por outro meio,
não é essencialmente diferente daquele que quer aboli-lo, ambos declaram que não conhecem
mais o fato. Diante disso, se se desejar despojar do erotismo tão falado em nossa época, tudo o
que se refere ao EU, portanto, todo contato no qual um não está presente noutro, e nem se
presentifica a ele, mas onde cada um se limita a fruir a si mesmo através do outro, o que restaria?
(BUBER, 1974, p. 54).
É no lar, no entanto, que há o maior desafio de praticar o EU e TU nas relações, pois
como a individualidade pode se tornar egoísta, há grande tendência de se sucumbir na
cumplicidade, na atenção, nas mensagens, diálogos que devem existir nesse ambiente. Mas é
também no lar que o indivíduo concentra seus esforços para manter unida a família, onde há
mutualidade nos objetivos de convivência e onde há muita necessidade da pratica do EU e TU.

3 Relações humanas com Deus e com a natureza no cotidiano contemporâneo


Os estudos historiográficos acerca das sociedades humanas levam ao entendimento de
que ao longo de toda sua existência na terra este ser sempre teve um ímpeto de louvar a um ser
imaterial que representava e justificava o desconhecido, considerado por ele como “ser
superior” e que mais tarde veio a denominar de “Deus”; que podia ser “Deus do sol”, “Deus do
fogo” ou “Deus” de algum outro fenômeno natural vivenciado e não dominado pelos humanos.
“Todos os nomes de Deus permanecem, no entanto, santificados, pois não se fala somente sobre
Deus, mas também se fala com ele (BUBER 1974, p. 87)”. Havendo a comunicação com Deus,
há um fenômeno que transcende o mundo material, partindo para um ambiente metafísico. O
sagrado contribui para o equilíbrio moral do ser humano.

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Ao longo de sua trajetória evolutiva, o ser humano sempre procurou respostas, fazendo
investigações ou experimentações e desse modo foi obtendo domínio sobre diversos recursos
do mundo da natureza ao seu dispor, no entanto percebeu que esse domínio era limitado e que
muitas respostas ele nunca teria, passando desse modo a reverenciar, louvar, cultuar ou adorar
o desconhecido, denominando-o de Deus (ou deuses). “Formulado como mana, como Brahma
ou como Santíssima Trindade, aquilo que é colocado à parte, como além do mundano, é
considerado, inevitavelmente, como tendo implicações de grande alcance para a orientação da
conduta humana (GEERTZ, 1998, p. 93)”. Cabe mencionar que alguns povos praticam o
politeísmo, crença em vários deuses, e foram sendo transformados com o passar dos tempos. A
tendência da grande maioria dos povos foi de crer em um Deus único, inclusive por pressões
externas e colonizadoras. E, à revelia dos processos hegemônicos, é possível identificar que há
várias religiões que creem em diversas divindades, conforme pode ser evidenciado, por
exemplo, nas religiões de matriz africana.
Para Geertz, no que tange à religião, assim ele a apresenta:
A religião nunca é apenas metafísica. Em todos os povos as formas, os
veículos e os objetos de culto são rodeados por uma aura de profunda
seriedade moral. Em todo lugar, o sagrado contém em si um sentido de
obrigação intrínseca: ele não apenas encoraja a devoção como a exige; não
apenas induz a aceitação intelectual como reforça o compromisso emocional
(1998, p. 93).

Émile Durkheim já debatia esse aspecto da religião no âmbito da sociedade humana


ao inferir que “O devoto ao nascer encontra prontas as crenças e as práticas da vida religiosa
[...] estamos diante de maneiras de agir, de pensar e sentir que apresentam a propriedade
marcante de existir fora das consciências individuais (DURKHEIM, 1977). Referindo-se desse
envolvimento como “fato social” Durkheim complementa: “Esses tipos de conduta ou de
pensamento não são apenas exteriores ao indivíduo, são também dotados de um poder
imperativo e coercitivo, em virtude do qual se lhe impõem, quer queira quer não (1977, p. 2)”.

A partir da religião o ser humano se sente ligado a Deus. O ser humano passa desse
modo a ter presente em si a oportunidade e o direito de se relacionar direta e absolutamente
com esse ser superior que, embora desconhecido no sentido material, é sentida sua presença no
EU de cada indivíduo, como um TU. Para Buber (1974, p. 91), “na relação com Deus, a
exclusividade absoluta e a inclusividade absoluta se identificam. Para o autor:
Aquele que entra na relação absoluta não se preocupa com nada mais isolado,
nem com coisas ou entes, nem com a terra ou com o céu, pois tudo está
incluído na relação. Entrar na relação pura não significa prescindir de tudo,
mas sim ver tudo no TU; não é renunciar ao mundo, mas sim proporcionar-
lhe fundamentação. Afastar o olhar do mundo não auxilia a ida para Deus;

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olhar fixamente nele também não faz aproximar de Deus, porém, aquele que
contempla o mundo em Deus, está na presença d’Ele. ‘Aqui o mundo, lá Deus’
tal é uma linguagem do ISSO. Porém, nada abandonar, ao contrário, incluir
tudo, o mundo na sua totalidade, no TU, atribuir ao mundo o direito e sua
verdade, não compreender nada fora de Deus mas apreender tudo nele, isso é
a relação perfeita (BUBER, 1974, p. 91-92).
Nesse sentido de totalidade e de relação com Deus, os humanos entram em contato
com um ser espiritual e se sentem também como um ser que além de possuir um corpo físico,
material, também possuem um lado espiritual um lado moral, o qual transcende o material que
os fazem viver dentro de princípios e parâmetros, nos limites dos quais se encontra sua
consciência, a qual acusa sua transgressão além desses limites. “No ser espiritual, manifesta-se
a marca da divindade, pela lei moral, incrustada em sua consciência e que vai desvendando e
compreendendo à medida que evolui. Em todos os aspectos do homem, percebe-se a iminência
de Deus em sua natureza. (INCONTRI, 1998, p. 24)”. A moralidade tem assim a aparência de
um mundo no qual essa conduta é apenas o senso comum (GEERTZ, 1998, p. 95)”. Assim,
cada povo tem, dentro desse senso comum, suas especificidades, mas também a intercessão
fundamental do sentido de Deus.
No entanto as atribulações do dia-a-dia da contemporaneidade, nas quais os humanos
se vêem envoltos, podem causar seu afastamento da relação absoluta ou do EU-TU, com Deus,
a qual passa a ser tratada no campo relacional do EU-ISSO. Porém, desde que um TU se torna
ISSO a amplidão universal da relação parece uma injustiça para com o mundo e sua
exclusividade como uma exclusão do universo (BUBER, 1974, p. 91).
A existência da mutualidade entre Deus e o homem é indemonstrável, do
mesmo modo que a existência de Deus é indemonstrável. Porém, aquele que
tenta, fala dEle dá seu testemunho a quem Ele fala, seja um testemunho
presente ou futuro (BUBER, 1974, p. 156).

Para o ser humano, a necessidade do sagrado ocupa a lacuna deixada pela ciência, por
essa não responder determinadas indagações, as quais ele vem buscando desde seus ancestrais
mais primitivos. Ao longo da história dos seres humanos vem ganhando força como fato social,
dentro do ethos e visão de mundo de cada povo, desde os primórdios aos tempos ditos modernos
ou contemporâneos. “A força de uma religião ao apoiar os valores sociais repousa, pois, na
capacidade dos seus símbolos de formularem o mundo no qual esses valores, bem como as
forças que se opõem à sua compreensão, são ingredientes fundamentais (GEERTZ, 1998, p.
96)”.
O rito, o símbolo sagrado ou o contato mental com Deus vem fazer parte do cotidiano
do homem e pode vir para cada indivíduo EU com um TU, em uma relação mais veemente,
mais sinceramente vivenciada. A expressão “oh! Meu Deus!” é dita em muitas línguas como
interjeição usada em diversificadas situações que vão desde o menor perigo banal até o maior

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prazer e nesse momento poderá estar havendo a relação EU-ISSO, mas quando o ser humano
passa a realizar uma prece fervorosa, concentrada ou quando de modo coletivo, participa de um
ritual onde invoca a Deus ou entes tratados no campo do espiritualismo, nesse momento há
relação EU-TU.
As relações do homem com o mundo espiritual, com Deus, que embora não presencial,
é praticada desde as civilizações mais antigas, também se vê abalada pela contemporaneidade
e isso merece uma discussão. Mas para Buber (1974, p. 7), “[...] nós o vislumbramos a cada
orla do TU eterno, nós sentimos em cada TU um sopro provindo dele [...]. Por isso somos
provados a conviver em um cotidiano maquinal, mas encontrar o momento certo para a relação
EU e TU com Deus”.
A vida contemporânea tende afastar o ser humano da relação EU e TU com Deus, mas
mesmo o momento da relação EU e ISSO com o ser superior pode fazer a diferença, pode fazer
com que em algum momento possa o ISSO se transformar em um TU. Mesmo os incrédulos na
divindade, os que se autodenominam ateus, podem a partir do EU e ISSO com Deus ter seu
momento de EU e TU. Muitas vezes isso pode ocorrer em um momento de perigo ou quando
há um problema muito grave envolvendo um ente querido seu, como uma doença muito séria
com perigo de morte, que pode fazer com que e o incrédulo recorra a Deus ou à divindade ou
com os entes espirituais, como uma última esperança de sanar o problema.
O mesmo pensamento se dá na relação de humanos com o chamado mundo da
natureza, quando ao final da segunda década do século XXI se contabiliza a exaustão de muitos
ecossistemas em todo o planeta. Preocupação com as cidades diante das questões dos resíduos,
dos dilemas oriundos da poluição excessiva do ar e das águas (a qual está cada vez mais escassa
em alguns países e consequentemente há maior chamada de atenção para o uso racional desse
e outros recursos naturais), é observado que os humanos lidam com essas questões mas, numa
relação EU e ISSO. Havendo um ditado popular que muito retrata essa situação de descaso com
algo importante como a questão ambiental que afeta a todos: é a expressão “e eu com isso?”.
No entanto o ser humano tem uma noção geral de que é constituído de elementos
naturais existentes nas profundezas da Terra como alguns minerais que correm nas suas artérias,
dente os quais se destacam o ferro, zinco, fósforo, potássio dentre outros necessários à sua
saúde, além do elemento líquido chamado água, que em falta do mínimo no organismo do ser
humano pode levá-lo a uma desidratação e até ao óbito.
A contemplação do ser humano para com as coisas naturais sempre foi uma constante,
talvez como uma espécie de agradecimento por sua condição existencial ou identificação e
pertencimento no sentido biológico. A considerar-se o modo de relação deste com a natureza,
Buber observa em sua teoria que ao contemplar o mar com um olhar particular o homem está
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tendo uma relação EU e TU. Relação essa, a qual pode muito bem fazê-lo refletir quanto aos
cuidados a serem dispensados ao meio ambiente, como imprescindíveis à boa qualidade e até à
própria continuação da vida no planeta. De modo análogo, essa contemplação pode ocorrer com
os astros visíveis no dia-a-dia, onde o pôr do sol é um destaque, um espetáculo diário nos
horizontes visuais dos seres humanos que podem se dá de presente esse momento em um
verdadeiro EU e TU.
De acordo com Mendonça (2011), o sentido da vida na obra de Martin Buber encontra-
se em pequenos detalhes. Segundo esta autora, a possibilidade de resposta se encontra no
cotidiano, ou seja, a redenção está no Deus das pequenas coisas. Seja nas relações interpessoais,
onde todos ganham com a harmonia do diálogo, nas relações com as coisas de Deus ou com a
natureza, os humanos provam diariamente que percebem afinidades e isso implica na
possibilidade de virem a contribuir com sua existência e a de muitas outras pessoas no mundo.
Seja no lar, no ambiente de trabalho, nas instituições diversas ou no lazer, onde há sempre uma
oportunidade de praticar o EU e TU.

Considerações Finais
Analisando os aspectos relacionais do homem a partir da visão do EU e TU trazido por
Buber, observa-se que nesse sentido, essa teoria passa a ser um tônico às relações humanas na
vida contemporânea, um aliado para uma melhor existência; pois sua prática é despretensiosa,
é espontânea e vai de encontro a desatenção para com o próximo, ajudando na percepção das
coisas da natureza e das nuances espirituais existentes nos seres humanos
O desafio das relações interpessoais diárias com a prática do EU e TU, sai do âmbito
do casal, dos parceiros, para as relações com os irmãos, com os pais, os filhos, com os amigos
e em todos os lugares das relações sociais, podendo potencializar um melhor relacionamento
que por sua vez traz melhor qualidade de vida; devem ser observadas ou monitoradas
diariamente para evitar sua falência, mesmo que o dia-a-dia seja essa repetição envolvente e
contagiante que incitem à desatenção em detrimento dos cálculos, da vida maquinal,
tecnológica e mecanicista da contemporaneidade.
A partir desse ensaio reflexivo, pode-se perceber que EU-TU e EU-ISSO vai muito
além do modo como se trata pessoas, podendo a partir dessa reflexão haver mais atenção, sim,
com as relações com pessoas, mas também com as coisas de Deus e da natureza, no cotidiano.
Desse modo indo ao encontro de Buber, que teve fé nas relações humanas priorizando o
existencial nos eventos entre humanos, no sentido de haver mudanças nas relações que podem
se tornar mais intensas e duradouras a partir dessa prática diária, fica o convite a prática do EU

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e TU, embora se perceba que o ser humano não pode viver sem o EU e ISSO. É só dosar e
tentar equilibrar seu uso.
Analisando o dia-a-dia desse tempo dito contemporâneo e as muitas “armadilhas”
disponíveis na vida desse ser, como o trabalho excessivo, o mundo virtual, o uso excessivo da
tecnologia da informação, o consumismo exacerbado e outros aspectos concernentes no atual
contexto, pode-se afirmar que Buber traz uma teoria muito apropriada para se viver melhor nas
relações; com riqueza de praticidade no existencial humano, a qual pode muito bem vir a ser
salutar ao se refletir no meio social.
Enfim, considera-se que EU-TU e EU- ISSO extrapola o modo ordinário de abordar as
coisas e as pessoas, induzindo a atenção dos humano não somente sobre seres ou objetos
individuais ou sobre as suas conexões causais mas também sobre relações de outro tipo que se
estabelecem entre estes e outros seres viventes deste planeta, e que envolve a todos os seres
humanos em seu mundo cotidiano, em um universo cultural individual ou social. Isso é o que
Buber traz como contribuição principal, quando se trata de relações humanas, ou seja, é a esfera
do "entre", lugar primordial e existencial onde acontecem os eventos autenticamente inter-
humanos.

Referências
BUBER, Martin. EU e TU. São Paulo: Moraes, 1974.
DURKHEIM. Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1977.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método II. Bragança Paulista: Vozes 2004.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. São Paulo: LTC, 1998.
INCONTRI, Dora. A Educação da nova Era. São Paulo: Comenius,1998.
MENDONÇA, Kátia. Acerca do mal: dialogando com Martin Buber e Emmanuel Levinas. In:
______. Diálogos. Belém: Pedro & João Editores, 2011. p. 33-68.
PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1969
RICOEUR, Paul. Interpretação e ideologias. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
SCHOLEM, Gershom. O Golem, Benjamim, Buber e outros justos: Judaica I. São Paulo:
Perspectiva, 1994.
WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais. Campinas: Cortez,1992.

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