Você está na página 1de 16

AULA 1

JOGOS E BRINCADEIRAS NA
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Profª Bruna Santana Anastácio


INTRODUÇÃO

Nesta aula, você terá um panorama referente aos jogos, seus elementos e
características. Com base nisso, perceberá a importância que os jogos possuem
na história e o quanto foram surgindo novos formatos para o ato de jogar, sendo
este um elemento da nossa cultura. Você aprenderá conceitos de autores
clássicos, bem como a caracterização e classificação dos jogos, para que tenha
subsídios para compreendê-los e inseri-los em sua prática pedagógica.
Por meio desta aula, você perceberá que os jogos têm um grande potencial
educacional para o desenvolvimento de experiências significativas de
aprendizagem, seja na área da Educação Física, seja em outras áreas do
conhecimento. Portanto, é essencial que possamos conhecer um pouco desse
universo caracterizado pela ludicidade.

TEMA 1 – O QUE É UM JOGO?

Quando falamos em jogo, normalmente, temos memórias afetivas


relacionadas a momentos da infância ou até mesmo da vida adulta. O fato é que
o jogo está presente em nossas histórias de vida em sua variedade de formatos e
características.
De acordo com Murcia (2008), a palavra jogo vem de jugar (do latim iocari)
e significa fazer algo com espírito de alegria e com intenção de se divertir ou de
se fazer entreter. A palavra jogo vem etimologicamente do vocábulo iocus, que
significa brincadeira, graça, diversão, passatempo.
Para entender o que é um jogo, temos certa dificuldade de elaborar uma
definição que englobe a multiplicidade de suas manifestações concretas, pois
todos os jogos possuem peculiaridades que se aproximam ou distanciam do
próprio significado de jogo e não jogo, que são traduzidos em diferentes culturas
(Kishimoto, 1994).
Entendendo isso, um conceito de jogo bastante referenciado na literatura
da área nos remete ao livro Homo Ludens, escrito por Johan Huizinga em 1938.
Nesse sentido, Huizinga é considerado um autor clássico quando o assunto é
jogo. Ali ele quem conceituou o jogo como:

Uma atividade livre, conscientemente tomada como “não-séria”, sendo


exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o
jogador de maneira intensa e total, sendo uma atividade desligada de
todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter lucro,

2
praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma
certa ordem e regras. (Huizinga, 1971, p. 13)

Com esse conceito, percebemos que Huizinga (1971) destaca as seguintes


características como sendo pertencentes ao jogo: uma atividade não séria, que
absorve o jogador naquela atividade, que não tem interesses materiais e que
segue regras. E as regras são importantes para delimitar o que é jogo do que é
brincadeira.
No contexto do estudo sobre jogos, outro autor importante se destaca, o
autor Roger Callois, que escreveu o livro Os jogos e os homens em 1990. Para
ele, o jogo é entendido como uma atividade que é essencialmente livre
(voluntária), separada (no tempo e no espaço), incerta, improdutiva, governada
por regras e faz de conta. Além disso, jogo e vida são entendidos como elementos
que se autoinfluenciam; jogo como atividade complexa e como possibilidade de
diferenciações de cultura (Callois, 1990).
Em relação às questões culturais, Brougére (1998) salienta que cada
cultura projeta uma ideia de jogo de forma diferenciada, pois em função das
analogias que estabelece, a cultura determina uma esfera delimitada, ou seja, o
que em determinada cultura é designável como jogo. Já para Huizinga (1971), os
aspectos culturais são encontrados no jogo, entendendo que o jogo é um
elemento existente antes da própria cultura, acompanhando-a e demarcando-a
desde as mais distantes origens até a fase da civilização em que agora nos
encontramos. Além disso, o jogo pode ser visto como uma qualidade de ação bem
determinada e distinta da vida "comum", visto como “forma significante” e como
função social (Huizinga, 1971).
De forma geral, Santos (2018) organiza as ideias de Callois (1990) e as
relaciona com as características de Huizinga (1971), entendendo o jogo como
atividade:
• Livre: o jogador escolhe participar;
• Delimitada: restrita a certos limites de espaço e de tempo;
• Incerta: o que vai acontecer no jogo é imprevisível e resulta das ações
do jogador;
• Improdutiva: há deslocação de propriedade, mas não produção de bens;
• Regulamentada: sujeita a convenções que suspendem as leis normais,
e que lançam uma nova legislação – a única que conta;

3
• Fictícia: o jogador tem consciência específica da realidade do jogo e a
realidade do mundo real.
Quando falamos em jogo, alguns autores são essenciais para
compreensão dos conceitos cunhados em cada uma das épocas em que esses
estudiosos viveram. Para isso, trazemos um breve esquema (Quadro 1), que visa
dar um panorama dos principais nomes associados ao estudo dos jogos:

Quadro 1 – Jogo

Autores Concepção de jogo


Johan Huizinga (1872- O jogo é uma atividade livre e prioritária em
1945) qualquer cultura.
Roger Callois (1913- O jogo como uma atividade livre, incerta e
1978) fictícia.
Gilles Brougére (1955- O jogo como um recurso de experiência cultural
hoje) e de interação simbólica
Jean Piaget (1896- O jogo é associado ao desenvolvimento
1980) cognitivo da criança.
Lev Vygotsky (1896- O jogo como atividade social e cultural.
1934)
Diante das ideias desses autores, percebemos diferentes perspectivas
sobre o jogo. Além desses autores clássicos, existem muitos estudiosos e
pesquisadores que estudam com profundidade os jogos, um tema tão encantador
e cheio de potencialidades para a educação. Os estudos sobre esse tema
possuem diversas perspectivas: em relação à aprendizagem, ao desenvolvimento
humano (cognitivo e físico), valorizando os aspectos lúdicos que o envolvem,
ressaltando a história e cultura, entre outros aspectos.
Portanto, o entendimento sobre o jogo e seus inúmeros aspectos nos
permitirá aprofundar nossos estudos e conhecimentos sobre esse tema,
entendendo que ele faz parte da cultura e da nossa história.

TEMA 2 – O JOGO COMO ELEMENTO HISTÓRICO-CULTURAL

Para Huizinga (1971), o jogo é mais antigo que a cultura, sendo uma
realidade autônoma. Isso pode ser comprovado com base na interação entre os

4
animais, pois eles brincam e jogam entre si, inclusive com regras (como não
morder com força, por exemplo) (Santos, 2018).
Em relação aos aspectos culturais, “os jogos são fatores e imagens de
cultura, daí decorre que, uma civilização e uma época, que pode ser caracterizada
pelos seus jogos” (Caillois, 1990, p. 102). Assim, os jogos podem demarcar certas
culturas e a forma como a cultura vai sendo perpetuada pela sociedade.
É fato que os jogos têm diversas origens e a cultura pode ser transmitida
pelos diferentes jogos e formas de jogar. Para Kishimoto (1994), isso acontece
estabelecendo regras, critérios e sentidos que possibilitam um convívio mais
social, porque enquanto manifestação espontânea da cultura popular, os jogos
tradicionais têm a função de perpetuar a cultura e desenvolver formas de
convivência social.
Existem também as diferenças culturais em relação aos jogos, seja na
própria organização do jogo e como ele se concebe ou ainda nas formas de jogar
(as regras envolvidas, os desafios propostos). Por exemplo, um jogo realizado
pelas crianças aqui no Brasil pode ser diferente de um jogo com o mesmo nome
realizado na África ou Europa. Essa diferença pode ser também percebida na
nomenclatura dos jogos, que têm nomes diferentes, mas são jogados da mesma
forma, com as mesmas regras e número de participantes envolvidos.

Figura 1 – Jogos

Créditos: Alteron/Shutterstock.

Nesse sentido, Brougère (1998) chama atenção de que o ludus latino não
é igual ao francês, pois cada cultura, em função das analogias que estabelece,
vai construir uma delimitação. Para o autor, o que caracteriza o jogo não é a busca
de que modo se joga ou brinca, mas sim o estado de espírito com que se joga ou
brinca.

5
Quando estudamos sobre a história dos jogos, percebemos que ela está
fortemente associada à própria cultura. Em relação aos aspectos históricos, tem-
se que os primeiros jogos surgiram 5.000 a.C em regiões da Mesopotâmia e Egito.
Esses jogos seriam de tabuleiro e eram utilizados para ensinar aos mais novos
valores, conhecimentos, normas e padrões (Anjos, 2013).
Já na Idade Média, os jogos foram considerados profanos pela Igreja e só
na época do Renascimento é que voltaram a ter um destaque, quando foram
utilizados pelos jesuítas. A partir do século XVIII, foi ressaltado o valor educativo
dos jogos e isso se intensifica ao longo do tempo, sobretudo através dos trabalhos
desenvolvidos por Piaget e Vygotsky, entendendo o jogo como uma forma de
desenvolvimento e aprendizagem.
De acordo com esse breve panorama histórico, o próprio conceito de jogo
inserido na cultura sofre um processo de transformação no qual costuma se
expandir de forma dinâmica (Gallo, 2007). Assim, entende-se o jogo em si como
fenômeno cultural e sua importância para o desenvolvimento da cultura e da
civilização: jogo como forma significante, como função social (Gallo, 2007). Além
disso, eles são sistemas de representação que refletem, refratam e produzem a
cultura (Santos, 2018).
Callois (1990) defende que o jogo é um fenômeno humano,
cuidadosamente isolado do resto da existência, realizado em geral dentro de
limites precisos de tempo e lugar (o tabuleiro, o estádio, o ringue, a arena), o que
Huizinga conceitua como círculo mágico.

TEMA 3 – O CÍRCULO MÁGICO CRIADO PELO JOGO

O termo círculo mágico foi desenvolvido por Johann Huizinga e está


fortemente associado ao ato de jogar, pois o jogo é uma atividade formalizada, ou
seja, tem um início, um meio e um resultado final, acontecendo em um ambiente
definido (Salen; Zimmermann, 2004).
Portanto, o círculo mágico significa que todas as jogadas se movem e estão
dentro de um campo de jogo previamente marcado, dentro do qual regras
especiais são obtidas (Huizinga, 1971). Para Salen e Zimmermann (2004), essa
ideia do círculo mágico pertence a um lugar especial no tempo e no espaço criado
por um jogo, em que a ideia do círculo é uma característica importante, pois é
fechado e circunscreve um espaço que separa o jogo do mundo real.

6
O espaço em que o jogo acontece é como um verdadeiro círculo mágico:
um local, espaço e tempo com regras específicas, que as pessoas entram por
vontade própria e abrem mão de uma vida real para estarem presentes por inteiro
durante o jogo (Medeiros, 2018). Dessa forma, as preocupações do mundo real
são deixadas “do lado de fora” do círculo mágico, no qual o jogador se entrega de
forma completa para a experiência que está sendo vivenciada.
O círculo mágico ressignifica o que acontece no mundo real. Por exemplo,
podemos chutar uma bola no mundo real – um movimento normal, simples e sem
emoção. No caso de estar inserido no contexto do círculo mágico, o chutar uma
bola e fazer um gol se torna algo significativo, emocionante e complexo. Além
disso, podemos pensar no círculo mágico como um local seguro, longe das
preocupações reais da vida, em que o jogador pode errar e voltar atrás, refazer
jogadas, simular novos caminhos, alcançar metas complexas, entre outros
aspectos.
Com relação às questões físicas, o círculo mágico de um jogo pode ter um
componente físico, como um tabuleiro, um campo de jogo, por exemplo, mas
deixando claro que os jogos não têm limites físicos, pois em casos, o jogo
simplesmente começa quando um ou mais jogadores decidem jogar (Salen;
Zimmermann, 2004).
O círculo mágico é produzido pelo ato de jogar, de entrega ao jogo. Mas
você já parou para pensar que, quando falamos sobre jogo, estamos abordando
a multiplicidade e a diversidade de uma área muito grandiosa? Podemos pensar
nos diferentes jogos que passaram e passam por nossas vidas, que são inúmeros.
Para nos ajudar na organização, vamos conhecer a categorização dos jogos.

TEMA 4 – CATEGORIAS DO JOGO

Diante dos princípios elementares dos jogos, independentemente do


contexto em que se materializam, Callois (1990) buscou categorizar os jogos em
quatro categorias: agon, alea, mimicry, ilinx e explica o que cada categoria
representa.
Como já mencionado, Roger Callois é um autor importante quando falamos
de jogos, sobretudo por essa famosa categorização. Porém, vale destacar que
Callois não limita seu sistema de classificação às quatro categorias, visto que ele
enriquece sua taxonomia adicionando o conceito de Paida, que representa o jogo

7
ousado, livre, improvisado e ludus, que representa o jogo ligado às regras,
regulamentado e formalizado (Salen; Zimmermann, 2004).
O autor cruza as quatro categorias fundamentais com os conceitos de paida
e ludus, resultando em uma grande variedade de atividades lúdicas, por exemplo,
um jogo de azar vinculado a regras, a roleta, fica na seção alea/ludus. Já um jogo
não estruturado de faz de conta, como vestir uma máscara, ficaria na categoria
mimicry/paida (Salen; Zimmermann, 2004).
Nesse momento da disciplina, é importante que você conheça essas quatro
categorias fundamentais já mencionadas: Agon, Alea, Mimicry e Ilinx.

4.1 Agon – Competição

A categoria agon é entendida como aquela em que se encontram os jogos


competitivos, nos quais há uma criação artificial de igualdade de oportunidades,
envolvendo os jogos antagônicos, os desafios em determinadas qualidades
(velocidade, resistência, vigor, habilidades, etc.) que podem ser vencidos pelo
indivíduo que aparentemente seja melhor nessa qualidade, portanto, está
bastante relacionada aos méritos pessoais.
Quanto ao aspecto competição, que marca fortemente essa categoria, vale
ressaltar que se circunscreve ao jogo, visto que os competidores buscam a
eliminação dos adversários e existem regras que determinam o que vale ou não
dentro daquele jogo (Andrade et al., 2020).
Alguns exemplos dessa categoria (envolvendo competição): jogos de
xadrez, queimada, barra bandeira, cabo de guerra, pular cordas, estafetas e
amarelinhas. Além disso, esportes e outras competições (Salen; Zimmermann,
2004).

4.2 Alea – Sorte ou Azar

A categoria alea se apresenta em oposição à categoria agon, pois as


decisões nessa categoria não dependem do jogador, uma vez que a sorte e o azar
se tornam protagonistas.
Alguns exemplos dessa categoria são jogos de azar, como cassinos,
roletas, jogos de cartas, jogos de dados. Também entram na categoria alea jogos
como o dominó, cartas e gamão, ainda que combinem aspectos do agon e alea
(o acaso determina a distribuição das peças do jogo). Para Salen e Zimmermann

8
(2004), os jogos da categoria Alea são os baseados na sorte, com base em jogos
de probabilidade.
No contexto escolar, são comuns os jogos da cultura popular como pedra,
papel e tesoura, batata quente, dança das cadeiras, entre outros.

4.3 Mimicry – Simulacro/Encenação/Interpretação

Já a categoria mimicry está associada à mímica, ao disfarce, ao ilusório e


fictício, na qual o sujeito joga e tem a pretensão de fazer crer a si próprio ou fazer
outros crerem de que ele é o personagem a quem encarnou, envolvendo um faz
de conta. Nessa categoria, o potencial criativo é construído e exposto, até a
diversão adulta, mascarada e travestida, o que indica que a interpretação e a
imaginação são componentes fortemente presentes (Caillois 1990).
Como exemplos, há os jogos de faz de conta, dramatização e encenação.
Além desses, há os jogos clássicos da cultura popular, como detetive e o mestre
mandou. Para Salen e Zimmermann (2004), estão nessa categoria os jogos de
representar um papel, incluindo o teatro e outros exercícios de imaginação.
Alguns autores também englobam, nessa categoria, os jogos digitais por
meio das suas experimentações com jogos de combate, de corrida, de esporte e
plataforma, ou ainda, jogos em plataformas variadas como em smartphones,
consoles, e com sensores de movimento, com posterior transposição dos jogos
eletrônicos para práticas corporais (Andrade et al., 2020).

4.4 Ilinx – Vertigem

Essa última categoria é denominada ilinx e se caracteriza por uma busca


pela vertigem, pela destruição momentânea da estabilidade da percepção,
ocasionando em determinados momentos um atordoamento orgânico e psíquico
(Callois, 1990).
Estão associadas a essa categoria: desestabilização, atordoamento
intencional pela atividade e imprevisibilidade. Para Salen e Zimmermann, estão
nessa categoria os jogos com a sensação física de vertigem, como quando a
criança rodopia até cair.
Como exemplos relacionados ao contexto escolar, há a utilização de
balanço, gangorra, carrossel, cobra-cega, equilíbrio e até mesmo brinquedos da

9
cultura popular como o carrinho de rolimã, perna de pau e pé de lata (Andrade et
al., 2020).

TEMA 5 – CLASSIFICAÇÃO DOS JOGOS

Existem algumas classificações que aparecem como classificação de jogos


e brincadeiras ou ainda como classificação de materiais lúdicos. Uma das mais
difundidas na literatura é o sistema ESAR – Classificação e Análise de Materiais
Lúdicos, organizada por Denise Garon em 1992.
Esse sistema foi elaborado com a finalidade de responder às necessidades
dos diversos profissionais que atuam no campo da educação, sendo um
instrumento de classificação e análise do material de jogo e brinquedos, tendo
como objetivo analisar as características do jogo para melhorar a escolha que
deles se faz e para melhor compreender a criança que brinca (Garon, 1992). Esse
sistema permitiu aos educadores organização e análise de diferentes tipos de
materiais lúdicos, sendo o sistema ESAR um instrumento de classificação e de
análise (Sousa; Tagarro, 2020).

Figura 2 – Jogos

Créditos: Studio Romantic/Shutterstock.

O sistema ESAR constitui-se de diversas facetas que visam analisar o jogo


sob diversos aspectos: condutas afetivas, habilidades de linguagem, atividades
sociais, habilidades funcionais, condutas cognitivas e atividades lúdicas. Para
essas atividades lúdicas, tem-se a seguinte classificação: jogos de exercício,
jogos simbólicos, jogos de acoplagem, jogos de regras simples e jogos de regras
complexas (Garon, 1992).

10
5.1 Jogos de exercício

Os jogos de exercício possibilitam o desenvolvimento de habilidades


motoras grossas, coordenação motora e aquisição de equilíbrio postural
(Gonçalves, 2014). São os jogos que permitem o movimento simples como
agitação dos braços, sacudir objetivos, emitir sons, caminhar, pular, correr, jogos
que permitem a repetição dos gestos corporais.
Eles aparecem logo nos primeiros exercícios sensoriais e motores simples
ou com combinações de ações (com ou sem finalidade), como puxar um fio,
abanar um objeto sonoro, bater num objeto mole, fazer rodar um pião, dar
pancadas, entre outros (Garon, 1992).
Para Piaget (1971), o jogo de exercício é caracterizado no período
sensório-motor das crianças que se manifesta nos primeiros anos de vida, em que
o prazer é essencial. Assim, uma criança com menos de dois anos usa os seus
reflexos, faz movimento de preensão e consegue segurar um objeto, consegue
engatinhar e organizar suas ações. Por exemplo, uma criança de um ano pode
segurar um brinquedo com as mãos e balança para que ele faça barulho, ou ainda,
pode empurrar um brinquedo que não quer mais brincar.
Esses jogos contribuem para a organização das habilidades psicomotoras,
importantes na formação das estruturas de raciocínio das crianças e compõem
jogos sensoriais e motores que envolvem repetição de movimentos e gestos
(Gonçalves, 2014).
Os jogos de exercício estão bastante presentes nas aulas de Educação
Física, sobretudo com as brincadeiras e os jogos em que as crianças se
movimentam – correm, saltam, rolam, giram – e são estimuladas à
experimentação de movimentos para aumento dos seus repertórios corporais.
Assim, os jogos de exercício prolongam-se por vezes até a idade adulta,
mas implicam poucas aquisições novas e assim, geralmente, tendem a diminuir
de intensidade e de importância com a idade (Garon, 1992).
Como exemplos dessa categoria, há os jogos sonoros (caixinhas de
música, brinquedos sonoros, piões), jogos visuais (móbiles, caleidoscópios), jogos
táteis (objetos para apalpar, tocar, pressionar), jogos olfativos (lápis de cor com
odores característicos), jogos gustativos (acessórios para cozinhar, caixinhas de
sabores), jogos motores (objetos rolantes, peneiras, pernas de pau) e jogos de
manipulação (brinquedos para empilhar, tocar, esvaziar). Além disso, também

11
percebemos os jogos de exercício nas brincadeiras de saltar, correr, pular, entre
outras e que não precisam de um objeto (brinquedo) para se consolidarem.

5.2 Jogos simbólicos

Esses jogos estão associados à representação de um objeto ou uma


simulação, ocasião em que a criança faz imitações, brinca de faz de conta, simula
acontecimentos imaginários e brinca com o mundo dos adultos (Garon, 1992). Os
jogos e as brincadeiras permitem o desenvolvimento da função simbólica na
infância, possibilitando a criança a viver experiências que ficarão marcadas ao
logo da sua vida (Lima, 2007).
Para Bomtempo (2003, p. 75), o jogo simbólico implica a representação de
um objeto por outro, a atribuição de novos significados a vários objetos, a
sugestão de temas, como “vamos dizer que isso é um cavalinho?” (apontando
para um pedaço de madeira) ou a adoção de papéis, como “sou o pai”, “sou o
médico”, “sou a mãe” etc.
Com os jogos simbólicos, as crianças vivem de modo lúdico as situações
do cotidiano, ampliando as oportunidades de compreensão das próprias
experiências e dos progressos do pensamento (Seber, 1995), fazendo parte da
fase pré-operatória de Piaget (2-7 anos).
Os jogos e brinquedos que fazem parte desse simbolismo são as bonecas,
marionetes, fantasias de princesas e piratas entre outros. Também estão inseridas
as brincadeiras e jogos com cantigas, com presença de musicalidade, rima, ritmo
e melodia (Lima, 2007).
Como exemplos dessa categoria, há os jogos de faz de conta
(personagens, veículos, bonecas, comidas), jogos de papéis (marionetes,
fantasias, acessórios) e jogos de representação (fantoches, material de desenho,
impressão, pintura).

5.3 Jogos de acoplagem

Os jogos de acoplagem podem ser entendidos como jogos de construção


e de ordenação fundados sobre uma forma lúdica compreendida na acoplagem.
Se um pedaço de madeira serviu para representar um barco ou um carro, pode
agora servir para construí-los, juntando-o a outros elementos, combinando-o para
fazer um todo (Garon, 1992).

12
Os jogos de acoplagem representam os de construção por meio de peças
para encaixes, mosaicos, modelagem, recortes e colagens, além dos jogos de
ordenação simples como o uso de blocos lógicos, materiais para justaposição,
entre outros (Gonçalves, 2014).
Como exemplos dessa categoria, há os jogos de construção (peças para
encaixar, acoplar, parafusar, sobrepor, justapor, blocos), jogos de ordenação
(puzzles, encaixes, mosaicos), jogos de montagem (acoplagem de peças, molas,
pilhas), jogos de acoplagem científica (experiência de caráter científico: química,
física, biologia) e jogos de acoplagem artística (instrumentos de jogo como
tesouras, materiais de modelagem, colagem, escultura).

5.4 Jogos de regras simples e complexas

Os jogos que possuem regras se iniciam de forma bastante progressiva na


vida das crianças, e a complexidade das regras varia de acordo com a idade, pois
normalmente estão relacionadas às ações do jogador (Garon, 1992). Esses jogos
se manifestam, principalmente, na fase dos 7 aos 12 anos de idade (Moratori,
2003) e se caracterizam pela existência de leis impostas pelo grupo ou pelo
próprio jogo, tendo comum acordo entre os jogadores para o início do jogo. Além
disso, o descumprimento das regras confere ao jogador algumas penalizações
que normalmente estão explícitas.
Os jogos de regras se constituem em um conjunto de regras e normas que
cada participante deve conhecer, assumir e respeitar se quer realizar a atividade
sem demasiadas interferências ou obstáculos. Os jogos exigem respeito às
normas, as quais as crianças negociam e acatam mutuamente (Murcia, 2008).
Nessa perspectiva, o jogo de regras garante o aprendizado de que a regra
é necessária em situações que exigem solidariedade e cooperação em um jogo,
ressaltando que as regras devem ser respeitadas, por consentimento mútuo ou
até mesmo transformadas se houver consenso entre os participantes (Gomes,
2002).
Os jogos de regras simples estão mais associados à infância, numa fase
em que a criança se relaciona e socializa com outras crianças, sendo que a regra
é o elemento que delimita o que é permitido ou não, circunscrevendo o universo
do jogo. Alguns exemplos desses jogos (com regras simples) são: macaquinho
chinês e jogo de galo (Sousa; Tagarro, 2020).

13
Como exemplos de jogos de regras simples, temos também os jogos de
dominó, jogos de sequência, jogos de circuito, jogos de destreza, jogos esportivos,
jogos de estratégia e sorte, jogos de pergunta e resposta, jogos de vocabulário,
matemática e teatro.
Já os jogos de regras mais complexas estão fortemente associados aos
adolescentes e adultos, tomando uma forma mais elaborada que mobiliza ações
baseadas em raciocínios e combinações bastante lógicas, relacionadas a
hipóteses, estratégias e deduções (Garon, 1992).
As regras estabelecem os movimentos a serem conferidos no jogo e,
dependendo do jogo, as jogadas dos adversários também representam um
limitador, definindo uma interdependência entre as várias jogadas, o que destaca
a construção de uma estratégia do jogo na qual o jogador faz o planejamento de
suas ações (Moratori, 2003).
Como exemplos de jogos com regras complexas, há o xadrez, bridge, jogos
de estratégia complexos, jogos esportivos complexos, jogos de sorte, jogos de
vocabulário e de matemática complexos, jogos de acoplagem complexa e jogos
digitais mais complexos.

14
REFERÊNCIAS

ANDRADE, L. C.; DE LIMA, I. N.; ALMEIDA, M. O. Agon, Alea, Mimicry e Ilinx na


escola? O ensino do jogo na educação física a partir da sistematização de Roger
Callois. Corpoconsciência, v. 24, n. 2, p. 91-102, 2020.
ANJOS, A. Os primeiros jogos de tabuleiro da história. Obvious, 2013. Disponível
em: <http://lounge.obviousmag.org/anna_anjos/2013/01/a-origem-dos-jogos-de-
tabuleiro.html>. Acesso em: 12 mar. 2021.

BOMTEMPO, E. A brincadeira de faz de conta: lugar do simbolismo, da


representação, do imaginário. In: KISHIMOTO, T. (Org.). Jogo, brinquedo,
brincadeira e a educação. São Paulo: Cortez, 2003.

BROUGÈRE, G. A criança e a cultura lúdica. Revista da Faculdade de


Educação, v. 24, n. 2, p. 103-116, 1998.
CALLOIS, R. Os jogos e os homens. Lisboa: Ed. Cotovia, 1990.
GALLO, S. N. et al. Jogo como elemento da cultura: aspectos contemporâneos
e as modificações na experiência do jogar. 200 f. Tese (Doutorado em
Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São
Paulo, 2007.
GARON, D. Classificação e análise de materiais lúdicos: o sistema ESAR. In:
FRIEDMAN, A. et al. O direito de brincar: A brinquedoteca. 4. ed. São Paulo: Ed.
Scritta, 1992. p. 171-182.

GOMES, M. A. M. et al. Aprendizagem auto-regulada em leitura numa


perspectiva de jogos de regras. 220 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Campinas, SP, 2002.

GONÇALVES, A. G.; BRACCIALLI, L. M. P. Utilização de recursos pedagógicos


por professores da educação infantil. Pensar a Prática, v. 17, n. 2, 2014.

HUIZINGA, J. Homo Ludens. Editora Perspectiva. São Paulo, 1971.


KISHIMOTO, T. M. O jogo e a educação infantil. Revista Perspectiva,
Florianópolis, n 22, p. 105-128, 1994.

KISHIMOTO, T. (Org.). Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo:


Cortez, 2017.

LIMA, E. S. Brincar para que? Editora InterAlia, 2007.

15
MEDEIROS, F. Narrativas (e narradores) de RPG-roleplaying games como
base para as práticas didáticas de professores. 193 f. Dissertação (Mestrado)
– Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.

MORATORI, P. B. Por que utilizar jogos educativos no processo de ensino


aprendizagem. 33 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Mestrado de Informática
aplicada à Educação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2003.

MURCIA, J. A. M. Aprendizagem através do jogo. Porto Alegre: Artmed Editora,


2005.

PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

SALEN, K.; ZIMMERMAN, E. Regras do Jogo: fundamentos do design de jogos


– Volume 3: Interação lúdica. São Paulo: Blucher, 2012.
SANTOS, J. M. F. P. dos. Produção de disciplina gamificada: uma proposta de
letramento midiático com aproximações entre mídia-educação e aprendizagem
baseada em jogos. 246 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2018.
SEBER, M. da G. Psicologia pré-escolar: uma visão construtivista. São Paulo:
Moderna, 1995.
SOUSA, R.; TAGARRO, M. A importância do uso de materiais lúdicos e jogos na
educação de infância. Revista da UI_IPSantarém – Unidade de Investigação
do Instituto Politécnico de Santarém, v. 8, n. 2, p. 129-143, 2020.

16

Você também pode gostar