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Elaboração
Produção
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................................... 4
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................................................. 7
UNIDADE I
O QUE É FARMACOLOGIA E COMO AGEM OS FÁRMACOS................................................................................................................................. 9
CAPÍTULO 1
CONCEITOS EM FARMACOLOGIA.................................................................................................................................................................. 9
CAPÍTULO 2
INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR.............................................................................................................................................................. 13
CAPÍTULO 3
QUANTIFICAÇÃO DA INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR.................................................................................................................. 19
UNIDADE II
ALVOS MOLECULARES PARA FÁRMACOS: MECANISMOS DE TRANSDUÇÃO DE SINAL.................................................................. 28
CAPÍTULO 1
CANAIS IÔNICOS................................................................................................................................................................................................. 29
CAPÍTULO 2
RECEPTORES ACOPLADOS À PROTEÍNA G............................................................................................................................................. 34
CAPÍTULO 3
OUTROS TIPOS DE RECEPTORES.................................................................................................................................................................. 41
UNIDADE III
FARMACOCINÉTICA: O CAMINHO DO FÁRMACO PELO ORGANISMO......................................................................................................... 49
CAPÍTULO 1
VIAS DE ADMINISTRAÇÃO E ABSORÇÃO DE FÁRMACOS................................................................................................................. 54
CAPÍTULO 2
DISTRIBUIÇÃO DE FÁRMACOS....................................................................................................................................................................... 67
CAPÍTULO 3
METABOLISMO E ELIMINAÇÃO DE FÁRMACOS..................................................................................................................................... 70
REFERÊNCIAS......................................................................................................................................................................................... 84
APRESENTAÇÃO
Caro aluno
Conselho Editorial
4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA
A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.
Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto
antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para
o autor conteudista.
Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma
pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em
seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas
experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para
a construção de suas conclusões.
Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam
para a síntese/conclusão do assunto abordado.
5
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa
Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/
conclusões sobre o assunto abordado.
Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando
o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.
6
INTRODUÇÃO
Terapêutica
Poções
Medicamentos à base de ervas
Comércio
Boticários
Química
Ciências
Produtos naturais
biomédicas
Patologia
Indústria
Farmacologia farmacêutica
Fisiologia
Estrutura química
7
Novos fármacos sintéticos, como os barbitúricos e os anestésicos locais, começaram
a aparecer. Ademais, foram produzidos os primeiros quimioterápicos com base nas
descobertas de Paul Ehrlich, em 1909, com compostos de arsênico para o tratamento
da sífilis. Ainda, podemos citar a síntese das sulfonamidas, os primeiros fármacos
antimicrobianos por Gerhard Domagk, em 1935; e o desenvolvimento da penicilina,
por Chain Florey, durante a Segunda Guerra Mundial, com base nos trabalhos de
Fleming. Essas técnicas ainda continuam sendo aplicadas na atualidade e correspondem
à maioria dos métodos de obtenção de medicamentos. A partir da década de 1970, com
o progresso tecnológico, inicia-se a era biotecnológica com a utilização de culturas
bacterianas e a tecnologia de DNA recombinante para a produção de moléculas proteicas,
por exemplo, a insulina produzida com base em colônias de E. coli recombinante.
Muito recentemente, temos o início das terapias gênicas, em que ocorre a modulação
de genes em células e tecidos de um indivíduo para o tratamento de uma doença,
consolidando e perpetuando essa nova era da farmacologia. Nesta disciplina de
“Farmacologia Geral”, são abordadas as características farmacológicas, farmacocinéticas
e/ou farmacodinâmicas de fármacos, tanto no tocante aos aspectos descritivos quanto
aos quantitativos. O estudo da farmacologia permite formar uma base teórica para
aplicações desses conhecimentos na cadeia de produção de novos fármacos, visando
à prescrição correta de medicamentos e monitorização terapêutica do paciente. Aqui
será realizada uma dissecação de alvenaria farmacodinâmica, avaliação da interação
droga-receptor, mecanismos de transdução e estudo das propriedades farmacocinéticas
dos fármacos.
Objetivos
» Introduzir os principais conceitos em farmacologia.
CAPÍTULO 1
Conceitos em farmacologia
O que é um fármaco?
É uma substância química sintética, natural ou derivada de plantas, animais ou
produtos de engenharia genética de estrutura conhecida, exceto nutriente ou um
componente essencial da dieta. Fármacos, quando administrados a um organismo vivo,
produzem efeitos biológicos. Para que uma substância seja considerada um fármaco,
deve ser administrada no organismo com essa intenção, em vez de ser liberada por
mecanismos fisiológicos. A exemplo disso, temos a insulina, a ocitocina e a tiroxina,
que são hormônios endógenos, mas são também fármacos quando intencionalmente
administradas.
9
Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos
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Fármaco x droga
É uma confusão bem comum dentro da farmacologia, principalmente na língua
portuguesa. No português, usamos ‘fármaco’ para descrever substâncias que têm a
propriedade de gerar efeito biológico e que podem ser aplicadas na terapêutica, ou seja,
podem virar medicamento ou ser utilizadas como ferramentas na pesquisa científica.
Já as ‘drogas’ são, frequentemente, definidas como substâncias que causam dependência,
com características narcóticas ou que alteram a consciência. A Portaria n. 344/1998,
do Ministério da Saúde, ainda acrescenta que droga é substância ou matéria-prima
que tenha finalidade medicamentosa ou sanitária, podendo estar sujeita a controle
especial. Contudo, na língua inglesa, encontramos a palavra drug, que pode ser usada
10
O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I
para descrever tanto fármaco como droga, informação esta importante na hora de ler
artigos científicos frequentemente publicados em tal idioma.
Remédio
Esse termo é utilizado para descrever qualquer tipo de cuidado que se tenha com
o paciente, com a finalidade de curar ou aliviar os sintomas de uma enfermidade.
Portanto, remédios não necessariamente tem de ter passado por controle de qualidade,
segurança e eficácia. Inclusive, pode ser caseiro.
Receptor
Complexo molecular proteico que funciona como alvo para a interação do fármaco,
resultando na produção de efeito farmacológico, o qual pode ser indução, intensificação,
diminuição ou bloqueio de um efeito fisiológico (função biológica preexistente).
Receptores frequentemente são proteínas possuidoras de um ou mais sítios que, quando
ativados por substâncias endógenas ou exógenas, são capazes de desencadear resposta
fisiológica a uma velocidade determinada, denominada constante de associação (Ka)
(Figura 3). O fármaco se liga ao receptor e forma um complexo, o qual desencadeia a
resposta, e, subsequentemente, ocorre a dissociação desse complexo também a uma
velocidade determinada, chamada de constante de dissociação (Kd). A intensidade da
resposta é proporcional ao número de complexos fármaco-receptor. Dessa forma, o
número de receptores expressos na célula limita o efeito final do fármaco, e situações
que diminuem a expressão do receptor (sub-regulação) acabam por diminuir o
efeito farmacológico do fármaco ligante. Os receptores servem como moléculas de
reconhecimento para um mediador químico, por meio do qual uma resposta é traduzida.
Outras macromoléculas com que os fármacos interagem para produzir seus efeitos são
conhecidas como alvos farmacológicos e podem ser enzimas, moléculas carreadoras
ou estruturas celulares com as quais os fármacos se ligam, podendo exercer efeito
farmacológico. As moléculas que se ligam aos receptores podem ativar ou bloquear
sua função e são denominadas agonistas ou antagonistas, respectivamente. Tais termos
são melhores descritos a seguir:
Figura 3. Interação fármaco-receptor.
Ka
[F] + [R] [F-R] Resposta
Kd
Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.
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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos
Receptores órfãos
Reserva de receptores
Para fins didáticos, é estabelecido que seria necessária a ocupação de 100% dos receptores
para que um agonista exercesse seu efeito máximo, ou seja, 100% de resposta. Entretanto,
na realidade, em alguns sistemas fisiológicos do nosso organismo, é possível obter
uma resposta máxima com ocupação de menos de 100% dos receptores. Nesse caso,
obtém-se o efeito máximo numa dose de agonista mais baixa do que a necessária
para a saturação dos receptores, isto é, a EC50 é menor do que a Kd (constante que
indica a velocidade de dissociação do fármaco com o seu receptor) para esse sistema.
Esse tipo de discrepância entre a curva de ligação fármaco-receptor e a curva de
dose-resposta significa a presença de receptores de reserva. Acredita-se que pelo menos
dois mecanismos moleculares sejam responsáveis pelo fenômeno do receptor de reserva:
em primeiro lugar, o receptor permaneceria ativado após a saída do agonista, permitindo
a ativação de vários receptores por uma molécula de agonista. Em segundo lugar, as
vias de sinalização celulares, que serão descritas mais para frente, poderiam propiciar
amplificação significativa de um sinal relativamente pequeno. Então, a ativação de
apenas alguns receptores poderia ser suficiente para produzir uma resposta máxima.
Aceptor
São estruturas moleculares do organismo, as quais interagem com fármacos, mas não
produzem efeito farmacológico. Muitas vezes, essas moléculas são inertes ou exercem
função de carreamento do fármaco, por exemplo, a albumina.
12
CAPÍTULO 2
Interação fármaco-receptor
Agonista
São moléculas que se ligam aos receptores fisiológicos e mimetizam o efeito do ligante
endógeno, ou seja, estabilizam a conformação do receptor na sua forma ativa (Figura
4). Quando o agonista produz 100% de resposta do receptor, é chamado de agonista
pleno ou agonista total. Quando o fármaco se liga ao mesmo lugar de ligação do ligante
endógeno, é chamado de agonista primário ou ortostérico. Quando o fármaco se liga a
outro sítio, diferente daquele que interage com o ligante endógeno, e modifica a ação
do receptor, é chamado de modulador ou agonista alostérico.
Antagonista
Agonista Agonista
Agonista Agonista
Antagonista
Antagonista
Antagonista competitivo
competitivo Antagonista
cão competitivo não competitivo
Antagonista
São moléculas que se ligam aos receptores fisiológicos sem causar sua ativação, bloqueando
o efeito do ligante endógeno ou do agonista exógeno (Figura 5). Antagonistas não
exercem nenhum efeito sobre o estado de ativação do receptor na ausência do ligante
endógeno/agonista. O antagonista de receptor pode ligar-se ao sítio ativo (sítio de
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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos
Antagonista
Agonista Agonista
Agonista Agonista
Antagonista Antagonista
competitivo Antagonista competitivo Antagonista
não competitivo não competitivo
Agonista parcial
São os fármacos que produzem resposta tecidual submáxima, ou seja, menor que 100%
da resposta máxima do receptor, mesmo quando todos os receptores disponíveis estão
ocupados por ele (Figura 6). Quando um agonista pleno (100% de resposta) e um
agonista parcial estão concomitantemente na presença do receptor, o agonista parcial
pode ser considerado um antagonista, pois estabiliza o receptor em um estado que não
desencadeia a resposta total que seria induzida pelo agonista pleno.
Agonista inverso
Agonista
Sítio de ligação
do agonista Sítio de
ligação
alostérico
do
Resposta Resposta
intrínseca ativação
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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos
Os receptores, atualmente apontados como tendo atividade intrínseca e, por sua vez,
passíveis de interagir com agonistas inversos, incluem os receptores GABAa, receptor de
melanocortina, receptor de µ opioide, receptor de histamina e receptor beta-adrenérgico.
Exemplos desse tipo de molécula incluem os fármacos montelucaste, agonista inverso dos
receptores de leucotrienos, que impede a atividade basal desse receptores. Esse fármaco
limita a resposta inflamatória nos tecidos em que esses receptores são expressos, e como
a expressão dos receptores para leucotrienos cisteínicos é alta no tecido pulmonar, o
montelucaste é fármaco útil para o tratamento de inflamações nesse tecido, como é
o caso da asma. A naloxona e naltrexona são também agonistas inversos parciais dos
receptores opioides do tipo µ; a maioria dos anti-histamínicos que interagem com os
receptores H1 e H2; os betabloqueadores carvedilol; e bucindolol.
Dessa forma, podemos concluir que agonistas plenos elevam os valores da curva
sigmoide até 100% de resposta do receptor, enquanto agonistas parciais induzem
valores entre 0 e 100 % de resposta do receptor. Antagonistas estabilizam a
resposta em 0%, mas mantêm a atividade intrínseca do receptor e dos agonistas
inversos, bloqueando a atividade intrínseca do receptor (Figura 7).
Figura 7. Resumo da atividade dos diferentes tipos de fármacos que interagem com receptores
biológicos.
Saturação do receptor
(Y)
Agonista pleno
Resposta %
Agonista parcial
Antagonista
Agonista inverso
Concentração do ligante
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O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I
↓ n° receptores: inativação
Fármaco
Adenilato Receptor Receptor
ciclase inativado
Beta- Beta-
Proteína G arrestina
arrestina
Fonte: adaptada de Golan, 2014.
Além disso, os receptores podem ter diminuída sua expressão proteica, na superfície
da membrana (do inglês, down-regulation), por mecanismos mais complexos, como a
internalização ou o sequestro no interior da célula, ficando indisponíveis para novas
interações com os agonistas. Esses receptores podem ser reciclados para a superfície
celular, restabelecendo a sensibilidade; ou, de modo alternativo, podem ser processados
e degradados, diminuindo o número total de receptores disponíveis. Alguns receptores,
particularmente os canais iônicos, exigem tempo finito após a estimulação, antes de
17
Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos
poderem ser ativados novamente. Esse tempo pode ser chamado de tempo de latência
ou tempo de refratariedade, e os receptores em recuperação são chamados “refratários”.
Da mesma forma que descrito para agonistas, a exposição repetida do receptor a
antagonistas pode resultar em sensibilização direta do receptor ou, então, aumento
da sua expressão proteica na membrana (do inglês, up-regulation). Nesse contexto,
os receptores de reserva são inseridos na membrana ou então ocorre a ativação de
fatores de transcrição da sequência proteica do receptor, o que aumenta sua síntese.
Ambos os mecanismos aumentam o número total de receptores disponíveis.
A sensibilização de receptores torna a célula mais sensível aos agonistas e mais resistente
ao efeito dos antagonistas.
18
CAPÍTULO 3
Quantificação da interação
fármaco-receptor
Fármaco A
Fármaco A
Fármaco B Fármaco B
% Resposta
% Resposta
EC50 EC50
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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos
Potência
A potência de um fármaco refere-se à concentração em que o fármaco produz 50% de
sua resposta máxima, ou seja, a potência de um fármaco é medida pela EC50. Na Figura
10 (à direita) temos a comparação de diferentes fármacos: a EC50 dos fármacos A, B, C
e D é 0.1, 1, 10 e 100, respectivamente, indicando que o fármaco A é mais potente do
que o B, porque menor quantidade de fármaco A é necessária para obter 50% do efeito,
quando comparado com o fármaco B. Já o fármaco B é mais potente que o fármaco
C, e o C é mais potente que o D. Note que todos eles, apesar de possuírem diferentes
EC50, têm a mesma capacidade de alcançar 100% de resposta naquele receptor; basta
aumentar a dose. Dessa forma, fármacos de potências diferentes têm apresentações
farmacêuticas diferentes e gramaturas diferentes. Por exemplo, as estatinas utilizadas
para o tratamento do hipercolesterolemia podem alcançar o mesmo efeito terapêutico
desejado em um determinado paciente com as suas respectivas doses posológicas.
A sinvastatina é utilizada, usualmente, na dose de 40 mg/comprimido, enquanto as
estatinas de alta potência, como a atorvastatina, podem ser utilizadas na dose de 20
mg/comprimido para obtenção do mesmo efeito.
Eficácia
Existem fármacos que, mesmo em altas doses, ainda não conseguem induzir 100% de
resposta do sistema. Diz-se, então, que tais fármacos não alcançam 100% de eficácia.
A eficácia (Emáx.: concentração efetiva máxima) refere-se à resposta máxima produzida
pelo fármaco. Dessa forma, a eficácia pode ser considerada como o estado em que a
sinalização mediada pelo receptor torna-se máxima, de modo que qualquer quantidade
adicional do fármaco não produzirá nenhuma resposta adicional. Na Figura 10 (à
esquerda), podemos visualizar esse conceito; ao olharmos para o gráfico, percebemos
que apenas o fármaco A produz 100% de resposta, ou seja, 100% de eficácia, sendo um
agonista pleno. Os fármacos B, C e D têm níveis decrescentes de eficácia. Qualquer um
deles agirá como agonista parcial e, quando coadministrado com o fármaco A, poderá
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O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I
atuar como antagonista, pois poderá deslocar o fármaco A caso se ligue mais fortemente
ao receptor. Esse conceito de força de ligação será abordado adiante.
Baixa potência
% de Resposta
Aumento na potência
EC50
% de Resposta
Baixa
eficácia
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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos
Essas doses são denominadas ED50 (dose em que 50% dos indivíduos apresentam
resposta terapêutica a um fármaco), TD50 (dose em que 50% dos indivíduos exibem
resposta tóxica) e LD50 (dose em que 50% dos indivíduos morrem). A ED50 é
a dose em que 50% dos indivíduos respondem ao fármaco, enquanto a EC50 é a
dose em que o fármaco produz metade do efeito máximo em um indivíduo, como
mencionado acima.
Moléculas diferentes se ligam, com a mesma força, ao mesmo receptor? Como medir
essa força de ligação?
Afinidade
A afinidade ao receptor é o termo que se usa para descrever a capacidade do fármaco
para se ligar e se manter ligado a um determinado receptor, também descrita como
a probabilidade de ocupar um receptor a qualquer instante. Está relacionada à
eficácia intrínseca (atividade intrínseca – grau em que o ligante ativa receptores e
conduz à resposta celular). A afinidade e a atividade de um fármaco são determinadas
por sua estrutura química. Do ponto de vista do complexo fármaco-receptor,
pode-se dizer que a afinidade é definida como a força de interação reversível
entre fármaco-receptor e pode ser medida pela constante de dissociação, o Kd.
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O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I
[ F ] .[ R ]
Kd =
[ F − R]
Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.
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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos
Outro detalhe a ser mencionado é o fato de que um fármaco pode ter alta especificidade
para seu receptor, entretanto, se o receptor tem expressão ubiquota (não restrita em
apenas um tipo de tecido/órgão, disseminada pelo organismo), o efeito do fármaco
será global e não restrito a apenas um tecido.
Janela terapêutica
A janela terapêutica (Figura 13) é o termo utilizado para descrever a faixa de dose ou
concentração de determinado fármaco que produz resposta terapêutica no organismo
alvo, sem efeitos adversos inaceitáveis (que impeçam o uso de forma segura, o que
caracterizaria toxicidade) em determinada população de pacientes.
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O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I
Efeito
tóxico
Concentração
mínima para
Efeito de resposta
pico adversa
Efeito do fármaco (concentração
Início do
efeito
Janela
plasmática)
terapêutica
Concentração
mínima para
resposta
Duração do efeito terapêutica
Efeito subterapêutico
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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos
É importante considerar mais alguns conceitos listados na Figura 13, os quais são
descritos a seguir:
IT =
[ DT 50]
[ DE 50]
Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.
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O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I
ÍNDICE TERAPÊUTICO
Curva dose-resposta quantal
% de pacientes responsivos à terapia
% Cumulativa
TI
ED50 TD50
Dose (mg)
= =3
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ALVOS MOLECULARES
PARA FÁRMACOS:
MECANISMOS UNIDADE II
DE TRANSDUÇÃO
DE SINAL
Como mencionado anteriormente, para um fármaco exercer sua ação, ele precisa
interagir com moléculas do organismo-alvo, de modo que altere sua sinalização.
Os receptores são os elementos sensores no sistema de comunicações químicas que
coordenam a função de todas as diferentes células do organismo. Nesse sentido, os
mensageiros químicos são os vários hormônios, transmissores e outros mediadores. A
característica de alguns receptores, como aqueles ligados à proteína G, à tirosina quinase
e a enzimas, é sua propriedade de amplificar a intensidade e a duração do sinal. Por
exemplo, um único complexo agonista-receptor pode interagir com várias proteínas
G, ou várias enzimas intracelulares, multiplicando várias vezes o sinal original. Além
disso, a proteína G ativada persiste por mais tempo do que o complexo ligante-receptor
original. Desse modo, a ligação de determinado fármaco ao seu receptor só existe
por poucos milissegundos, mas a proteína G ativada subsequente pode persistir por
centenas de milissegundos. O sinal inicial é prolongado e amplificado adicionalmente
pela interação entre a proteína efetora e seus respectivos alvos intracelulares. Devido
à amplificação, apenas uma fração do total de receptores para um ligante específico
precisa ser ocupada para evocar a resposta máxima. Dentro do sistema de sinalização
biológico mediado por ligantes, existem várias classes de receptores farmacológicos,
as quais serão discutidas a seguir.
28
CAPÍTULO 1
Canais iônicos
Canais iônicos
Também chamados de receptores ionotrópicos, os canais iônicos são portões proteicos
presentes nas membranas celulares, que, de modo seletivo, permitem a passagem de
determinados íons e são induzidos a se abrirem ou se fecharem por uma variedade de
mecanismos (Figura 16). Em geral, utilizam gradiente eletroquímico para transmitir
sinal em células excitáveis. Na interação com o canal iônico, o ligante estabiliza o canal
em um estado aberto ou fechado, dependendo se sua ação for agonista ou antagonista.
A abertura desse poro proteico leva à entrada de íons para o interior ou exterior da
célula, dependendo do tipo de canal e do tipo de célula. Esse efeito promove alterações
nas concentrações iônicas. Como consequência, a depender do íon em questão, o efeito
observado pode ser hiperpolarização ou despolarização celular, em caso de células
excitáveis, ou, então, alterações bioquímicas decorrentes da mudança de gradiente
iônico no meio intracelular, o que acarreta resposta biológica. É de milissegundos o
tempo para a ação decorrente da interação com canais iônicos, sendo o mais rápido
dos mecanismos dependentes de receptores farmacológicos.
Figura 16. Representação de canal iônico e dos principais tipos de canais iônicos.
Membrana
plasmática
Fechado Aberto
Citosol Íons: Ca +2, Na+, K+
CANAL IÔNICO CANAL IÔNICO ATIVADO
ATIVADO POR LIGANTE MECANICAMENTE
Ligante Recepto Pressão
r
29
CANAL IÔNICO SEMPRE CANAL IÔNICO ATIVADO
ABERTO POR VOLTAGEM
MECANICAMENTE
Ligante Recepto Pressão
r
Aberto Citosol
Fechado Aberto Citosol Fechado
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal
Membrana
plasmática
Citosol Sensor de Citosol
voltagem
Existem vários tipos de canais iônicos e eles podem ser ativados de diferentes formas,
a saber, por ligante (agonista); por mudanças na voltagem celular; e por estímulo
mecânico ou térmico (receptores sensoriais). Todos eles podem ser modulados
farmacologicamente. Os tipos principais de canais iônicos estão descritos abaixo:
Figura 17. Representação de canal iônico normalmente ativado por voltagem – Inativado diretamente por um ligante exógeno
que exemplifica o mecanismo de ação dos anestésicos locais.
Sítio de ligação do
anestésico local (LA)
Meio intracelular
30
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II
Outro fator a ser notado é o tipo de íon conduzido através desses canais. Lembre-se
de que existe fluxo de íons de carga positiva e negativa e, dependendo a direção do
seu fluxo, pode haver aumento ou diminuição na voltagem da célula. Os receptores
constituídos de canal ativado por ligante são essenciais para a sobrevivência dos seres
vivos, sendo expressos desde o início da cadeia evolutiva dos animais. Nos animais
superiores, medeiam diversas funções, incluindo neurotransmissão e contração cardíaca
ou muscular. Como exemplo de receptores compostos de canais iônicos ativados
por ligante, temos os receptores nicotínicos ativados pela ligação da acetilcolina, um
neurotransmissor ao nível de sistema nervoso central e na placa motora, cuja ativação
resulta em influxo de sódio e efluxo de potássio. Isso gera potencial de ação no neurônio
ou contração no músculo esquelético. Por intermédio da ligação à própria proteína do
canal, no local de ligação (ortostérica) do ligante, em outros locais (alostérica) ou, no
caso dos anestésicos locais, nos canais de sódio dependentes da voltagem, a molécula do
fármaco liga-se fisicamente ao canal, bloqueando a permeabilidade dos íons (Figura 18).
Figura 18. Representação de canal iônico controlado por ligante – Receptor GABAa com seus sítios de ligação: ortostérico
(ligação ao GABA) e alostéricos (demais ligantes endógenos e exógenos).
RECEPTOR GABAa
Picrotoxina
Anestésicos voláteis
GABA
Etanol
Benzodiazepínicos Neurosteroides
Barbitúricos
31
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal
Figura 19. Representação gráfica do potencial de ação gerado pela abertura de canais de sódio voltagem-dependentes.
Potencial de ação
Canais controlados por voltagem
Na+ Entrando na
célula
Voltagem (mV)
K+ Saindo da célula
Estímulos
menores
limiar que o
limiar
Estado de repouso
Estímulo
hiperpolarização
Tempo (ms)
Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.
positiva para o exterior da célula. Isso contrapõe o efeito do sódio e repolariza a célula,
que, após o período refratário, estará pronta para mais um evento despolarizante.
A expressão desse tipo de canal iônico é especialmente crítica nos neurônios e na
placa motora, mas esses canais podem ser encontrados em outros tipos de células.
Os canais iônicos dependentes de voltagem exercem papel crucial em tecidos neuronais
e musculares excitáveis, permitindo rápida e coordenada despolarização em resposta a
alterações de voltagem.
Ao longo de todo o axónio e na sinapse, os canais dependentes de voltagem propagam
direccionalmente os sinais elétricos. Especificamente, os canais de sódio e os canais de
potássio dependentes de voltagem estão localizados e desempenham papel crucial no
tecido nervoso e nos músculos. Ademais, os canais de cálcio dependente de voltagem
desempenham papel na liberação de neurotransmissores na terminação pré-sináptica.
33
CAPÍTULO 2
Receptores acoplados à proteína G
Os receptores acoplados à proteína G (Figura 20) são uma família de proteínas que
ligam nucleotídeos de guanosina. O domínio extracelular desse receptor contém a
área de fixação do ligante, e o domínio intracelular interage (quando ativado) com a
proteína G ou com a molécula efetora. Há vários tipos de proteínas G (ex.: Gs, Gi e
Gq), as quais serão melhor discutidas adiante.
Fosforilação de proteínas
A porção intracelular desse receptor é composta por três subunidades, sendo considerada
heterotrimérica: subunidades alfa, beta e gama (Figura 21). A subunidade α liga-se
ao trifosfato de guanosina (GTP, do inglês guanosine triphosphate). A porção alfa é a
que troca o GDP (bifosfato de guanosina) por GTP quando o receptor se torna ativo,
dissociando-se do trímero e migrando através da membrana celular para transmitir
34
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II
Receptor
Efetor
Agonista não
ligado Ligação do agonista
Hidrólise do GTP Troca do GTP por GDP
Agonista
Efetor ativado GTP
GDP
35
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal
Também temos a proteína do tipo Gi, que é inibitória, atuando via inibição da
adenilato ciclase. De maneira simplificada, um primeiro mensageiro interage com
a porção extracelular do receptor acoplado à proteína G, causando modificação
conformacional em sua estrutura, principalmente na porção interna. Isso gerará
mudança da afinidade da subunidade alfa pelo nucleotídeo, diminuindo pelo GDP
e aumentando pelo GTP.
Essa nova associação faz com que o trímero se dissocie (monômero alfa e dímero beta-
gama), e a subunidade alfa acaba por ativar ou inibir enzimas efetoras, as quais promovem
modificação da concentração de determinados metabólitos citosólicos de baixo peso
molecular ou íon inorgânico (cálcio), os chamados segundos mensageiros. Seu papel
na comunicação celular é ativar ou inibir alvos na sequência da via, geralmente alguma
proteína-quinase. A adrenalina é exemplo de molécula que atua por meio de receptores
acoplados à proteína Gs. Após ser secretada, as moléculas de adrenalina circulam livres
no sangue, passando pelos tecidos até encontrar o seu receptor específico. O receptor
para a adrenalina é acoplado a uma proteína G do tipo Gs, ou seja, estimula a ativação
de uma proteína efetora; nesse caso, a enzima adenilato ciclase. Após a ligação ao sítio,
o receptor sofre modificações conformacionais induzidas por essa interação com a
porção externa, o que promove mudança na afinidade da subunidade α, a qual realiza
a troca de GDP por GTP. Essa variação faz com que o trímero se dissocie e, então,
a subunidade alfa migra na porção da membrana plasmática até encontrar a enzima
adenilato ciclase. Essa enzima é uma proteína integral de membrana plasmática, com
o sítio ativo situado na porção citoplasmática. A associação entre ela e a subunidade
Gs + GTP ativa a catálise promovida pela enzima, convertendo ATP em AMPc, um
segundo mensageiro. O processo de transdução de sinal por segundos mensageiros
será discutido mais adiante.
Gq Ativa a fosfolipase C
36
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II
37
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal
Sinalização do AMPc
K+
Adenilato
cilase
GTP GTP
ATP AMPc
PKA
Uma das ações mais conhecidas da ação da adrenalina ao nível muscular é a mobilização
das reservas de glicogênio. De maneira direta, a ativação da PKA causa a fosforilação
da enzima glicogênio fosforilase, a qual é ativa na forma fosforilada e causa a hidrólise
do glicogênio em moléculas de glicose. Isso tudo ocorre mediante o mecanismo de
transdução de sinal discutido anteriormente. Fígado e músculo têm receptores para
adrenalina, os quais são importantes para a divisão do trabalho dos tecidos.
38
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II
Outros tipos de receptores acoplados à proteína G são as Gq, que estão associados à
outra enzima de membrana plasmática, a fosfolipase C. Essa enzima é específica para
seu substrato, o fosfolipídeo de membrana plasmática fosfatidil-inositol-4,5-bifosfato
ou PIP2. Quando um ligante específico interage com esse receptor, o complexo formado
catalisa a troca do GDP por GTP da subunidade intracelular, a Gq. Tal modificação causa
a ativação dessa proteína, que causará a ativação da fosfolipase C. Essa enzima catalisará
a formação dos segundos DAG e IP3. O IP3 difunde-se na membrana plasmática
para o retículo endoplasmático, em que se liga a canais de íon cálcio e estimula sua
abertura. Por consequência, temos o aumento da concentração citoplasmática desse
íon, o qual causa, entre diversos outros efeitos, a ativação da proteína quinase C – PKC.
O DAG permanece na membrana plasmática, migrando diretamente para o local em
que a PKC inativa está ancorada. De forma semelhante à PKA, a PKC estará inativa
se determinado domínio estiver ocupando o sítio do substrato, o qual é afastado por
intermédio dos ativadores cálcio e DAG. A PKC também fosforila resíduos de Ser e Thr,
cuja proteína apresenta sequência-consenso para PKC. Existem diversas isoenzimas
PKC distribuídas em vários tecidos, com especificidade para diferentes proteínas-alvo,
as quais incluem citoesqueleto, enzimas e proteínas nucleares que regulam a expressão
gênica. Em conjunto, essa família de enzimas desempenha ampla variedade de ações
nas células, desde regulação neuronal até controle da divisão celular. Um resumo das
sinalizações dos diferentes tipos de proteína G é mostrado na Figura 23:
Gs Gi Gq ßγ
Adenilato Adenilato
ciclase
PLC
ciclase K+ / Ca+²
PI3Kγ
39
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal
40
CAPÍTULO 3
Outros tipos de receptores
O exemplo clássico desse tipo de receptor é hormônio insulina (Figura 24). É composto
por duas unidades αβ, sendo α a transmembrana, a qual contém o domínio de ligação
para a insulina; enquanto β é intracelular e tem a atividade proteína-quinase que
transfere grupo fosfato do ATP para grupo hidroxila do resíduo tirosina de algumas
proteínas-alvo. A sinalização por meio de INSR (receptor de insulina ativo) é iniciada
quando uma molécula de insulina se liga entre as duas subunidades do dímero, ativando
a atividade tirosina-quinase intrínseco, quando cada subunidade β transfosforila a outra.
Isso causa modificação conformacional da proteína e expõe o sítio ativo da enzima
acoplada ao receptor, permitindo que ela fosforile outras proteínas.
41
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal
Esse mecanismo de ativação é análogo ao descrito para PKA e PKC, em que se observa
que uma região do domínio citoplasmático afasta-se do sítio ativo após ter sido
fosforilado, deixando a enzima ativa. Quando o INSR é autofosforilado, um de seus
alvos é o substrato 1 do receptor de insulina (IRS-1), cuja fosforilação o torna um
ponto de nucleação para o complexo conjunto de proteínas que levarão a mensagem
da ativação do receptor de insulina a outras regiões celulares, como o núcleo, e a outros
alvos citosólicos, como cascatas de sinalização, que mediarão efeitos metabólicos
(lipogênese, glicogênese e proteinogênese).
PKB
Quinase de IP3
IRS
MAPK Síntese de
glicogênio
42
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II
43
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal
Atividade da guanilato
ciclase
GTP GMPc
44
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II
Receptores intracelulares
Os receptores intracelulares estão divididos entre o tipo citoplasmático e os nucleares, e
apresentam efeitos quase exclusivamente relacionados com a modificação da transcrição
de genes, afetando a expressão destes. Justamente por isso, seu alvo final é o DNA,
seja diretamente ou indiretamente, por meio da estimulação de fatores de transcrição.
Em relação à velocidade dos efeitos, são mais demorados que aqueles mediados por
receptores extracelulares, pois estes, no geral, modulam a ativação ou inibição da atividade
de vias de sinalização, ou seja, proteínas já existentes. Os hormônios são moléculas
que atuam nesses receptores e possuem uma característica físico-química interessante
para essa interação fármaco-receptor intracelular: o fato de serem hidrofóbicos.
45
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal
Receptores citoplasmáticos
Exemplo de receptores citosólicos são os fatores reguladores da transcrição. Essas
moléculas atuam como alvos para fármacos lipofílicos, pois estes podem atravessar as
membranas celulares (Figura 26).
Figura 26. Sinalização de receptor intracelular: o receptor para hormônios esteroides, como o cortisol.
Cortisol
Receptor de
hormônios
esteroides
Chaperona
Núcleo
DNA
uma classe de fármacos lipofílicos que têm a capacidade de sofrer rápida difusão através
da membrana plasmática e exercer suas ações por meio de sua ligação a fatores da
transcrição no citoplasma ou no núcleo (Figura 26).
Receptores nucleares
Os receptores nucleares constituem superfamília de fatores de transcrição regulados pela
interação com hormônios. Essa superfamília inclui os receptores de hormônio tireoidiano,
estrogênio, androgênio, glicocorticoide e mineralocorticoide. Aproximadamente, cerca
de 50 receptores nucleares foram identificados em humanos. A organização modular
desses receptores conta com domínio N-terminal, domínio central de interação com
o DNA, domínio curto de conexão e domínio C-terminal, que é o responsável pelo
reconhecimento e pela interação com o ligante. Os ligantes endógenos, como os
hormônios, difundem- se por todas as membranas biológicas, tanto a membrana
plasmática como a nuclear, e encontra proteínas nucleares que são receptores específicos.
Os receptores nucleares, em sua forma não ligada, podem ser encontrados no citoplasma
(receptores esteroides) ou, ainda, no núcleo celular, ligados ao DNA e reprimindo a
transcrição de genes-alvo. A ligação do hormônio induz alterações conformacionais na
proteína receptora e aumenta a afinidade desta por determinadas sequências no DNA,
novamente os elementos de resposta a hormônio. A interação com o ligante inicia um
processo de modificações estruturais, o que culmina com a regulação da transcrição
gênica. Os ligantes esteroides são suficientemente hidrofóbicos para difundirem-se
livremente pela membrana plasmática e atingirem seus receptores no citoplasma celular.
Por outro lado, o hormônio tireoidiano utiliza transportadores que o carreiam para
o interior da célula, e, para isso, utilizam energia. O complexo hormônio-receptor
acoplado intensifica a expressão de genes adjacentes, juntamente com diversas outras
47
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal
proteínas essenciais para a transcrição. Horas ou dias são necessários para que esses
hormônios exerçam seus efeitos. Esse tempo é suficiente para alterar a síntese de
RNA e, posteriormente, a tradução desta. Agem por meio desse mecanismo de ação
os hormônios tireoideanos, a vitamina D e os retinoides (Figura 27).
Figura 27. Sinalização de um receptor nuclear: o receptor para a ação final da vitamina D.
Vitamina D
Meio
extracelular
Meio
intracelular
Receptor de
Vitamina D
Complexo proteico
formado pela
DNA
Vitamina D ligada
ao receptor de
Vitamina D e ao
Núcleo receptor retinoide
48
FARMACOCINÉTICA:
O CAMINHO DO
FÁRMACO PELO UNIDADE III
ORGANISMO
A terapia medicamentosa ideal é aquela que mais se caracteriza como científica e
racional. Essas propriedades proporcionam a seleção de um fármaco adequado para
prevenir, reverter ou atenuar um dado processo patológico. A escolha do fármaco para
tratar ou prevenir determinada condição clínica depende da capacidade desse fármaco
para induzir resposta farmacológica no seu alvo, ou seja, depende de suas propriedades
farmacodinâmicas, como vimos até agora. Entretanto, isso pode não ser suficiente
para o sucesso do tratamento, pois é necessário garantir que o medicamento escolhido
atinja, em concentrações adequadas, o órgão ou sistema suscetível ao efeito benéfico.
Para que isso ocorra, é necessário escolher doses, vias de administração e intervalos
entre doses que garantam a chegada e a manutenção das concentrações terapêuticas
no sítio-alvo. Esquemas terapêuticos inapropriados podem produzir concentrações
insuficientes ou subterapêuticas, dando a falsa impressão que o fármaco não tem eficácia;
ou podem produzir concentrações excessivas, que acarretam toxicidade medicamentosa.
Como mencionado anteriormente, a “janela terapêutica” se situa entre as concentrações
que induzem efeitos parcialmente eficazes (limite mínimo) e potencialmente tóxicos
(limite máximo). Alguns fatores associados ao paciente podem interferir na janela
terapêutica, tais como os exemplificados no Tabela 2.
Idade
Sexo
Peso
Raça
Gestação
Tabagismo
Alcoolismo
Abuso e dependência de substâncias
Perfil lipídico
Obesidade
Insuficiência renal
Insuficiência hepática
Genética
Associação entre medicamentos
Fonte: Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.
49
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
Tendo esses fatores em mente, podemos supor que um fármaco com propriedades
farmacodinâmicas excelentes fracassará em estudos clínicos caso seja incapaz de alcançar
o seu órgão-alvo em concentração suficiente para exercer efeito terapêutico. Muitas das
características que tornam o corpo humano resistente a danos causados por invasores
estranhos e substâncias tóxicas também limitam a capacidade dos fármacos modernos
de combater os processos patológicos no paciente. O reconhecimento dos numerosos
fatores que afetam a capacidade de um fármaco para atuar em determinado paciente,
bem como da natureza dinâmica desses fatores com o transcorrer do tempo, é de suma
importância para a prática clínica da medicina.
Além dos fatores relacionados ao paciente, que podem causar grande variabilidade nas
concentrações plasmáticas e, consequentemente, na janela terapêutica do fármaco,
deparamo-nos com algumas características da própria molécula, as quais podem
também interferir na sua faixa terapêutica segura (Tabela 3). Podemos citar algumas
dessas características que influenciam as ações dos fármacos:
50
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Farmacocinética Farmacodinâmica
A
D Efeito
Processos
M farmacocinéticos farmacológico
E
[F] plasma
34 51
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
Forma farmacêutica
Liberação do
fármaco
Absorção
Entrada no organismo
Distribuição
Fármaco no
Receptores Reservatórios sítio de
Livres → Ligados teciduais
Livres → Ligados
administração
Metabolismo
Circulação
sistêmica
Metabólitos
Fármaco ligado a Excreção
proteínas plasmáticas
Metabolismo
53
CAPÍTULO 1
Vias de administração e absorção
de fármacos
Vias parenterais
Vias enterais
Diretas Indiretas
Oral Intravenosa Cutânea
Bucal Intramuscular Respiratória
Sublingual Subcutânea Ocular
Dental Intradérmica Rino e orofaríngea
Retal Intra-arterial Geniturinária
Intracardíaca Vaginal
Intraperitoneal Nasal
Intrapleural Auricular
Intratecal
Peridural
Intra-articular
Esse primeiro contato, exceto para fármacos de ação local, é processado longe do efetor,
órgão ou tecido em que se localiza o sítio de ação. As propriedades relacionadas à
absorção, distribuição e eliminação do medicamento são substancialmente influenciadas
pela via de administração. A escolha da via de administração do medicamento deve
considerar o tipo de ação desejada, a rapidez de ação e a natureza do medicamento.
A representação das diferentes vias de administração pode ser visualizada na Figura 30.
As vias de administração de fármacos podem ser divididas em:
» Vias parenterais: não utilizam o tubo digestivo. Essas vias podem ser divididas
em diretas (intravenosa, intramuscular e subcutânea) e indiretas (cutânea,
respiratória e conjuntival).
54
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Via enteral
A administração enteral, ou administração pela boca, é o modo mais seguro, comum,
conveniente e econômico de administrar os fármacos. O fármaco pode ser deglutido,
por via oral; ou pode ser colocado sob a língua (sublingual) ou entre a bochecha e a
gengiva (bucal), facilitando a absorção direta na circulação sanguínea.
Oral
Os fármacos orais são facilmente autoadministrados, o que é relevante para a autonomia
do paciente. A toxicidade e/ou a dosagem excessiva podem ser neutralizadas com
antídotos, como o carvão ativado, ou por meio de lavagem gástrica ou indução de êmese.
Tal via proporciona comodidade de aplicação e alcance mais gradual das concentrações
plasmáticas, o que minimiza a intensidade dos efeitos adversos. Essa via também pode
ser empregada para obtenção de efeitos locais de fármacos não absorvíveis, utilizados
no controle de distúrbios gastrintestinais, como os fármacos antiácidos e antibióticos
para tratamento de infecções do trato gastrintestinal.
Via ótica
Vias parenterais
Via ocular principais:
IV, SC e IM
Via inalatória
Via oral
Vias sublingual
e bucal
Via Via
transdérmica tópica
Epidural
Via retal
55
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
56
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Sublingual e bucal
A colocação do fármaco sob a língua permite que ele se difunda rapidamente na rede
capilar local e alcance diretamente a circulação sistêmica. A administração sublingual
tem várias vantagens, incluindo facilidade de administração, absorção rápida e desvio
do ambiente gastrintestinal, que pode limitar a ação e velocidade de ação do fármaco.
Ainda, essa via de administração evita o metabolismo de primeira passagem hepático,
o que pode ser útil para fármacos que sofrem altas taxas de metabolização e geram
metabólitos inativos. A via sublingual é útil para situações de emergência, por exemplo,
a nitroglicerina sublingual para controlar rapidamente altos níveis de pressão arterial
ou, então, o clonazepam sublingual para controlar crises de pânico. Os comprimidos
de ação sublingual devem ser dissolvidos inteiramente pela saliva, de modo que não
podem ser deglutidos. A via bucal (entre a bochecha e a gengiva) tem propriedades
semelhantes às da via sublingual, mas não é quase utilizada, salvo para a administração
de fármacos de efeitos locais, porque há dificuldade de conservar soluções ou outras
formas farmacêuticas em contato com a mucosa oral devido à ação diluidora da saliva.
Via retal
Essa via é utilizada em pacientes impossibilitados de fazer uso da via oral, que apresentam
vômitos, estão inconscientes ou não sabem deglutir, como as crianças pequenas. Essa
via protege parcialmente fármacos suscetíveis à inativação gastrintestinal e hepática,
pois somente 50% do fluxo venoso retal tem acesso à circulação porta. A absorção
pode ser errática ou incompleta, especialmente em pacientes com motilidade intestinal
aumentada. Algumas desvantagens incluem o fato de a mucosa retal conter enzimas
que também podem metabolizar e inativar certos fármacos. Ademais, pode haver
irritação da mucosa retal pela ação do fármaco e/ou pelos excipientes da formulação.
57
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
Via parenteral
A via parenteral direta introduz o fármaco diretamente na circulação sistêmica. Faz-se
uso dessa via quando queremos administrar fármacos que são pouco absorvidos no
trato gastrintestinal ou que sofrem degradação pela via entérica (heparina, insulina).
Tal via de administração também é usada no tratamento do paciente impossibilitado de
tomar a medicação oral (paciente inconsciente) ou quando se deseja efeito mais agudo
da ação do fármaco. Além disso, as vias parenterais têm maior biodisponibilidade,
pois entregam maior porcentagem do fármaco à corrente sanguínea e permitem ao
fármaco escapar do metabolismo de primeira passagem ou do meio agressivo do trato
gastrointestinal. Por essas vias, temos maior controle sobre a dose real de fármaco
administrada ao organismo. Algumas desvantagens dessas vias: são irreversíveis;
causam dor, medo e ansiedade na hora da administração; induzem lesões; e propiciam
o aparecimento de infecções. Existem várias formas de administração parenteral, mas
a intravascular (intravenosa ou intra-arterial), intramuscular e subcutânea são as três
principais.
Intravenosa
58
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Soluções aquosas puras podem ser injetadas de forma intermitente ou por infusão
contínua, usadas quando níveis plasmáticos mais atenuados e constantes se fazem
necessários. Enquanto o primeiro método tem a desvantagem de múltiplas punções,
exigindo viabilidade permanente de uma veia, o segundo apresenta a vantagem de fácil
suspensão na ocorrência de reações indesejadas. A injeção intermitente deve ser executada
lentamente, em geral com monitoramento dos efeitos apresentados pelo paciente.
Na forma de administração em bolus, mencionada anteriormente, existe o perigo de
alcançar imediatas e altas concentrações, indutoras de efeitos adversos não relacionados ao
fármaco, mas, sim, à chegada de soluções muito concentradas a alguns tecidos. As reações
mais comuns são respiração irregular, queda da pressão sanguínea e arritmias cardíacas.
Figura 31. Efeito da velocidade de infusão intravenosa sobre a concentração plasmática máxima de um fármaco e a duração
de sua ação.
Concentração plasmática do fármaco
Absorção rápida
Absorção lenta
Tempo
Intramuscular
59
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
segura do que a via intravenosa. Para que fármacos sejam por ela administrados, é
necessário que permaneçam em solução nos líquidos intersticiais até serem absorvidos
e, para isso, exige-se suficiente solubilidade em água no pH fisiológico. Caso contrário,
os fármacos precipitam no local de injeção e não difundem até os capilares, de
modo que a absorção é incompleta e muito lenta. Algum grau de lipossolubilidade
é necessário para permear as células endoteliais dos capilares. O fluxo sanguíneo na
massa muscular, determinante da velocidade absortiva por essa via, aumenta durante o
exercício, diminui no repouso e praticamente cessa na vigência de choque, hipotensão,
insuficiência cardíaca congestiva e outras situações que afetam a perfusão sanguínea.
Pode-se acelerar a absorção intramuscular mediante calor local, massagem e exercício.
As soluções utilizadas são aquosas (absorção mais rápida), oleosas e suspensões (absorção
mais lenta). Todas devem ser administradas pelo método da injeção profunda, para
que pele e tecido subcutâneo sejam ultrapassados. Podem ocorrer efeitos adversos
locais como dor, desconforto, dano celular, hematoma, abscessos estéreis ou sépticos e
reações alérgicas. As manifestações sistêmicas se devem ao fármaco, e não à via em si.
IV
Concentração plasmática do fármaco
IM
oral
retal
Tempo
60
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Subcutânea
61
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
foi substituída pela punção de grandes vasos venosos para administrar fármacos em
reanimação cardiorrespiratória. Por via intra-articular se injetam fármacos no interior
da cápsula articular, por exemplo, os fármacos corticoides utilizados no tratamento de
dores articulares em doenças articulares crônicas, como a artrite reumatoide.
Absorção de fármacos
Absorção é a transferência de um fármaco do seu local de administração para a corrente
sanguínea. A velocidade e a eficiência da absorção dependem do ambiente em que o
fármaco é absorvido, das suas características químicas e da via de administração (o que
influencia sua biodisponibilidade). A via intravenosa entrega o fármaco diretamente
à corrente sanguínea, não havendo, portanto, a etapa de absorção por essa via.
Desse modo, diz-se que a biodisponibilidade do fármaco é 100%. As demais podem
resultar em absorção parcial e menor biodisponibilidade.
Biodisponibilidade
Esse conceito se refere à quantidade de fármaco contida em uma formulação, que é
efetivamente absorvida e chega à circulação sistêmica após a administração extravascular,
quando comparada com a administração intravascular (Figura 33).
Tempo
Fonte: adaptada de Golan, 2014.
62
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Sítio de
Fármaco Absorção
ação
63
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
As formas ionizadas (BH+ou A-) possuem lipossolubilidade muito baixa, sendo incapazes
de atravessar as membranas, exceto quando existe um mecanismo de transporte
específico. Dessa forma, fármacos ácidos fracos ionizam-se em pH alcalino; e fármacos
bases fracas ionizam-se em pH ácido. Exemplo interessante é o do ácido acetilsalicílico,
um fármaco fracamente ácido com pKa ~ 4. Veremos agora como é sua absorção no
ambiente do estômago (pH ~ 1):
4 –1 = log (HA)/(A-)
64
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
50% do Fármaco
Ácido fraco HA H+ + A- está na forma
ionizada
Equação de Henderson-Hasselbach
A forma não ionizada (1000 vezes a quantidade da não ionizada) predominará no meio
ácido do estômago. Essa forma do fármaco não polarizada favorece o seu transporte
pela bicamada lipídica da mucosa gástrica, acelerando sua absorção. Mesmo assim, esse
fármaco é mais absorvido no intestino, de modo que o pH (~6,5) favorece a forma
ionizada. Mas por quê? Devido a um outro fator que altera a absorção de fármacos:
a superfície de contato. O intestino delgado tem uma superfície de contato absortiva
de aproximadamente 250 m2, o que ultrapassa a capacidade de absorção do estômago,
mesmo que o fármaco tenha dissociação melhor em meio ácido.
Dependendo das suas propriedades químicas, os fármacos podem ser absorvidos do
trato gastrointestinal por:
» Difusão passiva: o que move o fármaco através da membrana que separa
dois compartimentos corporais é o seu gradiente de concentração, ou seja,
o fármaco sai da região de concentração alta para a de concentração baixa.
A difusão passiva não envolve transportador, não é saturável e apresenta
baixa especificidade estrutural. A maioria dos fármacos é absorvida por
esse mecanismo. Os fármacos hidrossolúveis atravessam as membranas
celulares através de canais ou poros aquosos, e os lipossolúveis atravessam as
membranas biológicas, pois têm polaridade semelhante à bicamada lipídica.
» Difusão facilitada: alguns fármacos podem entrar na célula através de
proteínas transportadoras transmembrana específicas para o fármaco, as quais
65
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
66
CAPÍTULO 2
Distribuição de fármacos
67
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
ficar acumulados nos tecidos como resultado da ligação a lipídeos, proteínas ou ácidos
nucleicos. Os fármacos também podem ser transportados ativamente aos tecidos. Os
reservatórios nos tecidos podem servir de fonte principal de fármaco e prolongar sua
ação ou causar toxicidade local. Alguns exemplos incluem a acroleína, metabólito da
ciclofosfamida, que pode causar cistite hemorrágica porque se acumula na bexiga;
o lítio, que se liga aos eritrócitos; o chumbo, que se acumula no tecido ósseo; e os
benzodiazepínicos, que se acumulam no tecido lipídico.
Figura 36. Estrutura fenestrada dos capilares hepáticos e justapostos da barreira hematoencefálica.
Capilares do fígado
Fenestra
Fármaco
68
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
o volume no qual o fármaco deve dissolver-se para que sua concentração se iguale à do
plasma. Para alguns fármacos, restritos ao compartimento intravascular, o volume de
distribuição é similar ao do plasma. Ao contrário, há fármacos que se concentram nos
tecidos, por isso têm volume de distribuição maior que o plasmático. A determinação
do volume de distribuição dos diversos fármacos, em litros, mostra, muitas vezes,
números irreais (Figura 37). O diazepam, por exemplo, tem volume de distribuição
de 140 L, correspondente, aproximadamente, ao dobro do volume de um indivíduo
de 70 kg. A causa desse fato é que o diazepam se concentra mais em outros tecidos do
que no sangue. Já o clordiazepóxido tem volume de distribuição de 28 L. Esses valores
ilustram que “volume de distribuição” é um conceito matemático, e não anatômico, por
isso é referido como “volume aparente de distribuição” (VAD). Em geral, os fármacos
mais lipossolúveis e de menor peso molecular têm maior volume de distribuição,
dada a sua maior facilidade em atravessar membranas. O volume de distribuição dos
fármacos, apresentado em litros por quilograma, é um dos parâmetros empregados
para o cálculo de doses e intervalos dos medicamentos.
Volume de distribuição
Volume necessário para o fármaco estar distribuído homogeneamente entre o
sangue e os tecidos
𝑑𝑑 =
V𝑑𝑑
69
CAPÍTULO 3
Metabolismo e eliminação de fármacos
FÁRMACO Metabólito
ATIVO INATIVO
Anfetamina Fenilaceton
Fenobarbital a
Fenobarbital-OH
ATIVO TÓXICO
Paracetamol N-acetil-p-
benzoquinona
PRÓ-FÁRMACO
INATIVO ATIVO
Enalapril Enalapril diácido
ATIVO ATIVO
Codeína Morfina
Morfina Morfina-6-glicuronídeo
70
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Reações de fase 1
71
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
Metanfetamina
2. Desalquilação
Lidocaína
Codeína
3. Oxidação
Fenotiazida
Cimetidina CYP2A6
CYP3A4/5
3%
36%
4. Dessulfuração Quinidina
TiopentaL CYP2B6
3%
5. Formação de epóxido
Carbamazepina
Reações independentes do
CYP450
1 Desidrogenação Etanol
Piridoxina
2 Desaminação Histamina
Norepinefrina
3 Descaboxilação Levodopa
Reações de redução
Nitrofurantoína
1 Redução nitro
Cloranfenicol
2 Desalogenação
Halotano
Metadona
3 Redução carbonil
Naloxona
72
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
73
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
Isoenzima CYP2C9/10
SUBSTRATOS COMUNS INDUTORES
Varfarina
Fenitoína Fenobarbital
Ibuprofeno Rifampicina
Tolbutamida
Isoenzima CYP2D6
SUBSTRATOS COMUNS INDUTORES
Desipramina -
Imipramina
Haloperidol
Propanolol
Isoenzima CYP3A4/5
SUBSTRATOS COMUNS INDUTORES
Carbamazepina Carbamazepina
Ciclosporina Dexametasona
Eritromicina Fenobarbital
Nifedipino Fenitoína
Verapamil Rifampicina
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Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Reações de fase 2
Ocorrem reações de conjugação do fármaco lipofílico, que pode ter passado pelas
reações de fase 1 ou não, com moléculas mais hidrofílicas (Figura 40).
REAÇÕES DE
CONJUGAÇÃO DIAZEPAM
DIGOXINA
1 GLICURONIDAÇÃO EZETIMIBE
ISONIAZIDA
2 ACETILAÇÃO SULFONAMIDAS
ÁCIDO SALICÍLICO
3 CONJUGAÇÃO COM
GLICINA
ESTRONA
METILDOPA
4 CONJUGAÇÃO COM
SULFATO
ÁCIDO ETACRÍNICO
ACETAMINOFENO
5 CONJUGAÇÃO COM
GLUTATIONA
METADONA
NOREPINEFRINA
6 METILAÇÃO
CATECOLAMINAS
TIOPURINAS
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Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Excreção de fármacos
Como já mencionado, fármacos hidrossolúveis e/ou carregados ionicamente são
facilmente excretados, e os sítios de excreção incluem rim, pulmões, fezes, secreção
biliar, suor, lágrimas, saliva e leite materno. Moléculas excretadas pela urina são filtradas
nos glomérulos ou secretadas nos túbulos renais. Desse modo, não sofrem reabsorção
tubular, pois têm dificuldade em atravessar membranas (Figura 41).
+
HA H +A ÁCIDO
-
FRACO
Veia + +
BH B +H BASE
renal
FRACA
Urina
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Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
O fígado é capaz de excretar ativamente fármacos, através da bile, para o lúmen intestinal.
Desse modo, podem ser reabsorvidos pelo circuito êntero-hepático ou excretados pelas
fezes. Por essa via, excretam-se fármacos de alto peso molecular, os muito polares e
aqueles ativamente englobados em micelas de sais biliares, colesterol e fosfolipídios.
Pelos rins, são excretados fármacos intactos, em forma ativa, ou metabólitos ativos
e inativos, livres ou conjugados. Em um primeiro momento, o fármaco é filtrado ou
secretado para o lúmen tubular (Figura 41).
Então, podem ser eliminados com a urina ou reabsorvidos, ativa ou passivamente, pelo
epitélio tubular. Só fármacos não ligados a proteínas plasmáticas (F-PP) são filtrados.
A depuração (clearance) renal é difícil de prever, em função de transporte tubular
passivo e ativo bidirecional, diferenças na capacidade de captação do fármaco, pH
urinário, permeabilidade e capacidade metabólica. A velocidade do processo depende
de fração livre do fármaco, taxa de filtração glomerular e fluxo plasmático renal.
Os que são essencialmente secretados por túbulos renais utilizam difusão simples
(quando lipossolúveis) ou sistemas de transporte ativo de ânions e cátions, estando
a velocidade de excreção limitada pela perfusão renal. O processo de transporte é
mediado por carreadores, os quais podem apresentar alta velocidade e ser saturáveis
(capacidade máxima de transporte). Como ambos os mecanismos (de ácidos e
bases) são relativamente não seletivos, pode ocorrer competição entre ácidos ou
bases orgânicos pelos sítios de ligação nos carreadores. Esse é o caso do fármaco
probenecida, que retarda a excreção urinária de benzilpenicilina por competir com
o transportador no néfron, aumentando sua duração de efeito. A reabsorção tubular
renal de fármacos lipossolúveis se processa por difusão passiva, sendo potencialmente
bidirecional. Entretanto, como a água é progressivamente diminuída do lúmen
tubular ao longo do néfron, o aumento da concentração intraluminal do fármaco
estimula a difusão no sentido túbulo-sangue. Esse mecanismo pode ser alterado por
características do fármaco e pH urinário. Ácidos orgânicos fracos (pKa de 3,0 a 7,5)
não se dissociam em pH ácido, permanecendo lipossolúveis e sendo reabsorvidos.
Para acelerar sua excreção, pode-se alcalinizar a urina, convertendo-os em formas
ionizadas, hidrossolúveis e, portanto, não livremente difusíveis. Esse procedimento é
aplicado em envenenamentos por ácidos orgânicos fracos, como ácido acetilsalicílico
e barbitúricos.
Otimização de dose
Como mencionado, a dosagem terapêutica de um fármaco procura manter a
concentração plasmática máxima do fármaco abaixo da concentração tóxica e a
concentração mínima (mais baixa) do fármaco acima de seu nível minimamente
efetivo. Os esquemas posológicos ideais tendem a manter a concentração plasmática
do fármaco no estado de equilíbrio dinâmico dentro da sua janela terapêutica. Como
o estado de equilíbrio dinâmico é alcançado quando a taxa de aporte do fármaco é
igual à sua eliminação, a concentração do fármaco no estado de equilíbrio dinâmico
é afetada pela sua biodisponibilidade, depuração, dose e intervalo entre as doses.
O estado de equilíbrio pode ser calculado pela equação apresentada na Figura 42.
Para fármacos com faixa terapêutica definida, a concentração é mensurada para
ajustar a dosagem e a frequência, de modo a obter e manter os níveis desejados, ou
seja a dose de manutenção. Essa dose é a escolhida para manter a concentração de
equilíbrio na janela terapêutica. São necessárias 4-5 meias-vidas para um fármaco
alcançar a concentração de equilíbrio. O tempo de meia-vida se refere ao tempo em
que o fármaco leva para diminuir, em 50%, sua concentração máxima na corrente
sanguínea. O tempo de meia-vida é afetado pelo volume de distribuição e pela
velocidade de depuração do fármaco. Às vezes, é necessário alcançar os níveis no
plasma rapidamente (como em infecções graves ou arritmias). Logo, uma dose de
ataque (ou dose de carga) do fármaco é administrada para alcançar com rapidez os
níveis plasmáticos desejados, seguida de uma dose de manutenção para manter o
estado de equilíbrio.
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Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo
𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫
Volume de distribuição = ሾ𝑭𝑭ሿ𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑
𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝒅𝒅𝒅𝒅𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂
Concentração inicial =
𝑽𝑽𝑽𝑽𝑽𝑽.𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅çã𝒐𝒐
𝑭𝑭𝑭𝑭𝑭𝑭çã𝒐𝒐𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒙𝒙𝒅𝒅𝒐𝒐𝒐𝒐𝒐𝒐𝒅𝒅𝒅𝒅𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎çã𝒐𝒐
Concentração do estado de equilíbrio =
𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒙𝒙𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅çã𝒐𝒐
Tempo de meio-vida
de eliminação 𝟏𝟏 𝑲𝑲𝑲𝑲.𝑽𝑽𝒅𝒅 𝟏𝟏
=
𝟎𝟎,𝟔𝟔𝟔𝟔𝟔𝟔.𝑽𝑽𝑽𝑽
= 𝟐𝟐 𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫çã𝒐𝒐
𝟐𝟐 𝑪𝑪𝑪𝑪
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Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Absorção
Fonte: http://farmacologiafacil.com/wp-content/uploads/2019/02/Farmacocin%C3%A9tica.jpg.
ainda, o interesse dos fabricantes e das autoridades reguladoras, muitas vezes insuficiente.
É também necessário avaliar os procedimentos de monitoramento, por meio de estudos
observacionais e de intervenção. A indústria farmacêutica, as agências reguladoras e os
farmacologistas clínicos da academia devem compartilhar a responsabilidade de julgar
as inovações, a fim de que os pacientes aufiram o maior benefício e sofram o menor
risco com seus medicamentos O estudo de processos e parâmetros farmacocinéticos,
com particular importância da fase de eliminação, permite que o destino de fármacos
no organismo possa ser descrito por modelos matemáticos. Esses modelos têm maior
aplicabilidade clínica para fármacos com cinética de primeira ordem, ou seja, aqueles
que são eliminados em proporção constante. Sistemas de eliminação eficazes em
ampla margem de concentração plasmática de fármacos depuram qualquer quantidade
contida em determinado volume de plasma, fazendo com que a concentração caia em
proporções constantes.
Fonte: https://cdn.technologynetworks.com/tn/images/thumbs/jpeg/360_360/new-frontiers-in-pharmacokinetics-342139.jpg.
Fármacos eliminados em forma ativa pelo rim têm mais comumente cinética de
primeira ordem. Sendo filtrados nos glomérulos e não reabsorvidos nos túbulos, o
volume de plasma depurado corresponde ao filtrado glomerular. Fármacos eliminados
por biotransformação podem não ter cinética de primeira ordem, pois o sistema de
biotransformação é, muitas vezes, saturável. Nesse caso, a meia-vida tende a aumentar
com a concentração plasmática (ou dose), o que configura a cinética de ordem zero.
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Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III
Há também modelos matemáticos para descrever essa cinética, mas são complexos
e de baixa aplicabilidade. A cinética de fármacos assim eliminados é, em geral,
descrita por modelos de primeira ordem para determinada concentração plasmática
conhecida. Alguns fármacos com cinética de ordem zero são ácido acetilsalicílico,
fenitoína, heparina e álcool. Os conhecimentos farmacocinéticos permitem evitar
concentrações subterapêuticas (que não induzem o efeito farmacológico desejado,
portanto são ineficazes) ou que extrapolem os níveis máximos terapêuticos, as quais são
potencialmente tóxicas. A farmacocinética, ainda, possibilita modificar esquemas de
administração em presença de irregularidade nos processos de absorção, distribuição
e eliminação. Essa abordagem se denomina farmacocinética clínica (FUCHS e
WANNMACHER, 2017).
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REFERÊNCIAS
Imagens
Disponível em: https://slideplayer.com.br/slide/7662669/24/images/5/ Receptores+ acoplados
+a+Prote%. Acesso em: 18 mar. 2021.
Disponível em: https://www.lucasnicolau.com/img/ postagem/10/2.png. Acesso em: 18 mar. 2021.
Disponível em: http://farmacologiafacil.com/wp-content/uploads/2019/02 Farmacocin%C3%A9tica.
jpg. Acesso em: 18 mar. 2021.
Disponível em: https://cdn.technologynetworks.com/tn/images/thumbs/jpeg/360_360/new-
frontiers-in-pharmacokinetics-342139.jpg. Acesso em: 18 mar. 2021.
Artigos de revisão
BOWIE, M. W.; SLATTUM, P. W. Pharmacodynamics in older adults: a review. Am J Geriatr
Pharmacother. doi: 10.1016/j.amjopharm.2007.10.001. PMID: 17996666, v. 5, n. 3, pp. 263-303,
2007
BUFFE, C.; DE ARAÚJO, B. V.; COSTA, T. C. T. D. Parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos
na otimização de terapias antimicrobianas. Caderno de farmácia. DOI: http://hdl.handle.
net/10183/19477. Porto Alegre, v. 17, n. 2, pp. 97-109, 2001.
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Referências
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