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FARMACOLOGIA GERAL

Elaboração

Quelen Iane Garlet

Produção

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................................................................... 4

ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA.................................................................................................. 5

INTRODUÇÃO.............................................................................................................................................................................................. 7

UNIDADE I
O QUE É FARMACOLOGIA E COMO AGEM OS FÁRMACOS................................................................................................................................. 9

CAPÍTULO 1
CONCEITOS EM FARMACOLOGIA.................................................................................................................................................................. 9

CAPÍTULO 2
INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR.............................................................................................................................................................. 13

CAPÍTULO 3
QUANTIFICAÇÃO DA INTERAÇÃO FÁRMACO-RECEPTOR.................................................................................................................. 19

UNIDADE II
ALVOS MOLECULARES PARA FÁRMACOS: MECANISMOS DE TRANSDUÇÃO DE SINAL.................................................................. 28

CAPÍTULO 1
CANAIS IÔNICOS................................................................................................................................................................................................. 29

CAPÍTULO 2
RECEPTORES ACOPLADOS À PROTEÍNA G............................................................................................................................................. 34

CAPÍTULO 3
OUTROS TIPOS DE RECEPTORES.................................................................................................................................................................. 41

UNIDADE III
FARMACOCINÉTICA: O CAMINHO DO FÁRMACO PELO ORGANISMO......................................................................................................... 49

CAPÍTULO 1
VIAS DE ADMINISTRAÇÃO E ABSORÇÃO DE FÁRMACOS................................................................................................................. 54

CAPÍTULO 2
DISTRIBUIÇÃO DE FÁRMACOS....................................................................................................................................................................... 67

CAPÍTULO 3
METABOLISMO E ELIMINAÇÃO DE FÁRMACOS..................................................................................................................................... 70

REFERÊNCIAS......................................................................................................................................................................................... 84
APRESENTAÇÃO

Caro aluno

A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se


entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade.
Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como
pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia
da Educação a Distância – EaD.

Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos


conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos
da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional
que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-
tecnológica impõe ao mundo contemporâneo.

Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo


a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na
profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira.

Conselho Editorial

4
ORGANIZAÇÃO DO CADERNO
DE ESTUDOS E PESQUISA

Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em


capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de
textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam
tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta
para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares.

A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos
Cadernos de Estudos e Pesquisa.

Provocação
Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto
antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para
o autor conteudista.

Para refletir
Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma
pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em
seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas
experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para
a construção de suas conclusões.

Sugestão de estudo complementar


Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do
estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso.

Atenção
Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam
para a síntese/conclusão do assunto abordado.

5
Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Saiba mais
Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/
conclusões sobre o assunto abordado.

Sintetizando
Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando
o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos.

Para (não) finalizar


Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a
aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo
estudado.

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INTRODUÇÃO

A farmacologia, do grego ϕάρμακον, fármacon (droga), e λογία, derivado de -λόγος


lógos (palavra, discurso, ciência) é a área das ciências biológicas que estuda como as
substâncias químicas interagem com os sistemas biológicos. O estudo e a aplicação
das propriedades de substâncias com atividade biológica remonta à Mesopotâmia,
onde se utilizavam da fermentação para produção de etanol e da aplicação de plantas
medicinais, como a papoula e a mandrágora. A Figura 1 mostra a evolução das áreas
contempladas e estudadas dentro da farmacologia. A história da farmacologia pode ser
dividida em três eras, quais sejam, natural, sintética e biotecnológica. Na era natural, a
maioria dos tratamentos farmacológicos eram à base de plantas consumidas na forma
de infusões, decoctos, in natura ou, ainda, aplicadas sob a pele, como unguentos e
emplastros. Essas práticas dominaram a farmacologia até o século XVII e aliaram-se aos
métodos do pensamento científico concebidos no período do Iluminismo. Ainda hoje,
os produtos naturais fazem parte da farmacologia e devem ser tratados como objeto
de estudo, sempre sob a perspectiva do método científico. Na era sintética, a partir de
1800, começaram os experimentos com reações químicas inorgânicas e orgânicas, com
base em esqueletos químicos naturais para a geração de novas moléculas com potencial
terapêutico. Nessa era, tivemos o advento da produção da aspirina em laboratório; a
extração e purificação de substâncias naturais isoladas, como a morfina; a quinina e
as primeiras sínteses de agentes antimicrobianos.
Figura 1. Evolução da farmacologia.

Terapêutica
Poções
Medicamentos à base de ervas

Comércio
Boticários

Química
Ciências
Produtos naturais
biomédicas
Patologia
Indústria
Farmacologia farmacêutica
Fisiologia
Estrutura química

Química sintética Bioquímica


Fármacos
sintéticos
Biologia
molecular
Biofármacos
Farmacologia

Fonte: adaptada de Rang; Dale, 2016.

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Novos fármacos sintéticos, como os barbitúricos e os anestésicos locais, começaram
a aparecer. Ademais, foram produzidos os primeiros quimioterápicos com base nas
descobertas de Paul Ehrlich, em 1909, com compostos de arsênico para o tratamento
da sífilis. Ainda, podemos citar a síntese das sulfonamidas, os primeiros fármacos
antimicrobianos por Gerhard Domagk, em 1935; e o desenvolvimento da penicilina,
por Chain Florey, durante a Segunda Guerra Mundial, com base nos trabalhos de
Fleming. Essas técnicas ainda continuam sendo aplicadas na atualidade e correspondem
à maioria dos métodos de obtenção de medicamentos. A partir da década de 1970, com
o progresso tecnológico, inicia-se a era biotecnológica com a utilização de culturas
bacterianas e a tecnologia de DNA recombinante para a produção de moléculas proteicas,
por exemplo, a insulina produzida com base em colônias de E. coli recombinante.
Muito recentemente, temos o início das terapias gênicas, em que ocorre a modulação
de genes em células e tecidos de um indivíduo para o tratamento de uma doença,
consolidando e perpetuando essa nova era da farmacologia. Nesta disciplina de
“Farmacologia Geral”, são abordadas as características farmacológicas, farmacocinéticas
e/ou farmacodinâmicas de fármacos, tanto no tocante aos aspectos descritivos quanto
aos quantitativos. O estudo da farmacologia permite formar uma base teórica para
aplicações desses conhecimentos na cadeia de produção de novos fármacos, visando
à prescrição correta de medicamentos e monitorização terapêutica do paciente. Aqui
será realizada uma dissecação de alvenaria farmacodinâmica, avaliação da interação
droga-receptor, mecanismos de transdução e estudo das propriedades farmacocinéticas
dos fármacos.

Objetivos
» Introduzir os principais conceitos em farmacologia.

» Apresentar as diferentes formas de interação fármaco-receptor.

» Conceituar os princípios farmacocinéticos.

» Minuciar os mecanismos de transdução de sinal.


O QUE É
FARMACOLOGIA
E COMO AGEM OS UNIDADE I
FÁRMACOS

CAPÍTULO 1
Conceitos em farmacologia

A farmacologia só pode ser estudada e compreendida quando seus conceitos e suas


definições estão explanados e claros. Portanto, dissecaremos neste capítulo todos os
principais conceitos em farmacologia. Quando se fala em farmacologia, vários conceitos
e nomes vêm à mente, como demonstrado na Figura 2.

Como é possível verificar, alguns conceitos se sobressaem. Nesse contexto, iniciaremos


nossa jornada pela farmacologia com um conceito inicial básico:

O que é um fármaco?
É uma substância química sintética, natural ou derivada de plantas, animais ou
produtos de engenharia genética de estrutura conhecida, exceto nutriente ou um
componente essencial da dieta. Fármacos, quando administrados a um organismo vivo,
produzem efeitos biológicos. Para que uma substância seja considerada um fármaco,
deve ser administrada no organismo com essa intenção, em vez de ser liberada por
mecanismos fisiológicos. A exemplo disso, temos a insulina, a ocitocina e a tiroxina,
que são hormônios endógenos, mas são também fármacos quando intencionalmente
administradas.

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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos

Figura 2. Conceitos-chave para o estudo da farmacologia.


















Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Mas é medicamento? É a mesma coisa


que fármaco?
O medicamento é uma preparação química que pode conter um ou mais fármacos.
É administrado com a intenção de produzir determinado efeito terapêutico.
Os medicamentos, em geral, contêm outras substâncias (excipientes, conservantes,
solventes etc.) ao lado do fármaco ativo, a fim de tornar seu uso mais objetivo,
mascarar sabor, aumentar o prazo de validade e conferir a forma farmacêutica final
do produto.

Fármaco x droga
É uma confusão bem comum dentro da farmacologia, principalmente na língua
portuguesa. No português, usamos ‘fármaco’ para descrever substâncias que têm a
propriedade de gerar efeito biológico e que podem ser aplicadas na terapêutica, ou seja,
podem virar medicamento ou ser utilizadas como ferramentas na pesquisa científica.
Já as ‘drogas’ são, frequentemente, definidas como substâncias que causam dependência,
com características narcóticas ou que alteram a consciência. A Portaria n. 344/1998,
do Ministério da Saúde, ainda acrescenta que droga é substância ou matéria-prima
que tenha finalidade medicamentosa ou sanitária, podendo estar sujeita a controle
especial. Contudo, na língua inglesa, encontramos a palavra drug, que pode ser usada

10
O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I

para descrever tanto fármaco como droga, informação esta importante na hora de ler
artigos científicos frequentemente publicados em tal idioma.

Remédio
Esse termo é utilizado para descrever qualquer tipo de cuidado que se tenha com
o paciente, com a finalidade de curar ou aliviar os sintomas de uma enfermidade.
Portanto, remédios não necessariamente tem de ter passado por controle de qualidade,
segurança e eficácia. Inclusive, pode ser caseiro.

Receptor
Complexo molecular proteico que funciona como alvo para a interação do fármaco,
resultando na produção de efeito farmacológico, o qual pode ser indução, intensificação,
diminuição ou bloqueio de um efeito fisiológico (função biológica preexistente).
Receptores frequentemente são proteínas possuidoras de um ou mais sítios que, quando
ativados por substâncias endógenas ou exógenas, são capazes de desencadear resposta
fisiológica a uma velocidade determinada, denominada constante de associação (Ka)
(Figura 3). O fármaco se liga ao receptor e forma um complexo, o qual desencadeia a
resposta, e, subsequentemente, ocorre a dissociação desse complexo também a uma
velocidade determinada, chamada de constante de dissociação (Kd). A intensidade da
resposta é proporcional ao número de complexos fármaco-receptor. Dessa forma, o
número de receptores expressos na célula limita o efeito final do fármaco, e situações
que diminuem a expressão do receptor (sub-regulação) acabam por diminuir o
efeito farmacológico do fármaco ligante. Os receptores servem como moléculas de
reconhecimento para um mediador químico, por meio do qual uma resposta é traduzida.
Outras macromoléculas com que os fármacos interagem para produzir seus efeitos são
conhecidas como alvos farmacológicos e podem ser enzimas, moléculas carreadoras
ou estruturas celulares com as quais os fármacos se ligam, podendo exercer efeito
farmacológico. As moléculas que se ligam aos receptores podem ativar ou bloquear
sua função e são denominadas agonistas ou antagonistas, respectivamente. Tais termos
são melhores descritos a seguir:
Figura 3. Interação fármaco-receptor.

Ka
[F] + [R] [F-R] Resposta
Kd
Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos

Receptores órfãos

Geralmente, os receptores são nomeados de acordo com a molécula endógena à qual


se ligam e, em decorrência dessa ligação, produzem seu efeito. Já os receptores órfãos
são receptores para os quais ainda não foram descobertos alvos endógenos e seu papel
fisiológico é indefinido.

Reserva de receptores

Para fins didáticos, é estabelecido que seria necessária a ocupação de 100% dos receptores
para que um agonista exercesse seu efeito máximo, ou seja, 100% de resposta. Entretanto,
na realidade, em alguns sistemas fisiológicos do nosso organismo, é possível obter
uma resposta máxima com ocupação de menos de 100% dos receptores. Nesse caso,
obtém-se o efeito máximo numa dose de agonista mais baixa do que a necessária
para a saturação dos receptores, isto é, a EC50 é menor do que a Kd (constante que
indica a velocidade de dissociação do fármaco com o seu receptor) para esse sistema.
Esse tipo de discrepância entre a curva de ligação fármaco-receptor e a curva de
dose-resposta significa a presença de receptores de reserva. Acredita-se que pelo menos
dois mecanismos moleculares sejam responsáveis pelo fenômeno do receptor de reserva:
em primeiro lugar, o receptor permaneceria ativado após a saída do agonista, permitindo
a ativação de vários receptores por uma molécula de agonista. Em segundo lugar, as
vias de sinalização celulares, que serão descritas mais para frente, poderiam propiciar
amplificação significativa de um sinal relativamente pequeno. Então, a ativação de
apenas alguns receptores poderia ser suficiente para produzir uma resposta máxima.

Aceptor
São estruturas moleculares do organismo, as quais interagem com fármacos, mas não
produzem efeito farmacológico. Muitas vezes, essas moléculas são inertes ou exercem
função de carreamento do fármaco, por exemplo, a albumina.

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CAPÍTULO 2
Interação fármaco-receptor

Para entendermos como os fármacos interagem com seus receptores biológicos,


devemos, antes, entender como essas interações são classificadas. A interação de
uma molécula endógena ou exógena pode resultar em aumento ou diminuição do
sinal emitido pelo receptor com o qual tal molécula se liga. Agora, exploraremos tais
conceitos e como aplicá-los no estudo da farmacologia.

Agonista
São moléculas que se ligam aos receptores fisiológicos e mimetizam o efeito do ligante
endógeno, ou seja, estabilizam a conformação do receptor na sua forma ativa (Figura
4). Quando o agonista produz 100% de resposta do receptor, é chamado de agonista
pleno ou agonista total. Quando o fármaco se liga ao mesmo lugar de ligação do ligante
endógeno, é chamado de agonista primário ou ortostérico. Quando o fármaco se liga a
outro sítio, diferente daquele que interage com o ligante endógeno, e modifica a ação
do receptor, é chamado de modulador ou agonista alostérico.

Figura 4. Interação do antagonista com seu receptor.

Antagonista
Agonista Agonista
Agonista Agonista
Antagonista
Antagonista
Antagonista competitivo
competitivo Antagonista
cão competitivo não competitivo

Ligação do antagonista Ligação do antagonista Ligação do antagonista Ligação do antagonista


competitivo não competitivo competitivo Não competitivo

Fonte: adaptada de Golan et al., 2014.

Antagonista
São moléculas que se ligam aos receptores fisiológicos sem causar sua ativação, bloqueando
o efeito do ligante endógeno ou do agonista exógeno (Figura 5). Antagonistas não
exercem nenhum efeito sobre o estado de ativação do receptor na ausência do ligante
endógeno/agonista. O antagonista de receptor pode ligar-se ao sítio ativo (sítio de
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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos

ligação do agonista) ou ao sítio alostérico de um receptor. A ligação do antagonista


a um sítio alostérico altera a Kd para a ligação do agonista ou impede a mudança de
conformação necessária para a ativação do receptor. Em outras palavras, o antagonista
que se liga ao sítio alostérico do receptor é um modulador negativo da atividade do
receptor, diminuindo ou zerando o efeito do agonista. A picrotoxina é um exemplo de
agonista alostérico, pois se fixa no interior do canal de cloreto controlado pelo GABA.
Quando a picrotoxina está fixada dentro do canal, o cloreto não pode passar pelo canal,
mesmo quando o receptor está totalmente ativado pelo GABA. Adicionalmente, os
antagonistas de receptores também podem ser divididos em antagonistas reversíveis
ou competitivos (os quais podem ser deslocados do local de ligação por um aumento
no gradiente – concentração – do agonista) e antagonistas irreversíveis ou não
competitivos, os quais se ligam a um sítio alostérico e não podem ser deslocados por
causa do aumento na concentração do agonista.
Figura 5. Interação do antagonista com seu receptor.

Antagonista
Agonista Agonista
Agonista Agonista
Antagonista Antagonista
competitivo Antagonista competitivo Antagonista
não competitivo não competitivo

Ligação do antagonista Ligação do antagonista Ligação do antagonista Ligação do antagonista


competitivo não competitivo competitivo não competitivo

Fonte: adaptada de Golan, 2014.

Antagonista sem receptor


O antagonista sem receptor é uma molécula que impede a ação do agonista sem a
necessidade de ligação ao receptor, pois inibe a capacidade do agonista para iniciar
ou propagar uma resposta. Tal inibição pode ocorrer por meio da inibição direta do
agonista (por exemplo, utilizando anticorpos que se ligam à molécula do agonista,
impedindo-a de se encaixar corretamente no sítio de ligação no receptor); mediante
a inibição de uma molécula localizada distalmente na via de ativação; ou pela ativação
de uma via oposta à ação do agonista. Outro termo utilizado a essa última situação é
“antagonismo fisiológico”. Exemplo clássico desse tipo de antagonismo é o desempenhado
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O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I

pela epinefrina da broncoconstrição induzida por histamina. A histamina se liga aos


receptores H1 histamínicos na musculatura lisa bronquial, causando broncoconstrição
da árvore brônquica. A epinefrina é um agonista nos adrenoceptores β2, na musculatura
lisa bronquial, que causa o relaxamento do músculo.

Agonista parcial

São os fármacos que produzem resposta tecidual submáxima, ou seja, menor que 100%
da resposta máxima do receptor, mesmo quando todos os receptores disponíveis estão
ocupados por ele (Figura 6). Quando um agonista pleno (100% de resposta) e um
agonista parcial estão concomitantemente na presença do receptor, o agonista parcial
pode ser considerado um antagonista, pois estabiliza o receptor em um estado que não
desencadeia a resposta total que seria induzida pelo agonista pleno.

Agonista inverso

Geralmente, os receptores livres são inativos e precisam da interação com um agonista


para assumir conformação ativa. Contudo, alguns receptores apresentam conversão
espontânea de receptor inativo para receptor ativo na ausência de agonista. São
moléculas que estabilizam o receptor em estado conformacional inativo, impedindo
que ele desencadeie qualquer sinalização intrínseca que estaria acontecendo, mesmo
na ausência de um ligante (Figura 6).

Figura 6. Interação do agonista inverso e agonista parcial com seu receptor.

Agonista inverso Agonista parcial

Agonista
Sítio de ligação
do agonista Sítio de
ligação
alostérico
do

Receptor não ligado a Ligação do agonista


nenhum fármaco

Resposta Resposta
intrínseca ativação

Fonte: adaptada de Golan, 2014.

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Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos

Os receptores, atualmente apontados como tendo atividade intrínseca e, por sua vez,
passíveis de interagir com agonistas inversos, incluem os receptores GABAa, receptor de
melanocortina, receptor de µ opioide, receptor de histamina e receptor beta-adrenérgico.
Exemplos desse tipo de molécula incluem os fármacos montelucaste, agonista inverso dos
receptores de leucotrienos, que impede a atividade basal desse receptores. Esse fármaco
limita a resposta inflamatória nos tecidos em que esses receptores são expressos, e como
a expressão dos receptores para leucotrienos cisteínicos é alta no tecido pulmonar, o
montelucaste é fármaco útil para o tratamento de inflamações nesse tecido, como é
o caso da asma. A naloxona e naltrexona são também agonistas inversos parciais dos
receptores opioides do tipo µ; a maioria dos anti-histamínicos que interagem com os
receptores H1 e H2; os betabloqueadores carvedilol; e bucindolol.

Dessa forma, podemos concluir que agonistas plenos elevam os valores da curva
sigmoide até 100% de resposta do receptor, enquanto agonistas parciais induzem
valores entre 0 e 100 % de resposta do receptor. Antagonistas estabilizam a
resposta em 0%, mas mantêm a atividade intrínseca do receptor e dos agonistas
inversos, bloqueando a atividade intrínseca do receptor (Figura 7).

Figura 7. Resumo da atividade dos diferentes tipos de fármacos que interagem com receptores
biológicos.

Saturação do receptor
(Y)
Agonista pleno
Resposta %

Agonista parcial
Antagonista
Agonista inverso

Concentração do ligante

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Dessensibilização dos receptores


Na prática clínica, geralmente a maioria dos fármacos tem seu efeito atenuado
gradualmente quando administrados de maneira contínua ou repetida. Esse tipo
de administração é chamado de administração crônica de um medicamento. Essa
perda de efeito com o uso crônico é chamada de dessensibilização ou taquifilaxia, e,

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O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I

muitas vezes, também pode se desenvolver em após pouco tempo da administração,


ou até poucos minutos. O termo refratariedade também pode ser empregado nesse
contexto, principalmente em relação à perda da eficácia terapêutica. A administração
repetida/contínua/crônica de um fármaco agonista ou antagonista de determinado
receptor pode causar alterações na responsividade do receptor. Isso acontece para prevenir
danos ou lesões às células. Exemplo disso é a administração contínua de agonistas que
permitem aumento na concentração de cálcio intracelular em neurônios. Quando uma
molécula com essa atividade, por exemplo, as anfetaminas, ligam-se ao receptor, este
inicia o processo de dessensibilização e passa a responder menos a essa molécula para
evitar que altas concentrações de cálcio iniciem a morte celular do neurônio. Assim como
este, vários mecanismos se desenvolveram para proteger a célula da estimulação
excessiva. Quando um receptor é exposto a administrações repetidas de um agonista,
torna-se dessensibilizado e, consequentemente, observa-se a diminuição do efeito por
ele induzido. O mecanismo molecular que resulta na dessensibilização do receptor por
ser um evento direto, como fosforilação, ou interação química similar, que torna o
receptor da superfície celular não responsivo ao ligante (Figura 8).

Figura 8. Resumo do fenômeno de dessensibilização de receptores.

↓ n° receptores: inativação

Fármaco
Adenilato Receptor Receptor
ciclase inativado

Beta- Beta-
Proteína G arrestina
arrestina
Fonte: adaptada de Golan, 2014.

Além disso, os receptores podem ter diminuída sua expressão proteica, na superfície
da membrana (do inglês, down-regulation), por mecanismos mais complexos, como a
internalização ou o sequestro no interior da célula, ficando indisponíveis para novas
interações com os agonistas. Esses receptores podem ser reciclados para a superfície
celular, restabelecendo a sensibilidade; ou, de modo alternativo, podem ser processados
e degradados, diminuindo o número total de receptores disponíveis. Alguns receptores,
particularmente os canais iônicos, exigem tempo finito após a estimulação, antes de

17
Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos

poderem ser ativados novamente. Esse tempo pode ser chamado de tempo de latência
ou tempo de refratariedade, e os receptores em recuperação são chamados “refratários”.
Da mesma forma que descrito para agonistas, a exposição repetida do receptor a
antagonistas pode resultar em sensibilização direta do receptor ou, então, aumento
da sua expressão proteica na membrana (do inglês, up-regulation). Nesse contexto,
os receptores de reserva são inseridos na membrana ou então ocorre a ativação de
fatores de transcrição da sequência proteica do receptor, o que aumenta sua síntese.
Ambos os mecanismos aumentam o número total de receptores disponíveis.
A sensibilização de receptores torna a célula mais sensível aos agonistas e mais resistente
ao efeito dos antagonistas.

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CAPÍTULO 3
Quantificação da interação
fármaco-receptor

Efeito da concentração do fármaco na interação


com o receptor
A relação quantitativa entre a concentração do fármaco e a ocupação dos receptores
aplica a lei de ação das massas à cinética de ligação do fármaco com seus receptores,
de acordo com a reação de equilíbrio mostrada na Figura 3. Com base nessa relação,
pode-se montar curvas de dose-resposta, como será descrito a seguir.

Relação dose-resposta gradual


Quando o efeito farmacológico de um fármaco aumenta, na medida em que se aumenta
gradualmente a concentração desse fármaco até que todos os receptores estejam
ocupados (efeito máximo), diz-se que temos uma relação dose-resposta gradual (Figura
9). Lançando o incremento da resposta no eixo y e as doses crescentes de um fármaco
no eixo x, temos como resultado a curva dose-resposta gradual (Figura 9A).

Figura 9. Curvas dose-respostas em escala linear (A) ou semilogarítmica (B).

Fármaco A
Fármaco A

Fármaco B Fármaco B
% Resposta

% Resposta

EC50 EC50

[Fármaco ] Log [Fármaco ]

Fonte: adaptada de Whalen, 2016.

A plotagem dos dados em um gráfico de curva-dose resposta se dá, então, pela % de


resposta obtida com aquele determinado fármaco no eixo y do gráfico e o logaritmo da
dose utilizada do fármaco. Assim, temos uma curva semilogarítmica ou também chamada
de curva sigmoide (Figura 9B). Para mensurar a magnitude da resposta alcançada por
determinado fármaco, usamos a medida de EC50 (concentração efetiva 50%), que reflete
a dose em que o fármaco produz metade do efeito máximo no indivíduo.

19
Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos

Olhando para a Figura 9, quando comparamos o efeito dos fármacos A e B, quanto


ao mesmo tipo de resposta, como dizer qual fármaco é melhor?

Isso dependerá se a sua pergunta for em relação à melhor resposta possível a


ser obtida naquele sistema; ou se você quiser saber qual deles deverá ser usado
em menor quantidade a fim de obter o mesmo efeito. Para essas duas situações,
precisamos conhecer mais dois conceitos básicos em farmacologia: a potência
e eficácia de um fármaco.

Potência
A potência de um fármaco refere-se à concentração em que o fármaco produz 50% de
sua resposta máxima, ou seja, a potência de um fármaco é medida pela EC50. Na Figura
10 (à direita) temos a comparação de diferentes fármacos: a EC50 dos fármacos A, B, C
e D é 0.1, 1, 10 e 100, respectivamente, indicando que o fármaco A é mais potente do
que o B, porque menor quantidade de fármaco A é necessária para obter 50% do efeito,
quando comparado com o fármaco B. Já o fármaco B é mais potente que o fármaco
C, e o C é mais potente que o D. Note que todos eles, apesar de possuírem diferentes
EC50, têm a mesma capacidade de alcançar 100% de resposta naquele receptor; basta
aumentar a dose. Dessa forma, fármacos de potências diferentes têm apresentações
farmacêuticas diferentes e gramaturas diferentes. Por exemplo, as estatinas utilizadas
para o tratamento do hipercolesterolemia podem alcançar o mesmo efeito terapêutico
desejado em um determinado paciente com as suas respectivas doses posológicas.
A sinvastatina é utilizada, usualmente, na dose de 40 mg/comprimido, enquanto as
estatinas de alta potência, como a atorvastatina, podem ser utilizadas na dose de 20
mg/comprimido para obtenção do mesmo efeito.

Eficácia
Existem fármacos que, mesmo em altas doses, ainda não conseguem induzir 100% de
resposta do sistema. Diz-se, então, que tais fármacos não alcançam 100% de eficácia.
A eficácia (Emáx.: concentração efetiva máxima) refere-se à resposta máxima produzida
pelo fármaco. Dessa forma, a eficácia pode ser considerada como o estado em que a
sinalização mediada pelo receptor torna-se máxima, de modo que qualquer quantidade
adicional do fármaco não produzirá nenhuma resposta adicional. Na Figura 10 (à
esquerda), podemos visualizar esse conceito; ao olharmos para o gráfico, percebemos
que apenas o fármaco A produz 100% de resposta, ou seja, 100% de eficácia, sendo um
agonista pleno. Os fármacos B, C e D têm níveis decrescentes de eficácia. Qualquer um
deles agirá como agonista parcial e, quando coadministrado com o fármaco A, poderá
20
O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I

atuar como antagonista, pois poderá deslocar o fármaco A caso se ligue mais fortemente
ao receptor. Esse conceito de força de ligação será abordado adiante.

Figura 10. Conceito de eficácia (gráfico à esquerda) e potência (gráfico à direita).

Baixa potência

Aumento na eficácia: mesmo


Alta potência
Alta eficácia

% de Resposta
Aumento na potência

EC50
% de Resposta

Baixa
eficácia

Log da concentração do fármaco (nM/L) Log da concentração do fármaco (nM/L)

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Relação dose-resposta quantal


A relação dose-resposta entre a dose de fármaco e a proporção da população que
responde a ela é chamada de resposta quantal, em que, para cada indivíduo, o efeito
acontece ou não. Respostas graduais podem ser transformadas em quantais quando
se define um determinado nível de resposta gradual, como o ponto no qual a resposta
ocorreu ou não. Por exemplo, pode ser determinada uma relação dose-resposta quantal
na população para um anti-hipertensivo. A resposta positiva é definida como uma
redução de, no mínimo, 5 mmHg na pressão arterial diastólica. Curvas dose-resposta
quantais são úteis para a determinação das doses às quais a maioria da população
responde ou o efeito é considerado clinicamente significativo.

Curva dose-resposta quantal


As curvas de dose-resposta (Figura 11) servem para mostrar o efeito médio de um
fármaco em função de sua concentração, em determinada população de indivíduos.
O que é medido é a resposta final do fármaco, conforme aumenta sua concentração no
sistema avaliado. Por exemplo, podemos observar a capacidade de um fármaco para
reduzir a sensação dolorosa de enxaqueca e observar a percentagem de indivíduos que
respondem a cada dose do fármaco. As relações de dose-resposta servem para prever
os efeitos de fármaco quando administrado a uma população de indivíduos, bem como
para determinar as doses tóxicas e as doses letais dentro de determinada população.

21
Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos

Essas doses são denominadas ED50 (dose em que 50% dos indivíduos apresentam
resposta terapêutica a um fármaco), TD50 (dose em que 50% dos indivíduos exibem
resposta tóxica) e LD50 (dose em que 50% dos indivíduos morrem). A ED50 é
a dose em que 50% dos indivíduos respondem ao fármaco, enquanto a EC50 é a
dose em que o fármaco produz metade do efeito máximo em um indivíduo, como
mencionado acima.

Figura 11. Curva dose-resposta quantal.

Efeito terapêutico Efeito tóxico Efeito letal

Efeito Efeito tóxico Efeito letal


terapêutico

EC50 TD50 LD50


Dose

Fonte: adaptada de Golan, 2014.

Moléculas diferentes se ligam, com a mesma força, ao mesmo receptor? Como medir
essa força de ligação?

Afinidade
A afinidade ao receptor é o termo que se usa para descrever a capacidade do fármaco
para se ligar e se manter ligado a um determinado receptor, também descrita como
a probabilidade de ocupar um receptor a qualquer instante. Está relacionada à
eficácia intrínseca (atividade intrínseca – grau em que o ligante ativa receptores e
conduz à resposta celular). A afinidade e a atividade de um fármaco são determinadas
por sua estrutura química. Do ponto de vista do complexo fármaco-receptor,
pode-se dizer que a afinidade é definida como a força de interação reversível
entre fármaco-receptor e pode ser medida pela constante de dissociação, o Kd.

22
O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I

O valor de Kd pode ser determinado pela multiplicação da concentração do fármaco


no meio em que se encontra na sinapse, pela quantidade de receptores a ele ligados,
dividida pela subtração do número de receptores da concentração de fármaco (Figura 12).
Dessa forma, quanto maior a afinidade do fármaco pelo seu receptor, mais fortemente
ele fica ligado a ele e, consequentemente, mais lenta é sua dissociação; logo, menor
será o seu Kd. A afinidade da ligação do fármaco ao seu receptor pode ser influenciada
pela estrutura química do fármaco.

Figura 12. Fórmula para o cálculo do Kd.

[ F ] .[ R ]
Kd =
[ F − R]
Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Os fármacos que se ligam a um receptor podem se ligar a outro?

A “especificidade” ou “seletividade” é o termo utilizado para descrever a capacidade de


um fármaco para se ligar em sítios/receptores específicos. Para que determinado fármaco
produza efeito biológico com utilidade terapêutica, ele precisa agir de modo seletivo
sobre células e tecidos específicos, ou seja, precisa exibir alto grau de especificidade
pelo ponto de ligação.

Para melhor exemplificar esse conceito, vamos considerar a angiotensina (peptídeo


que faz parte do sistema renina-angiotensina-aldosterona e interage com receptores
na membrana celular das células-alvo, os chamados receptores AT1 e AT2).
Esse peptídeo atua vigorosamente sobre o músculo liso vascular e o túbulo renal, mas
tem pouco efeito sobre outros tipos de músculo liso ou sobre o epitélio intestinal.
Outros mediadores afetam um espectro completamente diferente de células e tecidos,
sendo que, em cada caso, o padrão reflete o tipo específico de expressão dos receptores
proteicos para os diversos mediadores. A especificidade pode ser influenciada pela
estrutura molecular do receptor (o qual, dependendo do subtipo ou da isoforma,
possui pequenas alterações na sua cadeia de aminoácidos, que proporcionam aumento
ou diminuição da capacidade de se ligar seletivamente ao fármaco) e pela estrutura
química do fármaco. Uma pequena alteração química, por exemplo, a conversão da
forma L de um dos aminoácidos da angiotensina para a forma D, ou a remoção de um
aminoácido da cadeia, é capaz de inativar a molécula inteira, porque o receptor não
consegue ligar-se à forma alterada.

23
Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos

Outro detalhe a ser mencionado é o fato de que um fármaco pode ter alta especificidade
para seu receptor, entretanto, se o receptor tem expressão ubiquota (não restrita em
apenas um tipo de tecido/órgão, disseminada pelo organismo), o efeito do fármaco
será global e não restrito a apenas um tecido.

Especificidade e efeitos colaterais


Nenhum fármaco age com especificidade total, e isso pode lhe conferir a habilidade
de agir em diferentes vias de sinalização. Tal fenômeno pode ser benéfico, pois
acarreta efeito terapêutico e faz uso de vias diferentes; mas também pode ser maléfico,
pois é a baixa seletividade que proporcionará os efeitos colaterais (aqueles que são
induzidos adicionalmente ao efeito principal do fármaco). Efeitos colaterais podem
ser terapêuticos ou não; quando não terapêuticos, são chamados de efeitos adversos.
Quanto maior a seletividade/especificidade de um fármaco, menos efeitos colaterais/
adversos ele terá. Um exemplo clássico se dá com os antidepressivos tricíclicos
que bloqueiam receptores muscarínicos; inibem a recaptação de monoaminas,
principalmente norepinefrina (NE), serotonina (5-HT) e, em menor proporção,
dopamina (DA); e bloqueiam receptores da histamina tipo 1, e receptores a2 e
b-adrenérgicos. Dessa forma, esses fármacos, apesar de eficientes, têm uma gama
diversa de efeitos colaterais terapêuticos (aumentam a transmissão serotoninérgica
e noradrenérgica por diversas vias, e são benéficos para episódios depressivos) e
adversos (como ganho de peso, sonolência e boca seca), o que acaba limitando seu
uso na clínica por causa da baixa tolerabilidade e adesão.

Janela terapêutica
A janela terapêutica (Figura 13) é o termo utilizado para descrever a faixa de dose ou
concentração de determinado fármaco que produz resposta terapêutica no organismo
alvo, sem efeitos adversos inaceitáveis (que impeçam o uso de forma segura, o que
caracterizaria toxicidade) em determinada população de pacientes.

Para fármacos que possuem janela terapêutica estreita, a dose/concentração necessária


para alcançar o efeito terapêutico é muito próxima da dose/concentração mínima
necessária para induzir toxicidade. Nesses casos, é preciso efetuar uma estreita
monitorização dos níveis plasmáticos do fármaco para manter a dose efetiva, sem
ultrapassar o nível passível de provocar toxicidade.

24
O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I

Figura 13. Curva dose-resposta de um fármaco e sua janela terapêutica.

Efeito
tóxico

Concentração
mínima para
Efeito de resposta
pico adversa
Efeito do fármaco (concentração

Início do
efeito
Janela
plasmática)

terapêutica

Concentração
mínima para
resposta
Duração do efeito terapêutica

Efeito subterapêutico

Período de latência tempo

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Na Figura 13, podemos observar a curva dose-resposta de um fármaco e sua janela


terapêutica. Note que a concentração plasmática (Cp) do fármaco indicado pela linha
vermelha se mantém em níveis nos quais se encontram apenas efeitos terapêuticos, ou,
como ocorre com a maioria dos medicamentos, em que os efeitos adversos são toleráveis
ou compensam os efeitos benéficos da terapia. Já o fármaco, cuja concentração plasmática
está representada pela curva em laranja, ultrapassa a faixa segura, a janela terapêutica
e entra numa faixa em que os efeitos tóxicos começam a ser mais pronunciados,
contraindicando o uso do medicamento. Note também que essas duas curvas poderiam
ser do mesmo fármaco administrado em doses diferentes, proposta esta indo ao encontro
do que dizia o pai da farmácia, Paracelsus: “A diferença entre remédio e veneno pode
estar na dose”. Ainda, esse desvio na curva de concentração do fármaco no plasma
pode ocorrer devido a características do próprio paciente, como falha na eliminação
do fármaco ou superresposta dos receptores-alvo desse fármaco. Adicionalmente, a
janela terapêutica pode ser quantificada pelo índice terapêutico (IT), conceito que será
discutido mais adiante.

25
Unidade I | O que é farmacologia e como agem os fármacos

É importante considerar mais alguns conceitos listados na Figura 13, os quais são
descritos a seguir:

» Período de latência: trata-se do período de tempo após a administração do


medicamento, em que ainda não há efeito terapêutico.

» Duração do efeito: a duração do efeito ocorre sempre que a faixa de


concentração do fármaco está dentro da janela terapêutica.

» Efeito mínimo terapêutico: para que um fármaco alcance os efeitos


terapêuticos, é preciso que a concentração plasmática atinja a faixa de efeito
mínimo desejado.

» Faixa de efeitos tóxicos: a faixa de efeito tóxico mínimo é como se fosse o


“alarme” que sinaliza um perigo iminente para intoxicação. Como mencionado
acima, essa faixa já não é mais segura para o paciente. Em alguns casos, é
necessário utilizar antídotos para bloquear a ação medicamentosa, de acordo
com a taxa de reversibilidade do fármaco.

» Índice terapêutico: o índice terapêutico (IT) de um fármaco é a relação


matemática entre a dose mínima que induzirá efeitos adversos não toleráveis,
ou seja, toxicidade em metade da população (DT50); e a dose que produzirá
o efeito terapêutico ou clinicamente desejado em metade da população
(DE50). O índice terapêutico pode ser calculado pela equação representada
na Figura 14.

Figura 14. Equação do índice terapêutico.

IT =
[ DT 50]
[ DE 50]
Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Adicionalmente, o índice terapêutico serve como uma medida de segurança do fármaco,


pois alto valor de índice terapêutico indica ampla margem entre a dose que induz
atividade terapêutica e aquela que induz eventos tóxicos ao paciente.

O índice terapêutico é determinado por meio de triagem do fármaco e experiência


clínica acumulada. Em geral, é estabelecida uma faixa de doses eficazes e uma faixa
distinta (algumas vezes, com sobreposição) de doses tóxicas (Figura 15).

26
O que é farmacologia e como agem os fármacos | Unidade I

Figura 15. Representação do índice terapêutico de um fármaco – Curva dose-resposta quantal.

ÍNDICE TERAPÊUTICO
Curva dose-resposta quantal
% de pacientes responsivos à terapia
% Cumulativa

TI

ED50 TD50
Dose (mg)

Exemplo de cálculo para esse fármaco

= =3

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

27
ALVOS MOLECULARES
PARA FÁRMACOS:
MECANISMOS UNIDADE II
DE TRANSDUÇÃO
DE SINAL
Como mencionado anteriormente, para um fármaco exercer sua ação, ele precisa
interagir com moléculas do organismo-alvo, de modo que altere sua sinalização.
Os receptores são os elementos sensores no sistema de comunicações químicas que
coordenam a função de todas as diferentes células do organismo. Nesse sentido, os
mensageiros químicos são os vários hormônios, transmissores e outros mediadores. A
característica de alguns receptores, como aqueles ligados à proteína G, à tirosina quinase
e a enzimas, é sua propriedade de amplificar a intensidade e a duração do sinal. Por
exemplo, um único complexo agonista-receptor pode interagir com várias proteínas
G, ou várias enzimas intracelulares, multiplicando várias vezes o sinal original. Além
disso, a proteína G ativada persiste por mais tempo do que o complexo ligante-receptor
original. Desse modo, a ligação de determinado fármaco ao seu receptor só existe
por poucos milissegundos, mas a proteína G ativada subsequente pode persistir por
centenas de milissegundos. O sinal inicial é prolongado e amplificado adicionalmente
pela interação entre a proteína efetora e seus respectivos alvos intracelulares. Devido
à amplificação, apenas uma fração do total de receptores para um ligante específico
precisa ser ocupada para evocar a resposta máxima. Dentro do sistema de sinalização
biológico mediado por ligantes, existem várias classes de receptores farmacológicos,
as quais serão discutidas a seguir.

28
CAPÍTULO 1
Canais iônicos

Canais iônicos
Também chamados de receptores ionotrópicos, os canais iônicos são portões proteicos
presentes nas membranas celulares, que, de modo seletivo, permitem a passagem de
determinados íons e são induzidos a se abrirem ou se fecharem por uma variedade de
mecanismos (Figura 16). Em geral, utilizam gradiente eletroquímico para transmitir
sinal em células excitáveis. Na interação com o canal iônico, o ligante estabiliza o canal
em um estado aberto ou fechado, dependendo se sua ação for agonista ou antagonista.
A abertura desse poro proteico leva à entrada de íons para o interior ou exterior da
célula, dependendo do tipo de canal e do tipo de célula. Esse efeito promove alterações
nas concentrações iônicas. Como consequência, a depender do íon em questão, o efeito
observado pode ser hiperpolarização ou despolarização celular, em caso de células
excitáveis, ou, então, alterações bioquímicas decorrentes da mudança de gradiente
iônico no meio intracelular, o que acarreta resposta biológica. É de milissegundos o
tempo para a ação decorrente da interação com canais iônicos, sendo o mais rápido
dos mecanismos dependentes de receptores farmacológicos.

Figura 16. Representação de canal iônico e dos principais tipos de canais iônicos.

Fluido CANAL IÔNICO


extracelular

Membrana
plasmática

Fechado Aberto
Citosol Íons: Ca +2, Na+, K+
CANAL IÔNICO CANAL IÔNICO ATIVADO
ATIVADO POR LIGANTE MECANICAMENTE
Ligante Recepto Pressão
r

Aberto Citosol Fechado Aberto Citosol Fechado

29
CANAL IÔNICO SEMPRE CANAL IÔNICO ATIVADO
ABERTO POR VOLTAGEM
MECANICAMENTE
Ligante Recepto Pressão
r

Aberto Citosol
Fechado Aberto Citosol Fechado
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal

CANAL IÔNICO SEMPRE CANAL IÔNICO ATIVADO


ABERTO POR VOLTAGEM

Membrana
plasmática
Citosol Sensor de Citosol
voltagem

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Existem vários tipos de canais iônicos e eles podem ser ativados de diferentes formas,
a saber, por ligante (agonista); por mudanças na voltagem celular; e por estímulo
mecânico ou térmico (receptores sensoriais). Todos eles podem ser modulados
farmacologicamente. Os tipos principais de canais iônicos estão descritos abaixo:

Canais iônicos ativados por ligante


(ligand-gated ion channels)
Esses canais são ativados ou desativados toda vez que um ligante, o qual pode ser uma
molécula endógena ou um fármaco administrado, interage com seu sítio ostostérico
ou, em alguns casos, em algum sítio alestérico do receptor. A porção extracelular dos
canais iônicos disparados por ligantes em geral contém o local de ligação. Contudo,
há exceções, como no caso dos anestésicos locais, em que o sítio de ligação do fármaco
é intracelular na porção interna de um canal voltagem-dependente, demonstrando o
caso de alteração por ligante em canal não regulado endogenamente por ligante, mas,
sim, por voltagem (Figura 17). Esses locais regulam o formato do poro por meio do
qual os íons fluem através da membrana celular. Em geral, o canal está fechado até
que o receptor seja ativado por um agonista, que abre o canal brevemente, por poucos
milissegundos. Por outro lado, alguns fármacos impem a abertura do canal, como os
próprios anestésicos locais mencionados acima.

Figura 17. Representação de canal iônico normalmente ativado por voltagem – Inativado diretamente por um ligante exógeno
que exemplifica o mecanismo de ação dos anestésicos locais.

Canal de Na+ ativado por voltagem


Na+
Meio extracelular

Sítio de ligação do
anestésico local (LA)

Meio intracelular

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

30
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II

Outro fator a ser notado é o tipo de íon conduzido através desses canais. Lembre-se
de que existe fluxo de íons de carga positiva e negativa e, dependendo a direção do
seu fluxo, pode haver aumento ou diminuição na voltagem da célula. Os receptores
constituídos de canal ativado por ligante são essenciais para a sobrevivência dos seres
vivos, sendo expressos desde o início da cadeia evolutiva dos animais. Nos animais
superiores, medeiam diversas funções, incluindo neurotransmissão e contração cardíaca
ou muscular. Como exemplo de receptores compostos de canais iônicos ativados
por ligante, temos os receptores nicotínicos ativados pela ligação da acetilcolina, um
neurotransmissor ao nível de sistema nervoso central e na placa motora, cuja ativação
resulta em influxo de sódio e efluxo de potássio. Isso gera potencial de ação no neurônio
ou contração no músculo esquelético. Por intermédio da ligação à própria proteína do
canal, no local de ligação (ortostérica) do ligante, em outros locais (alostérica) ou, no
caso dos anestésicos locais, nos canais de sódio dependentes da voltagem, a molécula do
fármaco liga-se fisicamente ao canal, bloqueando a permeabilidade dos íons (Figura 18).

Os fármacos que se ligam a locais alostéricos no canal da proteína e alteram o sistema


de abertura do canal incluem os benzodiazepínicos sedativos. Tais fármacos ligam-se
a uma região do complexo receptor-cloreto GABAa diferente do local de ligação de
GABA, facilitando a abertura do canal pelo neurotransmissor inibitório endógeno
GABA (Figura 18). Outros exemplos são os fármacos vasodilatadores da classe
di-hidropiridina (os quais inibem a abertura dos canais de cálcio tipo L); as sulfonilureias
(utilizadas no tratamento do diabetes, que atuam no canal de potássio sensível ao ATP
das células β pancreáticas e, dessa forma, aumentam a secreção de insulina).

Figura 18. Representação de canal iônico controlado por ligante – Receptor GABAa com seus sítios de ligação: ortostérico
(ligação ao GABA) e alostéricos (demais ligantes endógenos e exógenos).

RECEPTOR GABAa
Picrotoxina
Anestésicos voláteis
GABA
Etanol

Benzodiazepínicos Neurosteroides

Barbitúricos

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

31
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal

Canais iônicos ativados por voltagem

Os canais iônicos dependentes de voltagem são uma classe de canais transmembranares


ativados por alterações de diferença de potencial elétrico no microambiente próximo
ao canal. Esse tipo de canal é geralmente composto por diversas subunidades proteicas,
as quais interagem entre si para formar o poro transmembrana que constitui o canal,
através do qual os íons poderão se deslocar em função do seu gradiente eletroquímico.

Quando uma diferença de potencial é percebida na membrana, o campo eletromagnético


associado induz uma alteração conformacional no canal dependente de voltagem.
No caso do potencial de ação das células excitáveis, essa diferença é percebida pelos
canais de sódio, que adaptam sua conformação e se estabilizam na forma aberta,
permitindo a entrada desse íon de carga positiva, o qual eleva a voltagem da célula
para valores mais positivos que o potencial de repouso (Figura 19).

Figura 19. Representação gráfica do potencial de ação gerado pela abertura de canais de sódio voltagem-dependentes.

Potencial de ação
Canais controlados por voltagem

Na+ Entrando na
célula
Voltagem (mV)

K+ Saindo da célula

Estímulos
menores
limiar que o
limiar
Estado de repouso

Estímulo

hiperpolarização

Tempo (ms)
Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Se o estímulo for forte o suficiente para ultrapassar o valor de voltagem do limiar


excitatório da célula, a movimentação iônica gera uma corrente eléctrica suficiente
para despolarizar a membrana. Já os canais de potássio percebem valores maiores de
diferença de potencial e, quando se abrem, permitem a passagem desse íon de carga
32
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II

positiva para o exterior da célula. Isso contrapõe o efeito do sódio e repolariza a célula,
que, após o período refratário, estará pronta para mais um evento despolarizante.
A expressão desse tipo de canal iônico é especialmente crítica nos neurônios e na
placa motora, mas esses canais podem ser encontrados em outros tipos de células.
Os canais iônicos dependentes de voltagem exercem papel crucial em tecidos neuronais
e musculares excitáveis, permitindo rápida e coordenada despolarização em resposta a
alterações de voltagem.
Ao longo de todo o axónio e na sinapse, os canais dependentes de voltagem propagam
direccionalmente os sinais elétricos. Especificamente, os canais de sódio e os canais de
potássio dependentes de voltagem estão localizados e desempenham papel crucial no
tecido nervoso e nos músculos. Ademais, os canais de cálcio dependente de voltagem
desempenham papel na liberação de neurotransmissores na terminação pré-sináptica.

Receptores que regulam o equilíbrio iônico

Bombas de prótons e transportadores iônicos

Algumas bombas desempenham importante papel fisiológico na manutenção dos


gradientes iônicos, pois incluem a bomba de Na+/K+ dependente de ATP (que expulsa
três íons Na+ para cada dois íons K+, os quais penetram na célula) e o trocador de
Na+/Ca2+ (que expulsa um Ca2+ para cada três íons Na+, os quais penetram na célula).
A ação coordenada dessas bombas regula rigorosamente as concentrações intracelulares
e extracelulares de todos os cátions e ânions de importância biológica. Outro exemplo de
canal transportador de íons é o transportador sódio-glicose (Sodium glucose cotransporte –
SGLT), os quais são transportadores na membrana apical, responsáveis pelo cotransporte
de sódio e glicose. Apesar de não transportar apenas íons, essa proteína tem função
biológica importante no metabolismo da glicose. Propriedade especial da proteína
responsável pelo transporte é a mudança de conformação, que permite o fluxo de
sódio para o interior somente após a ligação de uma molécula de glicose, de modo
que o sódio e a glicose são transportados, simultaneamente, para o interior da célula.
Na porção inicial do túbulo proximal renal, o tipo de transportador apical de glicose
é o SGLT2, de alta capacidade e baixa afinidade, fazendo o cotransporte de 1 sódio/1
glicose. Esse transportador é alvo farmacológico para os modernos antidiabéticos, os
inibidores de SGLT2, como a dapaglifozina e a empaglifozina. Tais fármacos atuam
como hipoglicemiantes orais mediante a inibição da reabsorção de glicose nos túbulos
primários do néfron. Essa inibição gera importantes efeitos no organismo, como perda
de peso, melhora da função endotelial e redução dos níveis de hemoglobina glicada.

33
CAPÍTULO 2
Receptores acoplados à proteína G

Os receptores acoplados à proteína G (Figura 20) são uma família de proteínas que
ligam nucleotídeos de guanosina. O domínio extracelular desse receptor contém a
área de fixação do ligante, e o domínio intracelular interage (quando ativado) com a
proteína G ou com a molécula efetora. Há vários tipos de proteínas G (ex.: Gs, Gi e
Gq), as quais serão melhor discutidas adiante.

Figura 20. Estrutura básica de receptor acoplado à proteína G.

Fosforilação de proteínas

Fonte: adaptada de Whalen, 2016.

Três componentes essenciais definem a transdução da sinalização por meio desses


receptores:

» Receptor de membrana plasmática com sete segmentos transmembrana.

» Proteína G que alterna entre as formas ativa, ligada ao GTP; e inativa,


ligada ao GDP.
» Enzima ou canal iônico associado à membrana, que é regulada pela proteína
G ativa.

A porção intracelular desse receptor é composta por três subunidades, sendo considerada
heterotrimérica: subunidades alfa, beta e gama (Figura 21). A subunidade α liga-se
ao trifosfato de guanosina (GTP, do inglês guanosine triphosphate). A porção alfa é a
que troca o GDP (bifosfato de guanosina) por GTP quando o receptor se torna ativo,
dissociando-se do trímero e migrando através da membrana celular para transmitir

34
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II

o sinal do receptor ativado para a proteína efetora. Já as subunidades β e γ ancoram


a proteína G na membrana celular. A ligação de um agonista ao receptor aumenta
a ligação de GTP na subunidade α, causando a dissociação do complexo α-GTP do
complexo βγ. Então, esses dois complexos podem interagir com outros efetores celulares,
em geral enzima, proteína ou canal iônico, responsáveis por ações adicionais dentro
da célula. Essas respostas geralmente duram de vários segundos a minutos. Algumas
vezes, os efetores ativados produzem ou ativam segundos mensageiros, que, por sua
vez, ativam outros efetores adicionais na célula, causando efeito cascata (Figura 21).

Os mecanismos de transdução de sinal, que serão discutidos adiante, estão associados


com modificações conformacionais na porção intracelular do receptor, as quais
mediarão os efeitos subsequentes. Existem diferentes tipos de proteínas G acopladas
a receptores, de modo que as principais variações são o mecanismo de transdução de
sinal e a proteína efetora modulada. Além disso, a modulação pode ser positiva, ou
seja, ativa determinada proteína, ou negativa, quando se observa inibição de certa via
bioquímica de sinalização.

Figura 21. Ativação de receptor acoplado à proteína G.

Receptor
Efetor

Agonista não
ligado Ligação do agonista
Hidrólise do GTP Troca do GTP por GDP

Reconstituição da proteína G Ativação da proteína G


GDP

Agonista
Efetor ativado GTP

Difusão de α-GTP para o efetor


Ativação do efetor
GTP GTP

GDP

Fonte: adaptada de Golan, 2014.

Na Tabela 1, podemos observar as principais classes de proteínas G. As proteínas G


do tipo Gs e Gq têm efeitos biológicos estimulantes das vias que sinalizam, mas por
processos diferentes. A proteína Gs promove seus efeitos por ativação da enzima
adenilato ciclase; e a proteína Gq induz sua atividade por ativação da enzima fosfolipase C.

35
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal

Também temos a proteína do tipo Gi, que é inibitória, atuando via inibição da
adenilato ciclase. De maneira simplificada, um primeiro mensageiro interage com
a porção extracelular do receptor acoplado à proteína G, causando modificação
conformacional em sua estrutura, principalmente na porção interna. Isso gerará
mudança da afinidade da subunidade alfa pelo nucleotídeo, diminuindo pelo GDP
e aumentando pelo GTP.

Essa nova associação faz com que o trímero se dissocie (monômero alfa e dímero beta-
gama), e a subunidade alfa acaba por ativar ou inibir enzimas efetoras, as quais promovem
modificação da concentração de determinados metabólitos citosólicos de baixo peso
molecular ou íon inorgânico (cálcio), os chamados segundos mensageiros. Seu papel
na comunicação celular é ativar ou inibir alvos na sequência da via, geralmente alguma
proteína-quinase. A adrenalina é exemplo de molécula que atua por meio de receptores
acoplados à proteína Gs. Após ser secretada, as moléculas de adrenalina circulam livres
no sangue, passando pelos tecidos até encontrar o seu receptor específico. O receptor
para a adrenalina é acoplado a uma proteína G do tipo Gs, ou seja, estimula a ativação
de uma proteína efetora; nesse caso, a enzima adenilato ciclase. Após a ligação ao sítio,
o receptor sofre modificações conformacionais induzidas por essa interação com a
porção externa, o que promove mudança na afinidade da subunidade α, a qual realiza
a troca de GDP por GTP. Essa variação faz com que o trímero se dissocie e, então,
a subunidade alfa migra na porção da membrana plasmática até encontrar a enzima
adenilato ciclase. Essa enzima é uma proteína integral de membrana plasmática, com
o sítio ativo situado na porção citoplasmática. A associação entre ela e a subunidade
Gs + GTP ativa a catálise promovida pela enzima, convertendo ATP em AMPc, um
segundo mensageiro. O processo de transdução de sinal por segundos mensageiros
será discutido mais adiante.

Segue abaixo o resumo dos principais tipos moleculares de proteína G:

Tabela 1. Tipos de proteína G.

Tipo de proteína G Ações moleculares


G estimuladora (Gs) Ativa os canais de Ca2+, ativa a adenilil ciclase

G inibitória (Gi) Ativa os canais de K+, inibe a adenilil ciclase

Go Inibe os canais de Ca2+

Gq Ativa a fosfolipase C

G12/13 Diversas interações com transportadores de íons

Fonte: adaptada de Golan, 2014.

36
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II

Os segundos mensageiros são moléculas sinalizadoras intracelulares de baixo peso


molecular que se ligam a outras proteínas, modificando suas atividades. Assim, servem
para transmitir e amplificar os sinais dos receptores de membrana a essas outras
proteínas intracelulares. O monofosfato cíclico de adenosina (AMPc) é um dos segundos
mensageiros mais comumente envolvido nos processos de transdução de sinais celulares
(Figura 22).

Adrenalina, glucagon, fatores de crescimento e diversas outras moléculas regulatórias


modificam a concentração do AMPc intracelular, modulando as proteínas efetoras
que serão abordadas na sequência. Tanto AMPc quanto monofosfato cíclico de
guanosia (GMPc) são sintetizados com base em nucleotídeos trifosfatados. Inositol-
trifosfato (IP3) e diacil-glicerol (DAG) são derivados da catálise enzimática em
substrato lipídico (fosfatidil-inositol-4,5-bifosfato ou PIP2). O cálcio apresenta
diversas variações em termos de sistema de sinalização. Em muitos tipos de células,
o cálcio age como segundo mensageiro frente a sinais extracelulares, mediando
respostas como a exocitose em neurônios e glândulas, contração muscular e rearranjo
de citoesqueleto. A organela de armazenamento do cálcio, na maioria das células, é
o retículo endoplasmático, de modo que a concentração intracelular é mantida em
níveis baixos pela ação de bombas de cálcio. Estímulos hormonais, neuronais e de
outros tipos promovem o influxo de cálcio para dentro da célula ou a liberação do
cálcio, de seu local de armazenamento. Variações na concentração desse íon são
detectadas por proteínas ligantes de cálcio, as quais regulam grande variedade de
enzimas dependentes desse íon.

O aumento da concentração do AMPc no citoplasma causa a ativação de uma proteína,


a chamada proteína quinase dependente de AMPc (PKA), responsável por catalisar
a fosforilação de resíduos de serina ou treonina em outras diversas proteínas-alvo.
A PKA é encontrada de duas formas nas células, inativa ou ativa. A forma inativa
é composta por um tetrâmero composto por duas subunidades catalíticas e outas
duas regulatórias. O complexo tetramérico R2C2 é cataliticamente inativo, pois cada
subunidade R ocupa o sítio ativo de uma subunidade C. O aumento na concentração
intracelular de AMPc ativa alostericamente a PKA, pois se ligam às subunidades
R, causando modificação conformacional, que afasta o domínio autoinibitório de
R do domínio catalítico de C, deixando-a ativa. Esse mecanismo de deslocamento
de subunidade é o modelo de controle alostérico inibitório comum a várias outras
proteínas. A PKA ativa regula muitas enzimas de diferentes vias de sinalização, por
meio da catálise da fosforilação de resíduos específicos de Ser e/ou Thr de proteínas-
alvo, às custas de ATP.

37
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal

Figura 22. Sinalização via proteína G e ativação do AMPc.

Sinalização do AMPc

K+

Adenilato
cilase
GTP GTP

ATP AMPc

PKA

Fonte: https://slideplayer.com.br/slide/7662669/24/images/5/ Receptores+ acoplados +a+Prote%C3%ADna+G+e+AMPc.jpg (adaptada).

Uma das ações mais conhecidas da ação da adrenalina ao nível muscular é a mobilização
das reservas de glicogênio. De maneira direta, a ativação da PKA causa a fosforilação
da enzima glicogênio fosforilase, a qual é ativa na forma fosforilada e causa a hidrólise
do glicogênio em moléculas de glicose. Isso tudo ocorre mediante o mecanismo de
transdução de sinal discutido anteriormente. Fígado e músculo têm receptores para
adrenalina, os quais são importantes para a divisão do trabalho dos tecidos.

ADR + R = Gs-GTP + AC = [AMPc] > = +PKA = Fosforila Glicogênio fosforilase

É importante mencionar que a estimulação por Gs é autolimitante, pois expressa


atividade GTPase intrínseca, que regula a ação da proteína Gs pela conversão de GTP
em GDP. Uma vez inativa, a subunidade α se dissocia da enzima adenilato ciclase,
inativando-a, e retorna ao dímero acoplado ao receptor, ficando disponível para
reiniciar o processo. Receptores acoplados à proteína Gi apresentam efeitos celulares
contrários aos dos estimulados pelos acoplados à proteína Gs. Alguns hormônios
agem por meio da inibição da adenilato ciclase, reduzindo a concentração intracelular
de AMPc, e suprimem a fosforilação de proteínas. De forma semelhante ao receptor
acoplado à proteína Gs, esse mecanismo é associado à proteína Gi – i de inibitória, de
estrutura homóloga à Gs. A ligação do hormônio/sinal a esses receptores promove
os mesmos efeitos ao nível de receptor Gs, porém, em vez de estimular a enzima, esta
será inibida.

38
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II

Outros tipos de receptores acoplados à proteína G são as Gq, que estão associados à
outra enzima de membrana plasmática, a fosfolipase C. Essa enzima é específica para
seu substrato, o fosfolipídeo de membrana plasmática fosfatidil-inositol-4,5-bifosfato
ou PIP2. Quando um ligante específico interage com esse receptor, o complexo formado
catalisa a troca do GDP por GTP da subunidade intracelular, a Gq. Tal modificação causa
a ativação dessa proteína, que causará a ativação da fosfolipase C. Essa enzima catalisará
a formação dos segundos DAG e IP3. O IP3 difunde-se na membrana plasmática
para o retículo endoplasmático, em que se liga a canais de íon cálcio e estimula sua
abertura. Por consequência, temos o aumento da concentração citoplasmática desse
íon, o qual causa, entre diversos outros efeitos, a ativação da proteína quinase C – PKC.
O DAG permanece na membrana plasmática, migrando diretamente para o local em
que a PKC inativa está ancorada. De forma semelhante à PKA, a PKC estará inativa
se determinado domínio estiver ocupando o sítio do substrato, o qual é afastado por
intermédio dos ativadores cálcio e DAG. A PKC também fosforila resíduos de Ser e Thr,
cuja proteína apresenta sequência-consenso para PKC. Existem diversas isoenzimas
PKC distribuídas em vários tecidos, com especificidade para diferentes proteínas-alvo,
as quais incluem citoesqueleto, enzimas e proteínas nucleares que regulam a expressão
gênica. Em conjunto, essa família de enzimas desempenha ampla variedade de ações
nas células, desde regulação neuronal até controle da divisão celular. Um resumo das
sinalizações dos diferentes tipos de proteína G é mostrado na Figura 23:

Figura 23. Resumo da sinalização das diferentes proteínas G.

Gs Gi Gq ßγ

Adenilato Adenilato
ciclase
PLC
ciclase K+ / Ca+²
PI3Kγ

AMPc AMPc IP3 Ca+²

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

É importante salientar que o mesmo ligante/hormônio pode ter efeitos diferentes, o


que depende de alguns fatores como:

» Tipo do receptor do tecido.

39
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal

» Tipo de proteína G acoplada ao receptor.

» Conjunto de enzimas-alvo da PKA nas células. Assim, um sinal extracelular


pode ter efeitos completamente diferentes a depender do tecido e de suas
funções. Para esta e outras vias de transdução de sinal, existem processos
de encerramento da sinalização, essenciais para que se tenha o equilíbrio
na célula. No geral, podem ocorrer por:
› Redução da concentração do ligante no LEC.
› Ação GTPase da própria subunidade Gs.
› Remoção do segundo mensageiro, ou seja, degradação do AMPc pela
enzima fosfodiesterase de nucleotídeo cíclico.
› Ação de fosfoproteínas fosfatases que desfosforilam as proteínas quinases.
› Dessensibilização do receptor.

40
CAPÍTULO 3
Outros tipos de receptores

Receptores transmembrana relacionados


com enzimas
Outros receptores muito envolvidos na sinalização hormonal são aqueles associados a
enzimas. Diferentemente dos acoplados à proteína G, quando ativados, os receptores
associados à quinases causam a fosforilação de diferentes substratos intracelulares,
que, por sua vez, promoverão a estimulação de outros efetores celulares, dando
seguimento à amplificação e à resposta celular ao estímulo. No que tange à sinalização
hormonal, os mais importantes são o receptor tirosina-quinase e os receptores
associados a quinases.

Os receptores tirosina-quinase são uma grande família de proteínas de membrana


plasmática com atividade quinase intrínseca, as quais transduzem os sinais extracelulares
por um mecanismo diferente daquele dos receptores acoplados às proteínas G.
Estruturalmente, esse receptor é um dímero com porção de interação extramembrana
e um sítio ativo enzimático intracelular. O domínio citoplasmático é uma proteína-
quinase que fosforila resíduos de tirosina em proteínas-alvo específicas.

A interação da porção externa com seu ligante promove a dimerização dos


monômeros e a transfosforilação de resíduos de tirosina da enzima acoplada à parte
intracelular devido à atividade enzimática intrínseca no seu domínio citoplasmático.
Desse modo, o domínio intracelular de um monômero fosforila o outro em resíduos
de tirosina. Essa fosforilação desencadeia a agregação de várias proteínas de sinalização
nas caudas do receptor. As tirosinas fosforiladas servem como sítios de ligação
para uma série de proteínas adaptadoras e sinalizadoras, as quais se ativam após
essa ligação.

O exemplo clássico desse tipo de receptor é hormônio insulina (Figura 24). É composto
por duas unidades αβ, sendo α a transmembrana, a qual contém o domínio de ligação
para a insulina; enquanto β é intracelular e tem a atividade proteína-quinase que
transfere grupo fosfato do ATP para grupo hidroxila do resíduo tirosina de algumas
proteínas-alvo. A sinalização por meio de INSR (receptor de insulina ativo) é iniciada
quando uma molécula de insulina se liga entre as duas subunidades do dímero, ativando
a atividade tirosina-quinase intrínseco, quando cada subunidade β transfosforila a outra.
Isso causa modificação conformacional da proteína e expõe o sítio ativo da enzima
acoplada ao receptor, permitindo que ela fosforile outras proteínas.
41
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal

Esse mecanismo de ativação é análogo ao descrito para PKA e PKC, em que se observa
que uma região do domínio citoplasmático afasta-se do sítio ativo após ter sido
fosforilado, deixando a enzima ativa. Quando o INSR é autofosforilado, um de seus
alvos é o substrato 1 do receptor de insulina (IRS-1), cuja fosforilação o torna um
ponto de nucleação para o complexo conjunto de proteínas que levarão a mensagem
da ativação do receptor de insulina a outras regiões celulares, como o núcleo, e a outros
alvos citosólicos, como cascatas de sinalização, que mediarão efeitos metabólicos
(lipogênese, glicogênese e proteinogênese).

Figura 24. Sinalização do receptor de insulina.

Insulina Glicose GLUT-4

PKB

Quinase de IP3
IRS

MAPK Síntese de
glicogênio

Crescimento Diferenciação Ações antiapoptóticas


celular celular celular

Fonte: https://www.lucasnicolau.com/img/postagem/10/2.png (adaptada).

Um dos pontos de ramificação do IRS-1 é a ativação da enzima fosfatidil-inositol 3


quinase (PI3K). Esta se ativa por interação via SH2, um domínio da enzima PI3K que
serve de ponte de ancoragem ao IRS-1. Na sua forma ativa, a PI3K catalisará a conversão
do lipídeo de membrana fosfatidil-inositol-4,5-bifosfato (PIP2) em fosfatidil-inositol-
3,4,5-trifosfato, que permanece associado à membrana plasmática. Esse produto é o
início de outra cascata de fosforilação, envolvendo a proteína quinase dependente de
fosfatidilinositol (PDK1), a qual é ativada alostericamente pelo PIP3, que se fosforila
e ativa a PKB, também conhecida como Akt. A PKB ativa fosforilará resíduos de Ser
e Thr de outras proteínas-alvo, uma das quais é a proteína ASP160 e também a Rab,
que estabilizam as vesículas em que o GLUT 4 (transportador de glicose) permanece
armazenado intracelularmente. Desfazendo o complexo proteico, as vesículas translocam
para regiões marginais da célula, próximo à membrana, em que o GLUT 4 se associa

42
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II

e realiza a captação de glicose. Esse mecanismo é bem conhecido para os tecidos


insulino-dependentes, como músculo esquelético e tecido adiposo. Outro importante
efeito observado por uma cascata ramificada à ativação dos receptores tirosina-quinase
é a síntese de glicogênio hepática; o IRS-1 fosforilado ativa a PI3K, que produzirá o
PIP3, o qual alostericamente ativa a PDK1, que fosforila a PKB (AkT). Essa proteína
fosforilará a glicogênio sintase quinase 3 (GSK3), tornando-a inativa. A GSK3 fosforila
a enzima glicogênio sintase, responsável pela catálise da síntese de glicogênio, que é
inativa na forma fosforilada e ativa na forma desfosforilada. Inibindo a GSK3, a GS
permanecerá ativa e sintetizará glicogênio a partir da glicose.

Receptores associados a quinases


Já os receptores associados a quinases estruturalmente apresentam dois monômeros
que se dimerizam em resposta ao ligante. Essa modificação conformacional aumenta a
afinidade dos domínios intracelulares por uma tirosina quinase, que, então, fosforilará
esses domínios. Isso favorecerá a agregação e ativação de diversas outras proteínas que
mediarão a cascata de sinalização. Esses receptores não possuem atividade enzimática
intrínseca no seu domínio citoplasmático, mas possuem tirosina-quinases associadas ao
receptor, sendo fosforilados pelas quinases associadas, como as JAKs. Essa fosforilação
também desencadeia a agregação de várias proteínas de sinalização nas caudas do
receptor. As tirosinas fosforiladas servem como sítios de ligação para uma série de
proteínas adaptadoras e sinalizadoras, as quais se ativam após essa ligação. Exemplos
clássicos de ligantes que atuam nesse tipo de receptor associado a quinases: citocinas
e hormônio do crescimento.

Receptores com serina/treoninoquinases


Os receptores associados a serinaquinases ou treoninoquinases são membros da
superfamília de receptores do fator de transformação do crescimento (TGF-). Esses
receptores são mediadores importantes do crescimento e da diferenciação celular, que
foram implicados na progressão do câncer e na ocorrência de metástases. Atuam por
meio da fosforilação de resíduos de serina e treonina em proteínas-alvo citoplasmáticas.

Receptores associados a tirosinofosfatases


Semelhantemente à forma com que os receptores associados a tirosinoquinases
fosforilam os resíduos de tirosina de proteínas citoplasmáticas, os receptores com
tirosinofosfatases removem grupos de fosfato de resíduos de tirosina específicos.

43
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal

Em alguns casos, isso pode constituir exemplo de convergência de receptores, no


qual os efeitos diferenciais de dois tipos de receptores podem anular, mutuamente, o
efeito do outro. Entretanto, esses receptores podem ser expressos em células imunes,
de modo que regulam a ativação celular.

Receptores que estimulam a síntese


de GMP cíclico
A guanilato ciclase é uma enzima liase que converte trifosfato de guanosina em
monofosfato e pirofosfato de guanosina cíclicos. Geralmente, faz parte da cascata de
sinalização da proteína G, que é ativada por baixos níveis intracelulares de cálcio e
inibida por altos níveis intracelulares de cálcio. Os receptores com guanilil ciclase (Figura
25) contêm domínio citosólico que catalisa a formação do cGMP com base em GTP.
Os receptores com guanilil ciclases não possuem nenhuma proteína G intermediária.
Com efeito, a ligação do ligante estimula a atividade intrínseca de guanilil ciclase do
receptor, em que o GTP é convertido em cGMP. Esses receptores formam a menor
família de receptores transmembrana. O AMPc e o cálcio são os dois mensageiros
secundários mais espalhados. Porém, as células possuem sistemas de sinalização mais
especializados, incluindo o sistema da guanilato ciclase (GMPc) e óxido nítrico (NO).

Figura 25. Sinalização de receptor acoplado à guanilil ciclase.

Atividade da guanilato
ciclase
GTP GMPc

Fonte: adaptada de Golan, 2014.

Em muitos aspectos, o GMPc é semelhante ao sistema AMPc, incluindo receptores de


membrana e G-proteínas. Entretanto, a guanilato ciclase difere da adenilato ciclase,
pois pode ser parte integral do receptor, portanto é semelhante às proteínas quinases

44
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II

tirosino-específicas. Muitos tecidos contêm forma de guanilatociclase citosólica, não


acoplada com receptores de membra. Em contraste com o AMPc, que afeta uma ampla
variedade de processos, o GMPc funciona como mensageiro especializado, de modo
que é relacionado com o relaxamento da musculatura lisa, a agregação plaquetária e
o sistema visual.

O sistema GMPc passou a ser intensamente estudado na fisiopatologia das doenças


cardiovasculares por ser o sistema efetor final da ação do NO e pela importância do
reconhecimento da disfunção endotelial, como causa ou consequência dessas doenças.
A cascata de eventos que participa da produção e liberação do NO é, em essência,
semelhante à cascata de eventos do sistema AMPc. Também tem a participação das
G-proteínas, que transmitem as informações acopladas em receptores da membrana
da célula endotelial à via fosfatidilinositol, a qual libera o cálcio de suas reservas
endoplasmáticas. Após a estimulação agonista da célula endotelial, via receptor/G-
proteína, a PIP2 fosfodiesterase atua sobre o fosfatidilinositol 4,5-bifosfato (PIP2) para
gerar diacilglicerol (DAG) e inositol-trifosfato (IP3). Então, o IP3 mobiliza o cálcio
intracelular, enquanto a proteína quinase C (PKC) ativada pelo DAG promove o influxo
do cálcio extracelular. Essa hipótese é consistente com o achado de que, em células
endoteliais em cultura, a bradicinina ou o ADP estimula a fosfolipase C a liberar IP3.
Além disso, fosfolipase C exógena pode causar relaxamento dependente do endotélio,
enquanto as fosfolipases B e D não o fazem. Acresça-se, também, que a vasodilatação
dependente do endotélio é potenciada pela inibição da diacilglicerol-quinase. A enzima
que inicia a conversão da L-arginina, em NO, pelo endotélio, denominada óxido nítrico
sintetase, é ativada mediante o aumento desse cálcio citosólico, o qual é mediado pela
calmodulina. O receptor do peptídio natriurético tipo B é um dos receptores de guanilil
ciclase, os quais foram bem caracterizados.

Receptores intracelulares
Os receptores intracelulares estão divididos entre o tipo citoplasmático e os nucleares, e
apresentam efeitos quase exclusivamente relacionados com a modificação da transcrição
de genes, afetando a expressão destes. Justamente por isso, seu alvo final é o DNA,
seja diretamente ou indiretamente, por meio da estimulação de fatores de transcrição.
Em relação à velocidade dos efeitos, são mais demorados que aqueles mediados por
receptores extracelulares, pois estes, no geral, modulam a ativação ou inibição da atividade
de vias de sinalização, ou seja, proteínas já existentes. Os hormônios são moléculas
que atuam nesses receptores e possuem uma característica físico-química interessante
para essa interação fármaco-receptor intracelular: o fato de serem hidrofóbicos.
45
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal

Essa característica é bastante importante para que possam difundir as membranas


biológicas até encontrar seus receptores.

Receptores citoplasmáticos
Exemplo de receptores citosólicos são os fatores reguladores da transcrição. Essas
moléculas atuam como alvos para fármacos lipofílicos, pois estes podem atravessar as
membranas celulares (Figura 26).

Figura 26. Sinalização de receptor intracelular: o receptor para hormônios esteroides, como o cortisol.

Cortisol

Receptor de
hormônios
esteroides

Chaperona

Núcleo

DNA

Fonte: adaptada de Golan, 2014.

Todas as proteínas no organismo são codificadas pelo DNA. A transcrição do DNA


em RNA e a tradução do RNA em proteínas são controladas por um conjunto distinto
de moléculas. A transcrição de muitos genes é regulada, em parte, pela interação entre
moléculas de sinalização lipossolúveis e fatores reguladores da transcrição. Devido ao
papel fundamental desempenhado pelo controle da transcrição em muitos processos
biológicos, os reguladores da transcrição (também denominados fatores da transcrição)
constituem os alvos de alguns fármacos importantes. Os hormônios esteroides formam
46
Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal | Unidade II

uma classe de fármacos lipofílicos que têm a capacidade de sofrer rápida difusão através
da membrana plasmática e exercer suas ações por meio de sua ligação a fatores da
transcrição no citoplasma ou no núcleo (Figura 26).

No geral, ligantes que agem em receptores citoplasmáticos são hidrofóbicos, permeiam


a membrana plasmática e se associam ao receptor no citosol. No geral, como mecanismo
de inibição, os receptores estão ligados à chaperona (Hsp70), evitando que migrem
espontaneamente para o núcleo. Quando o ligante interage com o receptor, ocorre
mudança conformacional, a qual reduz a afinidade da Hsp70. Isso faz com que ela se
dissocie, permita que o complexo receptor-ligante dimerize-se com outra dessa unidade
e, então, migre para o núcleo. No DNA, existe uma região conhecida como elemento
de resposta aos glicocorticoides, genericamente chamada de elemento de resposta a
hormônio, em que o dímero interage com mais outras proteínas para estimular ou
reprimir a expressão de determinados genes que caracterizam as ações biológicas desse
hormônio.

Receptores nucleares
Os receptores nucleares constituem superfamília de fatores de transcrição regulados pela
interação com hormônios. Essa superfamília inclui os receptores de hormônio tireoidiano,
estrogênio, androgênio, glicocorticoide e mineralocorticoide. Aproximadamente, cerca
de 50 receptores nucleares foram identificados em humanos. A organização modular
desses receptores conta com domínio N-terminal, domínio central de interação com
o DNA, domínio curto de conexão e domínio C-terminal, que é o responsável pelo
reconhecimento e pela interação com o ligante. Os ligantes endógenos, como os
hormônios, difundem- se por todas as membranas biológicas, tanto a membrana
plasmática como a nuclear, e encontra proteínas nucleares que são receptores específicos.
Os receptores nucleares, em sua forma não ligada, podem ser encontrados no citoplasma
(receptores esteroides) ou, ainda, no núcleo celular, ligados ao DNA e reprimindo a
transcrição de genes-alvo. A ligação do hormônio induz alterações conformacionais na
proteína receptora e aumenta a afinidade desta por determinadas sequências no DNA,
novamente os elementos de resposta a hormônio. A interação com o ligante inicia um
processo de modificações estruturais, o que culmina com a regulação da transcrição
gênica. Os ligantes esteroides são suficientemente hidrofóbicos para difundirem-se
livremente pela membrana plasmática e atingirem seus receptores no citoplasma celular.
Por outro lado, o hormônio tireoidiano utiliza transportadores que o carreiam para
o interior da célula, e, para isso, utilizam energia. O complexo hormônio-receptor
acoplado intensifica a expressão de genes adjacentes, juntamente com diversas outras
47
Unidade II | Alvos moleculares para fármacos: mecanismos de transdução de sinal

proteínas essenciais para a transcrição. Horas ou dias são necessários para que esses
hormônios exerçam seus efeitos. Esse tempo é suficiente para alterar a síntese de
RNA e, posteriormente, a tradução desta. Agem por meio desse mecanismo de ação
os hormônios tireoideanos, a vitamina D e os retinoides (Figura 27).

Figura 27. Sinalização de um receptor nuclear: o receptor para a ação final da vitamina D.

Vitamina D

Meio
extracelular

Meio
intracelular
Receptor de
Vitamina D

Complexo proteico
formado pela
DNA

Vitamina D ligada
ao receptor de
Vitamina D e ao
Núcleo receptor retinoide

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

48
FARMACOCINÉTICA:
O CAMINHO DO
FÁRMACO PELO UNIDADE III
ORGANISMO
A terapia medicamentosa ideal é aquela que mais se caracteriza como científica e
racional. Essas propriedades proporcionam a seleção de um fármaco adequado para
prevenir, reverter ou atenuar um dado processo patológico. A escolha do fármaco para
tratar ou prevenir determinada condição clínica depende da capacidade desse fármaco
para induzir resposta farmacológica no seu alvo, ou seja, depende de suas propriedades
farmacodinâmicas, como vimos até agora. Entretanto, isso pode não ser suficiente
para o sucesso do tratamento, pois é necessário garantir que o medicamento escolhido
atinja, em concentrações adequadas, o órgão ou sistema suscetível ao efeito benéfico.
Para que isso ocorra, é necessário escolher doses, vias de administração e intervalos
entre doses que garantam a chegada e a manutenção das concentrações terapêuticas
no sítio-alvo. Esquemas terapêuticos inapropriados podem produzir concentrações
insuficientes ou subterapêuticas, dando a falsa impressão que o fármaco não tem eficácia;
ou podem produzir concentrações excessivas, que acarretam toxicidade medicamentosa.
Como mencionado anteriormente, a “janela terapêutica” se situa entre as concentrações
que induzem efeitos parcialmente eficazes (limite mínimo) e potencialmente tóxicos
(limite máximo). Alguns fatores associados ao paciente podem interferir na janela
terapêutica, tais como os exemplificados no Tabela 2.

Tabela 2. Fatores que influenciam a janela terapêutica.

Idade
Sexo
Peso
Raça
Gestação
Tabagismo
Alcoolismo
Abuso e dependência de substâncias
Perfil lipídico
Obesidade
Insuficiência renal
Insuficiência hepática
Genética
Associação entre medicamentos
Fonte: Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

49
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

Tendo esses fatores em mente, podemos supor que um fármaco com propriedades
farmacodinâmicas excelentes fracassará em estudos clínicos caso seja incapaz de alcançar
o seu órgão-alvo em concentração suficiente para exercer efeito terapêutico. Muitas das
características que tornam o corpo humano resistente a danos causados por invasores
estranhos e substâncias tóxicas também limitam a capacidade dos fármacos modernos
de combater os processos patológicos no paciente. O reconhecimento dos numerosos
fatores que afetam a capacidade de um fármaco para atuar em determinado paciente,
bem como da natureza dinâmica desses fatores com o transcorrer do tempo, é de suma
importância para a prática clínica da medicina.

Além dos fatores relacionados ao paciente, que podem causar grande variabilidade nas
concentrações plasmáticas e, consequentemente, na janela terapêutica do fármaco,
deparamo-nos com algumas características da própria molécula, as quais podem
também interferir na sua faixa terapêutica segura (Tabela 3). Podemos citar algumas
dessas características que influenciam as ações dos fármacos:

Formulação farmacêutica: é uma apresentação farmacêutica específica que contém o


fármaco, geralmente em associação com adjuvantes. Também pode conter mais de
um fármaco e uma ou mais substâncias adjuvantes. A forma farmacêutica é o produto
resultante do processo tecnológico, que confere aos medicamentos as características
adequadas para sua administração, o correto doseamento e a eficácia terapêutica.
As formas farmacêuticas podem ser classificadas em líquidas, sólidas e semissólidas.

Tabela 3. Fatores ligados ao fármaco que influenciam a janela terapêutica.

Fatores que influenciam a janela terapêutica


Lipossolubilidade
Coeficiente de partição óleo/água (logP)
Tamanho e forma molecular
Carga elétrica
Estabilidade em água
Estabilidade em temperatura fisiológica (37°C)
Via de administração do fármaco

Fonte: Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

O estabelecimento de esquemas posológicos padrão e de seus ajustes em presença de


situações fisiológicas, levando em conta as características físico-químicas do fármaco,
é orientado por informações provenientes da farmacocinética. A ideia de “cinética”
(movimento) serve para ilustrar essa área da farmacologia, pois indica a movimentação
dos fármacos pelos diferentes sítios orgânicos.

50
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

O estudo da farmacocinética é relativamente recente em termos de história e data de


1937, quando foram documentados os primeiros estudos de distribuição por Teorell.
O termo “farmacocinética” foi utilizado pela primeira vez em 1953, por Dost. A matéria
foi estabelecida como disciplina de estudo nos 1950. Em 1961, foi lançado o primeiro
livro com tais conceitos em farmacocinética (Tabela 4).

Tabela 4. A farmacocinética no contexto da farmacologia.

Para que serve a farmacocinética?


Orientação do fármaco ao tecido-alvo
Desenvolvimento de novos medicamentos

Avaliação da biodisponibilidade para medicamentos inovadores


Avaliação da bioequivalência para similares e genéricos
Farmacocinética clínica

Fonte: Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

A farmacocinética é a parte da farmacologia que estuda o que o organismo faz com o


fármaco, ao passo que a farmacodinâmica, já abordada aqui, descreve o que o fármaco
faz no organismo (Figura 28). Ainda, podemos dizer que a farmacocinética estuda a
velocidade pela qual a concentração do fármaco e de seus metabólitos se alteram nos
líquidos biológicos, tecidos e excretas. Já o termo “equilíbrio farmacocinético” se refere
ao momento em que a concentração do fármaco no plasma e no sítio de ação entram
em equilíbrio. Esse equilíbrio será alterado caso se introduza mais fármaco no sistema
ou caso se inicie o processo de eliminação. Após o processo de eliminação, temos outro
tipo de equilíbrio, agora considerando a saída do fármaco do organismo.
Figura 28. Diferença entre farmacocinética e farmacodinâmica.

Farmacocinética Farmacodinâmica

O que o organismo faz com o O que o fármaco faz com o


fármaco organismo
Dinâmica
Fármaco
Cinética

A
D Efeito
Processos
M farmacocinéticos farmacológico

E
[F] plasma

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

34 51
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

A farmacocinética de um fármaco depende de certas propriedades que determinam


o início, a intensidade e a duração de sua ação. A seguir, serão descritos os principais
processos farmacocinéticos que um fármaco sofre a partir do momento em que é
administrado no organismo (Figura 29):

» Absorção: a absorção ocorre no local de administração, que permite a entrada


do fármaco (direta ou indiretamente) no plasma.
» Distribuição: após sua entrada no organismo, o fármaco pode, reversivelmente,
sair da circulação sanguínea e distribuir-se nos líquidos intersticial e
intracelular.
» Biotransformação/metabolismo: o fármaco pode ser biotransformado no
fígado ou em outros tecidos.
» Eliminação: o fármaco e seus metabólitos são eliminados do organismo na
urina, na bile ou nas fezes.

Figura 29. Fases farmacocinéticas: etapas do caminho do fármaco pelo organismo.

Forma farmacêutica
Liberação do
fármaco
Absorção

Entrada no organismo

Distribuição
Fármaco no
Receptores Reservatórios sítio de
Livres  → Ligados teciduais
Livres  → Ligados
administração
Metabolismo
Circulação
sistêmica

Absorção Fármaco livre Excreção

Metabólitos
Fármaco ligado a Excreção
proteínas plasmáticas

Metabolismo

Fonte: adaptada de Golan, 2014.

Os objetivos do estudo da farmacocinética, na cadeia de produção de fármacos,


encontram-se descritos no Tabela 5.
52
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

Tabela 5. Aplicações da farmacocinética.

Com que objetivos utilizamos, especificamente, a farmacocinética?

Desenvolver modelos matemáticos que descrevam o destino do fármaco no organismo.


Determinar as constantes de velocidade dos processos cinéticos dos fármacos.
Quantificação do fármaco nos espaços em que ele se distribui.
Efetuar predições e extrapolações com base em modelos farmacocinéticos.
Otimizar a posologia para qualquer paciente, individualmente.
Estimar a possível acumulação do fármaco ou metabólito.
Correlacionar concentração do fármaco com atividade farmacológica ou tóxica.
Avaliar diferenças na velocidade e extensão da biodisponibilidade de diferentes
formulações (bioequivalência).
Descrever como mudanças na fisiologia ou doenças afetam os processos de absorção,
distribuição e eliminação de fármacos.

Fonte: Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

53
CAPÍTULO 1
Vias de administração e absorção
de fármacos

Um dos fatores que influenciam altamente a entrega do fármaco para a corrente


sanguínea é a via pela qual o fármaco é administrado. As diferentes formas de administrar
um fármaco são constituídas por técnicas e estruturas orgânicas, com as quais o fármaco
entra em contato para penetrar no organismo, a fim de exercer seu efeito (Tabela 6).

Tabela 6. Vias de administração de fármacos.

Vias parenterais
Vias enterais
Diretas Indiretas
Oral Intravenosa Cutânea
Bucal Intramuscular Respiratória
Sublingual Subcutânea Ocular
Dental Intradérmica Rino e orofaríngea
Retal Intra-arterial Geniturinária
Intracardíaca Vaginal
Intraperitoneal Nasal
Intrapleural Auricular
Intratecal
Peridural
Intra-articular

Fonte: Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Esse primeiro contato, exceto para fármacos de ação local, é processado longe do efetor,
órgão ou tecido em que se localiza o sítio de ação. As propriedades relacionadas à
absorção, distribuição e eliminação do medicamento são substancialmente influenciadas
pela via de administração. A escolha da via de administração do medicamento deve
considerar o tipo de ação desejada, a rapidez de ação e a natureza do medicamento.
A representação das diferentes vias de administração pode ser visualizada na Figura 30.
As vias de administração de fármacos podem ser divididas em:

» Vias enterais: o fármaco entra em contato com qualquer segmento do trato


digestivo (vias sublingual, bucal, oral e retal).

» Vias parenterais: não utilizam o tubo digestivo. Essas vias podem ser divididas
em diretas (intravenosa, intramuscular e subcutânea) e indiretas (cutânea,
respiratória e conjuntival).

54
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

A seguir, veremos mais alguns detalhes sobre as principais vias de administração de


fármacos:

Via enteral
A administração enteral, ou administração pela boca, é o modo mais seguro, comum,
conveniente e econômico de administrar os fármacos. O fármaco pode ser deglutido,
por via oral; ou pode ser colocado sob a língua (sublingual) ou entre a bochecha e a
gengiva (bucal), facilitando a absorção direta na circulação sanguínea.

Oral
Os fármacos orais são facilmente autoadministrados, o que é relevante para a autonomia
do paciente. A toxicidade e/ou a dosagem excessiva podem ser neutralizadas com
antídotos, como o carvão ativado, ou por meio de lavagem gástrica ou indução de êmese.
Tal via proporciona comodidade de aplicação e alcance mais gradual das concentrações
plasmáticas, o que minimiza a intensidade dos efeitos adversos. Essa via também pode
ser empregada para obtenção de efeitos locais de fármacos não absorvíveis, utilizados
no controle de distúrbios gastrintestinais, como os fármacos antiácidos e antibióticos
para tratamento de infecções do trato gastrintestinal.

Figura 30. Representação das vias de administração de fármacos.

Via ótica
Vias parenterais
Via ocular principais:
IV, SC e IM
Via inalatória

Via oral

Vias sublingual
e bucal

Via Via
transdérmica tópica

Epidural

Via retal

Fonte: adaptada de Whalen; Finkel; Panavelil, 2016.

55
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

Quando se desejam efeitos sistêmicos, a administração oral não é adequada para


fármacos que possuem baixa absorção pela mucosa digestiva, pois são inativados
pelos sucos digestivos, formam complexos insolúveis com os alimentos, sofrem
metabolismo de primeira passagem ou são muito irritantes para a mucosa digestiva.
Também não deve ser usada essa via em situações de êmese ou impossibilidade de
deglutição. A absorção oral é influenciada pela alimentação. A absorção de fármacos
lipossolúveis aumenta em presença de alimentos ricos em gorduras. O aumento do
pH do suco gástrico dificulta a absorção de ácidos fracos no estômago. Retardo ou
aceleração de esvaziamento gástrico afetam a velocidade de absorção nos primeiros
segmentos intestinais. Alguns fármacos quelam sais metálicos contidos nos alimentos
e formam compostos insolúveis, os quais são excretados pelas fezes. Esses fatores
determinam se um fármaco deve ser administrado junto ou afastado das refeições.
Algumas características inerentes ao fármaco podem diminuir a adesão do paciente
ao fármaco pela via oral, por exemplo, sabor ou odor desagradáveis. Ainda, as vias
envolvidas na absorção oral são complexas, e o baixo pH do estômago inativa certos
fármacos. Ampla gama de preparações orais é disponibilizada, incluindo preparações
revestidas (entéricas) e de liberação prolongada.

» Preparações revestidas (entéricas): o revestimento entérico é o envoltório


químico que protege o fármaco do ácido gástrico. O revestimento proporciona
a liberação do fármaco apenas no intestino (a média do pH intestinal fica
na faixa de 7−8.5), em que o envoltório se dissolve e permite a liberação do
fármaco. Os revestimentos de comprimidos são úteis para certos fármacos
que são instáveis em meio ácido, como é o caso do omeprazol, o qual, apesar
de exercer sua ação na mucosa estomacal, deve ser absorvido no intestino
e alcançar seu alvo, pela corrente sanguínea, para evitar degradação no
ph do estômago. Fármacos que são irritantes ao estômago, como o ácido
acetilsalicílico, podem ser formulados com revestimento que será dissolvido
no intestino delgado, impedindo alguns efeitos adversos, por exemplo, a
agressão à mucosa estomacal.

» Preparações de liberação prolongada: em terapia crônica, instalação mais


lenta de efeitos pode ser até desejável. Essa tem sido a justificativa para o
uso de preparações de liberação controlada, por meio das quais os picos
são atenuados e a duração de efeito prolongada, o que propicia menores
efeitos tóxicos e maiores intervalos entre doses, aumentando a adesão ao
tratamento e evitando administrações durante a noite. Medicamentos de
liberação prolongada, liberação modificada, longa ação ou liberação lenta

56
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

possuem revestimentos especiais ou estão submersos em matriz polimérica


que controla a liberação do fármaco, permitindo, assim, absorção mais lenta
e duração de ação mais longa. As formulações de liberação prolongada
podem ser administradas com menor frequência, aumentando a adesão do
paciente ao tratamento e diminuindo o risco de esquecimentos e confusões,
principalmente em pacientes que utilizam polifarmácia. Além disso, as
formas de liberação prolongada podem manter as concentrações na faixa
terapêutica por um período longo de tempo, em contraste com as formas
de liberação imediata, que podem resultar em picos e vales maiores nas
concentrações plasmáticas.

Sublingual e bucal

A colocação do fármaco sob a língua permite que ele se difunda rapidamente na rede
capilar local e alcance diretamente a circulação sistêmica. A administração sublingual
tem várias vantagens, incluindo facilidade de administração, absorção rápida e desvio
do ambiente gastrintestinal, que pode limitar a ação e velocidade de ação do fármaco.
Ainda, essa via de administração evita o metabolismo de primeira passagem hepático,
o que pode ser útil para fármacos que sofrem altas taxas de metabolização e geram
metabólitos inativos. A via sublingual é útil para situações de emergência, por exemplo,
a nitroglicerina sublingual para controlar rapidamente altos níveis de pressão arterial
ou, então, o clonazepam sublingual para controlar crises de pânico. Os comprimidos
de ação sublingual devem ser dissolvidos inteiramente pela saliva, de modo que não
podem ser deglutidos. A via bucal (entre a bochecha e a gengiva) tem propriedades
semelhantes às da via sublingual, mas não é quase utilizada, salvo para a administração
de fármacos de efeitos locais, porque há dificuldade de conservar soluções ou outras
formas farmacêuticas em contato com a mucosa oral devido à ação diluidora da saliva.

Via retal

Essa via é utilizada em pacientes impossibilitados de fazer uso da via oral, que apresentam
vômitos, estão inconscientes ou não sabem deglutir, como as crianças pequenas. Essa
via protege parcialmente fármacos suscetíveis à inativação gastrintestinal e hepática,
pois somente 50% do fluxo venoso retal tem acesso à circulação porta. A absorção
pode ser errática ou incompleta, especialmente em pacientes com motilidade intestinal
aumentada. Algumas desvantagens incluem o fato de a mucosa retal conter enzimas
que também podem metabolizar e inativar certos fármacos. Ademais, pode haver
irritação da mucosa retal pela ação do fármaco e/ou pelos excipientes da formulação.

57
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

Via parenteral
A via parenteral direta introduz o fármaco diretamente na circulação sistêmica. Faz-se
uso dessa via quando queremos administrar fármacos que são pouco absorvidos no
trato gastrintestinal ou que sofrem degradação pela via entérica (heparina, insulina).
Tal via de administração também é usada no tratamento do paciente impossibilitado de
tomar a medicação oral (paciente inconsciente) ou quando se deseja efeito mais agudo
da ação do fármaco. Além disso, as vias parenterais têm maior biodisponibilidade,
pois entregam maior porcentagem do fármaco à corrente sanguínea e permitem ao
fármaco escapar do metabolismo de primeira passagem ou do meio agressivo do trato
gastrointestinal. Por essas vias, temos maior controle sobre a dose real de fármaco
administrada ao organismo. Algumas desvantagens dessas vias: são irreversíveis;
causam dor, medo e ansiedade na hora da administração; induzem lesões; e propiciam
o aparecimento de infecções. Existem várias formas de administração parenteral, mas
a intravascular (intravenosa ou intra-arterial), intramuscular e subcutânea são as três
principais.

Intravenosa

A injeção intravenosa é a via parenteral mais comum. Essa via de administração é


útil para fármacos que não são absorvidos por via oral, e permite efeito rápido e grau
de controle máximo sobre a quantidade de fármaco administrada. O acesso venoso é
mais facilmente obtido que o arterial, o que facilita a administração. Quando injetada
em bolus (administração de um fármaco em grande velocidade, com objetivo de
aumentar rapidamente a sua concentração no sangue), toda a dose de fármaco é
administrada na circulação sistêmica quase imediatamente. Se for administrado como
infusão intravenosa, o fármaco é infundido em período de tempo maior, resultando
em pico de concentração plasmática mais baixo e aumento da duração do nível do
fármaco circulante. Dessa forma, controlando a velocidade de infusão, é possível
controlar o pico plasmático do fármaco, bem como a duração de seu efeito (Figura 31).
A administração intravenosa é vantajosa para fármacos que podem causar irritação
quando administrados por outras vias, uma vez que o fármaco se dilui rapidamente
no sangue. A administração intravenosa pode, inadvertidamente, causar infecção por
meio de contaminação no local da injeção. Ela também pode precipitar constituintes
do sangue, causar hemólise ou outras reações adversas se for introduzida muito
rapidamente ou se alcançar concentrações elevadas. Por isso, os pacientes devem ser
cuidadosamente monitorados quanto a reações desfavoráveis, e a velocidade de infusão
deve ser cuidadosamente controlada.

58
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

Soluções aquosas puras podem ser injetadas de forma intermitente ou por infusão
contínua, usadas quando níveis plasmáticos mais atenuados e constantes se fazem
necessários. Enquanto o primeiro método tem a desvantagem de múltiplas punções,
exigindo viabilidade permanente de uma veia, o segundo apresenta a vantagem de fácil
suspensão na ocorrência de reações indesejadas. A injeção intermitente deve ser executada
lentamente, em geral com monitoramento dos efeitos apresentados pelo paciente.
Na forma de administração em bolus, mencionada anteriormente, existe o perigo de
alcançar imediatas e altas concentrações, indutoras de efeitos adversos não relacionados ao
fármaco, mas, sim, à chegada de soluções muito concentradas a alguns tecidos. As reações
mais comuns são respiração irregular, queda da pressão sanguínea e arritmias cardíacas.

Figura 31. Efeito da velocidade de infusão intravenosa sobre a concentração plasmática máxima de um fármaco e a duração
de sua ação.
Concentração plasmática do fármaco

Absorção rápida

Absorção lenta

Tempo

Fonte: adaptada de Golan et al., 2014.

Outro perigo da injeção intravenosa é a introdução acidental de material particulado


ou de ar na veia, acarretando embolização a montante, eventualmente fatal. Por tudo
isso, a via intravenosa é considerada a menos segura, devendo ser reservada para
situações em que está especificamente indicada. Também apresenta inconvenientes
como necessidade de assepsia, incomodidade para o paciente, dificuldade de execução,
menor segurança – já que efeitos agudos e intensos podem ser também adversos –, maior
custo das preparações injetáveis e efeitos indesejáveis locais (flebite, infecção, trombose).

Intramuscular

A absorção por via intramuscular é geralmente rápida quando administradas soluções


aquosas, propiciando o início rápido dos efeitos terapêuticos. É considerada mais

59
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

segura do que a via intravenosa. Para que fármacos sejam por ela administrados, é
necessário que permaneçam em solução nos líquidos intersticiais até serem absorvidos
e, para isso, exige-se suficiente solubilidade em água no pH fisiológico. Caso contrário,
os fármacos precipitam no local de injeção e não difundem até os capilares, de
modo que a absorção é incompleta e muito lenta. Algum grau de lipossolubilidade
é necessário para permear as células endoteliais dos capilares. O fluxo sanguíneo na
massa muscular, determinante da velocidade absortiva por essa via, aumenta durante o
exercício, diminui no repouso e praticamente cessa na vigência de choque, hipotensão,
insuficiência cardíaca congestiva e outras situações que afetam a perfusão sanguínea.
Pode-se acelerar a absorção intramuscular mediante calor local, massagem e exercício.
As soluções utilizadas são aquosas (absorção mais rápida), oleosas e suspensões (absorção
mais lenta). Todas devem ser administradas pelo método da injeção profunda, para
que pele e tecido subcutâneo sejam ultrapassados. Podem ocorrer efeitos adversos
locais como dor, desconforto, dano celular, hematoma, abscessos estéreis ou sépticos e
reações alérgicas. As manifestações sistêmicas se devem ao fármaco, e não à via em si.

Figura 32. Influência da via de administração sobre o perfil de concentrações plasmáticas.

IV
Concentração plasmática do fármaco

IM

oral

retal

Tempo

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Por via intramuscular também podem ser administradas formulações de absorção


sustentada, constituídas de suspensões ou compostos tipo éster ou associações
com solventes orgânicos viscosos. Essas preparações de depósito são gradualmente
solubilizadas, oferecendo pequenas frações de dose para serem absorvidas ao longo
do tempo. Essas formas farmacêuticas eliminam a necessidade e o desconforto de
injeções frequentes, mas podem ter absorção errática. Um aspecto que diz respeito à

60
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

administração de fármacos por via intramuscular é o questionamento sobre a aspiração


prévia à injeção, que objetiva assegurar que o fármaco não seja injetado no interior
de vaso sanguíneo. Exemplos de fármacos de liberação prolongada: o antipsicótico
haloperidol e o depósito de medroxiprogesterona.

Subcutânea

Vias subcutânea e submucosa abrangendo, respectivamente, áreas abaixo de pele e


mucosas preveem absorção rápida, pois o fármaco só necessita ultrapassar células
endoteliais para chegar à corrente circulatória. O fluxo sanguíneo regional é o maior
determinante da velocidade de absorção. Uso de vasoconstritores prolonga os efeitos
locais, e aplicação de calor ou massagem acelera a absorção. Essa via de administração,
como a intramuscular, oferece absorção por difusão simples e é mais lenta do que a
via intravenosa. A injeção SC minimiza os riscos de hemólise ou trombose associados
à injeção intravenosa e pode proporcionar efeitos lentos, constantes e prolongados.
Tal via não deve ser usada com fármacos que causam irritação tissular, porque pode
ocorrer dor intensa e necrose. Fármacos administrados comumente por via subcutânea
incluem insulina e heparina. A via intradérmica contacta o fármaco com a derme
mediante injeção ou por raspado da epiderme. Nesse contexto, fármacos são absorvidos
mais lentamente que por via subcutânea. Devido às pequenas quantidades administradas,
é utilizada somente para testes diagnósticos e vacinação.

Outras vias de administração de fármacos


A via intraperitoneal propicia absorção rápida, pois é superfície ampla e ricamente
vascularizada. É corriqueiramente empregada para administrar fármacos em pequenos
animais de experimentação, sendo de mais difícil acesso no homem, em quem se
temem formação de aderências e surgimento de infecções. A via intratecal (espaço
subaracnoidiano e ventrículos cerebrais) é utilizada para administrar fármacos que
não atravessam a barreira cérebro-sangue, como alguns antimicrobianos. Requer
técnica especializada e não é isenta de riscos, sendo excepcionalmente usada com esse
objetivo. Mais frequentemente, entretanto, a via subaracnoidiana é acessada na medula
para raquianestesia. A via peridural utiliza o espaço delimitado pela dura-máter que
circunda a medula, de modo que é alternativa à via subaracnoidiana para anestesia de
medula espinal e raízes nervosas. A via intra-arterial também é raramente empregada
por causa das dificuldades técnicas e dos riscos que oferece. A justificativa de uso tem
sido a de obter altas concentrações locais de fármacos, antes de ocorrer sua diluição por
toda a circulação. Uma variante é a via intracardíaca, a qual está em desuso desde que

61
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

foi substituída pela punção de grandes vasos venosos para administrar fármacos em
reanimação cardiorrespiratória. Por via intra-articular se injetam fármacos no interior
da cápsula articular, por exemplo, os fármacos corticoides utilizados no tratamento de
dores articulares em doenças articulares crônicas, como a artrite reumatoide.

Absorção de fármacos
Absorção é a transferência de um fármaco do seu local de administração para a corrente
sanguínea. A velocidade e a eficiência da absorção dependem do ambiente em que o
fármaco é absorvido, das suas características químicas e da via de administração (o que
influencia sua biodisponibilidade). A via intravenosa entrega o fármaco diretamente
à corrente sanguínea, não havendo, portanto, a etapa de absorção por essa via.
Desse modo, diz-se que a biodisponibilidade do fármaco é 100%. As demais podem
resultar em absorção parcial e menor biodisponibilidade.

Biodisponibilidade
Esse conceito se refere à quantidade de fármaco contida em uma formulação, que é
efetivamente absorvida e chega à circulação sistêmica após a administração extravascular,
quando comparada com a administração intravascular (Figura 33).

Dois produtos farmaceuticamente equivalentes são considerados bioequivalentes quando


as taxas de biodisponibilidade dos ingredientes ativos não diferirem significativamente
nas condições de testagem.

Figura 33. Influência da biodisponibilidade sobre o perfil de concentrações plasmáticas.


Concentração plasmática do fármaco

Via oral, SC ou IM com


Via IV 100% de
biodisponibilidade

Via oral, SC ou IM com


50% de biodisponibilidade

Tempo
Fonte: adaptada de Golan, 2014.

62
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

Vias de absorção de fármacos administrados por


via enteral
A biodisponibilidade pode ser afetada pelo grau de desintegração e dissolução das
formas farmacêuticas nos fluidos orgânicos. O mesmo princípio ativo pode ter
variável biodisponibilidade em diferentes formulações farmacêuticas, provenientes
de fabricantes diversos ou até entre lotes do mesmo fabricante. Isso decorre de
ingredientes farmacotécnicos empregados, métodos de manufatura, controle de
qualidade, procedimentos de embalagem e estocagem. O fármaco, para exercer seu
feito, deve conseguir chegar ao tecido/órgão-alvo e, para isso, deve ser absorvido nos
tecidos extravasculares (Figura 34).

Figura 34. Absorção de fármacos.

Sítio de
Fármaco Absorção
ação

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Alguns fatores podem alterar a eficiência de absorção de alguns fármacos, conforme


consta na Tabela 7.

Tabela 7. Fatores que alteram a absorção de fármacos.

Quais os fatores que podem modificar a cinética de absorção de fármacos?


Alguns fatores podem influenciar a passagem de fármacos através de membranas
biológicas, bem como alterar a velocidade e sua cinética de absorção. São alguns dos
principais modificadores de absorção:
Circulação local: quando a membrana não oferece resistência, o movimento do fármaco
é limitado pelo fluxo sanguíneo.
Superfície de absorção: determina a velocidade do processo de absorção e depende da
via de administração.

63
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

Permeabilidade da membrana: membranas com maiores espessuras oferecem maior


resistência ao transporte do fármaco.
Alimentos.
Estado psicológico.
Associação com outros fármacos.
Solubilidade do fármaco.
Concentração do fármaco.
Tamanho de partícula do fármaco.
Forma farmacêutica.
Via de administração.
pH.
Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

A importância do pH no local da absorção


do fármaco
O pH tecidual é um dos principais fatores que alteram a absorção de fármacos.
Os fármacos atravessam a membrana na sua forma mais lipofílica, ou seja, não
ionizada. Dependendo da natureza do fármaco, ele irá ou não se ionizar em
determinado pH. Para quantificar o grau de ionização, usamos o gradiente de pH
através da membrana e a medida de pKa, que nada mais é que o pH, de modo que
50% do fármaco está em sua forma ionizada. O pKa é determinado pela equação de
Henderson-Hasselbach.

As formas ionizadas (BH+ou A-) possuem lipossolubilidade muito baixa, sendo incapazes
de atravessar as membranas, exceto quando existe um mecanismo de transporte
específico. Dessa forma, fármacos ácidos fracos ionizam-se em pH alcalino; e fármacos
bases fracas ionizam-se em pH ácido. Exemplo interessante é o do ácido acetilsalicílico,
um fármaco fracamente ácido com pKa ~ 4. Veremos agora como é sua absorção no
ambiente do estômago (pH ~ 1):

pKa=pH + log (HA)/ (A-)

pKa (fármaco)–pH (estômago)= log (HA)/(A-)

4 –1 = log (HA)/(A-)

log (HA)/ (A-) = 3

(HA)/(A-) = 1000 →(HA)= 1000 x (A-)

64
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

Figura 35. Equação de Henderson-Hasselbach.

Grau de ionização: sequestro pelo pH

50% do Fármaco
Ácido fraco HA H+ + A- está na forma
ionizada

Base fraca BH+ B + H+

Equação de Henderson-Hasselbach

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

A forma não ionizada (1000 vezes a quantidade da não ionizada) predominará no meio
ácido do estômago. Essa forma do fármaco não polarizada favorece o seu transporte
pela bicamada lipídica da mucosa gástrica, acelerando sua absorção. Mesmo assim, esse
fármaco é mais absorvido no intestino, de modo que o pH (~6,5) favorece a forma
ionizada. Mas por quê? Devido a um outro fator que altera a absorção de fármacos:
a superfície de contato. O intestino delgado tem uma superfície de contato absortiva
de aproximadamente 250 m2, o que ultrapassa a capacidade de absorção do estômago,
mesmo que o fármaco tenha dissociação melhor em meio ácido.
Dependendo das suas propriedades químicas, os fármacos podem ser absorvidos do
trato gastrointestinal por:
» Difusão passiva: o que move o fármaco através da membrana que separa
dois compartimentos corporais é o seu gradiente de concentração, ou seja,
o fármaco sai da região de concentração alta para a de concentração baixa.
A difusão passiva não envolve transportador, não é saturável e apresenta
baixa especificidade estrutural. A maioria dos fármacos é absorvida por
esse mecanismo. Os fármacos hidrossolúveis atravessam as membranas
celulares através de canais ou poros aquosos, e os lipossolúveis atravessam as
membranas biológicas, pois têm polaridade semelhante à bicamada lipídica.
» Difusão facilitada: alguns fármacos podem entrar na célula através de
proteínas transportadoras transmembrana específicas para o fármaco, as quais
65
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

facilitam a passagem de moléculas grandes. Essas proteínas transportadoras


sofrem alterações conformacionais, permitindo a passagem de fármacos ou
moléculas endógenas para o interior da célula, movendo-os de áreas de alta
concentração para áreas de baixa concentração. Esse processo não requer
energia, pode ser saturado e inibido por compostos que competem pelo
transportador.
» Transporte ativo: essa forma de entrada de fármacos também envolve
transportadores proteicos específicos que atravessam a membrana. O
transporte ativo dependente de energia é movido pela hidrólise de trifosfato
de adenosina. Ele é capaz de mover fármacos contra um gradiente de
concentração. Dessa forma, pode transportar fármacos de uma região com
baixa concentração de fármaco para outra com concentração mais elevada.
Esse processo é saturável, seletivo e pode ser inibido competitivamente por
outras substâncias.
» Endocitose e exocitose: esses tipos de processos absortivos são usados
para transportar fármacos muito grandes através da membrana celular. A
endocitose envolve o englobamento de moléculas do fármaco pela membrana
plasmática e seu transporte para o interior da célula mediante a compressão
da vesícula cheia de fármaco. A exocitose é o inverso da endocitose. Muitas
células usam a exocitose para secretar substâncias para fora, por um processo
similar ao da formação de vesículas. A vitamina B12 é transportada através
da parede intestinal por endocitose, ao passo que certos neurotransmissores
são armazenados em vesículas intracelulares no terminal nervoso e, então,
liberados por exocitose.

66
CAPÍTULO 2
Distribuição de fármacos

Distribuição é o processo pelo qual um fármaco reversivelmente é transferido do


leito vascular, entra no líquido extracelular e é, então, difundido para as células dos
tecidos. A distribuição determina a disposição do fármaco no organismo. No caso de
fármacos administrados por via intravenosa (como mencionado anteriormente, não
há absorção por essa via), a distribuição é a fase farmacocinética inicial imediatamente
após a administração do fármaco.

A passagem do fármaco do plasma ao interstício depende do débito cardíaco e do


fluxo sanguíneo regional, da permeabilidade capilar, do volume do tecido, do grau
de ligação do fármaco às proteínas plasmáticas e tissulares, da lipofilicidade relativa
do fármaco e do grau de ionização do fármaco. A permeabilidade capilar é um dos
fatores importantes para a distribuição de fármacos. Ela é determinada pela estrutura
capilar e natureza química do fármaco. A estrutura capilar varia em termos de fração
exposta da membrana basal com junções com fenestras entre as células endoteliais.
No fígado e no baço, uma fração significativa da membrana basal é exposta em razão de
os capilares serem descontínuos e grandes, por meio dos quais podem passar grandes
proteínas plasmáticas. No sistema nervoso central, a estrutura capilar é contínua e
não existem fenestras. Para entrar no sistema nervoso central, o fármaco precisa
passar através das células endoteliais dos capilares do SNC ou deve ser transportado
ativamente (Figura 36). As principais barreiras fisiológicas que limitam a passagem e
distribuição dos fármacos no organismo são:

» Barreira hematoencefálica: presença de capilares não fenestrados.

» Barreira placentária: somente fármacos lipossolúveis.

» Barreira hematotesticular: somente passam substâncias pouco polares.

Outro fator que altera a distribuição de fármacos é a ligação a proteínas do plasma e


dos tecidos. A ligação reversível às proteínas plasmáticas, principalmente a albumina,
fixa os fármacos de forma que eles não possam se difundir para os compartimentos
celulares, atrasando sua transferência para fora do compartimento vascular. A albumina
pode atuar como reserva de fármaco e, à medida que a concentração do fármaco livre
diminui, devido à eliminação, o fármaco ligado se dissocia dessa proteína. Esse fenômeno
conserva a concentração de fármaco livre como uma fração constante do fármaco total
no plasma. Vários fármacos se acumulam nos tecidos, acarretando concentrações mais
elevadas no tecido do que no líquido extracelular e no sangue. Os fármacos podem

67
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

ficar acumulados nos tecidos como resultado da ligação a lipídeos, proteínas ou ácidos
nucleicos. Os fármacos também podem ser transportados ativamente aos tecidos. Os
reservatórios nos tecidos podem servir de fonte principal de fármaco e prolongar sua
ação ou causar toxicidade local. Alguns exemplos incluem a acroleína, metabólito da
ciclofosfamida, que pode causar cistite hemorrágica porque se acumula na bexiga;
o lítio, que se liga aos eritrócitos; o chumbo, que se acumula no tecido ósseo; e os
benzodiazepínicos, que se acumulam no tecido lipídico.

Figura 36. Estrutura fenestrada dos capilares hepáticos e justapostos da barreira hematoencefálica.

Capilares do fígado

Fenestras entre as células endoteliais


Barreira hematoencefálica Capilares periféricos permitem a passagem de fármacos entre a
corrente sanguínea e o líquido intersticial
Junções justapostas

Fenestra
Fármaco

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Volume de distribuição (VD)


Do ponto de vista prático, só se mede a concentração de fármacos no sangue, no plasma
e, eventualmente, no líquido cefalorraquidiano, embora haja acessibilidade a outros
fluidos orgânicos. Entretanto, depois de se completar a distribuição, existe relação
constante entre as quantidades de fármaco no plasma e no restante do organismo.
Geralmente, não é possível determinar quantitativamente a distribuição de um
fármaco nos diversos tecidos. A distribuição é quantificada, a partir do conceito de
compartimentos, pelo volume de distribuição. Compartimento, em farmacocinética, é
uma simplificação matemática do organismo, correspondendo ao espaço (volume) em
que se distribui o fármaco. Conhecendo-se concentração sanguínea e quantidade total
administrada (dose) do fármaco, pode-se calcular o volume em que este se distribuiu,
segundo a fórmula que será apresentada logo a seguir. O volume de distribuição é
uma medida da extensão da distribuição além do plasma. Pode ser conceituado como

68
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

o volume no qual o fármaco deve dissolver-se para que sua concentração se iguale à do
plasma. Para alguns fármacos, restritos ao compartimento intravascular, o volume de
distribuição é similar ao do plasma. Ao contrário, há fármacos que se concentram nos
tecidos, por isso têm volume de distribuição maior que o plasmático. A determinação
do volume de distribuição dos diversos fármacos, em litros, mostra, muitas vezes,
números irreais (Figura 37). O diazepam, por exemplo, tem volume de distribuição
de 140 L, correspondente, aproximadamente, ao dobro do volume de um indivíduo
de 70 kg. A causa desse fato é que o diazepam se concentra mais em outros tecidos do
que no sangue. Já o clordiazepóxido tem volume de distribuição de 28 L. Esses valores
ilustram que “volume de distribuição” é um conceito matemático, e não anatômico, por
isso é referido como “volume aparente de distribuição” (VAD). Em geral, os fármacos
mais lipossolúveis e de menor peso molecular têm maior volume de distribuição,
dada a sua maior facilidade em atravessar membranas. O volume de distribuição dos
fármacos, apresentado em litros por quilograma, é um dos parâmetros empregados
para o cálculo de doses e intervalos dos medicamentos.

Figura 37. Volume aparente de distribuição de fármacos.

Volume de distribuição
Volume necessário para o fármaco estar distribuído homogeneamente entre o
sangue e os tecidos

Calculado para adultos de 70kg


Expresso em: litros em relação ao peso (kg) corporal

𝑑𝑑 =
V𝑑𝑑

Pessoa de 70 Kg ~ 5 L sangue ~ 3 L plasma ~ 40 L de água no organismo


Extracelular ~ 12 L / Intracelular ~ 28 L

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

69
CAPÍTULO 3
Metabolismo e eliminação de fármacos

A biotransformação submete o fármaco a reações químicas, geralmente mediadas por


enzimas, que o convertem em composto diferente do originalmente administrado.
Fármacos mais lipossolúveis necessitam ser transformados previamente à excreção.
A biotransformação se processa, sobretudo, no fígado (também ocorre em pulmões,
mucosa intestinal, pele, placenta) e consiste em carregar eletricamente o fármaco para
que, ao passar pelos túbulos renais, não seja reabsorvido. Esse processo, em geral,
inativa o fármaco, pois, além de modificar pontos fundamentais de sua estrutura,
diminui a possibilidade de que chegue aos tecidos suscetíveis. A biotransformação é,
para esses fármacos, sinônimo de eliminação. Algumas vezes, entretanto, originam-se
metabólitos ativos ou até mais ativos que o fármaco administrado, então denominados
“pró-fármacos” (Figura 38). Nesse processo, o fígado tem o papel estratégico de
proteger o organismo de compostos potencialmente lesivos. Para tanto, utiliza várias
reações fortemente aliadas à expressão gênica de membranas transportadoras que
excretam os produtos da biotransformação na bile e evitam sua reabsorção via intestino.
Também, no fígado, ocorrem variadas e raras lesões idiossincrásicas induzidas por
fármacos, que se desenvolvem independentemente de dose, via de administração e
duração de tratamento, cuja fisiopatogenia é desconhecida.

Figura 38. Biotransformação de fármacos.

FÁRMACO Metabólito

ATIVO INATIVO

Anfetamina Fenilaceton
Fenobarbital a
Fenobarbital-OH

ATIVO TÓXICO
Paracetamol N-acetil-p-
benzoquinona
PRÓ-FÁRMACO
INATIVO ATIVO
Enalapril Enalapril diácido

ATIVO ATIVO
Codeína Morfina
Morfina Morfina-6-glicuronídeo

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

70
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

Reações do metabolismo de fármacos


Para que ocorra a eliminação dos fármacos do nosso organismo, eles devem ser
biotransformados, pois os rins não conseguem eliminar os fármacos lipofílicos de modo
eficiente devido ao fato de que facilmente atravessam as membranas celulares e são
reabsorvidos nos túbulos contorcidos distais. Por essa razão, os fármacos lipossolúveis
são, antes, metabolizados no fígado. Desse modo, são biotransformados em substâncias
mais polares/hidrofílicas (Figura 38).

O fármaco pode sofrer uma ou mais reações metabólicas, ou biotransformações, até


que se produza uma molécula com características físico-químicas compatíveis para os
processos de excreção. Alguns fármacos apenas precisam ser oxidados para produzirem
metabólitos passíveis de excreção; outros fármacos precisam de adição molecular à
sua estrutura, de modo que é necessária a conjugação com moléculas mais hidrofílicas;
e alguns fármacos precisam de ambas reações. A primeira reação é preparatória,
produzindo composto intermediário que ainda deverá sofrer nova reação, gerando-se
ao final um metabólito polar, hidrossolúvel, capaz de ser excretado. As reações iniciais
são chamadas de fase I e incluem oxidações, reduções e hidrólises. As outras, de fase
II ou sintéticas, compreendem conjugações e acetilações. As reações de fase I podem
originar metabólitos ativos ou inativos (Figura 38). Após a fase II, a maioria dos
fármacos está inativada.

Reações de fase 1

As reações de metabolização de fase I convertem fármacos lipofílicos em moléculas


mais polares, introduzindo ou desmascarando um grupo funcional polar, como os
grupamentos hidroxila (–OH) ou amina (–NH2) nos fármacos que passam pelo sistema
hepático ou pelo intestino (também possui enzimas metabolizadoras). As reações de
fase I, em geral, envolvem redução, oxidação ou hidrólise (Figura 39).

A biotransformação de fase I pode aumentar ou diminuir a atividade farmacológica, ou


ainda não ter efeito sobre ela, dependendo do tipo de metabólito formado. Se o metabólito
for ativo, isso repercutirá na janela terapêutica e no índice terapêutico, uma vez que
poderão ser induzidos efeitos tóxicos caso a dose seja aumentada inadequadamente,
caso haja falha no sistema de depuração ou, ainda, caso ocorra alguma interação
medicamentosa que aumente a atividade das enzimas que produzem tal metabólito.

Sistema do citocromo P450 (CYP450): as reações de fase I envolvidas com maior


frequência na biotransformação de fármacos são catalisadas pelo sistema citocromo

71
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

P450, também chamado de oxidases microssomais de função mista. O CYP450 é


importante para a biotransformação de vários compostos endógenos (como esteroides
e lipídeos) e para a biotransformação de substâncias exógenas, estas chamadas de
xenobióticos.

O CYP450 é uma superfamília de isoenzimas que contém grupamentos heme, presentes


na maioria das células, mas principalmente no fígado e no trato gastrintestinal.
As enzimas CYP450 exibem considerável variabilidade genética entre indivíduos e
grupos raciais. Variações na atividade do CYP450 podem alterar a eficácia dos fármacos
e o risco de efeitos adversos. A CYP2D6, em particular, revela polimorfismo genético.
Mutações na CYP2D6 resultam em capacidade muito baixa de biotransformar substratos.
A Tabela 8 mostra um resumo das principais enzimas do CYP450 e os fármacos por
elas metabolizados.

Figura 39. Reações do metabolismo de fármacos.

Tipo de reação Estrutura química Exemplo de fármacos CYP2E1


4%
Barbitúricos
Reações dependentes do
Digoxina CYP2C19
CYP450
Ciclosporina 8%
1. Hidroxilação

Propanolol CYP2D6 CYP2C8/9 CYP21A2


Fenitína 19% 16% 11%

Metanfetamina
2. Desalquilação
Lidocaína

Codeína

3. Oxidação
Fenotiazida
Cimetidina CYP2A6
CYP3A4/5
3%
36%
4. Dessulfuração Quinidina

TiopentaL CYP2B6
3%
5. Formação de epóxido
Carbamazepina

Reações independentes do
CYP450

1 Desidrogenação Etanol
Piridoxina

2 Desaminação Histamina
Norepinefrina

3 Descaboxilação Levodopa

Reações de redução
Nitrofurantoína
1 Redução nitro
Cloranfenicol
2 Desalogenação
Halotano

Metadona
3 Redução carbonil
Naloxona

Fonte: adaptada de Whalen; Finkel, 2016; Golan, 2014.

72
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

Tabela 8. Principais isoformas das enzimas do CYP450.

Isoenzima CYP450 Fármaco(s)


CYP1A2 Cafeína, paracetamol, tacrina, teofilina

CYP2B6 Ciclofosfamida, metadona

CYP2C8 Paclitaxel, repaglinida

CYP2C19 Omeprazol, fenitoína, clopidogrel

CYP2C9 Ibuprofeno, tolbutamida, varfarina

CYP2D6 Codeína, debrisoquina, S-metoprolol

CYP2E1 Álcool, paracetamol

CYP3A4, 5, 7 Ciclosporina, nifedipino, indinavir, sinvastatina

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

A capacidade de biotransformação hepática pode estar alterada em algumas situações


fisiológicas, por exemplo, no período neonatal, na gestação e em indivíduos idosos, mas
também pode se alterar em situações patológicas. Para citar algumas mais importantes,
podemos falar da cirrose hepática, hepatite, insuficiência cardíaca, desnutrição,
alcoolismo, tabagismo, drogas de abuso e insuficiência renal. O desconhecimento da
biotransformação em neonatos, lactentes e crianças conduz a erros nos esquemas de
administração de fármacos. A capacidade do fígado é geralmente baixa ao nascimento.
Fármacos primariamente metabolizados pelo fígado devem ser cuidadosamente
administrados até 2 meses de idade. Uma forma de estimar a depuração hepática
em função da idade é determinar a maturação do sistema enzimático CYP450 e sua
capacidade de eliminar fármacos. Como já mencionado acima, certos fármacos podem
influenciar a biotransformação própria e de outros fármacos lipossolúveis, diminuindo-a,
chamados de inibidores metabólicos; ou aumentando-a, chamados de indutores
metabólicos. A inibição enzimática determina maior permanência do fármaco ativo,
com eventual aumento de toxicidade, principalmente durante administração crônica.
Com a indução enzimática, acelera-se a biotransformação, acarretando redução em
intensidade e duração de resposta aos medicamentos. Veremos a seguir esses conceitos
minuciados.

Indução enzimática na metabolização de fármacos

As enzimas do complexo CYP450 são protagonistas frequentes nas interações


farmacocinéticas de fármacos, o que, muitas vezes, pode acarretar a diminuição
da eficácia clínica ou toxicidade de um ou todos os fármacos coadministrados.

73
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

Certos fármacos são capazes de aumentar a expressão ou a atividade de uma ou


mais isoenzimas do CYP450. São exemplos de fármacos com tal efeito: fenobarbital,
rifampicina e carbamazepina (Tabela 9).

Tabela 9. Indutores enzimáticos.

Isoenzima CYP2C9/10
SUBSTRATOS COMUNS INDUTORES
Varfarina
Fenitoína Fenobarbital
Ibuprofeno Rifampicina
Tolbutamida
Isoenzima CYP2D6
SUBSTRATOS COMUNS INDUTORES
Desipramina -
Imipramina
Haloperidol
Propanolol
Isoenzima CYP3A4/5
SUBSTRATOS COMUNS INDUTORES
Carbamazepina Carbamazepina
Ciclosporina Dexametasona
Eritromicina Fenobarbital
Nifedipino Fenitoína
Verapamil Rifampicina

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Isso resulta no aumento da biotransformação de fármacos e pode levar a reduções


significativas nas concentrações plasmáticas dos fármacos biotransformados por essas
isoenzimas CYP, com a concomitante redução do efeito farmacológico. Por exemplo,
a rifampicina, fármaco antituberculose, diminui de modo significativo a concentração
plasmática dos inibidores de HIV protease, reduzindo sua capacidade de suprimir a
replicação do HIV. A erva-de-são-joão, um fitoterápico amplamente usado, é indutor
potente da CYP3A4. Várias interações com fármacos são relatadas devido ao uso
simultâneo dessa erva, incluindo antibióticos e anticoncepcionais. Em caso de um pró-
fármaco, ou seja, molécula que precisa ser biotransformada para gerar um metabólito
ativo, este detentor do efeito farmacológico requerido, as interações medicamentosas
com indutores enzimáticos podem aumentar as concentrações plasmáticas do metabólito
ativo, induzindo efeitos tóxicos.

74
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

Inibição enzimática na metabolização de fármacos

Assim como a indução enzimática, a inibição da atividade das isoenzimas do CYP450


é fonte importante de interações de fármacos, a qual acarreta efeitos adversos graves
(Tabela 10).
Tabela 10. Inibidores enzimáticos.

ENZIMA SUBSTRATO INIBIDOR


CYP3A4 Indinavir Cetoconazol
Nelfinavir Itraconazol
Ritonavir Agentes anti-HIV
Saquinavir Delavirdina
Antibióticos macrolídios Indinavir
Claritromicina Ritonavir
Eritromicina Saquinavir
Alprazolam Claritromicina
Midazolam Eritromicina
Triazolam Troleandomicina diltiazem
Diltiazem Verapamil
Felodipina
Nifedipina Mifepristona
Atorvastatina Nefazodona
Lovastatina Norfloxacina
CYP2D5 Flecainida Amiodarona
Mexiletina Quinidina
Propafenona Antidepressivos
Alprenolol Clomipramina
Bufuralol Haloperidol
Carvedilol Fluoxetina
Metoprolol Paroxetina
Pembutolol

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

A forma mais comum de inibição é mediante a competição pela mesma isoenzima.


Alguns fármacos inibem reações das quais nem são substratos, como é o caso do
cetoconazol. Outros fármacos inibem uma ou mais vias de biotransformação dependente
do complexo CYP450. Um caso que ilustra essa situação é o do omeprazol, que
inibe três das isoenzimas CYP450 responsáveis pela biotransformação da varfarina.
Em caso de coadministração, a concentração plasmática de varfarina aumenta, elevando
o efeito anticoagulante e o risco de sangramentos. Outros inibidores CYP450 incluem
75
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

eritromicina, cetoconazol e ritonavir; o suco de toranja (grapefruit) inibe a CYP3A4 e


acarreta concentrações mais altas e/ou maior potencial de efeitos tóxicos de fármacos,
tais como nifedipina, claritromicina e sinvastatina. Em caso de pró-fármaco, a inibição
enzimática das respectivas enzimas metabolizadoras diminuem sua biodisponibilidade
e, consequentemente, sua eficácia, uma vez que o metabólito detentor da atividade
farmacológica não está sendo formado.

Reações de fase I independentes do CYP450

Tais reações incluem a oxidação de aminas (oxidação de catecolaminas ou histamina),


a desidrogenação do álcool (oxidação do etanol pelo álcool desidrogenase), as esterases
plasmáticas e hepáticas (biotransformação do ácido acetilsalicílico) e a hidrólise
(procaína).

Reações de fase 2

Ocorrem reações de conjugação do fármaco lipofílico, que pode ter passado pelas
reações de fase 1 ou não, com moléculas mais hidrofílicas (Figura 40).

Figura 40. Exemplos de reações de fase 2.

REAÇÕES DE
CONJUGAÇÃO DIAZEPAM
DIGOXINA
1 GLICURONIDAÇÃO EZETIMIBE

ISONIAZIDA
2 ACETILAÇÃO SULFONAMIDAS

ÁCIDO SALICÍLICO
3 CONJUGAÇÃO COM
GLICINA

ESTRONA
METILDOPA
4 CONJUGAÇÃO COM
SULFATO
ÁCIDO ETACRÍNICO
ACETAMINOFENO

5 CONJUGAÇÃO COM
GLUTATIONA

METADONA
NOREPINEFRINA
6 METILAÇÃO
CATECOLAMINAS

TIOPURINAS

Fonte: adaptada de Golan et al., 2014.

76
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

Se o metabólito resultante da fase I é suficientemente polar, então pode ser excretado


pelos rins. Entretanto, alguns metabólitos de fase I continuam muito lipofílicos para
serem excretados. O fármaco passa, então, por uma reação subsequente de conjugação
com substrato endógeno, como ácido glicurônico, ácido sulfúrico, ácido acético ou
aminoácido, produzindo um composto polar mais hidrossolúvel e terapeuticamente
inativo. Exceção notável é o glicuronídeo-6-morfina, mais potente do que a morfina
na ação analgésica. A glicuronidação é a reação de conjugação mais comum e mais
importante. Em acordo com o que já foi mencionado, os fármacos que possuem
grupamentos funcionais passíveis de reação de conjugação (–OH, –NH2 ou –COOH)
podem entrar diretamente na fase 2. Assim, o fármaco conjugado altamente polar é
excretado pelos rins ou pela bile.

Excreção de fármacos
Como já mencionado, fármacos hidrossolúveis e/ou carregados ionicamente são
facilmente excretados, e os sítios de excreção incluem rim, pulmões, fezes, secreção
biliar, suor, lágrimas, saliva e leite materno. Moléculas excretadas pela urina são filtradas
nos glomérulos ou secretadas nos túbulos renais. Desse modo, não sofrem reabsorção
tubular, pois têm dificuldade em atravessar membranas (Figura 41).

Figura 41. Processos de excreção de fármacos.

FILTRAÇÃO TUBULAR REABSORÇÃO TUBULAR


Arteríola aferente Arteríola eferente Fármacos lipofílicos

F-livre não ionizado


F- PP Túbulo contorcido distal
Capilares F-L
glomerulares

Urina alcalina Urina ácida


Cápsula
de B: reabsorve +
BH : excreta
Bowman
F-L não ion

+
HA H +A ÁCIDO
-
FRACO

Veia + +
BH B +H BASE
renal
FRACA

Urina

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

77
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

O fígado é capaz de excretar ativamente fármacos, através da bile, para o lúmen intestinal.
Desse modo, podem ser reabsorvidos pelo circuito êntero-hepático ou excretados pelas
fezes. Por essa via, excretam-se fármacos de alto peso molecular, os muito polares e
aqueles ativamente englobados em micelas de sais biliares, colesterol e fosfolipídios.
Pelos rins, são excretados fármacos intactos, em forma ativa, ou metabólitos ativos
e inativos, livres ou conjugados. Em um primeiro momento, o fármaco é filtrado ou
secretado para o lúmen tubular (Figura 41).

Então, podem ser eliminados com a urina ou reabsorvidos, ativa ou passivamente, pelo
epitélio tubular. Só fármacos não ligados a proteínas plasmáticas (F-PP) são filtrados.
A depuração (clearance) renal é difícil de prever, em função de transporte tubular
passivo e ativo bidirecional, diferenças na capacidade de captação do fármaco, pH
urinário, permeabilidade e capacidade metabólica. A velocidade do processo depende
de fração livre do fármaco, taxa de filtração glomerular e fluxo plasmático renal.
Os que são essencialmente secretados por túbulos renais utilizam difusão simples
(quando lipossolúveis) ou sistemas de transporte ativo de ânions e cátions, estando
a velocidade de excreção limitada pela perfusão renal. O processo de transporte é
mediado por carreadores, os quais podem apresentar alta velocidade e ser saturáveis
(capacidade máxima de transporte). Como ambos os mecanismos (de ácidos e
bases) são relativamente não seletivos, pode ocorrer competição entre ácidos ou
bases orgânicos pelos sítios de ligação nos carreadores. Esse é o caso do fármaco
probenecida, que retarda a excreção urinária de benzilpenicilina por competir com
o transportador no néfron, aumentando sua duração de efeito. A reabsorção tubular
renal de fármacos lipossolúveis se processa por difusão passiva, sendo potencialmente
bidirecional. Entretanto, como a água é progressivamente diminuída do lúmen
tubular ao longo do néfron, o aumento da concentração intraluminal do fármaco
estimula a difusão no sentido túbulo-sangue. Esse mecanismo pode ser alterado por
características do fármaco e pH urinário. Ácidos orgânicos fracos (pKa de 3,0 a 7,5)
não se dissociam em pH ácido, permanecendo lipossolúveis e sendo reabsorvidos.
Para acelerar sua excreção, pode-se alcalinizar a urina, convertendo-os em formas
ionizadas, hidrossolúveis e, portanto, não livremente difusíveis. Esse procedimento é
aplicado em envenenamentos por ácidos orgânicos fracos, como ácido acetilsalicílico
e barbitúricos.

Fatores que alteram a função renal


Alguns fatores fisiológicos e patológicos alteram a função renal e, consequentemente,
a excreção de xenobióticos. Alguns fatores incluem a idade; em recém-nascidos e
78
Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

prematuros, filtração glomerular e fluxo plasmático renal são 30 a 40% menores,


alcançando o valor normal para adultos a partir dos 3 meses de idade. Isso deve
ser levado em conta no cálculo de doses de fármacos a serem administrados no
período pós-natal, especialmente em prematuros, pois não basta diminuí-las
em função de peso ou superfície corporal. Já em idosos, a excreção renal
de fármacos declina em decorrência de diminuição do número de néfrons
funcionantes, transporte tubular renal de ácidos orgânicos e fluxo sanguíneo
renal. Isso causa impacto nos idosos por causa do risco de toxicidade dos inúmeros
medicamentos que costumam usar. Portanto, os esquemas de tratamento devem
ser ajustados.

Otimização de dose
Como mencionado, a dosagem terapêutica de um fármaco procura manter a
concentração plasmática máxima do fármaco abaixo da concentração tóxica e a
concentração mínima (mais baixa) do fármaco acima de seu nível minimamente
efetivo. Os esquemas posológicos ideais tendem a manter a concentração plasmática
do fármaco no estado de equilíbrio dinâmico dentro da sua janela terapêutica. Como
o estado de equilíbrio dinâmico é alcançado quando a taxa de aporte do fármaco é
igual à sua eliminação, a concentração do fármaco no estado de equilíbrio dinâmico
é afetada pela sua biodisponibilidade, depuração, dose e intervalo entre as doses.
O estado de equilíbrio pode ser calculado pela equação apresentada na Figura 42.
Para fármacos com faixa terapêutica definida, a concentração é mensurada para
ajustar a dosagem e a frequência, de modo a obter e manter os níveis desejados, ou
seja a dose de manutenção. Essa dose é a escolhida para manter a concentração de
equilíbrio na janela terapêutica. São necessárias 4-5 meias-vidas para um fármaco
alcançar a concentração de equilíbrio. O tempo de meia-vida se refere ao tempo em
que o fármaco leva para diminuir, em 50%, sua concentração máxima na corrente
sanguínea. O tempo de meia-vida é afetado pelo volume de distribuição e pela
velocidade de depuração do fármaco. Às vezes, é necessário alcançar os níveis no
plasma rapidamente (como em infecções graves ou arritmias). Logo, uma dose de
ataque (ou dose de carga) do fármaco é administrada para alcançar com rapidez os
níveis plasmáticos desejados, seguida de uma dose de manutenção para manter o
estado de equilíbrio.

79
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

Figura 42. Principais cálculos farmacocinéticos para otimização de dose.

𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫
Volume de distribuição †= ሾ𝑭𝑭ሿ𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑𝒑

𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝒅𝒅𝒅𝒅𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂
Concentração inicial ‹=
𝑽𝑽𝑽𝑽𝑽𝑽.𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅çã𝒐𝒐

𝑭𝑭𝑭𝑭𝑭𝑭çã𝒐𝒐𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒂𝒙𝒙𝒅𝒅𝒐𝒐𝒐𝒐𝒐𝒐𝒅𝒅𝒅𝒅𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎𝒎çã𝒐𝒐
Concentração do estado de equilíbrio ‡“=
𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝑰𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒙𝒙𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅𝒅çã𝒐𝒐

Tempo de meio-vida

de eliminação 𝟏𝟏 𝑲𝑲𝑲𝑲.𝑽𝑽𝒅𝒅 𝟏𝟏
– =
𝟎𝟎,𝟔𝟔𝟔𝟔𝟔𝟔.𝑽𝑽𝑽𝑽
– = 𝟐𝟐 𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫𝑫çã𝒐𝒐
𝟐𝟐 𝑪𝑪𝑪𝑪

Fonte: adaptada de Brunton, 2012; Fuchs; Wannmacher, 2017; Katzung, 2017.

Farmacocinética na descoberta de fármacos


Todos os processos farmacocinéticos apresentados nesta apostila são utilizados para
otimização de esquemas de administração de fármacos, tanto em indivíduos normais
como naqueles com alterações em órgãos ou sistemas envolvidos nos processos
farmacocinéticos. Em pacientes com algumas patologias, a farmacocinética do indivíduo
pode estar alterada, como no caso de pacientes com insuficiências renal ou hepática.
Dentre as situações fisiológicas em que há alteração nos parâmetros farmacocinéticos,
verifica-se a gestação, em que há modificações farmacocinéticas fisiológicas significativas,
eventualmente comprometendo a eficácia e a segurança das respostas na mãe e no feto.

A terapêutica calculada e prevista pelos cálculos farmacocinéticos pode minimizar esse


problema, corrigindo esquemas de administração que demonstrem sinais de toxicidade
ou ineficácia. Deve-se avaliar indicações e métodos para aumentar a eliminação do
veneno em pacientes com intoxicações exógenas. Contudo, é preciso observar que os
processos e parâmetros farmacocinéticos podem modificar-se na intoxicação aguda.
Isso pode resultar da saturação da capacidade de processos fisiológicos, como os
processos de absorção, trânsito intestinal, ligação a proteínas, alteração do equilíbrio
acidobásico, metabolismo ou transporte tubular renal, devido à alta dose que pode
afetar diretamente aqueles processos. Para o controle das intoxicações, podem ser
utilizadas substâncias que impedem a absorção no trato gastrintestinal. Entre essas
substâncias, podemos citar o carvão ativado e os agentes quelantes. Por outro lado,
pode ser feito um aumento do fluxo excretório para fármacos ácidos fracos mediante

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Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

técnica de alcalinização urinária. Outra estratégia é o tratamento extracorpóreo, que


potencialmente reverte a toxicidade clínica e encurta a duração do envenenamento.

O desenvolvimento de novos fármacos melhorou nas últimas décadas, por meio de


refinamento em técnicas analíticas, modelos e simulações de populações farmacocinéticas
e farmacodinâmicas e novos biomarcadores de eficácia e tolerabilidade. Os fármacos
modernos, antes de sua introdução no mercado, já possuem esquemas de administração
baseados em parâmetros e cálculos farmacocinéticos. Desse modo, as características
farmacocinéticas devem servir como recomendações evidenciadas para a correta
prescrição.

Figura 43. O caminho do fármaco.

Distribuição Metabolismo e excreção

Absorção

Fonte: http://farmacologiafacil.com/wp-content/uploads/2019/02/Farmacocin%C3%A9tica.jpg.

Os esquemas de administração de fármacos, apesar de propostos por estudos


farmacocinéticos, podem não se adequar a todos os indivíduos, pois variabilidade
biológica e anormalidades em sistemas de depuração determinam significativas
diferenças no comportamento dos fármacos. Na individualização de tratamento, é
possível utilizar a determinação plasmática de fármacos, uma vez que, atingido o
equilíbrio, ela é o indicador indireto da concentração do fármaco no sítio de ação.
Algumas situações requerem monitoramento das concentrações plasmáticas, por
exemplo, resposta inadequada a tratamento, reações adversas que sugiram toxicidade
e insuficiência de rim e fígado.

Segundo Fuchs e Wannmacher (2017), o monitoramento é complexo, requer múltiplos


procedimentos e validação, além de avaliação crítica das evidências. Faz-se necessário,
81
Unidade III | Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo

ainda, o interesse dos fabricantes e das autoridades reguladoras, muitas vezes insuficiente.
É também necessário avaliar os procedimentos de monitoramento, por meio de estudos
observacionais e de intervenção. A indústria farmacêutica, as agências reguladoras e os
farmacologistas clínicos da academia devem compartilhar a responsabilidade de julgar
as inovações, a fim de que os pacientes aufiram o maior benefício e sofram o menor
risco com seus medicamentos O estudo de processos e parâmetros farmacocinéticos,
com particular importância da fase de eliminação, permite que o destino de fármacos
no organismo possa ser descrito por modelos matemáticos. Esses modelos têm maior
aplicabilidade clínica para fármacos com cinética de primeira ordem, ou seja, aqueles
que são eliminados em proporção constante. Sistemas de eliminação eficazes em
ampla margem de concentração plasmática de fármacos depuram qualquer quantidade
contida em determinado volume de plasma, fazendo com que a concentração caia em
proporções constantes.

Figura 44. Farmacocinética.

Fonte: https://cdn.technologynetworks.com/tn/images/thumbs/jpeg/360_360/new-frontiers-in-pharmacokinetics-342139.jpg.

Fármacos eliminados em forma ativa pelo rim têm mais comumente cinética de
primeira ordem. Sendo filtrados nos glomérulos e não reabsorvidos nos túbulos, o
volume de plasma depurado corresponde ao filtrado glomerular. Fármacos eliminados
por biotransformação podem não ter cinética de primeira ordem, pois o sistema de
biotransformação é, muitas vezes, saturável. Nesse caso, a meia-vida tende a aumentar
com a concentração plasmática (ou dose), o que configura a cinética de ordem zero.

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Farmacocinética: o caminho do fármaco pelo organismo | Unidade III

Há também modelos matemáticos para descrever essa cinética, mas são complexos
e de baixa aplicabilidade. A cinética de fármacos assim eliminados é, em geral,
descrita por modelos de primeira ordem para determinada concentração plasmática
conhecida. Alguns fármacos com cinética de ordem zero são ácido acetilsalicílico,
fenitoína, heparina e álcool. Os conhecimentos farmacocinéticos permitem evitar
concentrações subterapêuticas (que não induzem o efeito farmacológico desejado,
portanto são ineficazes) ou que extrapolem os níveis máximos terapêuticos, as quais são
potencialmente tóxicas. A farmacocinética, ainda, possibilita modificar esquemas de
administração em presença de irregularidade nos processos de absorção, distribuição
e eliminação. Essa abordagem se denomina farmacocinética clínica (FUCHS e
WANNMACHER, 2017).

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REFERÊNCIAS

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Janeiro: McGraw-Hill, 2012.
FUCHS, F. D.; WANNMACHER, L. Farmacologia clínica e terapêutica. 5. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2017.
KATZUNG, B. G. Farmacologia Básica e Clínica. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017.
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WHALEN. K.; FINKEL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia Ilustrada. 6. ed. Porto Alegre:
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Imagens
Disponível em: https://slideplayer.com.br/slide/7662669/24/images/5/ Receptores+ acoplados
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Disponível em: https://cdn.technologynetworks.com/tn/images/thumbs/jpeg/360_360/new-
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Artigos de revisão
BOWIE, M. W.; SLATTUM, P. W. Pharmacodynamics in older adults: a review. Am J Geriatr
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2007
BUFFE, C.; DE ARAÚJO, B. V.; COSTA, T. C. T. D. Parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos
na otimização de terapias antimicrobianas. Caderno de farmácia. DOI: http://hdl.handle.
net/10183/19477. Porto Alegre, v. 17, n. 2, pp. 97-109, 2001.

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Referências

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