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Universidade de São Paulo

Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto – FCFRP/USP


Av. do Café s/n Bloco Q B. Monte Alegre 14040-903 Ribeirão Preto-SP
Disciplina: Farmacotécnica, Tecnologia de Medicamentos e Cosméticos V - 2022

AULA PRÁTICA: REVESTIMENTO DE COMPRIMIDOS EM LEITO FLUIDIZADO

INTRODUÇÃO

A operação de revestimento de formas farmacêuticas sólidas (ex. comprimidos, grânulos, cápsulas


duras de gelatina) é um processo unitário amplamente empregado no setor farmacêutico e em várias outras
áreas do conhecimento; com predomínio do revestimento por filme ou “film coating’. Dentre as inúmeras
razões para se revestir partículas se destacam a proteção dos ingredientes ativos farmacêuticos (IFAVs) de
fatores ambientais, modular o local e a taxa de liberação dos IFAVs, mascarar sabores e odores
desagradáveis, por razões estéticas, entre outros. O sucesso da operação depende de inúmeras variáveis de
processo (ex. tipo de equipamento, condições de operação), da formulação de revestimento (ex.
composição, tipo de polímero, viscosidade, concentração de sólidos), e do núcleo a ser revestido (forma,
diâmetro, friabilidade, dureza, etc).

A formulação de revestimento também é um parâmetro com grande importância no processo,


sendo muitas vezes a responsável pelo sucesso ou fracasso da operação. A composição dessa formulação
dependerá dos objetivos pretendidos (liberação imediata, entérica, colônica, etc), sendo constituída por um
polímero (ex. derivados de celulose, copolímeros do ácido metacrílico – eudragits, etc), de um plastificante
(PEG – Carbowax, glicerina, citrato de trietila, etc), corante e vários outros excipientes (dióxido de titânio,
talco, antiespumante, entre outros).

Na indústria as operações de revestimento de sólidos farmacêuticos são geralmente realizadas por


equipamentos denominados de “drageadeiras”, existindo os modelos convencionais e as drageadeiras
perfuradas (mais modernas), que promovem uma operação mais eficiente. Os processos em leitos
fluidizados (ex. processo Wurster e leitos de jorro) também se mostram promissores para a realização
dessas operações, de forma bastante rápida e com alta eficiência. Esses sistemas causam um padrão cíclico
de circulação dos núcleos no interior do equipamento, o que promove um maior contato entre o gás de
secagem, núcleos e formulação de revestimento.

Nessa aula prática, será realizada uma operação demonstrativa de revestimento entérico de
comprimidos em um sistema tipo leito de jorro (com vibração).

OBJETIVOS

Proporcionar contato dos alunos com uma operação de revestimento de comprimidos em leito
fluidizado tipo leito de jorro, sendo avaliada a massa de material depositado nos núcleos e qualidade do
revestimento.

MATERIAL E MÉTODOS
Composição de revestimento: 1) Eudragit L 30 D 55 (Evonik – polímero gastrorresistente); 2) Polissorbato 80 -
Tween 80 - e Lauril sulfato de sódio PA (antiespumante); 3) Talco; 4) Dióxido de titânio (opacificante); 5)
Citrato de trietila (plastificante); 6) Laca de alumínio Azul (corante); 7) água destilada (sistema solvente).

Núcleos: Comprimidos biconvexos de 8 mm, com peso médio de 200 mg, contendo 15 mg de ácido fólico e
185 mg de excipientes. Os comprimidos foram obtidos por compressão, apresentando uma dureza inicial de
cerca de 60 N e friabilidade a ser determinada.

Equipamentos: 1) Agitador de alto cisalhamento (ultra-turrax); 2) Agitador magnético; 3) Balança analítica;


4) pHmetro; 5) Leito de jorro (tipo Wurster – LABMAQ – diâmetro da coluna de 80 mm).

Procedimento experimental:

Preparo da suspensão: 1) em um frasco Schott de 250 mL, pesar 0,9 g de talco, 0,45 g de dióxido de titânio,
0,2 g de tween 80, 0,1 g de lauril sulfato de sódio PA e 0,6 g de trietil citrato; 2) Adicionar 15,0 mL de água
destilada; 3) Agitar em ultra-turrax (10000 rpm) por 5 minutos; 4) Adicionar, sob agitação magnética, 15,0
mL de Eudragit L30-D-55 por 5 minutos; 5) Acertar o pH para em torno de 6,0 com solução de NaOH
saturada; 6) Adicionar o corante em pó até obter a tonalidade desejada.

Revestimento: 1) Colocar 80,0 g de comprimidos no leito; 2) Ligar o ar comprimido do bico de atomização e


regular a pressão em 2,0 kgf/cm2e vazão de 40 L/min; 3) Ligar o ar de fluidização e regular adequadamente
para cerca de 500 L/min; 4) Ajustar o “set point” do controlador de temperatura para 45 oC e esperar até
atingir temperatura constante – cerca de 5 minutos; 5) Ligar a bomba peristáltica previamente ajustada para
1 mL/min; 7) Ao final da suspensão, passar água na mangueira de alimentação, aguardar 5 minutos, desligar
o aquecimento, esperar mais 3 min e finalmente desligar o sistema e coletar os comprimidos.

Pesagem: Fazer a pesagem inicial e final dos comprimidos, para se determinar o ganho de massa durante o
processo e avaliar a qualidade do produto revestido. Você aprovaria o revestimento?

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO

1) Marque Verdadeiro (V) ou Falso (F):

1.a[ F ] Existem inúmeras razões para se aplicar revestimento em formas farmacêuticas, como por exemplo,
conferir proteção ao ingrediente ativo, realçar sabores e odores desagradáveis, e/ou modular sua taxa de
liberação;

1.b[ F ] O revestimento à base de açúcar, também conhecido por drageamento, foi o método originalmente
empregado para se revestir formas farmacêuticas. Uma de suas principais vantagens frente à técnica de
revestimento por película, é a facilidade de aplicação e o maior ganho de massa pelo produto, que pode em
alguns casos superar 50%;

1.c[ F ] Plastificantes são substâncias adicionadas a uma composição de revestimento por película, de forma
a aumentar a rigidez do filme de revestimento, fazendo com que suas dimensões permaneçam inalteradas
durante todo o período de armazenamento e/o durante variações de temperatura;

1.d[ F ] Um polímero pH dependente é insolúvel nas condições normais do trato gastrointestinal, sendo que
a liberação do ingrediente ativo ocorre por difusão.
Se você selecionou alguma questão com (F), descreva de forma correta a afirmação respectiva.
1.a: o revestimento em formas farmacêuticas serve para mascarar e não realçar sabores e odores
desagradáveis.
1.b: é uma afirmação falsa porque o revestimento à base de açúcar promove o maior ganho de massa pelo
produto que pode em alguns casos superar um ganho de 50% e isso é uma desvantagem desse tipo de
revestimento e não uma vantagem, até por isso que outras técnicas foram criadas.
1.c: os plastificantes são substâncias adicionadas nas composições de revestimento para dar maleabilidade
para o revestimento e não rigidez, isso porque sua função é permitir que o revestimento sofra alterações
morfológicas quando o mesmo atingir uma temperatura de transição vítrea (mudança de um estado sólido e
estático para um estado mole e maleável que possibilita a liberação do fármaco).
1.d: os polímeros pH dependentes são, geralmente, solúveis nas condições normais do TGI, com pH variando
entre 6,8 - 7,1. E apenas alguns tipos de polímeros não são solúveis nas condições normais do TGI e esses são
estruturas específicas que liberam os ativos por meio de intumescimento da partícula.

2) A seleção de condições de processamento inadequadas durante a operação de revestimento, pode


causar defeitos no produto, sendo necessário o reprocessamento do produto, ou mesmo levar à perda de
todo o lote de produção. Alguns exemplos de defeitos comuns são:

Dentre as razões para a ocorrência destes defeitos, podemos citar problemas na composição (quantidade
inadequada de plastificante, baixa adesão do filme), problema de formulação dos núcleos, e problemas de
processo, como por exemplo, temperatura de processo muito elevada, formação de espuma na composição
de revestimento, atrito entre os núcleos durante o processamento, ou fusão de algum excipiente adicionado
durante a formulação dos núcleos a serem revestidos. Associe cada afirmação abaixo, com o defeito
correspondente:

O orange pell geralmente ocorre devido à evaporação rápida do solvente presente na composição de
revestimento, reduzindo o espalhamento da composição sobre a superfície dos núcleos durante a aplicação;

Uma composição de revestimento inadequada pode levar a uma adesão insuficiente do filme de
revestimento na superfície dos núcleos e/ou a formação de um filme quebradiço, podendo levar à
ocorrência do cracking e/ou chipping;

A adição de antiespumantes na composição de revestimento muitas vezes é necessária, de forma a evitar a


formação de espuma durante a aplicação do revestimento que pode causar entrada de gás no filme,
podendo causar o defeito blistering no filme de recobrimento;

A secagem ineficiente da composição de revestimento durante o processo, associado à presença de


componentes altamente solúveis no núcleo é uma das principais causas da ocorrência do defeito
denominado pitting.

3) A via oral é uma das mais utilizadas para a administração de medicamentos, tanto os de liberação
convencional quantos aqueles de liberação modificada, sítio específico, entérico ou colônico. Considerando
a anátomo-fisiologia e bioquímica do trato gastrointestinal da boca ao cólon, cite e comente os principais
desafios e estratégia (s), que a seu ver, seriam mais apropriados para a obtenção de medicamentos:

a) liberação entérica ou gastrorresistente:

O trato gastrointestinal apresenta consideráveis diferenças em relação ao valor do pH ao longo de todo


o trato gastrointestinal, em decorrência dos diferentes pH ótimos das enzimas atuantes em cada parte deste
trato. Ao utilizar um medicamento via oral, o desafio é garantir que um fármaco com intestino como alvo não
seja dissolvido no estômago e, ainda assim, seja liberado no intestino. Sendo assim, uma estratégia para
sanar esse problema seria uma liberação mediada por pH (no caso do intestino, entre 8,0-8,5). Uma das
formas de obter esse tipo de liberação é por revestimento entérico, por se apresentar como uma barreira
sobre o medicamento a fim de evitar que ocorra dissolução no estômago. Assim, com o revestimento
entérico, o medicamento é liberado dependendo do valor do pH no trato gastrointestinal que inicia a
dissolução do revestimento.
b) liberação colônica:

Como mencionado anteriormente, o desafio de um medicamento com um local de ação específico com
administração via oral é garantir que a liberação ocorra apenas no local de ação. No caso da liberação
colônica, em uma administração via oral, além de se evitar a dissolução no estômago, também é necessário
evitar a liberação do fármaco no intestino delgado. Com isso, como estratégias para essa finalidade, pode-se
citar a liberação retardada/tempo-dependente e liberação específica no cólon. Na liberação
tempo-dependente, a ideia é prolongar a dissolução e absorção do fármaco para que dê tempo da
formulação atingir o cólon. Ao entrar em contato com os fluidos do trato gastrointestinal, o comprimido se
desagrega e libera microgrânulos revestidos. Com isso, forma-se um gel ao redor de cada micro grânulo, que
vai intumescendo. De acordo com a espessura da camada, controla-se o tempo de latência. Essa estratégia
apresenta baixa especificidade e outros tipos de sistemas tempo-dependentes têm sido propostos, nos quais
eliminam a variabilidade associada ao tempo de esvaziamento gástrico e exploram o tempo de trânsito
relativamente constante no intestino delgado. Já a liberação específica no cólon parte de peculiaridades do
cólon como, por exemplo, sua colonização por um número elevado de bactérias que conferem intensa
capacidade de metabolização de diversos compostos endógenos e exógenos. Neste tipo de liberação,
utiliza-se desse metabolismo bacteriano para promover a liberação específica de fármacos no cólon,
mediante o recurso a pró-fármacos, formulações revestidas por polímeros biodegradáveis ou metrizes e
hidrogéis. Essa estratégia apresenta alta especificidade, já que essas bactérias são encontradas apenas no
cólon.

4) A empresa em que você trabalha deseja comercializar comprimidos de omeprazol. Porém, a molécula de
omeprazol se degrada rapidamente em soluções aquosas ácidas (pH inferior a 6,5), e também é muito
sensível ao calor, solventes orgânicos e luminosidade. Assim, a empresa optou por revestir os grânulos e
solicitou a você que desenvolvesse uma composição de revestimento para conferir proteção ao fármaco.

- Selecione 2 tipos de polímeros que poderiam ser utilizados nessa operação;

Considerando que o omeprazol se degrada rapidamente em soluções aquosas ácidas (pH inferior a
6,5) e o pH do estômago é ácido devido ao ácido clorídrico, temos que os dois tipos de polímeros que
poderiam ser utilizados para revestir os grânulos de omeprazol são Eudragit e HPMCP, uma vez que ambos são
polímeros filmógenos gastrorresistentes.

- Que outros constituintes seriam necessários adicionar à composição de revestimento? Justifique a


necessidade;

A composição da formulação de um revestimento dependerá dos objetivos pretendidos que, no caso


em questão, é ter uma liberação entérica. Visto isso, temos que a constituição do revestimento deverá ser a
seguinte:

● Polímero: como a liberação deverá ser entérica e, portanto, deverá suportar o pH ácido do TGI, o
polímero poderá ser um derivado de celulose como o HPMCP ou copolímeros do ácido metacrílico
como o Eudragit, como citado anteriormente;

● Plastificante: substâncias que tem por finalidade fornecer maleabilidade para o revestimento e, com
isso, permitir que o revestimento sofra alterações morfológicas quando o mesmo atingir uma
temperatura de transição vítrea. Exemplos: PEG – Carbowax, glicerina, citrato de trietila;

● Corante;

● Excipientes:

○ Dióxido de titânio: opacificante, bloqueia a passagem de luz e radiações ultravioleta e dá uma


coloração branca ao comprimido;

○ Talco: deslizante;
○ Antiespumante: evita que haja a formação de espuma durante a aplicação do revestimento
que pode causar entrada de gás no filme, podendo causar o defeito de blistering.

- Selecione 2 diferentes processos que você indicaria para se realizar a operação de revestimento dos
grânulos.

Para esse revestimento de grânulos, os seguintes processos podem ser utilizados: leito fluidizado e
spray dryer.

Leito fluidizado:

O processo se constitui de um leito de partículas movimentado por uma corrente de gás ascendente
sobre as quais é aspergida uma solução ou suspensão de recobrimento. Esse material de recobrimento
envolve a partícula em um processo de umedecimento e secagem simultâneas até formar uma camada de
revestimento com características desejáveis.

Spray-Drying

De acordo com Palmieri et al. (2002), a preparação por aspersão ou spray-drying consiste em
nebulizar uma solução de polímero e fármaco, formando micropartículas homogêneas. É uma técnica rápida e
de uma única etapa: a solução contendo o fármaco (no caso, omeprazol), o polímero (no caso, Eudragit) e o
solvente é submetida a uma secagem em um equipamento spray-dryer.

Como há a eliminação total do solvente, pode-se usar a água para encapsular fármacos hidrossolúveis.
Caso o polímero seja solúvel em soluções aquosas, não há a necessidade de utilização de solventes orgânicos.
Nessa técnica, são produzidas microesferas quando o fármaco é solúvel no solvente e são formadas
microcápsulas quando o fármaco está disperso.

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