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História do

Direito Eleitoral

Brasília-DF, 2011.
Elaboração:

Márlon Reis

Produção:

Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração


História do Direito Eleitoral

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Sumário

Apresentação........................................................................................................................................ 04

Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa ................................................................................ 05

Organização da Disciplina ................................................................................................................... 06

Introdução ............................................................................................................................................ 07

Unidade Única – História do Direito Eleitoral .................................................................................... 09

Capítulo 1 – Uma Introdução Crítica............................................................................................. 09

Capítulo 2 – O Surgimento e a Evolução das Instituições Eleitorais Brasileiras .............................. 12

Capítulo 3 – Exclusão e Abuso do Poder Econômico e Político ...................................................... 18

Capítulo 4 – Mobilização e Conquista da Lei no 9.840/99, de Iniciativa Popular ............................. 22

Para (não) Finalizar .............................................................................................................................. 33

Referências .......................................................................................................................................... 34

Pós-Graduação a Distância

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Apresentação

Caro aluno,

Bem-vindo ao estudo da disciplina História do Direito Eleitoral.

Este é o nosso Caderno de Estudos e Pesquisa, material elaborado com o objetivo de contribuir para a realização e o
desenvolvimento de seus estudos, assim como para a ampliação de seus conhecimentos.

Para que você se informe sobre o conteúdo a ser estudado nas próximas semanas, conheça os objetivos da disciplina, a
organização dos temas e o número aproximado de horas de estudo que devem ser dedicadas a cada unidade.

A carga horária desta disciplina é de 20 (vinte) horas, cabendo a você administrar o tempo conforme a sua disponibilidade.
Mas, lembre-se, há uma data-limite para a conclusão do curso, incluindo a apresentação ao seu tutor das atividades
avaliativas indicadas.

Os conteúdos foram organizados em unidades de estudo, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente.
Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, que farão parte das atividades avaliativas do
curso; serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares.

Desejamos a você um trabalho proveitoso sobre os temas abordados nesta disciplina. Lembre-se de que, apesar de
distantes, podemos estar muito próximos.

A Coordenação
do Direito
Organização
História Eleitoral da Gestão por Projetos
e Implementação

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Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa

Apresentação: Mensagem da Coordenação.

Organização da Disciplina: Apresentação dos objetivos e da carga horária das unidades.

Introdução: Contextualização do estudo a ser desenvolvido por você na disciplina, indicando a importância desta para
sua formação acadêmica.

Ícones utilizados no material didático

Provocação: Pensamentos inseridos no material didático para provocar a reflexão sobre sua prática e
seus sentimentos ao desenvolver os estudos em cada disciplina.

Para refletir: Questões inseridas durante o estudo da disciplina para estimulá-lo a pensar a respeito do
assunto proposto. Registre sua visão sem se preocupar com o conteúdo do texto. O importante é verificar
seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. É fundamental que você reflita sobre as
questões propostas. Elas são o ponto de partida de nosso trabalho.

Textos para leitura complementar: Novos textos, trechos de textos referenciais, conceitos de
dicionários, exemplos e sugestões, para lhe apresentar novas visões sobre o tema abordado no texto básico.

Sintetizando e enriquecendo nossas informações: Espaço para você fazer uma síntese dos textos
e enriquecê-los com sua contribuição pessoal.

Sugestão de leituras, filmes, sites e pesquisas: Aprofundamento das discussões.

Praticando: Atividades sugeridas, no decorrer das leituras, com o objetivo pedagógico de fortalecer o
processo de aprendizagem.
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Para (não) finalizar: Texto, ao final do Caderno, com a intenção de instigá-lo a prosseguir com a reflexão.

Referências: Bibliografia consultada na elaboração da disciplina.

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Organização da Disciplina

Ementa:
Visão histórica sobre o desenvolvimento das instituições eleitorais brasileiras a partir da contextualização interna e
internacional do tema. Visão crítica sobre a forma como se desenvolveram as principais normas eleitorais, com destaque
para a ampliação do acesso ao direito de sufrágio.

Objetivos:
• fortalecer a compreensão crítica do Direito Eleitoral;

• contextualizar as normas eleitorais vigentes, favorecendo a compreensão das suas origens;

• justificar as recentes e profundas alterações ocorridas na legislação que rege os processos eleitorais;

• compreender as causas da valorização científica recente do Direito Eleitoral.

Unidade Única – História do Direito Eleitoral


Carga horária: 20 horas
Conteúdo Capítulo
Uma Introdução Crítica 1
O Surgimento e a Evolução das Instituições Eleitorais Brasileiras 2
Exclusão e Abuso do Poder Econômico e Político 3
Mobilização e Conquista da Lei no 9.840/99, de Iniciativa Popular 4
do Direito
Organização
História Eleitoral da Gestão por Projetos
e Implementação

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Introdução

Nesta disciplina teremos oportunidades de refletir sobre as origens das normas que regem as nossas eleições.

Serão apresentados recortes históricos que não têm a pretensão de esgotar o encadeamento de fatos que nos
trouxeram até o hodierno degrau da nossa normatividade em termos eleitorais, mas que buscarão despertar uma visão
que transcende a simples observação do estágio atual do regramento dos processos eletivos em nosso país.

Teremos oportunidade de “mergulhar” na dogmática desse ramo especializado do saber jurídico. Agora o que nos importa
é apresentar um viés crítico hábil a introduzir o estudante de especialização em uma seara em que a compreensão
do objeto escape ao ultrapassado juspositivismo. Precisamos ter uma relação com o Direito que não menospreze a
dogmática, mas que não a coloque a salvo de temperamentos.

Propositalmente, será concedida especial relevância a um fato histórico recente: a aprovação da primeira lei de iniciativa
popular em matéria eleitoral e seus desdobramentos na elevação do status acadêmico do Direito Eleitoral.

Veremos como uma lei de poucos artigos mudou o “centro gravitacional” dessa especialidade jurídica que se confunde
com a própria Constituição: não há que se falar em República, Democracia, soberania popular, cidadania, igualdade e
liberdade, entre tantos outros valores e direitos fundamentais, sem a realização dos direitos políticos pela via de eleições
justas, igualitárias e limpas.

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Unidade Única

História do Direito Eleitoral

Capítulo 1 – Uma Introdução Crítica

Nesta disciplina apresentaremos um breve relato histórico em que se procura correlacionar a evolução dos fatos sociais
e sua correspondente influência na edição das normas eleitorais brasileiras. Por isso mesmo, não se realizará apenas uma
apresentação cronológica da legislação eleitoral, mas uma análise crítica do contexto em que se deu o desenvolvimento
do Direito Eleitoral, ramo do saber jurídico que só recentemente passou a merecer maior respeito acadêmico.

O acesso aos mandatos políticos ocorre, no Brasil, por intermédio da conquista de cargos eletivos caracterizados pela
transitoriedade e providos mediante votação universal, direta, secreta e com valor igual para todos.

O processo eleitoral – aqui compreendido como a sucessão de fases para a seleção dos mandatários públicos – é
influenciado pela distribuição (ou falta de distribuição) efetiva do poder entre os diversos extratos componentes da
sociedade.

Não é difícil compreender que os grupos ou classes sociais com maior nível de coesão, organização e mobilização tendem
a possuir também melhores condições de ter acesso aos cargos públicos. A compreensão das regras que informam
o processo eletivo – a qual passa necessariamente pelo conhecimento e respeito às normas jurídicas que limitam
as atividades de campanha – parece variar entre as pessoas segundo seu maior ou menor pertencimento a redes de
interação social.

Por outro lado, entende-se que, entre as pessoas desmobilizadas (ou seja, não pertencentes a qualquer forma de
interação social organizada, tais como associações, clubes, igrejas, partidos, sindicatos etc.), o incremento da alienação
política pode favorecer a conquista e a manutenção do poder político por parte de grupos melhor organizados, ainda que
numericamente menores. O fluxo de “energia política” é mais ou menos intenso em uma proporção que varia segundo a
intensidade das relações entre pessoas, grupos e organizações que convivem em uma mesma sociedade.

O pertencimento a redes sociais, associações, grupos de cidadania,


círculos de amizade é, além de elemento importante para a geração
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de capital social, uma verdadeira escola de participação política,


reforçando vínculos sociais mais igualitários e o incremento de
laços de confiança e de normas de reciprocidade imprescindíveis
ao funcionamento “saudável” das instituições eleitorais.

Em nosso país, parte significativa dos cidadãos está excluída – por condicionantes econômicos, sociais e culturais – da
capacidade real de influir de modo consciente e organizado nos processos de seleção de dirigentes e na definição das

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História do Direito Eleitoral Unidade Única

políticas públicas por eles adotadas1. A exclusão social e o individualismo figuram entre os elementos que impedem o
desenvolvimento de visões mais esclarecidas da realidade política, estabelecendo as oportunidades para a manipulação
do voto.

Isso favorece a compreensão da política como um espaço para a satisfação de interesses pessoais, suscitando prática –
bastante frequentes – de mercantilização, não apenas das disputas eleitorais, senão da própria atividade política como
um todo. A baixa participação cidadã diminui o espaço para o desenvolvimento do sentido de solidariedade e tolerância,
valores inerentes às formas mais avançadas de participação política.

A exclusão social, por tudo isso, além de ser um fator prejudicial em si mesmo, contribui para o distanciamento entre as
pessoas e dificulta o estabelecimento de vínculos sociais fortes, garantindo a sobrevivência das condições que ajudam
a explicar a desmobilização política de diversos segmentos da sociedade.

Os baixos níveis de associação e cooperação contribuem para a criação de vínculos interpessoais de baixa intensidade,
diminuindo as oportunidades para o desenvolvimento de formas mais aprimoradas e complexas de interação social, com
reflexos negativos para a qualidade da participação política.

Uma sociedade carente de vínculos sociais mais aprimorados tende a práticas individualistas. Transplantado para o
domínio da experiência política, tal impropriedade pode robustecer o clientelismo e o personalismo, duas distorções
presentes ao longo da nossa história política.

A esse respeito Sérgio Buarque de Holanda esclarece que:

Em sociedade de origens tão nitidamente personalistas como a nossa, é compreensível que os simples
vínculos de pessoa a pessoa, independentes e até exclusivos de qualquer tendência para a cooperação
autêntica entre os indivíduos, tenham sido quase sempre os mais decisivos. As agregações e relações
pessoais, embora por vezes precárias, e, de outro lado, as lutas entre facções, entre famílias, entre
regionalismos, faziam dela um todo incoerente e amorfo... (2005, p. 61).

Em seu prestigiado estudo sobre as “Raízes do Brasil”, o mencionado autor destaca a fragilidade das formas de
cooperação entre os indivíduos. Essa foi talvez a principal marca da ação política no Brasil colonial, a qual não deixou de
propagar a sua influência por todo o desenvolvimento das instituições políticas e eleitorais brasileiras.

Na visão de Gilberto Freyre, a família rural ou quase rural era a verdadeira unidade social, enfraquecendo as relações
Eleitoral da Gestão por Projetos

entre as outras formas de organização social e criando as bases para a dominação oligárquica:

Vivo e absorvente órgão da formação social brasileira, a família colonial reuniu, sobre a base
econômica da riqueza agrícola e do trabalho escravo, uma variedade de funções sociais e
econômicas. Inclusive, como já insinuamos, a do mando político: o oligarquismo ou nepotismo, que
aqui madrugou, chocando-se ainda em meados do século XVI com o clericalismo dos padres da
Companhia (2005, p. 84).
e Implementação

Essa atenção à família como espaço de atuação privilegiado se dava com o abandono de formas mais avançadas de
interação social, à diferença do que se havia observado em outras sociedades, como a norte-americana, por exemplo, em
que Alexis de Tocqueville, desde cedo, observou uma propensão por condutas coletivas e associativas.
do Direito

A desmobilização social observada ao longo da nossa história nos privou em parte das consequências produtivas das
Organização

relações em rede, como a educação para a vida política.


História

1
O demógrafo Thierry Linard de Guertechin afirma que “parte significativa da população está se tornando inútil para o sistema dominante e, literalmente, sem emprego, em uma e
para uma sociedade globalizada” (Lestienne, 2003, 23).

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História do Direito Eleitoral Unidade Única

Assim apresentada, a exclusão atuou como um problema duplo: por um lado, incorporou as graves consequências da
negativa de acesso aos bens da vida; por outro, tornou mais improvável o exercício do poder pelos setores desmobilizados
e até mesmo a sua participação mais efetiva no exercício do poder político.

A evolução das relações sociais e políticas de uma sociedade está


refletida no conteúdo da sua legislação eleitoral?

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História do Direito Eleitoral Unidade Única

Capítulo 2 – O Surgimento e a Evolução das


Instituições Eleitorais Brasileiras

Para aprofundar um pouco mais as reflexões sobre o desenvolvimento das instituições brasileiras, é interessante
empreender agora uma rápida revisão dos principais fatos que as marcaram, especialmente quanto ao sistema
representativo na história jurídica e política brasileira.

A história da representação política no Brasil poderia ser aqui resumida, para os fins a que nos propomos nesta disciplina,
em duas fases distintas, baseadas no modelo institucional adotado para a administração dos processos eleitorais. Sob
os traços que delineiam o modo de organização dos pleitos eletivos, serão buscados elementos que servirão de base
para uma melhor compreensão do grau de evolução da sociedade brasileira e sua repercussão nas normas e práticas
eleitorais.

Passemos ao estudo dessas fases.

Fase I – O Sistema de Verificação de Poderes


Entre as primeiras experiências eleitorais ao longo do Período Colonial (1500-1822), Independência (1822-1899) e
Primeira República (1899/1930), o Brasil convivia com o denominado “sistema de verificação de poderes”. Por ele, o
processo eleitoral era presidido pelo próprio governo, o qual, por sua parte, o realizava por meio de comissões designadas
pelos Parlamentos.

O primeiro registro histórico sobre um processo eleitoral no Brasil


Colônia se refere à escolha dos membros do Conselho Municipal da
Vila de São Vicente – SP, em 1532.
Eleitoral da Gestão por Projetos

Os métodos de seleção de mandatários, naqueles períodos, segundo registram os estudos existentes a respeito,
combinavam a edição de leis desenhadas para favorecer a vitória eleitoral de quem já estava no poder. Ao mesmo tempo, fora
dos marcos legais, a fraude, os abusos de poder e a violência caracterizavam as campanhas, subtraindo-lhes a legitimidade
dos resultados que, por sua vez, não chegavam a ser questionados adequadamente em virtude da inexistência de normas
jurídicas adequadas, da falta de articulação de forças entre os grupos alijados do poder político e da ausência de outros
e Implementação

meios propícios para a contestação do regime.

As experiências eleitorais mais significativas tiveram início com as Cortes de Lisboa (1821) e a Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa (1822). A primeira dizia respeito à eleição dos deputados brasileiros que participariam da
do Direito

Assembleia responsável para edição da nova Constituição do reino, em Lisboa, em que se reconhecia ao Brasil o direito
Organização

de participar do novo desenho constitucional da colônia. A segunda anunciava os feitos que se concretizaram com a
emancipação política estabelecida após a declaração de independência em 7 de setembro de 1822.
História

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História do Direito Eleitoral Unidade Única

Sobre esse intervalo de tempo Raymundo Faoro (1975) ensina que:

A sociedade luso-brasileira contraiu, a partir da Revolução Portuguesa de 1820, o achaque liberal.


Contraiu é o termo: o liberalismo não seria mais que uma doença importada, com a qual deveria
conviver sem a ela ceder. A eleição manipulada, artificiosa nos instrumentos, falsa na essência, será
a condescendência sem a adesão.

A adoção das ideias liberais relativas à necessidade de eleição dos titulares de mandatos políticos, mais por influência
externa que por conquista popular, foi realizada sem que trouxesse modificações nos privilégios da aristocracia,
especialmente representados pelo latifúndio e pelo escravagismo2.

Isso fica patenteado por uma legislação não estável, sem alicerce constitucional e mantenedora de privilégios. No nível
da legalidade podem ser citados, como exemplos, os seguintes instrumentos normativos:

• A Lei dos Círculos, de 1853, em virtude da qual, por simples decreto, foram definidas áreas de divisão territorial
para fins eleitorais, quando, para a hipótese, o art. 97 da Constituição de 1824 já exigia a promulgação de
lei específica.

• Lei do Terço, de 1875, que fixava antecipadamente a proporção de cadeiras acessíveis pela minoria. Teve o
mérito de proporcionar alguma representação às oposições, evitando a ocorrência das denominadas “cortes
unânimes”.

• Lei Saraiva, de 1881, que estabeleceu as eleições diretas, antes realizadas em dois graus, mas que, por
outro lado, impôs maiores exigências para a comprovação da renda, necessária ao exercício do voto. É
interessante a circunstância em que o sistema de votos em diversos graus (ou colégios eleitorais de distintos
níveis), superado pela edição da Lei Saraiva, foi diretamente influenciado pela Constituição de Cádiz, de 1812
(CÂNDIDO: 2004, p. 28).

• Lei Rosa e Silva, de 1904, que autorizou o “voto a descoberto” (COSTA PORTO, 2000, p. 270), isto é,
suprimiu o sigilo do voto.

É curioso registrar que até 1842, quando no dia 4 de março foi editado o Decreto nº 157, era possível o exercício do
voto por meio de terceira pessoa dotada de procuração (CÂNDIDO, op. cit., p. 27)3.

Todo esse período foi marcado pelas denominadas “eleições a bico de pena” – uma referência ao objeto utilizado para
a redação das atas eleitorais –, em que quem de fato escolhia os novos mandatários não eram os eleitorais, senão os
componentes das mesas eleitorais que simplesmente “criavam” os mapas reveladores do resultado da eleição.

Era comum o voto dos mortos e daqueles que já não residiam na localidade. Em certa época, os eleitores mais propensos
a votarem na oposição podiam ser esperados à porta das sessões eleitorais por agressores mercenários. Esse foi o caso
dos “capoeiras” (Bahia) e dos “cacetistas” (Rio de Janeiro)4.
2
Segundo José Murilo de Carvalho, “A realidade da vida política distava muito dos dispositivos legais. O novo país só havia tido experiência representativa no nível local e, mesmo
assim, nas eleições municipais da época colonial, só votavam os chamados ‘homens bons’, ou seja, os proprietários de terra. A abertura do direito de voto a outras camadas da
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população não resultou de imediato no bom funcionamento do sistema representativo. Mulheres e escravos não votavam. A dependência social da população impedia que os
cidadãos exercessem com autonomia o direito de voto. O controle dos senhores de terra no interior e a pressão das autoridades nas cidades falseavam as eleições. A situação
agravou-se quando os analfabetos foram proibidos de votar, em 1881. A partir de então, mesmo em eleições presidenciais, só superou 30% da população em 1930. Não se podia
falar na existência de democracia representativa no Brasil, nem mesmo após a proclamação da República. Nem a república tinha povo” (2004, p. 28).
3
Acerca desse decreto, Fábio Konder Comparato relata que: “Em 1842, diante do escândalo geral provocado pelo ambiente de violência em que se desenrolara o último pleito,
conhecido em nossa história política como “as eleições do cacete”, o Governo decidiu baixar um decreto regulador do processo eleitoral, o de no 157, de 4 de maio. Em que pese às
boas intenções governamentais, o Decreto era evidentemente inconstitucional, e a oposição não deixou de denunciar o fato. O art. 97 da Carta estatuía que ‘uma Lei regulamentar
marcará o modo prático das Eleições, e o número dos Deputados relativamente à população do Império’. Um decreto governamental não podia, a todas as luzes, ser aceito como
o equivalente de uma lei” (Comparato: 2000, p. 308).
4
É de Costa Porto o seguinte registro: “No final do Império, os capoeiras participavam ativamente das campanhas eleitorais, atemorizando os votantes contrários. José Murilo
de Carvalho lembra o depoimento de diplomata francês, para quem as eleições, de então, eram resolvidas a porrete, a faca e a revólver, sendo os capoeiras agentes eleitorais
muito úteis: ‘votavam um número indefinido de vezes, impediam de votar os adversários de seu chefe, em caso de reclamações ou resistência recorriam à ultima ratio certos da
impunidade garantida pelos chefes políticos’” (2000, p. 278).

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História do Direito Eleitoral Unidade Única

A violência que promoviam não raramente chegava às agressões físicas. Os cacetistas (nome alusivo ao uso faziam de
cacetes ou bordunas) “eram grupos armados que repeliam, da porta das matrizes, os votantes da oposição” (COSTA
PORTO, 2000, p. 87). Costa Porto nos recorda que o ano de 1840, no Rio de Janeiro, entrou para a história como aquele
em que se deram as “eleições do cacete” (2000, p. 87).

À oposição se reservavam poucas cadeiras parlamentares, somente para legitimar a supremacia do Governo. Costa
Porto ensina que “nas eleições de 1848, o novo governo, dirigido pelo Conservador Araújo Lima, diminuiu a bancada
liberal a apenas uma cadeira” (2000, p. 185). Além disso, “... na Câmara de 1850-1852, de maioria conservadora, só
um liberal foi reconhecido, Bernardo de Souza Franco. Em 1852, os conservadores, com Itaboraí à frente do Gabinete,
obtiveram a unanimidade na Câmara ...” (2000, p. 185).

Após a expedição do Decreto de 26 de março de 1824, a recepção dos votos passou a ser realizada no interior
dos templos católicos. Se pretendia, com isso, que, por respeito ou devoção, ali não se realizassem atos de
agressão contra aos eleitores. Mas essa estratégia não alcançou o êxito esperado. No Estado do Ceará,
ficaram conhecidas como “cerca-igrejas” as hordas que, sob o soldo dos coronéis, invadiam os templos para
ameaçar e agredir quem ousasse pretender exercitar o direito de voto.

O romancista José de Alencar (1969) deixou registrado em sua clássica obra “A Guerra dos Mascates” o seguinte relato:
No dia seguinte o corpo da igreja onde se fez a eleição, apresentava aspecto igual ao teatro de
uma bacanal. Rolavam pelo chão, de envolta com aqueles objetos respeitáveis, maços de cédulas
arrancados à urna violada, e sobejos da opípara ceia com que banquetearam a seus janízaros.
[...]
E o governo, depois de se debochar nessa orgia, ousará ainda com o maior cinismo falar em liberdade
de voto e pureza de eleição! Infeliz país, governado por lacaios a quem servem outros lacaios, e
outros, desde a antecâmara até a cocheira.

Mas, se mesmo após a utilização de alguns ou de todos esses mecanismos o resultado eleitoral alcançado não fosse
Eleitoral da Gestão por Projetos

aquele que se esperava, existiam alternativas: com os ligados ao governo se empregava o “esguicho” (ou complementação
fraudulenta da votação); aos oposicionistas se lhes reservava a “degola” (ou a diminuição, mediante fraude, dos votos
efetivamente obtidos).
A fase da verificação de poderes não teve fim, entretanto, com a proclamação da República, fato ocorrido em 15 de
novembro de 1889.
A denominada “República Oligáquica” ou “Primeira República” (1889-1930) foi dominada pelo coronelismo (hegemonia local
e Implementação

das elites rurais), pela política dos governadores (domínio dos governos locais) e pela política do café com leite (sucessão
presidencial previamente pactuada entre os produtores de café de São Paulo e os criadores de gado de Minas Gerais).

Os coronéis5 operavam como conversores de favores administrativos em poder eleitoral6. Esse panorama político,
do Direito

marcado pela opressão local, funcionou como a base de legitimidade para a supremacia política do poder econômico,
Organização

5
Brandão Cavalcanti et al. explicam a formação do coronelismo: “Ao término da estamentação militar, a classe dos proprietários rurais (o latifúndio caracterizava o regime
territorial) ficou sendo o único estrato dominante ao nível federal, pois já o era, desde o início da República, nos planos municipal e estadual. Sabemos que, com o colapso do
História

mecanismo centralizador do Império, o velho princípio territorial (agora reforçado pela pujante expansão dos cafeicultores) emergiu irresistível e naturalmente. Logo que se
ausenta, com o 15 de novembro, a pressão imperial, surgirá nos municípios, como chefe político local, o potentado rural mais forte, podendo ter havido ou não concorrência em
torno dessa hegemonia. Como veremos, serão os chefes das dominações nesse plano, e apenas nesse, que receberão o nome de coronéis ...” (1975, p. 127).
6
“Na Colônia assim como na Velha República os notáveis locais utilizaram a autoridade da câmara para defender, reter e comumente para expandir seus interesses pessoais.”
(PANG: 1973, p. 66).

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História do Direito Eleitoral Unidade Única

definida pela propriedade da terra. Daí decorre a conclusão de Walter Costa Porto segundo a qual “em nossa Primeira
República, todas as análises, seja o do enfoque do coronelismo ‘forma peculiar de manifestação do poder privado’, como
o queria Victor Nunes Leal...”, seja a partir do enfoque clientelar, a partir da manipulação de bens públicos, indicam o
falseamento da representação política pelo abuso do poder” (2000, p. 21).

No seu prestigiado livro “Coronelismo, Enxada e Voto”, Nunes Leal


(1975) realizou o mais importante estudo sobre as práticas eleitorais
na Primeira República, apresentando a preservação dos vínculos de
clientela rural como a primeira fonte das opções eleitoras.

Com o início da industrialização, outros fatores políticos começaram a merecer reconhecimento. Todavia, assim como
o desenvolvimento da indústria não ocorreu igualmente em todo o país, as relações políticas foram afetadas de modo
diferenciado.

Disso nos fala Pang:


O êxito do Sul e o fracasso do Nordeste para construir um sistema partidário foi apenas um dos muitos
fatores importantes para a reconstrução de uma liderança política rural. No Centro-Sul os partidos
republicanos efetivamente mantiveram os coronéis locais sob seu controle, transformando-os em
obedientes membros do partido, enquanto o Nordeste de múltiplas facções sentiu pouco a integração
da consta e do sertão sob as regras de um partido forte (1973, p. 70).

O tenentismo representou a insatisfação das classes médias, revelado pela repulsa à corrupção e à fraude eleitoral,
tendo por objetivo o fim da República das Oligarquias, a deposição do presidente da República e a autonomia do
Exército.

Em livro datado de 1922 (dez anos antes que viesse a se abandonado o sistema de verificação de poderes), Edgard Costa
já proclamava, referindo-se às mesas encarregadas do serviço eleitoral, que:
estas mesas, organizadas em regra por elementos partidários, não oferecem as mesmas garantias de
imparcialidade que oferecem as presididas por juízes, alheios e desinteressados que são ao resultado
das eleições, às quais, cada vez mais, à medida que vai crescendo o corpo eleitoral, ficaram em
minoria (1922, p. 17).

E concluía:
É necessário, por tanto, urgentemente, um aumento do número de mesas presididas por autoridades
judiciárias; quanto maior for esse número, quanto mais predominem elas sobre as constituídas,
exclusivamente, por eleitores, tanto maior será o coeficiente da verdade eleitoral. (1922, p. 18).
Pós-Graduação a Distância

De fato, a fraude e o peso da administração eleitoral garantiam o controle do poder. Daí que, “entre 1902 e 1930,
nenhum candidato a presidente da República [apoiado pelo governo] perdeu a eleição” (PANG, 1973, p. 71).

A política do café com leite atingiu os seus estertores em 29 de outubro de 1929, com o crash da Bolsa de Valores de
Nova York e o subsequente declínio global e drástico dos preços internacionais dos produtos agrícolas. Prefigurava-se
um novo pacto social, político e econômico a partir da emergência de outros atores políticos no cenário brasileiro, um
fator que poderia causar grandes mudanças no atual modelo político, mas que há muito tem espalhado suas bases sobre
a formação ou a manutenção do clientelismo político.

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História do Direito Eleitoral Unidade Única

A crise política e econômica resultou na tomada do poder, em 1930, pela Aliança Liberal, liderada por Getúlio Vargas.
Entre os motivos para o golpe estava a alegação de fraude nas eleições daquele ano, oficialmente vencidas por Júlio
Prestes (candidato do presidente Washington Luis), cujo resultado foi completamente adulterado.

Em seu discurso de posse no cargo de Presidente da República, em 03 de novembro de 1930, Getúlio


Vargas anunciou a criação de uma Justiça Eleitoral para debelar o mal do “caciquismo político”.

Entre as principais ideias que marcaram o projeto de país anunciado na época estava a reforma do sistema eleitoral,
tendo em conta principalmente a “segurança do voto” e a reorganização do aparelho judiciário no sentido de que
passasse a dirigir o processo eletivo em todas as fases. Na verdade, a Revolução de 1930 foi o produto de um novo
pacto entre as elites brasileiras, que deixaram de ser representadas exclusivamente pelas oligarquias rurais de Minas
Gerais e São Paulo. De acordo com Luiz Werneck Vianna:

A revolução de 1930 consistiria, pois, em um retorno às raízes patrimoniais, obedecendo ao movimento


oculto das estruturas, e não em uma invenção com a qual os dirigentes da ordem burguesa, diante
da crise de legitimidade da Primeira República, haveriam ampliado o alcance da universalização do
Estado, impondo maior autonomia quanto à esfera dos interesses – nesse caso, os dominantes em
São Paulo –, com o fim de permitir a incorporação ao sistema da ordem dos personagens emergentes
da vida urbana, como militares, empresários, operários, intelectuais. O que seria o feliz período
1889-1930, quando os interesses encontraram representação na política e formaram o Estado,
no contexto institucional da Carta americana de 1891 e do sistema de dominação formalmente
racional-legal dela derivado, foi, como é sabido, o momento republicano em que a esfera pública foi
apropriada pela esfera privada em que se solidarizou aquele sistema de dominação com e a ordem
patrimonial pela via do sistema político do coronelismo7.

Nesse momento histórico surgiu a Justiça Eleitoral. O discurso da superação de fraude eleitoral, apresentada como uma
das causas da Revolução de 1930, exigiu a adoção de um novo modelo de administração dos processos eleitorais, sendo
então adotado o sistema judicial. Tenhamos em mente, por outro lado, que as relações sociais continuavam baseadas
Eleitoral da Gestão por Projetos

na manutenção de vínculos clientelistas de dependência. Por isso, a vida política permaneceu sob o controle dos
novos coronéis, agora ampliada pela necessidade de ocupar espaços sociais mais complexo do que o modelo dominado
exclusivamente pelos proprietários rurais.
e Implementação

O Decreto no 21.076, de 24 de fevereiro de 1932, instituiu a Justiça Eleitoral, pondo fim ao sistema de
do Direito

verificação de poderes no Brasil. A Constituição de 1934 foi a primeira a dispor sobre a Justiça Eleitoral,
que, sem embargo, seria extinta três anos depois pela Constituição de 1937. Com a redemocratização do
Organização

país, em 1946, a Justiça Eleitoral voltou a ser prevista constitucionalmente.


História

7
Weber e a interpretação do Brasil. (In: www.gramsci.org/arquiv35.htm).

16
História do Direito Eleitoral Unidade Única

Veja-se, entretanto, que “somente a partir das Constituições de 1934 e 1946, o país passou a difundir os direitos
políticos, com a universalização do voto, excetuando aos analfabetos. Até 1930, lembre-se que a democracia tinha
características bastante restritas. A título de ilustração, nesse ano, somente 5,6% da população brasileira foi às urnas”
(CAMPOS, 2004, p. 33).

Fábio Konder Comparato afirma que “os políticos da maioria dominante procuravam adaptar a legislação a suas
conveniências pessoais, praticando aquele abuso de poder que Rousseau considerava o mais corruptor de todos: a
manipulação legislativa” (2000, p. 314).

O histórico domínio do governo sobre as eleições e as características socioeconômicas das lideranças locais criaram
uma política baseada em redes de negócios, onde os detentores do poder continuaram a ser os maiores beneficiários.

A cédula oficial e a folha de votação (para controlar a frequência dos eleitores), só foram adotadas em 19558. Até
aquele momento, competia aos próprios partidos políticos a confecção das cédulas.

Com a ditadura militar de 1964, manteve-se a Justiça Eleitoral, sendo abolida, no entanto, a votação direta para a
escolha do Presidente da República.

A ditadura militar intensificou significativamente a exclusão social no Brasil. Campos afirma que “a ampla
literatura nacional especializada que trata desse período terminou por analisar os resultados contraditórios
procedentes da relação entre a expansão significativa da economia e o predomínio do regime político
autoritário (1964/1980). No que se refere ao processo de exclusão social se observou sua significativa
transformação, que inclusive diante da melhora de indicadores como escolaridade e pobreza, aumentou a
desigualdade sócio-econômica no Brasil” (2004, p. 35).

Já sob a autoridade da Constituição de 1988 surgiram alguns aprimoramentos. Juntas, a nova Lei dos Partidos Políticos
(Lei no 9.095/1995) e a Lei no 9.504 (ou Lei Eleitoral), publicada em 1997 (que deu mais estabilidade regras eleitorais,
pondo fim a uma longa sucessão de leis casuísticas9 e a universalização do voto eletrônico), promoveram a eliminação
das formas mais comuns de fraude previamente conhecidas.

Quais foram os principais estágios evolutivos das nossas


instituições eleitorais?
Pós-Graduação a Distância

8
“Em 1955, a Lei no 2.550 criou a folha individual de votação, por iniciativa do Presidente do TSE, Ministro Edgar Costa. Nesse mesmo ano a Lei no 2.582 instituiu a cédula oficial
para as eleições presidenciais, estendida às eleições proporcionais pela Lei no 2.962, de 30 de novembro de 1956. Foram essas as únicas mudanças no período que, à semelhança
da república velha, sob o Governo Wenceslau Braz, consistiu em tentar aprimorar a forma sem tocar na substância” (MESQUITA JUNIOR, 2003., p. 18).
9
Somente entre 1991 e 1995 três leis distintas estabeleceram as normas do processo de seleção de candidatos. Foram as Leis nos 8.214, de 24.7.91; 8.713, de 30.9.93 e 9.100, de
29.09.95. A respeito desse tema, Maria Tereza Sadek disse que: “A instabilidade da legislação também tem estimulado a pluralidade de decisões. Nos últimos decênios, não houve
praticamente duas eleições regidas por um mesmo texto legal. Mudanças constantes dificultam o desenvolvimento de entendimentos uniformes e a criação de padrões de comportamento.
Como, contudo, a legislação modificada a cada eleição, torna-se difícil a sedimentação de regras seguras sobre as diferentes etapas do processo eleitoral” (1995, p. 64).

17
História do Direito Eleitoral Unidade Única

Capítulo 3 – Exclusão e Abuso do Poder Econômico e Político

A compreensão de “abuso de poder econômico e político”, como um meio de conquista da vitória eleitoral, pode ser
melhor alcançada com o auxílio da teoria social. A exclusão social e econômica está ligada à exclusão política. Disso
decorrem duas diferentes distorções que frequentemente pervertem a validade do processo eleitoral brasileiro:

a) o abuso de poder político ou administrativo, caracterizado pelo desvio ilícito dos mecanismos de governo
(corrupção) para fins partidários ou eleitorais;

b) abuso do poder econômico, caracterizado pela quebra da legitimidade e legalidade do processo eleitoral por
meio da gestão dos bens materiais como uma maneira de quebrar o equilíbrio nas eleições.

No primeiro caso, temos o comportamento daqueles que, estando no exercício do poder político ou gozando do apoio
daqueles que exercem esse poder, recebem o benefício direto de bens e serviços componentes do poder público, desviado
do seu objetivo inicial de privilégio uma campanha. É a situação do candidato que abre postos de trabalho na véspera
do dia da votação, que usa de materiais de escritório destinados à impressão de material de propaganda eleitoral, que
intimida funcionários para que integrem a sua campanha, que oferta aos eleitores combustível comprado com dinheiro
público, estabelece ligações entre a campanha eleitoral e programas sociais do governo etc.

No segundo caso, estão todos os comportamentos baseados na desigualdade de recursos materiais, a qual também
causa desequilíbrio em termos de acesso a oportunidades eleitorais. Um exemplo interessante vem da comparação entre
o resultado de uma pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a investigação sobre a corrupção
eleitoral no Brasil. A análise conjunta desses dados revela um grave indício da relação direta entre a exclusão social e
abuso poder econômico.

Segundo a OMS, “14,4% dos brasileiros já perderam todos os dentes. Entre as mulheres com baixos rendimentos, com
mais de 50 anos, essa taxa atinge 55,9%”10. Por outro lado, compulsando dados sobre as eleições de 2000, vemos que
foram noticiados e comprovados casos de corrupção de eleitores por meio do oferecimento de dentaduras em muitas
partes do país e em pelo menos três regiões muito diferentes. Isso aconteceu, por exemplo, nas cidades de Sobral
(Nordeste)11, Ribeirão Corrente (Centro-Oeste)12 e Monte Alegre dos Campos (Sul)13. Na eleição de 2002, dois deputados
do estado do Amapá perderam seu mandato após a verificação da oferta de bens e benefícios aos eleitores, entre os
Eleitoral da Gestão por Projetos

quais estava apenas a doação de dentaduras.

Outras situações revelam o comprometimento dos processos eleitorais mediante abuso do poder econômico. Em um
caso curioso, ocorrido em Pacajús (CE), a Justiça Eleitoral cassou o mandato do prefeito acolhendo a alegação de
que houvera distribuição de combustível aos eleitores, em uma ocasião em que até um helicóptero foi usado durante
a campanha para reforçar a imagem do candidato como homem poderoso. Pacajús está localizada em uma das regiões
mais pobres do país14.
e Implementação

10
Veja-se a respeito a notícia publicada no Jornal do Brasil: “Um País de Desdentados” em jbonline.terra.com.br/jb/papel/brasil/2004/05/18/jorbra20040518001.html.
11
“Consta no processo que a denúncia chegou à Justiça Eleitoral porque a protética responsável por fabricar as dentaduras não recebeu pelo serviço feito e, por isso, formulou a
acusação” (Agência Folha, 18/10/2002).
do Direito

12
“Moradores de Ribeirão Corrente, cidade de 3,5 mil habitantes no interior de São Paulo, denunciaram na polícia o vereador Genésio de Oliveira (PSDB), reeleito pela terceira vez,
de ter trocado votos por dentaduras. Eles reclamam que o material utilizado é de péssima qualidade. Vinte e um eleitores já prestaram depoimento na polícia. Genésio, que é
Organização

protético, disse que vai se defender na Justiça” (Fuente: Agência Estado, 10 de novembro de 2000).
13
Por decisão do Tribunal Regional Eleitoral, Monte Alegre dos Campos (RS) perdeu ontem 27% do seu eleitorado devido a transferências irregulares de títulos. De acordo com o
História

processo aberto pela Justiça Eleitoral, os motivos para a transferência irregular de títulos eram assistencialistas. As promessas de vida melhor em razão da transferência irregular
incluíam doações de dentaduras e casas. Não foi identificada uma fonte exclusiva (um candidato ou partido) da atração de eleitores. A maior parte dos eleitores cuja transferência
foi indeferida pela Justiça trabalha em pomares e era originária das cidades de Vacaria, Bom Jesus e Caxias do Sul (Fonte: Congresso Nacional).
14
RESPE 21.403, Tribunal Superior Electoral.

18
História do Direito Eleitoral Unidade Única

O abuso do poder econômico prevalece onde estão presentes


profundas desigualdades sociais.

No que diz respeito à incapacidade de algumas leis eleitorais para a repressão de práticas desleais, merece referência a
seguinte citação extraída da jurisprudência:
... Julgada procedente a representação prevista no artigo 22 da LC 64/90 depois da eleição e da
diplomação do candidato, não é possível a destituição do mandato eletivo, persistindo a sanção de
inelegibilidade para as eleições que se realizem nos três anos subsequentes à eleição em que se
verificou a inelegibilidade (Ac. 11.889, de 23.05.1995, RespEl, rel. Min. Jesus Costa Lima, Julgados
do TSE 5/23, jun. 1995).

Adriano Soares da Costa, importante estudioso do nosso Direito Eleitoral, fez o seguinte comentário sobre a referida decisão:
Por essa razão, mesmo sendo reconhecidamente ilegal a candidatura e a concessão do diploma ao
Vereador eleito, havendo a Justiça Eleitoral reconhecido o abuso de poder econômico e político que
desequilibrou a eleição em seu favor, impedindo a liberdade do voto e a democracia, ainda assim
poderá o beneficiário de toda essa imoralidade exercer seu mandato livremente, embora sabendo que
não poderá ser candidato outro cargo ao longo dos três anos seguintes. Muito triste e constrangido,
exercerá o Vereador seu mandato, que tem quatro anos de duração (!), ao cabo dos quais poderá
no poderá novamente concorrer ao mesmo cargo, ou quem sabe, ao cargo de Prefeito, talvez agora
se valendo de um abuso muito maior de poder econômico e político, pois se sabe suficientemente
recompensado com tal procedimento (2000, p. 156).

Além do exemplo acima, outros pontos podem ser indicados como elementos característicos da ineficiência dos
instrumentos legais que devem reger a repressão de atos de abuso de poder nas eleições:
a) Estabelecimento de uma sanção de duração muito breve (apenas três anos a contar da data da eleição) para
a inelegibilidade aplicada como resultado dessa prática15. Uma vez que os mandatos têm duração de quatro
ou oito anos (no caso específico do Senado), apesar de ter sido condenado o que cometeu o ato abusivo, ele
pode voltar à disputa política nas eleições imediatamente seguintes.
b) A exigência de esgotamento dos recursos, como condição para a aplicação da inelegibilidade, impedindo que
a medida seja efetivamente aplicada em virtude da utilização dos muitos recursos permitidos por lei16.
c) Exigência da verificação do potencial impacto do ato abusivo no resultado das eleições, o que impede a
punição de atos de corrupção eleitoral por sua mera ocorrência17.
Outra deficiência encontrada no modelo jurídico de organização das eleições no Brasil é a adoção do sistema de votação
com listas abertas. Esse modelo – até hoje adotado para os cargos nos Parlamentos municipais, estaduais e federal –
é responsável pela personalização das campanhas políticas, caracterizado por uma preponderância dos interesses
individuais dos candidatos sobre as bandeiras ideológicas dos partidos políticos18.
Pós-Graduação a Distância

15
“Cuidando de representação visando à apuração de alegada prática de abuso do poder político e econômico, que resultara na inelegibilidade por três anos (cfr. art. 22, XIV, da LC
no 64/90) dos representados, certo é que o aludido prazo expirou em 1.10.2003, sendo patente, nos termos da jurisprudência desta Corte, perda de objeto da ação” (TSE – AAG
3493, de 14.10.2003).
16
“A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE É PACÍFICA NO SENTIDO DE QUE O PRAZO DE INELEGIBILIDADE CONTA-SE DAS ELEIÇÕES EM QUE OCORRERAM OS FATOS ABUSIVOS,
DEPENDENDO PARA SUA APLICAÇÃO QUE TENHA OCORRIDO O TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO” (TSE – AAG 1123, de 31.8.1998).
17
“Para a configuração da prática do abuso de poder haverá de ser verificada a potencialidade de os fatos influenciarem no resultado do pleito, por meio de investigação judicial
eleitoral da Lei das Inelegibilidades” (TSE – AAG 4081, de 25.9.2003).
18
Segundo Boschi, “A utilização de representação proporcional é também uma característica marcante da matriz institucional brasileira: a Câmara de Deputados é eleita por
um sistema proporcional de lista aberta através do qual os eleitores votam nos seus candidatos. Como se pode deduzir, o sistema de lista aberta favorece o personalismo em
detrimento dos partidos durante a realização de campanhas eleitorais” (2004, p. 9). Comparato considera que “A fórmula idealizada por Assis Brasil – listas partidárias abertas
e voto nominal (6) – viria a ser o principal fator de enfraquecimento dos partidos políticos” (2000, p. 311).

19
História do Direito Eleitoral Unidade Única

Sobre isso Luís Felipe Miguel afirma que “em todo o país, os deputados federais são escolhidos pelo sistema
de representação proporcional com listas partidárias abertas, o que incentiva a competição interna nos partidos e
personaliza a campanha eleitoral. O país é dividido em distritos eleitorais multinominais, de tamanho variável, que são
os próprios Estados e o Distrito Federal” (2003, p. 122).

Os baixos níveis de engajamento cívico contribuem para a preservação das práticas de clientelismo e
dependência dos eleitores. Isso é institucionalmente favorecido pela adoção de regras eleitorais que tornam
possível a eleição de um candidato em particular, como se dá na chamada “lista aberta”.

Bruno Wilhelm Speck, da Universidade de Campinas, ressalta, por outra via, a importância da administração pública na
manutenção dessas práticas:

A compra de voto ainda é uma realidade nas eleições brasileiras. A observação empírica confirma que
as eleições são caracterizadas por uma intensa negociação de bens materiais, favores administrativos,
e promessa de cargos. Sendo uma prática antiga, ela ocorre dentro de determinados padrões
recorrentes. Pode ser organizada por integrantes da própria máquina de campanha do candidato
(distribuição de cestas e bens pelo candidato), por correligionários independentes que, com recursos
próprios ou de terceiros, conseguem comprar votos para um candidato (por exemplo médicos que dão
atendimento gratuito) ou por cabos eleitorais, que profissionalizaram a negociação dos votos.

E segue:

Estes últimos estão geralmente ligados a um representante político municipal, e atuam como
uma espécie de intermediário permanente de serviços públicos e outros favores. A dificuldade da
interface entre a administração e o cidadão e o caráter opaco dos órgãos públicos são a base para
este facilitador que, ao contrário dos outros agentes, atua não só no período eleitoral, mas de forma
permanente, mesmo em anos em que não há eleições. (2003, pp. 156-157).
Eleitoral da Gestão por Projetos

A compra de votos – uma aproximação empírica, de Bruno Wilhelm


Speck, professor do Departamento de Ciência Política Universidade
Estadual de Campinas, disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?pid=S0104-62762003000100006&script=sci_arttext>.
e Implementação

Uma pesquisa realizada pela ONG Transparência Brasil, em 2002, indica que entre os benefícios oferecidos aos eleitores
em troca dos seus votos estão os favores da Administração, além da distribuição de dinheiro e de bens materiais aos
do Direito

eleitores (2002, pp. 1-4).


Organização

Isso resulta, quanto ao Parlamento, na adoção de comportamentos que não são destinados a discutir temas de interesse
História

geral, mas a apresentação de projetos relacionados com os interesses do distrito de origem do deputado ou senador
(pork barrel). Segundo Ricci, “Ao sinalizar para os ‘seus’ eleitores através da legislação ordinária, tratando-se de eleição
proporcional e levando-se em conta os custos de investimento, é de se esperar que, à medida que aumentem a magnitude

20
História do Direito Eleitoral Unidade Única

do distrito e a população nele residente, prevaleça uma prática distributiva que beneficie grupos amplos e espalhados
sobre o território nacional, com vistas a capturar o maior número possível de eleitores.” (2003, p. 704).

A atividade política, em vez de basear-se na busca de meios para


a solução de problemas e a conquista de benefícios gerais, pode
tornar-se meio para a obtenção de benefícios materiais para certos
e restritos círculos.

A respeito desse tema Arretche e Rodden afirmam que “Os parlamentares têm fortes incentivos para conseguir que os
gastos governamentais se dirijam para as suas regiões de origem” (2004, p. 555).

Isso ocorre porque “...os membros do Legislativo não se sentem responsáveis pela formulação da política nacional e
dedicam-se primordialmente à representação de interesses regionais, corporativos ou clientelísticos” (MORAES, 2001,
p. 47). Muitas vezes, quando chega a hora de converter em vantagens eleitorais esse modo de atuação se materializa
em atos capazes de caracterizar a compra do voto.

Pós-Graduação a Distância

21
História do Direito Eleitoral Unidade Única

Capítulo 4 – Mobilização e Conquista da


Lei no 9.840/99, de Iniciativa Popular

Em fevereiro de 1997, a Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo destituído de personalidade jurídica,
vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), lançou o projeto “Combatendo a Corrupção Eleitoral”,
fruto de reflexões iniciadas no ano anterior, quando a entidade representativa dos bispos desenvolveu a sua Campanha
da Fraternidade19, tendo como tema “Justiça e Paz se Abraçarão” e como lema “Fraternidade e Política”.

O projeto deflagrado pela CBJP mantinha, assim, uma nítida relação de continuidade em relação à dita campanha
promovida pela CNBB (Daher, 2000).

Em abril de 1997, o projeto foi submetido a deliberação por parte da 35ª Assembleia Geral da CNBB, onde foi debatido
e aprovado, contendo uma agenda de atividades que contemplava a mobilização da sociedade brasileira em torno de um
tema que chamava a atenção dos seus proponentes: a compra do voto.

A metodologia adotada para o desenvolvimento do projeto envolvia a realização de pesquisas e consultas populares
(audiências públicas) com a finalidade de identificar os mecanismos mobilizacionais e institucionais que deveriam ser
ativados para um ataque frontal ao problema apresentado.

A iniciativa contemplava a necessidade de construção de um processo de mobilização política que tornasse


possível a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular. Isso tornaria possível a sua subscrição por
um grande número de brasileiros – à época pouco mais de um milhão – o que demandaria um debate com
amplos setores da sociedade.
Eleitoral da Gestão por Projetos

A propositura de projetos de lei de iniciativa popular é autorizada pelo art. 14, III, da Constituição da República Federativa
do Brasil. O art. 13 da Lei no 9.709, de 18 de novembro de 1998, que disciplina o exercício da democracia direta no
Brasil, preceitua que “A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito
por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três
décimos por cento dos eleitores de cada um deles”.
e Implementação

Em 1998, havia no Brasil 106.101.067 eleitores. Seria necessário, portanto, naquele momento, coletar apoios de pelo
menos 1.601.010 brasileiros integrantes do corpo eleitoral.
do Direito

O problema identificado pelos autores e executores do projeto remontava a uma questão antecedente à fragilidade das
normas jurídicas até então existentes: a apatia ou a concordância tácita ou explícita da maioria dos eleitores para com
Organização

a prática da compra de votos.


História

19
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, organismo da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, realiza anualmente, no período da Quaresma (os quarenta dias que
sucedem o Carnaval) a sua Campanha da Fraternidade. Em cada campanha dá-se relevo a um tema específico a fim de que sobre ele reflitam os católicos de todo o país. Além do
tema, de caráter mais genérico, apresenta-se também um lema, que orienta as atividades para a busca de finalidades específicas. Trata-se de um espaço interno de mobilização,
que no mais das vezes dialoga com questões atinentes à grande parte ou à totalidade do ambiente social brasileiro.

22
História do Direito Eleitoral Unidade Única

Inicialmente, realizou-se uma pesquisa – elaborada pelo Instituto DataBrasil da Universidade Cândido Mendes, do Rio de
Janeiro – em que se indagava dos entrevistados acerca das principais distorções que marcavam o resultado dos processos
eleitorais. O questionário era composto por cinquenta perguntas e sua aplicação se deu de forma heterodoxa: foi enviado
a todas as dioceses e outros espaços organizativos da Igreja Católica e, também, a outros organismos e personalidades.

A resposta ao questionário deveria se dar por intermédio de grupos formados para debater as perguntas apresentadas
a fim de se chegar a consensos. Isso – opção pela realização de uma pesquisa prévia e a conjugação de opiniões para
a concessão das respostas – era parte da estratégia que contemplava não apenas a construção de um projeto popular
de legislação, mas envolvia a própria motivação dos participantes para que assumissem uma postura diante do tema da
corrupção eleitoral.

Perto de trezentos questionários foram devolvidos à CBJP, num processo que levou quase um ano até que os resultados
obtidos pudessem ser apresentados à 36ª Assembleia Geral da CNBB (abril de 1988). Apesar da forma heterodoxa
como a pesquisa foi aplicada, a Comissão Brasileira Justiça e Paz reputou significativas as mostras obtidas, as quais
confirmavam a presença da prática de bens e vantagens aos eleitores em troca do seu voto em todo o território nacional.

Realizada a pesquisa teve início a fase de realização de audiências públicas.

Os eventos seguiram o seguinte cronograma:


Tabela I
Audiências públicas da campanha

São Paulo: 20 e 29 de novembro de 1997

Belém: 2 e 3 de março de 1998

Fortaleza: 11 e 12 de maio de 1998

São Paulo: 15 de maio 1998

Curitiba: 5 de junho de 1988

Goiânia: 26 de junho de 1988

Santos: 31 de julho de 1998

O texto do projeto de lei de iniciativa popular foi aprovado durante a 36ª Assembleia Geral da CNBB à qual se fez
referência. Sua elaboração se deve a um grupo de juristas designado pelo CBJP e liderado pelo Ex-Procurador Geral da
República Aristides Junqueira Alvarenga. Participaram da redação o juiz Dyrceu Aguiar Dias Cintra Júnior e o Procurador
Regional Eleitoral do Ceará José Gerim Cavalcanti. Também colaboraram no início das discussões sobre o novo projeto
de lei a ser apresentado os advogados José Antônio Dias Toffoli, atual Advogado Geral da União, e Márcio Luiz Silva.
Pós-Graduação a Distância

Aristides Junqueira foi o encarregado de apresentar aos bispos a minuta do projeto de lei, fato ocorrido no dia 27 de abril
de 1988. A decisão da CNBB de dar início à coleta de assinaturas foi tomada no dia seguinte.

Teve inicio a partir desse momento a formação de uma rede de organizações sociais interessadas no sucesso da
iniciativa. As seguintes entidades e movimentos, alguns de âmbito regional, apoiaram a campanha em alguma de
suas fases:

23
História do Direito Eleitoral Unidade Única

Tabela II
Organizações participantes do projeto

“Combatendo a Corrupção Eleitoral”

ABESC - Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas

ABI – Associação Brasileira de Imprensa

ABONG – Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais

Ação da Cidadania (São Paulo – SP)

ADI – Associação para o Desenvolvimento da Intercomunicação (São Paulo – SP)

AEC – Associação de Educação Católica do Brasil

AJD – Associação Juízes para a Democracia (São Paulo – SP)

ANDES – Sindicato Nacional de Docentes das Instituições de Ensino Superior

ANDI – Agência de Notícias de Defesa da Criança

ANSUR – Associação Nacional do Solo Urbano (São Paulo – SP)

ASSESSOAR – Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (Francisco Beltrão – PR)

Associação de Entidades do Canal Comunitário de Goiânia (Goiânia – GO)

Caritas Brasileira

CEARAH Periferia – Centro de Estudos, Articulação e Referência sobre Assentamentos Urbanos (Estado do Ceará)

CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular (Rio de Janeiro – RJ)

Centro Cida Romano de Formação de Educadores (São Paulo – SP)

CERIS – Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais


Eleitoral da Gestão por Projetos

CETRA – Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador – (Fortaleza – CE)

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

CIVES – Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania

CJP – Belém – Comissão Justiça e Paz – Regional Norte II


e Implementação

CJP – Brasília – Comissão Justiça e Paz – Brasília

CJP – Ceará – Comissão Justiça e Paz – Regional Nordeste I


do Direito

CJP – São Paulo – Comissão Justiça e Paz (São Paulo)

CNL – Conselho Nacional de Leigos


Organização
História

CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs

CPO – Comissão Nacional de Pastoral Operária

24
História do Direito Eleitoral Unidade Única

CPT – Comissão Pastoral da Terra

CRB – Conferência dos Religiosos do Brasil

CUT – Central Única dos Trabalhadores

DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Brasília – DF)

FAOR – Fórum da Amazônia Oriental (Belém – PA)

FASE – Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional

Fé e Alegria – Fundação Fé e Alegria (Rio de Janeiro – RJ)

FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas

Força Sindical

IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Rio de Janeiro – RJ)

IBRADES – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento

INESC – Instituto de Estudos Sócio-Econômicos

JCJC – Movimento Nacional Juventude Comunidade Justiça Cidadania

MEB – Movimento de Educação de Base

MNDH – Movimento Nacional dos Direitos Humanos

Movimento do Ministério Público Democrático

Movimento dos Focolares – Região Centro-Sudeste

MST – Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

OAB – Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil

PACS – Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (Rio de Janeiro – RJ)

Pastoral Carcerária

Pastoral da Criança

PJB – Pastoral da Juventude do Brasil

PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais


Pós-Graduação a Distância

POLIS – Instituto Polis - São Paulo – SP

PU – Pastoral Universitária

SAPÉ – Serviços de Apoio à Pesquisa em Educação - Rio de Janeiro - RJ

Sociedade Goiana de Cultura (Goiânia – GO)

Fonte: CBJP

25
História do Direito Eleitoral Unidade Única

O lançamento nacional da iniciativa popular de projeto de lei foi feito por ocasião da Audiência Pública realizada em
11 de maio de 1998, em Fortaleza.

Diversos apoios foram se somando à iniciativa de apresentação do projeto pela via popular. Exemplos foram os concedidos
pela Rede Católica de Rádio e pela Rede Vida de Televisão, também de orientação católica.

Outro apoio público foi concedido pelo Ministro José Nery da Silveira, membro do Supremo Tribunal Federal e Presidente
do Tribunal Superior Eleitoral. Valendo-se do ensejo, as organizações que promoviam a coleta de assinaturas realizaram
ações especiais de mobilização nos dois turnos das eleições presidenciais ocorridas no ano de 1998.

A Arquidiocese de Belo Horizonte, localizada numa das principais capitais brasileiras, confeccionou cartazes para a
divulgação da atividade e permitiu a utilização, sem ônus para a campanha, de uma ilustração que retratava o uso do
poderio econômico como elemento de sujeição do eleitorado carente.

Em agosto daquele mesmo ano, o Conselho Permanente (CONSEP) da CNBB dirigiu à sociedade um apelo em favor da
ampliação da coleta de assinaturas. No mês seguinte, aos presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil, Reginaldo de
Castro, da CNBB e do Conselho Nacional das Igrejas Cristãs, que congrega diversas igrejas evangélicas.

Ainda nesse período, padres da congregação Dehoniana produziram um vídeo com diversas matérias jornalísticas
divulgadas na televisão acerca da iniciativa popular.

O intento inicial dos idealizadores da campanha era o de alcançar o milhão de assinaturas necessário para a apresentação
do projeto, ainda no final de 1988, mas as atividades não se desenvolveram como imaginado. Como o número de apoios
obtidos estava muito aquém do esperado, criou-se um Grupo Executivo, que reunia as organizações sociais envolvidas
no projeto. Esse grupo passou a coordenar a campanha e uma das suas decisões foi a de programar para o dia 22 de
fevereiro de 1999 um “arranque final”.

Apesar da adoção dessas providências, até abril de 1999 havia sido alcançada apenas metade do número necessário,
ou seja, cerca de quinhentas mil assinaturas.

Durante a 37ª Assembleia Geral da CNBB, ocorrida já no início de 1999, foi apresentada uma avaliação da campanha.
Constatou-se que diversos fatores se combinavam para retardar o alcance das metas inicialmente estipuladas.
Colaboraram para isso dificuldades normativas e técnicas, resistências à política, o temor a represálias, carências
mobilizacionais, a competição com outras agendas e incompreensões de ordem jurídica.

Esses fatores podem ser assim apresentados:


Eleitoral da Gestão por Projetos

a) Dificuldades normativas e técnicas – já foi mencionado que a legislação brasileira exige para a apresentação
de projetos de lei que esses sejam subscritos por, no mínimo, 1% do total de eleitores. Embora não pareça
muito significativo, esse parâmetro ganha relevância quando se considera o tamanho total do eleitorado
brasileiro que, em 1998, já era maior que um milhão de pessoas. Isso se torna mais grave quando se considera
que a legislação brasileira não permite a obtenção de apoios por meios eletrônicos e não fornece qualquer
tipo de auxílio para a realização do trabalho de coleta de assinaturas. Os formulários não são disponibilizados
e Implementação

em órgãos públicos. Tudo é feito por meio de coletas realizadas por voluntários com o uso de formulários
impressos onde, necessariamente, entre outros dados, deve constar o número da inscrição do eleitor no
cadastro eleitoral. No Brasil, o título de eleitor é um documento específico, de uso quase que restrito ao
exercício do voto. Por isso, as pessoas não têm o hábito de levá-lo consigo. De fato, poucas pessoas o fazem.
do Direito

Tudo isso torna ainda mais difícil o alcance do número mínimo de assinaturas exigido pela legislação.
Organização

b) Resistência à política – diversas pesquisas revelam que parte significativa da população brasileira não
História

acredita na política e reage negativamente a qualquer assunto relacionado ao tema, partindo do pressuposto
de que se trata de atividade reservada a praticantes de atos ilícitos.

26
História do Direito Eleitoral Unidade Única

c) Temor a represálias – os responsáveis pela coleta das assinaturas afirmam haverem se deparado com relatos
sobre casos de pessoas que se negaram a assinar por receio de, posteriormente, sofrerem represálias por
parte de políticos habituados à prática da compra de votos.

d) Carências mobilizacionais – as organizações não teriam atingido o potencial máximo de mobilização das suas
bases. A própria Igreja Católica, por exemplo, teria sido motivada com intensidades diferentes nas diferentes
regiões do país.

e) Competição com outras agendas – as entidades e movimentos participantes da iniciativa não poderiam
abandonar sua própria pauta de ações para cuidar exclusivamente da campanha. Além disso, em 1998
ocorreram as eleições. Diversos membros das organizações participantes eram também participantes do
processo eleitoral – ao menos como apoiadores de candidaturas. Houve também certa confusão entre o
período eleitoral e a campanha para a coleta de assinaturas.

f) Incompreensões sobre o conteúdo jurídico do projeto – embora de menor impacto, outro fator que implicou certa
resistência ao projeto de lei era alusivo à sua constitucionalidade. De fato, algumas pessoas sustentavam que o
projeto apresentava uma nova hipótese de inelegibilidade, o que levaria à necessidade de elaboração de uma lei
complementar, não de uma lei ordinária, com exigências formais bem mais reduzidas, como a que se propunha.

Em 1999, ocorreu um escândalo envolvendo vereadores da Câmara Municipal de São Paulo. Diversas redes de televisão
tratavam intensamente do assunto, estimulando a criação de uma Comissão de Inquérito, no âmbito do parlamento local,
de modo que fosse apurado o envolvimento dos edis no caso conhecido como “Máfia dos Fiscais”.

Um dos vereadores envolvidos nesse episódio chegara a ser condenado criminalmente por haver utilizado ambulâncias
para trocar o deslocamento de pessoas doentes para hospitais por promessas de apoio eleitoral.

Francisco Whitaker Ferreira telefonou para a Rede Globo de Televisão na cidade de São Paulo para propor uma matéria
que ligasse os dois fatos: a corrupção praticada por vereadores eleitos por meio da compra de votos e a campanha para
criar uma lei que punisse com mais eficiência os praticantes de corrupção eleitoral.

Foi então ao ar uma matéria com esse conteúdo, transmitida pela Globo local, na cidade de São Paulo. Isso provocou um
notável aumento na procura de formulários para a coleta de assinaturas.

No dia seguinte, outra matéria com o mesmo teor foi exibida no Jornal Nacional, o programa televisivo de notícias com
maior audiência no país. O resultado foi uma intensa procura da organização da campanha por parte de novos apoiadores
oriundos de todas as partes.

Esse momento proporcionou maior motivação para os líderes da iniciativa, o que pode ser constatado pela leitura da
seguinte passagem extraída do histórico da criação da lei de iniciativa popular elaborado pela Comissão Brasileira
Justiça e Paz. Ela diz o seguinte:
Pós-Graduação a Distância

Nesse processo, foi decisivo um novo apoio dos grandes meios de comunicação de massa. A TV Globo, no
Jornal Nacional do dia 8 de junho de 1999, divulgou uma matéria didática e mobilizadora sobre a campanha,
de três minutos e meio de duração. Um indicador desse efeito foi o número de pessoas que procuraram a
página da CBJP na Internet: a média vinha sendo de 5 pessoas por dia, desde setembro de 98. Só nas 24
horas que se seguiram à divulgação da matéria no Jornal Nacional, ela recebeu 5.000 visitas.

27
História do Direito Eleitoral Unidade Única

Esse estímulo foi fundamental para a continuidade da campanha. Ainda segundo a CBJP:

Considerando esse episódio, concluiu-se que não se deveria esmorecer. Outras avaliações indicavam
que, pelo seu conteúdo educativo, a proposta não poderia ser abandonada. De fato, esse conteúdo
começara a ser difundido com a pesquisa em 97. Os esforços desde então teriam constituído um
tempo de semeadura. Ainda que houvesse o risco do insucesso da coleta criar um fator de desânimo,
se a campanha fosse interrompida perder-se-ia uma grande oportunidade de elevação do nível de
consciência de cidadania, rumo à superação das distorções da democracia brasileira.

As diversas organizações que participavam da campanha decidiram, então, lançar uma nova etapa da mobilização.

A Pastoral da Criança, a Pastoral da Juventude e a Caritas Brasileira, entidades ligadas à Igreja Católica, a Central
Única dos Trabalhadores – maior central sindical do país –, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas,
a Associação de Educação Cristã e a Federação Nacional dos Jornalistas lançaram apelos à sociedade para que
participasse da iniciativa popular. Esses apelos foram divulgados por meio de um jornal (patrocinado pela Pastoral da
Criança e pela Caritas), em cuja manchete se lia “Vamos juntos buscar o meio milhão de assinaturas que faltam”.

A partir disso o apoio das bases da Igreja Católica aumentou. Enquanto isso, a Central Única dos Trabalhadores e sua
congênere Força Sindical passaram a fazer coleta de assinaturas em portas de fábrica. A Ordem dos Advogados do
Brasil estimulou as suas unidades locais (seções e subseções) a promoverem a campanha no seu âmbito de atuação.
Outras organizações e movimentos passaram a ajudar.

Após três meses restou atingido o número necessário de assinaturas.

A complexidade da composição social vem aumentando e, com ela,


passam a ganhar importância entre os movimentos sociais ações
voltadas à promoção do diálogo: o fortalecimento da democracia é
uma dessas ações.
Eleitoral da Gestão por Projetos

A entrega do projeto de lei de iniciativa popular foi feita ao Deputado Michel Temmer, Presidente da Câmara dos
Deputados, às 15 horas do dia 10 de agosto de 1999.
Organização
História e Implementação
do Direito

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História do Direito Eleitoral Unidade Única

Tabela III
Número de assinaturas coletadas
Por estado da federação
Acre 937

Alagoas 13.362

Amazonas 4.777

Amapá 1.584

Bahia 24.596

Ceará 46.504

Distrito Federal 27.727

Espírito Santo 53.144

Goiânia 24.720

Maranhão 5.769

Minas Gerais 173.722

Mato Grosso do Sul 5.348

Mato Grosso 9.642

Pará 24.688

Paraíba 11.713

Pernambuco 16.249

Piauí 10.304

Paraná 92.847

Rio de Janeiro 32.415

Rio Grande do Norte 3.993

Rondônia 2.446

Roraima 98

Rio Grande do Sul 37.632

Santa Catarina 13.420

Sergipe 4.587
Pós-Graduação a Distância

São Paulo 393.259

Tocantins 1.895

Diversos 1.797

TOTAL 1.039.175
Fonte: CBJP

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História do Direito Eleitoral Unidade Única

Durante o ato de apresentação do projeto falaram o Secretário Executivo da CBJP, Francisco Whitaker, os Presidentes
da CNBB, da Força Sindical e da CUT, o Vice-Presidente da OAB, um dirigente nacional do Movimento Nacional dos
Trabalhadores Sem Terra – MST, o presidente do Grupo de Trabalho que redigiu o projeto e o Presidente da Câmara
dos Deputados.

Os principais líderes da iniciativa popular tinham em mente ver aprovado o projeto de lei antes de 30 de setembro de
1999, a fim de que ele não corresse o risco de não ser aplicado nas eleições de 2000. O art. 16 da CF exige que as
regras que alteram o processo eleitoral sejam publicadas um ano antes das eleições, sob pena de não poderem vigorar20.
O primeiro turno das eleições do ano seguinte aconteceria no dia 1º de outubro.

Diante da impossibilidade material de se conferir todas as assinaturas, decidiu-se que o projeto deveria ser também
subscrito por parlamentares.

Se o projeto fosse recebido exclusivamente como de iniciativa popular, a lei dele oriunda poderia ser contestada por
inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa.

Foram os seguintes os deputados subscritores:

Albérico Cordeiro – Partido Trabalhista Brasileiro

Aldo Rebelo – Partido Comunista do Brasil

Antonio Carlos Biscaia – Partido dos Trabalhadores

Antonio Medeiros – Partido da Frente Liberal

Arnaldo Faria de Sá – Partido Progressista Brasileiro

Cabo Júlio – Partido Liberal

Fernando Gabeira – Partido Verde

Gustavo Fruet – Partido do Movimento Democrático Brasileiro


Eleitoral da Gestão por Projetos

João Hermann Neto – Partido Popular Socialista

Luiza Erundina – Partido Socialista Brasileiro

Zulaiê Cobra Ribeiro – Partido da Social Democracia Brasileira.

As assinaturas dos parlamentares foram dispostas em ordem alfabética, para evitar que algum dos subscritores
assumisse a responsabilidade pela apresentação.
Organização
História e Implementação
do Direito

20
Diz o art. 16 da Constituição da República Federativa do Brasil: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que
ocorra até um ano da data de sua vigência”.

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História do Direito Eleitoral Unidade Única

Foi então apresentado o Projeto de Lei da Câmara no 1.517/99 (PLC 1517), tendo a tramitação se iniciado em
18 de agosto de 1999. De qualquer modo, oficialmente a Câmara dos Deputados reconhece que esse projeto
foi apresentado por iniciativa popular e parlamentar.

Constam da justificativa do projeto as seguintes considerações:

Os Deputados que apresentam este Projeto de Lei, assumindo-o como seu, o fazem no intuito
de permitir que o mesmo possa começar imediatamente sua tramitação no Congresso Nacional,
considerando que estarão, dessa forma, contribuindo para que o anseio de sociedade brasileira por
uma democracia sem distorções possa ser acolhido pelo Congresso Nacional, com a relevância e
a urgência que merece o fato de estar sendo expresso por um milhão de brasileiros, de todos os
rincões do país, no uso de um instrumento de participação popular extremamente importante mas
ainda pouco utilizado pelos cidadãos brasileiros.

Os subscritores deste Projeto convidam os demais Deputados a igualmente o subscreverem, e em


seguida deliberarem a seu respeito e o aprovarem no prazo necessário a que a Lei promulgada possa
vigir nas eleições do ano 2000. O Congresso Nacional estará dessa forma marcando o inicio do novo
Milênio com um passo decisivo no esforço em que estamos todos empenhados pela valorização do
voto do cidadão e da função parlamentar.

O texto acabou aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara com pequenas alterações.

O projeto foi discutido no Plenário da Câmara nos dias 16 e 21 de setembro de 1999. Às 14 horas do dia 21, depois
de uma reunião de duas horas entre as lideranças partidárias e o Presidente da Câmara dos Deputados, o projeto foi
aprovado pela Câmara dos Deputados.

Uma hora depois o projeto já era lido no Senado da República, sendo aprovado pela Comissão de
Constituição e Justiça daquela Casa Legislativa já na manhã do dia seguinte. À tarde desse mesmo
dia, 22 de setembro, aprovou-se um requerimento de tramitação em regime de urgência e, no dia
imediatamente posterior, 23 de setembro de 1999, uma quinta-feira, foi discutido e aprovado sem
alterações pelo Senado. Eram 13 horas e 45 minutos. Dali o projeto seguiria imediatamente para
sanção presidencial (CBJP).

A sanção presidencial aconteceu cinco dias depois. Nascia a Lei no 9.840, publicada no Diário Oficial da União de 29 de
setembro de 1999.

A primeira aplicação da nova regra a um caso concreto ocorreu na cidade de Monte Alegre de Goiás, no Centro-Oeste.
O prefeito da cidade e seu substituto imediato perderam seus mandatos depois de se verificar a distribuição de bens
Pós-Graduação a Distância

e pagamentos de serviços em valores mobiliários pertencentes à cidade. Um caso típico de desvio de recursos do
Município para a obtenção de vantagens eleitorais.

Entre os casos de aplicação bem-sucedida da lei poderiam ser apontados alguns destaques:

I – No Estado do Espírito Santo, o presidente da Assembleia Legislativa (Parlamento Estadual) viu


o seu mandato perdido. Ele fez uso de fundos públicos para pavimentar ruas no centro da cidade de
Vila Velha, divulgando nesses obras sua imagem, seu nome e sua condição de candidato.

31
História do Direito Eleitoral Unidade Única

II – Na cidade de Sousa, uma das mais pobres do Estado da Paraíba, o prefeito ofereceu aos
funcionários públicos túmulos do cemitério local como pagamento de salários atrasados.

III – O Governador de Roraima foi o primeiro do seu grau a ser deposto por ordem da Justiça Eleitoral
após comprovar-se a doação de bens aos eleitores em troca de votos obtidos. É também o mais alto
cargo titular de sofrer a perda da função após a aplicação de uma lei ordinária. Havia provas da
entrega de cheques em um programa estadual de atendimento comunitário e do perdão de dívidas
referente à habitação social.

IV – Na pequena cidade de Jussiape, na Bahia, ocorreu a primeira demanda em que Tribunal Superior
Eleitoral reconheceu a suficiência do simples oferecimento de vantagem ao eleitor para a perda do
diploma eleitoral. O prefeito tinha doado durante a campanha uma caixa d’água a uma eleitora. Após
a vitória eleitoral, o prefeito mandou retirar da casa da eleitora o bem que ali já estava instalado. O
caso foi descoberto porque a eleitora, não satisfeita com a retomada dos equipamentos doados, foi
queixar-se ao Promotor Eleitoral, tentando obter a devolução da caixa d’água.

V – A legislação eleitoral brasileira permite que os candidatos contratem pessoas para atuar em
seus comitês de campanha. Todavia, não limita essa atividade. Na cidade de Caldazinha, Goiás, o
prefeito teve a sua eleição anulada, tendo em conta o fato de haver recrutado pelo menos 5% por
cento do eleitorado local.

VI – Na cidade de Barro, Ceará, um grande comerciante doou a quantia de R$ 5 mil para cada um
dos seus “cabos eleitorais”. Eles foram os responsáveis pela transferência de blocos de votos para
o candidato contratante.

Aqui estão alguns exemplos da diversidade das circunsâncias em que se verificou a ocorrência de compra de votos na
história recente do Brasil.

Mostram que o problema da corrupção da vontade dos eleitores é um problema não resolvido, mas que agora pode ser
arguido em juízo com a finalidade de verem-se aplicadas as rigorosas sanções contidas na Lei no 9.840, de iniciativa
popular.
Tabela IV
Chapas de prefeitos cassadas (após julgamento dos recursos)

2000 2004 2008

Brasil 40 71 119
Eleitoral da Gestão por Projetos

Norte 1 3 9

Nordeste 13 25 39

Sudeste 13 22 38
e Implementação

Sul 7 19 23

Centro-Oeste 6 2 10
do Direito

Fonte: elaboração própria


Organização
História

32
Para (não) Finalizar

Tivemos a oportunidade de, neste caderno, realizar uma abordagem crítica sobre assuntos de relevância no cenário
jurídico brasileiro, como é o caso do Direito Eleitoral.

Tratamos das normas eleitorais vigentes e nos debruçamos sobre os principais fatos que marcaram o sistema
representativo na história jurídica e política de nosso País. Cuidamos, também, de diversos preceitos posteriores à
Constituição de 1988, e que ainda se encontram em vigor, como é o caso da Lei da Inelegibilidade (LC Nº 64/90) e das
Leis nº 11.300/2006 e nº 12.034/2009, que modificaram a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97).

O fato é que testemunhamos, nos últimos anos, mudanças profundas no Direito Eleitoral brasileiro, fruto da mobilização
da sociedade, como ocorreu com a aprovação da Lei nº 9.840/99, de iniciativa popular.

Todas essas conquistas vêm contribuindo para despertar o interese de um número cada vez maior de estudiosos e
profissionais. É o que esperamos de você. Aprofunde cada vez mais seus estudos. Procure saber mais sobre o contexto
evolutivo dessas normas e esteja preparado para interpretá-las e aplicá-las adequadamente.

Pós-Graduação a Distância

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