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Unidade II

Unidade II
Nesta unidade, vamos discutir as patologias neurológicas comumente encontradas na prática clínica
do paciente neurológico adulto e suas consequências funcionais. Serão subdivididas entre as que afetam o
sistema nervoso central e periférico.

O conhecimento prévio do fisioterapeuta sobre a fisiopatologia dessas doenças permite a


compreensão sobre a gravidade do quadro clínico do paciente e assim torna possível a elaboração
adequada das estratégias de tratamento, bem como dos recursos terapêuticos apropriados.

Deixaremos para detalhar a intervenção fisioterapêutica na unidade III do livro-texto.

É importante ressaltar que essas patologias variam com relação à natureza e à etiologia, e
consequentemente à evolução e ao prognóstico. Destacaremos aquelas de natureza traumática,
degenerativas e progressivas.

Com a leitura desta unidade será possível você concluir como são complexas as fisiopatologias que
englobam as lesões do sistema nervoso, e, assim, como são variados os quadros clínicos respectivos,
tanto quando o acometimento for no sistema nervoso central como quando for periférico.

Começaremos pelo traumatismo cranioencefálico (TCE), uma situação grave e cada vez mais comum
nos grandes centros urbanos.

5 PATOLOGIAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL

5.1 Traumatismo cranioencefálico (TCE)

5.1.1 Definição

O TCE pode ser definido como uma lesão causada por uma força física externa (trauma) aplicada
sobre os elementos anatômicos que compõem crânio, couro cabeludo, meninges, encéfalo ou seus vasos,
gerando um comprometimento funcional que pode ser temporário ou definitivo.

O traumatismo cranioencefálico (TCE) é considerado a principal causa de morte entre a população


jovem, sendo atualmente classificado um problema de saúde pública.

Segundo dados divulgados pelo Datasus em 2013, corresponde à principal causa de morte entre
5 e 44 anos no mundo, sendo equivalente a 10% da população (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

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De maneira geral, os dados epidemiológicos não são diferentes no Brasil, sendo também crescentes
a cada ano. Prevalência no sexo masculino, tendo como principal causa acidentes automobilísticos e
situações relacionadas à violência urbana. Outras causas são associadas a essa situação clínica, como a
prática de esportes radicais e quedas, abrangendo indivíduos de qualquer faixa etária, como crianças e
idosos. Em idosos é comum a evolução para o óbito.

Nitrini e Bacheschi (2015) relatam que no ano de 1993, no Estado de São Paulo, foram 57 mil óbitos
devido ao TCE. Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2015), em um acompanhamento de 8 meses
realizado no Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo, foram identificadas 6.125 vítimas
de TCE, sendo que 1.054 necessitaram de hospitalização, 320 de procedimentos neurocirúrgicos e 89
evoluíram para o óbito.

As consequências do TCE na vida do indivíduo são múltiplas e podem ocasionar um afastamento


temporário ou definitivo de suas atividades funcionais, bem como a redução de sua qualidade de vida.

Uma classificação em leve, moderado ou grave pode ser realizada baseada no grau e intensidade
da força física, sendo uma das principais características clínicas o comprometimento cognitivo e
comportamental que está presente em 75% dos casos (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

O quadro clínico frequentemente é diversificado devido à ação difusa da força física externa sobre o
encéfalo. De maneira geral, são frequentes alterações musculoesqueléticas e distúrbios cardiovasculares,
endócrinos, visuais, respiratórios e sensoriais.

Com relação aos distúrbios de natureza cognitiva e comportamental, são destacados o


comprometimento da memória, atenção, dificuldade de aprendizado, iniciativa, crítica e julgamento.
Ainda podem ser observadas baixa motivação, irritabilidade, euforia e agressividade.

5.1.2 Fisiopatologia

Uma vez instalada a lesão encefálica, há a evolução de uma série de eventos fisiopatológicos que
podem durar dias ou semanas e que podem levar o paciente ao óbito.

Para fins didáticos, a fisiopatologia do TCE é classificada em lesões primárias e secundárias.

As lesões primárias são aquelas resultantes diretamente da força causadora do TCE, e serão
dependentes do momento de sua ocorrência. Nelas estão inclusas as fraturas de crânio, as contusões e
lacerações da substância cinzenta e a lesão axonal difusa.

De maneira geral, as forças físicas causadoras da lesão traumática do encéfalo podem ser de impacto
(figura 17, A e B), quando a força é aplicada diretamente sobre o crânio e seus componentes. Nesse tipo
de força podemos citar um projétil de arma de fogo, a implantação de uma arma branca ou até mesmo
um golpe aplicado ao crânio.

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A) B) C)

Figura 17 – Representação da ação de uma força de impacto sobre o crânio (A e B) e inercial (C)

Fonte: McQuillan e Thurman (2016).

Mas também há a possibilidade de a força ser do tipo inercial (figura 17C), devido à diferença de
densidade entre o encéfalo e o crânio; observada durante os movimentos de aceleração e desaceleração
da cabeça, e sendo o encéfalo mais lento em relação à calota craniana, poderá gerar lesões graves do
tecido cerebral, como ruptura de vasos cerebrais e choque do parênquima cerebral contra a própria
calota craniana.

Quando não há exposição externa do conteúdo encefálico após o trauma, o TCE é denominado
fechado. Porém, quando após a implantação de um projétil de arma de fogo ou branca houver a abertura
da calota craniana e consequente exposição do parênquima cerebral, o TCE é dito aberto.

Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), a região central do encéfalo, representada pelo tronco encefálico,
é mais rígida quando comparada às regiões periféricas, como, por exemplo, o cerebelo e os lobos
cerebrais frontal e occipital, sendo essas estruturas mais móveis. Essa diferença de mobilidade pode ser
responsável pelo estiramento e até ruptura de axônios e de vasos cerebrais.

As lesões secundárias do TCE correspondem à evolução clínica do trauma, incluindo, de maneira


geral, os hematomas intracranianos, a hipertensão intracraniana (HIC) e a lesão cerebral isquêmica.
Também resultam da interação de fatores intra e extracerebrais, cuja soma ocasionará em dificuldades
na sobrevivência de neurônios não envolvidos diretamente no trauma inicial.

Dependendo da severidade do TCE, poderá haver um intervalo entre a ocorrência das lesões primárias
e secundárias. Porém, em um TCE grave, o paciente pode chegar ao pronto atendimento com sinais de
evolução das lesões secundárias.

A seguir, apontamos alguns dos distúrbios que podem estar presentes no momento inicial do trauma
ou após um determinado intervalo, ou seja, as lesões secundárias do TCE são:

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• hipotensão arterial;

• hipoglicemia;

• hipercarbia;

• hipóxia respiratória;

• hipóxia anêmica;

• distúrbios hidroeletrolíticos;

• hidrocefalia;

• presença de substâncias neurotóxicas;

• alterações hemodinâmicas no espaço intracraniano.

A situação clínica do TCE é geralmente uma emergência médica, e compreender os seus mecanismos
fisiopatológicos é de extrema importância para a adoção rápida de estratégias adequadas de tratamento.

As lesões encefálicas ainda podem ser ditas difusas e focais. Para a maioria dos pacientes, ocorre a
presença das duas formas de lesão, sendo possível o predomínio de evolução de uma delas.

A lesão axonal difusa (LAD) é a causa de quase 1/3 das mortes pós-TCE. A concussão é uma forma
mais leve, em que há alteração na excitabilidade do neurônio, sem ocorrer lesão estrutural da célula. A
LAD equivale, então, a casos mais graves de lesão primária.

Figura 18 – Representação de um mecanismo de concussão cerebral

Disponível em: https://bit.ly/3yow1Gg. Acesso em: 30 ago. 2021.

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A causa da LAD (figura a seguir) está relacionada à tração rotacional (cisalhamento) dos axônios
durante a instalação do TCE. Assim, é considerada uma lesão primária, sendo consequência de
movimentos de aceleração e desaceleração da cabeça.

Figura 19 – Representação do mecanismo da LAD

Fonte: Drummond Neto (2016).

Em relação ao diagnóstico da LAD, sua confirmação depende de exame anatomopatológico, porém


alguns achados macroscópicos (NITRINI; BACHESCHI, 2015, p. 151) observados na ressonância magnética
podem sugerir sua presença:

• Lesões focais do corpo caloso observados como focos hemorrágicos.

• Lesões focais hemorrágicas no tronco encefálico próximas dos pedúnculos cerebelares superiores.

• Lesões hemorrágicas assimétricas na substância branca na porção superior dos hemisférios cerebrais.

Com o passar das semanas, os axônios lesados sofrerão degeneração walleriana, sendo substituídos
por um tecido cicatricial na substância branca, que favorecerá o aumento dos sulcos cerebrais corticais
e das cavidades ventriculares, sugerindo uma retração da substância branca.

Com relação às lesões focais, são representadas principalmente por fraturas, hematomas intra ou
extracerebrais e lesão cerebral isquêmica.

Não será objetivo neste capítulo abordar todos os tipos de fraturas de crânio, porém, de maneira
geral, elas podem ser lineares, uma vez que mesmo sem provocar acometimento do encéfalo podem
ser acompanhadas de rupturas de vasos levando a complicações. Quando associadas ao afundamento
de crânio com ruptura da dura-máter, haverá o risco de evolução para fístula liquórica e infecção
dos tecidos.
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Os hematomas intra ou extracerebrais são os principais representantes da lesão secundária do


TCE. O hematoma cerebral é uma coleção de sangue que receberá um nome específico de acordo
com a sua localização. Assim, podem ser denominados hematomas epidural, subdural agudo e
intraparenquimatoso.

Quando a coleção de sangue está alojada no espaço entre a dura-máter e a calota craniana (espaço
epidural), temos o hematoma epidural, figura a seguir, sendo resultado de ruptura de vasos localizados
nesse espaço e é comum estar associado a fraturas cranianas.

A) B)

C) D)

Figura 20 – Hematoma epidural

Fonte: Lacerda et al. (2017, p. 260).

No hematoma subdural agudo (HSDA), presente na figura a seguir, a principal causa é a ruptura de
veias corticomeníngeas devido aos movimentos de aceleração-desaceleração da cabeça. Nem sempre há
a associação com fraturas cranianas. O sangue no espaço subdural, além de efeito compressivo, poderá
provocar a excitoxidade celular.

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Figura 21 – Hematoma subdural agudo

Disponível em: https://bit.ly/3CSfAV8. Acesso em: 30 ago. 2021.

Diante de tração e ruptura de vasos profundos que penetram o tecido cerebral, há o hematoma
intraparenquimatoso, em que além da compressão tecidual haverá o efeito tóxico do sangue sobre
os neurônios.

Figura 22 – Hematoma intraparenquimatoso cerebral

Fonte: Soares, Carvalho e Rodrigues (2004, p. 683).

Na observação das figuras que evidenciam os diferentes tipos de hematomas intracranianos


é possível visualizar o efeito compressivo sobre o tecido cerebral através do desvio das estruturas
anatômicas internas, favorecendo o aumento da pressão intracraniana.
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A hipertensão intracraniana (HIC) corresponde a uma das principais causas de óbito após o TCE. No
TCE, a HIC é considerada uma forma de lesão secundária, resultado geralmente do desequilíbrio entre
os componentes de sangue, liquor e parênquima cerebral. Além disso, com o TCE é ativada uma cascata
de eventos celulares metabólicos e inflamatórios, os quais podem favorecer o edema cerebral, que por
sua vez provoca mais elevação da HIC e que irá colaborar para o agravamento do quadro neurológico
do paciente (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

As consequências da HIC incluem o efeito compressivo sobre o parênquima cerebral, ventrículos,


que dificultará as circulações liquórica e sanguínea, favorecendo a isquemia cerebral de áreas cerebrais
distantes à área de lesão traumática.

Em exames de imagem radiológica, como TC e ressonância magnética de crânio, o fisioterapeuta


poderá observar a HIC pelos sinais de desvio de estruturas anatômicas em relação à linha média,
presença de redução dos ventrículos, sulcos e giros cerebrais corticais.

Figura 23 – Representação de HIC

Fonte: Aquino (2019, p. 15).

As contusões e as lacerações cerebrais são outros exemplos de lesão primária observados no TCE.

A contusão cerebral corresponde à presença de áreas hemorrágicas próximas a pequenos vasos


e tecido cerebral necrótico localizadas, geralmente, nos giros corticais, região de maior atrito entre o
parênquima cerebral e a calota craniana (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

As fraturas cranianas e os movimentos de aceleração-desaceleração da cabeça são causas de


contusão cerebral. Quando houver a ruptura da pia-máter, a lesão passa a compor uma laceração, em
que além das áreas hemorrágicas há destruição da integridade do tecido cerebral, causada, geralmente,
pelos fragmentos ósseos da fratura craniana. Além do foco hemorrágico, haverá o desenvolvimento de
edema, que somados exercerão efeito compressivo sobre o tecido cerebral.
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As regiões mais suscetíveis ao desenvolvimento da contusão cerebral após o TCE são a base do lobo
frontal, temporal e a região da foice (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

5.1.3 Avaliação neurológica inicial

O paciente com TCE será submetido a uma avaliação neurológica inicial baseada nos danos
neurológicos presentes. Com frequência precisará de procedimentos específicos para a estabilização
clínica hemodinâmica e respiratória. Outra função neurológica a ser avaliada é o nível de consciência
(MENDES et al., 2012).

A avaliação do nível de consciência exige uma observação atenta dos seguintes itens:

• nível de consciência;

• diâmetro pupilar e reflexo pupilar;

• movimentação extrínseca ocular;

• padrão respiratório;

• resposta motora esquelética.

Nível de consciência

É utilizada, na maioria dos grandes centros hospitalares, a escala de coma de Glasgow (ECGI), que
desde 1974 oferece uma avaliação sucinta e confiável do nível de consciência. Ela foi desenvolvida
por Teasdale e Jennett, na Universidade de Glasgow em 1974, e possui como objetivo padronizar as
observações clínicas de pacientes adultos com TCE grave e com alterações da consciência (OLIVEIRA;
PEREIRA; FREITAS, 2014).

De modo geral, a ECGI utiliza estímulos verbais e dolorosos para a observação das respostas motoras,
verbais e oculares nos pacientes com TCE (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Na aplicação da escala, a melhor resposta para cada item é pontuada. Os pontos dos três itens
observados são somados, sendo a pontuação mínima 3 e a máxima 15.

Quadro 16 – Escala de Glasgow

Espontânea: 4
Ao comando verbal: 3
Abertura ocular
À dor: 2
Ausente: 1

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Obedece a comando: 6
Localização da dor: 5
Flexão inespecífica (retirada): 4
Resposta motora
Flexão hipertônica: 3
Extensão hipertônica: 2
Sem resposta: 1
Orientado e conversando: 5
Desorientado e conversando: 4
Resposta verbal Palavras inapropriadas: 3
Sons incompreensíveis: 2
Sem resposta: 1

Fonte: Nitrini e Bacheschi (2015, p. 158).

Em 2018, houve uma modificação na escala de coma de Glasgow, com a inclusão da observação do
comportamento da pupila. A escala modificada varia de 1 a 15 pontos. Sendo a pontuação da resposta
pupilar subtraída do total encontrado (quadro a seguir).

Quadro 17 – Escala de Glasgow modificada

Espontânea: 4
Ao comando verbal: 3
Abertura ocular
À dor: 2
Ausente: 1
Obedece a comando: 6
Localização da dor: 5
Flexão inespecífica (retirada): 4
Resposta motora
Flexão hipertônica: 3
Extensão hipertônica: 2
Sem resposta: 1
Orientado e conversando: 5
Desorientado e conversando: 4
Resposta verbal Palavras inapropriadas: 3
Sons incompreensíveis: 2
Sem resposta: 1
Nenhuma: 2
Resposta pupilar Apenas uma reage ao estímulo luminoso: 1
Reação bilateral ao estímulo luminoso: 0

Padrão pupilar

Na observação das respostas associadas à pupila, será possível a obtenção de importantes


informações sobre o estado neurológico do paciente.
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Os reflexos pupilares à luz são testados em cada pupila individual para observar o reflexo fotomotor,
que geralmente está comprometido nas herniações e lesões do tronco cerebral, então sua alteração
indica lesão estrutural nessa região (CLAUDINO-SUKYS, 2015).

É importante ressaltar que para uma avaliação e interpretação adequadas, o médico deverá
verificar a medicação do paciente, uma vez que vários tipos de drogas podem interferir no padrão de
resposta pupilar.

Quadro 18 – Padrão pupilar

Pupilas Definição
Midriáticas Pupilas dilatadas
Mióticas Pupilas contraídas
Isocóricas Pupilas simétricas e reagentes à luz
Anisocóricas Pupilas assimétricas
Puntiformes Sugerem lesão simpática no hipotálamo ou encefalopatia metabólica
Médio-fixas Reflexo fotomotor ausente, sugestão de lesão estrutural no mesencéfalo

Fonte: Nitrini e Bacheschi (2015, p. 60).

Motricidade ocular

A motricidade extrínseca ocular é realizada por músculos inervados pelos nervos oculomotor (III par
nervo craniano), troclear (IV par nervo craniano) e abducente (VI par nervo craniano), cujos núcleos
estão localizados no tronco encefálico. Assim, sua avaliação auxilia na identificação de lesões no tronco
encefálico, próximas ao mesencéfalo e à ponte. Essa avaliação não será possível diante de casos de
coma, devido à redução de respostas aos estímulos do paciente (MENDES et al., 2012).

O exame da movimentação extrínseca ocular consiste em três aspectos:

• desvio do olhar;

• presença de movimentos espontâneos;

• movimentos reflexos.

De acordo com Mendes et al. (2012), os desvios do olhar podem ser conjugados ou desconjugados.
Os desvios conjugados do olhar lateral são geralmente resultados de lesões entre o córtex e a formação
reticular parapontina. Já os desvios desconjugados laterais sugerem lesões do nervo oculomotor,
abducente ou por causas intrínsecas do tronco cerebral. Alterações no olhar vertical são menos
frequentes em pacientes em coma. O desvio dos olhos para baixo pode indicar lesões no mesencéfalo
ou coma metabólico.

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A avaliação dos movimentos oculares espontâneos permite observar a integridade das vias
oculomotoras, enquanto que os movimentos reflexos são verificados através das respostas
oculocefálicas e oculovestibular (MENDES et al., 2012).

O reflexo oculocefálico, também conhecido como olhos de boneca, é avaliado através da


observação dos olhos durante a rotação lateral passiva da cabeça do paciente.

Com a integridade do tronco encefálico haverá o movimento conjugado dos olhos para o lado
oposto ao do movimento da cabeça (MENDES et al., 2012).

Para a pesquisa dos reflexos oculovestibulares, é aplicada a prova calórica, através de uma injeção
de 50 mL a 200 mL de água gelada nos condutos auditivos externos do paciente. Para o teste, o paciente
deve estar posicionado no leito com uma elevação do tronco em torno de 30°. No paciente consciente
será observado nistagmo com batimento rápido para o lado oposto do ouvido estimulado, sugerindo
uma causa psicogênica para o coma (MENDES et al., 2012).

Padrão respiratório

A formação reticular do bulbo é o local do centro de controle respiratório, porém há a ação integrada
com outras áreas como o córtex cerebral, o sistema límbico (hipotálamo e septo) e o cerebelo, que
também influenciam no padrão respiratório em resposta a estímulos visuais, emocionais, dolorosos ou
a movimentos voluntários.

No corpo carotídeo e bifurcação das artérias carótidas, há quimiorreceptores sensíveis aos níveis
de oxigênio, dióxido de carbono e pH do sangue arterial, cujos impulsos são conduzidos ao centro
respiratório pelos respectivos nervos cranianos glossofaríngeo e vago.

Alterações no padrão respiratório são frequentes em pacientes em coma e estão associados a


determinadas áreas de lesão. São as alterações mais frequentes: ritmo Cheyne-Stokes, hiperventilação
neurogênica central, apnêustica e respiração atáxica (MENDES et al., 2012).

Quadro 19 – Tipos de padrão respiratório em pacientes em coma

Padrão respiratório Caracterização Topografia/lesão


Períodos alternados entre hiper e Bilateral dos hemisférios cerebrais,
Ritmo Cheyne-Stokes hipoventilação, intercalados por diencéfalo ou ponte
apneia
Hiperventilação (FR de 40 irpm
Hiperventilação neurogênica central Tegmento pontino ou mesencéfalo
a 70 irpm)
Pausa inspiratória de 2 a 3
Apnêustica Porção inferior da ponte
segundos ao final da inspiração
Ritmo, frequência e amplitude Bulbar ou segmentos superiores da
Respiração atáxica (Biot) irregulares com respiração medula espinal
superficial, profunda e com pausa

Adaptado de: Mendes et al. (2012, p. 578).

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Avaliação dos déficits motores

A observação da postura do paciente em coma também colabora para a compreensão da topografia


ou localização da lesão encefálica (BERTOLUCCI et al., 2016).

Através do comando verbal, o médico solicita ao paciente consciente que realize movimentos ativos
e resistidos bilateralmente. Diante de casos em que o paciente se encontrar inconsciente, a contração
muscular poderá ser observada através de estimulação dolorosa.

Os locais para essa estimulação geralmente incluem o supraorbitário (margem medial das órbitas) e
leito ungueal nos membros. Pode-se também comprimir o osso esterno para estímulos mais vigorosos
e deve-se evitar a compressão dos mamilos, uma vez que não oferece vantagem semiológica (BERTOLUCCI
et al., 2016).

Assimetrias entre os hemicorpos, como uma hemiparesia, podem sugerir uma lesão expansiva
intracraniana contralateral ao comprometimento motor.

A presença de posturas de descerebração e de decorticação indica comprometimento respectivo


no tronco encefálico e no hemisfério cortical. Importante apontar que esses déficits motores podem ser
temporários, e o paciente pode evoluir sem sequelas motoras.

Na postura de decorticação, o paciente em coma após a estimulação dolorosa apresenta-se


com flexão dos membros superiores, principalmente de cotovelos e punhos, associada à extensão
dos membros inferiores. Geralmente é resultado de extensas lesões envolvendo o diencéfalo e os
hemisférios corticais.

A postura de descerebração é caracterizada pelo posicionamento de extensão dos membros inferiores


combinado por adução e rotação interna dos ombros. Esse padrão postural está presente diante de
lesões bilaterais do mesencéfalo e da ponte (MENDES et al., 2012).

5.1.4 Classificação do TCE pelo nível de consciência

Um dos critérios para classificar a severidade do traumatismo cranioencefálico é a utilização da


própria escala de coma de Glasgow no momento da admissão hospitalar.

Quadro 20 – Classificação do TCE segundo a escala de coma de Glasgow (ECG)

TCE Escala de coma de Glasgow Caracterização


Pode ocorrer perda da consciência ou amnésia (< 30 min.);
Leve Entre 13 e 15 ausência de fratura, contusão ou hematoma
Perda da consciência e/ou amnésia (> 30 min., porém < 24 h),
Moderado Entre 9 e 12 pode ocorrer fratura de crânio
Perda da consciência e/ou amnésia por > 24 h, inclui fratura,
Grave Entre 3 e 8 contusão e hematoma

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Essa classificação é necessária por possibilitar a adoção de medidas terapêuticas adequadas, além de
permitir uma visão de prognóstico clínico do paciente pós-TCE.

Observação

O comprometimento da memória (amnésia) é um dos achados clínicos


sugestivos de TCE. Embora haja diferentes critérios para a classificação
da memória, no TCE é comum as associações com as formas de amnésia
anterógrada, pós-traumática e retrógrada.

A amnésia anterógrada é caracterizada pela dificuldade na formação


de novas memórias após o trauma; a amnésia pós-traumática está
relacionada ao momento de ocorrência do TCE, e sua duração pode auxiliar
no prognóstico do paciente; e na amnésia retrógrada, acontece a perda de
memória de conteúdos anterior ao TCE.

5.1.5 Tratamento

Para Nitrini e Bacheschi (2015), o objetivo principal da abordagem médica para o TCE é a adoção
de procedimentos específicos visando à proteção cerebral, que poderá incluir a oxigenação adequada,
sedação e tratamento para a hipertensão intracraniana.

Além disso, a prevenção de processos como hipóxia, distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos está
relacionada com o óbito do paciente.

O tratamento da HIC envolve múltiplas medidas terapêuticas, nas quais o fisioterapeuta pode
contribuir através do posicionamento do paciente com a monitorização para a hipertensão intracraniana,
que consiste na manutenção do decúbito dorsal, associado a uma elevação de 30° do tronco superior,
e a cabeça deverá estar em posição neutra, para evitar compressões vasculares ao nível do pescoço que
possam dificultar o retorno venoso. Além do posicionamento, a aspiração das vias aéreas irá colaborar
para o controle da HIC. (A abordagem fisioterapêutica junto ao paciente com história de TCE será
discutida detalhadamente na unidade III deste livro-texto.)

A intervenção cirúrgica nos pacientes com TCE se faz necessária diante da maioria das lesões
focais como os hematomas cerebrais, bem como em contusões e lacerações corticais, devido à elevada
probabilidade do desenvolvimento de efeito compressivo sobre as estruturas cerebrais.

Diante das lesões difusas, a monitorização da pressão intracraniana (PIC) se faz necessária nos casos
graves de TCE, além das medidas terapêuticas específicas de uma unidade de terapia intensiva como
a sedação, eventualmente uso de barbitúricos e em casos de hipotermia (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

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Para a monitorização da PIC, é utilizado o cateter ventricular, que além de possibilitar a drenagem
de liquor, oferece uma análise sobre a necessidade de derivações ventrículo-peritoniais e da pressão de
perfusão cerebral (PPC). Outros locais podem ser utilizados para o posicionamento do cateter, como no
espaço subdural ou diretamente no tecido cerebral (figura a seguir), porém é orientado que o paciente
permaneça com o cateter, no máximo, durante 5 dias, devido ao risco de infecção.
Ventriculostomia Intraparenquimatoso

Subdural

Pele
Osso
Dura

Subdural

Aracnoide

Ventrículo
lateral

Figura 24 – Locais para colocação do cateter de monitorização da PIC

Fonte: Giugno (2003, p. 291).

De maneira geral, diante da LAD, os pacientes deverão ser submetidos à terapia de suporte em
unidade de terapia intensiva e monitorização da PIC.

5.1.6 Coma e morte encefálica

O estado de coma pode ser compreendido como uma alteração na excitabilidade de neurônios
corticais associada ao comprometimento do alerta comportamental. Os termos estupor e coma são
estados clínicos caracterizados pelo comprometimento do nível de consciência e redução de respostas
diante de estímulos externos.

O diagnóstico de morte encefálica retrata uma situação irreversível baseada na aplicação de


protocolo específico, composto de exames complementares que deverão evidenciar:

• ausência de atividade elétrica cerebral;

• ausência de atividade metabólica cerebral;

• ausência de perfusão sanguínea cerebral.


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Os parâmetros utilizados pelos médicos estão fundamentados pela resolução do Conselho Federal de
Medicina de 1997. Uma vez constatada e documentada a morte encefálica, caberá ao responsável pelo
centro hospitalar a comunicação aos responsáveis pelo paciente e à Central de Notificação, Captação e
Distribuição de Órgãos (CNCDO) (CLAUDINO-SUKYS, 2015).

5.2 Lesão medular

Durante muitos anos a situação clínica vinculada à lesão na medula espinal esteve associada
diretamente ao conceito de morte. Foi a partir da utilização de antibióticos e técnicas cirúrgicas mais
desenvolvidas que aconteceu uma mudança nessa visão, porém ao mesmo tempo um novo desafio
surgiu com relação à necessidade de programas de reabilitação para as pessoas com histórico de lesão
medular; sobretudo no período após a Segunda Guerra Mundial, em que milhares de soldados jovens
retornaram para casa com sequelas de traumatismo raquimedular (NEVES; JESUS, 2007).

A medula espinal é um dos componentes do sistema nervoso central (SNC) e suas funções são
complexas, envolvendo aspectos sensoriais, motores e autonômicos. Embora possa ser comparada a
uma porta de entrada de informações sensoriais, através das vias aferentes, da periferia (ossos, pele,
músculos e vísceras) para o SNC, sua organização interna possibilita a geração de comportamentos
motores reflexos.

O conhecimento sobre anatomia e fisiologia da medula espinal permite a compreensão das variáveis
que irão determinar o quadro clínico do indivíduo com lesão medular.

Então vamos recordar, de forma geral, os principais aspectos anatômicos da medula espinal.

5.2.1 Anatomia da medula espinal

A medula espinal está localizada no interior do canal vertebral estendendo-se até a vértebra lombar L2,
onde dá origem à cauda equina e suas raízes nervosas.

De acordo com a relação com as regiões da coluna vertebral, é dividida nos segmentos cervical,
torácico, lombar e sacral. Dos forames intervertebrais são originados os 31 pares de nervos espinais
(figura a seguir), sendo estes mistos, isto é, compostos de fibras nervosas sensitivas, motoras
e autonômicas.

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Raiz sensorial

Gânglio da
raiz dorsal Tronco cerebral

Medula espinal

Coluna vertebral

Nervo espinal Raiz motora


7 vértebras cervicais
12 torácicas
12 lombares
5 sacrais
Nervos espinais 4 coccígeas

Disco vertebral
Cauda equina
Vértebra

Medula
espinal

Figura 25 – Representação dos nervos espinais

Fonte: Bradbury e McMahon (2006, p. 646).

Sua forma é discretamente cilíndrica e achatada no sentido anteroposterior. Apresenta duas


dilatações, as intumescências cervical e lombar, regiões em que há maior concentração de neurônios
devido à formação respectiva dos plexos braquial e lombossacral (MACHADO; HAERTEL, 2000).

Ao longo de toda superfície possui os sulcos longitudinais: sulco mediano posterior, fissura mediana
anterior, sulcos laterais anterior e posterior. Na região da cervical ainda é possível observar o sulco
intermediário posterior. A presença desses sulcos é utilizada como referência para classificar a substância
branca em funículos anterior, lateral e posterior. Ao longo dos funículos, há a passagem de vias ou
tratos ascendentes e descendentes que conectam os neurônios medulares aos encefálicos (MACHADO;
HAERTEL, 2000).

Alguns tratos ascendentes e descendentes são demonstrados no quadro a seguir:

102
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Quadro 21 – Principais tratos ascendentes e descendentes da medula espinal

Trato Origem Término Função


Espinotalâmico Coluna posterior no lado Informações sensoriais
Tálamo
ventral (anterior) oposto da medula tato protopático (grosso)
Coluna posterior no lado Informações sensoriais
Espinotalâmico lateral Tálamo
oposto da medula de dor
Espinocerebelar Propriocepção
Funículos ventral e dorsal Cerebelo
ventral e dorsal inconsciente
Fascículos grácil Funículo posterior Propriocepção consciente
e cuneiforme
Corticoespinal Áreas motoras do Funículos lateral e ventral Motricidade voluntária
lateral e ventral córtex cerebral

Fonte: Defino (1999, p. 399).

Pequenos filamentos radiculares originados dos sulcos laterais anterior e posterior se unem para
a formação das raízes ventral ou anterior (motoras) e dorsal ou posterior (sensitivas) (MACHADO;
HAERTEL, 2000).

Os nervos espinais resultam da junção das raízes nervosas ventral e dorsal. A conexão com os nervos
espinais caracteriza a segmentação da medula espinal. São 31 pares de nervos espinais, sendo oito
cervicais, doze torácicos, cinco lombares, cinco sacrais e um coccígeo. Vale lembrar que o primeiro par
cervical (C1) emerge acima da primeira vértebra cervical, e o oitavo par (C8) emerge abaixo da sétima
vértebra. O mesmo ocorre com os nervos espinais localizados abaixo de C8, que se originam, de cada
lado, sempre abaixo da vértebra correspondente (MACHADO; HAERTEL, 2000).

Lembrete

Conhecer a localização das principais vias ascendentes e descendentes


da medula e o tipo de informações conduzidas auxilia o fisioterapeuta
durante o processo de avaliação do paciente lesado medular.

As raízes nervosas que conduzem informações sensoriais chegam pela coluna dorsal da medula
espinal. A denominação das raízes é baseada no forame através do qual entram ou saem da coluna
vertebral. A raiz que recebe informações sensitivas das áreas da pele é chamada de dermátomo. O
mesmo ocorre diante da raiz que inerva um grupo de músculos, o miótomo. Enquanto um dermátomo
representa uma discreta área da pele, a maioria dos músculos é inervada por mais de uma raiz (MACHADO;
HAERTEL, 2000).

Com relação à substância cinzenta medular, está localizada na parte interna e se apresenta na forma
de “H”. Também é dividida em coluna anterior, lateral e posterior. Importante recordar que na substância
branca estão localizados os axônios mielinizados, e na substância cinzenta, os corpos dos neurônios
distribuídos em núcleos.

103
Unidade II

O cone medular é a porção final da medula espinal e está localizado no nível da vértebra lombar L2,
onde também ocorre a formação da cauda equina, conjunto de raízes nervosas responsáveis pela
inervação da cintura pélvica e dos membros inferiores.

A necessidade da existência da cauda equina se dá pela diferença no ritmo de crescimento da


medula e da coluna vertebral durante a embriogênese: a partir do quarto mês de vida intrauterina,
é observado um maior crescimento da coluna quando comparado ao da medula espinal (MACHADO;
HAERTEL, 2000).

5.2.2 Trauma raquimedular

Para a compreensão do comprometimento clínico gerado pela lesão medular, é necessário o


conhecimento sobre os circuitos neurais medulares e suas funções. De maneira geral, é observada
perda da regulação de funções importantes como respiração, circulação e atividade sexual, além das
repercussões psicológicas (NEVES; JESUS, 2007).

Embora as causas da lesão medular sejam variadas, são aquelas associadas aos traumas da coluna
vertebral as mais frequentes.

Para Bertolucci et al. (2011), os traumas raquimedulares são resultados da ação de forças traumáticas
agudas que promovem carga excessiva sobre as estruturas ósseas, ligamentares e podem causar lesão
neurológica medular ou radicular.

Qualquer região da coluna vertebral pode ser sede de lesão, porém são a coluna cervical e em seguida
a toracolombar (T11, T12, L1 e L2) as mais suscetíveis, uma vez que do ponto de vista biomecânico
possuem maior grau de mobilidade (BERTOLUCCI et al., 2011).

Epidemiologia

O trauma raquimedular (TRM) ocorre mais na população jovem, compreendendo a faixa etária entre
15 e 30 anos, sendo mais comum no sexo masculino, e as causas mais relevantes incluem os acidentes
automobilísticos, quedas de altura, violência urbana e mergulho.

Nos Estados Unidos, a incidência anual foi estimada entre 4 e 5,3 a cada 100 mil habitantes. Além
disso, há relevância para o impacto econômico gerado após um TRM, sendo a hospitalização de um
paciente tetraplégico aproximada em 100 mil dólares e a reabilitação em 75 mil dólares (BERTOLUCCI
et al., 2011).

No Brasil, a incidência dessa lesão na medula espinal não é totalmente conhecida, mas é estimada a
ocorrência anual de mais de 10 mil novos casos (CAMPOS et al., 2008).

No estudo sobre epidemiologia do TRM, Campos et al. (2008) relatam como principal causa queda
geral (40%), seguida por acidentes automobilísticos (25%), quedas da laje (23%), ferimentos por arma
de fogo (7%), mergulhos em água rasa (3%) e agressões (2%). Os indivíduos mais propensos ao TRM
104
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

também foram homens (86%). Porém aponta tendência crescente de aumento da lesão em mulheres,
sendo estas mais propensas à lesão cervical.

Fisiopatologia

Uma vez lesado, o sistema nervoso central (SNC) tenta recuperar suas funções, sendo estas
dependentes da reorganização dos circuitos neurais intactos. Mecanismos plásticos envolvidos
com a formação de novas conexões e ativação de células preexistentes são descritos. No SNC, em
especial na medula espinal, tais mecanismos são menos conhecidos e eficientes (DEL BEL; SILVA;
MLADINIC, 2009).

Imediatamente à lesão traumática, período denominado choque medular, as inervações


vasomotoras e viscerais ficam inativas, o que pode resultar em arritmia cardíaca, episódios de
hipotensão e hipertensão (disreflexia autonômica). Além disso, há atonia de ductos eferentes
urinários, estômago e intestino, disfunções endócrinas (hiperglicemia) no metabolismo eletrolítico e
no controle da temperatura corpórea.

De maneira geral, esse período agudo tem duração de 4 a 6 semanas, com o seu término há o
desenvolvimento da espasticidade e de reflexos patológicos devido à perda do controle supraespinal
(DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009).

O período de choque medular é explicado pela presença de respostas inflamatórias instaladas


no local da lesão e segmentos medulares localizados acima e abaixo dele, em especial pelo efeito
compressivo exercido pelo edema.

De maneira didática, o TRM pode ser subdividido em lesão primária e secundária. A lesão primária
combina os fatores de impacto e compressão causados pela ruptura de disco intervertebral, fragmentos
ósseos e fraturas com deslocamento, ou impacto associado à compressão transitória (hiperextensão,
distensões ocasionadas por forças relacionadas à flexão, extensão, rotação), que compromete o fluxo
sanguíneo e pode gerar laceração ou até mesmo transecção (DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009).

A lesão secundária engloba processos dinâmicos e complexos compostos de uma sequência de


alterações moleculares e celulares que aumentam a gravidade da lesão.

Entre essas alterações devem ser citadas mudanças no fluxo sanguíneo e isquemia, edema, acúmulo
de cálcio intracelular e de potássio no espaço extracelular, formação de radicais livres, liberação de
glutamato e aspartato, migração de células inflamatórias, ativação da micróglia e presença de fatores
inibitórios (DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009).

Ainda é possível que neurônios distantes do local da lesão traumática possam sofrer axotomia,
absorvendo assim os efeitos da lesão secundária e evoluindo para atrofia e morte.

105
Unidade II

O prognóstico da lesão medular dependerá, portanto, dos efeitos da lesão secundária, bem
como do tipo e intensidade do acometimento medular. Um dos fatores limitantes para o processo
de regeneração no SNC é a cavitação, também denominada siringomielia, que surge após os
eventos da lesão secundária na medula espinal.

Figura 26 – Siringomielia na lesão medular

Disponível em: https://bit.ly/2WGm61K. Acesso em: 30 ago. 2021.

A lesão primária ativa eventos locais como inflamação vascular, além da excitocidade, que agravam
a lesão primária mecânica. Além da necrose secundária, pode ocorrer apoptose causada tanto pela
isquemia como pelo trauma (DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009).

Ainda não há terapia ou fármacos que consigam curar a lesão medular, sendo necessária a
adoção de métodos eficientes que garantam possibilidades de regeneração dos neurônios e axônios
medulares lesados, principalmente drogas que reduzam os efeitos da lesão secundária. Uma utilizada é a
glicocorticoide metilprednisolona, que pelo seu efeito anti-inflamatório, se for aplicada imediatamente
após a lesão, auxilia na melhora no déficit sensório-motor dos pacientes (DEL BEL; SILVA; MLADINIC, 2009).

Avaliação clínica

Um dos principais aspectos determinantes na evolução do paciente após a lesão medular é o


atendimento inicial médico no local do acidente. Em muitos pacientes, a lesão definitiva ocorre no
momento de transferência do local do acidente. Por esse motivo, hoje é protocolo das equipes de resgate
106
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

a imobilização do paciente em prancha de madeira e colocação do colar cervical diante de suspeita de


lesão da coluna vertebral.

A imobilização poderá ser retirada com segurança somente após a confirmação de exames de
imagem radiológicas e complementares. No hospital, os pacientes são inicialmente abordados como
politraumatizados, sendo enfatizados os cuidados para estabilização hemodinâmica, além do trauma da
coluna vertebral.

No exame físico, quando há fratura de vértebra, porém sem acometimento medular, o paciente
refere dor local, com possibilidade de irradiação para os membros, incapacidade funcional e
espasmo muscular adjacente. Nos casos de acometimento medular, pode ser observada respiração
diafragmática, ausência de resposta ao estímulo doloroso e movimento voluntário, alteração no
controle de esfíncter. Ainda pode ocorrer queda da pressão arterial associada à bradicardia (choque
neurogênico) (DEFINO, 1999).

No exame neurológico, serão observados a sensibilidade, a função motora e os reflexos.

A sensibilidade é examinada no sentido craniocaudal, desde a região cervical, através de variação da


temperatura, dor e tato (integridade dos funículos anterolateral da medula). Com um diapasão, testa-se
a vibração para observação da integridade do funículo posterior da medula espinal (DEFINO, 1999).

Ainda na avaliação da sensibilidade, observa-se a distribuição dos dermátomos, podendo ser utilizada
a relação com algumas regiões como a dos mamilos (T4), processo xifoide (T7), umbigo (T10), região
inguinal (T12-L1) e região perineal (S2-S3-S4).

Com relação à função motora, são recrutados os miótomos (quadro a seguir) para observação da
integridade do trato corticoespinal, sendo aplicado o teste de força muscular, segundo Kendall, Kendall
e Wadsworth (1979), cuja força pode variar de zero a cinco (quadro 23).

Quadro 22 – Miótomos

Raiz nervosa Movimento


C1-C2 Flexão do pescoço
C3 Flexão lateral do pescoço
C4 Elevação do ombro
C5 Abdução do braço
C6 Flexão cotovelo e extensão punho
C7 Extensão do cotovelo e flexão punho
C8 Extensão e desvio ulnar do polegar
T1 Abdução do quinto dedo

107
Unidade II

Quadro 23 – Graduação da força muscular

Grau da força Função


muscular
0 Ausência de contração muscular
1 Contração muscular palpável ou visível
2 Contração muscular que não vence a gravidade
3 Contração muscular que vence a gravidade
4 Contração muscular que vence a resistência submáxima
5 Contração muscular que vence a resistência máxima

Adaptado de: Kendall, Kendall e Wadsworth (1979, p. 1-9).

Os reflexos tendíneos são dependentes da integridade da coluna anterior da medula espinal, e


em condições normais, o córtex cerebral exerce uma ação inibitória sobre os neurônios medulares. A
ausência da resposta reflexa pode indicar lesão do neurônio motor inferior ou choque medular. Os mais
pesquisados (DEFINO, 1999) são:

• bicipital (C5);

• braquiorradial (C6);

• tricipital (C7);

• patelar (L4);

• aquileo (S1).

Para os reflexos superficiais, os que são observados envolvem os abdominais e os cremastéricos, cuja
resposta positiva indica integridade do neurônio motor superior. A ausência dessas respostas sugere
lesão do neurônio motor superior e a perda assimétrica está relacionada à lesão do neurônio motor
inferior (DEFINO, 1999).

A observação do reflexo bulbocavernoso é importante em pacientes com lesão medular,


principalmente durante a fase de choque medular. O retorno de sua resposta, obtido através da
estimulação do pênis ou clitóris com resposta de contração anal, indica o término dessa fase aguda, e
auxiliará o médico na determinação de que a lesão na medula foi completa ou incompleta (DEFINO, 1999).

A determinação do nível neurológico da lesão é um dos objetivos da avaliação inicial do paciente.


O nível neurológico corresponde ao segmento mais distal da medula espinal, que possui preservação
sensitiva e motora em ambos os lados. Com essa definição, surge também o nível sensitivo (nível mais
distal com sensibilidade preservada) e o nível motor. O nível esquelético da lesão é determinado através
de exames de imagens radiológicas e corresponde à vértebra lesada (DEFINO, 1999).

108
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

5.2.3 Classificação da lesão medular

Para a classificação da lesão medular, podem ser utilizados diferentes critérios, sendo essa
classificação necessária para a compreensão dos diferentes quadros clínicos possíveis dos pacientes
com lesão medular.

O quadro clínico do paciente com lesão medular dependerá das variáveis: nível, tempo e tipo
(grau) de lesão.

Dependendo da localização da lesão medular em relação às porções da coluna vertebral, pode ser
dita cervical, torácica, lombar e sacral.

O tempo da lesão caracterizado como agudo é denominado choque medular, que tem instalação
imediata após a lesão traumática e pode durar entre 4 e 6 semanas. Durante esse período o paciente
apresenta uma ausência das respostas motoras, sensitivas e autonômicas, inclusive as de natureza
reflexa. Essa ausência de respostas pode ser explicada pelo processo inflamatório e principalmente pelo
edema, efeito da lesão secundária.

À medida que o edema é absorvido, a atividade neural passa a retornar e então o quadro clínico
é modificado, sendo possível a partir desse momento a classificação da lesão medular em completa
ou incompleta.

Com relação ao tipo ou grau, a lesão medular pode ser dita completa (total) ou incompleta (parcial).

Na lesão medular completa há perda total da sensibilidade e motricidade abaixo do nível da lesão,
sendo possível a presença de alguns reflexos medulares, como o reflexo de retirada, extensão cruzada
e reflexos tendíneos. Na lesão incompleta, após o período de choque medular, dependendo do local da
lesão na medula espinal poderá ocorrer retorno da sensibilidade e/ou motricidade, o que dará origem
às síndromes medulares.

Síndromes medulares

As síndromes medulares, demonstradas na figura a seguir, são lesões medulares incompletas


definidas a partir da localização da lesão no interior da medula espinal.

109
Unidade II

Lesões incompletas da medula


Síndrome medular central

Síndrome medular anterior

Síndrome de Brown-Séquard

Trato corticoespinal

Trato espinotalâmico anterior

Figura 27 – Representação de síndromes medulares

Disponível em: https://bit.ly/3yrCU9H. Acesso em: 30 ago. 2021.

A síndrome medular central é uma condição clínica específica da região central da medula cervical,
resultado de processos degenerativos ósseos dessa região. Nessa lesão, há comprometimento motor de
membros superiores e preservação dos reflexos miccionais.

Na síndrome medular anterior, devido a causas vasculares ou traumáticas, a porção anterior da


medula é acometida bilateralmente, resultando em perda motora e sensitiva tátil (protopática) e parte
da dolorosa (funículo lateral), porém com preservação da propriocepção.

110
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Na síndrome de Brown-Séquard, também conhecida como hemissecção medular, lesões como


ferimento por arma de fogo ocasionarão perda homolateral à lesão da função motora e proprioceptiva e
dolorosa contralateral, devido ao comportamento das fibras do trato espinotalâmico lateral que cruzam
a linha média da medula e ascendem ao tálamo pelo funículo lateral.

Outra forma de síndrome medular é a posterior, caracterizada pela lesão do funículo posterior,
causando perda da propriocepção e preservação da função motora, sensitiva dolorosa e tátil. Porém,
devido à ausência da propriocepção, haverá prejuízo da coordenação e do equilíbrio, sobretudo durante
a marcha (ataxia sensitiva).

A lesão da medula espinal no nível sacral, geralmente no nível ósseo de T12-L1, é denominada
síndrome do cone medular e resulta em incontinência fecal, vesical e alteração da função sexual. A
sensibilidade está alterada nos 3 a 4 segmentos sacrais distais e segmentos coccígeos (anestesia em
cela), e o reflexo cavernoso encontra-se ausente (DEFINO, 1999).

O acometimento das raízes nervosas da cauda equina é denominado síndrome da cauda equina,
que com frequência está associada a fraturas distais de L1-L2. O quadro clínico será dependente da raiz
nervosa acometida, sendo observada paresia do membro inferior, arreflexia, distúrbio da sensibilidade e
incontinência fecal e vesical (DEFINO, 1999).

Do ponto de vista funcional, a lesão medular poderá gerar uma tetraplegia ou paraplegia.

A tetraplegia é caracterizada clinicamente pela perda da motricidade e/ou sensibilidade dos quatro
membros e tronco devido à lesão nos segmentos cervicais e início da torácica (T1). A paraplegia é
resultado de lesão a partir de T2, e o paciente perde a motricidade e/ou a sensibilidade dos segmentos
torácicos em direção aos membros inferiores.

Tanto a tetra como a paraplegia associadas à lesão medular, excluem-se situações clínicas
envolvendo lesões dos plexos braquial e lombossacral e dos nervos periféricos (DEFINO, 1999).

5.2.4 ASIA (American Spine Injury Association)

Em 1992, a Associação Americana do Trauma Raquimedular (ASIA – American Spine Injury


Association) desenvolveu padrões para avaliação e classificação neurológica do TRM, sendo aceitos
mundialmente como protocolo de avaliação (DEFINO, 1999).

111
Unidade II

Figura 28 – Representação da ASIA (classificação neurológica padrão das lesões medulares)

Fonte: Santos, Tomaz e Soares (2019, p. 4093).

Defino (1999) explica que a avaliação do TRM pela ASIA é baseada na observação da sensibilidade
e da função motora, e posteriormente é determinado o nível neurológico da lesão, nível motor e
sensitivo, obtidos através de números que fornecem um escore. A avaliação da sensibilidade profunda,
propriocepção e dor profunda comportam em avaliação opcional, mas que podem oferecer informações
clínicas importantes.

A avaliação da sensibilidade tátil e dolorosa é feita pela inspeção dos 28 dermátomos bilateralmente,
atribuindo-se valores numéricos: 0-ausente, 1-alterada, 2-normal e NT (não testada), diante da
impossibilidade de avaliação do dermátomo. Com relação ao esfíncter anal externo, pode ser testado
através da introdução do dedo do examinador no orifício anal, para determinação de lesão completa ou
incompleta (DEFINO, 1999).

Para avaliação da função motora, são testados o grau de força muscular para os denominados
músculos-chave, segundo padronização da ASIA. O músculo-chave é aquele agonista principal para
uma atividade funcional. O quadro aponta os músculos-chave determinados pela ASIA e que devem

112
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

ser pesquisados bilateralmente. Para a integridade do nível medular do respectivo músculo-chave, sua
força deve ser no mínimo igual a 3.

Quadro 24 – Músculos-chave (ASIA)

Músculos Miótomos

Flexores do cotovelo C5

Flexores de punho C6

Extensores de cotovelo C7

Flexores dos dedos C8

Abdutores (dedo mínimo) T1

Flexores do quadril L2

Flexores de joelho L3

Dorsiflexores do tornozelo L4

Extensor longo dos dedos L5

Flexores plantares do tornozelo S1

Após as avaliações, é dada a somatória dos diferentes valores referentes à força muscular,
sensibilidade tátil e dolorosa, cujo valor máximo é 100 para avaliação motora e 112 para a sensitiva
(DEFINO, 1999).

Com relação à observação da deficiência, a ASIA modificou a escala de Frankel et al. (1969), que
consiste em 5 graus de incapacidade, conforme é possível verificar no quadro.

Quadro 25 – Escala de Frankel modificada pela ASIA

Nível Tipo de lesão Característica funcional

Ausência de função motora e sensitiva,


A Lesão completa inclusive nos segmentos sacrais S4-S5

Preservação da sensibilidade e ausência de


B Lesão incompleta função motora, inclusive S4-S5

Preservação da função motora abaixo do nível


C Lesão incompleta neurológico, e a maioria dos músculos com
força < ou = 3
Preservação da função motora abaixo do nível
D Lesão incompleta neurológico, e a maioria dos músculos com
força > 3

E Normal Sensibilidade e motricidade normais

113
Unidade II

É importante ressaltar que a classificação neurológica da lesão medular pode ser alterada durante
a fase de recuperação, em especial com o término da fase de choque medular (fase aguda da lesão).
Então torna-se necessário o acompanhamento contínuo do quadro clínico do paciente durante essa
evolução, sendo possível a evolução de uma lesão completa, na fase aguda, para um quadro de lesão
incompleta (NEVES; JESUS, 2007).

Observação

A utilização diária do protocolo de avaliação da lesão medular


desenvolvida pela ASIA contribui para a compreensão do fisioterapeuta sobre
o quadro clínico do paciente lesado medular, além de ser referência para
todos os profissionais atuantes no programa de reabilitação desse paciente.

5.2.5 Avaliação diagnóstica

Além da avaliação clínica, os exames radiológicos auxiliarão no diagnóstico do trauma raquimedular.


As radiografias simples (figura a seguir) evidenciam fraturas e luxações, porém não possibilitam
observação da medula espinal e ligamentos.

Figura 29 – RX de coluna cervical evidenciando fratura cervical

Fonte: Wilberger e Mao (2019).

114
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Em especial, as vértebras cervicais devem ser observadas de maneira detalhada, assim também como
a transição toracolombar, regiões mais suscetíveis de TRM.

A tomografia computadorizada favorece o diagnóstico de fraturas ocultas da região cervical, além


de permitir uma observação detalhada da fratura, da estabilidade do segmento lesado e da compressão
do canal vertebral pelos fragmentos ósseos da vértebra fraturada.

A ressonância magnética, de preferência, além da observação de estruturas de tecidos moles,


possibilita a verificação dos efeitos da lesão secundária como edema, focos hemorrágicos, hérnias
discais e contusões (DEFINO, 1999).

5.2.6 Tratamento

O ideal da abordagem terapêutica ao paciente com TRM é que seja iniciada, se possível, no local do
acidente, onde deverá ser enfatizada a imobilização e o transporte adequado do indivíduo de maneira a
evitar lesões adicionais ou aumentar as já instaladas. Não é raro a instalação da lesão na medula ocorrer
de forma definitiva durante o socorro do paciente por pessoas não informadas sobre a adequação
desses procedimentos.

Conforme descrito anteriormente, a coluna cervical deve ser prioridade, principalmente para
os pacientes politraumatizados, cuja imobilização poderá somente ser retirada no hospital, após
confirmação da ausência de lesão (DEFINO, 1999).

A abordagem hospitalar imediata é caracterizada pela manutenção e pelo restabelecimento das


funções vitais do paciente, sendo que o tratamento específico da lesão ocorrerá após estabilização
hemodinâmica (DEFINO, 1999).

Segundo Defino (1999), a utilização de metilprednisolona no período de até 8 horas após a lesão
possibilita melhora neurológica significativa, devido a sua ação para reduzir o edema (DEFINO, 1999).

A intervenção sobre a lesão objetivará, de forma geral, preservação da medula espinal, restauração do
alinhamento da coluna vertebral, estabilização do segmento vertebral lesado, prevenção de complicações
gerais e locais, desde que o paciente esteja estável, caso contrário, será realizada a tração da coluna
vertebral (DEFINO, 1999).

Infelizmente as técnicas cirúrgicas atuais não possibilitam a recuperação funcional da medula


espinal, porém permitem uma possibilidade da mobilização precoce do paciente e consequentemente
do programa de reabilitação, que é complexo, multidisciplinar e que será discutido posteriormente neste
livro-texto.

115
Unidade II

Saiba mais

Christopher Reeve, estadunidense, foi um dos atores mais representativos


do personagem Superman. Atuou também no famoso filme “Em algum
lugar do passado” (1980), além de ter sido diretor, produtor e ativista. Em
1995, sofreu uma queda de cavalo, em que lesou as primeiras vértebras
cervicais, que o deixou tetraplégico. Após várias terapias conseguiu respirar
com menos auxílio de aparelhos e se tornou ativista pelos direitos dos
deficientes, criando a Fundação Christopher Reeve para Paralisia (1999).
Arrecadou fundos para pesquisas sobre células-tronco na regeneração da
medula espinal.

Sua biografia, intitulada Ainda sou eu, é uma verdadeira aula sobre
lesão medular e suas repercussões clínicas, físicas e psicológicas, além de
ser uma lição de vida. Christopher Reeve morreu em 2004, devido a uma
parada cardíaca, aos 52 anos.

Conheça melhor essa história em:

REEVE, C. Ainda sou eu. Memórias. São Paulo: DBA, 2001.

Figura 30 – Ator Christopher Reeve antes do acidente

Disponível em: https://bit.ly/2V30HiJ. Acesso em: 30 ago. 2021.

116
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

5.3 Afecções dos gânglios da base (núcleos da base)

A definição anatômica dos núcleos ou gânglios da base engloba um conjunto de núcleos localizados
entre o diencéfalo e o tronco cerebral, e que devido a sua relação com a função motora, durante muito
tempo, esteve associado à terminologia sistema extrapiramidal.

Esse termo foi introduzido por Samuel Alexander Kinnier Wilson, e o critério para sua utilização
era diferenciar estruturas anatômicas com função motora que não incluísse o sistema piramidal.
Vale lembrar que este é composto, principalmente, de trato corticoespinal, que na região do bulbo
(pirâmides) ocorre a decussação de suas fibras em relação à linha média. Esse comportamento justifica
o princípio da neuroanatomia sobre a motricidade voluntária que é cruzada, isto é, os movimentos
voluntários planejados no hemisfério cerebral direito sendo realizados por músculos localizados no
hemicorpo esquerdo.

Porém, com a evolução do conhecimento da neurociência, essa terminologia entre esses dois
sistemas não é mais utilizada, uma vez que os estudos atuais mostram a existência de integração
funcional entre as estruturas anatômicas que compõem os sistemas.

Com relação aos distúrbios de movimento gerados pela lesão dos gânglios da base, há um grupo
diversificado e que pode ser observado na classificação a seguir (NITRINI; BACHESCHI, 2015, p. 232):

• parkinsonismo;

• coreia;

• balismo;

• distonia;

• atetose;

• tique;

• tremor;

• estereotipia;

• ataxia;

• mioclonia;

• síndrome das pernas inquietas.

117
Unidade II

Distúrbios de movimento são caracterizados como pobreza ou lentidão dos movimentos voluntários
na ausência de paresia ou plegia, ou por atividade involuntária representada pelas hipercinesias.

Para entendermos esses distúrbios, vamos relembrar os principais aspectos da anatomia e fisiologia
dos gânglios da base.

5.3.1 Anatomia e fisiologia dos gânglios da base

A anatomia e fisiologia dos gânglios da base é muito complexa. Essa complexidade contribui para a
dificuldade na compreensão de processos fisiopatológicos de doenças extrapiramidais, como a doença
de Parkinson e coreia de Huntington.

Do ponto de vista anatômico, os gânglios da base compõem: núcleo lentiforme (putâmen e globo
pálido), núcleo caudado, substância negra (pars compacta e pars reticulata) e núcleo subtalâmico de
Luys. O conjunto funcional composto dos núcleos caudado e putâmen recebe o nome de estriado
ou neoestriado.

O globo pálido é composto de dois segmentos: interno (medial) e externo (lateral). Esses núcleos
formam um complexo funcional de redes neurais entre si e com as áreas motoras corticais (NITRINI;
BACHESCHI, 2015).

A principal via de entrada das informações (originadas no córtex motor e em áreas associativas)
destinadas aos gânglios da base é através do estriado. Essas aferências possuem ação excitatória sobre
o estriado, e o neurotransmissor presente é o glutamato.

No estriado, parte dessas aferências se dirige para o núcleo caudado, enquanto aquelas originadas
no córtex sensório motor se dirigem para o putâmen.

Essa diferenciação sugere a participação do núcleo caudado em funções cognitivas, enquanto o


putâmen parece estar associado ao controle da motricidade.

Além do córtex cerebral, a substância negra (pars compacta) envia informações aferentes ao estriado,
sendo a dopamina o neurotransmissor liberado. As aferências da substância negra atuam sobre os
receptores dopaminérgicos de tipo D, inibem neurônios estriatais, que se projetam para o globo pálido
externo (primeira estação de via indireta), e assim excitam neurônios estriatais, que, por uma via direta,
se destinam ao complexo pálido interno/substância negra pars reticulata (corresponde à via de saída dos
gânglios da base) (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

O estriado recebe também outras aferências, como as projeções serotoninérgicas de núcleos da


rafe, aferências glutamatérgicas vindas dos núcleos centromediano e parafascicular do tálamo e outras
originadas no núcleo pedúnculo-pontino, do globo pálido e do núcleo subtalâmico de Luys.

118
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Entre as conexões dos gânglios da base, há diferentes neurotransmissores. Além da dopamina,


as aferências estriatais são compostas de neurônios inibitórios, cujo neurotransmissor é o GABA
(gama‑amino-butírico). Essas aferências dirigem-se para o globo pálido (segmentos interno e externo)
e para a pars reticulata da substância negra (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Se o estriado é o ponto de entrada de informações que chegam aos gânglios da base, o segmento
interno do globo pálido e a pars reticulata da substância negra constituem a via de saída do sistema.

Entre as vias de entrada e saída dos gânglios da base há duas internas: a via direta e a via indireta.
A primeira recebe esse nome porque praticamente une a via de entrada a de saída. Já a via indireta
possui estações intermediárias com o pálido externo e o núcleo subtalâmico de Luys antes de chegar à
via de saída (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

As eferências do segmento externo do globo pálido são inibitórias, mediadas pelo GABA, e se dirigem
ao núcleo subtalâmico de Luys, que, por sua vez, envia neurônios excitatórios glutamatérgicos para o
segmento interno do globo pálido e a substância negra (pars reticulata).

As principais eferências dos gânglios da base se encaminham para as áreas motoras do córtex
cerebral, principalmente para as áreas pré-motora, motora suplementar e motora primária. Porém,
antes de chegarem ao córtex, elas projetam-se sobre o tálamo (núcleos talâmicos ventral lateral e
ventral anterior).

As vias que saem do pálido interno/substância negra (pars reticulata) que se dirigem para o
tálamo são inibitórias (mediadas pelo GABA), e as que formam a via tálamo-cortical são excitatórias
(neurotransmissor glutamato) (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

A descrição geral das conexões externas e internas dos gânglios da base confirma sua complexidade
neural e funcional. As funções dos gânglios da base ainda não são totalmente conhecidas, mas além
da associação com o controle motor, suas demais conexões sugerem que estejam envolvidos na função
cognitiva e no comportamento emocional.

Embora não estejam envolvidos diretamente na execução do movimento voluntário, estudos


mostram que possuem um controle inibitório sobre as áreas corticais responsáveis pelo planejamento e
pela execução de padrões motores seletivos (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

5.3.2 Aspectos fisiopatológicos dos gânglios da base

As lesões dos gânglios da base (GB) ocasionam dois tipos de síndromes extrapiramidais: as
hipocinéticas (representadas principalmente pelo parkinsonismo) e as hipercinéticas (caracterizadas
por movimentos involuntários como balismo e coreia).

Essas síndromes são resultado do desequilíbrio no funcionamento interno dos GB, envolvendo as
vias direta e indireta.

119
Unidade II

No caso do parkinsonismo, acredita-se que haja uma disfunção da via dopaminérgica nigroestriatal,
o qual irá gerar uma redução da atividade inibitória sobre a via indireta e da atividade excitatória sobre
a via direta. Além disso, com a progressão da doença, os neurônios degeneram e há o desenvolvimento
de corpos citoplasmáticos presentes na substância negra, denominados corpos de Lewy (SOUZA
et al., 2011).

Com isso, ocorrerá o aumento da atividade excitatória do núcleo subtalâmico sobre a via de saída
(pálido interno/substância negra pars reticulata). Por outro lado, haverá redução da atividade inibitória
da via direta sobre os núcleos de saída. O resultado global será o predomínio de atividade inibitória desses
núcleos sobre o tálamo, e dessa forma, diminuição da estimulação cortical das vias tálamocorticais,
resultando em redução da iniciativa motora, denominada bradicinesia, um dos principais sintomas dos
pacientes com doença de Parkinson (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Na unidade III, veremos que a bradicinesia é uma das principais causas das limitações funcionais
desses pacientes. Assim, mesmo com a complexidade do funcionamento dessas vias, é importante para
o fisioterapeuta seu conhecimento geral, para dessa forma conseguir elaborar estratégias adequadas
de tratamento.

Nas síndromes hipercinéticas, como balismo e coreia, devido às alterações estriatais dos
neurônios que liberam GABA + encefalina, há uma redução da inibição do estriado sobre o pálido
externo (via indireta). Assim, haverá o predomínio da atividade inibitória do pálido externo sobre o
núcleo subtalâmico de Luys, e, assim, redução da atividade excitatória exercida por essa estrutura na via
de saída dos GB.

Consequentemente, ocorrerá redução da inibição do tálamo e da hiperatividade da alça


talamocortical, resultando movimentos anormais. Acredita-se que a origem do balismo seja, então,
devido a lesões do núcleo subtalâmico de Luys (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Embora as lesões dos GB sejam responsáveis por diferentes tipos de distúrbios de movimento, vamos
abordar as formas mais frequentes na prática clínica do fisioterapeuta neurofuncional.

5.3.3 Síndrome parkinsoniana

Esse termo é equivalente a parkinsonismo, e corresponde a várias situações clínicas com diferentes
etiologias, sendo a forma mais comum a doença de Parkinson (DP).

A DP é um distúrbio neurológico progressivo, causada principalmente pela degeneração dos


neurônios dopaminérgicos da pars compacta da substância negra. Seu início é lento e muitas vezes
são os familiares que percebem seus distúrbios motores, que são sutis e consequentes da redução de
dopamina no estriado (GONÇALVES; ALVAREZ; ARRUDA, 2007).

Souza et al. (2011) relatam que a DP engloba seis estágios, de acordo com o envolvimento de
estruturas anatômicas:

120
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

• Estágio 1: comprometimento do núcleo motor dorsal dos nervos glossofaríngeo e vago,


além da zona reticular intermediária e do núcleo olfatório anterior, sendo assim um processo
neurodegenerativo localizado nas fibras dopaminérgicas que inervam o putâmen dorsolateral.

• Estágio 2: presença de comprometimento adicional dos núcleos da rafe, núcleo reticular


gigantocelular e do complexo do lócus cerúleo.

• Estágio 3: comprometimento da pars compacta da substância negra.

• Estágios 4 e 5: comprometimento das regiões prosencefálicas, do mesocórtex temporal e de


áreas de associação de neocórtex e neocórtex pré-frontal.

• Estágio 6: envolvimento de áreas de associação do neocórtex, áreas pré-motoras e área


motora primária.

A DP é uma das formas mais frequentes de acometimento da função motora no sistema nervoso
central. Sua prevalência varia entre 50 e 150 casos por 100 mil pessoas; entretanto, quando é
considerada a população acima de 60 anos, é acompanhada pelo aumento em cerca de dez vezes,
equivalendo a 1% dos indivíduos (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Souza et al. (2011) relatam que a prevalência em pessoas com idade entre 60 e 69 anos é de
700/100.000. No entanto, 10% dos pacientes possuem menos de 50 anos e 5% têm menos de 40 anos.
Além disso, 36 mil novos casos surgem a cada ano no país.

Assim, é uma doença universal, com elevada prevalência, sendo no mundo inteiro mais de dez milhões
de portadores.

Através da observação dos portais de dados epidemiológicos do governo brasileiro, principalmente


do Censo de 2000, foi evidenciado um aumento da expectativa de vida em 21% da população acima de
65 anos, estimando uma população de cerca de 200 mil indivíduos com DP (SOUZA et al., 2011).

Quadro clínico

Classicamente o quadro clínico da DP é caracterizado pela tétrade composta de acinesia, tremor de


repouso, hipertonia plástica (rigidez) e instabilidade postural.

Barbosa e Sallem (2005) afirmam que além da manifestação motora, a DP pode apresentar distúrbios
do sistema nervoso autônomo, alterações do sono, de memória e depressão.

Do ponto de vista social, as pessoas associam a DP ao sintoma do tremor, porém estudos mostram
que é a somação da acinesia com a rigidez que responde pelas limitações funcionais que a doença
acarretará à vida do portador.

121
Unidade II

A acinesia pode ser definida como uma pobreza de movimentos e lentidão para iniciar e executar
atos motores voluntários e automáticos. Esse distúrbio é observado principalmente na dificuldade
progressiva de realização das trocas posturais, das atividades de vida diária e durante a marcha.

O sintoma da acinesia pode ser observado durante a incapacidade de sustentar movimentos


repetitivos, dificuldade de realizar atos motores simultâneos, além de facilitar o desenvolvimento de
uma fatigabilidade anormal (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Para Nitrini e Bacheschi (2015), o termo bradicinesia ou oligocinesia refere-se mais especificamente
à lentidão na execução de movimentos. A hipocinesia está associada à pobreza de movimentos
observada pela diminuição da expressão facial (hipomimia), da expressão gestual corporal, incluindo a
mobilidade de tronco e dissociação de membros durante a marcha, da deglutição automática da saliva,
o que ocasionará o seu acúmulo, e a perda pela comissura labial (sialorreia).

Outra alteração relacionada à acinesia e muito observada durante a realização da marcha é a


aceleração involuntária na execução de movimentos automáticos, também conhecida como festinação.

A acinesia também pode ser súbita, sendo denominada congelamento ou freezing, ou seja, uma
perda abrupta da capacidade de iniciar ou sustentar uma atividade motora específica, mantendo-se
as demais inalteradas. É comum durante a realização da marcha, em que o paciente pode apresentar
hesitação para iniciar ou determinar uma frenação súbita dos membros inferiores, o que favorecerá a
ocorrência de quedas.

O congelamento pode estar presente diante da apresentação de um obstáculo de elevação do solo,


como um degrau ou um sinal no chão.

Outro aspecto observado no quadro clínico de pacientes portadores da DP é a influência do estado


emocional sobre a piora dos sinais clínicos, principalmente de acinesia e tremor.

O paciente deve ser orientado que determinados estímulos sensoriais ou motores podem auxiliar na
melhora da acinesia súbita, sendo um fator importante a ser utilizado, por exemplo, durante a marcha,
como forma de prevenção das quedas.

Lembrete

Todas as características clínicas da doença de Parkinson são importantes


para o fisioterapeuta, uma vez que irão interferir diretamente durante
as sessões de fisioterapia, bem como no dia a dia do paciente, sendo
fundamental a orientação de cuidador e familiares.

É durante a realização da marcha que se torna possível a observação do grau de evolução da doença.
O padrão da marcha na DP é chamado festinada, sendo caracterizada por passos curtos e pequenos, em

122
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

que há o arrastar dos pés, hesitação para iniciar, parar ou mudar de direção. A dissociação entre tronco
superior e inferior está reduzida e ainda pode ser acompanhada por aceleração involuntária.

A manifestação da doença não se faz presente apenas durante a marcha, a escrita também sofre
modificações, uma vez que as letras se tornam cada vez menores (micrografia).

Os pacientes evoluem com alteração da fala por comprometimento da fonação e da articulação


das palavras, caracterizando uma disartria hipocinética, com diminuição do volume, tornando-se um
sussurro, monótona e com episódios de hesitações (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Com a progressão da doença, o paciente passa a apresentar a disfagia, fator que pode colaborar para
a broncoaspiração da própria saliva e predispor o paciente a complicações respiratórias.

A hipertonia plástica ou rigidez é a alteração de tônus muscular presente na DP. Nessa


hipertonia, a resistência à movimentação passiva é uniforme ao longo de todo arco de movimento,
independentemente da velocidade do movimento passivo. Devido ao comportamento uniforme
ou intermitente da resistência encontrada na mobilização passiva dos segmentos, o sinal clínico é
denominado sinal da roda denteada, pela semelhança do movimento de uma roda de engrenagem.
Outra característica da rigidez parkinsoniana é que há o predomínio da musculatura flexora, o que
explica as alterações posturais encontradas nos portadores da DP: anteriorização de tronco, protração
de cabeça, associada à semiflexão dos membros superiores e inferiores (postura simiesca).

Figura 31 – Caracterização da postura do paciente parkinsoniano

Disponível em: https://bit.ly/38sJIcO. Acesso em: 30 ago. 2021.

123
Unidade II

O aumento do tônus muscular é associado ao aumento da resposta dos reflexos tendíneos.

O tremor é de repouso, porém diante de atividades como marcha, esforço mental ou estresse
emocional pode aumentar. Além disso, pode ser uni ou bilateral e predomina nos segmentos distais
dos membros, sendo comparado nos membros superiores ao movimento de contar nota de dinheiro
ou enrolar pílulas, devido à alternância entre os movimentos de pronação e supinação de antebraço
e dos dedos.

Com a evolução do processo de degeneração da DP, poderá ocorrer uma tendência de não
desaparecimento do tremor durante os movimentos voluntários, podendo ser observado também nas
regiões da cabeça, pescoço e até mandíbula.

A instabilidade postural é um dos últimos sinais clínicos a se apresentar no paciente com DP. É
resultado da perda de reflexos que permitem a readaptação postural. Somado às alterações observadas
na postura e na marcha também corresponde um fator preditivo de maior risco de quedas.

Devido à complexidade da fisiopatologia da doença e sua evolução, além da tétrade clássica, há o


desenvolvimento de distúrbios associados, como distúrbios mentais, demência e depressão; disfunção
autonômica como obstipação intestinal; seborreia; e tendência à hipotensão postural (NITRINI;
BACHESCHI, 2015).

Diagnóstico

De acordo com o quadro clínico clássico na síndrome parkinsoniana, para a maioria dos pacientes, a
confirmação do diagnóstico não é um processo complexo, porém pode haver certa dificuldade sobretudo
nas fases iniciais da doença.

A classificação das formas possíveis de parkinsonismo inclui a forma primária (doença de Parkinson
idiopática e as formas hereditárias), a secundária e o parkinsonismo plus (ou atípico) (BARBOSA;
SALLEM, 2005).

Para o parkinsonismo secundário, a anamnese é muito importante para a identificação dos


fatores prováveis envolvidos no seu surgimento. Entre estes podemos citar as drogas que bloqueiam
os receptores dopaminérgicos, como os neurolépticos e os antivertiginosos (bloqueadores de canais de
cálcio) como a flunarizina e a cinarizina. No caso do parkinsonismo induzido por drogas pode haver
a persistência do quadro durante semanas ou meses após a retirada do fator causador (BARBOSA;
SALLEM, 2005).

O parkinsonismo plus ou atípico é aquele caracterizado por quadros neurológicos em que uma
síndrome parkinsoniana, expressa por acinesia e rigidez (sem tremor), está associada a distúrbios
autonômicos, cerebelares, piramidais, de neurônios motor inferior ou, ainda, de motricidade ocular
extrínseca (BARBOSA; SALLEM, 2005).

124
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Nessa forma de parkinsonismo, diferente da doença de Parkinson, os sintomas instalam-se de


forma simétrica e não há resposta positiva aos medicamentos antiparkinsonianos, inclusive à levodopa
(BARBOSA; SALLEM, 2005).

O diagnóstico da DP é estabelecido quando na avaliação clínica é possível observar a presença


de no mínimo dois sintomas da tétrade clássica, dando prioridade aos sinais da bradicinesia e tremor de
repouso (GONÇALVES; ALVAREZ; ARRUDA, 2007).

Dependendo do predomínio dos sintomas clínicos, é possível conceituar as formas clínicas:


rígido‑acinético e hipercinético.

Na forma rígido-acinética, os sintomas clínicos que predominam no quadro do paciente são a


rigidez e a acinesia, enquanto na hipercinética, há predomínio do tremor. Do ponto de vista de limitação
funcional, serão os pacientes rígido-acinéticos que tendem a apresentar maior grau de limitação, sendo
também mais frequentes nesse grupo a ocorrência da depressão.

Para o diagnóstico das síndromes parkinsonianas, além dos sinais clínicos verificados no exame
neurológico, a anamnese e os exames de imagem como tomografia de crânio e ressonância magnética,
análise do liquor e avaliação metabólica auxiliam na confirmação do diagnóstico.

Na DP, ou parkinsonismo primário, exames de imagem podem ser solicitados, porém com o objetivo
de excluir outras doenças do SNC.

A seguir, apontamos algumas causas de parkinsonismo secundário, em que, geralmente, é possível


identificar a causa do processo de degeneração da substância negra (NITRINI; BACHESCHI, 2015, p. 228):

• drogas: neurolépticos (fenotiazínicos, reserpina, tetrabenazina), bloqueadores de canais de


cálcio, lítio;

• intoxicações exógenas: manganês, monóxido de carbono, dissulfeto de carbono, metanol, herbicidas;

• infecções: encefalites virais, neurocisticercose e síndrome da imunodeficiência adquirida;

• doença vascular cerebral;

• traumatismo cranioencefálico;

• processos expansivos do SNC;

• distúrbios metabólicos: hipoparatireiodismo.

125
Unidade II

Ainda segundo Nitrini e Bacheschi (2015, p. 229), as causas de parkinsonismo plus são:

• atrofia de múltiplos sistemas (forma parkinsoniana e forma cerebelar);

• paralisia supranuclear progressiva;

• degeneração corticobasal.

Nitrini e Bacheschi (2015) apontam que a tomografia por emissão de pósitrons permite a observação
da atividade dopaminérgica e sua insuficiência no estriado, mesmo em indivíduos assintomáticos. Porém
trata-se de um exame de difícil acessibilidade aos pacientes, sendo muitas vezes utilizado como método
de investigação científica.

Tratamento

A abordagem terapêutica para as síndromes parkinsonianas é complexa e voltada para o controle


dos sinais clínicos, mas infelizmente não possibilita a respectiva cura.

Para o parkinsonismo secundário, resultado de drogas, intoxicações exógenas e processos expansivos


do SNC, o controle é obtido durante a retirada da causa básica (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Em parkinsonismo encefalítico, vascular e metabólico, o tratamento medicamentoso segue as


diretrizes adotadas para a DP.

O tratamento medicamentoso para a DP apresenta-se como uma tentativa de reposição da atividade


dopaminérgica no sistema dos gânglios da base.

Embora ainda não haja uma compreensão total sobre as causas da degeneração dos neurônios
dopaminérgicos da substância negra, acredita-se que a origem inicial dos sinais clínicos seja decorrente
do desequilíbrio entre a dopamina e a acetilcolina no estriado.

Assim, a base dos fármacos utilizados foca na necessidade de reposição da dopamina.

Para o fisioterapeuta, o conhecimento geral sobre os fundamentos do tratamento medicamentoso


na DP se faz necessário, pois as consequências e os efeitos colaterais das drogas utilizadas irão repercutir
diretamente na fisioterapia dos pacientes com a doença.

Esse tratamento engloba duas categorias: o sintomático e o neuroprotetor. A terapia sintomática


objetiva o controle das manifestações clínicas da doença, através de fármacos no desequilíbrio de
neurotransmissores no estriado ou através de técnicas de cirurgia estereotáxica, que promova alterações
nas conexões entre os GB (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

126
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Com relação à terapia neuroprotetora, espera-se a preservação, através de medicamentos, dos


neurônios nigrais remanescentes, ou a restauração daqueles envolvidos no processo degenerativo da DP
através de implantes neurais e fatores de crescimento.

Os principais medicamentos utilizados são levodopa, agonistas dopaminérgicos, amantadina,


silegilina, rasagilina, tolcapone, entacapone e anticolinérgicos.

Quadro 26 – Tratamento sintomático da doença de Parkinson

Drogas que aumentam a atividade dopaminérgica


Precursores da dopamina: levodopa
Bloqueadores da degradação da dopamina: selegilina, tolcapone, entacapone
Bloqueadores da reacaptação da dopamina: amantadina
Agonistas dopaminérgicos: bromocriptina, apomorfina, cabergolina, ropinerol, pramiperol
Drogas que reduzem a atividade colinérgica
Anticolinérgicos: biperideno, triexifenidil

Fonte: Nitrini e Bacheschi (2015, p. 228).

A levodopa como medicamento da DP forneceu um grande avanço na abordagem terapêutica da


doença, uma vez que sua ação permite uma melhora significativa na qualidade de vida dos pacientes.
O medicamento foi introduzido em 1967, porém possui efeitos colaterais importantes, mas consegue
uma ação sobre todos os sinais clínicos.

A levodopa é um precursor da dopamina, na presença da enzima denominada dopa-carboxilase,


biotransforma-se em dopamina. Essa transformação não ocorre, em um primeiro momento, no SNC, e
assim pode gerar efeitos colaterais, como náuseas, vômitos, diminuição do apetite, hipotensão postural
e arritmia cardíaca.

Por essa característica da levodopa, o médico necessitará administrar uma dosagem mais elevada,
cerca de 3-4 g por dia. Atualmente, há inibidores periféricos da dopa-descarboxilase (carbidopa e
benserazida), que auxiliam no controle dos efeitos colaterais e redução da dose para 1 g por dia (NITRINI;
BACHESCHI, 2015).

A maioria dos pacientes utiliza a levodopa, e dependendo da gravidade do quadro clínico, seu uso
será combinado a outras drogas. Em longo prazo, sua eficácia reduz e simultaneamente ocasiona efeitos
colaterais como flutuações motoras, alucinações e alterações psíquicas e movimentos involuntários.

A perda da eficácia na ação da levodopa parece estar associada à própria evolução da doença,
com a progressiva morte dos neurônios dopaminérgicos. Para Nitrini e Bacheschi (2015), entre dois e
cinco anos após o início do tratamento com levodopa, 50% dos pacientes desenvolvem flutuações do
desempenho motor relacionadas ao fármaco. Essas oscilações são associadas a fatores farmacocinéticos
e farmacodinâmicos, e um deles acredita ser a estimulação intermitente dos receptores dopaminérgicos
exercida pela dopamina gerada a partir da droga.
127
Unidade II

Com relação às complicações motoras associadas ao uso crônico da levodopa é importante ressaltar
a deterioração do fim de dose (wearing off) e as discinesias que são os movimentos involuntários do
tipo coreico e distônico (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Em fases avançadas, há ainda as oscilações entre
os períodos em que o paciente flutua em estado sob efeito da levodopa (estado on) a outro em que o
efeito da droga diminui e os sinais do parkinsonismo voltam com gravidade (estado off).

Essas oscilações decorrentes do uso prolongado da levodopa podem ocorrer durante as sessões de
fisioterapia, e assim o fisioterapeuta precisa ficar atento a sua ocorrência para orientar o paciente e seu
cuidador sobre a necessidade de adequação das dosagens dos medicamentos utilizados.

Conforme Nitrini e Bacheschi (2015, p. 229), é possível verificar as principais complicações motoras
relacionadas ao uso prolongado da levodopa:

• redução da duração de efeito (wearing-off);

• acinesia noturna;

• acinesia matinal;

• distonia de fim de dose;

• retardo de efeito (delayed on);

• discinesias: pico de efeito;

• bloqueio (freezing).

Os efeitos colaterais relacionados a distúrbios psíquicos são compostos de alucinações e delírios,


sendo mais frequentes em idosos e em pacientes com declínio cognitivo (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

De maneira geral, os agonistas dopaminérgicos possuem ação de estimular diretamente seus


receptores e procuram reduzir as limitações oferecidas pela levodopa, porém boa parte deles possui grau
de toxicidade. Eles têm meia-vida mais longa que a dopamina e menor tendência a gerar efeitos como
discinesias e flutuações motoras decorrentes de seu uso prolongado. Diante disso, têm sido prescritos
de forma isolada ou em combinação com a levodopa nas fases iniciais da DP. Os principais agonistas
dopaminérgicos são cabergolina, pramipexol, ropinerol e rotigotina.

Durante muitos anos, os anticolinérgicos foram os principais medicamentos utilizados na DP antes


da levodopa. Sua ação é reduzir a atividade colinérgica no estriado, agindo no desequilíbrio existente
nesse núcleo entre a dopamina e a acetilcolina. Dos sinais clínicos da DP, eles atuam sobretudo no
tremor e na rigidez. Desse grupo podem ser citados biperideno e o triexifenidil.

128
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Alguns efeitos colaterais do uso dos anticolinérgicos apontados são constipação intestinal,
dificuldade visual devido à midríase e retenção urinária. No que se refere ao SNC, ainda podem ocorrer
quadro confusional e alucinações, devendo ser evitados em pacientes idosos com declínio cognitivo
(NITRINI; BACHESCHI, 2015).

A amantadina tem sido utilizada em quadros avançados da DP para controlar principalmente as


discinesias geradas pelo uso prolongado da levodopa, porém seus efeitos são observados por curto
período, que varia de 6 meses a um ano de uso.

Terapia protetora

Atualmente, há drogas cuja ação neuroprotetora é prevenir alguns eventos celulares relacionados
ao processo de degeneração dos neurônios dopaminérgicos. Entre estes estão os inibidores seletivos da
monoamino oxidase (IMAO) tipo B (selegilina e rasagilina), os antagonistas de glutamato e os próprios
agonistas dopaminérgicos.

Tratamento cirúrgico

Procedimentos cirúrgicos para a redução de alguns sintomas, como o tremor e a rigidez, têm sido
realizados já há algum tempo, porém o objetivo inicial era voltado para o trato corticoespinal. Somente
a partir dos anos 1940, passou-se a enfatizar os GB, também visando a redução dos mesmos sintomas,
mas sem as consequências da espasticidade.

Inicialmente, lesões palidais melhoravam os sinais parkinsonianos, sendo realizadas as palidotomias,


principalmente com a introdução da cirurgia estereotáxica. Posteriormente, além da palidotomia, a
talamotomia demonstrou ser eficaz para a redução do tremor. As estruturas anatômicas alvo para as
cirurgias são além do tálamo, o pálido interno e o núcleo subtalâmico de Luys.

Com a utilização da levedopa e dos avanços neurocirúrgicos, hoje é possível maior acesso às
estruturas anatômicas a serem atingidas durante as intervenções cirúrgicas.

Outro procedimento, adotado na década de 1980, é a técnica de implante estereotáxica de eletrodos


para estimulação cerebral profunda (deep brain stimulation – DBS). Esse procedimento consiste na
implantação de eletrodos nas estruturas alvo, em geral bilateralmente, com capacidade de inibir seu
funcionamento através de estimulação elétrica de alta frequência.

O eletrodo implantado possui vários polos, os quais possibilitam ajustes em relação à direção,
frequência e intensidade de estímulo. Tais ajustes são possíveis através da aplicação externa sobre
gerador de estímulos instalado na região subcutânea e abaixo da clavícula. Porém a DBS apresenta
alguns inconvenientes, como risco de infecção, custo elevado e necessidade de ajustes periódicos
(NITRINI; BACHESCHI, 2015).

129
Unidade II

O sucesso desse recurso dependerá de indicação precisa ao paciente, que deve apresentar uma
resposta insatisfatória do controle dos sintomas motores, predomínio de tremor no quadro clínico, que
deve ser unilateral, e também ter menos de 75 anos (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Podemos então concluir que a fisiopatologia e, consequentemente, o tratamento da DP ainda


permanecem um enigma a ser desvendado pela medicina.

Com o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento da população mundial, as doenças


degenerativas e progressivas do sistema nervoso central, como a doença de Parkinson e as demências,
comprometem a qualidade de vida em decorrência das diferentes limitações funcionais, consequências
dessas patologias.

Dessa forma, a abordagem terapêutica da DP também será marcada pela necessidade da intervenção
multidisciplinar. O tratamento medicamentoso deve ser individualizado de acordo com as condições
clínicas de cada paciente, e fatores devem ser considerados, como idade, grau de acometimento e
condições mentais do paciente.

A reabilitação, que será discutida mais a seguir, associada ao tratamento medicamentoso tem se
mostrado eficiente como forma de oferecer melhor qualidade de vida aos portadores da doença de
Parkinson. A fisioterapia é um importante suporte aos pacientes no que diz respeito às limitações
motoras características da doença.

5.3.4 Hipercinesias

As hipercinesias também são resultantes do desequilíbrio das interconexões dos GB, sendo as mais
frequentes a coreia, o hemibalismo, a atetose, a distonia e o tremor.

O termo coreia tem origem grega e significa dança. Trata-se de movimentação involuntária de
início abrupto, explosivo, de curta duração com intensidade e topografia variáveis, além disso, com
caráter migratório.

Os movimentos coreicos são considerados parasitários dos movimentos voluntários, interferindo


diretamente na coordenação, além de provocarem interrupções e desvios de trajetória, como, por
exemplo, durante a marcha (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Os achados eletrofisiológicos apontam surtos intermitentes de atividade muscular com frequência


e amplitude semelhante aos do movimento voluntário normal, porém não é observado um padrão de
coordenação no recrutamento das unidades motoras.

De maneira geral, embora possua diferentes etiologias, a coreia é resultado da disfunção no estriado
com redução na atividade do GABA e da acetilcolina, e relativa preservação da atividade dopaminérgica.

130
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Quadro 27 – Classificação etiológica das coreias

Hereditárias
Doença de Huntington
Coreia hereditária benigna
Ataxias espinocerebelares
Doença de Wilson
Neuroferritinopatia
Autoimunes
Lúpus eritematoso sistêmico
Síndrome de anticorpo antifosfolípide
Artrite reumatoide
Parainfecciosas (imunomediadas)
Coreia de Sydenham
Coreia gravídica
Encefalite pós-infecciosa e pós-vacinal
Coreias paraneoplásicas
Infecciosas
Encefalopatia pelo HIV
Meningite tuberculosa
Toxoplasmose
Endocardite bacteriana
Encefalite viral (sarampo, varicela, rubéola)
Metabólicas
Hipertireoidismo
Hipocalcemia
Hiper/hipoglicemia
Doenças mitocondriais
Induzidas por drogas/toxinas
Antagonistas dopaminérgicos
Abstinência
Anticonvulsivantes
Antiparkinsonianos
Cocaína
Intoxicações por mercúrio
Vasculares
AVCH, AVCI

Fonte: Nitrini e Bacheschi (2015, p. 232).

O hemibalismo/hemicoreia é uma condição específica, geralmente associada à lesão vascular


isquêmica do núcleo subtalâmico de Luys. Trata-se de um movimento involuntário mais amplo, de
início e término abruptos, com comprometimento de grupos musculares proximais, inclusive de tronco
131
Unidade II

e cabeça, envolvendo um hemicorpo. Assemelha-se ao movimento de arremesso no membro superior


ou de chute do membro inferior (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

A atetose ou coreoatetose é mais frequente em crianças, que sofreram agressões anóxias do SNC.
Corresponde a movimentos mais lentos, sinuosos e acomete os segmentos distais.

O tratamento dessas hipercinesias visa à reposição do equilíbrio entre as vias dos GB. A cirurgia
estereotáxica também pode ser indicada, em especial àqueles que não apresentarem resposta
aos medicamentos.

Os movimentos distônicos são classificados como de torção, apresentam variação de velocidade


(de rápido a lento) e duração de um segundo ou mais. Quando mantidos, são consideradas posturas
distônicas (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Figura 32 – Postura distônica

Disponível em: https://bit.ly/3gIyzZW. Acesso em: 30 ago. 2021.

A eletrofisiologia mostra que na distonia há uma excessiva coativação dos músculos antagonistas
durante o movimento voluntário, acompanhada de propagação de contração de músculos distantes e
não envolvidos no movimento voluntário (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Os mecanismos neurofisiopatológicos responsáveis pela distonia não são totalmente esclarecidos,


mas acredita-se no envolvimento dos GB, bem como de outras estruturas, como, por exemplo, o cerebelo.

De maneira geral, no tratamento das distonias são utilizados anticolinérgicos, mas em idosos pode
provocar como efeito colateral a perda cognitiva. A utilização de toxina botulínica é prescrita para as
distonias focais (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

132
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Lembrete

Os tremores correspondem a uma das principais formas de hipercinesias,


porém é importante considerar que nem todo tremor é resultado de lesão
nos GB, sendo necessário o diagnóstico diferencial.

Durante o tremor, ocorre uma contração alternada de músculos agonistas e antagonistas que resulta
em oscilação rítmica de um segmento do corpo.

O tremor pode ser fisiológico ou patológico, sendo exemplos aquele observado no parkinsoniano,
o fisiológico de amplitude aumentada, o cerebelar, o essencial e os secundários a lesões no tronco
encefálico. O médico que fará a investigação diagnóstica precisará levar em conta alguns fatores,
como a história clínica, algumas características como frequência, se ocorre durante o repouso ou no
movimento voluntário.

Com relação à frequência, Nitrini e Bacheschi (2015) relatam uma variação de 2 hertz até 12 hertz,
considerando de baixa frequência e indicativo de natureza cerebelar (2-4 Hz). O tremor parkinsoniano
tem faixa superior, de 4 Hz a 6 Hz. No tremor essencial, sua frequência é mais elevada (6 Hz a 8 Hz), e o
fisiológico se encontra entre 8 Hz e 12 Hz.

A identificação dos fatores que influenciam seu surgimento também auxilia no diagnóstico.
O tremor parkinsoniano é de repouso, predominantemente, embora em alguns pacientes possa
ocorrer o tremor postural. O tremor cerebelar é observado durante o movimento voluntário, sendo
por isso também chamado de ação ou intencional.

Com relação ao tratamento medicamentoso, de maneira geral, o tremor parkinsoniano pode ser
controlado através da utilização de agonistas dopaminérgicos e anticolinérgicos. Para o tremor essencial,
há resposta satisfatória diante dos betabloqueadores adrenérgicos e álcool. O tremor cerebelar é o que
possui menos controle diante de medicamento, mas pode reagir com agonistas GABA (isoniazida, ácido
valproico e clonazepam).

O tremor fisiológico é normalmente subclínico, mas pode ser influenciado por alguns componentes
capazes de torná-lo até incapacitante, e que para seu tratamento precisam ser controlados ou eliminados.
Segundo Nitrini e Bacheschi (2015, p. 237), os fatores que aumentam essa condição são:

• emoções: tensão e ansiedade;

• fadiga muscular;

• hipoglicemia;

• tireotoxicose;

133
Unidade II

• hipotermia;

• abstinência de álcool;

• drogas agonistas beta-adrenérgicas;

• drogas agonistas dopaminérgicas;

• ácido valproico;

• neurolépticos;

• antidepressivos tricíclicos;

• xantinas (cafeína, tiofilina).

O tremor essencial, mais frequente em idosos, possui algumas características, como ausência no
repouso, sendo observado com os membros superiores estendidos, e não apresenta piora diante do
movimento, não está associado a doenças de Parkinson ou cerebelar, e 30% a 50% dos casos associam‑se
à história familiar (NITRINI; BACHESCHI, 2015). Sua fisiopatologia não é conhecida, porém acredita‑se
no envolvimento da alça olivo-cerebelo-rubral, e possui resposta diante de medicamentos como
betabloqueadores, benzodiazepínicos, primidona e fenobarbital.

Saiba mais

A doença de Parkinson é associada à população idosa, porém formas


precoces e juvenis são possíveis. Pessoas de diferentes áreas podem possuir
a DP. O ator canadense-estadunidense Michael J. Fox, conhecido por ter
vivido o Marty McFly na trilogia De volta para o Futuro, é um exemplo de
não idoso com a doença.

Ele foi diagnosticado em 1991, aos 30 anos, e desde 2000 é um defensor


e arrecadador de fundos para as pesquisas com células-tronco visando
ajuda aos portadores da DP e de outras doenças incapacitantes. Conheça
mais sobre a Fundação Michael J. Fox para Pesquisa de Parkinson em:

Disponível em: https://www.michaeljfox.org/. Acesso em: 14 set. 2021.

134
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Figura 33 – Ator Michael J. Fox

Disponível em: https://bit.ly/3gJmdAs. Acesso em: 30 ago. 2021.

5.4 Doenças desmielinizantes e esclerose lateral amiotrófica (ELA)

5.4.1 Esclerose múltipla (EM)

Você deve recordar a composição do sistema nervoso central (SNC) pelas substâncias branca e
cinzenta. Essa definição está relacionada aos componentes do neurônio: na substância cinzenta há
maior densidade de corpos celulares dos neurônios, enquanto na substância branca há os axônios
mielinizados, o que confere o aspecto esbranquiçado dessa região (LIMA et al., 2006).

Além dos neurônios, o SN é composto das células da glia, tanto de macróglia (astrócitos e
oligodendrócitos) quanto de micróglia (macrófagos residentes). São os oligodendrócitos mais
frequentes na substância branca central, uma vez que são responsáveis pela produção da bainha de
mielina. No sistema nervoso periférico, a bainha de mielina é produzida pelas células de Schwann
(LIMA et al., 2006).

Nos últimos anos, boa parte dos estudos anatomopatológicos têm dado ênfase à correlação de
diferentes processos patológicos do sistema nervoso à substância cinzenta, porém, atualmente, têm sido
crescente o interesse na substância branca como sede de patologias agudas e crônicas do SNC.

As doenças desmielinizantes correspondem a um grupo de afecções que possuem em comum o


envolvimento anatomopatológico à destruição da bainha de mielina. Para entender a fisiopatologia
dessas doenças, é necessário relembrar as principais características fisiológicas dessa estrutura.

A bainha de mielina é uma estrutura presente, de forma intermitente, nos axônios dos neurônios do
sistema nervoso central e periférico, agindo como uma capa lipoproteica. Essa capa funciona como um
isolante que favorece a propagação do impulso nervoso.

135
Unidade II

Dendritos

Bainha de
mielina
Corpo celular

Axônio

Neurotransmissor
Receptor

Terminais
nervosos
Sinapse

Figura 34 – Bainha de mielina: estrutura do neurônio e, em destaque, a representação de uma sinapse

Fonte: Barbosa, Medeiros e Augusto (2006, p. 1352-1360).

É estabelecido na fisiologia que a presença da bainha de mielina possibilita maior velocidade de


propagação do impulso nervoso, sendo que a maioria dos axônios são mielinizados. Por compor a maioria
dos neurônios e pela sua estrutura ser de natureza lipoproteica, oferece o aspecto esbranquiçado da
então denominada substância branca do tecido nervoso.

A esclerose múltipla (EM) é a doença desmielinizante mais frequente, sendo caracterizada por um
processo inflamatório que acomete a bainha de mielina de estruturas anatômicas pertencentes ao
sistema nervoso central.

Além da EM, há doenças desmielinizantes, como a encefalomielite disseminada aguda e a


encefalomielite necrotizante hemorrágica aguda.

Na EM são observados episódios repetidos de disfunção neurológica com remissão variável. Em


média, após 10 anos do início dos sintomas, 50% dos pacientes estarão com algum grau de incapacidade
funcional (CALLEGARO, 2001).

A causa da doença é desconhecida, porém uma hipótese provável é que seja resultado de uma
conjunção de uma predisposição genética e um fator ambiental, que quando presentes provocam
uma disfunção do sistema imunológico. Essa disfunção imunológica é focada à substância branca do
sistema nervoso central, com lesão da bainha de mielina e dos oligodendrócitos (MOREIRA et al., 2000).

136
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Os sintomas clínicos são originados a partir da alteração na condução do impulso nervoso devido à
bainha de mielina (MOREIRA et al., 2000).

Moreira et al. (2000) relatam que as células T autorreativas são mantidas em latência durante um
período de 10 a 20 anos, sendo ativadas por um fator sistêmico ou local (infecção viral, puerpério), e
uma vez expostas novamente a esse autoantígeno, iniciam uma reação inflamatória, denominada surto.

A EM é uma enfermidade crônica, autoimune, presente sobretudo na população adulta jovem, na


Europa e na América do Norte. O que reforça a hipótese do envolvimento de um fator genético é a
ocorrência da doença nas pessoas com antecedência escandinávia, através das invasões vikings.

Relatos de pessoas com a doença são encontrados ao longo da história, como a de uma freira alemã,
do século XIV, cuja doença começou aos 16 anos, sendo considerado o caso mais antigo (OLIVEIRA;
SOUZA, 1998).

Em 1868, foi Charcot que realizou a primeira correlação de achados clínicos com a topografia das
lesões desmielinizantes. Seu diagnóstico é essencialmente clínico, não havendo um exame laboratorial
específico, porém os exames de imagem, em especial a ressonância magnética, colaboram para a
identificação das placas de desmielinização (OLIVEIRA; SOUZA, 1998).

Epidemiologia

Durante muito tempo houve a descrição de maior prevalência nas áreas de clima temperado,
principalmente com relação a uma diferença associada à latitude na distribuição da doença, com
destaque para o norte da Europa e dos Estados Unidos, sul do Canadá e Nova Zelândia. Porém, a partir de
1990, houve alteração na distribuição, considerada não real por novos estudos (OLIVEIRA; SOUZA, 1998).

No Brasil, dados epidemiológicos sobre a doença são difíceis, principalmente devido ao diagnóstico
e à grande variabilidade inicial dos sintomas clínicos. De maneira geral, o país é considerado de baixa
prevalência, com uma estimativa aproximada na cidade de São Paulo de 5/100.000 habitantes.

Com relação aos critérios de sexo e grupo étnico, a EM é mais comum no sexo feminino e em
caucasianos, embora alguns estudos brasileiros relatarem que 30% dos portadores são negros.

Anatomia patológica

Embora o processo inflamatório possa ocorrer em qualquer área da substância branca central,
algumas regiões são mais suscetíveis devido a maior distribuição vascular (justificando a concentração
de citoquinas e células inflamatórias), como nervo óptico, área periventricular, transição entre substância
branca e cinzenta, medula espinal, tronco encefálico e cerebelo (OLIVEIRA; SOUZA, 1998).

Uma das principais características patológicas é a presença disseminada das placas de


desmielinização na substância branca central, resultado do processo inflamatório.

137
Unidade II

Essas placas variam em tamanho e forma e podem ser analisadas tanto em nível macro como
microscópico. Macroscopicamente podem ser observadas em regiões preferenciais, com uma coloração
rósea acinzentada de contornos nítidos, contrastando com a coloração da substância branca. Os
tamanhos variam entre pouco milímetros até centímetros de diâmetro (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Do ponto de vista microscópico, o aspecto da placa dependerá do momento da lesão. Na fase aguda,
devido ao processo inflamatório, a desmielinização predomina na região das vênulas, com presença de
macrófagos contendo produtos de degradação da mielina. Nesse período, há preservação de axônios e
acúmulo de células linfocitárias associadas a plasmócitos (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Nas lesões crônicas, não há presença de células, mas o surgimento de um processo cicatricial,
denominado gliose, sendo a explicação para a utilização do termo esclerose múltipla (NITRINI;
BACHESCHI, 2015).

A) B)

C) D)

Figura 35 – Placas de desmielinização na EM: A) imagens T2 sagitais mostrando desaparecimento ou


redução significativa das lesões; B) imagem em T1 após a injeção de gadolíneo, não mostrando áreas
de hipercaptação; C) e D) imagens axiais em T2 mostrando lesões de menor diâmetro e densidade

Fonte: Reis et al. (1999, p. 856).

Segundo Oliveira e Souza (1998), a atividade inflamatória das lesões pode ser caracterizada pelos
seguintes eventos:

138
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

• Quebra da barreira hematoencefálica, com presença de proteínas séricas no espaço extracelular.

• Processo inflamatório na parede vascular.

• Expressão antigênica com presença de antígenos de histocompatibilidade e moléculas de adesão.

• Presença de marcadores da ativação linfocitária traduzidos pela expressão de interleucina.

Nas fases iniciais, é observada uma reação imune mediada por células T, determinando inflamação
e desmielinização. Nas fases mais crônicas, verificam-se reações imunes específicas que resultam não
somente em lesão da bainha de mielina, mas também dos oligodendrócitos.

Quadro clínico

A característica clínica da EM é a ocorrência do surto, que é caracterizado pela perda súbita de


uma função neurológica, dependente da área que estiver ocorrendo o processo inflamatório. Com a
tendência de regeneração da bainha de mielina, os sinais clínicos tendem a ser transitórios, podendo
remitir em questão de dias ou semanas (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Em 45% dos casos, o primeiro surto costuma envolver o sistema motor na forma de monoparesia
ou paraparesia. As alterações sensitivas, sejam na presença de parestesias ou da sensibilidade
superficial ou profunda, correspondem a 30%. O nervo óptico também pode ser comprometido a
partir do primeiro surto.

A disseminação do processo inflamatório ao longo do sistema nervoso central explica a variedade


dos sintomas clínicos. Além dos sintomas clínicos, há a variabilidade no curso temporal dos sintomas
entre os portadores da EM.

Baseada nas manifestações clínicas, a literatura descreve 4 possíveis evoluções da doença


(figura a seguir):

• surto-remissiva;

• progressiva primária;

• progressiva secundária;

• surto-progressiva.

A primeira forma, surto-remissiva (recidivante-remitente), é a mais frequente entre os pacientes. É


caracterizada com episódios agudos de comprometimento neurológico, com duração entre 24 horas ou
mais e com intervalo de, no mínimo, 30 dias entre cada surto.

139
Unidade II

Esclerose múltipla recidivante remitente


Ataques imprevisíveis que podem ou não
deixar marcas permanentes seguidos de
períodos de remissão.

Esclerose múltipla secundária progressiva


Inicialmente esclerose múltipla recidivante
remitente que entra subitamente em declínio
sem períodos de remissão.
Degerenerência crescente

Esclerose múltipla primária progressiva


Aumento estável da degenerência sem
ataques.

Esclerose múltipla primária recidivante


Progressão contínua desde o aparecimento,
mas com ataques ocasionais.

Tempo

Figura 36 – Formas clínicas de evolução da EM

Disponível em: https://bit.ly/3BnQXiw. Acesso em: 30 ago. 2021.

A forma progressiva (primária progressiva) apresenta piora contínua e gradual dos sinais neurológicos,
presentes por seis meses ou mais. Pode até ocorrer estabilização do quadro. Quando a fase progressiva
ocorre após um início em surtos, chamamos forma progressiva secundária (OLIVEIRA; SOUZA, 1998).

Na forma surto-progressiva (secundária progressiva), o paciente apresenta uma combinação de


exacerbações e progressão, sendo seu diagnóstico mais complexo de ser confirmado.

Baseado nas estruturas anatômicas mais acometidas nos surtos, podemos citar a presença dos sinais
clínicos mais frequentes, como a síndrome piramidal, sinais sensitivos, cerebelares, medulares e visuais.

140
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

O quadro a seguir mostra as principais manifestações clínicas decorrentes dos surtos da EM.

Quadro 28 – Manifestações clínicas da esclerose múltipla

Acometimento Manifestações clínicas


Sistema piramidal Fraqueza muscular, plegia, espasticidade, sinais de Babinski e clônus, hiper-reflexia tendínea
Cerebelo Dismetria, disdiadococinesia, disartria, disfagia, nistagmo, ataxia, tremor de ação, hipotonia muscular
Sistema sensorial Parestesia, anestesia ou hipoestesia superficial e profunda
Medula espinal Plegia, distúrbios sensitivos, esfincterianos e sexuais
Nervo óptico Neurite óptica, redução de acuidade visual, diplopia

Adaptado de: Oliveira e Souza (1998, p. 114-118).

A fadiga é apontada pelos pacientes (em 87%) como uma das principais manifestações clínicas da
EM, com características importantes como baixa tolerância às atividades de vida diária e sendo muitas
vezes o sintoma mais limitante.

Trata-se de um sintoma subjetivo, caracterizado por sensação de cansaço físico ou mental profundo.
Acomete de 53% a 92% dos portadores, e em torno de um terço dos pacientes corresponde ao primeiro
sintoma, podendo agravar os demais, sendo assim, de importância fundamental para o estado geral dos
pacientes (PAVAN et al., 2007).

Observação

O fisioterapeuta deve identificar e caracterizar a fadiga, um dos


principais sintomas referido pelos pacientes com EM, sendo com frequência
sua queixa funcional. As sessões de fisioterapia deverão ser adaptadas à
fadiga do paciente.

Predisposição à depressão e alterações de sono também são descritas pelos pacientes. A função
cognitiva pode ser comprometida, principalmente a memória. Além das complicações físicas, os aspectos
psicológicos podem estar presentes, como alterações de humor, euforia, depressão e apatia, sendo já
descritos por Charcot (OLIVEIRA; SOUZA, 1998).

Durante a gestação, a doença fica mais branda, sendo observada uma redução de até 80% da taxa
de surtos. Porém, no primeiro trimestre, pode retornar com risco de surtos mais graves. Há dúvidas em
relação à amamentação, sendo de maneira geral não aconselhada (BRASIL, 2021a).

Embora não possua caráter fatal, formas graves são possíveis em pacientes jovens, sendo necessários
cuidados especiais principalmente durante o período dos surtos.

141
Unidade II

Diagnóstico

No processo de diagnóstico da EM, a anamnese apresenta um papel importante, em que o médico


deverá investigar minuciosamente a presença de sintomas que o paciente possa já ter apresentado e
que tenham significado de surtos passados.

Assim, o diagnóstico está baseado na junção dos dados obtidos na anamnese e no exame físico,
que demonstrará diferentes sinais clínicos relacionados a estruturas anatômicas diferentes, sugerindo a
existência de surtos.

Para Oliveira e Souza (1998), os critérios para o diagnóstico da EM incluem:

• presença de duas lesões distintas no SNC;

• dois surtos com duração mínima de 24 horas, separados por um período de no mínimo um mês;

• alteração no exame neurológico;

• sinais e sintomas indicativos de lesão da substância branca;

• intervalo de idade entre 10 e 50 anos;

• ausência de qualquer outra doença que possa justificar o quadro.

Atualmente, os exames laboratoriais e de imagem auxiliam na confirmação do diagnóstico,


merecendo destaque o potencial evocado e a ressonância magnética.

Na ressonância magnética, as placas são visualizadas nas regiões periventriculares, com aspecto
irregular e rugoso, maiores que 6 mm, com localização infratentorial. É possível observá-las nas regiões
de transição entre substância branca e cinzenta.

A análise do liquor pode auxiliar a confirmação do diagnóstico, diferenciando os achados de outras


doenças neurológicas, sobretudo durante os surtos, em que pode ser observado um processo inflamatório
linfomonocitário (OLIVEIRA; SOUZA, 1998).

O potencial evocado é outro exame que pode evidenciar sinais de desmielinização em algumas vias
centrais, como no nervo óptico, sugerindo a existência de surtos passados não observados no exame
físico do paciente.

Tratamento

A abordagem de tratamento global proposto aos pacientes com EM inclui componentes curativo,
profilático, sintomático e de reabilitação. Até o momento não é possível a cura ou a profilaxia, uma

142
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

vez que sua fisiopatologia ainda não é totalmente conhecida. A reabilitação envolve a participação de
diferentes profissionais, devido à diversidade dos sintomas e necessidades funcionais dos pacientes.

Como tentativa de alterar a evolução da doença, os imunossupressores clássicos foram prescritos


com resultados modestos. O medicamento interferon beta e o copolímero-1 têm sido utilizados
principalmente nas formas surto-remissiva e progressiva, espera-se que ambos possuam a capacidade
de alterar a evolução natural da doença (OLIVEIRA; SOUZA, 1998).

Os interferons são proteínas produzidas por quase todas as células de vertebrados e atuam na função
celular e na imunorregulação, sendo utilizadas além da EM, em várias doenças, como lúpus eritematoso
disseminado, artrite reumatoide e linfomas (TILBERY et al., 2000).

Durante o surto, o médico prescreve corticoides endovenosos sob forma de pulsoterapia, com o
objetivo de aumentar o intervalo entre os surtos. Sua função é reduzir a atividade inflamatória e os
sintomas. Com a redução do edema, há tendência de retorno da atividade nas vias nervosas lesadas.
Porém o corticoide não possui capacidade de evitar novos surtos, além de ocasionar efeitos colaterais
(NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Callegaro (2001) aponta como principais efeitos dos imunomoduladores a leucopenia, alteração das
enzimas hepáticas, hipersensibilidade e depressão. Assim, com a abordagem medicamentosa espera‑se a
melhora sintomática, redução da frequência e gravidade das recorrências e da necessidade de internações
hospitalares (BRASIL, 2021a).

O transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), ou seja, o transplante de medula óssea,


consiste essencialmente na substituição de uma medula óssea deficitária por uma saudável e eficiente
(SACCARDI et al., 2005).

As primeiras técnicas envolvendo o TCTH datam de 1949 e inicialmente foram aplicadas em


camundongos, sem muito sucesso. Com o aprimoramento dos procedimentos, hoje é utilizado como
tratamento em diferentes situações clínicas.

Há diferentes tipos de TCTH, mas o utilizado em pacientes com EM é o denominado autólogo, que é
caracterizado pelo fato de o doador ser o próprio paciente, cujas células-tronco são retiradas durante o
processo de remissão da doença (SACCARDI et al., 2005).

Esse TCTH foi proposto aos pacientes com EM nos anos 1990. Vários estudos apontam resultados
favoráveis, principalmente para as formas progressiva primária e secundária, entre eles, sobrevida livre
de progressão e melhora dos sintomas, com redução das lesões observadas na ressonância magnética.
Porém, em estágios mais avançados, foi observada piora da função neuronal (TYNDALL; SACCARDI, 2005).

No Brasil, uma referência de TCTH em pacientes com EM é o Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, sendo possível sua realização pelo Sistema
Único de Saúde (SUS).

143
Unidade II

É importante ressaltar que esse recurso é um procedimento de alto risco, que assim como pode
oferecer resultados positivos esperados, pode gerar efeitos adversos, inclusive o óbito, devido à
imunossupressão presente nas etapas que antecedem o próprio transplante.

5.4.2 Esclerose lateral amiotrófica (ELA)

Há outra doença que apresenta também o termo “esclerose”. Trata-se da esclerose lateral amiotrófica,
cuja sigla é ELA. É também uma doença desmielinizante?

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) foi descrita inicialmente por Charcot em 1874. Não se trata de
uma doença desmielinizante, pois sua característica fisiopatológica principal é a degeneração progressiva
dos neurônios motores. Diante do acometimento do neurônio motor superior, serão observados os
sinais clínicos de espasticidade, clônus muscular e sinal de Babinski, porém, se o acometimento for
do neurônio motor inferior, estarão presentes sinais de fraqueza muscular progressiva, fasciculações e
amiotrofia muscular, sinônimo de atrofia (PALLOTTA; ANDRADE; BISPO, 2012).

Assim, os termos ELA indicam:

• Esclerose: gliose, processo cicatricial.

• Lateral: localização no funículo lateral da medula espinal do trato do neurônio motor superior.

• Amiotrófica: relacionada à atrofia muscular.

A ELA é uma das principais doenças neurodegenerativas progressivas juntamente à doença de


Parkinson e à demência de Alzheimer. Esse distúrbio progressivo acomete o sistema motor em diferentes
níveis: bulbar, cervical, torácico e lombar (BRASIL, 2020).

De maneira geral, está relacionada a fatores genéticos (20%), sendo o padrão da herança autossômica
dominante, o que determina a forma familiar da ELA, e o restante à forma esporádica (80%). Uma vez
diagnosticada, o prognóstico de vida é dado em média de cinco a dez anos.

ELA esporádica

Há indícios de que a ELA corresponda a uma síndrome caracterizada por diferentes agressões do SNC
que geram um resultado único, sendo a lesão inicial responsável por ativar uma cascata de eventos que
levam à morte seletiva de populações de neurônios susceptíveis.

A evolução e a propagação da lesão inicial ocorrem quando a morte de um motoneurônio libera


grandes quantidades de óxido nítrico, radicais livres, glutamato, cálcio e metais livres, substâncias lesivas
para as células vizinhas.

144
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Acredita-se que o envolvimento seletivo dos motoneurônios esteja relacionado a algumas


características anatomofisiológicas dessas células, tais como:

• tamanho do corpo celular;

• número elevado de dendritos e axônios longos;

• presença de muitos receptores que possibilitam a entrada de cálcio;

• reduzida concentração de proteínas tamponadoras de cálcio;

• baixa afinidade dos receptores para fatores de crescimento neuronal.

Embora questionado, acredita-se que o início do processo de degeneração possa ocorrer no próprio
motoneurônio, nos astrócitos, interneurônios e nos neurônios motores corticais. Mas uma das hipóteses
mais prováveis é aquela que associa o início da degeneração no neurônio motor superior, uma vez que
essa célula é capaz de inervar muitos neurônios motores inferiores.

O conhecimento sobre os mecanismos da degeneração é fundamental para o desenvolvimento de


medidas terapêuticas adequadas e eficazes.

ELA familiar

Essa forma da doença é genética e sua herança autossômica dominante. Corresponde de 5% a 10%
dos casos, a idade média de início é entre 10 e 15 anos, mais cedo do que a forma esporádica, podendo
ser observado um início juvenil ou no adulto jovem.

Sua evolução e manifestação clínica não se distinguem da forma esporádica e acredita-se que 10%
dos pacientes tenham uma mutação no gene da enzima de cobre/zinco superóxido desmutase (SOD1)
no cromossomo 21.

Acredita-se que a redução dessa enzima ocasione aumento do íon superóxido, que se liga ao óxido
nítrico (NO) para formar os radicais livres peroxidonitrila e hidroxila. Esses radicais livres são lesivos para
a célula, uma vez que provocam perioxidação das membranas e modificação de proteínas, resultando
na morte dos neurônios motores.

Já foram descritas mais de 100 mutações na SOD1, sendo a substituição de valina por alanina na
posição 4 (A4V), a mutação mais comum. Outros genes também podem sofrer mutações como 9q34,
9q21-22, 2q33, 15q15-22.

Devido as suas implicações clínicas, e principalmente ao seu prognóstico, a ELA é alvo de estudos
constantes, havendo diferentes teorias atualmente em investigação. Vamos citar, de forma resumida,
algumas delas:

145
Unidade II

• Genética: teoria relacionada à mutação do gene SOD1.

• Excitoxicidade: alteração no metabolismo dos receptores de aminoácidos excitatórios, com


presença de fatores citotóxicos endógenos e exógenos.

• Fatores tróficos: deficiência de fatores tróficos transportados por fluxo axoplasmático anterógrado
ou retrógrado.

• Estresse oxidativo: indícios de que o motoneurônio tenha reduzida capacidade de defesa contra
o estresse oxidativo.

• Lesão mitocondrial: parece ser um fator importante no processo de morte dos motoneurônios
nas formas da ELA.

• Meio ambiente: ainda não foi encontrada uma relação entre um fator ambiental e a ELA, com
exceção da ilha de Guam, em que houve uma associação inicial com o número de casos e um fator
exógeno, ou seja, uma palmeira do grupo cica, utilizada como fonte de alimento no preparo de
farinha ou para abrasão da pele. Suas sementes possuem BMAA (beta-n-metilamino-l-alanina),
cuja ação excitatória sobre os receptores NMDA (N-metil-d-aspartato) é semelhante à ação
do glutamato.

• Infecções virais: teoria de que a doença seja resultado tardio de uma infecção subclínica de
alguns vírus, como a poliomielite.

• Autoimunidade: presença de autoanticorpos direcionados contra os canais de cálcio,


neurofilamentos, antígenos neuronais, glicolípidios, antígenos vasculares e proteínas musculares
fetais, que são citotóxicos para neurônios motores, porém ainda não confirmada a alteração
imune envolvida na ELA.

Sendo assim, sua causa ainda não é esclarecida, e quando é observado o primeiro sintoma, grau de
degeneração dos neurônios motores, encontra-se em grau avançado (80%) (BRASIL, 2020).

A incidência da ELA está entre 1 e 5 casos para 100 mil habitantes, sendo mais frequente no sexo
masculino. Como fator preditivo da doença, está a faixa etária compreendida entre 55 e 75 anos de
idade (BRASIL, 2020).

O quadro clínico será dependente do neurônio motor envolvido, sendo então os sintomas resultados
da topografia de degeneração bulbar, cervical, torácica e lombar. Importante ressaltar que na ELA não
há comprometimento sensitivo, sendo um critério para a exclusão do diagnóstico da doença.

O quadro bulbar é caracterizado pelos sintomas disartria e disfagia, que podem ser decorrentes da
degeneração do neurônio motor inferior (paralisia bulbar), ou superior (paralisia pseudobulbar) ou até
mesmo de ambos.

146
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

A paralisia bulbar está associada à paralisia facial inferior e superior e dificuldades de movimento
palatal, com atrofia, fraqueza e fasciculações da língua. Na paralisia pseudobulbar há labilidade
emocional (risada ou choro patológicos), aumento do reflexo mandibular e disartria (BRASIL, 2020).

A ELA de início cervical possui comprometimento predominante nos membros superiores, uni ou
bilateralmente, sendo observadas fraqueza muscular e atrofia, presentes na realização das atividades
funcionais com movimentos de ombro e segmentos distais. Essas limitações decorrem da degeneração
do NMI, NMS ou de ambos (BRASIL, 2020).

Na ELA de manifestação lombar, a degeneração dos neurônios motores dessa região ocasiona em
sintomas como dificuldade em subir e descer escadas, devido à fraqueza proximal e presença de pé caído
(fraqueza distal).

Assim, o quadro clínico da ELA é complexo, sendo que seus sintomas podem, de maneira geral, serem
subdivididos em (BRASIL, 2020):

• Sintomas primários: resultados da degeneração dos motoneurônios, incluem fraqueza e


atrofia muscular, fasciculações, cãibras musculares, espasticidade, disartria, disfagia, dispneia
e labilidade emocional.

• Sintomas secundários: complicações associadas, como distúrbios psicológicos do sono,


constipação, sialorreia, espessamento de secreções mucosas, hipoventilação crônica e dor.

São considerados fatores de risco para o desenvolvimento da ELA, que reforçam a relação de
prevalência entre o sexo masculino: trauma físico, mecânico, elétrico ou até mesmo cirúrgico.

Qual a relação entre a ELA e a atividade física?

Há indícios de que haja uma relação entre a ELA e a prática de atividade física intensa, sendo que
até um tempo atrás, era aconselhado aos pacientes com doença neurodegenerativa a redução de sua
prática devido ao risco de progressão acelerada da degeneração.

Na literatura, há a descrição de casos de ELA entre praticantes de atividades como futebol e beisebol;
nos EUA, a doença recebe o nome de um famoso jogador da década de 1940, Lou Gehrig. A necessidade
aeróbica intensa nesses esportes poderia favorecer microtraumas musculares, liberação de substâncias
tóxicas, que ao serem absorvidas pelo botão terminal do nervo periférico, levam ao corpo celular do
neurônio motor a ativação do processo degenerativo e morte celular.

147
Unidade II

Figura 37 – Lou Gehrig

Disponível em: https://bit.ly/2Y5TXBH. Acesso em: 30 ago. 2021.

Diagnóstico

O diagnóstico da ELA é essencialmente clínico para 95% dos casos, mas pode ser auxiliado através de
exames, como eletromiografia para verificação do acometimento do neurônio motor inferior (NMI) e a
estimulação magnética do córtex para confirmação do comprometimento do neurônio motor superior
(NMS) (PALLOTTA; ANDRADE; BISPO, 2012).

O tempo médio do início dos sintomas até a confirmação diagnóstica é de aproximadamente


10-13 meses. Com relação aos exames, os achados mais frequentes nos exames solicitados diante da
suspeita de ELA costumam sugerir as seguintes condições (BRASIL, 2020):

• Ressonância magnética (RM): encéfalo e junção craniocervical sem anormalidades ou evidência


de acometimento.

• Eletroneuromiografia dos MMSS e MMII: com sinais de denervação e neurocondução motora,


mas com preservação sensitiva.

• Hemograma completo: normal.

• Função renal e hepática: normais.

O quadro a seguir resume algumas condições clínicas que auxiliam no diagnóstico diferencial da ELA.

148
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Quadro 29 – Diagnóstico diferencial da ELA

Outras doenças do NM: esclerose lateral primária, atrofia muscular progressiva, atrofia muscular espinal
Doenças tóxicas/metabólicas: hipertireoidismo, intoxicação por metais pesados
Doenças infecciosas: infecção por HIV
Fasciculações benignas
Amiotrofia monomélica: doença de Hirayama

Adaptado de: Brasil (2020).

Tratamento

O tratamento deve ser iniciado precocemente, logo após o diagnóstico, embora não haja
cura, evidências demonstram que a intervenção precoce possibilita melhora na qualidade de vida
dos pacientes.

A abordagem terapêutica vem sendo testada em diferentes ensaios clínicos, porém apenas um
medicamento, o Riluzol, tem evidenciado resultados como leve melhora de sintomas bulbares e da
função motora dos membros e aumento da sobrevida.

O Riluzol é uma droga inibidora da excitoxicidade (glutamato) que possibilita um pequeno


prolongamento da vida, em torno de 3 a 6 meses, em média. Essa é a droga que possui eficácia
comprovada no tratamento da ELA. O efeito colateral oferecido é um comprometimento
hepático reversível.

Do ponto de vista sintomático, algumas drogas podem amenizar e trazer alívio aos pacientes:

• Ansiedade: buspirona, clonazepam.

• Cãibra: baclofeno, diazepam.

• Depressão: citalopram, fluoxetina, sertralina.

• Espasticidade: baclofeno, benzodiazepínico, dantrolene.

• Fasciculações: carbamazepina, gabapentina.

Das medidas não farmacológicas, com o avançar da doença, o paciente evolui com fraqueza da
musculatura inspiratória, sendo necessário suporte ventilatório não invasivo em suas diferentes
modalidades, possibilitando aumento na sobrevida e qualidade de vida nesse período. O suporte
ventilatório deve ser associado ao treino de força da musculatura inspiratória (BRASIL, 2020).

Embora seja considerada uma doença relativamente rara, 1 caso para 100.000 pessoas/ano,
representa um grande impacto pessoal e social para o indivíduo e a sociedade.
149
Unidade II

A abordagem de reabilitação junto aos pacientes com ELA é complexa, multidisciplinar e envolve
reavaliações periódicas. A combinação da terapêutica medicamentosa e a reabilitação possibilitam
aumento na sobrevida do paciente. Discutiremos a intervenção fisioterapêutica na unidade III.

A Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABrELA) é uma referência aos pacientes
portadores da ELA e aos seus familiares, pois oferece atendimento realizado por assistente social,
principalmente aos que não possuem orientação a respeito do diagnóstico. Além disso, são
atribuições da ABrELA:

• Orientação sobre a evolução da doença e necessidade dos cuidados.

• Informação ao paciente e à família sobre direitos: INSS, obtenção gratuita de medicamentos,


obtenção de respirador (BiPAP), isenções tarifárias.

• Busca de recursos de atendimento médico e equipe multiprofissional, atendimento jurídico e


social e recursos da comunidade.

• Visitas domiciliares quando necessário.

• Empréstimo e doação de material, como cadeira de rodas, de banho, fraldas descartáveis, cama
hospitalar e outros.

A ABrELA não realiza atendimento multiprofissional, mas auxilia na identificação dos recursos mais
próximos do paciente.

Saiba mais

Conheça mais acerca da Associação Brasileira de Esclerose Lateral


Amiotrófica (ABrELA) em:

Disponível em: https://www.abrela.org.br/. Acesso em: 14 set. 2021.

6 PATOLOGIAS DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

6.1 Neuropatias periféricas

Do ponto de vista anatômico, o sistema nervoso pode ser classificado em central e periférico. O
sistema nervoso central (SNC) é composto de encéfalo e medula espinal, contidos, respectivamente, na
calota craniana e no canal vertebral.

O sistema nervoso periférico (SNP) está relacionado com nervos cranianos, espinais, terminações
nervosas livres, gânglios e sistema nervoso autônomo periférico.

150
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

As formas e causas de acometimento do sistema nervoso periférico são extremamente variadas,


embora as manifestações clínicas não sejam muito diversificadas. Vamos abordar inicialmente
as neuropatias.

6.1.1 Classificação das neuropatias periféricas (NP)

As neuropatias periféricas podem ser classificadas de acordo com os critérios:

• Velocidade de instalação: a neuropatia pode ser aguda (menos de uma semana), subaguda
(menos de um mês), crônica (mais de um mês).

• Tipo de fibra nervosa envolvida: a neuropatia pode ser motora, sensitiva, autonômica ou mista.

• Diâmetro da fibra nervosa: grossa, fina ou mista.

• Distribuição do acometimento: proximal, difusa ou distal.

• Padrão: mononeuropatia, mononeuropatia múltipla, polineuropatia.

• Em relação à patologia: degeneração axonal, desmielinização segmentar, mista.

Com relação ao padrão de envolvimento do SNP, pode-se dizer que na polineuropatia ocorre o
acometimento simétrico, bilateral e distal dos nervos.

Geralmente as causas das polineuropatias estão associadas a agentes que atuam difusamente no
SNP, como substâncias tóxicas, doenças carenciais, metabólicas sistêmicas e reações imunes.

Quando há comprometimento de raízes espinais ou raízes e troncos nervosos periféricos é


denominado polirradiculopatia ou polirradiculoneuropatia.

A lesão pode ser focal (mononeuropatia) quando envolve apenas um nervo ou, então, multifocal
(mononeuropatia múltipla). No caso dessa última, com a evolução do quadro, poderá haver
acometimento simétrico e bilateral, simulando uma polineuropatia, porém os exames demonstrarão
acometimentos em diferentes fases e estágios, o que confirma a mononeuropatia múltipla (NITRINI;
BACHESCHI, 2015).

A etiologia das lesões focais geralmente está relacionada a situações de compressão, lesão mecânica,
térmica ou elétrica, radiação, lesão vascular ou neoplásica.

Do ponto de vista anatomopatológico, podem ser observados diferentes processos, como


degeneração walleriana, desmielinização segmentar e degeneração axonal.

151
Unidade II

O acometimento da bainha de mielina pode ser primário ou secundário, após uma doença axonal. A
desmielinização segmentar é o processo em que a bainha é lesada de forma focal, importante reforçar
que é muito suscetível a lesões; no acometimento secundário, o axônio é lesado e é desenvolvida a
degeneração walleriana.

O prognóstico de regeneração da bainha de mielina é muito favorável, em decorrência da presença


das células de Schwann, responsáveis pela sua regeneração. Porém a recuperação é rápida, desde que
não haja lesão do axônio. Diante da degeneração walleriana, a recuperação será lenta e pode durar
meses (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

6.1.2 Sintomas e sinais clínicos

As manifestações clínicas das neuropatias periféricas colaboram para a confirmação diagnóstica e


incluem disfunções motora, sensitiva e autonômica.

Função motora

Um dos achados clínicos mais frequentes nas neuropatias é a redução da força associada à perda do
trofismo muscular.

A fraqueza muscular pode ser resultado da lesão do axônio, da desmielinização segmentar


ou até mesmo do comprometimento do neurônio motor. O grau da fraqueza será proporcional aos
motoneurônios alfa envolvidos na lesão.

Em decorrência da lesão do neurônio motor inferior ainda é observada a hipotonia muscular, bem
como a redução ou abolição dos reflexos tendíneos.

De acordo com o tipo de neuropatia, pode existir um padrão na distribuição do acometimento. Por
exemplo, na polineuropatia o acometimento motor inicial é distal, sendo evidente nos músculos de
pernas e pés, e mais tardiamente, porém menos grave, nos músculos de mãos e antebraço, é o caso das
neuropatias nutricionais, metabólicas e tóxicas (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Outros sinais, como fasciculações e cãibras, não são frequentes nas polineuropatias.

Função sensitiva

De maneira semelhante, o comprometimento da sensibilidade nas polineuropatias inicialmente


é distal, envolvendo os pés e posteriormente as mãos, sendo denominada distribuição na forma
em bota e luva.

Na maioria das polineuropatias, todas as modalidades sensitivas são comprometidas: superficial


(tato, dor e temperatura) e profunda (propriocepção e vibratória), porém em algumas pode existir o
comprometimento seletivo da sensibilidade.

152
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Os padrões de acometimento correspondem à hipoestesia, anestesia e, a mais comum, parestesia.

Geralmente, a intensidade da hipoestesia tende a ser maior ou proporcional à fraqueza muscular.

O termo parestesia está associado a distúrbios da sensibilidade, mencionada pelos pacientes


como sensação de formigamento, queimação, adormecimento. Nas polineuropatias, as parestesias
acompanham a distribuição na forma bota e luva, enquanto que nas lesões focais, a parestesia segue a
distribuição do nervo periférico.

Lembrete

A hiperestesia é o aumento da sensação a um determinado estímulo.


Trata-se de uma resposta desagradável diante de um estímulo não doloroso,
diferente da hiperpatia, que está associada a uma resposta dolorosa diante
de um estímulo nocivo, principalmente se houver a sua repetição.

Ambas as alterações podem ser resultado de lesão parcial do nervo ou


ocorrer durante o período de recuperação da lesão.

Ataxia sensitiva

Ocorre diante do comprometimento das fibras nervosas grossas que são responsáveis pela condução
da informação proprioceptiva. Quando está presente nos membros superiores, pode ser observada na
forma de movimentos pseudoatetoicos nos dedos quando os membros são mantidos estendidos e os
olhos fechados.

Alterações tróficas e deformidades

Alterações no trofismo muscular ocorrem principalmente devido à perda gradativa da inervação motora.

Entretanto, no que se refere à pele, o comprometimento também é frequente, sendo caracterizada


por se apresentar delgada, lisa, com as unhas curvas e rígidas. As deformidades nos pés, nas mãos e na
coluna desenvolvem-se em especial nas polineuropatias crônicas de início infantil.

Deve haver um cuidado especial diante da analgesia distal dos membros, devido ao risco de
desenvolvimento de úlceras e até amputações. A osteartropatia neurogênica, também conhecida
como juntas de Charcot, caracteriza-se pela instalação rápida de grandes deformidades articulares
e analgesia.

153
Unidade II

Figura 38 – Representação do pé diabético: Charcot crônico; é possível observar reabsorção óssea


(metatarsos em “lápis”), fratura, deslocamento e a destruição óssea e articular

Fonte: Caiafa et al. (2011, p. 9).

Alterações autonômicas

Além da disfunção motora e sensitiva, o comprometimento do sistema nervoso autônomo está


presente na maioria das neuropatias periféricas. As manifestações mais frequentes são a anidrose
(ausência de sudorese) e a hipotensão ortostática. Constam a seguir relatados outros sinais clínicos
associados ao comprometimento do sistema nervoso autônomo:

• pupilas médias e arreativas;

• ausência de lágrimas;

154
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

• inexistência de saliva;

• impotência sexual;

• incontinência urinária e fecal;

• dilatação do esôfago e do cólon.

6.1.3 Diagnóstico

O diagnóstico das neuropatias periféricas é em grande parte favorecido pela identificação das
manifestações clínicas. Alguns exames são solicitados para o diagnóstico, para determinação das estruturas
anatômicas comprometidas e a respectiva etiologia.

Os principais exames indicados são:

• eletromiografia (EMG);

• biópsia;

• exames hematológicos e bioquímicos;

• análise do líquido cefalorraquidiano (LCR).

Entre estes, a eletromiografia é um dos mais confiáveis, uma vez que possibilita a observação da
atividade elétrica dos músculos.

Em situações normais e de repouso não é observado no EMG atividade elétrica muscular, o que
em condições patológicas, as unidades motoras podem apresentar atividade espontânea, como, por
exemplo, nas fasciculações e descargas miotônicas.

Observação

Para compreender os achados elétricos da EMG, é necessário conhecer


o conceito de dois termos: somação temporal e somação espacial.

A somação temporal é um mecanismo em que há o aumento do grau


da contração muscular através do aumento da frequência da pulsação das
unidades motoras. Na somação espacial, a contração muscular aumenta
através do recrutamento de um número maior de unidades motoras.

155
Unidade II

Nas neuropatias, há redução no número de unidades motoras recrutadas, havendo predomínio da


somação temporal. Nas miopatias, com o comprometimento primário das fibras musculares, tende a
dominar o efeito da somação espacial (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Outro aspecto clínico a ser observado é a velocidade de condução nervosa, que pode ser realizada
através do exame do potencial evocado. O potencial evocado é uma técnica de estimulação dos nervos
que objetiva a produção de um potencial de ação através da utilização de eletrodos. Para verificar a
velocidade de condução, estimula-se dois pontos do nervo e divide-se a distância entre os pontos pela
diferença entre seus tempos de latência. Considera-se tempo de latência o tempo mínimo verificado
entre a estimulação e a resposta do nervo estimulado.

A determinação do diagnóstico das neuropatias periféricas não é um processo fácil, devido a sua
grande variabilidade, e em 24% dos casos pode ser não conclusivo. A seguir, vamos abordar as mais
frequentes, e, cuja instalação do quadro clínico é agudo.

6.1.4 Polirradiculoneurite aguda ou síndrome de Guillain-Barré (SGB)

A síndrome de Guillain-Barré é uma polirradiculoneurite aguda cujo substrato anatomopatológico


é a presença de infiltrados inflamatórios que resultam em um processo de desmielinização, em alguns
casos, pode haver acometimento dos axônios. Corresponde à principal e frequente causa de paralisia
flácida generalizada e cuja instalação é aguda ou subaguda.

Sua incidência anual é de 1-4 casos por 100 mil habitantes, e a principal faixa etária está entre 20 e
40 anos de idade, sendo o maior acometimento no sexo masculino (BRASIL, 2021b).

A fisiopatologia é caracterizada pela desmielinização segmentar da fibra nervosa, combinada


a infiltrados inflamatórios e linfócitos e macrófagos. A presença dessas células indica a ocorrência
de reação imunológica que acomete a bainha de mielina. Embora não totalmente esclarecida a
fisiopatologia, é comum os pacientes referirem episódios antecedentes de infecções virais, bacterianas,
ocorrência de cirurgia, doenças malignas como linfomas ou imunizações com antígeno nervoso.
Acredita-se que essas situações possam ter uma relação de agressão à bainha de mielina (NITRINI;
BACHESCHI, 2015).

O quadro clínico é agudo e caracterizado por um déficit motor ascendente, com acometimento
dos nervos distais e posteriormente das raízes nervosas, com redução da força muscular e arreflexia
tendínea. Para a maioria dos pacientes, o quadro se apresenta com parestesia nas extremidades dos
membros inferiores e em seguida para os membros superiores. Cerca de 50% dos pacientes relatam dor
neuropática na região lombar e pernas. Um dos principais sintomas é a fraqueza muscular nos músculos
distais e proximais dos membros inferiores, superiores e em seguida os do tronco. Geralmente ocorre a
preservação do controle esfincteriano (BRASIL, 2021b).

Nessa evolução, que acontece geralmente de 2 a 4 semanas, pode ocorrer acometimento da


musculatura respiratória (30% dos pacientes), com necessidade de suporte de ventilação mecânica.

156
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Os músculos da mastigação, do palato e da face também podem ser envolvidos, e cerca de 5% a 15%
apresentam paresia oftálmica e ptose.

Após a fase de progressão da manifestação clínica, é observado um período de estabilização, devido


à capacidade de regeneração da bainha de mielina no SNP, acompanhada de melhora e recuperação
gradual da função motora, em média entre uma e quatro semanas.

Há risco de morte, principalmente devido às complicações respiratórias, como insuficiência


respiratória, pneumonia aspirativa, embolia pulmonar e arritmias cardíacas.

Embora seja uma neuropatia desmielinizante, apenas 15% dos pacientes não permanecerão com
comprometimento sensitivo ou motor. Há possibilidade de recorrência para 3% dos casos, não tendo
sido observada relação com as estratégias de tratamento utilizadas durante a fase aguda. A recuperação
tende a ser total para a maioria dos pacientes, com exceção dos casos em que houver lesão axonal.

Um pior prognóstico geralmente está relacionado com pacientes acima dos 50 anos e com instalação
aguda e grave da fraqueza muscular.

Não há medicamento ou tratamento específico para a síndrome de Guillain-Barré, sendo necessário


às vezes utilizar medicamentos para os sintomas e principalmente para as complicações respiratórias. O
uso de corticoide pode ser recrutado para os casos mais graves.

O uso de plasmaférese e imunoglobulina humana intravenosa (IgIV) pode acelerar o processo de


recuperação. Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2021b), para fins de diagnóstico, o neurologista
poderá seguir os seguintes critérios:

• Clínicos:

— progressão dos sintomas ao longo de 4 semanas;

— presença de simetria da paresia dos membros;

— sinais sensitivos leves a moderados;

— envolvimento de nervos cranianos (fraqueza bilateral dos músculos faciais);

— dor;

— disfunção autonômica;

— ausência de febre no início do quadro.

157
Unidade II

• Análise do liquor:

— concentração elevada de proteína.

• Estudos eletrofisiológicos:

— diminuição na velocidade de condução motora em dois ou mais nervos;

— maior latência motora distal em dois ou mais nervos.

Saiba mais

SGB e COVID-19

Foram publicados artigos de diferentes casos de associação entre a SGB e


a Covid-19. Em um deles, uma paciente chinesa na ilha de Wuhan (China) foi
confirmada com o diagnóstico pela Covid-19 e apresentou evolução clínica
de fraqueza muscular progressiva e fadiga, além de febre e insuficiência
respiratória. A SGB foi confirmada pelos achados da eletromiografia, que
evidenciaram desmielinização. Com a introdução de imunoglobulina, houve
melhora no quadro neurológico.

Ainda são necessários mais estudos para a verificação de existência


da relação entre o coronavírus e a SGB, porém parece que além das
manifestações respiratórias, cardíacas e renais, o vírus pode atuar no
sistema nervoso central e periférico, leia essa reportagem na íntegra em:

PIERRE, V. Pesquisadores encontram síndrome de Guillain-Barré em


casos de covid-19. Jornal da USP-Minuto Ciência, maio 2020. Disponível
em: https://bit.ly/3tETOkm. Acesso em: 14 set. 2021.

6.1.5 Neuropatia diftérica

Outra neuropatia de instalação aguda é a diftérica. Trata-se de uma doença infecciosa causada pelo
Corynebacterium diphtheriae. Nessa neuropatia há desmielinização sem reação inflamatória de raízes
espinais, gânglio sensitivo e nervos espinais adjacentes. Não há comprometimento dos axônios.

A manifestação clínica é facial, sendo caracterizada pela formação de um exsudato inflamatório


na região de garganta e traqueia, onde a bactéria produz uma exotoxina que acomete o coração e o
sistema nervoso em 20% dos casos.

158
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

O envolvimento do sistema nervoso inicia com a paralisia do palato (a voz se torna anasalada,
acompanhada de regurgitação e disfagia) entre o quinto e o décimo segundo dia da doença. Pode haver
acometimento de outros nervos como trigêmeo, facial, vago e hipoglosso.

Com relação à visão, geralmente a partir da segunda semana pode ocorrer perda da acomodação e
borramento da visão, porém não é comum o comprometimento dos músculos oculares externos.

Após esse período, poderá ocorrer a regressão do quadro, porém também pode haver o
desenvolvimento da polineuropatia sensitivo motora por volta da quinta e da oitava semana de
doença. A neuropatia pode ser caracterizada por fraqueza muscular discreta e parestesias distais,
mas em alguns casos, o quadro pode ser mais grave, com evolução progressiva da fraqueza nos
quatro membros e até da musculatura respiratória. O óbito pode ser resultado das complicações
respiratórias ou da insuficiência cardíaca, caso contrário, é observado para a maioria uma regressão
total dos sintomas.

A análise patológica mostra um processo de desmielinização, porém não associada à inflamação de


raízes espinais, gânglio sensitivo e nervos espinais adjacentes. Há preservação dos axônios, células da
coluna anterior, nervos periféricos distais e fibras musculares.

Geralmente, o tratamento é focado para o controle dos sintomas e complicações respiratórias.

6.1.6 Neuropatia alcoólica

Essa neuropatia é do grupo denominado polineuropatias simétricas subagudas. Nesse grupo, o


quadro clínico é instalado em poucas semanas, atingindo um pico nesse período e com duração variável.

Os sinais clínicos incluem parestesias, dor muscular, atrofia e fraqueza muscular, ausência dos
reflexos profundos e diminuição da sensibilidade.

Dois fatores estão associados ao seu desenvolvimento: o abuso de álcool e o déficit nutricional.
Cerca de 9% dos pacientes alcoólatras desenvolvem essa neuropatia, sendo mais frequente no sexo
feminino (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

O fator nutricional envolvido não é definido, porém os sinais clínicos podem estar associados com a
deficiência de tiamina, piridoxina, ácido pantotênico ou cobalamina.

Há uma distribuição simétrica das alterações motoras e sensitivas, sendo predominantes nos
membros inferiores, onde são observadas abolição dos reflexos profundos e fraqueza muscular. O padrão
de distribuição da alteração sensitiva segue na forma em bota e luva.

Também são verificadas alterações tróficas na pele, como edema, hiperpigmentação, espessamento,
úlcera perfurante plantar e artropatia. Não há acometimento dos nervos cranianos.

É comum a associação com outras manifestações clínicas relacionadas ao alcoolismo, como anemia,
insuficiência hepática, degeneração cerebelar e doença de Wernicke-Korsakoff.
159
Unidade II

6.1.7 Neuropatia por deficiência da vitamina B12

A deficiência da vitamina B12 leva ao acometimento da medula espinal, na região da coluna posterior
e lateral, o que é denominado degeneração combinada subaguda. Mas, pode ocorrer evolução para
uma polineuropatia, composta de alterações sensitivas (parestesias dos dedos dos pés e das mãos, ataxia,
perda da sensibilidade profunda, hipoestesia térmica e dolorosa), arreflexia patelar e aquiliana, fraqueza
muscular e atrofia.

Segundo Nitrini e Bacheschi (2015), a absorção ativa da vitamina B12 no íleo depende de sua ligação
com um fator intrínseco produzido na mucosa gástrica. Seguem algumas condições que podem resultar
na deficiência dessa vitamina:

• Alterações gástricas: anemia perniciosa, ressecção gástrica, carcinoma gástrico.

• Redução na oferta.

• Deficiência na absorção: síndrome de má absorção, ressecção do íleo, infestação por


Diphyllobothrium latum, flora intestinal anormal.

• Alterações metabólicas associadas ao hipertireioidismo ou à gravidez.

6.1.8 Neuropatia diabética

Corresponde à forma mais comum de polineuropatia assimétrica subaguda. O diabetes mellitus


pode resultar em diferentes tipos de neuropatias. Vamos abordar as mais frequentes e discuti-las de
forma geral.

A neuropatia é uma complicação das diferentes formas de apresentação do diabetes:


insulino‑dependente tipo I, insulino-dependente tipo II, bem como aquela relacionada a outras doenças.

Há uma variação na prevalência em torno de 7,5% quando na descoberta da doença e de 50% após
25 anos. Cerca de 15% dos pacientes com diabetes apresentam manifestações de neuropatia, mas é rara
em crianças diabéticas.

Um dos aspectos importantes no diagnóstico, além da história clínica detalhada, é a avaliação


neurológica, dando-se ênfase para a observação dos pés e da avaliação da sensibilidade dolorosa,
vibratória, ao toque leve e reflexo aquileu.

Um dos métodos utilizados é a verificação da sensibilidade através do monofilamento, para se


determinar a redução da sensibilidade, principalmente na região dos pés.

De acordo com a apresentação dos sinais clínicos, as neuropatias periféricas decorrentes do diabetes
podem ser classificadas da seguinte forma:

160
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

• Polineuropatia simétrica:

— polineuropatia sensitiva ou sensitiva motora;

— polineuropatia motora aguda ou subaguda;

— neuropatia motora proximal.

• Neuropatias focal e multifocal:

— neuropatia de nervos cranianos;

— mononeuropatia de tronco e membros;

— neuropatia motora proximal.

A polineuropatia sensitiva é a forma mais frequente de neuropatia diabética, sendo seu


desenvolvimento observado após a instalação de tratamento com insulina ou hipoglicemiantes orais.
Geralmente os sinais clínicos são discretos, predominam nos membros inferiores e compreendem perda
do reflexo aquileu e parestesia dos pés, dormência e dor que tende a piorar no período noturno. A
instalação dos sinais clínicos pode ser rápida, evoluindo para os quatro membros, com associação à
ataxia sensitiva observada na marcha (marcha talonante), e à perda da sensação dolorosa contribui
para o desenvolvimento de úlceras perfurantes dos pés e de artropatia neuropática envolvendo as
articulações interfalangeanas e metatarsofalangeanas. A neuropatia autonômica gera os sinais anidrose
combinados à pele seca (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

Observação

A combinação dos sinais de ataxia, perda da sensibilidade profunda


e atonia vesical, com discreta fraqueza muscular lembram a situação
clínica denominada: tabes dorsalis, sendo então conhecida como
pseudotabes diabética.

Moreira et al. (2005) apontaram que, de modo geral, 61% dos pacientes diabéticos com
amputação de extremidades apresentam neuropatia, 46% isquemia, 59% infecção, 81%
ferida com dificuldade de cicatrização, 84% úlceras cutâneas, 55% gangrena e 81% pequeno
traumatismo com fator desencadeante.

Na polineuropatia motora aguda ou subaguda observa-se fraqueza muscular distal e atrofia


nos músculos dos membros inferiores devido à desnervação verificada na eletromiografia. Geralmente
acompanha a polineuropatia sensitiva simétrica.

161
Unidade II

A neuropatia autonômica é caracterizada por sinais clínicos, como disfunção pupilar e lacrimal,
hipotensão postural, alteração da sudorese e reflexos vasculares, atonia do trato gastrointestinal, diarreia,
atonia vesical, ejaculação retrógrada e impotência sexual. Uma evolução possível é a hipoglicemia sem
a presença de sinais clínicos usuais, que pode levar o paciente ao coma.

A neuropatia de nervos cranianos é mais comum em pacientes idosos, em que a alteração do terceiro
nervo é mais frequente, sendo seu início abrupto e podendo ser indolor ou estar associada à cefaleia.

O diabetes mellitus também pode acometer os nervos de maneira isolada, sendo possível a lesão
dos nervos dos membros e do tronco. Os mais acometidos são: nervo ulnar, mediano, radial, femoral e
cutâneo lateral da coxa. Seu quadro clínico é agudo e a dor é uma das principais manifestações.

A neuropatia motora proximal, também conhecida como amiotrofia diabética, causa fraqueza
muscular e atrofia de maneira assimétrica nos músculos proximais de membros inferiores, região lombar
e perínea. Os músculos dos membros superiores são preservados. Além da atrofia, observa-se ausência
dos reflexos tendíneos e a dor, quando presente, é predominante no período noturno.

Os achados patológicos das diferentes manifestações da neuropatia diabética revelam perda de


axônios e desmielinização do tipo segmentar, sendo esta secundária ao acometimento dos axônios. Há
redução no número das fibras amielínicas em alguns casos. Além das alterações no que se refere aos
axônios, são possíveis lesões vasculares.

Há evidências que um dos mecanismos envolvidos na patogenia da neuropatia diabética é o


aumento da formação de radicais livres, que resulta na degeneração progressiva dos axônios (MOREIRA
et al., 2005).

A lesão axonal tende a ser progressiva, sendo predominante nos pacientes com maior grau de
dificuldade no controle glicêmico (MOREIRA et al., 2005).

De maneira geral, o tratamento da neuropatia diabética indiretamente depende do controle da


glicemia na própria história clínica do paciente. Com relação aos sintomas, há medicação principalmente
para a redução da dor, como fenitoína, carbamazepina e antidepressivos.

Como são inúmeras as etiologias das neuropatias periféricas, o quadro a seguir exibe, de maneira
geral, alguns outros tipos, bem como sua respectiva etiologia.

Quadro 30 – Outras neuropatias periféricas

Neuropatias periféricas Etiologia


Porfirínica Porfirias hepáticas de caráter hereditário autossômico
Ingestão de arsênico, intoxicação por chumbo, ingestão por tálio;
Tóxicas medicamentosa (dissulfiram, vincristina, fenitoína, dapsona)
Arterites de pequenos vasos presentes na artrite reumatoide, lúpus
Angiopáticas eritematoso, poliarterite nodosa

162
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Neuropatias periféricas Etiologia


Paraneoplásica Efeito tardio de carcinomas do pulmão, estômago, cólon e mama
Urêmica Insuficiência renal crônica
Alteração do metabolismo proteico Anormalidades das imunoglobulinas
Neurite leprosa Infecção pela bactéria Mycobacterium leprae
Neuropatia associada ao HIV Estágios iniciais e tardios da doença

Fonte: Nitrini e Bacheschi (2015, p. 257).

Ainda é importante citar que há um grupo de neuropatias resultado de herança genética. Geralmente
a evolução desse grupo tende a ser crônica e com comprometimento dos nervos simétricos (NITRINI;
BACHESCHI, 2015).

O grupo das neuropatias com caráter hereditário pode ser subdividido em:

• Polineuropatia do tipo predominantemente sensitiva: as manifestações clínicas incluem


alteração importante da sensibilidade dolorosa, úlceras nos pés e nas mãos, osteomielite dos ossos
dos pés e das mãos, fraturas e celulite.

• Polineuropatia do tipo sensitivo motora e autonômica: nesta ainda é possível encontrar os


subgrupos de natureza idiopática (doença de Charcot-Marie-Tooth, polineuropatia hipertrófica
dominante de Dejerine-Sottas, polineuropatia de Roussy-Levy, polineuropatia com atrofia óptica,
e com paraplegia espástica) e o grupo caracterizado pela presença de alteração metabólica
(doença de Refsum, doença de Fabry, polineuropatia amiloide, polineuropatia da porfiria). De modo
geral, no quadro clínico, há apresentação de acometimento cardíaco, alterações oculares, sendo
evolução lenta, porém caquexia e óbito podem ocorrer entre 10 e 15 anos após o início da doença.

6.2 Lesões nervosas periféricas

As causas e formas de acometimento do sistema nervoso periférico são variadas, englobando um


grupo amplo de doenças denominadas neuropatias.

Agora, vamos abordar o acometimento de outras estruturas periféricas que também podem ser
envolvidas em lesões e patologias específicas.

6.2.1 Lesões dos plexos nervosos

Plexo braquial

O plexo braquial dá origem aos nervos periféricos responsáveis pela inervação dos músculos dos
membros superiores. Sua formação ocorre pela junção dos ramos anteriores das quatro últimas raízes
cervicais e da primeira torácica.

163
Unidade II

As mais frequentes causas de lesão no plexo braquial envolvem traumatismo por ferimento por
arma de fogo ou branca, torções do membro superior, traumatismo durante o nascimento (paralisia
obstétrica), compressão direta por alterações posturais na região da cervical, fáscias ou tumores, lesão
cirúrgica e lesão pós-radioterapia.

A paralisia braquial mais comum é aquela observada diante do estiramento das raízes superiores
do plexo C5 e C6 (paralisia braquial superior), geralmente após traumatismo obstétrico. No quadro
clínico, há paralisia proximal do membro superior dos músculos deltoide, supraespinal, infraespinal,
bíceps braquial, romboide e braquiorradial. Diante disso, o paciente é incapaz de abduzir ou rodar
externamente o braço, fletir e supinar o antebraço. Há ausência dos reflexos tendíneos braquiorradial
e bicipital, e há hipoestesia na região lateral do antebraço e mão (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

O acometimento da C7 resulta na síndrome radicular média. É um quadro semelhante à paralisia


do nervo radial, porém há preservação da sensibilidade e do músculo braquiorradial.

Na paralisia braquial inferior, lesão das raízes C8-T1 ocasiona paralisia, atrofia e hipotonia dos
músculos intrínsecos da mão, região tenar e hipotenar e dos interósseos e lumbricais, associada à
ausência dos reflexos dos flexores dos dedos; anestesia ou hipoestesia do dedo mínimo, face medial
do anular, mão e antebraço. As dificuldades funcionais presentes estão nos movimentos de flexão
de punho e dedos e os dependentes dos músculos intrínsecos da mão. As causas dessa paralisia são
traumatismo por arma branca ou de fogo, tumores no ápice do pulmão (síndrome de Pancoast) e
tumores extradurais (neurinomas).

Plexo lombossacro

Os ramos anteriores das raízes lombares e das três primeiras raízes sacrais compõem o plexo
lombossacral, responsável pela inervação dos músculos dos membros inferiores.

A lesão das primeiras raízes lombares (L1-L4) provoca paralisia no músculo quadríceps (dificuldade no
movimento da extensão do joelho) e do músculo íleopsoas (dificuldade na flexão do quadril), associada
à ausência do reflexo patelar, hipoestesia na coxa e face anteromedial da perna. O paciente apresentará
limitação funcional para levantar da cadeira e subir escadas.

A lesão de L5 gera paralisia dos músculos glúteos, posteriores da coxa, dorsiflexores do tornozelo e
pé. O paciente não realiza o movimento de dorsiflexão do tornozelo (marcha escarvante) e é incapaz de
andar nos calcanhares (NITRINI; BACHESCHI, 2015).

A lesão das raízes S1-S2 resulta em paralisia dos músculos extensores dos pés e dedos, com ausência
do reflexo aquileo, e o paciente apresenta dificuldade em manter a postura bípede com apoio na
ponta dos pés.

Geralmente as causas dessas lesões estão associadas a processos degenerativos como hérnias de
disco, tumores intrarraquianos, traumas por arma de fogo ou branca, fratura da pelve e trauma obstétrico.

164
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

6.2.2 Lesões dos troncos nervosos

Nervo mediano

Ferimentos perfurantes do braço, aplicação de torniquete, constrição do nervo no ligamento anular


anterior do carpo (síndrome do túnel do carpo) e neurite leprosa são as principais causas de lesão
desse nervo.

Nessa paralisia, haverá limitação para pronação do antebraço, flexão dos três primeiros dedos e
na oponência do polegar, além de hipoestesia na região terminal de distribuição do nervo, isto é, lado
externo da face palmar da mão.

Nervo ulnar

A lesão do nervo ulnar geralmente está associada a situações como fraturas e artropatias crônicas
do cotovelo, traumatismos por arma de fogo ou arma branca e neurite leprosa.

Haverá limitações para os movimentos de flexão-adução do punho, flexão das falanges proximais,
abdução e adução dos dedos, adução do polegar e movimentos do dedo mínimo. Há atrofia muscular
entre o polegar e o indicador, entre os tendões extensores no dorso da mão e na eminência hipotenar.
Os dedos anular e quinto dedo mantêm-se com a falange proximal em extensão e as outras em flexão
(garra ulnar).

Hipoestesia pode ser observada no dedo mínimo e na metade interna do dedo anular (NITRINI;
BACHESCHI, 2015).

Nervo radial

Lesões do nervo radial acarretam comprometimento dos músculos extensores de cotovelo, punho e
dedos, além do braquiorradial, sendo resultantes de fratura do úmero ou compressão do nervo, quando
durante o sono, o membro superior pode ser mantido pendente e em extensão; também pode ser
resultante de intoxicação por chumbo. A mão caída é acompanhada por hipoestesia no dorso da falange
proximal do polegar e primeiro espaço interósseo.

Nervo fibular comum

O nervo fibular comum pode ser acometido diante de processos de compressão do nervo sobre a
cabeça da fíbula, traumatismo por arma de fogo ou fraturas da fíbula e neurite leprosa.

Limitações no movimento de flexão dorsal, abdução do pé e extensão dos dedos estão presentes.
Hipoestesia ocorre na região lateral da perna e do dorso do pé.

165
Unidade II

6.2.3 Lesões traumáticas dos nervos periféricos

O prognóstico de recuperação de uma lesão periférica depende dos fatores, tipo e local da lesão, mas
também da estrutura anatômica envolvida.

De modo geral, as lesões em que a bainha de mielina é a parte comprometida, costumam apresentar
bom prognóstico, devido à capacidade de regeneração da bainha de mielina pela ação das células de
Schwann. Já aquelas em que o axônio é lesado, a recuperação total nem sempre é possível. Além disso,
os nervos são altamente suscetíveis a processos isquêmicos.

Para compreender melhor os mecanismos envolvidos na degeneração e regeneração axonal após


uma lesão traumática, vamos nos lembrar de alguns aspectos da anatomia dos nervos periféricos.

Anatomia dos nervos periféricos

A composição estrutural dos nervos periféricos envolve a presença de axônios, células de Schwann
e tecido conjuntivo.

Inicialmente, os axônios são agrupados em feixes paralelos, denominados fascículos, que são
revestidos por bainhas de tecido conjuntivo frouxo, que auxiliará na regeneração axonal.

O endoneuro reveste cada axônio de forma individual, possui uma matriz de colágeno frouxo, cujas
fibras formarão as paredes de proteção dos tubos endoneurais.

O perineuro é o próximo tecido conjuntivo que reveste um feixe de axônios, e separa as fibras
nervosas em fascículos em fibroblastos, macrófagos, mastócitos, linfócitos e adipócitos.

Nos feixes, as fibras são envolvidas pelo neurilema (bainha de Schwann).

O epineuro, composto de tecido conjuntivo frouxo é o que engloba todo o tronco nervoso por toda
sua extensão.

As células de Schwann são responsáveis pela produção da bainha de mielina, complexo lipoproteico,
que possui papel importante nos processos degenerativo e regenerativo. Durante a regeneração, essas
células auxiliam o crescimento das fibras nervosas em regeneração, além disso, a bainha de mielina
favorece a velocidade de condução nervosa.

Além da bainha de mielina, os axônios são altamente vascularizados, sendo as artérias ricas em
vasos colaterais.

Tipos de lesão

No estudo da plasticidade neural geralmente é comum compararmos a capacidade de readaptação


dos neurônios do sistema nervoso periférico com os dos neurônios localizados no sistema nervoso
166
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

central. Nessa comparação, é apontada a grande capacidade das células nervosas periféricas em
se recuperar diante de alguns tipos de lesão. Porém é importante ressaltar que fatores como tipo,
localização e estruturas envolvidas na lesão também contribuem para um maior ou menor grau de
recuperação funcional.

O interesse pelas lesões nervosas periféricas, assim como por técnicas de reparo, é descrito na história
da medicina há muito tempo. Galeno foi o primeiro a distinguir nervos e tendões em 130‑200 d.C.
Mas foi durante, e principalmente, após a Segunda Guerra Mundial que Mitchell descreveu suas
observações clínicas sobre as lesões nervosas periféricas e incluiu suas descrições de causalgia, ou
dor em queimadura. A nomenclatura utilizada diante das lesões traumáticas até hoje empregada foi
estabelecida por Seddon, em 1975. Segundo esta, a lesão traumática dos nervos pode ser dos tipos
neuropraxia, axonotmese ou neurotmese (SIQUEIRA, 2007).

As causas traumáticas são as mais frequentes para as lesões nervosas periféricas. Dependendo do
grau de acometimento do nervo, essa lesão pode ser classificada em:

• Neuropraxia: é uma lesão discreta em que não há perda estrutural do nervo, porém ocorre perda
sensitiva e motora. Possui bom prognóstico de recuperação funcional.

• Axonotmese: nesse acometimento, há lesão estrutural do axônio acompanhada de degeneração


walleriana do segmento distal. As causas associadas costumam ser esmagamento, estiramento
ou percussão. Embora tenha lesão estrutural do axônio, a recuperação funcional dependerá da
distância do local da lesão em relação à célula-alvo de reinervação. Lembrando que as células de
Schwann auxiliam no direcionamento das fibras nervosas em regeneração.

• Neurotmese: essa lesão é caracterizada pela transecção total do nervo, havendo necessidade
de intervenção cirúrgica como forma de tratamento e cuja recuperação possui menor
prognóstico, devido ao surgimento de tecido cicatricial entre os segmentos proximal e distal
do nervo transeccionado.

De maneira geral, podemos concluir que quanto maior o grau do acometimento das estruturas que
compõem o nervo, mais lenta e difícil será a recuperação funcional.

Vamos relembrar os processos celulares que se instalam após uma lesão axonal.

Após a lesão no axônio, imediatamente ocorre a interrupção da transmissão do impulso nervoso


ao longo do trajeto do nervo. O corpo do neurônio é o centro trófico da célula, devido à presença
do núcleo que possui o DNA e o RNA responsáveis pela síntese de proteínas e enzimas, responsáveis
pelo metabolismo celular. Sendo assim, tudo que se afastar do corpo celular possuirá tendência de
degeneração. É o que ocorrerá com o segmento distal do axônio lesado.

Essa degeneração será realizada em 48-96 horas após a transecção do nervo, sendo esse processo
denominado degeneração walleriana ou anterógrada.

167
Unidade II

Mielina Lâmina basal

Cromatólise

Lesão

Fragmentos axonais
e de mielina
Células de Schwann permissivas da
regeneração axonal: Bandas de Büngner

Cone de crescimento

Figura 39 – Representação da degeneração walleriana e retrógrada após lesão axonal

Fonte: Ilha (2007, p. 9).

A fagocitose da bainha de mielina e dos segmentos distais do axônio será realizada pelas células de
Schwann e pelos macrófagos liberados pela corrente sanguínea no local da lesão.

No segmento proximal, haverá degeneração retrógrada até o próximo nodo de Ranvier, que por
permanecer unido ao corpo, será uma degeneração restrita. Lesões muito próximas do corpo podem
ocasionar a morte da célula.

Ao nível do corpo celular, também são observadas alterações como edema e deslocamento do núcleo
em direção à periferia acompanhado de uma dispersão dos corpúsculos de Nissl. Essas alterações no
corpo celular são denominadas cromatólise.

É importante ressaltar que mesmo que a lesão ocorra em um neurônio do circuito neural, a
transmissão do impulso elétrico ficará comprometida ao longo de toda a extensão do nervo. Uma vez
cessado o processo de fagocitose dos fragmentos do axônio no coto distal à lesão, as células de Schwann
proliferam e, de maneira geral, passam a se alinhar dentro do tubo de lâmina basal para formar as bandas
de Büngner, que funcionarão como guia aos brotos de axônio em regeneração no segmento proximal.
Nesse segmento proximal, as alterações iniciais seguidas à lesão desaparecem, ou seja, o corpo celular
volta a assumir o tamanho original, o núcleo assume seu posicionamento central. Simultaneamente,
inicia-se um processo de síntese de proteínas que servirão como base para o surgimento de brotos de
axônio a partir do coto proximal.

168
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Assim, podemos afirmar que o axônio estará regenerado quando um dos brotos de axônio conseguir
se direcionar ao tubo da nova bainha de mielina, produzida pelas células de Schwann no segmento
distal, e realizará novamente conexão com a célula-alvo, que nesse caso, vem a ser a fibra muscular.

Com relação ao músculo, cujo nervo foi lesado, então é observada a atrofia e a substituição por
tecido conjuntivo das fibras musculares denervadas durante a primeira semana após a lesão. Já para a
reparação sensorial, não há um período definido para sua ocorrência.

Porém, para que o processo de regeneração possa realmente acontecer, não pode ocorrer a barreira
cicatricial entre os cotos proximal e distal do axônio e substâncias tróficas específicas denominadas
fatores de crescimento neural, que funcionam como sinalizadores dos brotos em direção à nova bainha.

Um dos primeiros fatores de crescimento neural é o NGF (nerve growth factor), porém há outros,
conhecidos como neurotrofinas (NT-3, NT-4/5, GDNF, BDNF). Embora vários brotos de axônio sejam
direcionados à nova bainha, somente um será o substituto do axônio lesado, e os demais, uma vez que
tenha ocorrido a conexão do novo broto com a fibra muscular, irão atrofiar e degenerar.

A regeneração final do axônio pode levar meses, uma vez que o broto proximal em regeneração
cresce, em média, 1-2 mm/dia.

Conforme descrito anteriormente, nem sempre a capacidade de regeneração do nervo ocasiona


recuperação funcional. Além das alterações verificadas ao nível das fibras musculares, poderá ocorrer
uma remodelação no mapa cortical somatossensorial responsável pelo membro envolvido na lesão.

Processos cicatriciais podem limitar a própria extensibilidade do nervo em regeneração, como


também o encontro entre os brotos de axônio proximais e a nova lâmina basal distal. Essas limitações
podem levar à inervação inadequada de fibras musculares, gerando um padrão anormal de contração
muscular ou até a necessidade de procedimentos cirúrgicos para a reparação. Um desses é a presença
de neuromas.

Os principais tipos de intervenção cirúrgica envolvem as suturas e os enxertos. De maneira geral, os


enxertos são realizados quando o espaço entre os cotos proximal e distal é maior que 5 cm, sendo que
os enxertos podem ser obtidos da mesma pessoa (autoenxerto) ou de outro indivíduo (aloenxerto) e
até mesmo de outra espécie (xenoenxerto), o nervo sural é o mais utilizado nesse procedimento.

Segundo Siqueira (2007), as complicações mais frequentes que podem ocorrer após o reparo
cirúrgico incluem o neuroma doloroso no local doador do enxerto nervoso, tensão na linha de sutura, a
qual estimulará a formação de tecido cicatricial, e hematoma no local do enxerto, que poderá destruí-lo.

169
Unidade II

Resumo
Nesta unidade foram discutidas as patologias neurológicas mais
encontradas no sistema nervoso central e periférico em pacientes adultos.
A maioria, por apresentar uma consequência sobre a função motora,
necessitará da atuação do fisioterapeuta neurofuncional.
Das patologias de natureza traumática, como o traumatismo
cranioencefálico e raquimedular, foi possível verificar as consequências
funcionais graves que podem ser resultado dessas lesões, em especial diante
de pessoas jovens. Mesmo com a existência de mecanismos neurais plásticos,
essas lesões poderão levar ao óbito, ou então gerar sequelas definitivas que
impeçam o indivíduo de retornar às suas atividades ocupacionais.
Doenças degenerativas e progressivas como a doença de Parkinson,
mesmo sendo mais frequente em idosos, são extremamente limitantes do
ponto de vista funcional, sendo fonte de muitas pesquisas, voltadas para a
compreensão de sua fisiopatologia e sua cura.
Embora apresentem o termo esclerose em comum, a esclerose múltipla
e a esclerose lateral amiotrófica possuem substrato anatomopatológico
muito diferente, mas ambas são formas graves de acometimento
neurológico que necessitarão da intervenção do fisioterapeuta.
As patologias e lesões periféricas possuem grande variedade de
causas e consequentemente prognóstico funcional. Algumas apresentam
um início agudo, podendo evoluir até para o óbito, como a síndrome de
Guillain-Barré, e outras com início e evolução mais lentos e crônico, como
a neuropatia diabética.
A complexidade da fisiopatologia encontrada nas patologias descritas,
assim como o respectivo tratamento médico, permite a você concluir
que haverá a necessidade da atuação multidisciplinar no programa de
reabilitação para os pacientes neurológicos portadores dessas condições
clínicas. Nesse contexto, o papel do fisioterapeuta neurofuncional como
membro ativo junto à equipe multidisciplinar será fundamental.
E ainda pode haver a dúvida: se a fisioterapia atua no programa de
reabilitação, há necessidade do conhecimento da fisiopatologia e do
tratamento médico e medicamentoso? Embora não haja a intervenção
direta do fisioterapeuta nas decisões médicas, ao conhecer os mecanismos
patológicos da doença, os medicamentos e principalmente seus efeitos
colaterais, será possível compreender a evolução do paciente nas sessões
de fisioterapia e orientar tanto ele como o cuidador e familiares sobre os
efeitos colaterais da medicação.
170
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

Exercícios

Questão 1. O trauma cranioencefálico (TCE) é a lesão física do tecido cerebral. As principais


consequências do TCE são a alteração do nível de consciência e a instabilidade hemodinâmica
e respiratória. O tratamento fisioterápico do paciente com TCE é essencial para o restabelecimento
das funções da área lesionada e deve ser ajustado de acordo com os resultados da avaliação prévia
do paciente.

Com relação à avaliação dos pacientes com TCE, avalie as afirmativas.

I – Para avaliar o nível de consciência, pode-se utilizar a escala de coma de Glasgow modificada,
que se baseia na observação das respostas motoras, verbais e oculares após a aplicação de estímulos
pelo terapeuta.

II – O reflexo da pupila à luz geralmente está comprometido nas herniações e nas lesões do
tronco cerebral.

III – Na avaliação da motricidade extrínseca ocular, os desvios conjugados do olhar lateral


geralmente são resultado de lesão no nervo oculomotor.

IV – A postura de descerebração indica comprometimento, de caráter irreversível, do córtex cerebral.

É correto o que se afirma em:

A) I e II, apenas.

B) I, III e IV, apenas.

C) I e III, apenas.

D) II e III, apenas.

E) I, II, III e IV.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa correta.

Justificativa: o principal objetivo da escala de coma de Glasgow é padronizar as observações


clínicas de pacientes adultos com TCE grave que apresentam alterações da consciência. Ela baseia-se

171
Unidade II

na avaliação das respostas motoras, verbais e oculares após estímulo verbal ou doloroso oferecido
pelo terapeuta. Em 2018, a observação do comportamento da pupila foi incluída aos parâmetros
observados, o que deu origem à escala de coma de Glasgow modificada.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: no paciente com TCE, os reflexos das pupilas à luz são testados para se observar se o
reflexo fotomotor está mantido. Esse reflexo geralmente se encontra comprometido nas herniações e
nas lesões do tronco cerebral que ocorrem no mesencéfalo, pois tal estrutura é responsável por controlar
o reflexo pupilar.

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o exame da motricidade ocular extrínseca envolve a avaliação dos desvios do olhar, da
presença de movimentos espontâneos e dos movimentos reflexos. Nas lesões entre o córtex e a formação
reticular parapontina, os desvios do olhar lateral são conjugados. Nas lesões dos nervos oculomotor e/ou
abducente, os desvios são desconjugados.

IV – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a postura de descerebração é caracterizada pela extensão dos membros inferiores,


combinada à adução e à rotação interna dos ombros. Esse padrão postural está presente diante de
lesões bilaterais do mesencéfalo e da ponte. Ele pode ser temporário, ou seja, o paciente pode evoluir
sem sequelas motoras.

Questão 2. A síndrome de Guillain-Barré é uma doença autoimune caracterizada pela perda da


bainha de mielina dos neurônios e pela alteração dos reflexos tendinosos. Ela tem sido associada à
infecção pelo vírus Sars-CoV-2 e, nesses casos, os sintomas característicos da síndrome (fraqueza
muscular progressiva, fadiga, febre e insuficiência respiratória) podem ser confundidos com os sintomas
da Covid-19, o que dificulta o diagnóstico. Portanto, embora sejam necessários mais estudos para se
verificar se realmente existe relação entre o Sars-CoV-2 e a síndrome de Guillain-Barré, é essencial que
o profissional de fisioterapia saiba identificá-la.

Com relação à síndrome de Guillain-Barré, assinale a alternativa correta.

A) O quadro clínico é agudo e caracterizado por déficit motor ascendente, com acometimento dos
nervos distais e das raízes nervosas.

B) A presença de parestesias e de dor neuropática excluem o diagnóstico da síndrome de


Guillain-Barré.

C) A perda do controle esfincteriano é um sinal característico da síndrome e sua persistência está


relacionada com pior prognóstico.

172
FISIOTERAPIA NEUROFUNCIONAL

D) A síndrome ocasiona a morte da maioria dos pacientes após o período de 3 a 4 meses.

E) Como se trata de uma síndrome autoimune com componente inflamatório, os procedimentos


fisioterapêuticos são paliativos e visam essencialmente ao controle das disfunções respiratórias.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: a síndrome de Guillain-Barré é uma doença autoimune, inflamatória, de manifestação


aguda e caracterizada por déficit motor ascendente, com acometimento dos nervos distais e,
posteriormente, das raízes nervosas, o que reduz a força muscular e causa arreflexia tendínea. Um dos
principais sintomas é a fraqueza muscular nos músculos distais e proximais dos membros inferiores e
superiores e do tronco.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: na maioria dos pacientes, o quadro apresenta-se com parestesia nas extremidades dos
membros inferiores, que evolui para os membros superiores. Cerca de 50% dos pacientes relatam dor
neuropática na região lombar e nas pernas.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: na maioria dos pacientes, o controle dos esfíncteres é mantido.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a maioria dos pacientes com síndrome de Guillain-Barré evolui bem e se recupera
totalmente, pois, após a fase inicial, observa-se um período de estabilização, durante o qual ocorre a
regeneração das bainhas de mielina.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: durante as primeiras semanas de manifestação dos sintomas, ocorre acometimento da


musculatura respiratória em 30% dos pacientes, que podem precisar de ventilação mecânica.

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