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CAPÍTULO 11

TRAUMATISMO CRANIOENCEFÁLICO
Fernando Belluomini

Andréa de Melo Alexandre Fraga

AO FINAL DA LEITURA DESTE CAPÍTULO, O PEDIATRA DEVE ESTAR APTO A:

Conhecer as lesões cerebrais possíveis associadas ao traumatismo cranioencefálico.


Aplicar corretamente a escala de Glasgow e classificar a gravidade do caso.
Identificar entre os casos leves os de maior risco de lesão.
Identificar os sinais preditores de gravidade que necessitam de abordagem complementar
com tomografia computadorizada de crânio.
Atuar de forma rápida e sistemática diante dos casos moderados e graves, minimizando os
eventos secundários e facilitando a assistência complementar em UTI.

INTRODUÇÃO
O traumatismo cranioencefálico (TCE) é o acidente mais prevalente nas crianças menores
de 5 anos, em especial nas menores de 1 ano. Nos Estados Unidos, os atendimentos por
TCE correspondem a pelo menos 600 mil visitas às emergências.

A análise dos dados disponíveis no DATASUS referentes ao período entre 2008 e 2019
revela que, no total, ocorreram 1.572.178 internações hospitalares, sendo que 354.252
apresentavam idade inferior a 20 anos.

Ainda que a grande maioria de casos se apresente como casos leves, de baixa
complexidade, o reconhecimento dos casos de risco e a pronta intervenção é papel
importante do Pediatra. Nesses casos, a tomografia computadorizada (TC) de crânio é o
exame determinante no diagnóstico das lesões intracranianas.

Todavia, a indicação indiscriminada da TC de crânio em pacientes pediátricos com TCE,


além dos altos custos para o sistema de saúde, pode expor desnecessariamente um grande
número de crianças à radiação ionizante, triplicando o risco do desenvolvimento de
leucemia e tumores cerebrais em longo prazo.

Diante disso, estratégias de abordagem e tratamento adequados para esse tipo de acidente
são fundamentais, bem como a criação de mecanismos de constante educação e
prevenção.

FISIOPATOLOGIA
O funcionamento básico de sistema nervoso central (SNC) requer o adequado aporte de
O2, glicose e demais nutrientes para o metabolismo basal do tecido cerebral. Para tanto,
depende do fluxo sanguíneo cerebral (FSC), garantido pela pressão de perfusão cerebral
(PPC), que é, por sua vez, fruto da diferença entre a pressão arterial média (PAM) e a
pressão intracraniana (PIC).

Assim, para manter a PPC, incrementos na PIC causados por qualquer lesão cerebral pós-
traumática vão requerer ajustes fisiológicos do SNC como diminuição da produção de
líquor, aumento da sua reabsorção ou aumento do retorno venoso. Há, ainda, mecanismos
mais específicos de ajuste como reguladores da pressão na arteríola pré-capilar
(autorregulação central), vasorreatividade às pressões parciais dos gases sanguíneos,
ajuste do FSC de acordo com as demandas metabólicas e a barreira hematoencefálica.
Esgotados esses mecanismos, instala-se a hipertensão intracraniana (HIC) com dano
secundário ao tecido cerebral. Se não tratada, pode culminar com a iminência de herniação
do tecido cerebral, quando o organismo exibe a clássica tríade de Cushing: bradicardia,
alteração respiratória e hipertensão arterial sistêmica.

Esse dano cerebral depende ainda do tipo de lesão relacionada ao trauma, que pode ser
primária, diretamente pelo impacto, ou secundária, relacionada a distúrbios
subsequentemente instalados, resultado de alterações hemodinâmicas e metabólicas.

LESÕES TRAUMÁTICAS
Lesão do couro cabeludo
Ferimentos e hematomas subgaleais que podem ser indícios de fratura ou fonte de grande
perda sanguínea.

Fraturas
Subdivididas em 4 tipos: linear (a mais comum), cominutiva, afundamento ou diastática. As
fraturas lineares, quando localizadas no trajeto de vasos importantes, em especial a artéria
meníngea média, podem se associar a sangramento intracraniano (Figura 1).

Figura 1 Fratura linear.


Figura 2 Fratura com afundamento.

As fraturas com afundamento, por sua vez, requerem correção cirúrgica na maioria dos
casos, quando há depressão maior ou igual à espessura da tábua óssea, escape de líquor
e solução de continuidade (lesão aberta) (Figura 2).

Já as fraturas na base do crânio cursam com sinais clínicos específicos que incluem
otoliquorreia, rinoliquorreia, hemotímpano, paralisia facial periférica, anosmia, equimose
retroauricular (sinal da batalha) e equimose periorbital sem trauma orbital direto (sinal de
guaxinim). À radiografia pode-se identificar pneumoencéfalo.

Lesões intracranianas
Contusão cerebral: decorrente de ação direta da curvatura óssea (abóboda) sobre os
tecidos neural e vascular adjacente. Ocorre no local do impacto ou diametralmente oposto a
ele, pela inércia (lesão de contragolpe). A TC craniana apresenta hiperdensidade focal
cortical (hemorragia). O tratamento é geralmente clínico (Figura 3).
Hematoma epidural: coleção de sangue no espaço extradural. Geralmente tem origem
arterial nos adultos, podendo ser venoso nas crianças. Frequentemente associado à fratura,
o quadro clínico inclui “intervalo lúcido” e sinais localizatórios. À TC nota-se imagem
hiperdensa e biconvexa. O tratamento consiste na drenagem do hematoma por craniotomia,
dependendo do volume da coleção (Figura 4).
Hematoma subdural: presença de sangue no espaço subdural. Pode ser agudo, subagudo
ou crônico. Forma-se por sangramento venoso, espalhando-se sobre o hemisfério cerebral.
Os casos agudos são cirúrgicos, com elevados índices de morbimortalidade. Os crônicos
podem ser bilaterais e apontam para o diagnóstico de maus tratos na infância (MTI) (Figura
5).
Hematoma intraparenquimatoso: localizados profundamente no parênquima, relacionados a
lesões com mecanismo de rotação.
Lesão axonal difusa (LAD): representada pelo cisalhamento das fibras mielínicas. Frequente
nos traumatismos graves, ocorre secundária a mecanismos de aceleração/desaceleração
rápida com desconexão das sinapses nervosas. O quadro clínico é representado por
alteração no nível de consciência em que a TC pode ser normal. A forma leve é
tradicionalmente conhecida como concussão cerebral.
Lesão microvascular difusa (LMD): trata-se do principal componente do dano cerebral
secundário, representado pelo “inchaço” cerebral. A hiperemia ocorre por mecanismo de
defesa ou perda da autorregulação. Há alteração da permeabilidade da barreira
hematoencefálica, representando o componente vasogênico do inchaço; a lesão intracelular
isquêmica representa o componente citotóxico. Esta é a lesão mais frequente no TCE
grave, com taxa de mortalidade próxima a 50%. A TC revela diminuição simétrica dos
ventrículos laterais e das cisternas, sem alterações na substância branca.
Perda neuronal seletiva: alteração seletiva no núcleo reticular talâmico, provavelmente
relacionada com os distúrbios de atenção na síndrome pós-concussional.
Isquemia hipoxêmica: lesão particular do hipocampo.

Figura 3 Contusão cerebral.


Figura 4 Hematoma epidural.
Figura 5 Hematoma subdural.

CLASSIFICAÇÃO
A classificação do TCE baseia-se na Escala de Coma de Glasgow (ECG), adaptada de
acordo com a faixa etária (Tabela 1).

TRATAMENTO
A assistência hospitalar da vítima de TCE segue também as diretrizes do ATLS (Advanced
Trauma Life Support) e PALS (Pediatric Advanced Life Support). Colocar e manter o colar
cervical até comprovação clínica da ausência de lesões (lembrar das SCIWORA, lesões da
coluna cervical sem alteração radiológica). Instabilidades ventilatória e hemodinâmica
necessitam de intervenção precoce.

A anamnese volta-se para a identificação do mecanismo e da cinemática do trauma (se


queda, que altura; se acidente com carro ou bicicleta, que velocidade), do tempo decorrido
entre o trauma e o atendimento e do relato de convulsão ou perda de consciência (por
quanto tempo). Antecedentes de epilepsia ou discrasia sanguínea devem ser pesquisados,
bem como possibilidade de intoxicação exógena (álcool, drogas).
Traumatismo cranioencefálico leve
Inclui a absoluta maioria dos casos, em que identificar os riscos e racionalizar os custos é o
grande desafio. Nesse contexto, o estudo do PECARN (Pediatric Emergency Care Applied
Research Network) de 2009 se constitui ainda como ótima diretriz para eleger os casos com
necessidade de TC e/ou observação hospitalar. Outros bons guias de decisão clínica são o
inglês CHALICE e o canadense CATCH.

Segundo o PECARN, são definidos os critérios de gravidade de acordo com faixas etárias
(Tabela 2).

As crianças sem quaisquer dos fatores de risco citados acima são classificadas como baixo
risco e não necessitam de TC de crânio. Em geral, com o paciente assintomático e
decorridas pelo menos 2 horas do trauma, ele poderá ser liberado para observação
domiciliar.

No estudo, tanto o valor preditivo negativo quanto a sensibilidade da regra foram de 100%
nos menores de 2 anos e de 99,95% e 96,8%, respectivamente, para os de 2 anos ou mais.
Esses dados validam a segurança dos critérios selecionados.

Assim, o grupo de alto risco deve realizar a TC de crânio. Já para o grupo definido como de
risco moderado, o profissional pode decidir sobre realizar a TC ou manter apenas
observação clínica, dependendo da circunstância, da evolução clínica e até da ansiedade
dos familiares.

Em relação às outras diretrizes, recomenda-se a TC nas seguintes condições a seguir.

CHALICE
Perda de consciência testemunhada superior a 5 minutos, amnésia superior a 5 minutos ou
sonolência excessiva.
Três ou mais episódios de vômitos.
Suspeita de traumatismo não acidental.
Convulsão, escala de coma de Glasgow inferior a 14 (ou inferior a 15 em crianças com
menos de 1 ano de idade).
Suspeita de fratura craniana com lesão penetrante ou afundamento, fontanela abaulada,
sinais de fratura da base do crânio, sinais neurológicos focais, hematoma ou escoriação do
couro cabeludo com dimensão superior a 5 cm nas crianças com menos de 1 ano de idade.
Mecanismo de lesão de alto impacto, acidente com veículo em alta velocidade (seja
pedestre, ciclista ou ocupante de veículo), queda de altura superior a 3 metros e
traumatismo por objeto projetado em alta velocidade.
CATCH
Escala de coma de Glasgow inferior a 15, duas horas após o TCE.
História de cefaleia progressiva, irritabilidade ao exame.
Suspeita de fratura craniana com lesão penetrante ou afundamento ou sinais de fratura da
base do crânio.
Hematoma volumoso do couro cabeludo ou mecanismo de lesão de alto impacto (atropelamento,
queda de altura ≥ 91 cm ou queda de bicicleta sem capacete).
Figura 6 Crianças com menos de 2 anos.

ECG: Escala de Coma de Glasgow; TC: tomografia computadorizada.

Figura 7 Crianças com 2 anos ou mais.

ECG: Escala de Coma de Glasgow; TC: tomografia computadorizada.

Traumatismo cranioencefálico moderado e grave


O manejo do TCE moderado e grave requer assistência em UTI e vigilância constante para
eventuais sinais de deterioração neurológica. Todos os pacientes graves (ECG < 9)
necessitam intubação orotraqueal e ventilação mecânica, sob sedação e analgesia. As
diretrizes de tratamento se baseiam nos “Guidelines for Management of Pediatric Severe
Traumatic Brain Injury, 3rd Edition: Update of the Brain Trauma Foundation Guidelines,
2019”. A recomendação divide as linhas de tratamento em terapias de primeira e segunda
linha.

Terapias de primeira linha


Cuidados básicos
Manter cabeceira elevada em 30°, sedação e analgesia com benzodiazepínicos e opioides,
minimizando estímulos externos; ventilação pulmonar mecânica (VPM) com PaO2 entre 90
e 100 mmHg e PaCO2 entre 35 e 40 mmHg.
Atentar para o controle direcionado de temperatura, com limite superior em 38°C. Garantir
também volume intravascular adequado através da monitoração da pressão venosa central
(PVC) e do débito urinário. Tratar anemia (manter Hb superior a 7,0 g/dL) e coagulopatias.
Indicar a nutrição enteral o mais precocemente possível, por sonda. Lembrar que na
suspeita de fratura na base do crânio está contraindicada a passagem de qualquer sonda
via nasal (risco de perfuração e alojamento no SNC).
Drogas antiepiléticas são recomendadas para os casos de crises convulsivas, epilepsia
prévia e lesão focal na TC, em especial a fenitoína e o levetiracetam.
Tratamento da herniação cerebral
Na presença de sinais de dilatação pupilar e/ou hipertensão/bradicardia e/ou postura flexora
ou extensora: hiperventilar com O2 a 100% até reverter dilatação pupilar, administrar
solução salina hipertônica (3%) ou manitol em bolus, contatar equipe de neurocirurgia e
realiar TC assim que possível.
Tratamento da HIC
A instalação de cateter subdural, intraparenquimatoso ou intraventricular para monitoração
da PIC é recomendada para os todos os casos graves. A PIC deve ser menor do que 20
mmHg, com a PPC em, no mínimo, 40 mmHg.
Aumentos maiores de 5 minutos na PIC devem receber solução salina hipertônica 3%, de 2
a 5 mL/kg, podendo ser mantida em infusão contínua, de acordo com a necessidade.
Atenção para valores de ureia, plaquetas e RNI que podem contraindicar essa terapêutica.
Manitol é a alternativa para tratamento hiperosmolar, na dose de 0,25 a 1 g/kg da solução a
20%, em bolus.
Se ainda assim os níveis da PIC se mantiverem elevados, devem-se otimizar as
terapêuticas de sedação e analgesia, bem como do bloqueio neuromuscular.
Terapias de segunda linha
Indicadas na resposta insatisfatória das medidas anteriores, elas incluem: tratamento
cirúrgico (remoção de lesão de massa e/ou craniectomia descompressiva), barbitúricos
contínuo (tiopental: 4 a 6 mg/kg dose de ataque; 1 a 5 mg/kg/h dose de manutenção),
hipotermia (32 a 33°C), hiperventilação e níveis elevados de terapia hiperosmolar.

Além disso, monitoração dos níveis de sódio e glicose também é fundamental, já que
hiperglicemia é frequente no TCE grave e está relacionada a um pior prognóstico. O
equilíbrio do sódio, por sua vez, pode alterar-se tanto por ocorrência de diabete insípido
quanto por secreção inapropriada do hormônio antidiurético.

PREVENÇÃO
Prevenção é a palavra-chave no adequado controle de acidentes na infância. Cabe ao
médico também atuar na educação da sociedade, sensibilizando a indústria e o governo
para medidas que efetivamente previnam acidentes ou que, pelo menos, garantam o dano
mínimo ao acidentado. Essas estratégias passam pelas chamadas prevenção primária
(evita o acidente: legislação, modificação do ambiente), secundária (minimiza a lesão:
capacetes, cintos de segurança, assento para automóvel) e terciária (boa assistência ao
acidentado: PALS, ATLS).

Por último, deve-se atentar sempre para a possibilidade de maus tratos na infância. A
clássica síndrome do bebê sacudido (shaken baby) ocorre por traumas repetidos de
aceleração e desaceleração da cabeça e caracteriza-se por ausência de sinais externos de
traumatismo com hemorragia subdural ou subaracnóidea bilateral e hemorragia retiniana.
Trata-se de realidade cruel cujo diagnóstico só é possível se o grau de suspeição for
elevado.

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POLITRAUMATISMO

INTRODUÇÃO Trauma é uma das causas mais importantes de morte entre a população
geral: é a principal causa de morte na faixa etária entre 1 e 18 anos e responsável por 80%
das mortes que ocorrem na adolescência. Em virtude de acometer principalmente os
indivíduos jovens, o trauma é responsável por uma maior perda de anos de vida produtiva
do que qualquer outra doença. Além disso, a morbidade na fase de pós-trauma é
significativamente importante, podendo o paciente tornar-se permanentemente incapaz,
desta forma demandando diversos recursos de saúde por tempo prolongado. Toda a equipe
que atende o traumatizado, tanto na fase pré-hospitalar quanto na hospitalar, deve
proteger-se de doenças contagiosas, particularmente das hepatites e do vírus da
imunodeficiência humana (HIV), por-tanto, recomenda-se o uso de máscara facial, óculos
para proteção ocular, avental e luvas.

Definição É o conjunto de lesões traumáticas simultâneas em diversas regiões


ou órgãos do corpo causado por um agente físico, de forma intencional ou acidental, em
que pelo menos uma das lesões possa causar risco de morte para o paciente.

ABORDAGEM INICIAL O atendimento inicial deve seguir a sequência do “ABCDE”, de


acordo com as normas do Surporte Avançado de Vida em Pediatria, da American Heart
Association.
A sequência do atendimento inicial ao traumatizado é denominada ABCDE, sendo:

• A: airways – vias aéreas (com proteção da coluna cervical);


• B: breathing – respiração e ventilação;
• C: circulation – circulação (com controle da hemorragia);
• D: disability – incapacidades, estado neurológico;
• E: exposure – exposição com controle do ambiente.

A: airways – vias aéreas (com proteção da coluna cervical) A criança apresenta diferenças
anatômicas, quando comparada ao adulto, que tornam mais difícil a manutenção das vias
aéreas permeáveis e a intubação traqueal, como:
• a cavidade oral é pequena, e a língua é grande em relação à orofaringe;
• o ângulo da mandíbula é maior;
• a epiglote tem mais forma de U que no adulto;
• a laringe está em posição mais cefálica;
• o anel cricoide é a parte mais estreita das vias aéreas em crianças abaixo de 10 anos de
idade;
• a traqueia é mais curta.
A manutenção da permeabilidade das vias aéreas é a primeira prioridade. O
posicionamento neutro da cabeça deve ser realizado sem hiperextensão do pescoço. A
imobilização com proteção da coluna cervical deverá ser feita com colar cervical semi rígido.
Se houver duas pessoas no atendimento, uma deverá estabilizar o pescoço, enquanto a
outra aborda a via aérea. Devem ser procuradas evidências de obstrução de vias aéreas,
como corpo estranho (vômito, próteses dentárias, sangue, dentes), fraturas e lesões de
face, laringe ou traquéia, além de queda da língua e edema de glote. O afastamento da
língua e a colocação de cânula de orofaríngea de Guedel devem ser feitos, se necessário.
Para abertura de vias aéreas, deve ser realizada apenas tração da mandíbula, mantendo a
coluna estável. Quando a vítima está inconsciente e a obstrução se deve à queda da
língua, deve-se elevar o mento (chin-lift) e anteriorizar a mandíbula (ja-wthrust); uma
alternativa é o uso da cânula orofaríngea de Guedel (apenas se o paciente estiver
inconsciente). Em determinadas circunstâncias, é obrigatório ter acesso definitivo, por
intubação traqueal ou cricotireoidostomia.

Indicações para intubação orotraqueal


• Parada cardiorrespiratória;
• falha dos outros métodos para manutenção das vias aéreas;
• falência respiratória;
• choque hemorrágico com necessidade de intervenção cirúrgica;
• coma; • traumatismo cranioencefálico com necessidade de hiperventilação
• deve ser utilizada a sequência rápida de intubação (Figura 1).

Indicações de cricotireoidostomia :
• Trauma facial grave;
• lesão instável da coluna cervical;
• falha em manter as vias aéreas por outros métodos;
• raramente indicada em lactentes e crianças pequenas.
B: breathing – respiração e ventilação
Deve-se avaliar a qualidade e a frequência dos movimentos respiratórios, a efetividade da
oxigenação e ventilação: ausência de cianose, FR elevada, expansibilidade simétrica e
SatO2 > 90%. Assegurada a permeabilidade das vias aéreas, torna-se fundamental garantir
que as trocas gasosas nos pulmões ocorram de forma a proporcionar a oxigenação do
sangue e a eliminação de gás carbônico. O suporte ventilatório mecânico deve ser iniciado
se houver sinais de falência respiratória. Uma situação que pode resultar em grave
insuficiência respiratória é o tórax instável, em razão das múltiplas fraturas de costelas que
comprometem a movimentação da caixa torácica. Esse diagnóstico pode ser feito
clinicamente por meio da observação da assincronia da expansibilidade pulmonar e com o
auxílio do exame radiológico, que evidencia múltiplas fraturas de costelas. A instabilidade
torácica, quando acompanhada de pneumotórax ou hemotórax, deve ser diagnosticada e
tratada imediatamente, já na avaliação primária, por intermédio da punção ou drenagem
torácica. Deve-se otimizar a ventilação com a introdução de sonda gástrica para aliviar
eventual distensão gástrica e reduzir o risco de vômitos e aspiração. Todo doente
traumatizado deve receber, em princípio, oxigênio suplementar por meio de máscara com
fluxo de 10 a 12 L/min. Monitorar o paciente por meio da oximetria de pulso e, quando
possível, pela capnometria.

C: circulation – circulação (com controle da hemorragia)


A hemorragia é a principal causa de morte evitável do doente traumatizado (em choque).
Deve-se pesquisar a presença de hipovolemia e, como prioridade, adotar medidas para a
estabilização hemodinâmica do paciente, além de obter dois acessos venosos por punção
com agulha calibrosa de veias dos membros superiores e retirar amostra de sangue para
tipagem e provas cruzadas. Nos casos de insucesso (três tentativas ou 90 segundos),
adquire-se intraóssea, cateter venoso central. Na reposição inicial, é recomendado o uso de
Ringer lactato aquecido, em volume de 20 mL/kg, ainda que se saiba que apenas 1/3 a 1/4
do volume permanecerá na circulação. A solução deve ser aquecida para evitar hipotermia,
a qual leva a coagulopatias no traumatizado. A transfusão de sangue deve ser usada
quando o choque persistir apesar de 40 a 60 mL/kg de cristaloides ou no caso de perda
sanguínea estimada superior a 25% da volemia. Utilizar 10 mL/kg de concentrado de
hemácias ou 20 mL/kg de sangue total tipo O negativo. Devem ser consideradas as
hemorragias ocultas dentro das cavidades torácica e abdominal e decorrentes de fraturas. A
pericardiocentese deve ser lembrada na presença de choque persistente (Tabela 3).

D: disability – incapacidade, estado neurológico


Esta etapa visa à avaliação rápida do estado neurológico do paciente. A forma mais efetiva
de definir o perfil das lesões é a tomografia de crânio. Determina-se o nível de consciência
analisando o tamanho das pupilas e a sua reação à luz, e a presença de sinais de
lateralização ou déficits, por meio da escala de coma de Glasgow (Tabela 4).
Todos os pacientes com escala de coma de Glasgow < 8 devem ser intubados. Deve-se
evitar drogas depressoras do SNC de ação prolongada.

E: exposure – exposição com controle do ambiente


Esta etapa consiste em uma avaliação completa e abrangente das condições do paciente;
evitar hipotermia, protegendo-o com cobertores ou dispositivos de aquecimento.
É necessário retirar as roupas do paciente para o exame completo: avaliação neurológica,
crânio, couro cabeludo, olhos, pupilas, fundo de olho, ouvidos, otoscopia, pescoço, tórax,
tecido subcutâneo, abdome, períneo, pelve, coluna, extremidades e pele. Como em todas
as etapas, deve-se sempre realizar reavaliações rápidas do ABC.

Monitoração
• Contínua: dados vitais, saturação de oxigênio, escala de coma de Glasgow,
sangramentos e diurese (sondagem vesical, exceto se hematúria – suspeita de transecção
de uretra ou fratura pélvica);

• programação de exames: sangue/tipagem (se não colhidos antes), urina e exames de


imagem, conforme achados clínicos e/ou mecanismo do trauma. Medidas auxiliares
• Monitoração eletrocardiográfica;
• introdução de sonda gástrica e vesical;
• monitoração de pulso, pressão arterial, frequência respiratória, temperatura e débito
urinário;
- radiografias;
• gasometria arterial.

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