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Arritmias são condições nas quais ocorre condução ou produção anormal do estímulo
elétrico cardíaco. Podem ser secundárias a alterações anatômicas ou funcionais
(congênitas ou adquiridas), a disfunção autonômica e toxicometabólicas1.
EPIDEMIOLOGIA
Estudos antigos observaram que crianças de todas as faixas etárias apresentam arritmia
sinusal ao serem monitoradas com Holter por 24 horas4-6. Isso decorre principalmente da
variação da frequência cardíaca (FC) associada ao ciclo respiratório (aumenta na inspiração
e diminui na expiração). Arritmia sinusal, ritmo ectópico atrial, marcapasso de demanda e
ritmo juncional são normais na pediatria e estão presentes em 15 a 25% das crianças.
Adolescentes entre 14 e 16 anos podem apresentar FC de até 30 bpm durante o sono.
Nessa mesma faixa etária, são relatadas extrassístoles ventriculares e as
supraventriculares em 41 e 44%, respectivamente, de pacientes hígidos em
acompanhamento ambulatorial3.
ELETROCARDIOGRAMA NORMAL
Princípios Elétricos
O ECG é a representação gráfica da atividade elétrica cardíaca captada por eletrodos
posicionados na superfície do tórax e dos membros.
A despolarização elétrica começa no nó sinusal, na junção da veia cava superior com o átrio
direito e avança através do tecido atrial até o nó atrioventricular (AV), formando a onda p de
despolarização atrial. No nó AV, se lentifica temporariamente (intervalo PR) e, então,
progride por vias rápidas, compostas pelo feixe de His e fibras de Purkinje para otimizar a
despolarização do miocárdio ventricular e gerar contração concomitante dos VE e VD
(complexo QRS). A repolarização atrial não é vista ao ECG por ocorrer simultaneamente ao
complexo QRS, já a repolarização ventricular é caracterizada pelo segmento ST e onda T
(Figura 25.1).
O estímulo elétrico faz com que o coração atue como uma bomba, contraindo e relaxando,
produzindo o ciclo cardíaco (sístole e diástole) e gerando o débito cardíaco.
Derivações
As derivações são linhas imaginárias que registram a diferença do potencial elétrico entre
dois pontos pela projeção dos vetores de despolarização nessas linhas. Para que os
traçados do ECG sejam comparáveis, os locais de colocação dos eletrodos e as derivações
formadas por eles são padronizadas como demonstrado nas Figuras 25.2 e 25.3.
Eixo Cardíaco
O eixo cardíaco representa a direção em que o vetor resultante da soma de todos os
vetores de despolarização cardíacos apresenta no plano frontal. O eixo cardíaco normal se
situa entre -30° e +90°, em razão da predominância do VE
ROTEIRO PARA AVALIAÇÃO DO ELETROCARDIOGRAMA EM CRIANÇAS
O ECG é registrado rotineiramente na amplitude (eixo vertical) de 10 mm = 1 mv e
velocidade padrão de 25 mm/segundo, em que 1 mm = 0,04 segundo, o seja, cada
quadrado pequeno tem 0,04 segundo e cada 1 quadrado grande (5 mm) = 0,2 segundo.
FC: para calcular a FC, dividir 60 pelo intervalo R-R em segundos ou 1.500 (equivalente a
60 segundos 0,04 segundos/mm) divididos pelo valor do intervalo R-R em mm.
Ritmo: quando o ciclo cardíaco se inicia no nó sinusal, cada QRS é precedido por uma onda
p que apresenta intervalo PR regular e é positiva em DI e positiva em aVF.
Onda P: a onda p normal em crianças deve ser < 0,1 segundo – o que equivale a 2,5 mm
(0,08 segundo pra lactentes), com amplitude de no máximo 0,3 mV (3 mm).
Intervalo PR e duração do QRS: não podem ultrapassar os valores normais para a idade,
apresentados da Tabela 25.1.
Intervalo PR: pode estar aumentado nos bloqueios AV e abreviado nas síndromes de pré-
excitação.
QRS alargado: pode ocorrer nos bloqueios de ramo, nas síndromes de pré-excitação,
quando o ritmo tem origem no ventrículo e nos casos de hipertrofia ou distúrbio de
condução dos ventrículos.
Morfologia do complexo QRS: a onda Q normal deve ter duração menor que 0,04 segundo
e profundidade menor que 5 mm (derivações precordiais) ou 8 mm (derivações frontais) nos
menores de 3 anos. Além disso, no QRS normal, avaliando-se as derivações V1 a V6,
percebe-se redução da onda R e aumento da onda S, representando a dominância do VD.
Em recém-nascidos e lactentes, pode haver predominância fisiológica do VD.
Intervalo QT: a avaliação do intervalo Qt deve ser realizada após o ajuste do Qt pela FC do
paciente (Qt corrigido): QTc = QT (segundo) medido/, sendo o intervalo RR utilizado aquele
entre o complexo QRS que está sendo estudado e o anterior. Valores ideais do Qtc estão
discriminados na Tabela 25.2.
Eixo cardíaco: para identificar o eixo cardíaco, avalia-se a direção do QRS nas derivações
DI e aVF (Tabela 25.3 e Figura 25.4).
Onda t: geralmente acompanha o QRS nas derivações precordiais. Pode haver inversão
das ondas t em V1 e V2 durante a infância, sem significar distúrbio de repolarização
ventricular. Ondas t apiculadas ou achatadas podem estar relacionadas a distúrbios
eletrolíticos.
Outros achados
Bradicardia Sinusal
Ocasionada pela frequência reduzida de despolarização do nó sinusal. Pode estar presente
em crianças saudáveis, atletas ou durante o sono. Como sempre, na frequência sinusal,
cada QRS é precedido por uma onda p e essa é positiva em DI e aVF.
BAV grau I
A alteração encontrada é um intervalo PR aumentado para a idade (Tabela 25.1), indicando
lentificação na condução pelo nó AV. As ondas p têm característica sinusal e cada onda p é
seguida por um complexo QRS (Figura 25.5).
BAV grau II
Ocorre o bloqueio de alguns impulsos atriais (presença de ondas p sem QRS associado).
Podem ser divididos em dois tipos: Mobitz I e II.
Causas: fármacos, aumento do estímulo vagal (SNP), IAM. Pode estar presente em
crianças saudáveis.
FIGURA 25.6 Bloqueio atrioventricular de 2º grau tipo Mobitz I evidenciando ocorrência de
fenômeno de Wenckebach12.
Causas: na maioria dos casos, representa doença cardíaca intrínseca. Podem estar
associados a cirurgias cardíacas e IAM.
As taquiarritmias se dividem entre aquelas que apresentam QRS estreito ou QRS alargado.
Apesar de a duração do QRS variar com a idade, por motivos práticos considera-se QRS
alargado aquele com duração maior que 0,09 segundo12.
Taquicardia sinusal
A taquicardia sinusal não é considerada uma taquiarritmia, mas sim uma resposta fisiológica
normal do coração. Consiste no aumento da frequência de despolarização do nó sinusal
para se adequar à maior demanda metabólica (aumento do DC e da oferta de O2) ou em
resposta a estímulos adrenérgicos. Entre os fatores causais estão dor, choro, febre,
exercício, choque, drogas, anemia, entre outros (Figura 25.9).
Flutter atrial
Ao contrário da fibrilação atrial (FA), o flutter é uma disritmia organizada e regular
decorrente de um circuito macrorreentrante. Apresenta ondas F, semelhantes a dentes de
serra, sem linha de base entre elas ao ECG. A frequência atrial se mantém em torno de 240
a 340 bpm e a condução AV é variável. Assim como na FA, no flutter os complexos QRS
geralmente têm morfologia normal (Figura 25.10).
Taquicardia supraventricular
É a taquiarritmia relacionada ao comprometimento hemodinâmico mais prevalente na
infância. Pode ocorrer por mecanismo de reentrada no nó AV, existência de via acessória,
flutter atrial e foco atrial ectópico.
A diferenciação entre TSV com complexo QRS largo e TV pode ser difícil na maioria dos
casos. A menos que a criança tenha história ou ECG anterior sugestivo de TSV com
condução aberrante, deve-se presumir que a taquicardia com complexo QRS largo se deve
à TV, em razão do maior risco.
Síndrome de Wolff-Parkinson-White
É a forma mais comum de pré-excitação ventricular. Eletrofisiologicamente caracteriza-se
por intervalo PR curto e onda delta, ambos decorrentes da presença de uma ou mais vias
anômalas que conectam os átrios aos ventrículos. Leva à taquicardia por reentrada AV13.
Torsades de Pointes
É uma forma de TV polimórfica na qual os QRS mudam de polaridade e amplitude,
parecendo girar em torno da linha de base do ECG. Está associada ao prolongamento do
intervalo Qt. Apresenta grande risco de se deteriorar em FV estando associada à morte
súbita (Figura 25.13).
TRATAMENTO
Na presença de qualquer alteração de ritmo ou FC, deve-se proceder imediatamente à
avaliação do paciente quanto a sinais de instabilidade hemodinâmica, sendo os principais:
Desconforto respiratório.
Colapso súbito.
Carga: inicia-se com 0,5 a 1 J/kg podendo ser aumentado para 2 J/kg se choque ineficaz.
Colocação de uma bolsa com água e gelo sobre a metade superior do rosto do bebê (sem
obstruir boca e nariz).
Crianças mais velhas: solicitar a realização de Valsalva (por exemplo, assoprar um canudo).
Potássio
O potássio tem um papel crucial para o funcionamento do coração, as concentrações
extracelulares são consideradas normais entre 3,5 e 5,1 mmol/L e são mantidas pela
eliminação renal e pelas atividades da bomba de Na-K-ATPase. Quando ocorre falha nos
mecanismos de compensação pode ocorrer hiper ou hipocalemia16.