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ELETROCARDIOGRAMA:
INTERPRETAÇÃO,
PRINCIPAIS ALTERAÇÕES E
USO NA PRÁTICA
AMBULATORIAL
PRINCIPAIS INDICAÇÕES
A principal indicação da realização do ECG é na avaliação diagnóstica do
paciente com cardiopatia conhecida ou suspeitada, ou com risco
cardiovascular elevado, seja na avaliação inicial, seja no acompanhamento,
com periodicidade variável, dependente da cardiopatia de base. Nesse caso,
o ECG é particularmente indicado quando aparecem novos sintomas, sinais
ou manifestações laboratoriais que sugiram o agravamento da doença ou o
aparecimento de complicações. Em algumas situações, quando a condição é
intermitente (p. ex., arritmias) ou de evolução aguda (p. ex., dor torácica), a
realização de apenas um ECG pode não ser suficiente para o diagnóstico, e
a repetição do exame pode ser necessária.
O método também pode ser utilizado na avaliação da resposta
terapêutica, quando a terapia prescrita produz alterações
eletrocardiográficas que se correlacionam com a resposta terapêutica ou a
progressão da doença, ou quando existem efeitos adversos que podem ser
preditos ou detectados pelo ECG. Nos indivíduos saudáveis, sem
cardiopatia diagnosticada ou suspeitada, existem menos motivos para a
realização do ECG, aumentando a possibilidade de encontrar achados sem
significado clínico, inespecíficos ou de curso benigno. A possível indicação
do ECG nos exames periódicos de saúde e na avaliação prévia à realização
de exercícios físicos é abordada em capítulos deste livro.
Este apêndice não tem o objetivo de descrever, de forma aprofundada, a
metodologia de interpretação do ECG nem discutir a fisiopatologia dos
critérios diagnósticos. Para esse fim, recomenda-se a leitura de textos
básicos de eletrocardiografia, referenciados nas Leituras Recomendadas.
Após uma breve revisão da sistematização da interpretação do ECG e das
principais alterações eletrocardiográficas, o capítulo aborda o uso da
eletrocardiografia em algumas condições clínicas comuns e os princípios de
utilização de dois métodos derivados do ECG: o teste de esforço e a
eletrocardiografia ambulatorial (Holter).
SISTEMATIZAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DO
ELETROCARDIOGRAMA
O registro eletrocardiográfico é feito em papel milimetrado, com linhas
mais espessas a cada 5 milímetros (mm), no qual o tempo está representado
no eixo horizontal, e a magnitude (voltagem) das ondas e deflexões, no eixo
vertical (FIGURA A1.3). A velocidade de registro padrão é de 25 mm/s, de
modo que cada 25 mm representam 1 segundo (s), ou 1.000 milissegundos
(ms). Assim, cada milímetro representa 1/25 de segundo, 0,04 s ou 40 ms.
A magnitude das deflexões é medida em milivolt (mV). O padrão normal
(N) é de 1 mV equivalendo a 10 mm, de modo que cada milímetro é igual a
0,1 mV. Sempre no início de cada traçado, registra-se uma onda de pulso
quadrada como a amplitude de 1 mV, para que o leitor do ECG possa ter
certeza de que o registro foi feito em padrão normal. Ocasionalmente, o
traçado pode ser registrado em padrão 2N (onda de pulso de 1 mV = 20
mm), quando as deflexões são de muito baixa amplitude, ou N/2 (onda de
pulso de 1 mV = 5 mm), quando a amplitude das ondas R e S é muito
grande; assim, para que as deflexões possam ser registradas, é preciso
diminuir o seu tamanho.
Õ
PRINCIPAIS ALTERAÇÕES
ELETROCARDIOGRÁFICAS
Sobrecargas
O reconhecimento eletrocardiográfico das sobrecargas atriais e
ventriculares auxilia no diagnóstico das doenças valvares, permite avaliar
repercussões cardíacas de doenças pulmonares e auxilia no reconhecimento
da HVE na hipertensão arterial, que tem valor prognóstico. Por serem
encontradas frequentemente na prática clínica, seu reconhecimento correto
propicia, em alguns casos, a extensão de propedêutica diagnóstica e, no
caso da hipertensão, o correto acompanhamento terapêutico. Os critérios
diagnósticos das sobrecargas atriais e ventriculares, assim como o
significado clínico de cada alteração, estão explicitados nas TABELAS
A1.3 e A1.4.2,3
TABELA A1.3 → Sobrecargas atriais e ventriculares: critérios diagnósticos e significado
clínico
ALTERAÇÃO CRITÉRIOS SIGNIFICADO CLÍNICO
DIAGNÓSTICOS
Bloqueios intraventriculares
Os distúrbios de condução intraventricular ocorrem por atraso ou bloqueio
no sistema de condução elétrica de His-Purkinje, gerando alterações na
duração e na morfologia do complexo QRS. Esses distúrbios podem ocorrer
por alterações diversas do ventrículo, como presença de fibrose ou
isquemia, adaptação a alterações valvares ou doenças congênitas. Enquanto
os bloqueios completos de ramo se caracterizam pela duração do QRS ≥
0,12 s, os bloqueios incompletos têm duração entre 0,11 (inclusive) e 0,12
s; já os hemibloqueios alteram primariamente o eixo elétrico no plano
frontal, desviando para a esquerda (hemibloqueio anterior esquerdo) ou
para a direita (hemibloqueio anterior direito).2 Os bloqueios de ramo
também podem ocorrer de forma intermitente, relacionados, em geral, com
o aumento da frequência ventricular e com a propagação do estímulo
durante a fase de refratariedade de algum componente do sistema de
condução.2
Os critérios diagnósticos desses bloqueios, assim como o significado
clínico de cada alteração, estão explicitados na TABELA A1.5.
TABELA A1.5 → Bloqueios intraventriculares: critérios diagnósticos e significado clínico
Bloqueio 1. QRS entre 110 e Considerada uma variante da HVE, indica atraso
incompleto de 119 ms na condução pelo ramo esquerdo; pode ocorrer
ramo esquerdo 2. Ausência de em todas as condições que produzem BRE ou
onda q em DI, V5 HVE
e V6
3. Tempo de
ativação
ventricular > 60
ms em V5 e V6
Bloqueio do 1. QRS < 120 ms Por ser um fascículo mais largo e estar exposto a
fascículo 2. Eixo do QRS menores pressões e turbulências em seu trajeto, a
posteroinferior entre 90 e 180 presença isolada de BFPI é rara
(BFPI) Pode estar associada à doença isquêmica, à
3. rS em aVL
esquerdo doença de Chagas, à miocardite, à hipercalemia e
4. qR em DIII e aVF
ao cor pulmonale agudo
Pré-excitação 1. PR < 120 ms Indica a existência de ativação ventricular por via
tipo WPW 2. Presença de anômala que conecta átrios e ventrículos
onda delta diretamente, sem o retardo da condução pelo nó
atrioventricular
3. QRS > 120 ms
4. Alterações Está associada a arritmias supraventriculares,
secundárias de como taquicardia supraventricular regular e
ST e T fibrilação atrial
Pacientes com pré-excitação tipo WPW
persistente ao ECG, mesmo assintomáticos,
devem ser referenciados a um cardiologista, para
a melhor estratificação de risco arritmogênico
Extrassístoles
As extrassístoles são batimentos cardíacos prematuros, gerados por
atividade elétrica anormal em átrios, no sistema de condução ou nos
ventrículos (FIGURA A1.8). As extrassístoles costumam ser classificadas
em supraventriculares, quando originadas nos átrios ou na junção AV, e
ventriculares, quando originadas nos ventrículos. Extrassístoles
supraventriculares geralmente se apresentam com o complexo QRS que é
similar ao QRS prévio, em geral estreito (< 0,12 s). Uma onda P prematura
e anormal (denominada P’) pode aparecer, sobretudo se a origem for atrial.
As extrassístoles ventriculares comumente se apresentam com QRS largo, >
0,12 s, e não são precedidas por ondas P’.
FIGURA A1.8 → Arritmias ao eletrocardiograma (ECG). Em A, extrassístole ventricular
isolada interpolada entre 2 batimentos sinusais, conduzidos com intervalo PR prolongado
(0,24 segundo [s]). Em B, fibrilação atrial, com ondas f irregulares com alta frequência e
intervalo RR variável. Em C, bloqueio atrioventricular avançado, com 3 ondas P
bloqueadas, seguidas por escape ventricular e retorno ao ritmo sinusal. Em D, bloqueio
atrioventricular total, com dissociação completa entre ritmos atrial e ventricular.
Taquicardias
Encontrar pacientes com FC > 100 bpm não é raro na prática médica,
inclusive em nível ambulatorial. O aspecto inicial mais importante da
avaliação desse tipo de paciente é a busca por critérios de instabilidade
clínica: hipotensão, dor torácica, dispneia intensa, rebaixamento do nível de
consciência. A presença desses marcadores indica a transferência imediata
do paciente para centro de urgência e a avaliação imediata de cardioversão
elétrica, caso o ECG confirme taquicardia não sinusal.
A maioria dos pacientes, entretanto, apresentará clínica mais insidiosa,
com queixas como dispneia aos esforços, palpitações e tontura. Alguns
pacientes estarão assintomáticos, apesar da taquicardia. A avaliação
eletrocardiográfica das taquicardias começa pela mensuração do QRS,
dividindo-as em dois grupos: taquicardias com QRS estreito (< 120 ms –
TABELA A1.6)2,4 e taquicardias com QRS largo (≥ 120 ms – TABELA
A1.7).
TABELA A1.6 → Taquicardias com QRS estreito: critérios diagnósticos e significado
clínico
TAQUICARDIAS DIAGNÓSTICO SIGNIFICADO CLÍNICO
Flutter atrial Taquicardia com O flutter atrial ocorre na grande maioria das
frequência atrial entre vezes em paciente com doença cardíaca
250 e 350 bpm; o ritmo estrutural ou pulmonar
costuma ser regular e O hipertireoidismo é outra causa que deve
não há linha isoelétrica, ser lembrada
com presença de A adenosina pode ser usada para aumentar
ondas bifásicas o grau de BAV, facilitando o diagnóstico
regulares entre os QRS (reduz a resposta ventricular e facilita a
(ondas F) visualização das ondas atriais)
Há BAV, em geral 2:1
A cardioversão química (sendo a amiodarona
(gerando FC em torno
o fármaco mais usado), quando indicada,
de 150 bpm); o BAV
apresenta baixa taxa de sucesso
pode ser, ainda, 3:1,
4:1, 3:2, etc.; O controle da resposta ventricular pode ser
raramente há condução feito com betabloqueador, bloqueador de
1:1, gerando canal de cálcio ou digitálico
taquicardia de alta
resposta ventricular e O flutter atrial confere risco de eventos
risco de degeneração tromboembólicos, motivo pelo qual se deve
para arritmias avaliar a anticoagulação do paciente
ventriculares
O ritmo cardíaco será
irregular quando o BAV
for variável
BAV, bloqueio atrioventricular; bpm, batimentos por minuto; FC, frequência cardíaca.
Fonte: Surawicz e colaboradores2 e Blomström-Lundqvist e colaboradores.4
TABELA A1.7 → Taquicardias com QRS largo: critérios diagnósticos e significado clínico
AV, atrioventricular; BRD, bloqueio de ramo direito; BRE, bloqueio de ramo esquerdo;
ECG, eletrocardiograma; FC, frequência cardíaca.
Bradicardias
Indivíduos normais podem apresentar FC ≤ 50 bpm. Esse achado é mais
frequente durante o sono e pode estar presente durante a vigília de maneira
contínua em idosos e atletas. Esses pacientes estarão, na maioria das vezes,
assintomáticos. Pacientes com bloqueios atrioventriculares (BAVs)
avançados e/ou FC muito baixa (especialmente ≤ 40 bpm) podem
apresentar sintomas, como dispneia, pré-síncope ou síncope.2 Quando esses
sintomas surgem de maneira abrupta e o ECG confirma bradicardia, deve-se
afastar síndromes isquêmicas (sobretudo infarto inferior) ou ação
medicamentosa (intoxicação digitálica, uso de betabloqueador, amiodarona,
etc.). Pacientes com bradicardia sintomática devem ser encaminhados para
serviço de urgência e avaliados quanto à indicação de implante de marca-
passo.
A descrição das principais formas de bradicardia, bem como o seu
significado clínico, é apresentada na TABELA A1.8.
TABELA A1.8 → Bradicardias: critérios diagnósticos e significado clínico
BRADIARRITMIAs CRITÉRIOS SIGNIFICADO CLÍNICO
ELETROCARDIOGRÁFICOS
O ELETROCARDIOGRAMA EM CONDIÇÕES
CLÍNICAS COMUNS
Síndromes isquêmicas
O ECG é exame fundamental na avaliação de paciente com suspeita clínica
de síndrome coronariana aguda (SCA) e deve ser realizado o mais breve
possível. Alterações eletrocardiográficas compatíveis com isquemia
miocárdica aguda são supra de ST, infra de ST, inversão da onda T,
pseudonormalização da onda T, novos bloqueios de ramo, etc.7 As
alterações do segmento ST apresentam maior especificidade para isquemia
aguda e necessitam de correta e rápida avaliação. Servem, ainda, para
dividir as SCAs em com ou sem supra de ST, implicando tratamentos
distintos.8,9 O critério diagnóstico para IAM com supra de ST é a presença
de supra de ST novo > 1 mm em duas derivações contíguas (FIGURA
A1.9), com as seguintes exceções:
FIGURA A1.9 → Eletrocardiograma (ECG) de infarto agudo do miocárdio com supra de ST
em parede anterior.
→ V2 e V3, em que o supra deve ser maior que 2,5 mm em homens com
idade < 40 anos; maior que 2 mm em homens com idade ≥ 40 anos; e
maior que 1,5 mm em mulheres;
→ V3R e V4R, em que o supra de ST deve ser maior que 1 mm em
homens com idade < 30 anos e maior que 0,5 mm em mulheres de
qualquer idade ou homens com idade ≥ 30 anos;
→ V7 e V8, em que o supra de ST deve ser maior que 0,5 mm.7
No IAM com supra de ST, o ECG serve para localizar a parede e, em
muitos casos, a artéria coronária envolvida (TABELA A1.9).7 Contudo, é
preciso lembrar que há várias outras condições capazes de gerar
supradesnivelamento do segmento ST e que, portanto, fazem parte do
diagnóstico diferencial (TABELA A1.10).10
TABELA A1.9 → Relação entre a parede miocárdica isquêmica, as derivações
eletrocardiográficas com supra do segmento ST e a artéria relacionada com o infarto