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O Traumatismo Cranioencefálico (TCE) é responsável por pelo menos 50% dos casos de morte associada ao trauma,
sendo ocorrência muito frequente em serviços que atendem politraumatizados. Análises estatísticas mostram que a
presença de TCE é o principal determinante isolado de mortalidade nestes pacientes.
A população jovem, com idade entre 15 e 24
anos, é o grupo mais acometido pelo TCE. O
sexo masculino supera o feminino em
incidência. Os traumas relacionados com
atividades de transporte (acidentes com
motocicletas, veículos automotores,
atropelamento) são as causas mais comuns
de TCE, representando mais da metade das
lesões graves (escala de coma de Glasgow 3
– 8) e dos óbitos. Outras causas de TCE em
nosso meio incluem as quedas (crianças e
idosos), violência interpessoal e trauma
associado a atividades esportivas e
recreacionais.
AVALIAÇÃO
A avaliação inicial do paciente com TCE deve também seguir o ABCDE do exame primário , dando prioridade à
manutenção de uma via aérea pérvia e à proteção da coluna cervical (10% dos pacientes com TCE possuem lesão
cervical), além de uma boa oxigenação. Qualquer alteração hemodinâmica deve ser corrigida. Uma boa oxigenação
associada à correção das perdas de volume são elementos de fundamental importância na prevenção das lesões
cerebrais secundárias, como veremos adiante.
O choque hipovolêmico nos pacientes com TCE não é decorrente de sangramento intracraniano. Após as medidas
iniciais, procede-se a um exame neurológico mínimo. Este visa estimar o nível de comprometimento das funções
neurológicas e permitir, através de reavaliações frequentes, intervenção neurocirúrgica o mais precoce possível.
O exame neurológico no paciente com trauma craniano consiste em:
1. Avaliação do nível de consciência: sua análise seriada e comparativa é fundamental no acompanhamento destes
pacientes. Utiliza- -se a escala de coma de Glasgow para uma avaliação quantitativa. Afastadas outras causas,
como intoxicação por drogas e álcool, a alteração do nível de consciência é sinal cardinal de lesão intracraniana.
2. Avaliação da função pupilar: são avaliados a simetria e o reflexo fotomotor. Qualquer assimetria maior que 1 mm
deve ser considerada indicativa de acometimento cerebral. Lesões expansivas cerebrais (hematomas) graves
levam ao aumento da pressão intracraniana e fazem com que a parte medial do lobo temporal, conhecido como
uncus, sofra herniação através da tenda do cerebelo e comprima o III par craniano (oculomotor) no mesencéfalo;
este fenômeno ocasiona midríase (e perda da resposta à luz) ipsilateral à lesão do III par e, portanto, ipsilateral à
lesão expansiva. Outro achado da herniação do uncus consiste no surgimento de déficit motor lateralizado,
contralateral à lesão expansiva, devido à compressão do trato corticoespinhal (primeiro neurônio motor) em
sua passagem no mesencéfalo; é sempre importante
lembrarmos que a via motora cruza (na decussação das
pirâmides) antes de descer na medula espinhal, o que
justifica a localização dessa hemiplegia. Em poucos casos, a
lesão de massa pode empurrar o lado oposto do
mesencéfalo contra a tenda do cerebelo, comprimindo a via
motora contralateral à lesão expansiva, fenômeno que
provoca hemiplegia no mesmo lado do hematoma; esta
condição é conhecida como síndrome de Kernohan. Nesses
casos, o III par contralateral a lesão expansiva não é
afetado.
3. Déficit motor lateralizado: deve ser observada a presença de assimetria nos movimentos voluntários ou
desencadeada por estímulos dolorosos, no caso dos pacientes comatosos.
Com base neste exame, podemos classificar como TCE grave o paciente que apresente qualquer um dos seguintes
achados: (1) pupilas assimétricas; (2) assimetria motora; (3) fratura aberta de crânio com perda de líquor ou exposição
de tecido cerebral; (4) escore de Glasgow menor ou igual a oito ou queda maior que três pontos na reavaliação
(independente do escore inicial); e (5) fratura de crânio com afundamento. Estes pacientes requerem atenção
imediata de um neurocirurgião e devem ser tratados em centros de Terapia Intensiva.
PROCEDIMENTOS DIAGNÓSTICOS
Tomografia Computadorizada (TC) de crânio de urgência deve ser realizada após a normalização hemodinâmica. O
exame deve ser repetido na presença de alterações neurológicas e, de forma rotineira, 12 e 24 horas após o trauma
nos casos de contusão ou hematoma à TC inicial.
Achados relevantes na TC incluem inchaço do couro cabeludo ou hematomas subgaleais na região do impacto.
As lesões de maior gravidade na TC incluem hematoma intracraniano, contusões e desvio da linha média (efeito de
massa). O septo pelúcido, que fica entre os dois ventrículos laterais, deve estar localizado na linha média. O desvio de
linha média é diagnosticado e quantificado pelo grau de afastamento do septo pelúcido contralateral ao hematoma e
o grau de desvio real usando uma escala impressa ao lado da imagem tomográfica. Um desvio de 5 mm ou mais é
frequentemente indicativo da necessidade de cirurgia para evacuar o coágulo ou contusão causadora do desvio.
A radiografia de crânio geralmente é prescindível, à exceção dos traumas penetrantes e em casos de suspeita de lesão
em osso temporal, nos quais a presença de um traço de fratura pode estar relacionada ao surgimento de hematoma
extradural. Em casos de trauma penetrante, geralmente o exame clínico e a inspeção da ferida fornecem informações
muito mais relevantes do que a radiografia de crânio.
Fraturas de Crânio
São frequentes, entretanto não estão relacionadas
obrigatoriamente com um quadro clínico adverso, ocorrendo
muitos casos de lesão cerebral grave em que não se observam
fraturas cranianas. O principal significado clínico das fraturas é
que este grupo de pacientes apresenta um risco maior de
hematomas intracranianos; este fenômeno leva alguns autores a
preconizar internação hospitalar mesmo de indivíduos pouco ou
assintomáticos.
Identificam-se quatro grupos de fraturas:
1. Fraturas lineares simples: não necessitam de tratamento cirúrgico, devendo-se apenas observar se a linha de
fratura cruza algum território vascular na radiografia de crânio, o que aumenta a probabilidade de hematomas
intracranianos.
2. Fraturas com afundamento: seu tratamento é dirigido para a lesão cerebral subjacente, havendo indicação de
fixação cirúrgica apenas nos casos em que a depressão supera a espessura da calota craniana, uma vez que
existe risco de sequelas neurológicas, como crises convulsivas.
3. Fraturas abertas: são aquelas em que há rompimento da dura-máter e comunicação entre o meio externo e o
parênquima cerebral. Necessitam de desbridamento e sutura das lacerações na dura-máter.
4. Fraturas da base do crânio: geralmente passam despercebidas no exame radiológico, sendo seu diagnóstico
clínico feito através da presença de fístula liquórica através do nariz (rinorreia) ou do ouvido (otorreia);
equimoses na região mastoidea ou pré-auricular (sinal de Battle); e equimoses periorbitárias (sinal do
guaxinim) que resultam de fraturas da lâmina crivosa. Podem ser observadas lesões do VII e VIII pares cranianos
provocando paralisia facial e perda da audição, respectivamente. As manifestações clínicas do envolvimentos dos
pares cranianos podem ocorrer logo após o trauma ou surgirem após alguns dias.
Lesões Focais
As lesões focais são restritas a uma determinada área do encéfalo; podem exercer efeito de massa, com desvio da
linha média, ou podem levar à hipertensão intracraniana, caso atinjam volume significativo. Como em muitos casos
o tratamento é cirúrgico, todos os esforços propedêuticos devem ser direcionados no diagnóstico precoce; em
pacientes graves, uma intervenção neurocirúrgica pode alterar a história natural do TCE.
As principais lesões focais incluem o hematoma subdural, o hematoma extradural (epidural) e o hematoma
intraparenquimatoso.
Hematoma Epidural.
O hematoma epidural é bem menos frequente que o subdural, ocorrendo em apenas 0,5 das vítimas de TCE que não
se encontram em coma, e em 9% daquelas em estado comatoso. Como o nome sugere, esta lesão representa sangue
no espaço compreendido entre a face interna da abóbada craniana e o folheto externo da dura-máter . O acúmulo de
sangue é decorrente de lesões dos ramos da artéria meníngea média que cruzam o osso temporal, onde estão
expostos ao trauma direto; em poucos casos, o hematoma resulta da lesão do seio venoso sagital, da veia
meníngea média e das veias diploicas.
Embora seja decorrente de trauma craniano grave, o hematoma epidural não costuma vir acompanhado de grande
dano ao córtex cerebral subjacente, complicação que ocorre com maior frequência no hematoma subdural agudo.
Devido a sua origem arterial frequente, o hematoma epidural é de instalação imediata. O aumento progressivo do
hematoma descola a dura-máter do osso, o que faz com que alcance grandes volumes em um breve intervalo de
tempo. O aumento da pressão intracraniana e a herniação do uncus são complicações temidas.
A perda inicial da consciência ocorre devido à concussão cerebral; após um tempo
inferior a seis horas, o paciente recobra a consciência, período conhecido como
intervalo lúcido; quando o sangue que está se acumulando no espaço epidural
atinge volume considerável, o doente apresenta piora neurológica súbita,
podendo evoluir com herniação do uncus (midríase homolateral à lesão e paresia
dos membros contralaterais ao hematoma).
Estudos recentes demonstraram que apenas 47% dos pacientes com hematoma
epidural que são tratados cirurgicamente apresentam em sua história intervalo
lúcido, o que pode dificultar o reconhecimento imediato desta condição.
A radiografia simples, ao contrário do que acontece no hematoma subdural, tem
valor. O achado de fratura de crânio que cruza o trajeto dos ramos da artéria
meníngea média ou dos seios sagitais pode ser de auxílio diagnóstico.
Assim como no hematoma subdural, a TC de crânio é o método diagnóstico de escolha. O hematoma caracteriza-se
por lesão hiperdensa, biconvexa na maioria dos casos. Outros achados que podem ou não estar presentes incluem
edema cerebral, desvios da linha média, apagamento das cisternas superficiais e apagamento das estruturas do
sistema ventricular.
As localizações temporal, temporoparietal e frontotemporoparietal são as mais frequentes.
O tratamento cirúrgico está indicado nos hematomas sintomáticos com pequenos desvios da linha média > 5 mm e
nos hematomas assintomáticos com espessura maior do que 15 mm. Uma craniotomia ampla frontotemporoparietal,
seguida de tratamento da lesão com remoção do hematoma e coagulação bipolar das áreas de hemorragia, é o
procedimento correto a ser empregado. A intervenção neurocirúrgica precoce (nas primeiras duas horas) melhora
muito o prognóstico do paciente, havendo em muitos casos (sobretudo crianças) completa recuperação da função
neurológica.
MORTE ENCEFÁLICA
Existem pré-requisitos que devemos observar antes de abrirmos um protocolo de ME e diagnosticarmos com certeza
esta condição:
1. A causa da ME deve ser determinada por exame neurológico ou por métodos de neuroimagem (RNM de crânio);
2. Devemos excluir desordens que possam prejudicar a interpretação de nosso exame clínico, como distúrbios
hidroeletrolíticos e acidobásicos;
3. Não deve haver suspeita de intoxicação por drogas, uso de
bloqueadores neuromusculares, emprego de drogas
neurodepressoras ou envenenamento;
4. A temperatura corpórea deve se encontrar > 36o; a
hipotermia pode prejudicar a interpretação dos achados
clínicos;
5. A pressão arterial deve estar dentro dos parâmetros da
normalidade.
A ME será determinada através de exames clínicos e
avaliações complementares durante intervalos de tempo
variáveis, de acordo com as faixas etárias (Tabelas 1 e 2).
O s p a r â m e t r o s c l
atividade motora supraespinhal e apneia. É importante lembrarmos que a presença de atividade infraespinhal não
afasta o diagnóstico de ME; movimentos originados da medula espinhal ou de nervo periférico podem estar presentes
em até 33 a 75% dos casos de ME. Sendo assim, um ou mais dos seguintes achados não livram o doente deste
diagnóstico sombrio: reflexos osteotendinosos profundos (bicipital, tricipital, aquileu, patelar etc.), reflexo cutâneo-
abdominal, reflexo cutâneo-plantar em extensão ou em flexão, reflexo cremastérico (superficial ou profundo),
ereção peniana reflexa, arrepio, reflexos flexores de retirada dos membros inferiores ou superiores, reflexo tônico-
cervical e fasciculações generalizadas.
Durante o exame clínico, determinados parâmetros neurológicos devem obrigatoriamente estar presentes: pupilas
fixas e não reativas, ausência de reflexo córneo-palpebral, ausência de reflexos oculocefálicos, ausência de reflexo da
tosse mediante aspiração traqueal e ausência de resposta à prova calórica.
O Teste de Apneia (TA) deve ser realizado após a identificação de todos os critérios clínicos de ME, já descritos acima .
Uma temperatura corpórea > 36o C, pressão arterial sistólica > 100 mmHg, eucapnia (PaCO2 35 a 45 mmHg), ausência
de hipóxia e estado euvolêmico são pré-requisitos para que o TA possa ser recomendado. O TA é realizado da
seguinte forma: ventilamos o paciente com O2 a 100% durante 10 minutos; este, em seguida, é desconectado do
respirador mecânico e lhe é instalado cateter traqueal de O2 a um fluxo de 6 litros por minuto. A administração de
oxigênio é mandatória, uma vez que a desconexão do respirador leva à profunda hipoxemia somada a instabilidade
hemodinâmica. A ausência de movimentos respiratórios por 10 minutos ou até quando a PaCO2 alcançar 55 mmHg,
nos indica um teste positivo, ou seja, não há integridade da região ponto-bulbar.
Os exames recomendados podem identificar ausência de atividade elétrica cerebral, ausência de atividade metabólica
cerebral ou ausência de fluxo sanguíneo cerebral.