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INJÚRIA RENAL AGUDA

 Um quadro de insuficiência renal é dito agudo (IRA) quando sua evolução é rápida, ao longo de horas ou dias . Na
maioria das vezes este é um diagnóstico puramente laboratorial, feito pelo reconhecimento da elevação da ureia e
creatinina plasmáticas (azotemia), na ausência de sintomas. Contudo, quando a disfunção renal for grave (Crpl > 4,0
mg/dl, geralmente com TFG < 15-30 ml/min), os sinais e sintomas da síndrome urêmica já podem aparecer.
 Por definição, Insuficiência Renal é a queda na taxa de filtração glomerular (TFG). Entretanto, a azotemia (Crpl > 1,5
mg/dl em homens e > 1,3 mg/dl em mulheres) costuma aparecer somente quando a TFG está pelo menos 50%
abaixo do valor normal. Logo, podemos deduzir que mesmo um paciente SEM AZOTEMIA já pode apresentar perda
significativa da função renal (veremos isso com calma adiante).
 Uma das definições mais utilizadas na atualidade é aquela
proposta pela KDIGO– Tabela 1.
 IRA pode ser dividida em 3 subtipos, de acordo com o débito
urinário:
o IRA oligúrica: débito urinário for inferior a 500 ml/24h
o IRA não oligúrica: diurese maior que 400-500 ml/24h;
o IRA anúrica: débitos urinários inferiores a 50 ml/24h ou
100 ml/24h
 O fato é que mais de 50% das IRA cursa com a forma não-
oligúrica, com volume urinário normal em torno de 1 a 2 L/dia!
Eventualmente, um débito urinário acima do normal (poliúria =
mais de 3 L/dia), pode ser observado em pacientes com injúria
renal aguda.
 A ocorrência de injúria renal aguda (em qualquer grau) está
associada a um importante aumento da morbimortalidade intra-
hospitalar. Dependendo do contexto clínico (ex.: idade avançada,
presença de outras disfunções orgânicas) a mortalidade da IRA
pode variar entre 30-86%.

AS FUNÇÕES DO RIM
 Para definir e compreender a injúria renal é fundamental um
entendimento preciso das funções do rim. Das três principais,
duas podem ameaçar a vida de maneira imediata se forem
perdidas. São elas: (1) função de filtro, ou função excretória, e (2)
regulação do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido básico. A terceira
função renal é a função endócrina, mediada basicamente através
da produção de dois hormônios principais: a eritropoietina e o
calcitriol (forma ativa da vitamina D).

1- A Função de Filtro: Excreção de Toxinas


 O rim tem a função de eliminar do organismo a maior parte das substâncias tóxicas derivadas do metabolismo. As
principais toxinas, formadas diariamente, são derivadas do metabolismo proteico. Essas substâncias contêm
nitrogênio em suas moléculas, pois se originam da quebra dos aminoácidos, e por isso são chamadas de “escórias
nitrogenadas”, ou “compostos azotêmicos” (“azoto” = “nitrogênio”).
 Algumas dessas toxinas têm demonstrado toxicidade in vitro e in vivo, tais como os compostos guanidínicos derivados
da arginina, as aminas alifáticas ou aromáticas (derivadas do triptofano), os fenóis, os indóis, entre outros... A ureia,
quando em concentrações muito elevadas (> 380 mg/dl), também apresenta efeitos tóxicos, como anorexia, náuseas,
vômitos e sangramento.
 Azotemia é o aumento das “escórias nitrogenadas”, detectado pela elevação de ureia e creatinina no sangue –
diversas outras substâncias nitrogenadas, que também se elevam nos quadros azotêmicos, não são habitualmente
mensuradas.
 Uremia é um termo sindrômico (síndrome urêmica), e faz referência aos sinais e sintomas que resultam da injúria
renal grave – não deve ser usado para indicar o aumento da ureia! A uremia costuma ocorrer com TFG < 15-30
ml/min.
 A Taxa de Filtração Glomerular (TFG) é o parâmetro que quantifica a função renal. Seu valor normal depende da
idade, do sexo e do tamanho do indivíduo, mas gira em torno de 120 ml/min.
 A síndrome urêmica costuma ocorrer com uma Taxa de Filtração Glomerular (TGF) abaixo de 15-30 ml/min, o que
corresponde, em geral, a uma concentração sérica de ureia e creatinina acima de 120 mg/dl e 4,0 mg/dl,
respectivamente, em um homem de 40 anos pesando 70 kg.
 Os principais métodos de avaliação da função renal são: (1) ureia sérica; (2) creatinina sérica; (3) clearance de
creatinina, que pode ser diretamente medido (urina de 24h), ou estimado através de fórmulas matemáticas; (4)
clearence de radiotraçadores e (5) clearance de inulina.
 Ureia sérica: A ureia é formada no fígado a partir da molécula de amônia (NH3 ), esta última produzida pelo
metabolismo proteico endógeno e pelas bactérias da microbiota intestinal. A ureia só consegue produzir efeitos
adversos quando em concentrações muito elevadas (> 380 mg/dl), afetando o trato gastrointestinal (anorexia,
náuseas e vômitos) e a hemostasia primária (disfunção das plaquetas). Como a ureia é eliminada quase que
exclusivamente pelo rim e é de fácil dosagem, podemos utilizar seus níveis séricos para uma estimativa grosseira da
função excretória renal. De uma forma geral, os níveis de ureia se elevam acima dos valores de referência quando a
TFG está menor que 50 ml/min. O valor normal da ureia é 20-40 mg/dl. Outras causas que elevam a ureia:
hipovolemia, hemorragia digestiva alta, sepse, uso de corticoides, aumento do catabolismo proteico.
 Creatinina sérica: É uma substância atóxica produzida pelo tecido
muscular, derivada da creatina, molécula armazenadora de
energia no miócito. Possui algumas vantagens em relação à ureia
como medida da função excretória renal: a) sua produção diária é
relativamente constante, desde que o peso e a dieta também se
mantenham estáveis; b) ao contrário do que ocorre com a ureia, a
creatinina não é reabsorvida pelo túbulo. Os níveis normais de
creatinina dependem da massa muscular e da ingesta de carne, o
que provavelmente justifica suas variações étnicas, etárias, de
gênero e geográficas (Tabela 4). Em um indivíduo musculoso, uma
creatinina de 1,2 mg/dl pode ser normal, enquanto em um
desnutrido magro esse valor já pode indicar injúria renal grave... O
valor normal da creatinina é Homens < 1,5 mg/dl e Mulheres < 1,3
mg/dl. A grande desvantagem da creatinina sérica como marcador
de função renal é que, para que seus níveis ultrapassem o limite
superior da normalidade, pode ser necessária uma queda relativamente acentuada da TFG, às vezes para menos de
50% do normal... Veja bem: a creatinina sérica é inversamente proporcional à TFG. Se a TFG diminui para a metade, a
creatinina sérica tem que aumentar o dobro. Neste caso, se, por exemplo, o nível de creatinina basal for de 0,6 mg/dl
(paciente magro), o aumento será para 1,2 mg/dl, ainda dentro dos valores de referência. Portanto, os estágios
iniciais da disfunção renal podem não ser detectados pela dosagem de creatinina sérica. Lembre-se que na
rabdomiólise a creatinina pode estar desproporcionalmente alta em relação ao grau de injúria renal, por aumento de
sua liberação a partir do músculo lesado! Além de que alguns medicamentos causam sua elevação.
 Clearance de Creatinina: clearance de creatinina (ClCr) é uma
razoável estimativa da TFG, apesar de superestimá-la um pouco
(costuma ser 10-15% maior que a TFG real). O valor normal do
clearance de creatinina é de 91-130 ml/min. O motivo da
discreta superestimativa da TFG pelo Clcr é o fato de cerca de
10-15% da creatinina ser eliminada por secreção tubular, e não
pela filtração glomerular. Como medir o ClCr na prática médica?
O paciente deve coletar toda a urina durante 24h e levá-la ao
laboratório. Determina-se a concentração urinária de creatinina
(Cru ) e o volume urinário em 24h (V, em ml). Sabendo- -se a
concentração de creatinina sérica (Cr) , calcula-se o clearance de
creatinina (ClCr) pela fórmula a seguir: . O clearance de
creatinina é o exame mais utilizado para diagnosticar o estágio
inicial da injúria renal, particularmente quando a creatinina
sérica ainda não se elevou acima dos valores de referência (não
há azotemia). Tais fórmulas nos dão um ótimo exemplo de como
a concentração sérica de creatinina deve sempre ser
interpretada à luz de outras variáveis clínicas (idade, sexo, peso). Como você acabou de ver, um mesmo valor de
creatinina (1,2 mg/dl) corresponde a uma função renal reduzida numa senhora de 70 anos pesando 60 kg, mas se
relaciona a uma função renal normal em um homem jovem com 70 kg. MAS AGORA CUIDADO: as fórmulas de
Cockroft-Gault e MDRD não devem ser usadas nos casos de injúria renal aguda!!! Elas foram desenvolvidas
somente para pacientes com função renal estável... Na IRA, a creatinina sérica leva de 48-72h para se elevar por
completo após uma queda na TFG. Desse modo, estimar o clearance de creatinina através de fórmulas, num
momento em que a creatinina sérica ainda não tenha atingido seu valor máximo, inevitavelmente resulta numa
superestimativa da TFG.

2- Regulação Hidroeletrolítica e Acidobásica


 Os níveis séricos de potássio, sódio, a osmolaridade e o pH extracelular necessitam de uma precisa regulação renal.
Este controle é feito através da reabsorção e secreção tubular, porém, depende de uma filtração glomerular mínima
para garantir a eliminação dos eletrólitos administrados e do H+ produzido. Por esta razão, a injúria renal leva a uma
série de distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos, tais como hipervolemia, hipercalemia, hiponatremia, acidose
metabólica, hipocalcemia, hiperfosfatemia e hipermagnesemia.

ETIOPATOGENIA
 A injúria renal aguda pode ser causada por três mecanismos básicos: hipofluxo renal (azotemia pré-renal); lesão no
próprio parênquima renal (azotemia renal intrínseca) e obstrução do sistema uroexcretor (azotemia pós-renal).
 A causa de azotemia renal intrínseca mais comum é a NTA (Necrose Tubular Aguda), responsável por cerca de 90%
dos casos neste grupo etiopatogênico. Mas considerando todos os mecanismos, o mais comum parece ser o pré-renal,
e o menos comum, o pós-renal. Pré-renal (hipofluxo) – 55-60%, intrínseca NTA (Necrose Tubular Aguda) – 35-40% e
Pós-renal (obstrutiva) – 5-10%.

1- Azotemia Pré-Renal
 Azotemia pré-renal é a elevação das “escórias nitrogenadas” causada pela redução do fluxo sanguíneo renal. É o tipo
mais comum de injúria renal aguda (55-60% dos casos). Caracteriza-se clinicamente pela reversibilidade, uma vez
restaurado o fluxo renal.
 As principais causas são: hipovolemia; estados de choque; insuficiência cardíaca; cirrose hepática com ascite. O que
todas estas entidades possuem em comum é a queda do chamado volume circulante efetivo, ou seja, aquele que
preenche o leito arterial e perfunde nossos órgãos.
 Fisiopatologia: decorrente da autorregulação do fluxo renal e da filtração glomerular. Quando a Pressão Arterial
Média (PAM) cai, as arteríolas aferentes vasodilatam, reduzindo a resistência vascular do rim, evitando o hipofluxo
renal. Em condições normais, o fluxo sanguíneo renal é preservado até uma PA sistólica de 80 mmHg. Caso a pressão
caia abaixo desse limite, a autorregulação não será mais capaz de evitar o hipofluxo, pois as arteríolas já estarão em
seu máximo de vasodilatação! O mecanismo de vasodilatação aferente depende de dois fatores: (1) estímulo direto
de barorreceptores de estiramento da própria musculatura lisa arteriolar (reflexo miogênico) e (2) liberação
intrarrenal de vasodilatadores endógenos (prostaglandina E2, sistema calicreína-cinina, óxido nítrico) que agem
predominantemente na arteríola aferente. A TFG ainda pode ser regulada de forma independente do fluxo renal,
por ação da angiotensina II, um potente vasoconstrictor da arteríola eferente. Ao agir sobre esta arteríola, a
angiotensina II promove um aumento da pressão de filtração glomerular, contribuindo para a manutenção da TFG.
Os AINE (inibidores da formação de prostaglandinas), os inibidores da ECA e os antagonistas do receptor de
angiotensina II prejudicam a autorregulação do fluxo renal e da TFG! Estes fármacos podem precipitar azotemia pré-
renal em pacientes com baixo fluxo renal, como aqueles com hipovolemia moderada a grave, ICC descompensada,
nefropatia crônica ou estenose bilateral de artéria renal. A redução do volume circulante efetivo é um forte estímulo
para a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, do sistema adrenérgico e para a liberação de ADH
(vasopressina). A angiotensina II, as catecolaminas e a vasopressina promovem vasoconstricção periférica de modo a
desviar o fluxo sanguíneo para os órgãos “nobres”. Quando o estímulo é intenso, a vasoconstricção acomete também
os vasos renais, contribuindo para a azotemia pré-renal. O uso de drogas com efeito vasoconstrictor renal, tais como a
noradrenalina, adrenalina, dopamina (em dose alfa), ergotamina, ciclosporina e contraste iodado, pode também
precipitar uma azotemia pré-renal. Na tentativa de conservação hidrossalina, a angiotensina II aumenta a reabsorção
de sódio e água pelo néfron proximal, enquanto a aldosterona aumenta a reabsorção de sódio e água no néfron
distal. A vasopressina aumenta a reabsorção de água livre no néfron distal. Resultado final: oligúria, urina
hiperconcentrada e pobre em sódio.
 Etiologia:
o Redução do volume circulante efetivo: é a causa mais comum. Pode ser devida à hemorragia externa ou
interna, diarreia, vômitos, fístulas digestivas, poliúria, sudorese intensa ou perda para o terceiro espaço
(retroperitônio – pancreatite; peritônio – ascite; luz intestinal – obstrução intestinal aguda, isquemia
intestinal, íleo paralítico; tecido muscular – rabdomiólise).
o Estado de choque: é acompanhado pela redução generalizada do fluxo orgânico. Um dos órgãos mais
afetados é o rim. Os choques hipovolêmicos, cardiogênico, séptico e obstrutivo são os tipos descritos.
o Insuficiência cardíaca descompensada: pode causar redução importante do fluxo renal, pelo baixo débito
cardíaco. Na insuficiência cardíaca, a ativação do sistema renina-angiotensina- -aldosterona promove
retenção hidrossalina que inicialmente é benéfica, por aumentar o retorno venoso e manter, até certo ponto,
um débito cardíaco satisfatório. Contudo, no estado mais avançado da cardiopatia, a retenção de sódio e
água pelo rim torna-se excessiva, sobrecarregando o ventrículo doente e levando a congestão pulmonar e
sistêmica.
o Cirrose hepática com ascite: é um estado de hipovolemia relativa, pois estes pacientes apresentam uma
intensa vasodilatação esplâncnica, reduzindo a quantidade de fluido no leito arterial.
o Nefropatia isquêmica: é uma situação especial de azotemia pré-renal. Ocorre na estenose bilateral de artéria
renal (ou estenose arterial em rim único). Geralmente são pacientes previamente hipertensos e com
aterosclerose em vários territórios vasculares. O mecanismo da isquemia aguda pode ser trombose sobre a
placa de ateroma, hipovolemia ou uso de inibidores da ECA/ AINE em pacientes com estenose bilateral grave.
No caso dos inibidores da ECA e AINE, a IRA geralmente é reversível após a retirada da droga.
o Síndrome Hepatorrenal: é uma forma peculiar de IRA pré-renal que acomete cerca de 20-40% dos portadores
de cirrose hepática avançada, mas também pode surgir no contexto da insuficiência hepática fulminante
(particularmente na hepatite alcoólica). Apesar de ser uma IRA “pré-renal”, a SHR não pode ser resolvida
apenas com a normalização da volemia. Em termos histológicos, caracteriza-se pela ausência de alterações
estruturais no parênquima renal, sendo o mecanismo da IRA uma intensa vasoconstrição nas artérias e
arteríolas pré-glomerulares (isquemia do córtex), o que configura um tipo de IRA “funcional”
potencialmente reversível. Acontece que essa reversibilidade depende única e exclusivamente da
normalização da função hepática, seja de maneira espontânea (ex.: cura da hepatite aguda), ou após
transplante de fígado (ex.: cirrose avançada). Mas por qual motivo ocorre essa vasoconstrição renal tão
intensa? A SHR representa na verdade o evento terminal de um continuum de alterações hemodinâmicas
induzidas pela disfunção hepática! Nas fases iniciais de qualquer hepatopatia grave podemos notar uma
progressiva VASODILATAÇÃO ESPLÂNCNICA, cuja principal consequência é a redução da resistência vascular
sistêmica (tendência à hipotensão). Todavia, inicialmente não ocorre hipotensão arterial, pois o volume
circulante efetivo consegue ser mantido à custa de aumentos no débito cardíaco, na vasoconstrição periférica
(desvio de sangue de órgãos “menos nobres”, como pele e musculatura esquelética) e retenção renal de
sódio e água. Tais respostas são mediadas pela ativação de dois importantes sistemas: (1) adrenérgico e (2)
renina-angiotensina-aldosterona. Tanto a queda inexorável do volume circulante efetivo (por “roubo” da
circulação esplâncnica), quanto os fenômenos compensatórios exageradamente intensos (causando
vasoconstrição renal) levam a uma profunda redução na taxa de filtração glomerular e no ritmo de
produção de urina, o que resulta em oligúria (débito urinário < 500 ml/dia ou < 400 ml/dia, dependendo da
referência) e azotemia (Cr > 1,5 mg/dl), ou seja, um
quadro de injúria renal grave!!! Mas o que explica a
vasodilatação esplâncnica? Tudo leva a crer que a
vasodilatação no território esplâncnico é secundária ao
fenômeno da translocação bacteriana, isto é, bactérias
presentes no lúmen intestinal conseguem ultrapassar a
mucosa (danificada pela hipertensão porta) e alcançar
os linfonodos mesentéricos. Neste local, leucócitos
mononucleares iniciam a produção de citocinas pró-
inflamatórias – como TNF-alfa e IL-6 – induzindo
hipersecreção pelo endotélio de mediadores como
óxido nítrico, monóxido de carbono e canabinoides
endógenos, que promovem vasodilatação local e
“roubo de sangue” para a circulação esplâncnica! um
dos principais deflagradores da SHR tipo 1 é a
Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE), na vigência de
uma infecção grave (como a PBE), o cirrótico tem
grande chance de desenvolver injúria renal aguda.
Como a PBE é um “deflagrador” da SHR, mesmo após a cura dessa infecção o doente pode permanecer com
oligúria e piora progressiva da azotemia, quando então teremos certeza de que ele realmente entrou em
SHR.

2 - Azotemia Renal Intrínseca


 A azotemia renal intrínseca, ou IRA por lesão intrínseca, é a disfunção renal aguda causada por lesão no próprio
parênquima renal. É responsável por 35-40% dos casos de injúria renal aguda.
 Pode cursar com oligúria (necrose tubular aguda isquêmica, rabdomiólise, glomerulonefrites ou nefropatias
microvasculares), anúria (necrose cortical aguda, algumas glomerulonefrites) ou não oligúria/poliúria (necrose tubular
aguda por aminoglicosídeos).
 A injúria renal aguda por lesão renal intrínseca é uma entidade comum entre os pacientes com patologias graves
internados em CTI. Enquanto o comprometimento glomerular (glomerulopatias) predomina entre as causas de lesão
renal intrínseca crônica, a causa mais comum de lesão renal intrínseca aguda é o comprometimento tubular! O tipo
mais comum de IRA intrínseca é a Necrose Tubular Aguda (NTA) – descrita no Volume II – que responde por cerca de
90% dos casos. A Tabela 6 mostra as principais causas de injúria renal aguda intrínseca.
o Necrose Tubular Aguda Isquêmica: A Necrose Tubular Aguda (NTA) isquêmica é uma causa frequente de IRA
oligúrica em pacientes internados, especialmente na UTI. Em geral são pacientes em estado crítico (choque,
sepse, pancreatite aguda necrosante, politrauma, grande queimado, pós-operatório). As cirurgias mais
associadas à NTA isquêmica são: (1) cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea > 2h; (2) correção de
aneurisma de aorta abdominal com clampeamento aórtico acima das renais > 60min; e (3) cirurgia biliar em
pacientes ictéricos. O sistema tubular é mais sensível à lesão isquêmica ou hipóxica do que o glomérulo, pois
(1) tem um gasto energético maior e (2) recebe menor vascularização. A parte reta do túbulo proximal e a
porção ascendente espessa da alça de Henle são especialmente suscetíveis (são os segmentos que gastam
mais energia). No caso da sepse, o principal mecanismo
é a combinação de vasoconstricção renal +
vasodilatação sistêmica, com a endotoxina também
exercendo um efeito tóxico direto sobre os túbulos
renais. A NTA isquêmica, na verdade, faz parte de um
continuum: o paciente com isquemia renal evolui de
imediato com azotemia pré-renal. Se esta não for
corrigida precocemente (ex.: reposição de fluidos), a
tendência será a evolução para NTA isquêmica. Se isso
acontecer, a azotemia e a oligúria não mais responderão
à reposição volêmica! Por que a NTA cursa com IRA
(queda na TFG)? (1) feedback tubuloglomerular – a
mácula densa recebe mais sódio e cloreto, pela menor
reabsorção no túbulo proximal, o que induz
vasoconstrição da arteríola aferente; (2) obstrução do
sistema tubular por plugs epiteliais; (3) vazamento de
escórias nitrogenadas pela parede tubular desnuda, com
retorno das mesmas ao plasma. A lesão do epitélio
tubular prejudica a reabsorção, levando à formação de
uma urina rica em sódio e água (diluída). As células
epiteliais se desprendem para o lúmen, aderindo-se à
proteína de Tamm-Horsefall e formando os cilindros
epiteliais. Ao se degenerarem, tais células acumulam
pigmentos, formando cilindros granulosos pigmentares
(“cilindros marrons”). O prognóstico da NTA isquêmica é
ruim... O paciente não morre da IRA (pois deverá ser dialisado), e sim da disfunção orgânica múltipla
subjacente! Quando o paciente sobrevive à fase aguda, a evolução natural é a regeneração do epitélio
tubular dentro de 7-21 dias, sobrevindo uma fase poliúrica e paulatina recuperação da TFG.
o Rabdomiólise: Rabdomiólise significa lesão muscular extensa, liberando na circulação enzimas musculares
(CPK, TGO, LDH, aldolase), eletrólitos (potássio, fosfato), ácidos (ácido lático) e pigmentos (mioglobina). As
causas mais comuns de rabdomiólise são: trauma (especialmente o esmagamento muscular), isquemia
muscular (síndrome compartimental e da reperfusão muscular), imobilização prolongada, grande mal
epiléptico, hipertermia maligna, exercício físico extenuante, hipocalemia ou hipofosfatemia graves, infecções
(influenza, tétano), intoxicações (etanol, cocaína, anfetamina, ecstasy) e envenenamentos (Crotalus sp. –
cobra cascavel). A grande quantidade de mioglobina liberada pelo tecido muscular lesado é filtrada pelo
glomérulo e alcança os túbulos. Com um baixo fluxo tubular (componente pré-renal associado: sequestro de
líquidos no “terceiro espaço” – tecido muscular lesado), a concentração deste pigmento no lúmen torna-se
muito alta, podendo, então, promover NTA. O grupamento heme contido na mioglobina é o grande pivô da
lesão celular (por causar estresse oxidativo)... Além de lesar diretamente os túbulos renais, a mioglobina
também possui efeito vasoconstrictor, por depletar o óxido nítrico intrarrenal. O diagnóstico é dado pela
história clínica, pela elevação das enzimas musculares e pela mioglobinúria no EAS. Nas primeiras 24-48h a
diurese do paciente deve ser forçada por uma vigorosa hidratação com salina isotônica (SF 0,9%). Quando o
débito urinário chega a 3 ml/kg/h (cerca de 200 ml/h), a maioria dos autores recomenda administrar manitol
e bicarbonato de sódio com salina 0,45%. O manitol mantém um alto fluxo tubular, lavando a mioglobina, e
reduz o edema do epitélio tubular e o sequestro de líquidos no músculo lesado. Acredita-se que o manitol
também possua efeito antioxidante direto (neutraliza radicais livres). O bicarbonato de sódio serve para
alcalinizar a urina, reduzindo a toxicidade da mioglobina e impedindo a formação de cilindros com a proteína
de Tamm-Horsfall... Tais medidas visam prevenir ou reverter as fases precoces da NTA! Surgindo oligúria
refratária, deve-se realizar hemodiálise de urgência!!!
o Nefrotoxicidade por Aminoglicosídeos (gentamicina, amicacina, estreptomicina e tobramicina): De todos os
medicamentos nefrotóxicos, este é o grupo responsável pelo maior número de casos de NTA. Hipovolemia,
ICC, idade avançada e nefropatia crônica são os principais fatores de risco. Estas drogas, quando
administradas em doses elevadas, mais de uma vez ao dia e por um período > 10 dias, são altamente
nefrotóxicas. O fármaco é endocitado pelas células do túbulo proximal, promovendo injúria celular direta.
Como o principal defeito está na reabsorção tubular, a IRA geralmente é não oligúrica. A NTA por
aminoglicosídeos é uma das causas de IRA associada à hipocalemia e hipomagnesemia. A perda de potássio
ocorre por lesão tubular proximal, enquanto a perda de magnésio se dá por lesão da alça de Henle . A
bioquímica urinária é típica de NTA (rica em sódio e água). Aqui é importante o entendimento do seguinte
aspecto: como é possível insuficiência renal sem oligúria? Por definição, na insuficiência renal há redução
significativa da TFG. Com a queda na filtração glomerular, espera-se que haja uma redução proporcional do
débito urinário, levando à oligúria. Entretanto, nas doenças tubulares, o débito urinário pode não diminuir
(ou até aumentar), apesar de haver queda da TFG e injúria renal grave. A explicação é a seguinte: na
tubulopatia, há uma queda desproporcional da reabsorção tubular! No néfron normal, cerca de 98% do que
é filtrado é reabsorvido. Com o túbulo muito doente, a reabsorção pode cair, por exemplo, para 85%.
Assim, mesmo com uma filtração glomerular reduzida (ex.: 10 ml/min ou 12 L/dia), se a reabsorção for de
apenas 85% (10 L/dia), o débito urinário poderá se manter em 2 L/dia. Se a reabsorção piora (ex.: 9 L/dia),
o paciente urina cerca de 3 L/dia. Como toda NTA, a lesão renal por aminoglicosídeos tende a ser
autolimitada, havendo recuperação paulatina da função renal após a suspensão da droga, pelo mecanismo
de regeneração tubular.
o Nefrotoxicidade por outros Medicamentos: Os mecanismos de nefrotoxicidade dos medicamentos que levam
à NTA são: (1) toxicidade tubular direta; (2) vasoconstricção arteriolar; (3) obstrução tubular por depósitos ou
cristais.
 Contraste Iodado: a toxicidade ocorre principalmente nos nefropatas crônicos, que já tinham
creatinina > 1,5 mg/dl... A coexistência de desidratação, diabetes, ICC e mieloma múltiplo
potencializa o risco! A expansão volêmica e alcalinização urinária com solução isotônica de
bicarbonato (150 ml de bicarbonato de sódio + 850 ml de SG 5%) associada à administração de N-
acetilcisteína (1,2 g VO de 12/12h no dia do exame e na véspera), é indicada para a prevenção da
nefropatia induzida por radiocontraste nos pacientes de alto risco! Fazemos um bolus de 3 ml/kg 1h
antes do exame, e continuamos com infusão de 1 ml/kg/h nas próximas 6h. A insuficiência renal
começa a se desenvolver dentro das primeiras 48h após o exame, e reverte após sete dias, em
média. Apesar de haver lesão tubular direta (formação de radicais livres pela molécula de contraste),
o principal mecanismo fisiopatológico é a vasoconstricção da arteríola aferente, mediada pela
liberação renal de endotelina. A IRA pode ser tanto oligúrica quanto não oligúria (dependendo da
gravidade do processo), o sedimento urinário é inocente e a bioquímica urinária é do tipo pré-renal
(sódio baixo e concentrado). Os contrastes não iônicos e hipo-osmolares possuem menor chance de
causar NTA.
 Ciclosporina: imunossupressor utilizado na prevenção da rejeição após transplante renal. Esta droga
é reconhecidamente nefrotóxica, promovendo lesão tubular isquêmica por vasoconstricção da
arteríola aferente e contração do mesângio (daí a oligúria). Para evitar seu efeito tóxico, os níveis
séricos devem ser monitorizados de rotina. O perfil da bioquímica urinária é semelhante ao da
toxicidade pelo contraste iodado (pré-renal: pouco sódio e pouca água).
 Anfotericina B: antifúngico potente, é bastante nefrotóxico, levando à lesão tubular direta e
promovendo uma IRA não oligúrica com importante perda de potássio e magnésio. O quadro se
assemelha à NTA por aminoglicosídeos.
 Outras: aciclovir (por formação de cristais), pentamidina, foscarnet, cisplatina, ifosfamida (esta
última pode causar a síndrome de Fanconi), etc.
o Outras Causas de Necrose Tubular Aguda: Variadas substâncias químicas podem ser nefrotóxicas,
promovendo NTA. As principais são os metais pesados (chumbo, mercúrio), os inseticidas (paraquat), o
etilenoglicol e o envenenamento por cobras (Bothrops jararaca) ou aranhas (Loxsoceles sp. – aranha
marrom). Além da mioglobina, outro pigmento pode levar à IRA por NTA: a hemoglobina. Portanto, as
hemoglobinúrias maciças podem cursar com injúria renal!!! O efeito tóxico da hemoglobina é semelhante ao
da mioglobina (incluindo a vasoconstricção arteriolar pela depleção renal de óxido nítrico). O exemplo mais
comum (e grave) é a reação hemolítica transfusional por incompatibilidade ABO. Outros exemplos clássicos
de hemólise intravascular: malária falciparum, deficiência de G6PD. O diagnóstico é suspeitado pelo achado
de anemia e hemoglobinúria no sedimento urinário, sem a presença de hemácias (hematúria), descartada a
rabdomiólise (níveis de CPK normais).
o Síndrome da Lise Tumoral: A terapia de tumores de alto grau de malignidade, especialmente linfomas e
leucemias, pode aumentar abruptamente os níveis séricos de ácido úrico (liberado pela lise de células
tumorais), que será filtrado pelo glomérulo e atingirá o lúmen tubular, onde poderá formar cristais
obstrutivos que destroem o epitélio (NTA). A pista diagnóstica é uma relação urinária ácido úrico/creatinina >
1,0. A prevenção deve ser feita de acordo com o risco do paciente (variável em função da neoplasia
subjacente), e envolve medidas como a hidratação vigorosa com cristaloide, o alopurinol e a rasburicase
(urato-oxidase recombinante). Uma síndrome idêntica pode ocorrer espontaneamente em portadores de
tumores hematológicos de crescimento rápido, sendo denominada nefropatia aguda pelo ácido úrico ou
“lise tumoral espontânea”.
o Leptospirose: “Devemos pensar na possibilidade de leptospirose para todo paciente febril que desenvolva
injúria renal aguda com potássio sérico baixo”. O agente da leptospirose possui uma forma peculiar de
patogenicidade: pode provocar disfunção celular grave, sem necrose ou inflamação significativas. A virulência
deste microrganismo provém da liberação de toxinas, a mais conhecida é uma Glicolipoproteína (GLP) capaz
de produzir “capilarite” generalizada, levando ao extravasamento de líquido e sangue para os tecidos . Seu
espectro clínico é extremamente variável, podendo cursar com uma forma oligossintomática, conhecida
como “forma anictérica” (90% dos casos), até uma forma caracterizada por manifestações multissistêmicas
graves – a “forma íctero-hemorrágica”, também conhecida como síndrome de Weil, caracterizada por
icterícia, hemorragia pulmonar e insuficiência renal aguda, cuja letalidade pode alcançar 40%. Os rins são
afetados na síndrome de Weil por três processos: (1) capilarite, provocando edema renal e formação de
petéquias corticais; (2) nefrite tubulointersticial aguda, com infiltrado mononuclear e áreas focais de
necrose tubular aguda; e (3) disfunção das células tubulares (desproporcional ao grau de necrose),
especialmente no túbulo proximal. O paciente desenvolve Injúria Renal Aguda (IRA) com rápida elevação das
escórias nitrogenadas. Na maioria das vezes, a ureia e a creatinina não ultrapassam os valores de 100 mg/dl e
8 mg/dl, respectivamente. Entretanto, nos casos mais graves, as escórias alcançam valores acima de 300 mg/
dl para ureia e 18 mg/dl para creatinina, com o paciente desenvolvendo síndrome urêmica e necessitando de
diálise. A IRA relacionada à leptospirose é não oligúrica em 65% dos casos, e oligúrica ou oligoanúrica nos
35% restantes. O predomínio da forma não oligúrica vem do aumento da fração excretória de sódio, pelo
distúrbio tubular proximal. A IRA da leptospirose cursa com níveis séricos de potássio baixos ou normais,
mesmo quando há oligúria. Como há um prejuízo à reabsorção de sódio no túbulo proximal, chega mais sódio
ao túbulo coletor (néfron distal). É exatamente neste segmento tubular que o sódio é reabsorvido em troca
da secreção de potássio! Portanto, mais sódio chegando ao coletor, mais sódio é reabsorvido, promovendo
mais excreção de potássio na urina. Em outras palavras: na nefropatia da leptospirose, o aumento da
fração excretória de sódio acaba por aumentar também a fração excretória de potássio. As anormalidades
urinárias mais comuns são inespecíficas e incluem colúria, como resultado da hiperbilirrubinemia direta
(bilirrubina conjugada); piúria; hematúria; cilindrúria e proteinúria em níveis variados. Todas essas alterações
renais são reversíveis, desaparecendo gradualmente com a melhora do quadro clínico sistêmico. Apesar de
lesão tubulointersticial ser um evento frequente na leptospirose grave, foi percebido que boa parte dos casos
de insuficiência renal oligúrica podia ser prevenida através de reposição hídrica generosa. Este fato evidencia
a grande importância do componente pré-renal na gênese da IRA da leptospirose, provavelmente
resultante dos seguintes fenômenos: a) existência de
episódios eméticos intensos associados à redução da
ingesta de líquidos; b) presença de quadro diarreico;
c) perdas insensíveis aumentadas pela existência de
febre alta; d) ocorrência de sangramentos, justificados
pela diátese hemorrágica (presente na leptospirose
grave) e, principalmente, pela queda da pressão de
perfusão tecidual (e renal), consequente ao extravasamento de líquidos para o terceiro espaço, fenômeno
deflagrado pela capilarite. A lesão muscular, típica de um quadro de leptospirose, costuma ser evidenciada
pela intensa mialgia, classicamente referida nas panturrilhas, e pode contribuir para o dano renal na medida
em que libera mioglobina na circulação. O tratamento da IRA na leptospirose visa a instituição precoce das
medidas de suporte, em especial a hidratação venosa (que deve ser iniciada imediatamente após suspeita
clínica). Antibioticoterapia também está indicada em todos os casos.
o Nefrite Intersticial Aguda (NIA): O quadro clinico laboratorial costuma ser suficiente para o diagnóstico (não
precisa de biópsia renal), como no caso da forma fármaco-induzida (nefrite alérgica). A coexistência de
febre, “rash” cutâneo eritematoso, eosinofilia significativa (em 50% dos casos) e, caracteristicamente,
eosinofilúria, hematúria, proteinúria e cilindros piocitários, permite o diagnóstico em pacientes que iniciaram
um medicamento novo sabidamente implicado no quadro. Geralmente há oligúria (pelo edema intersticial e
compressão extrínseca dos túbulos). As causas mais comuns de NIA são: penicilinas, cefalosporinas, sulfas,
quinolonas, rifampicina, diuréticos, alopurinol e ranitidina. O tratamento pode ser apenas a suspensão da
droga implicada e suporte para a insuficiência renal. Os corticoides podem acelerar a resolução nos casos
mais graves. A pielonefrite aguda é uma causa de NIA (piogênica).
o GNDA (Síndrome Nefrítica): Em geral se trata de uma reação autoimune, levando à inflamação glomerular,
disfunção renal e oligúria. Nos casos mais graves a proliferação inflamatória atinge a cápsula de Bowman,
originando estruturas com formato de “crescentes”, que podem se expandir e comprimir as alças
glomerulares, o que provoca uma rápida deterioração da função renal – uma síndrome chamada
Glomerulonefrite Rapidamente Progressiva (GNRP). As principais causas de GNDA que podem cursar com
GNRP são: glomerulonefrite pós-estreptocócica (pp. adultos), LES, síndrome de Goodpasture,
granulomatose de Wegner, poliangeíte microscópica e angeíte de Churg-Strauss. O diagnóstico é suspeitado
pela clínica de síndrome nefrítica: oligúria, hipertensão, proteinúria e sedimento mostrando hematúria
dismórfica, cilindros hemáticos e piocitários. A confirmação diagnóstica se dá pela biópsia renal
(imunofluorescência), e o tratamento é feito com corticoide (metilprednisolona) + imunossupressores
(ciclofosfamida) e, nas formas anti-MBG positivas (ex.: Goodpasture), associação de plasmaférese. Duas
glomerulopatias crônicas, a nefropatia por lesão mínima e a doença de Berger (nefropatia por IgA), raramente
podem evoluir com insuficiência renal aguda; a primeira, por hipovolemia grave, relacionada à síndrome
nefrótica; a segunda, durante a hematúria macroscópica maciça, pela lesão tubular hemoglobínica.
o Nefroesclerose Hipertensiva Maligna Esta síndrome é o protótipo das doenças microvasculares agudas do
rim, um grupo formado pela nefroesclerose hipertensiva maligna, ateroembolismo por colesterol, síndrome
hemolítico-urêmica e crise renal da esclerodermia. É uma importante causa de azotemia renal intrínseca,
induzida pelo aumento exagerado e súbito da pressão arterial sistêmica, geralmente acima de 220 x 120
mmHg. A maioria dos pacientes é da raça negra ou branca com hipertensão secundária. A fundoscopia revela
sinais de hipertensão acelerada maligna: hemorragias, exsudatos e/ou papiledema. A lesão histopatológica
característica é a necrose fibrinoide arteriolar e a arteriosclerose hiperplásica em “bulbo de cebola”. O
controle da PA pode reverter, pelo menos em parte, a injúria renal, a despeito de uma leve piora da azotemia
nos primeiros dias de tratamento.
o Ateroembolismo: É uma causa de IRA a ser considerada em indivíduos que apresentam aterosclerose aórtica
e foram submetidos a um procedimento intravascular (cateterismo, angioplastia), ou foram vítimas de
trauma torácico fechado. Pequenos fragmentos de colesterol se desprendem da placa ateromatosa e
obstruem a microvasculatura renal (arteríolas e capilares glomerulares). O quadro clínico é de IRA oligúrica,
associada à febre, eosinofilia, livedo reticularis, isquemia de dígitos (“síndrome do dedo azul”), mialgia
intensa, com aumento importante da CPK total e hipocomplementemia. Quase todos os pacientes evoluem
com perda definitiva da função renal!!! O diagnóstico depende da biópsia (cutânea, muscular ou renal), que
irá revelar um achado patognomônico: as fissuras biconvexas vasculares. Não há tratamento específico, e o
prognóstico é péssimo.
o Síndrome Hemolítico-Urêmica (SHU): Caracteriza-se pela seguinte associação: (1) anemia hemolítica
microangiopática; (2) trombocitopenia; (3) insuficiência renal aguda oligúrica. Há uma hiperativação
plaquetária, com formação de agregados de plaquetas e fibrina (trombose) nos capilares glomerulares. As
hemácias, ao passarem em alta velocidade por esses microtrombos, são fragmentadas e dão origem aos
“esquizócitos” visualizados no sangue periférico. A SHU é mais comum em crianças pequenas (1-4 anos),
manifestando-se geralmente 7-15 dias após uma disenteria por E. coli êntero-hemorrágica sorotipo O157:H7
(produtora da verotoxina), bem como em gestantes e puérperas. Trata-se de uma síndrome autolimitada e a
conduta deve ser apenas de suporte, não raro com diálise. Alguns casos evoluem para necrose cortical
aguda (5%) – especialmente gestantes e puérperas.
o Crise Renal da Esclerodermia: Devemos suspeitar desta grave síndrome em pacientes esclerodérmicos difusos
que apresentam hipertensão acelerada maligna associada à: IRA oligúrica, anemia hemolítica
microangiopática e plaquetopenia. Esses pacientes têm, na verdade, uma endarterite interlobular crônica
pela esclerodermia que, subitamente, desenvolve vasoespasmo arteriolar renal difuso, necrose fibrinoide e
arterioloesclerose hiperplásica. Os inibidores da ECA reduzem a mortalidade destes pacientes de 80% para
menos de 30%, inclusive permitindo a recuperação da função renal!
o Necrose Cortical Aguda: A Necrose Cortical Aguda (NCA) é uma entidade relacionada à sepse grave e,
principalmente, as complicações obstétricas (descolamento prematuro de placenta, aborto retido, etc.).
Cerca de 5% dos casos de síndrome hemolítico-urêmica evolui com NCA. Sua gênese se baseia no processo de
Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD), determinando
uma lesão endotelial extensa nos vasos do parênquima renal.
Quando devemos suspeitar de NCA? Quando o paciente com
complicação obstétrica ou sepse grave evolui para anúria, ou
quando a “suposta NTA” não se recupera no período
esperado – o paciente permanece oligúrico e dependente de
diálise. O prognóstico da NCA é sempre ruim – em geral, o
paciente se torna agudamente um “renal crônico” (pois
perde de forma abrupta e irreversível um grande número
de néfrons).
o Trombose de Veia Renal: A trombose de veia renal bilateral pode levar à insuficiência renal aguda. Uma causa
comum é a desidratação grave de uma criança pequena ou lactente. Faz diagnóstico diferencial com IRA pré-
renal e com a síndrome hemolítico-urêmica, causas comuns de IRA nesta faixa etária. Outras causas de
trombose de veia renal são as síndromes de hipercoagulabilidade, especialmente a síndrome nefrótica. O
quadro clínico inclui lombalgia, hematúria e proteinúria importantes. A ultrassonografia mostra aumento no
tamanho renal, e o diagnóstico pode ser confirmado pela angio-TC ou angio-RNM. O tratamento deve ser
feito com anticoagulantes.

3. Azotemia Pós-Renal
 A azotemia pós-renal, ou injúria pós-renal, é uma disfunção renal causada por obstrução aguda do sistema
uroexcretor.
 É responsável por apenas 5-10% dos casos de injúria renal aguda, embora, no subgrupo dos idosos, esta proporção se
torne um pouco maior devido à elevada prevalência de doença prostática.
 Um conceito fundamental: a azotemia pós-renal só irá se desenvolver nas obstruções com repercussão renal bilateral,
como ocorre na obstrução uretral, do colo vesical, ureteral
bilateral ou ureteral em rim único. Uma obstrução renal
unilateral, mesmo que completa, geralmente não causa
azotemia, pois o rim contralateral (se for normofuncionante) é
capaz de suprir a falta do outro. Entretanto, se o paciente já for
um nefropata crônico (ex.: IRC em tratamento conservador)
mesmo a obstrução de um único ureter pode desencadear um
quadro de uremia, pois o rim não obstruído pode não ser capaz
de manter a homeostase.
 Após um quadro de obstrução urinária aguda, a pressão no
interior dos túbulos renais aumenta de maneira súbita.
Curiosamente, a filtração glomerular não se reduz nas primeiras
horas e, muito pelo contrário, aumenta. Este fato deve-se à
produção inicial excessiva de prostaglandinas pelo parênquima
renal. Tais substâncias promovem vasodilatação da arteríola
aferente, o que aumenta de forma importante a pressão
hidrostática no tufo glomerular, aumentando, por conseguinte,
a filtração. Chamamos esta fase de “hiperêmica”. Após as
primeiras horas do início da obstrução (12 a 24h), observamos a
síntese progressivade substâncias vasoconstrictoras, como
angiotensina II e tromboxane A2 , que levam a uma diminuição
da filtração glomerular. Se a obstrução (mesmo que parcial) for
persistente, o epitélio tubular, sob efeito da maior pressão
luminal, libera substâncias quimiotáxicas que atraem células
inflamatórias. O resultado a médio e longo prazo será uma
nefrite tubulointersticial crônica (nefropatia obstrutiva). Os
monócitos e macrófagos infiltrantes secretam citocinas que
promovem fibrose tecidual. Parece que um dos fatores mais
importantes neste processo é o TGF-beta (Transforming Growth Factor-beta)
 A hiperplasia prostática benigna é a causa mais comum de injúria pós-renal. Nesta doença, o tecido prostático que
cresce é o interno, comprimindo, assim, em graus variados, a uretra prostática. Eventualmente, a obstrução pode se
agravar de maneira súbita (“retenção urinária aguda”), por edema da glândula, espasmo do colo vesical ou disfunção
aguda do músculo detrusor, levando à retenção urinária. Os fatores precipitantes mais frequentes são: uso de
medicamentos com efeito anticolinérgico (disfunção do detrusor) ou simpatomimético (espasmo do colo vesical),
infecção prostática (prostatite) ou do trato urinário e infarto prostático. Clinicamente, o paciente apresenta-se com
oligoanúria, desconforto hipogástrico e “bexigoma”. Lembre-se que a presença de diurese de modo algum descarta a
hipótese de obstrução, pois o fluxo de urina pode estar ocorrendo por “transbordamento” em uma bexiga repleta... A
passagem de um cateter de Foley costuma resolver a obstrução e, portanto, a azotemia. Quando a retenção vesical
for maior que 900 ml, a chance do paciente voltar a urinar espontaneamente é pequena (em torno de 15%),
necessitando de cirurgia prostática desobstrutiva.
 As outras causas menos comuns de obstrução do sistema uroexcretor devem ser divididas em (1) congênitas e (2)
adquiridas. Exemplos de uropatia obstrutiva bilateral congênita: valva uretral posterior, estenose uretral, fimose. Das
patologias adquiridas, destacam-se: câncer de próstata, câncer de bexiga, bexiga neurogênica, cálculo uretral, cálculo
ureteral bilateral ou em rim único, carcinoma metastático para pelve (mais comum: CA de colo uterino), linfoma
pélvico, fibrose retroperitoneal, ligadura cirúrgica acidental dos ureteres.
 Quando suspeitar de IRA pós-renal? Naquele paciente idoso
com história de prostatismo e que repentinamente ficou
anúrico (por obstrução completa da uretra prostática).
 O grande risco em um paciente com obstrução urinária é o
surgimento de infecção. Na presença de obstrução, a
pielonefrite leva à perda renal em poucos dias, tornando a
desobstrução um procedimento de emergência!!! Sem infecção
associada, leva mais tempo para que tenhamos uma nefropatia
tubulointersticial irreversível, talvez duas a quatro semanas
(dependendo do grau de obstrução e da reserva renal prévia).
Quanto mais tempo obstruído, maior o número de néfrons
perdidos... A nefropatia obstrutiva crônica leva à fibrose
intersticial e atrofia do sistema tubular, cursando com poliúria
(perda da concentração urinária) e acidose tubular
hipercalêmica (tipo IV). O exame de urina na azotemia pós-renal
pode ser inocente, mas também pode revelar hematúria, piúria
e discreta proteinúria (lesão da mucosa). A bioquímica urinária é
variável.

QUADRO CLÍNICO NA
SÍNDROME URÊMICA AGUDA
 Na maioria das vezes, a injúria renal aguda é um diagnóstico laboratorial feito em um paciente que apresenta uma das
condições clínicas descritas anteriormente. Portanto, em geral, os sinais e sintomas são devidos à condição clínica
causal, como hipovolemia, insuficiência cardíaca, sepse, síndrome nefrítica etc., e não à injúria renal em si.
 Nas azotemias mais graves aparecem sinais e sintomas de insuficiência renal, que juntos compõem a chamada
síndrome urêmica aguda ou uremia aguda. Esta síndrome é composta por três distúrbios básicos:
o 1. Acúmulo de toxinas nitrogenadas dialisáveis;
o 2. Hipervolemia;
o 3. Desequilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico.
 Os sinais e sintomas que definem a síndrome urêmica são
provocados pelo acúmulo no organismo de grande
quantidade de “escórias nitrogenadas”, que são substâncias
tóxicas, contendo nitrogênio, derivadas do metabolismo
proteico. Quando elas estão em níveis elevados, há um
aumento paralelo da ureia e da creatinina sérica.
 Na IRA, para se desenvolver a síndrome urêmica, geralmente a
creatinina está acima de 4,0 mg/dl e a ureia acima de 120
mg/dl. A ureia realmente contribui para alguns sinais e
sintomas da síndrome urêmica, mas somente quando em níveis muito altos (> 380 mg/dl), relacionando-se
especialmente ao desenvolvimento de náuseas, vômitos, anorexia e sangramentos.

1- Manifestações Cardiopulmonares
 A insuficiência renal aguda oligúrica ou anúrica pode causar retenção importante de líquidos e sódio, aumentando a
volemia. Os sinais e sintomas de hipervolemia aguda são: (1) Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS); (2) Edema Agudo
de Pulmão (EAP); e (3) edema periférico. A hipertensão arterial sistêmica é encontrada na IRA oligúrica ou anúrica
das glomerulonefrites, nefrite intersticial aguda, nefroesclerose hipertensiva maligna, ateroembolismo por
colesterol, síndrome hemolítico-urêmica, crise renal da esclerodermia e obstrução urinária aguda. A hipertensão,
quando presente, pode ser grave e refratária ao tratamento medicamentoso, só respondendo à diálise.
 Na hemodiálise, isso é feito pelo aumento da pressão hidrostática no capilar do filtro; na diálise peritoneal,
aumenta-se simplesmente a osmolaridade da solução de diálise (“puxa mais líquido”). Além da retenção
hidrossalina, a insuficiência renal predispõe à vasoconstricção arteriolar sistêmica, talvez pela depleção de substâncias
endógenas vasodilatadoras, como o óxido nítrico. A retenção hidrossalina também promove congestão e edema
pulmonar cardiogênico, levando à dispneia, ortopneia ou até insuficiência respiratória. As toxinas urêmicas podem
aumentar a permeabilidade capilar pulmonar, levando a um componente não cardiogênico de edema pulmonar, do
tipo SDRA (“pulmão urêmico”). A ultrafiltração é mandatória nesses casos, reduzindo o edema pulmonar e
melhorando a troca gasosa e a mecânica ventilatória.
 O edema periférico está presente na síndrome nefrítica e no renal crônico com insuficiência renal agudizada. É do
tipo periorbitário, das serosas (derrame pleural, pericárdico, ascite) e de regiões dependentes de gravidade
(membros inferiores). A pericardite urêmica manifesta-se com dor torácica pleurítica, associada a atrito pericárdico
e/ou alterações eletrocardiográficas de pericardite aguda (taquicardia sinusal + pequeno supradesnível de ST de
formato côncavo em várias derivações).
 O tamponamento cardíaco é uma das complicações mais temíveis da uremia, pois pode ser fatal. Ocorre pelo
acúmulo muito rápido de líquido na cavidade pericárdica, elevando subitamente a pressão intrapericárdica. A causa
mais comum é o sangramento pericárdico, o que pode ser precipitado pelo uso de heparina na hemodiálise. Como
prevenção, a hemodiálise deve ser realizada sem heparina nos pacientes com pericardite urêmica, ou então, deve-se
preferir a diálise peritoneal.

2- Manifestações Hematológicas
 A anemia pode ocorrer, porém costuma ser menos acentuada que a anemia da uremia crônica. Anemia é um achado
muito frequente em pacientes graves e pode ser consequente à infecção, perda sanguínea, hemodiluição, hemólise
etc. A uremia aguda cursa com um distúrbio da hemostasia, devido à disfunção plaquetária. As plaquetas no paciente
urêmico têm menor capacidade de adesão e agregação. O Tempo de Sangramento (TS) está caracteristicamente
prolongado. O fator de Von Willebrand, elemento importante para a adesão plaquetária ao colágeno, está
disfuncionante. As plaquetas encontram-se depletadas do fator III. A consequência clínica é uma forte predisposição
ao sangramento.
 Epistaxe, gengivorragia, sangramento de sítios de punção, hemorragia digestiva e até mesmo AVE hemorrágico
podem ocorrer!!! O uso de desmopressina (dDAVP) intranasal pode aumentar a disponibilidade do fator de VWB,
melhorando o distúrbio hemostático da uremia

3- Manifestações Neurológicas
 A encefalopatia urêmica aguda caracteriza-se pelo estado de confusão mental, agitação psicomotora, associado à
mioclonia (abalos musculares repetitivos), asterixis, hiper-reflexia tendinosa e sinal de Babinski bilateral. O quadro
pode evoluir para crise convulsiva tônicoclônica, torpor, coma e óbito por edema cerebral grave.
 A encefalopatia urêmica deve ser diferenciada da síndrome do desequilíbrio dialítico (edema cerebral desencadeado
pelas primeiras sessões de hemodiálise, devido à queda súbita da osmolaridade extracelular) e da encefalopatia
aguda pelo alumínio.
 A síndrome das pernas inquietas está relacionada à neuropatia urêmica. O paciente queixa-se de desconforto nos
membros inferiores e uma vontade incontrolável de mexer as pernas. A neuropatia periférica pode levar a
parestesias nas extremidades. A irritação do nervo frênico propicia o aparecimento de soluços incoercíveis, comuns
na uremia aguda. As manifestações neurológicas da uremia aguda costumam melhorar com a diálise.

4- Manifestações Gastrointestinais
 Os primeiros sintomas da uremia aguda frequentemente estão relacionados ao aparelho digestório. A uremia provoca
inflamação nas mucosas e disfunção na motilidade. Surgem então sintomas como: anorexia, náuseas e vômitos (como
consequência à gastroparesia), diarreia ou íleo metabólico. Os sintomas gastrointestinais da uremia melhoram
prontamente após o início da terapia dialítica.

5- Distúrbios Hidroeletrolíticos e Acidobásicos


1 - Formas Oligoanúricas de IRA
 Na forma oligúrica ou anúrica, os principais são: (1) hipercalemia; (2) hiponatremia; (3) acidose metabólica, (4)
hiperfosfatemia, e (5) hipocalcemia.
o Hipercalemia: se dá pela redução da excreção renal de potássio, que continua sendo ingerido na dieta. Na IRA
oligoanúrica a calemia pode se elevar numa taxa de 0,5 mEq/l/dia, podendo chegar a valores extremamente
altos e perigosos, como 12 mEq/l. A causa de IRA que mais eleva o potássio sérico é a rabdomiólise, pela
liberação maciça deste eletrólito a partir do músculo lesado. Mecanismo semelhante também pode ser visto
na hemólise maciça (ex.: reação transfusional) e na síndrome da lise tumoral. A hipercalemia grave pode
levar à parada cardiorrespiratória por fibrilação ventricular ou assistolia. O eletrocardiograma é fundamental
para avaliar a repercussão clínica da hipercalemia: ondas T altas e apiculadas, QRS alargado e diminuição ou
desaparecimento da onda P.
o Hiponatremia: se deve à retenção de água livre maior do que a retenção de sódio. Isso acontecerá sempre
que a ingestão ou administração de líquido tiver um excesso importante de água em relação ao NaCl (ex.:
água potável). Se a hiponatremia for grave, ou seja, Na < 110- -115 mEq/L, podem surgir sintomas pelo
edema cerebral citotóxico (intoxicação hídrica).
o Acidose metabólica: ocorre pela retenção dos ácidos produzidos pelo metabolismo proteico, principalmente
o ácido sulfúrico (H2 SO4 ) – lembre-se que doentes críticos com IRA por NTA oligúrica comumente
apresentam hipercatabolismo proteico... A retenção de H+ leva ao consumo de bicarbonato, causando
acidose metabólica. A retenção do sulfato (SO4 -2) e outros ânions leva ao aumento do ânion-gap. A acidose
pode ser grave, com o pH chegando a um valor < 7,10. Quando isso acontece, há risco de arritmia
ventricular fatal ou choque por vasodilatação e baixa resposta às catecolaminas.
o Hiperfosfatemia e a hipocalcemia: normalmente ocorrem juntas. O fosfato precisa do rim para ser eliminado,
havendo hiperfosfatemia (P > 4,5 mg/dl) quando a TFG está abaixo de 20 ml/min. A consequência imediata e
mais importante da hiperfosfatemia é a hipocalcemia (Ca < 8,0 mg/dl). Isso se dá pela ligação entre o fosfato
e o cálcio no plasma, através da seguinte reação: Ca+2 + HPO4 -2  CaHPO4 (fosfato de cálcio insolúvel). O
fosfato de cálcio se precipita nos tecidos e o cálcio plasmático se reduz. Os sintomas da hipocalcemia grave
são: irritação neuromuscular, como parestesias de extremidades ou perioral, tetania (espasmos musculares),
convulsões e coma. Devemos sempre corrigir o cálcio sérico de acordo com o nível de albumina (ver
capítulo de IRC). O ECG pode evoluir com aumento do intervalo QT, pois existe uma relação inversamente
proporcional entre a calcemia e o intervalo QT: na hipocalcemia o QT se alarga, e na hipercalcemia o QT se
encurta.
o Hipermagnesemia (Mg > 2,0 mg/dl): é comum na IRA grave, podendo provocar bradipneia, hiporreflexia e
parada cardíaca.
o Hiperuricemia: pode ocorrer na IRA, devido à saturação do carreador de ácidos orgânicos do túbulo proximal
por outros ácidos retidos. Os níveis geralmente não ultrapassam 12 mg/ dl. Quando isso acontece, deve-se
suspeitar da síndrome de lise tumoral ou nefropatia aguda pelo ácido úrico. Neste caso, a relação urinária
ácido úrico/creatinina é caracteristicamente maior que 1.

2- Formas não Oligúricas de IRA


 Na IRA resultante de doenças tubulares não oligúricas, a reabsorção tubular está prejudicada, como acontece na
NTA por aminoglicosídeo, anfotericina B e na leptospirose. A lesão do túbulo proximal e da alça de Henle prejudica a
reabsorção de magnésio e aumenta a excreção de potássio (maior aporte de sódio ao túbulo coletor), levando à perda
urinária destes eletrólitos. A consequência costuma ser hipocalemia + hipomagnesemia.
 O hiperaldosteronismo hiper-reninêmico justifica a hipocalemia da nefroesclerose hipertensiva maligna.
 Em geral o prognóstico da IRA não oligúrica é melhor que o da IRA oligúrica!

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
 O diagnóstico de injúria renal aguda normalmente é feito a partir de uma das seguintes situações clínicas: (a) redução
do débito urinário; (b) sinais e sintomas da síndrome urêmica; e (c) azotemia assintomática. A IRA costuma não
acarretar sintomas, a não ser que a retenção das “escórias” seja muito acentuada. Então, a situação mais comum é
encontrarmos elevação da ureia e creatinina em um paciente com os sinais e sintomas provenientes, não da IRA em
si, mas da patologia que a está determinando (ex.: sepse, hipovolemia etc.).
 Na IRA pré-renal, devemos normalizar imediatamente o fluxo sanguíneo renal; na IRA pós-renal, devemos desobstruir
as vias urinárias o mais rápido possível. Estas duas entidades, portanto, devem ser prontamente diagnosticadas!

1- Diagnóstico de Azotemia Pré-Renal


 Vimos que o tipo mais comum de IRA é a azotemia pré-renal. Isso se deve a elevada frequência de hipovolemia,
estados de choque, insuficiência cardíaca, uso de diuréticos e cirrose hepática na prática médica. A elevação de ureia
e creatinina diante de um dos quadros acima sugere muito o diagnóstico de IRA pré-renal, particularmente quando a
relação ureia/creatinina plasmática for maior que 40.
 Os sinais de hipovolemia são: desidratação, hipotensão postural, taquicardia postural, hipotensão e taquicardia em
decúbito, síndrome do choque (sinais de má perfusão generalizada). A perda líquida pode ser evidente, como na
hemorragia externa, diarreia, vômitos e poliúria; ou nem tão evidente, como na pancreatite aguda, ascite, trauma
muscular, hemoperitônio e hemotórax. O uso de AINE ou inibidores da ECA ou análogos, como os antagonistas da
angio II, deve ser considerado como fator contribuinte ou precipitante da azotemia pré-renal.
 Como proceder diante de um paciente com suspeita de IRA pré-renal hipovolêmica? Prova terapêutica com
cristaloide: SF 0,9% 1.000 ml IV em infusão rápida, observando- -se a diurese horária antes e depois da infusão . Os
coloides podem ser indicados nos pacientes francamente hipoalbuminêmicos. Se for azotemia pré-renal
hipovolêmica, haverá aumento significativo (e quase imediato) do débito urinário. Se não houver resposta, é
provável que já haja alguma lesão renal intrínseca, consequente à isquemia renal ou à doença de base, ou que a
hipovolemia seja mais grave do que se pensava, sendo necessário administrar mais volume.
 O exame do sedimento urinário (EAS) na azotemia pré-renal costuma ser “inocente”, sem proteinúria ou hematúria,
contendo apenas cilindros hialinos em quantidades variadas. A bioquímica urinária, se colhida antes da administração
de diuréticos, possui as seguintes características: sódio urinário baixo (Nau < 20 mEq/L), osmolaridade urinária alta
(> 500 mOsm/L), densidade urinária alta (> 1.020), relação de creatinina alta (Crurinária/ Crsérica > 40), fração
excretória de sódio baixa (FENa < 1%) e fração excretória de ureia baixa (< 35%).

2- Diagnóstico de Azotemia Pós-Renal


 Devemos suspeitar de obstrução urinária em todo paciente agudamente anúrico, ou que experimente flutuação do
débito urinário (anúria x poliúria). Como a causa mais frequente é a hipertrofia prostática, é comum encontrarmos
ao exame físico uma bexiga distendida palpável no hipogastro – o “bexigoma” – associada a um aumento da próstata
no toque retal... A conduta imediata deve ser o cateterismo vesical, feito com o cateter de Foley. Ao se vencer a
obstrução da uretra prostática, rapidamente aparece urina no coletor, geralmente em grande quantidade.
 A bexiga pode acomodar até dois litros de urina nesses casos! Nos casos duvidosos, o exame inicial é a
ultrassonografia de rins e vias urinárias. Este exame é capaz de observar a dilatação do sistema pielocalicial
(hidronefrose) em cerca de 98% das vezes. A hidronefrose com bexiga vazia aponta para o diagnóstico de obstrução
ureteral. O Exame do Sedimento Urinário (EAS) pode apresentar hematúria e/ou piúria, porém, a presença de
cilindros celulares não é esperada. Em casos tardios de uropatia obstrutiva (onde já se desenvolveu lesão tubular), é
comum encontrarmos um padrão de NTA na bioquímica urinária (isto é, FENa > 1%).

3- Diagnóstico de Azotemia Renal Intrínseca


 A suspeita de azotemia renal intrínseca é inevitável uma vez excluídos os outros dois mecanismos de IRA (pré-renal e
pós-renal). Vasculites sistêmicas, colagenoses, leptospirose e ateroembolismo por colesterol apresentam-se com
manifestações características, levando ao diagnóstico com facilidade.
 A nefroesclerose hipertensiva maligna deve ser suspeitada na presença de fundoscopia compatível e níveis
tensionais excessivamente altos. O diagnóstico de rabdomiólise impõe-se no paciente com história de algum fator
precipitante (ex.: politrauma, isquemia muscular) e elevação importante dos níveis séricos de creatinofosfoquinase
e aldolase. O uso de medicamentos nefrotóxicos (aminoglicosídeos, anfotericina B, aciclovir, ciclosporina, cisplatina
etc.) deve ser sempre pesquisado, bem como aqueles que podem ser incriminados em uma nefrite intersticial
aguda (penicilinas, cefalosporinas, sulfas, diuréticos, rifampicina, alopurinol etc.). A presença de febre, rash cutâneo
e eosinofilia/eosinofilúria sugere o diagnóstico de NIA. As intoxicações também devem ser pesquisadas:
etilenoglicol, metais pesados, paraquat, envenenamento por cobra ou aranha.
o Sedimento Urinário (Urinálise, EAS, Urina tipo I): Este exame é muito importante para o diagnóstico
diferencial da lesão renal intrínseca. Devemos analisar os seguintes parâmetros: (1) proteína; (2) hemácias;
(3) piócitos; (4) cilindros; (5) cristais. Uma proteinúria maciça (3+ ou 4+) correspondente a mais de 3 g/24h,
bem como a presença de hematúria dismórfica e cilindros hemáticos leva ao diagnóstico de glomerulopatia
primária ou secundária. Piúria, eosinofilúria e cilindros
piocitários sugerem o diagnóstico de nefrite intersticial
alérgica (método de HANSEL). O encontro dos cilindros
granulosos pigmentares (“cilindros marrons”) é muito
sugestivo de NTA (FIGURA 1). Múltiplos cristais
pleomórficos de ácido úrico ou de oxalato estão
presentes, respectivamente, na síndrome da lise
tumoral e na intoxicação por etilenoglicol. Uma forte
positividade para hemoglobina (4+) com poucas
hemácias no sedimento sugere a presença de
mioglobinúria ou hemoglobinúria.
o Bioquímica Urinária: Este exame é extremamente útil na diferenciação entre azotemia pré-renal e NTA
isquêmica, as duas causas mais comuns de oligúria e injúria renal aguda nos pacientes internados! Deve ser
colhida antes do uso de diuréticos ou da reposição volêmica. Na IRA pré-renal há um aumento de
angiotensina II e aldosterona, promovendo aumento na reabsorção tubular de sódio e água. Os rins estão
“ávidos” por sódio e água!!! Com isso, a urina sai com pouco sódio e pouca água (hiperconcentrada). Na
necrose tubular aguda, a lesão tubular dificulta a reabsorção de sódio e água. Podemos entender o processo
imaginando que a necrose “desliga” a função reabsortiva dos túbulos... A urina então estará com muito sódio
e muita água (mais diluída). Na NTA, os rins tornam-se incapazes de concentrar a urina – um distúrbio
chamado isostenúria. A fração excretória de sódio
(FENa) representa o percentual do sódio filtrado que é
efetivamente excretado na urina. A FENa é um
parâmetro laboratorial bastante fidedigno para diferenciar entre azotemia pré-renal e NTA. Na primeira, está
caracteristicamente < 1% (geralmente < 0,01%). Na última, está tipicamente > 1% (geralmente > 2%). s
Todavia, às vezes este parâmetro pode falhar... A azotemia pré-renal em nefropatas crônicos, indivíduos
muito idosos, após uso de diurético ou na bicarbonatúria pode cursar com FENa > 1%. Por outro lado, cerca
de 15% dos casos de NTA isquêmica apresentam FENa < 1%, ao que chamamos de “síndrome intermediária”,
caracterizada pelo baixo fluxo renal e uma lesão tubular incipiente.

o A fração excretória de ureia (FEureia): não é “falseada” pelo uso de diuréticos, e por isso deve ser usada no
lugar da FENa em pacientes que fizeram uso dessas drogas. É calculada pela mesma fórmula da FENa,
substituindo-se o sódio pela ureia. Quando inferior a 35% indica pré-renal, e quando maior do que 50% indica
NTA. Ressalte-se que o emprego da FEureia no lugar da FENa só foi validado no caso de uso de diuréticos –
nas demais condições em que a IRA pré-renal pode cursar com FENa > 1% a real utilidade deste marcador
ainda não foi definida.
o Biópsia Renal: Em geral não é necessária, sendo reservada para os casos em que não se consegue definir o
tipo de injúria renal intrínseca através de outros métodos complementares. Em certas condições (ex.:
nefrite lúpica) a biópsia pode ser feita para determinar a classe específica da lesão glomerular (nem sempre
evidente apenas pelas características clínicas), o que pode indicar mudanças no tratamento e no prognóstico.

TRATAMENTO
 O tratamento da IRA depende do tipo fisiopatológico.

1 - Azotemia Pré-Renal
 O tratamento visa à otimização do fluxo sanguíneo renal. Drogas do tipo AINE ou inibidores da ECA/Ant. Angio II
devem ser suspensas! A reposição de cristaloides é o tratamento inicial de escolha para os estados hipovolêmicos,
qualquer que seja a causa ou o tipo de fluido perdido (vômito, diarreia, poliúria, suor, terceiro espaço ou sangue).

2 - Azotemia Pós-Renal
 Uma obstrução uretral por hiperplasia prostática pode ser prontamente tratada pela inserção do cateter de Foley . Se
não for possível ultrapassar a obstrução uretral com o cateter, devese proceder à cistostomia. Se a obstrução for
ureteral e houver hidronefrose, um cateter duplo J pode ser inserido no ureter por via transuretral (baixa) ou
transpiélica (alta). Se a obstrução ureteral não puder ser vencida, uma nefrostomia percutânea estará indicada. Na
presença de cálculos obstrutivos, os mesmos devem ser removidos.

3 - Azotemia Renal Intrínseca


 Antes de abordarmos o tratamento da NTA – a causa mais comum de IRA por lesão intrínseca (90% dos casos) –
vamos citar algumas terapias específicas para certos tipos de nefropatia aguda.
o Glomerulonefrites rapidamente progressivas (ex.: vasculites ANCA-positivo): respondem à imunossupressão
agressiva com corticosteroides + ciclofosfamida e, algumas, como a síndrome de Goodpasture, têm também
indicação de plasmaférese.
o Os corticoides podem acelerar a melhora da função renal na nefrite intersticial aguda farmacoinduzida
(“nefrite alérgica”), mas isso nunca foi comprovado por ensaios clínicos de alta qualidade.
o A hipertensão arterial deve ser controlada agressivamente na nefroesclerose maligna e na crise renal
esclerodérmica, mesmo que no início do tratamento ocorra piora da função renal. Lembre-se que na crise
renal esclerodérmica os anti-hipertensivos de escolha são os IECA ou Ant. Angio II.
1. Prevenção da NTA: A prevenção é a melhor estratégia no combate à NTA. A principal medida preventiva é a
manutenção do estado euvolêmico. O uso de agentes nefrotóxicos como os aminoglicosídeos, deve ser feito de
forma criteriosa – hoje sabemos que uma dose única diária possui eficácia bactericida! A dose de qualquer fármaco
nefrotóxico sempre deve ser corrigida na vigência de disfunção renal. Os pacientes de alto risco para nefrotoxicidade
por contraste iodado (ex.: renais crônicos diabéticos) devem receber solução bicarbonatada intravenosa e N-
acetilcisteína oral antes e depois do exame radiológico. A lesão renal por rabdomiólise pode ser prevenida com
hidratação salina vigorosa, objetivando um débito urinário > 3 ml/kg/h (200 ml/h em média) para “lavar a mioglobina
dos túbulos”. Uma solução de manitol + bicarbonato é iniciada após o doente atingir o débito urinário almejado,
sendo o tratamento mantido enquanto durar a mioglobinúria. Para evitar a síndrome da lise tumoral devemos
hidratar o paciente, além de administrar alopurinol ou rasburicase (antes da quimioterapia) conforme o risco de
cada tipo de câncer para esta complicação.
2. Tratamento da NTA: O principal objetivo a ser buscado é a otimização da volemia e do estado hemodinâmico do
paciente. A lesão renal pode piorar caso a isquemia renal persista.
o Dopamina em dose “renal”: NÃO FAZER!!! Apesar de doses de dopamina entre 2-3 mcg/ kg/min (doses
“dopaminérgicas”) terem efeito vasodilatador renal e natriurético, seu uso na NTA oligúrica já foi proscrito da
prática médica... O motivo é a comprovada inexistência de benefício, pelo contrário: esta é uma droga
potencialmente arritmogênica, mesmo em doses baixas, e seu uso na NTA, além de não alterar o curso
natural da lesão renal, pode induzir arritmias fatais...
o Diuréticos de alça (Furosemida) - CONTROVERSO!! Nenhum estudo demonstrou de forma incontestável o
benefício dos diuréticos na NTA oligúrica, no que diz respeito à mortalidade e história natural (duração da
IRA, necessidade de diálise). Contudo, os diuréticos têm sido utilizados com frequência nestes pacientes com
o intuito de tratar a hipervolemia e facilitar a manipulação do balanço hídrico, ao transformar uma IRA
oligúrica em IRA não oligúrica, quando administrados nas primeiras 24-48h do início da NTA isquêmica. O
diurético de escolha é a furosemida. A dose de ataque máxima é de 100-200 mg (5-10 ampolas). A dose de
manutenção deve ser prescrita somente naqueles que respondem ao diurético, de modo a evitar o uso
desnecessário de uma droga potencialmente ototóxica. A dose é 0,3-0,6 mg/kg/h, feita, de preferência por
infusão contínua em bomba infusora. A infusão contínua traz menos chance de lesão auditiva do que a
posologia intermitente...
o Suporte Nutricional: É de crucial importância na terapia da IRA grave. Pacientes com NTA geralmente se
encontram em estado crítico, hipercatabólico, com elevada produção endógena de escórias nitrogenadas.
Um suporte nutricional adequado visa reduzir o hipercatabolismo, devendo-se fornecer um aporte energético
total entre 25-30 kcal/kg/dia. A maior parte dessas calorias é dada sob a forma de carboidratos, e deve-se
dar preferência às proteínas de alto “valor biológico” (aquelas cujos aminoácidos são mais incorporados ao
organismo do paciente, sem desvio para a síntese de escórias nitrogenadas). A quantidade de proteínas na
dieta deve variar entre 0,8-1,0 g/kg/dia (paciente em tratamento conservador, não dialítico), podendo
chegar a 1,0-1,7 g/kg/dia em pacientes mais graves que já estejam em hemodiálise (é preciso aumentar o
aporte proteico pois há perda pela diálise). A dieta deve ter ainda restrição de sódio, potássio e fosfato . A
fim de atingir as metas nutricionais preconizadas, alguns pacientes necessitam de nutrição parenteral
(exclusiva ou associada à dieta enteral), o que demanda a infusão de um volume expressivo de líquidos .
Neste caso, costuma-se equilibrar o balanço hídrico com o acréscimo da ultrafiltração (retirada de água) no
procedimento dialítico.
o Controle Hidroeletrolítico e Acidobásico: A reposição hídrica deve contar com o volume oferecido na dieta.
No paciente oligoanúrico, o somatório dos líquidos administrados deve ser igual às perdas insensíveis (600-
1000 ml/24h). Não deve haver reposição de potássio nos pacientes francamente oligúricos. A hipercalemia
grave com alteração eletrocardiográfica deve ser tratada com gluconato ou cloreto de cálcio (efeito
cardioprotetor) e glicoinsulinoterapia (10 U de insulina + 100 ml de glicose a 50%). O bicarbonato de sódio
pode ser administrado na dose de 50 mEq para ajudar na correção da hipercalemia e da acidose (se pH <
7,20, manter HCO3 > 15 mEq/L). Muito cuidado ao infundir bicarbonato de sódio no paciente com
hipocalcemia grave (pelo risco de tetania) e muito hipervolêmico (pelo risco de edema pulmonar). A
hiperfosfatemia grave pode ser abordada com quelantes enterais de fosfato, como hidróxido de alumínio,
carbonato de cálcio ou, de preferência, sevelamer. Para a correção da hiponatremia é necessária a restrição
de água livre.

4 - Diálise na Insuficiência Renal Aguda


 Os métodos dialíticos são empregados para reduzir a circulação de compostos azotêmicos, promover equilíbrio
hidroeletrolítico e acidobásico e combater a hipervolemia.
o Hemodiálise Intermitente: é o método de escolha nos pacientes hemodinamicamente estáveis, pois, durante
o método (3-4h), a retirada abrupta de líquido pode agravar a má perfusão de pacientes críticos
hemodinamicamente instáveis. Nestes últimos
devemos indicar: (a) diálise peritoneal contínua; e (b)
hemodiafiltração venovenosa contínua. Se o paciente
já estiver em hemodiálise e fizer hipotensão aguda
podemos associar aminas vasopressoras até o
término do procedimento (ex.: drip de
noradrenalina).
o Diálise Peritoneal Contínua: é um excelente método
naqueles sem doença abdominal ou peritoneal e que não possuem estado hipercatabólico predominante,
hipercalemia grave ou hipervolemia grave (a hemodiálise é mais eficaz para corrigir tais distúrbios, por
eliminar mais líquido, mais eletrólitos e pequenos solutos). A diálise peritoneal é bem tolerada em pacientes
hemodinamicamente instáveis e é um método especialmente eficaz em crianças (que em geral têm um
peritônio mais saudável).
o Hemodiafiltração Venovenosa Contínua: é considerada um excelente método para diálise de pacientes com
hemodinâmica instável. Os métodos hemodialíticos contínuos baseiam-se na utilização de um fluxo mais
baixo (100 ml/min em vez de 300-400 ml/min) e por mais tempo (8-24h). Com isso, a retirada de líquido
ocorre de forma mais lenta e gradual, tendo menos repercussão hemodinâmica.

PROGNÓSTICO
 O prognóstico de pacientes com IRA pré ou pós-renal é em geral bastante favorável, desde que a causa do
problema seja prontamente reconhecida e resolvida (ex.: reposição volêmica e desobstrução do trato urinário,
respectivamente). A mortalidade costuma ser < 10% nesses pacientes... Por outro lado, a mortalidade da NTA
permanece elevada, oscilando entre 30-86%.
 Taxas mais altas estão associadas à maior gravidade da doença de base (sepse, pancreatite necrosante, politrauma,
pós-operatório complicado). A mortalidade tende a ser máxima se a NTA ocorrer como componente da síndrome de
disfunção orgânica múltipla. O comprometimento grave da função de quatro órgãos (sendo um deles o rim) tem uma
mortalidade beirando os 100%... Contudo, quando a NTA ocorre de forma isolada, a mortalidade é bem menor: em
torno de 30%.
 Os principais fatores de mau prognóstico na NTA são: Sepse, Oligúria, Refratariedade à furosemida, Síndrome
urêmica, Disfunção orgânica múltipla.
 Se um paciente com NTA sobreviver à afecção de base, a recuperação da função renal será a regra, ocorrendo em
90-95% dos casos. Os 5-10% restantes evoluem com perda renal definitiva, tornando-se cronicamente dependentes
de diálise... Na NTA, a recuperação da função renal começa, em média, após 7-21 dias, primeiramente com o
aumento do débito urinário ou poliúria. Depois de instalada a poliúria, as escórias nitrogenadas ainda podem demorar
alguns dias para começar a cair. O mecanismo de recuperação da função renal nesses casos é a regeneração do
epitélio tubular
A chance de se tornar “renal crônico” após um episódio de IRA tende a ser maior nos pacientes que já possuíam disfunção
renal prévia – atualmente é descrito um ciclo vicioso entre injúria renal aguda e progressão acelerada da IRC ... O
mecanismo é o seguinte: em certos pacientes de risco (idosos, diabéticos, IRC em estágios iniciais), a microcirculação do
parênquima renal apresenta um endotélio mais “vulnerável”, o que facilita a instalação de um quadro de IRA em face de
insultos renais diversos, como hipovolemia, AINEs, sepse, pós-operatório etc.A IRA, por sua vez, lesa ainda mais os
microvasos já doentes, modificando de forma irreversível o chamado labirinto endotelial renal (que será
quantitativamente reduzido). Assim, após se recuperar do episódio agudo, o rim sai com a microcirculação ainda mais
doente do que antes!!! Uma nova exposição a fatores nefroagressivos poderá levar a IRA com mais facilidade, de forma
mais precoce, mais intensa e com menos chance de recuperação.

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