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Um quadro de insuficiência renal é dito agudo (IRA) quando sua evolução é rápida, ao longo de horas ou dias . Na
maioria das vezes este é um diagnóstico puramente laboratorial, feito pelo reconhecimento da elevação da ureia e
creatinina plasmáticas (azotemia), na ausência de sintomas. Contudo, quando a disfunção renal for grave (Crpl > 4,0
mg/dl, geralmente com TFG < 15-30 ml/min), os sinais e sintomas da síndrome urêmica já podem aparecer.
Por definição, Insuficiência Renal é a queda na taxa de filtração glomerular (TFG). Entretanto, a azotemia (Crpl > 1,5
mg/dl em homens e > 1,3 mg/dl em mulheres) costuma aparecer somente quando a TFG está pelo menos 50%
abaixo do valor normal. Logo, podemos deduzir que mesmo um paciente SEM AZOTEMIA já pode apresentar perda
significativa da função renal (veremos isso com calma adiante).
Uma das definições mais utilizadas na atualidade é aquela
proposta pela KDIGO– Tabela 1.
IRA pode ser dividida em 3 subtipos, de acordo com o débito
urinário:
o IRA oligúrica: débito urinário for inferior a 500 ml/24h
o IRA não oligúrica: diurese maior que 400-500 ml/24h;
o IRA anúrica: débitos urinários inferiores a 50 ml/24h ou
100 ml/24h
O fato é que mais de 50% das IRA cursa com a forma não-
oligúrica, com volume urinário normal em torno de 1 a 2 L/dia!
Eventualmente, um débito urinário acima do normal (poliúria =
mais de 3 L/dia), pode ser observado em pacientes com injúria
renal aguda.
A ocorrência de injúria renal aguda (em qualquer grau) está
associada a um importante aumento da morbimortalidade intra-
hospitalar. Dependendo do contexto clínico (ex.: idade avançada,
presença de outras disfunções orgânicas) a mortalidade da IRA
pode variar entre 30-86%.
AS FUNÇÕES DO RIM
Para definir e compreender a injúria renal é fundamental um
entendimento preciso das funções do rim. Das três principais,
duas podem ameaçar a vida de maneira imediata se forem
perdidas. São elas: (1) função de filtro, ou função excretória, e (2)
regulação do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido básico. A terceira
função renal é a função endócrina, mediada basicamente através
da produção de dois hormônios principais: a eritropoietina e o
calcitriol (forma ativa da vitamina D).
ETIOPATOGENIA
A injúria renal aguda pode ser causada por três mecanismos básicos: hipofluxo renal (azotemia pré-renal); lesão no
próprio parênquima renal (azotemia renal intrínseca) e obstrução do sistema uroexcretor (azotemia pós-renal).
A causa de azotemia renal intrínseca mais comum é a NTA (Necrose Tubular Aguda), responsável por cerca de 90%
dos casos neste grupo etiopatogênico. Mas considerando todos os mecanismos, o mais comum parece ser o pré-renal,
e o menos comum, o pós-renal. Pré-renal (hipofluxo) – 55-60%, intrínseca NTA (Necrose Tubular Aguda) – 35-40% e
Pós-renal (obstrutiva) – 5-10%.
1- Azotemia Pré-Renal
Azotemia pré-renal é a elevação das “escórias nitrogenadas” causada pela redução do fluxo sanguíneo renal. É o tipo
mais comum de injúria renal aguda (55-60% dos casos). Caracteriza-se clinicamente pela reversibilidade, uma vez
restaurado o fluxo renal.
As principais causas são: hipovolemia; estados de choque; insuficiência cardíaca; cirrose hepática com ascite. O que
todas estas entidades possuem em comum é a queda do chamado volume circulante efetivo, ou seja, aquele que
preenche o leito arterial e perfunde nossos órgãos.
Fisiopatologia: decorrente da autorregulação do fluxo renal e da filtração glomerular. Quando a Pressão Arterial
Média (PAM) cai, as arteríolas aferentes vasodilatam, reduzindo a resistência vascular do rim, evitando o hipofluxo
renal. Em condições normais, o fluxo sanguíneo renal é preservado até uma PA sistólica de 80 mmHg. Caso a pressão
caia abaixo desse limite, a autorregulação não será mais capaz de evitar o hipofluxo, pois as arteríolas já estarão em
seu máximo de vasodilatação! O mecanismo de vasodilatação aferente depende de dois fatores: (1) estímulo direto
de barorreceptores de estiramento da própria musculatura lisa arteriolar (reflexo miogênico) e (2) liberação
intrarrenal de vasodilatadores endógenos (prostaglandina E2, sistema calicreína-cinina, óxido nítrico) que agem
predominantemente na arteríola aferente. A TFG ainda pode ser regulada de forma independente do fluxo renal,
por ação da angiotensina II, um potente vasoconstrictor da arteríola eferente. Ao agir sobre esta arteríola, a
angiotensina II promove um aumento da pressão de filtração glomerular, contribuindo para a manutenção da TFG.
Os AINE (inibidores da formação de prostaglandinas), os inibidores da ECA e os antagonistas do receptor de
angiotensina II prejudicam a autorregulação do fluxo renal e da TFG! Estes fármacos podem precipitar azotemia pré-
renal em pacientes com baixo fluxo renal, como aqueles com hipovolemia moderada a grave, ICC descompensada,
nefropatia crônica ou estenose bilateral de artéria renal. A redução do volume circulante efetivo é um forte estímulo
para a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona, do sistema adrenérgico e para a liberação de ADH
(vasopressina). A angiotensina II, as catecolaminas e a vasopressina promovem vasoconstricção periférica de modo a
desviar o fluxo sanguíneo para os órgãos “nobres”. Quando o estímulo é intenso, a vasoconstricção acomete também
os vasos renais, contribuindo para a azotemia pré-renal. O uso de drogas com efeito vasoconstrictor renal, tais como a
noradrenalina, adrenalina, dopamina (em dose alfa), ergotamina, ciclosporina e contraste iodado, pode também
precipitar uma azotemia pré-renal. Na tentativa de conservação hidrossalina, a angiotensina II aumenta a reabsorção
de sódio e água pelo néfron proximal, enquanto a aldosterona aumenta a reabsorção de sódio e água no néfron
distal. A vasopressina aumenta a reabsorção de água livre no néfron distal. Resultado final: oligúria, urina
hiperconcentrada e pobre em sódio.
Etiologia:
o Redução do volume circulante efetivo: é a causa mais comum. Pode ser devida à hemorragia externa ou
interna, diarreia, vômitos, fístulas digestivas, poliúria, sudorese intensa ou perda para o terceiro espaço
(retroperitônio – pancreatite; peritônio – ascite; luz intestinal – obstrução intestinal aguda, isquemia
intestinal, íleo paralítico; tecido muscular – rabdomiólise).
o Estado de choque: é acompanhado pela redução generalizada do fluxo orgânico. Um dos órgãos mais
afetados é o rim. Os choques hipovolêmicos, cardiogênico, séptico e obstrutivo são os tipos descritos.
o Insuficiência cardíaca descompensada: pode causar redução importante do fluxo renal, pelo baixo débito
cardíaco. Na insuficiência cardíaca, a ativação do sistema renina-angiotensina- -aldosterona promove
retenção hidrossalina que inicialmente é benéfica, por aumentar o retorno venoso e manter, até certo ponto,
um débito cardíaco satisfatório. Contudo, no estado mais avançado da cardiopatia, a retenção de sódio e
água pelo rim torna-se excessiva, sobrecarregando o ventrículo doente e levando a congestão pulmonar e
sistêmica.
o Cirrose hepática com ascite: é um estado de hipovolemia relativa, pois estes pacientes apresentam uma
intensa vasodilatação esplâncnica, reduzindo a quantidade de fluido no leito arterial.
o Nefropatia isquêmica: é uma situação especial de azotemia pré-renal. Ocorre na estenose bilateral de artéria
renal (ou estenose arterial em rim único). Geralmente são pacientes previamente hipertensos e com
aterosclerose em vários territórios vasculares. O mecanismo da isquemia aguda pode ser trombose sobre a
placa de ateroma, hipovolemia ou uso de inibidores da ECA/ AINE em pacientes com estenose bilateral grave.
No caso dos inibidores da ECA e AINE, a IRA geralmente é reversível após a retirada da droga.
o Síndrome Hepatorrenal: é uma forma peculiar de IRA pré-renal que acomete cerca de 20-40% dos portadores
de cirrose hepática avançada, mas também pode surgir no contexto da insuficiência hepática fulminante
(particularmente na hepatite alcoólica). Apesar de ser uma IRA “pré-renal”, a SHR não pode ser resolvida
apenas com a normalização da volemia. Em termos histológicos, caracteriza-se pela ausência de alterações
estruturais no parênquima renal, sendo o mecanismo da IRA uma intensa vasoconstrição nas artérias e
arteríolas pré-glomerulares (isquemia do córtex), o que configura um tipo de IRA “funcional”
potencialmente reversível. Acontece que essa reversibilidade depende única e exclusivamente da
normalização da função hepática, seja de maneira espontânea (ex.: cura da hepatite aguda), ou após
transplante de fígado (ex.: cirrose avançada). Mas por qual motivo ocorre essa vasoconstrição renal tão
intensa? A SHR representa na verdade o evento terminal de um continuum de alterações hemodinâmicas
induzidas pela disfunção hepática! Nas fases iniciais de qualquer hepatopatia grave podemos notar uma
progressiva VASODILATAÇÃO ESPLÂNCNICA, cuja principal consequência é a redução da resistência vascular
sistêmica (tendência à hipotensão). Todavia, inicialmente não ocorre hipotensão arterial, pois o volume
circulante efetivo consegue ser mantido à custa de aumentos no débito cardíaco, na vasoconstrição periférica
(desvio de sangue de órgãos “menos nobres”, como pele e musculatura esquelética) e retenção renal de
sódio e água. Tais respostas são mediadas pela ativação de dois importantes sistemas: (1) adrenérgico e (2)
renina-angiotensina-aldosterona. Tanto a queda inexorável do volume circulante efetivo (por “roubo” da
circulação esplâncnica), quanto os fenômenos compensatórios exageradamente intensos (causando
vasoconstrição renal) levam a uma profunda redução na taxa de filtração glomerular e no ritmo de
produção de urina, o que resulta em oligúria (débito urinário < 500 ml/dia ou < 400 ml/dia, dependendo da
referência) e azotemia (Cr > 1,5 mg/dl), ou seja, um
quadro de injúria renal grave!!! Mas o que explica a
vasodilatação esplâncnica? Tudo leva a crer que a
vasodilatação no território esplâncnico é secundária ao
fenômeno da translocação bacteriana, isto é, bactérias
presentes no lúmen intestinal conseguem ultrapassar a
mucosa (danificada pela hipertensão porta) e alcançar
os linfonodos mesentéricos. Neste local, leucócitos
mononucleares iniciam a produção de citocinas pró-
inflamatórias – como TNF-alfa e IL-6 – induzindo
hipersecreção pelo endotélio de mediadores como
óxido nítrico, monóxido de carbono e canabinoides
endógenos, que promovem vasodilatação local e
“roubo de sangue” para a circulação esplâncnica! um
dos principais deflagradores da SHR tipo 1 é a
Peritonite Bacteriana Espontânea (PBE), na vigência de
uma infecção grave (como a PBE), o cirrótico tem
grande chance de desenvolver injúria renal aguda.
Como a PBE é um “deflagrador” da SHR, mesmo após a cura dessa infecção o doente pode permanecer com
oligúria e piora progressiva da azotemia, quando então teremos certeza de que ele realmente entrou em
SHR.
3. Azotemia Pós-Renal
A azotemia pós-renal, ou injúria pós-renal, é uma disfunção renal causada por obstrução aguda do sistema
uroexcretor.
É responsável por apenas 5-10% dos casos de injúria renal aguda, embora, no subgrupo dos idosos, esta proporção se
torne um pouco maior devido à elevada prevalência de doença prostática.
Um conceito fundamental: a azotemia pós-renal só irá se desenvolver nas obstruções com repercussão renal bilateral,
como ocorre na obstrução uretral, do colo vesical, ureteral
bilateral ou ureteral em rim único. Uma obstrução renal
unilateral, mesmo que completa, geralmente não causa
azotemia, pois o rim contralateral (se for normofuncionante) é
capaz de suprir a falta do outro. Entretanto, se o paciente já for
um nefropata crônico (ex.: IRC em tratamento conservador)
mesmo a obstrução de um único ureter pode desencadear um
quadro de uremia, pois o rim não obstruído pode não ser capaz
de manter a homeostase.
Após um quadro de obstrução urinária aguda, a pressão no
interior dos túbulos renais aumenta de maneira súbita.
Curiosamente, a filtração glomerular não se reduz nas primeiras
horas e, muito pelo contrário, aumenta. Este fato deve-se à
produção inicial excessiva de prostaglandinas pelo parênquima
renal. Tais substâncias promovem vasodilatação da arteríola
aferente, o que aumenta de forma importante a pressão
hidrostática no tufo glomerular, aumentando, por conseguinte,
a filtração. Chamamos esta fase de “hiperêmica”. Após as
primeiras horas do início da obstrução (12 a 24h), observamos a
síntese progressivade substâncias vasoconstrictoras, como
angiotensina II e tromboxane A2 , que levam a uma diminuição
da filtração glomerular. Se a obstrução (mesmo que parcial) for
persistente, o epitélio tubular, sob efeito da maior pressão
luminal, libera substâncias quimiotáxicas que atraem células
inflamatórias. O resultado a médio e longo prazo será uma
nefrite tubulointersticial crônica (nefropatia obstrutiva). Os
monócitos e macrófagos infiltrantes secretam citocinas que
promovem fibrose tecidual. Parece que um dos fatores mais
importantes neste processo é o TGF-beta (Transforming Growth Factor-beta)
A hiperplasia prostática benigna é a causa mais comum de injúria pós-renal. Nesta doença, o tecido prostático que
cresce é o interno, comprimindo, assim, em graus variados, a uretra prostática. Eventualmente, a obstrução pode se
agravar de maneira súbita (“retenção urinária aguda”), por edema da glândula, espasmo do colo vesical ou disfunção
aguda do músculo detrusor, levando à retenção urinária. Os fatores precipitantes mais frequentes são: uso de
medicamentos com efeito anticolinérgico (disfunção do detrusor) ou simpatomimético (espasmo do colo vesical),
infecção prostática (prostatite) ou do trato urinário e infarto prostático. Clinicamente, o paciente apresenta-se com
oligoanúria, desconforto hipogástrico e “bexigoma”. Lembre-se que a presença de diurese de modo algum descarta a
hipótese de obstrução, pois o fluxo de urina pode estar ocorrendo por “transbordamento” em uma bexiga repleta... A
passagem de um cateter de Foley costuma resolver a obstrução e, portanto, a azotemia. Quando a retenção vesical
for maior que 900 ml, a chance do paciente voltar a urinar espontaneamente é pequena (em torno de 15%),
necessitando de cirurgia prostática desobstrutiva.
As outras causas menos comuns de obstrução do sistema uroexcretor devem ser divididas em (1) congênitas e (2)
adquiridas. Exemplos de uropatia obstrutiva bilateral congênita: valva uretral posterior, estenose uretral, fimose. Das
patologias adquiridas, destacam-se: câncer de próstata, câncer de bexiga, bexiga neurogênica, cálculo uretral, cálculo
ureteral bilateral ou em rim único, carcinoma metastático para pelve (mais comum: CA de colo uterino), linfoma
pélvico, fibrose retroperitoneal, ligadura cirúrgica acidental dos ureteres.
Quando suspeitar de IRA pós-renal? Naquele paciente idoso
com história de prostatismo e que repentinamente ficou
anúrico (por obstrução completa da uretra prostática).
O grande risco em um paciente com obstrução urinária é o
surgimento de infecção. Na presença de obstrução, a
pielonefrite leva à perda renal em poucos dias, tornando a
desobstrução um procedimento de emergência!!! Sem infecção
associada, leva mais tempo para que tenhamos uma nefropatia
tubulointersticial irreversível, talvez duas a quatro semanas
(dependendo do grau de obstrução e da reserva renal prévia).
Quanto mais tempo obstruído, maior o número de néfrons
perdidos... A nefropatia obstrutiva crônica leva à fibrose
intersticial e atrofia do sistema tubular, cursando com poliúria
(perda da concentração urinária) e acidose tubular
hipercalêmica (tipo IV). O exame de urina na azotemia pós-renal
pode ser inocente, mas também pode revelar hematúria, piúria
e discreta proteinúria (lesão da mucosa). A bioquímica urinária é
variável.
QUADRO CLÍNICO NA
SÍNDROME URÊMICA AGUDA
Na maioria das vezes, a injúria renal aguda é um diagnóstico laboratorial feito em um paciente que apresenta uma das
condições clínicas descritas anteriormente. Portanto, em geral, os sinais e sintomas são devidos à condição clínica
causal, como hipovolemia, insuficiência cardíaca, sepse, síndrome nefrítica etc., e não à injúria renal em si.
Nas azotemias mais graves aparecem sinais e sintomas de insuficiência renal, que juntos compõem a chamada
síndrome urêmica aguda ou uremia aguda. Esta síndrome é composta por três distúrbios básicos:
o 1. Acúmulo de toxinas nitrogenadas dialisáveis;
o 2. Hipervolemia;
o 3. Desequilíbrio hidroeletrolítico e acidobásico.
Os sinais e sintomas que definem a síndrome urêmica são
provocados pelo acúmulo no organismo de grande
quantidade de “escórias nitrogenadas”, que são substâncias
tóxicas, contendo nitrogênio, derivadas do metabolismo
proteico. Quando elas estão em níveis elevados, há um
aumento paralelo da ureia e da creatinina sérica.
Na IRA, para se desenvolver a síndrome urêmica, geralmente a
creatinina está acima de 4,0 mg/dl e a ureia acima de 120
mg/dl. A ureia realmente contribui para alguns sinais e
sintomas da síndrome urêmica, mas somente quando em níveis muito altos (> 380 mg/dl), relacionando-se
especialmente ao desenvolvimento de náuseas, vômitos, anorexia e sangramentos.
1- Manifestações Cardiopulmonares
A insuficiência renal aguda oligúrica ou anúrica pode causar retenção importante de líquidos e sódio, aumentando a
volemia. Os sinais e sintomas de hipervolemia aguda são: (1) Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS); (2) Edema Agudo
de Pulmão (EAP); e (3) edema periférico. A hipertensão arterial sistêmica é encontrada na IRA oligúrica ou anúrica
das glomerulonefrites, nefrite intersticial aguda, nefroesclerose hipertensiva maligna, ateroembolismo por
colesterol, síndrome hemolítico-urêmica, crise renal da esclerodermia e obstrução urinária aguda. A hipertensão,
quando presente, pode ser grave e refratária ao tratamento medicamentoso, só respondendo à diálise.
Na hemodiálise, isso é feito pelo aumento da pressão hidrostática no capilar do filtro; na diálise peritoneal,
aumenta-se simplesmente a osmolaridade da solução de diálise (“puxa mais líquido”). Além da retenção
hidrossalina, a insuficiência renal predispõe à vasoconstricção arteriolar sistêmica, talvez pela depleção de substâncias
endógenas vasodilatadoras, como o óxido nítrico. A retenção hidrossalina também promove congestão e edema
pulmonar cardiogênico, levando à dispneia, ortopneia ou até insuficiência respiratória. As toxinas urêmicas podem
aumentar a permeabilidade capilar pulmonar, levando a um componente não cardiogênico de edema pulmonar, do
tipo SDRA (“pulmão urêmico”). A ultrafiltração é mandatória nesses casos, reduzindo o edema pulmonar e
melhorando a troca gasosa e a mecânica ventilatória.
O edema periférico está presente na síndrome nefrítica e no renal crônico com insuficiência renal agudizada. É do
tipo periorbitário, das serosas (derrame pleural, pericárdico, ascite) e de regiões dependentes de gravidade
(membros inferiores). A pericardite urêmica manifesta-se com dor torácica pleurítica, associada a atrito pericárdico
e/ou alterações eletrocardiográficas de pericardite aguda (taquicardia sinusal + pequeno supradesnível de ST de
formato côncavo em várias derivações).
O tamponamento cardíaco é uma das complicações mais temíveis da uremia, pois pode ser fatal. Ocorre pelo
acúmulo muito rápido de líquido na cavidade pericárdica, elevando subitamente a pressão intrapericárdica. A causa
mais comum é o sangramento pericárdico, o que pode ser precipitado pelo uso de heparina na hemodiálise. Como
prevenção, a hemodiálise deve ser realizada sem heparina nos pacientes com pericardite urêmica, ou então, deve-se
preferir a diálise peritoneal.
2- Manifestações Hematológicas
A anemia pode ocorrer, porém costuma ser menos acentuada que a anemia da uremia crônica. Anemia é um achado
muito frequente em pacientes graves e pode ser consequente à infecção, perda sanguínea, hemodiluição, hemólise
etc. A uremia aguda cursa com um distúrbio da hemostasia, devido à disfunção plaquetária. As plaquetas no paciente
urêmico têm menor capacidade de adesão e agregação. O Tempo de Sangramento (TS) está caracteristicamente
prolongado. O fator de Von Willebrand, elemento importante para a adesão plaquetária ao colágeno, está
disfuncionante. As plaquetas encontram-se depletadas do fator III. A consequência clínica é uma forte predisposição
ao sangramento.
Epistaxe, gengivorragia, sangramento de sítios de punção, hemorragia digestiva e até mesmo AVE hemorrágico
podem ocorrer!!! O uso de desmopressina (dDAVP) intranasal pode aumentar a disponibilidade do fator de VWB,
melhorando o distúrbio hemostático da uremia
3- Manifestações Neurológicas
A encefalopatia urêmica aguda caracteriza-se pelo estado de confusão mental, agitação psicomotora, associado à
mioclonia (abalos musculares repetitivos), asterixis, hiper-reflexia tendinosa e sinal de Babinski bilateral. O quadro
pode evoluir para crise convulsiva tônicoclônica, torpor, coma e óbito por edema cerebral grave.
A encefalopatia urêmica deve ser diferenciada da síndrome do desequilíbrio dialítico (edema cerebral desencadeado
pelas primeiras sessões de hemodiálise, devido à queda súbita da osmolaridade extracelular) e da encefalopatia
aguda pelo alumínio.
A síndrome das pernas inquietas está relacionada à neuropatia urêmica. O paciente queixa-se de desconforto nos
membros inferiores e uma vontade incontrolável de mexer as pernas. A neuropatia periférica pode levar a
parestesias nas extremidades. A irritação do nervo frênico propicia o aparecimento de soluços incoercíveis, comuns
na uremia aguda. As manifestações neurológicas da uremia aguda costumam melhorar com a diálise.
4- Manifestações Gastrointestinais
Os primeiros sintomas da uremia aguda frequentemente estão relacionados ao aparelho digestório. A uremia provoca
inflamação nas mucosas e disfunção na motilidade. Surgem então sintomas como: anorexia, náuseas e vômitos (como
consequência à gastroparesia), diarreia ou íleo metabólico. Os sintomas gastrointestinais da uremia melhoram
prontamente após o início da terapia dialítica.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico de injúria renal aguda normalmente é feito a partir de uma das seguintes situações clínicas: (a) redução
do débito urinário; (b) sinais e sintomas da síndrome urêmica; e (c) azotemia assintomática. A IRA costuma não
acarretar sintomas, a não ser que a retenção das “escórias” seja muito acentuada. Então, a situação mais comum é
encontrarmos elevação da ureia e creatinina em um paciente com os sinais e sintomas provenientes, não da IRA em
si, mas da patologia que a está determinando (ex.: sepse, hipovolemia etc.).
Na IRA pré-renal, devemos normalizar imediatamente o fluxo sanguíneo renal; na IRA pós-renal, devemos desobstruir
as vias urinárias o mais rápido possível. Estas duas entidades, portanto, devem ser prontamente diagnosticadas!
o A fração excretória de ureia (FEureia): não é “falseada” pelo uso de diuréticos, e por isso deve ser usada no
lugar da FENa em pacientes que fizeram uso dessas drogas. É calculada pela mesma fórmula da FENa,
substituindo-se o sódio pela ureia. Quando inferior a 35% indica pré-renal, e quando maior do que 50% indica
NTA. Ressalte-se que o emprego da FEureia no lugar da FENa só foi validado no caso de uso de diuréticos –
nas demais condições em que a IRA pré-renal pode cursar com FENa > 1% a real utilidade deste marcador
ainda não foi definida.
o Biópsia Renal: Em geral não é necessária, sendo reservada para os casos em que não se consegue definir o
tipo de injúria renal intrínseca através de outros métodos complementares. Em certas condições (ex.:
nefrite lúpica) a biópsia pode ser feita para determinar a classe específica da lesão glomerular (nem sempre
evidente apenas pelas características clínicas), o que pode indicar mudanças no tratamento e no prognóstico.
TRATAMENTO
O tratamento da IRA depende do tipo fisiopatológico.
1 - Azotemia Pré-Renal
O tratamento visa à otimização do fluxo sanguíneo renal. Drogas do tipo AINE ou inibidores da ECA/Ant. Angio II
devem ser suspensas! A reposição de cristaloides é o tratamento inicial de escolha para os estados hipovolêmicos,
qualquer que seja a causa ou o tipo de fluido perdido (vômito, diarreia, poliúria, suor, terceiro espaço ou sangue).
2 - Azotemia Pós-Renal
Uma obstrução uretral por hiperplasia prostática pode ser prontamente tratada pela inserção do cateter de Foley . Se
não for possível ultrapassar a obstrução uretral com o cateter, devese proceder à cistostomia. Se a obstrução for
ureteral e houver hidronefrose, um cateter duplo J pode ser inserido no ureter por via transuretral (baixa) ou
transpiélica (alta). Se a obstrução ureteral não puder ser vencida, uma nefrostomia percutânea estará indicada. Na
presença de cálculos obstrutivos, os mesmos devem ser removidos.
PROGNÓSTICO
O prognóstico de pacientes com IRA pré ou pós-renal é em geral bastante favorável, desde que a causa do
problema seja prontamente reconhecida e resolvida (ex.: reposição volêmica e desobstrução do trato urinário,
respectivamente). A mortalidade costuma ser < 10% nesses pacientes... Por outro lado, a mortalidade da NTA
permanece elevada, oscilando entre 30-86%.
Taxas mais altas estão associadas à maior gravidade da doença de base (sepse, pancreatite necrosante, politrauma,
pós-operatório complicado). A mortalidade tende a ser máxima se a NTA ocorrer como componente da síndrome de
disfunção orgânica múltipla. O comprometimento grave da função de quatro órgãos (sendo um deles o rim) tem uma
mortalidade beirando os 100%... Contudo, quando a NTA ocorre de forma isolada, a mortalidade é bem menor: em
torno de 30%.
Os principais fatores de mau prognóstico na NTA são: Sepse, Oligúria, Refratariedade à furosemida, Síndrome
urêmica, Disfunção orgânica múltipla.
Se um paciente com NTA sobreviver à afecção de base, a recuperação da função renal será a regra, ocorrendo em
90-95% dos casos. Os 5-10% restantes evoluem com perda renal definitiva, tornando-se cronicamente dependentes
de diálise... Na NTA, a recuperação da função renal começa, em média, após 7-21 dias, primeiramente com o
aumento do débito urinário ou poliúria. Depois de instalada a poliúria, as escórias nitrogenadas ainda podem demorar
alguns dias para começar a cair. O mecanismo de recuperação da função renal nesses casos é a regeneração do
epitélio tubular
A chance de se tornar “renal crônico” após um episódio de IRA tende a ser maior nos pacientes que já possuíam disfunção
renal prévia – atualmente é descrito um ciclo vicioso entre injúria renal aguda e progressão acelerada da IRC ... O
mecanismo é o seguinte: em certos pacientes de risco (idosos, diabéticos, IRC em estágios iniciais), a microcirculação do
parênquima renal apresenta um endotélio mais “vulnerável”, o que facilita a instalação de um quadro de IRA em face de
insultos renais diversos, como hipovolemia, AINEs, sepse, pós-operatório etc.A IRA, por sua vez, lesa ainda mais os
microvasos já doentes, modificando de forma irreversível o chamado labirinto endotelial renal (que será
quantitativamente reduzido). Assim, após se recuperar do episódio agudo, o rim sai com a microcirculação ainda mais
doente do que antes!!! Uma nova exposição a fatores nefroagressivos poderá levar a IRA com mais facilidade, de forma
mais precoce, mais intensa e com menos chance de recuperação.