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O fato do gerente G haver cido notificado da extração ilegal por parte da

mineradora M, não o criminaliza pelo crime previsto no art. 55 da Lei


9.605/1998.
Olhando sobre a ótica através das ações neutras (ou cotidianas), segundo Flávio
Cardoso Pereira [1], um dos primeiros a abordar o tema em âmbito nacional, define os
atos cotidianos ou neutros como “aqueles nos quais o agente agindo dentro de suas
atividades comerciais ou habituais, não desaprovadas sob a ótica jurídica, objetiva com
seus atos a atuação com fins próprios e independentes da vontade perseguida pelo autor
do fato. Portanto, as ações cometidas por G foram ações socialmente úteis, cotidianas e
em princípio inofensivas.
Conforme Luís Greco [3], as contribuições que podem ser obtidas em qualquer outro
lugar, de qualquer outra pessoa que age licitamente, sem maiores dificuldades para o
autor principal, não podem considerar-se proibidas, porque tal proibição seria inidônea
para proteger o bem jurídico concreto.
De forma mais eficiente surge a contribuição prestada por JAKOBS, que com base em
uma reformulação da antiga teoria da proibição de regresso, trata de excluir da
participação, as contribuições dolosas ou culposas ao fato de outro agente que
objetivamente realizam o tipo penal, porém que tem um caráter inócuo e cotidiano.
Segundo o citado doutrinador, o fornecedor que loca seu maquinário, não responde
como partícipe de um delito de lavra clandestina, se conhece que o adquirente vai
manipular os equipamentos para cometer uma lavra clandestina por meio de extração
ilegal da argila. Justifica tal posicionamento, alegando que no exemplo citado, o gerente
G e o entregador E estão desempenhando suas atividades diárias e cotidianas, em
virtude do qual ninguém responde pelas consequências derivadas do cumprimento
pontual de suas obrigações contratuais 12.
A IMPUTAÇÃO OBJETIVA E O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA Dentre algumas situações de risco
permitido, às vezes, há a atuação em conjunto de duas ou mais pessoas no fato e em sua
resolução. Não é lícito se afirmar que todas as pessoas atuam corretamente, porque
determinadas situações levam-nas a cometer erros. Contudo, as outras que se comportam
adequadamente, esperam que as demais também assim o façam. A sociedade, como um todo,
tem em mente que as pessoas ajam consoante os comportamentos sociais adquiridos, não
sendo tais, comportamentos desaprovados. Como ensina Juarez Tavares, "salvo em hipóteses
de ação conjunta e vinculadora, ninguém em princípio, deve responder por ações defeituosas
de terceiros, mas sim, até mesmo pode confiar em que atendam todos os outros aos
respectivos deveres de cuidado." 22 Por isso, a responsabilidade penal de um indivíduo
somente existe por seu único comportamento, nunca pelo dos demais.

Toda a sociedade é composta por situações de riscos permitidos, que fazem parte do modelo
normal dos meios de vida, sem os quais essa sociedade não poderia desenvolver suas
atividades. Nesse rol de atividades, estão, por exemplo, a circulação de veículos, a navegação
aérea, os contatos pessoais, o compartilhamento do trabalho e muitas outras situações
envolvendo mais de uma pessoa na elaboração dos fatos.

Dentro do marco da teoria da imputação objetiva, é possível trabalhar com a exclusão


da responsabilidade criminal das atividades quotidianas de profissionais que
desenvolvem as suas atividades, ainda que de certo modo possam "favorecer" uma
atividade delitiva
De outro lado, também se pode trabalhar com a teoria das atividades neutras
ou standard, que ocorrem quando a conduta do agente se insere na realização daquelas
atividades que, em princípio, são oferecidas a qualquer cliente que as solicite,
denominando-se negócios ou condutas padrão.
Assim, um comportamento quotidiano não é punível como participação, ainda quando
supunha uma contribuição fática à realização de um determinado delito, quando for
possível afirmar que dito comportamento fica plenamente coberto pelo rol social lícito
em que se insere, é dizer, que supõe um simples ato neutro ínsito em dito rol [8]. Esse
papel está dentro das atividades profissionais desenvolvidas quotidianamente e não pode
ser visto como favorecimento à atividade criminal

Também deve ser analisado que tipo de conexão há entre a atividade neutra e o lavrador
clandestino. De acordo com isso, a conexão da ação inicialmente neutra com a
realização de um delito realizado por outro é requisito necessário, em que pese seja
insuficiente para afirmar a tipicidade da conduta. É pressuposto da tipicidade, mas não é
elemento que decide a relevância penal da conduta. Somente a concorrência de
especiais circunstâncias que permitam concluir pela existência de forma clara e unívoca
de uma especial relação de sentido delitivo entre a conduta inicialmente neutra e o
delito pode modificar o caráter neutro da conduta e convertê-la em típica [10].

De acordo com o exposto, não é qualquer "colaboração" de uma atividade profissional


que "favoreça" a atividade de lavra clandestina que pode ser justificada como típica. O
dolo ou o mero conhecimento não são suficientes para determinar a relevância penal da
conduta, mesmo quando os conhecimentos especiais do autor devam ser considerados
para a determinação da tipicidade da concreta conduta analisada
PROIBIÇÃO DE REGRESSO O que denomina proibição de regresso não nasceu com a imputação
objetiva. Já era conhecido na relação de causalidade, nas ocasiões em que era possível se
imputar ao agente de um comportamento a responsabilidade pela conduta de terceiro, sendo
que o primeiro agente deveria ter agido de forma culposa e o terceiro cometido um fato típico
doloso. Com a imputação objetiva, não há necessidade causal entre a conduta do sujeito ex
ante e de quem recebe o destino daquela conduta. Isto porque se entende que o
comportamento anterior tem um caráter inócuo, já que estereotipado por cursos normais de
conduta. O autor não pode, por si, modificar o significado do comportamento, eis que o
terceiro assume com o autor, uma conduta comum a todos, restrito ao próprio curso de vida
daquele autor. Ou seja, o autor não integra os intentos delinquentes do terceiro infrator.

Dessa forma, tais comportamentos não podem ser considerados como co-autoria ou
participação. Não se discute a relação de causalidade entre a conduta do autor e o delito do
terceiro, já que existe, em princípio, atipicidade no antecedente. Nem mesmo se pode
considerar a regressão nas hipóteses em que o agente saiba que o resultado de sua conduta
servirá de base para um crime futuro, já que não tem domínio do fato e nem mesmo certeza da
infração por parte do terceiro.

Entende-se por mais correto um conceito como o estabelecido por José Antonio Caro
John, no sentido de que o termo “conduta neutra”: “[...] expressa o sentido jurídico
valido que reúne uma conduta que não alcança o nível de uma intervenção punível. O
caráter neutro da conduta indica ter sido praticada dentro das margens da adequação
social reconhecida pelo Direito, ou dentro do risco permitido, de tal maneira que a
possibilidade de uma imputação por
intervenção delitiva resta excluída de plano”.
Quanto a solução à pergunta proposta, a conduta do gerente G e do entregador E, não
são puníveis, afinal, o gerente da Mineradora M poderia perfeitamente e sem qualquer
dificuldade firmar contrato de locação para obtenção de maquinário com outro
fornecedor e usá-los para praticar o crime de lavra clandestina como prevê o art. 55 da
Lei 9.605/1998 para extrair argila sem autorização legal.
Sendo assim, a proibição da contribuição do gerente G e do entregador E seriam
inidôneas para proteger o bem jurídico concreto (a argila), vale dizer, não melhoraria de
modo relevante a proteção deste bem jurídico, inexistindo, assim, na conduta do gerente
G e do entregador E, risco juridicamente proibido (ou desaprovado).

[1] Cumplicidade através das ações neutras: a imputação objetiva na participação. Rio
de Janeiro: Renovar, 2004, p. 110.
[2] “As ações cotidianas no âmbito da participação delitiva” in Revista Jus Navegandi,
ano 8, n. 61, 1º jan. 2003, disponível em https://jus.com.br/artigos/3652, acesso em
14.12.2019. Artigo também publicado na Revista Síntese de Direito Penal e Direito
Processual Penal, v. 3, n. 16, out./nov. 2002, p. 37-42.

Segundo Jakobs, a proibição de regresso refere-se àqueles casos em que


um comportamento que favorece a prática de um delito por parte de
outro sujeito não pertence, em seu significado objetivo, a esse delito,
quer dizer, que pode ser "distanciado" dele. Ocorre quando o sujeito que
realiza a atividade facilitadora do comportamento delitivo não aceita
como algo comum o delito cometido [4], ou, dito de outro modo, quem
se comporta de um modo socialmente adequado não responde pelo giro
nocivo que o outro dá a um acontecimento [5].

Dentro do marco da teoria da imputação objetiva, é possível trabalhar


com a exclusão da responsabilidade criminal das atividades quotidianas
de profissionais que desenvolvem as suas atividades, ainda que de certo
modo possam "favorecer" uma atividade delitiva [6].

A título de exemplo: o corretor de imóveis que participa de uma


transação imobiliária não tem que se preocupar se o comprador registrará
dita propriedade ou a utilizará em outro negócio. Não faz parte do seu
papel esse controle, e se o comprador tem como objetivo mascarar
valores obtidos de forma ilícita (lavagem de dinheiro), tal
comportamento não pode abarcar o do corretor de imóveis. Não faz parte
do papel do corretor o controle do que será feito com os bens adquiridos,
existe uma limitação da participação criminal.

De outro lado, também se pode trabalhar com a teoria das atividades


neutras ou standard, que ocorrem quando a conduta do agente se insere
na realização daquelas atividades que, em princípio, são oferecidas a
qualquer cliente que as solicite, denominando-se negócios ou condutas
padrão [7].

Assim, um comportamento quotidiano não é punível como participação,


ainda quando supunha uma contribuição fática à realização de um
determinado delito, quando for possível afirmar que dito comportamento
fica plenamente coberto pelo rol social lícito em que se insere, é dizer,
que supõe um simples ato neutro ínsito em dito rol [8]. Esse papel está
dentro das atividades profissionais desenvolvidas quotidianamente e não
pode ser visto como favorecimento à atividade criminal.

O analista penal não entrará sequer na valoração acerca do


"conhecimento" daquele que realiza a atividade de estar intervindo —
instrumentalizado — em um ilícito alheio, ou se dito "conhecimento"
não houve, mas deveria ter ocorrido — com uma mínima diligência
— etc., porque nesses casos, uma vez mais, não existe tipicidade
objetiva por ausência de risco juridicamente desaprovado, de tal modo
que não é necessário analisar uma pretendida tipicidade do
comportamento [9].

Também deve ser analisado que tipo de conexão há entre a atividade


neutra e o lavrador candestino. De acordo com isso, a conexão da ação
inicialmente neutra com a realização de um delito realizado por outro é
requisito necessário, em que pese seja insuficiente para afirmar a
tipicidade da conduta. É pressuposto da tipicidade, mas não é elemento
que decide a relevância penal da conduta. Somente a concorrência de
especiais circunstâncias que permitam concluir pela existência de forma
clara e unívoca de uma especial relação de sentido delitivo entre a
conduta inicialmente neutra e o delito pode modificar o caráter neutro da
conduta e convertê-la em típica [10].

De acordo com o exposto, não é qualquer "colaboração" de uma


atividade profissional que "favoreça" a atividade de lavra clandestina que
pode ser justificada como típica. O dolo ou o mero conhecimento não
são suficientes para determinar a relevância penal da conduta, mesmo
quando os conhecimentos especiais do autor devam ser considerados
para a determinação da tipicidade da concreta conduta analisada [11].

C. Proibição de Regresso: quando se estabelece uma


relação com outro indivíduo cumprindo com nosso papel
social, pelo princípio da confiança, não se deve desconfiar do
que o agente pretende com àquela relação. Assim sendo,
mesmo que da relação estabelecida uma das partes se utiliza
para cometer um ilícito, aquele que agiu dentro e conforme de
seu papel social de nada poderá ser responsabilizado, mesmo
que fosse possível evitar o resultado ilícito, pois, o resultado
poderá ser obtido de outra forma pelo indivíduo de má-fé.
Exposto isto temos que nenhuma sociedade pode ficar sem
estabelecer este princípio, visto isto preleciona Jakobs que uma
sociedade que necessita de constantes contatos sociais com o
fim de prestações de serviços em massa, dotando de
comportamentos invariavelmente considerados, não pode
renunciar a este princípio.

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