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P R O F .

V I C T O R F I O R I N I

D O E N ÇAS
NEUROMUSCULARES
PA R T E 2
NEUROLOGIA Prof. Victor Fiorini | Doenças Neuromusculares Parte 2 2

APRESENTAÇÃO:

PROF. VICTOR
FIORINI
Fala, Estrategista!
Bem-vindo(a) a mais um livro de Neurologia do Curso
Extensivo do Estratégia Med!
Neste material, você encontrará um conteúdo com foco nas
provas de Residência de todo o país para turbinar seu conhecimento
e facilitar o caminho até a Residência Médica.
O assunto dessa vez é a segunda parte das doenças
neuromusculares. Na parte 1, falamos sobre neuropatias periféricas
e dor. É recomendada essa leitura antes de que você comece aqui,
porque muitas questões são sobre diagnóstico diferencial com
algumas das doenças tratadas naquela primeira parte.
Nós usamos a técnica da engenharia reversa para construir
todo o texto que você encontrará aqui. E como ela funciona?
Pegamos questões das provas de Residência de nosso banco
SQMED e classificamo-las conforme o tema. Depois, construímos
uma árvore de assuntos e extraímos tudo o que foi comentado nas
questões para elaborar a parte teórica. Depois, temperamos com
ilustrações inéditas feitas por nosso time, fluxogramas, mnemônicos
e tabelas.
Além disso, é importante que você assista à aula em vídeo e
resolva as questões de nossa lista, para que fique bem sedimentado
todo o conhecimento e para que você não perca seu tempo.
O livro Doenças Neuromusculares 2 foi confeccionado com
base em quase uma centena de questões. Ele é dividido em três
assuntos: doenças da junção neuromuscular, doenças do neurônio
motor e miopatias.

Estratégia MED

@profvictorfiorini
Estratégia
MED
NEUROLOGIA Prof. Victor Fiorini | Doenças Neuromusculares Parte 2 3

DOENÇAS NEUROMUSCULARES
1%

5%
6%

Os quatro assuntos mais importantes para sua prova são a que não saiba como diagnosticar um paciente com um quadro
6%
miastenia gravis e seu diagnóstico diferencial, a síndrome de Eaton- neurológico e que coloque 35%
a saúde dele em risco.
6%
Lambert, além da esclerose lateral amiotrófica e a hipertermia Algumas dessas doenças são potencialmente fatais e
maligna. DOENÇAS NEUROMUSCULARES
possuem tratamento. Por essa razão, muitas bancas gostam de
Esses assuntos são bem interessantes, pois você encontrará 21%
cobrar esse assunto. E, se isso já caiu quase uma centena de vezes,
1%
casos de alterações ao exame neurológico bastante particulares a chance de cair em sua prova não é 2%
pequena!
16%
5%
e exuberantes. Para quem nunca viu
6% nada sobre o assunto, as
Veja no gráfico abaixo, que preparei para você, qual é a
alterações podem até parecer sem sentido e gerar uma grande distribuição dos assuntos em sua prova.
6%
dúvida. E é aí que os examinadores adoram pegar quem está mal 1%
35%

DOENÇAS NEUROMUSCULARES
6%
preparado. Ninguém quer alguém trabalhando em seu serviço

21%
1% DOENÇAS NEUROMUSCULARES
16% 2%
1%
5% Miastenia Gravis Miopa�as Metabólicas
6% 6%
5% Paral
1% Botulismo Ela Rabd
6%
6% Hipertemia Maligna Lambert-Eaton Amit
6% 35%

6% 35% Miopa�as inflamatórias Duchenne

21%

Miastenia Gravis 16% Miopa�as2%


Metabólicas Paralisia Periódica

21% Botulismo Ela Rabdomipolise

1%
Hipertemia Maligna Lambert-Eaton Amitrofia espinhal
16% 2%
Miopa�as inflamatórias Duchenne

1%
Miastenia Gravis Miopa�as Metabólicas Paralisia Periódica
Figura 1: distribuição proporcional das questões de doenças neuromusculares parte 2 nas principais
Botulismo Ela provas de Residência do país, de acordo com o SQMED.
Rabdomipolise
Agora, vamos começar nossa aula! Espero, de coração, que você aproveite ao máximo e que o material ajude em sua aprovação. Tudo
Hipertemia Maligna Lambert-Eaton Amitrofia espinhal
foi feito com muito carinho e dedicação.
Bons estudos, Estrategista! Miopa�as inflamatórias Duchenne

Prof. Victor Fiorini.

Miastenia Gravis Miopa�as Metabólicas Paralisia Periódica


@estrategiamed t.me/estrategiamed

Botulismo
@estrategiamed /estrategiamed
Ela Estratégia
Rabdomipolise
MED

Hipertemia Maligna Lambert-Eaton Amitrofia espinhal


NEUROLOGIA Doenças Neuromusculares Parte 2 Estratégia
MED

SUMÁRIO

1.0 DOENÇAS DA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR 6


1.1 FISIOLOGIA NA TRANSMISSÃO SINÁPTICA NA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR 6

1.2 MIASTENIA GRAVIS 8

1.2.1 FISIOPATOLOGIA 8

1.2.2 QUADRO CLÍNICO 10

1.2.3 DIAGNÓSTICO 17

1.2.3.1 TESTE DO GELO E TESTE DO EDROFÔNIO 17

1.2.3.2 DOSAGEM DE AUTOANTICORPOS E OUTROS EXAMES LABORATORIAIS 18

1.2.3.3 TC DO TÓRAX 19

1.2.3.4 ELETRONEUROMIOGRAFIA COM TESTE DE ESTIMULAÇÃO REPETITIVA 20

1.2.4 TRATAMENTO 21

1.2.4.1 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO 21

1.2.4.1.1 CRISE MIASTÊNICA E CRISE COLINÉRGICA 22

1.2.4.2 TRATAMENTO CIRÚRGICO 25

1.3 SÍNDROME MIASTÊNICA DE EATON-LAMBERT 27

1.3.1 EPIDEMIOLOGIA 27

1.3.2 FISIOPATOLOGIA 28

1.3.3 QUADRO CLÍNICO 29

1.3.4 DIAGNÓSTICO 30

1.3.5 TRATAMENTO 33

1.3.6 DIFERENÇAS ENTRE MIASTENIA GRAVIS E SÍNDROME MIASTÊNICA DE EATON-LAMBERT 34

1.4 BOTULISMO 35

1.5 OUTRAS NEUROTOXINAS QUE AFETAM A JUNÇÃO NEUROMUSCULAR 37

1.5.1 ACIDENTE COM ANIMAIS PEÇONHENTOS 38

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1.2.2 INTOXICAÇÃO POR INIBIDORES DE ACETILCOLINESTERASE 40

2.0 DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR 41


2.1. ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA 43

2.1.2 QUADRO CLÍNICO 43

2.1.3 EXAMES COMPLEMENTARES 46

2.1.4 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 47

2.1.5 TRATAMENTO 48

2.2 ATROFIA ESPINHAL PROGRESSIVA 49

3.0 MIOPATIAS 52
3.1 DISTROFIAS MUSCULARES 53

3.1.1 DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE 53

3.1.2 DISTROFIA MIOTÔNICA DE STEINERT 56

3.2 MIOPATIAS METABÓLICAS 56

3.3 RABDOMIÓLISE 58

3.4 MIOPATIAS MITOCONDRIAIS 60

3.5 CANALOPATIAS 62

3.6 MIOPATIAS POR ACÚMULO DE GLICOGÊNIO (DOENÇA DE POMPE) 64

3.7 SÍNDROME NEUROLÉPTICA MALIGNA 64

3.8 MIOPATIAS INFLAMATÓRIAS 65

3.8.1 DERMATOMIOSITE E POLIMIOSITE 66

3.8.2 MIOPATIA NECROSANTE IMUNOMEDIADA 67

3.8.3 MIOSITE POR CORPÚSCULOS DE INCLUSÃO 68

4.0 HIPERTERMIA MALIGNA 71


5.0 LISTA DE QUESTÕES 74
6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 75
7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS 75

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MED

CAPÍTULO

1.0 DOENÇAS DA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR


Estrategista, a junção neuromuscular é uma sinapse entre o neurônio motor inferior e a célula muscular estriada esquelética. A
sinapse, na maioria das vezes, é um contato virtual entre duas estruturas. Elas estão próximas, mas não se tocam de fato.
É importante que você conheça a fisiologia de uma sinapse na junção neuromuscular para que possa entender o que ocorre nas
doenças e como é feito o tratamento. Isso cai em sua prova.
Então, vamos lá!

1.1 FISIOLOGIA NA TRANSMISSÃO SINÁPTICA NA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR

Em toda sinapse, nós temos uma estrutura que está antes da A vesícula com acetilcolina do terminal pré-sináptico precisa
fenda sináptica e que vai liberar um neurotransmissor nesse espaço: de duas coisas para fundir-se com a membrana do neurônio
é o componente pré-sináptico. No caso da junção neuromuscular, motor inferior: cálcio e proteínas do grupo SNARE (uma sigla que
esse componente é o neurônio motor inferior, que começa lá no representa um palavrão que não vem ao caso agora).
corno anterior da medula ou no tronco encefálico, onde está seu O cálcio está no meio extracelular e é
corpo celular, e depois emite um prolongamento (axônio) que faz o internalizado por meio de canais de cálcio
seguinte trajeto: raiz anterior, plexo, nervo e junção neuromuscular. voltagem-dependentes. Existem quatro tipos
O neurônio motor inferior (ou pré-sináptico) libera como desses canais, sendo o mais importante o do tipo
neurotransmissor a acetilcolina. A acetilcolina é armazenada em P/Q. As proteínas do grupo SNARE ancoram a
vesículas no terminal pré-sináptico. Quando o potencial de ação vesícula com acetilcolina e aproximam-na da
passa pelo neurônio motor inferior, ela é liberada na fenda sináptica membrana celular para que seja liberado seu
para agir sobre o componente pós-sináptico: a célula muscular conteúdo por meio de exocitose.
estriada esquelética. Nossa, mas por que falar disso?

Na síndrome miastênica de Eaton-Lambert, o paciente terá anticorpos contra os canais de cálcio P/Q. No bot-
ulismo, a toxina botulínica irá degradar as proteínas do grupo SNARE. E isso pode cair em sua prova. Então,
olho vivo, Estrategista.

A acetilcolina que foi liberada na fenda sináptica liga-se a seu receptor, que está na membrana da célula muscular, e desencadeia a
contração muscular.
Depois, a acetilcolina presente na fenda sináptica é degradada pela enzima acetilcolinesterase

A acetilcolinesterase é uma enzima que degrada a acetilcolina na fenda sináptica após liberação desse
neurotransmissor pelo terminal pré-sináptico. Ela é importante alvo em farmacologia para o tratamento de
doenças da junção neuromuscular, como a miastenia gravis. Ela é sintetizada principalmente pela célula
muscular que será alvo da neurotransmissão colinérgica.

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Resumindo, você precisa saber sete coisas a respeito da junção neuromuscular:


• Neurônio pré-sináptico: neurônio motor inferior.
• Célula pós-sináptica: célula muscular.
• Neurotransmissor: acetilcolina.
• Liberação da acetilcolina:
» Cálcio (internalizado a partir de canais voltagem-dependentes P/Q).
» Proteínas do grupo SNARE.
• Sítio de ligação da acetilcolina: receptor de acetilcolina na membrana da célula muscular.
• Degradação da acetilcolina na fenda sináptica: acetilcolinesterase.
• Síntese da acetilcolinesterase: célula muscular.

Na figura 2, você encontra todas essas informações resumidas. Nunca se esqueça delas.

Figura 2: fisiologia da junção neuromuscular.

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CAI NA PROVA

(UESPI - 2020 ) A Miastenia Gravis tem como base o tratamento sintomático e o imunossupressor. O tratamento sintomático com piridostigmina,
por exemplo, visa aumentar a concentração de qual neurotransmissor na junção neuromuscular?
A) Acetilcolina.Noradrenalina.
B) Serotonina.
C) Dopamina.
D) Glutamato.

Comentário

Questão direta sobre um aspecto básico da fisiologia da transmissão neuromuscular, contudo, essencial para responder às questões do
tópico. A acetilcolina (Ach) é o neurotransmissor responsável pela ligação do neurônio motor inferior com a célula muscular. O bloqueio
dos receptores de acetilcolina, na membrana pós sináptica (célula muscular) é a causa da miastenia gravis em 85% dos casos. A falha da
transmissão sináptica leva ao marco clínico de fraqueza com fatigabilidade. A piridostigmina, um inibidor da enzima acetilcolinesterase
, inibe a degradação desse neurotransmissor na fenda sináptica, permitindo maior disponibilidade de moléculas de Ach na fenda, permitindo
uma melhora na ligação com os receptores de Ach, ainda que parcialmente bloqueados, melhorando, momentaneamente, os sintomas do
paciente.

Gabarito: A

1.2 MIASTENIA GRAVIS

A miastenia gravis é a mais importante das doenças da junção neuromuscular. O pico de incidência é bimodal, mais comum em
mulheres entre a segunda e a terceira década de vida e em homens da sexta à oitava década.

1.2.1 FISIOPATOLOGIA

Ela é autoimune, causada pela presença de um autoanticorpo contra estruturas da membrana da célula muscular na junção
neuromuscular, ou seja, é uma doença das estruturas pós-sinápticas.

Em 85% dos casos, o anticorpo produzido é contra a subunidade alfa do receptor nicotínico de acetilcolina (Ac anti-AChR –
figura 3). Esse anticorpo, na maioria das vezes, leva à destruição do receptor mediado pelo depósito de complemento.

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Figura 3: representação esquemática dos anticorpos contra o receptor nicotínico de acetilcolina, ponto central na fisiopatologia da miastenia gravis.

Nos demais casos, quando a pesquisa do anticorpo anti receptor de acetilcolina é negativa, em cerca de 50% há a presença de anticorpos
anti-MuSK (tirosina quinase músculo-específica - 8% do total de casos) e anti-LRP4 (proteína 4 relacionada com o receptor da lipoproteína de
baixa densidade - 1% de todos os casos). Apesar de não serem o receptor de Acetilcolina propriamente dito, fazem parte do complexo protéico
associado a esse receptor e portanto, elementar na transmissão neuromuscular. Eventualmente, contudo, nenhum anticorpo é detectado.
Veja melhor na figura 4.

Figura 4: sítios de ação dos anticorpos na miastenia gravis.

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Veja só como isso cai em sua prova.

CAI NA PROVA
(UESPI - 2019) A Miastenia Gravis é uma doença autoimune em que os anticorpos atacam qual topografia?
A) Primeiro neurônio motor.
B) Segundo neurônio motor.
C) Primeiro e segundo neurônio motor.
D) O músculo (proteínas do sarcolema).
E) Receptores de neurotransmissores na junção neuromuscular.

Comentários
Incorreta a alternativa A. O primeiro neurônio tem origem no córtex cerebral e progride até o segundo neurônio motor que se origina no
tronco encefálico ou no corno anterior da medula, que terminará no botão pré-sináptico, a partir de seu prolongamento.
Incorreta a alternativa B. Como vimos acima, o segundo neurônio e seus prolongamentos são o terminal pré-sináptico da junção neuromuscular.
Incorreta a alternativa C. Os neurônios motores, como vimos acima, não são o alvo dos anticorpos responsáveis pela miastenia gravis.
Incorreta a alternativa D. Os receptores pós-sinápticos, sobretudo, o de Ach, são o alvo na miastenia gravis e não as proteínas sarcolemais.
A miastenia gravis é causada pela presença de anticorpos que atacam estruturas da membrana da célula
Correta a alternativa E.
muscular na placa motora, portanto agredindo a porção pós-sináptica. Em 85% dos casos, o alvo é o receptor

de acetilcolina. Dos 15% restantes, metade têm anticorpos contra a proteína Musk e um porcentagem bem menor, contra a proteína
LRP4. Ambas as proteínas têm papel na transmissão neuromuscular e estão associadas a um complexo proteico que envolve o receptor de
Acetilcolina.
Uma vez conhecida a fisiopatologia, chegou a hora de entendermos como é o quadro clínico.

1.2.2 QUADRO CLÍNICO

O principal aspecto clínico da miastenia gravis é a fraqueza muscular com fatigabilidade, ou seja, piora
da força muscular conforme um movimento é repetido ou uma postura é mantida. Muitas vezes, esse quadro
é apresentado com o termo “PIORA AO FINAL DO DIA”, um clássico das provas de Residência!

A miastenia gravis pode ter apresentações heterogêneas (figura 5), com sintomas isolados ou combinados e com as seguintes
características:
• Sintomas oculares.
• Sintomas bulbares.
• Acometimento de membros.
• Insuficiência respiratória tipo 2.

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Não encontraremos alterações sensitivas, cerebelares, autonômicas, cognitivas ou de reflexos em pacientes com
miastenia gravis. Isso é muito importante, porque a miastenia é uma doença puramente motora.

Figura 5: principais manifestações clínicas da miastenia gravis.

A forma ocular pura é a manifestação mais comum da miastenia gravis, acometendo cerca de metade dos
pacientes. Oitenta porcento dos pacientes apresentam envolvimento ocular em alguma fase da doença.

Envolvimento isolado da musculatura ocular dura apenas 2 anos, pois a grande maioria irá cursar com
alterações de outros segmentos. A musculatura bulbar é acometida de forma isolada em 15% dos pacientes. Menos
de 5% dos casos evoluem com acometimento exclusivo da musculatura proximal dos membros, sendo muito raro
o comprometimento isolado da musculatura distal, cervical ou diafragmática. Na crise miastênica, o paciente evolui
com insuficiência respiratória devido ao déficit de força da musculatura respiratória ou à obstrução da via aérea por
fraqueza dos músculos da faringe.

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O quadro ocular é caracterizado por ptose palpebral e diplopia, que não obedece ao padrão de lesão de nervos cranianos. O músculo
ocular mais afetado é o reto medial.
Durante o exame neurológico, pedimos ao paciente que mantenha seu olhar na direção do teto por dois minutos, sem inclinar a cabeça
para trás, e observamos se há ptose palpebral, desalinhamento dos olhos ou queixa de diplopia pelo paciente. Esse é o teste de Simpson (ou
Mingazzini de pálpebras). Na figura 6, notamos ptose palpebral assimétrica em uma paciente com miastenia gravis.

Quando afeta a musculatura bulbar, o paciente apresenta


disartria, disfagia e disfonia, que, geralmente, são acompanhadas
de fatigabilidade (voz e pronúncia das palavras vão ficando cada vez
piores durante um discurso). A musculatura cervical comprometida
pode levar a um quadro de síndrome da cabeça caída, uma
incapacidade de estender o pescoço, ficando o paciente com o
rosto direcionado para o solo.
O comprometimento de membros é simétrico e de
predomínio proximal. O exame da força pode ser normal durante
a execução das manobras de oposição (força do paciente contra a
força do examinador), mas ocorre queda após período de latência
Figura 6: teste de Simpson revelando ptose palpebral assimétrica, pior à
esquerda, após alguns segundos de latência, sugestivo de miastenia gravis. durante as manobras deficitárias, como a dos braços estendidos e a
de Mingazzini (figura 7).

Figura 7: nas manobras deficitárias, como a de braços estendidos e de Mingazzini, o(a) paciente deve permanecer por um determinado tempo com os membros em
determinada posição. Em pacientes com miastenia gravis, notaremos queda dos membros, preferencialmente de início na musculatura proximal e simétrica após alguns
segundos de latência (fonte: arquivo pessoal do Prof. Victor Fiorini).

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Em alguns casos, os pacientes podem evoluir com quadro grave e potencialmente fatal de insuficiência
respiratória tipo 2 (hipercápnica), chamada de crise miastênica. A causa mais comum é a fraqueza da musculatura
diafragmática e dos demais músculos respiratórios, que rapidamente entram em fadiga. Porém, pode ocorrer fraqueza
da língua e do palato mole, gerando uma obstrução alta da via aérea e comprometimento da ventilação. Esses casos
devem ser monitorizados de perto, pois têm maior morbimortalidade.
Na tabela 1, encontramos um resumo dos principais sinais e sintomas do paciente com miastenia gravis.

Manifestação Queixa Exame físico

Ptose palpebral Teste de Simpson positivo

Ocular
Piora ao manter o olhar fixo após alguns se-
Diplopia
gundos

Engasgo, piora da fala e perda de fôlego du-


Bulbar Disfagia, disartria, disfonia
rante um discurso

Incapacidade de estender a cabeça (olhar


Cervical Cabeça caída
para cima)

Fraqueza para pentear os cabelos, digitar, Manobras deficitárias positivas (braços esten-
Membros
subir escadas ou ficar na ponta dos pés didos e Mingazzini)

Ortopneia, uso de musculatura acessória,


Respiratória Dispneia e perda de fôlego taquicardia, hipercapnia, hipoxemia (em fases
avançadas)

Tabela 1: principais manifestações clínicas da miastenia gravis.

Existe uma diferença no quadro clínico da miastenia gravis conforme o tipo de autoanticorpo envolvido.

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O quadro típico da miastenia anti-MuSK + é de predomínio em mulheres e caracteriza-se por acometimento oculobulbar
(diplopia, ptose, disartria) ou miopático, com fraqueza proximal, especialmente da extensão cervical (síndrome da cabeça caída),
associada ou não a quadro de fraqueza respiratória. Os sintomas oculares costumam ser mais brandos e simétricos do que na
miastenia gravis com anticorpo antirreceptor de acetilcolina positivo, e o envolvimento ocular puro é muito raro na forma anti-
MuSK.

Em todas as formas de miastenia gravis, os reflexos são preservados.

Ela deve ser diferenciada de outros tipos de doenças neuromusculares cujo padrão de apresentação é diferente, como mostrado na
tabela 2.

Corno anterior da Junção


Topografia Nervo Músculo
medula neuromuscular

Diabetes, etilismo,
Esclerose lateral
Exemplo Guillain-Barré, Miastenia gravis Dermatomiosite
amiotrófica
porfiria

Mononeuro: 1
Mono múlt.: 1, 2, 3 4, predomínio 4, predomínio
Membros 4
ou 4 proximal proximal
Polineuro: 2 ou 4

Reflexos Exaltados/Babinski Abolidos/hipoativos Normais Normais

Sensibilidade Normal Alterada Não Não

Alterações
Polineuro: oculares, bulbares, Alterações
Fasciculações, insuf.
Outros distribuição em cervicais e sistêmicas
respiratória
“bota e luva” respiratórias (pulmonar, TGI etc.)
FATIGABILIDADE

Tabela 2: principais diferenças entre as doenças da junção neuromuscular e outras doenças da unidade motora.

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Um outro jeito de fazer o diagnóstico é usar o raciocínio da figura 8.

FRAQUEZA MUSCULAR

REFLEXOS EXALTADOS REFLEXOS NORMAIS REFLEXOS ABOLIDOS

SD NEURÔNIO MOTOR SD NEURÔNIO MOTOR


FATIGABILIDADE
SUPERIOR INFERIOR

NÃO SIM

JUNÇÃO
MIOPATIA
NEUROMUSCULAR

Figura 8: fluxograma de raciocínio clínico na avaliação da fraqueza muscular.

Vamos ver como isso pode cair em sua prova.

CAI NA PROVA

(USP-SP - 2023) Mulher de 32 anos é trazida ao pronto-socorro por desconforto respiratório. Refere história de dois meses de queda assimétrica
das pálpebras e diplopia de caráter flutuante; há um mês com dificuldade de deglutição, voz anasalada e refluxo de líquidos pelo nariz.
Associadamente, notou fraqueza muscular, com dificuldade para pentear os cabelos, elevar os braços, subir escadas e se levantar, especialmente
da posição sentada. Há dois dias, notou quadro febril, tosse e dispneia progressivas. No exame de entrada, observa-se pressão arterial 125x70
mmHg, frequência cardíaca 96 bpm rítmico, temperatura axilar 38,3°C, frequência respiratória de 18 irpm, saturação de O2 94%. À ausculta
pulmonar, observa–se crepitação em base de pulmão direito.
A paciente apresenta ptose palpebral bilateral, dificuldade de abduzir o olho direito e de aduzir e elevar o olho esquerdo. As pupilas são
isocóricas com 2 mm e fotorreagentes. A voz é anasalada e há déficit motor de predomínio proximal nos quatro membros. Os reflexos
profundos estão presentes e a resposta cutâneo plantar é flexora bilateralmente. Não há alterações ao exame de sensibilidade e coordenação.
A gasometria arterial mostra: pH 7,28; pO₂ 68 mmHg; pCO₂ 55 mmHg. Radiografia de tórax com provável broncopneumonia aspirativa.Qual
a principal hipótese diagnóstica?
A) Meningoencefalite tuberculosa.
B) Polirradiculoneurite aguda.
C) Neoplasia maligna em tronco encefálico.
D) Miastenia gravis

Comentários

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Incorreta a alternativa A. A meningoencefalite tuberculósica cursa com cefaleia, hidrocefalia, febre noturna, perda de peso, eventualmente
AVC isquêmico e meningite de base de crânio. Não explica os sintomas descritos.
Incorreta a alternativa B. A poliradiculoneurite aguda, sinônimo de síndrome de Guillain Barré, cursa com quadro subagudo dedéficit
sensitivo e motor associado a arreflexia. Não é causa dos sintomas relatados no enunciado.
Incorreta a alternativa C. Uma lesão de tronco encéfalico produziria sintomas não flutuantes, além disso, não apenas a força estaria
acometida
Sem dúvida! O quadro é de fraqueza com fatigabilidade e envolvimento da voz, deglutição e motricidade
Correta a alternativa D.
ocular. Típico de miastenia gravis!

1.2.3 DIAGNÓSTICO

O diagnóstico de miastenia gravis é clínico, apoiado por testes farmacológicos, neurofisiológicos, laboratoriais e de imagem.

1.2.3.1 TESTE DO GELO E TESTE DO EDROFÔNIO

Podemos realizar um teste à beira do leito conhecido como teste do gelo, durante o qual aplicamos uma compressa gelada sobre as
pálpebras do paciente e, após alguns minutos, observamos se houve melhora da ptose e/ou da diplopia.
O edrofônio é um anticolinesterásico (inibe a enzima que degrada a acetilcolina). O teste do edrofônio é um teste farmacológico
realizado sob monitorização cardíaca, em ambiente hospitalar, com a infusão endovenosa desse anticolinesterásico. O teste será positivo se
revelar melhora transitória dos sintomas (principalmente oculares).

CAI NA PROVA

(HSM – DF 2017) Paciente do sexo feminino, 34 anos de idade, previamente hígida, com queixa de fraqueza muscular há cerca de 1 semana.
Relata que, por vezes, tem apresentado diplopia e ptose palpebral, principalmente ao final do dia. O médico que a atende logo suspeita de
um diagnóstico, e resolve fazer um teste com edrofônio para corroborar sua hipótese. Após a aplicação do fármaco, os sintomas da paciente
"milagrosamente" desapareceram. Tendo como base o caso acima, qual é a principal hipótese diagnóstica?

A) Dermatomiosite.
B) Guillain-Barré.
C) Esclerose Múltipla.
D) Miastenia Gravis.
E) Distrofia Muscular de Duchenne.

Comentários

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Incorreta a alternativa A. A dermatomiosite é uma miopatia inflamatória, de etiologia autoimune e com comprometimento multissistêmico.
Seus sintomas não melhoram com o teste do edrofônio.
Incorreta a alternativa B. A síndrome de Guillain-Barré é uma doença autoimune dos nervos periféricos e raízes pós-vacinal ou pós-
infecciosa, caracterizada por uma fraqueza ascendente nos membros inferiores, com comprometimento progressivo de membros
superiores, face, musculatura bulbar e respiratória. Ela também acomete sensibilidade e causa disautonomias. Não há relato de melhora
dos sintomas após infusão de edrofônio.
Incorreta a alternativa C. A esclerose múltipla é uma doença autoimune desmielinizante do sistema nervoso central que se manifesta por
meio de surtos em que o paciente apresenta déficits neurológicos agudos variados, podendo haver fraqueza, incoordenação, alterações
sensitivas, de nervos cranianos e autonômicas. Ela não melhora com a aplicação de edrofônio.

A miastenia gravis é uma doença autoimune, caracterizada pela ocorrência de fraqueza associada a quadro
Correta a alternativa D.
de fatigabilidade. O teste do edrofônio revela melhora dos sintomas (principalmente oculares) na maioria
dos pacientes.

Incorreta a alternativa E. A distrofia muscular de Duchenne é uma miopatia hereditária decorrente de uma mutação no gene da distrofina
que leva a um quadro de fraqueza muscular de início na infância, afetando quase que exclusivamente meninos (herança recessiva ligada a
X). Não há melhora dos sintomas com uso de edrofônio.

1.2.3.2 DOSAGEM DE AUTOANTICORPOS E OUTROS EXAMES LABORATORIAIS

A dosagem de autoanticorpos também é realizada na avaliação do paciente com miastenia gravis. Ela é positiva em 85% dos casos por
anticorpos antirreceptores de acetilcolina (anti-AchR). Nos demais pacientes, em até 50% dos casos, ela deve-se ao receptor anti-MuSK e,
em 10%, ao anti-LRP4.

Em 15% dos casos, a miastenia gravis está associada a um timoma.

Por ser uma doença autoimune, ela pode estar associada a outras doenças imunológicas, como doenças reumatológicas e tireoidopatias.
Assim, recomenda-se também a realização de pesquisa de fator antinuclear e de anticorpos para doença de Hashimoto (antitireoglobulina
e antitireoperoxidase).

1.2.3.3 TC DO TÓRAX

O timoma (figura 9) é uma neoplasia localizada no mediastino anterior e que pode estar associada a quadros paraneoplásicos de
miastenia gravis. Nesses pacientes, a timectomia é obrigatória. Por essa razão, todos os pacientes com diagnóstico de miastenia gravis
devem realizar TC (tomografia computadorizada) de tórax para investigação de neoplasia de mediastino anterior.

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Classicamente, encontramos quatro etiologias para justificar a presença de massas mediastinais anteriores,
usando a regra dos QUATRO “Ts” do mediastino anterior:
• TIREOIDE (bócio mergulhante).
• TERATOMA.
• TIMOMA.
• “TERRÍVEL” LINFOMA.

Figura 9: representação esquemática do timoma, de aspecto lobulado e mais claro, localizado na parte anterior do mediastino. À direita (arquivo pessoal do Dr. Joshua
Viana), tomografia de tórax mostrando massa no mediastino anterior, compatível com timoma (seta).

CAI NA PROVA

(UFRJ 2021) Mulher, 39 anos, com história de fraqueza muscular, dispneia, dificuldade de deglutição e discreta ptose palpebral ao final do dia.
TC de tórax: tumor em mediastino anterossuperior.

A principal hipótese diagnostica é:


A) teratoma.
B) linfoma.
C) timoma.
D) bócio tireoidiano.

Comentários:

A questão traz o quadro de uma paciente com história típica de miastenia gravis, com sintomas motores que pioram ao final do dia.

Incorretas as alternativas A, B e D. Apesar de serem tumores do mediastino anterior, esses tumores não são associados ao quadro de
miastenia gravis.
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Correta a alternativa C. O tumor de mediastino anterior mais comum, e que é associado a 15% dos casos de miastenia gravis, é o
timoma.

1.2.3.4 ELETRONEUROMIOGRAFIA COM TESTE DE ESTIMULAÇÃO REPETITIVA

A eletroneuromiografia é o exame de escolha para avaliação da junção neuromuscular. Durante o exame, são realizados vários estímulos
repetitivos de baixa frequência seguidos e observa-se a resposta do músculo analisado. Esse teste recebe o nome de teste de estimulação
repetitiva.

Na miastenia gravis, ocorre decremento de pelo menos 10% na amplitude das respostas entre o primeiro e o quinto estímulo
repetitivo de baixa frequência (figura 10).

Figura 10: padrão decremental ao exame de eletroneuromiografia com teste de estimulação repetitiva de baixa frequência. Cada onda representa um potencial de ação
gerado pelo estímulo elétrico feito pelo aparelho. Note que os primeiros estímulos geram potenciais de ação com amplitudes maiores e que vão progressivamente
caindo. Esse é o padrão típico observado na miastenia gravis, conhecido como decremento (fonte: arquivo pessoal do Prof. Rodrigo Frezatti).

CAI NA PROVA

(UFRJ 2013) Mulher, 32 anos, tem queixa de visão dupla e alteração da fala. Refere início dos sintomas há 2 semanas, ficando mais intensos
até o presente. Diz que os sintomas são mais leves pela manhã e tendem a piorar no final do dia. Nega disfagia ou dispneia, embora se queixe
de dificuldade de mastigar à noite. Ao exame, observa-se oftalmoparesia bilateral multidirecional assimétrica, pior no olho esquerdo, ptose
palpebral parcial bilateral pior em olho direito, além de voz nasalada. Há leve paresia de membros superiores com fatigabilidade. Não há
alterações sensitivas ou de reflexos profundos. O exame indicado para confirmar o diagnóstico é:

A) Punção lombar e exame de liquor.


B) Eletroneuromiografia.
C) Ressonância magnética de coluna.
D) Potencial evocado visual e somatossensitivo.

Comentários

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Incorreta a alternativa A. O liquor da paciente com miastenia gravis não traria nenhuma informação útil para o diagnóstico.

Correta a alternativa B. A eletroneuromiografia é o exame de escolha para avaliação da junção neuromuscular. Ela é feita com o
teste de estimulação repetitiva, que mostrará redução da amplitude do potencial de ação motor entre o primeiro e quinto estímulos.

Incorreta a alternativa C. A ressonância magnética de coluna não trará informações adicionais ao diagnóstico de miastenia gravis.
Incorreta a alternativa D. Como não há queixa sensitiva, o potencial evocado somatossensitivo não está indicado.

1.2.4 TRATAMENTO

1.2.4.1 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO

A piridostigmina, que atua inibindo a degradação de O uso de corticoides em doses elevadas ou de


acetilcolina na junção neuromuscular pela acetilcolinesterase, imunossupressores (ciclosporina, micofenolato, tacrolimus ou
é a droga de escolha para o tratamento da miastenia gravis. Ela azatioprina) é reservado a quadros mais graves. Ele é baseado na
é meramente sintomática. Deve-se ter cuidado, pois, em doses promoção de imunossupressão e redução do ataque autoimune
elevadas, ela pode causar crise colinérgica, que causa insuficiência aos receptores da membrana da célula muscular.
respiratória, broncorreia, miose, bradicardia e dor abdominal.

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(CERMAM - 2021) Homem de 30 anos tira uma lata de cerveja da geladeira e rapidamente engole um bocado do seu conteúdo antes de
perceber que não era cerveja. Dentro de alguns minutos ele apresenta cólicas abdominais graves, visão turva, espasmos e perda de consciência.
A esposa refere a equipe médica que colocou spray de barata na lata de cerveja e tinha deixado na geladeira para tentar eliminar as baratas
e esqueceu de avisar ao marido. O pessoal da emergência verifica a embalagem e determina que é um Organofosforado. Para neutralizar a
atividade de inibição da colinesterase do veneno de organofosforado, o homem deve receber qual dos seguintes antídotos:
A) Metacolina
B) Piridostigmina
C) Edrofônio
D) Atropina

Comentários

Selecionei essa questão para mostrar como diferentes tópicos, muitas vezes, “conversam” entre si. Temos um quadro de uma síndrome
colinérgica, causada pela intoxicação com organofosforado, um veneno capaz de inibir a ação da enzima acetilcolinesterase. Em outras
palavras, ele faz a mesma coisa que apiridostigmina que o edrofônio e que os remédios que utilizamos para o manejo da doença de Alzheimer
(rivastigmina, donepezila e galantamina)
A piridostigmina é utilizada para o manejo sintomático dos sintomas da miastenia gravis, o edrofônio, como vimos acima, é de
administração EV, tem rápido e efêmero efeito, contudo, pode auxiliar no diagnóstico da miastenia gravis. Já os remédios utilizados no
Alzheimer, inibem a mesma enzima, contudo, sua ação é preferencial em sinapses do sistema nervoso central, otimizando a transmissão em

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receptores muscarínicos de acetilcolina.


Ora, em uma intoxicação por organofosforado, precisamos utilizar um antídoto que bloqueie os receptores de acetilcolina, assim
como faz a doença miastenia gravis. Esse antídoto é a atropina, um anticolinérgico!
Incorreta a alternativa A. A metacolina é um agonista colinérgico e pioraria o quadro.
Incorreta a alternativa B e C- Como vimos acima, ambas as drogas são anticolinesterásicos.
Correta a alternativa D.

1.2.4.1.1 CRISE MIASTÊNICA E CRISE COLINÉRGICA

Pacientes com miastenia gravis podem evoluir para um quadro de descompensação com insuficiência respiratória aguda, chamado de
crise miastênica. A crise miastênica pode ser desencadeada por um quadro infeccioso ou então pelo uso de determinados medicamentos
que interferem na transmissão sináptica na junção neuromuscular, como os que estão na tabela 3.

Medicamentos que podem comprometer a transmissão sináptica na junção neuromuscular


Anestésicos
Bloqueadores neuromusculares
Aminoglicosídicos (ex.: gentamicina, neomicina, tobramicina)
Antibióticos Fluoroquinolonas (ex.: ciprofloxacino, levofloxacino, norfloxacino)
Macrolídeos (e.g., azitromicina, claritromicina, eritromicina)
Betabloqueadores (ex.: atenolol, labetalol, metoprolol, propranolol)
Drogas cardiovasculares Procainamida
Quinidina
Toxina botulínica
Cloroquina/hidroxicloroquina
Outras drogas Magnésio
Penicilamina
Quinino

Tabela 3: drogas que podem comprometer a junção neuromuscular e agravar o quadro de miastenia gravis.

A crise colinérgica ocorre em pacientes que fazem uso de anticolinesterásicos, usados no tratamento da própria miastenia gravis.
Esses medicamentos bloqueiam a ação da acetilcolinesterase e aumentam a biodisponibilidade da acetilcolina na fenda sináptica. Assim,
os pacientes com crise colinérgica apresentarão miose, bradicardia, dor abdominal, hipersecreção brônquica e sialorreia. Pode ocorrer
fraqueza muscular e insuficiência respiratória.

Portanto, em um paciente com miastenia gravis, em uso de anticolinesterásico em dose alta, apresentando
insuficiência respiratória, você precisará diferenciar entre crise miastênica e crise colinérgica. O tratamento em cada
caso é diferente.

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Na crise miastênica, além da suspensão do anticolinesterásico, recomenda-se a administração de imunoglobulina humana ou


plasmaférese. Na crise colinérgica, apenas a retirada do anticolinesterásico é realizada. A tabela 4 mostra as principais diferenças entre os
dois casos.

Característica Crise miastênica Crise colinérgica

Insuficiência respiratória Sim Sim

Frequência cardíaca Taquicardia Bradicardia

Secreção brônquica Não Sim

Sialorreia Não Sim

Dor abdominal Não Sim

Pupilas Normais Miose

Suspensão do anticolinesterásico +
Tratamento Suspensão do anticolinesterásico
imunoglobulina ou plasmaférese

Tabela 4: principais diferenças no diagnóstico e tratamento da crise colinérgica e crise miastênica.

Veja só como isso já caiu em provas.

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(UERJ - 2021 ) Paciente de 45 anos com o diagnóstico de miastenia grave, em tratamento com anticolinesterásico oral, dá entrada no pronto-
socorro com quadro de pneumonia comunitária. Nesse caso, o melhor tratamento é iniciar um esquema antibiótico com:
A) amoxicilina.
B) azitromicina.
C) gentamicina.
D) levofloxacina.

Comentários

Como vimos acima, algumas drogas podem piorar a transmissão colinérgica e assim piorar os sintomas da Miastenia Gravis e
eventualmente precipitar uma crise miastênica, situação em que o paciente
evolui com insuficiência respiratória como consequência da doença.

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As principais drogas associadas a esse desfecho são:


Quando você tratar um paciente com esse diagnóstico, deve ter sempre cuidado com quais medicamentos prescreve. Isso porque diversos
fármacos podem desmascarar ou piorar os sintomas. Os principais medicamentos a serem evitados são os seguintes:
• Anestésicos
• Bloqueadores neuromusculares
• Aminoglicosídeos (ex.: gentamicinA, neomicina, tobramicina)
• Fluoroquinolonas (ex.: ciprofloxacino, levofloxacino, norfloxacino)
• Macrolídeos (eg, azitromicina, claritromicina, eritromicina)
• Beta bloqueadores (ex. atenolol, labetalol, metoprolol, propranolol)
• Procainamida
• Quinidina
• Outras drogas
• Toxina botulínica
• Cloroquina
• Hidroxicloroquina
• Magnésio
• Penicilamina
Dentre os antibióticos apresentados, a amoxicilina é a única opção “segura”.

Gabarito: A

1.2.4.2 TRATAMENTO CIRÚRGICO

A timectomia é a modalidade de tratamento cirúrgico recomendada a alguns pacientes com miastenia gravis.

Como falamos acima, cerca de 15% dos pacientes com miastenia gravis possuem timoma. Nesses casos, a timectomia é a
escolha indiscutível.

Em indivíduos sem timoma, a timectomia é indicada a pacientes com até 60 anos de idade. Esses pacientes podem ter sintomas
oculares incapacitantes ou a forma generalizada (afetando os 4 membros e a musculatura ocular, pelo menos), de preferência com a presença
de anticorpo contra o receptor de acetilcolina (anti-AChR). Em pacientes com o anticorpo anti-MuSK, a timectomia é contraindicada.
Em pacientes com a forma generalizada e com anticorpo anti-AChR, a melhora ocorre em 87% dos casos, e 31% conseguem ficar sem
medicação após a timectomia.

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(UFF 2013) Sobre a miastenia gravis, assinale a afirmativa correta.

A) A timectomia pode estar indicada mesmo nos pacientes sem timoma, pois esse procedimento promove a melhora clínica em até 85%
deles, dentre os quais 35% conseguem manter-se sem medicação.
B) Na presença de crise miastênica, os melhores resultados têm sido obtidos com pulso com ciclofosfamida, e os corticoides, nessa situação,
podem piorar a miopatia, devendo ser usados com cautela.
C) A presença do anticorpo antirreceptor de acetilcolina é fundamental para o diagnóstico e está presente em todos os pacientes miastênicos.
D) O quadro clínico é caracterizado por fraqueza muscular predominantemente em região proximal de membros, sendo o acometimento
bulbar muito raro.
E) O mecanismo fisiopatológico principal é a redução dos receptores pré-sinápticos de acetilcolina, que diminuem sua biodisponibilidade
na junção neuromuscular.

Comentários

Correta a alternativa A. Cerca de 15% dos pacientes com miastenia gravis possuem timoma. Nesses casos, a timectomia é a
escolha indiscutível. Em pacientes sem timoma, a timectomia é indicada a pacientes com até 60 anos de idade. Esses pacientes podem
ter sintomas oculares incapacitantes ou a forma generalizada, de preferência com a presença de anticorpo anti-AChR. Em pacientes com o
anticorpo anti-MuSK, a timectomia é contraindicada. Em pacientes com a forma generalizada e com anticorpo anti-AchR, a melhora ocorre
em 87% dos casos, e 31% conseguem ficar sem medicação após a timectomia.

Incorreta a alternativa B. Crise miastênica é definida por um quadro de insuficiência respiratória com necessidade de intubação, devido à
fraqueza diafragmática ou obstrução de via aérea por paresia de musculatura bulbar. O tratamento da crise miastênica é com plasmaférese
ou imunoglobulina, além das medidas de suporte ventilatório.
Incorreta a alternativa C. A presença do anticorpo anti-AChR ocorre em 85% dos pacientes. Em 15%, podemos ter outros anticorpos ou
nenhum anticorpo. Os outros mais comuns são o anti-MuSK, anti-LRP4 e o antititina.
Incorreta a alternativa D. A fraqueza de membros é geralmente proximal na forma generalizada da miastenia gravis. O acometimento
bulbar é comum e ocorre em 15% dos pacientes.
Incorreta a alternativa E. A fisiopatologia envolve a redução da biodisponibilidade dos receptores pós-sinápticos de acetilcolina na
membrana da célula muscular, devido ao efeito de autoanticorpos.

A partir de agora, vamos falar de diagnósticos diferenciais de miastenia gravis que podem estar em sua prova. Temos a síndrome
miastênica de Eaton-Lambert, o botulismo e os quadros de intoxicação. Vamos em frente!

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1.3 SÍNDROME MIASTÊNICA DE EATON-LAMBERT

1.3.1 EPIDEMIOLOGIA

A síndrome miastênica de Eaton-Lambert é uma doença da junção neuromuscular que pode acometer adultos jovens e idosos com
raros relatos de casos em crianças.

Em cerca de metade dos casos, é paraneoplásica, classicamente associada ao tumor de pequenas


células de pulmão.

Outras síndromes neurológicas associadas ao câncer de pulmão de pequenas células são mostradas na tabela 5. A única que você
precisa saber dessa lista, por enquanto, é a síndrome miastênica de Eaton-Lambert.

Síndromes neurológicas paraneoplásicas associadas a neoplasias de pulmão de pequenas células

Anticorpo Síndrome

anti-Ri (ANNA-1) Degeneração cerebelar paraneoplásica

Anti-CV2/CRMP5 Degeneração cerebelar, encefalomielite, coreia e neuropatia periférica

Anti-VGCC Síndrome miastênica de Eaton-Lambert

Anti-PCA-2 (MAP1B) Neuropatia periférica, ataxia cerebelar e encefalopatia

Antirecoverina Retinopatia paraneoplásica

Anti-Zic4 Degeneração cerebelar

Tabela 5: síndromes neurológicas paraneoplásicas associadas ao câncer de pequenas células de pulmão.

A associação com neoplasia é mais comum em indivíduos após os 50 anos, tabagistas, que apresentem disfunção erétil ou disfunção
bulbar como disfagia e disfonia, além de indivíduos com perda de peso superior a 5% e baixo status performance.
Veja como isso já caiu na prova.

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(SUS –SP 2019) A síndrome miastênica de Eaton-Lambert é quadro paraneoplásico fortemente associado a

A) Carcinoma de pâncreas.
B) Câncer de testículo não seminomatoso.
C) Timoma.
D) Carcinoma pulmonar de pequenas células.
E) Linfoma não Hodgkin.

Comentários

Incorreta a alternativa A. O câncer de pâncreas pode estar associado ao pênfigo paraneoplásico e à síndrome do homem rígido, um
quadro de neuromiotonia associado ao anticorpo anti-GAD.
Incorreta a alternativa B. Tumores germinativos de testículo podem estar associados a quadros de encefalomielite límbica, hipotalâmica,
de tronco encefálico e, raramente, cerebelar, devido à presença de anticorpos anti-Ma (Ma1, Ma2).
Incorreta a alternativa C. A miastenia gravis é a síndrome neurológica mais associada a quadros de timoma.

Correta a alternativa D. O câncer de pulmão de pequenas células está associado à síndrome miastênica de Eaton-Lambert, bem
como a outras síndromes neurológicas paraneoplásicas.

Incorreta a alternativa E. Os linfomas de Hodgkin estão associados a síndromes neurológicas paraneoplásicas com degeneração cerebelar
(anti-Tr/DNER) ou neuronopatia sensitiva com encefalomielite (anti-ANNA-3). Os linfomas não Hodgkin não estão associados a síndromes
paraneoplásicas neurológicas.

1.3.2 FISIOPATOLOGIA

Para que as vesículas com acetilcolina consigam fundir-se à membrana do neurônio motor inferior na placa motora (outro nome para
a junção neuromuscular) para eliminar seu conteúdo na fenda sináptica, é necessário que haja a presença do cálcio, mais abundante fora da
célula. O influxo de cálcio para o interior da célula é feito com o auxílio de um canal de cálcio dependente de voltagem.

A síndrome miastênica de Eaton-Lambert é causada pela presença de anticorpos contra o canal de cálcio
dependente de voltagem (VGCC P/Q) na membrana pré-sináptica da junção neuromuscular.
A presença do anticorpo anticanal de cálcio pré-sináptico dificulta a liberação de acetilcolina, e o movimento
fica prejudicado (figura 11).

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Figura 11: sítio de ação do anticorpo anti-VGCC P/Q na síndrome de Eaton-Lambert.

O paciente com síndrome miastênica de Eaton-Lambert apresenta fraqueza proximal com reflexos hipoativos, que podem ficar
normoativos conforme o teste vai sendo repetido. Com a continuação do movimento, ocorre influxo de cálcio para o interior do neurônio, e
o paciente consegue realizá-lo sem dificuldades. Temos aqui um quadro de fraqueza de característica flutuante, só que ao contrário do que
ocorre na miastenia gravis, porque ocorre FACILITAÇÃO do movimento com o exercício.
Vamos ver, agora, exatamente como se apresenta clinicamente essa doença.

1.3.3 QUADRO CLÍNICO

No quadro de síndrome de Eaton-Lambert, encontramos O comprometimento dos membros superiores também


inicialmente um quadro de paraparesia crural proximal, com o é proximal, mas bem mais sutil do que na miastenia gravis.
paciente queixando-se de dificuldade para levantar-se de uma O comprometimento ocular e faríngeo é raro. A insuficiência
cadeira. Os sintomas costumam MELHORAR após o exercício. respiratória é rara, mas pode ocorrer em casos avançados.
Os reflexos profundos inicialmente são hipoativos. Se Outros sintomas que acompanham o quadro motor são
solicitarmos ao paciente que faça um esforço físico de forte alterações autonômicas, como síndrome seca (boca seca em
intensidade por alguns segundos e, logo depois, reexaminarmos 77%), disfunção erétil (45% dos homens), lentificação da miose
o reflexo profundo, veremos que ele passará a ser normal! pupilar à luz, visão turva e alterações de pressão arterial, levando
Caso realizemos uma percussão sucessiva sobre o tendão a ser à hipotensão e à lipotimia.
examinado, o reflexo também poderá normalizar-se. Esse é o Fique ligado em como isso já foi perguntado em prova:
fenômeno conhecido como facilitação pós-tetânica.

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1.3.4 DIAGNÓSTICO

A dosagem do anticorpo anti-canal de cálcio P/Q é positiva em 95% dos casos.

Podem ser detectadas alterações em testes de função neurogênicas, podemos encontrar alterações miopáticas.
sudomotora (83%), reflexos cardiovagais (75%), salivação (44%) e Na síndrome de Eaton-Lambert, também pode ocorrer
função adrenérgica (37%). decremento na estimulação repetitiva de baixa frequência,
Para o diagnóstico, além da pesquisa do anticorpo no assim como na miastenia gravis, contudo existe uma importante
sangue, devemos realizar TC de tórax para pesquisa de neoplasia peculiaridade. Se a estimulação é feita com alta frequência,
pulmonar e a eletroneuromiografia com teste de estimulação é possível aumentar a liberação da acetilcolina a despeito do
repetitiva de alta frequência. bloqueio parcial dos canais de cálcio voltagem-dependentes, e,
A eletroneuromiografia revelará redução inicial da amplitude com isso, os potenciais, inicialmente de baixa voltagem (amplitude),
dos potenciais de ação musculares, com incremento significativo apresentarão incremento da resposta (figura 12), aumentando de
após um breve período de exercícios. Além das alterações amplitude, o que se traduz clinicamente com aumento de força.

Na síndrome de Eaton
Lambert, ocorre incremento
eletrofisiológico na estimulação
repetitiva de alta frequência. O
incremento ocorre na estimulação
repetitiva de alta frequência (30-50
Hz), e não na de baixa frequência
(3 Hz), que é feita na avaliação da
Figura 12 (arquivo pessoal do Prof. Victor Fiorini): padrão de incremento à
estimulação repetitiva de alta frequência em um paciente com síndrome de miastenia gravis.
Eaton-Lambert.

Logo após o diagnóstico, deve-se realizar TC de tórax, abdômen e pelve, e, caso essa avaliação seja negativa, ao menos a TC de tórax
deve ser repetida a cada seis meses por um período de dois anos. Em indivíduos com maior risco para neoplasia pulmonar, a periodicidade
do exame pode ser a cada três meses. Além disso, a realização do PET-scan é uma alternativa de rastreio.

Podemos encontrar associação entre a síndrome miastênica de Eaton-Lambert e outras doenças autoimunes em
pacientes sem neoplasia associada.

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(UNIRG - 2018) Homem, setenta anos, com astenia há seis meses, associada à dificuldade de subir escadas e elevar os membros superiores
acima da cabeça. Apresenta também xerostomia e lipotimia ao levantar-se. Ao exame físico, verifica-se queda da PA em ortostase e redução
da força nas regiões proximais dos membros superiores e inferiores, com melhora quando o teste é repetido. Qual a hipótese diagnóstica
mais provável?
A) Síndrome de Eaton Lambert;
B) Polimiosite;
C) Miastenia gravis;
D) Esclerose Lateral Amiotrófica.

Comentários

O paciente do enunciado apresenta um quadro de fraqueza muscular proximal que melhora com a
Correta a alternativa A.
repetição do movimento, associada a alterações autonômicas. Isso sugere o diagnóstico de Síndrome de
Eaton Lambert, como vimos acima.
Incorreta a alternativa B. A polimiosite é uma miopatia inflamatória que também pode ser paraneoplásica na minoria dos casos. O paciente
apresenta fraqueza proximal, mialgia e não ocorre alteração nos reflexos. Não se acompanha de manifestações autonômicas e podem ser
detectadas alterações sistêmicas, como comprometimento pulmonar e gastrintestinal.
Incorreta a alternativa C. A miastenia gravis é a doença mais comum da junção neuromuscular, também de caráter autoimune. O quadro
clássico é de fraqueza proximal com fatigabilidade e sem alteração dos reflexos. O paciente pode apresentar ptose palpebral, diplopia e evolui
com insuficiência respiratória. Não há manifestações autonômicas e ela pode estar associada a timomas.
Incorreta a alternativa D. A esclerose lateral amiotrófica é uma doença neurodegenerativa em que há perda de neurônios do córtex motor
e do corno anterior da medula, gerando um quadro progressivo de fraqueza, hiperreflexia, atrofia muscular e fasciculações. Também não se
acompanham fenômenos autonômicos.Para concluir o estudo dessa doença, vamos discutir um pouco sobre tratamento.

1.3.5 TRATAMENTO

Quando associada à neoplasia de pulmão, o tratamento preferencial é a ressecção cirúrgica da lesão, que, se eficaz, pode levar à
resolução do quadro.
A droga de escolha para o tratamento sintomático é a 3,4-diaminopiridina, um bloqueador de canais de potássio que pode aumentar a
liberação de acetilcolina, mesmo com os canais de cálcio parcialmente bloqueados. Lembre-se de que, na miastenia, usamos piridostigmina,
um anticolinesterásico, para aumentar a concentração de acetilcolina na fenda neuromuscular.
Olhe só como isso pode cair em sua prova.

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(REDE DOR-RJ 2014) Homem, 64 anos, apresenta história de 6 meses de fadiga generalizada, dificuldade para subir escadas e para elevar
os membros superiores acima da cabeça. Apresenta queixa de boca seca. Recentemente, quase perdeu a consciência ao se levantar
rapidamente de uma cadeira. Ao exame físico, a PA medida quando sentado é de 130/80 mmHg, caindo para 100/60 mmHg quando se
levanta. Nota-se redução de força nas regiões proximais dos membros superiores e inferiores, com melhora quando o teste é repetido. Uma
eletroneuromiografia revela redução da amplitude dos potenciais de ação musculares, com incremento significativo após um breve período
de exercícios. Com base na principal hipótese diagnóstica, assinale a alternativa CORRETA:

A) Trata-se da síndrome neurológica paraneoplásica mais comum, habitualmente relacionada ao timoma maligno.
B) Além da eletroneuromiografia, a pesquisa de anticorpos contra o receptor da acetilcolina corrobora o diagnóstico.
C) Quando associada à neoplasia, a remoção bem-sucedida do tumor pode levar à resolução dos sintomas.
D) Está relacionada à neoplasia maligna em virtualmente 100% dos casos.

Comentários

A doença caracterizada por melhora da fraqueza após o exercício é a síndrome miastênica de Eaton-Lambert.

Incorreta a alternativa A. O timoma está mais associado à miastenia gravis. A síndrome de Eaton-Lambert é associada à neoplasia de
pulmão de pequenas células.
Incorreta a alternativa B. Os anticorpos contra o receptor de acetilcolina estão positivos em 85% dos quadros de miastenia gravis. Na
síndrome miastênica de Eaton-Lambert, os anticorpos são contra o canal de cálcio P/Q.

Correta a alternativa C. Como na maioria das síndromes neurológicas paraneoplásicas, o tratamento da neoplasia melhora os
sintomas neurológicos.

Incorreta a alternativa D. A associação com neoplasias ocorre em 50% dos casos de síndrome miastênica de Eaton-Lambert, principalmente
com câncer de pulmão de pequenas células.

1.3.6 DIFERENÇAS ENTRE MIASTENIA GRAVIS E SÍNDROME MIASTÊNICA DE EATON-LAMBERT

Finalmente, mantendo a tradição, vamos colocar em uma tabela as principais diferenças entre miastenia gravis e síndrome miastênica
de Eaton-Lambert.

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Característica Miastenia gravis Síndrome de Eaton-Lambert

Local acometido Pós-Sináptico Pré-sináptico

Anticorpos Antirreceptor de acetilcolina, anti-MuSK Anticanal de cálcio P/Q

Neoplasia associada Timoma (15%) Tumor de pequenas células pulmão (50%)

Padrão de fraqueza Fatigabilidade (piora com exercício) Facilitação (melhora com exercício)

Ocular, bulbar, cervical, membros e respi-


Distribuição de sintomas Membros inferiores
ratório

Disautonomia Não Sim

Reflexos Normais Hipoativos (normais após exercício)

Insuficiência respiratória Por síndrome miastênica e síndrome


Rara
aguda colinérgica

Estimulação repetitiva de 3 Hz: decre- Estimulação repetitiva de 30-50 Hz: incre-


Eletroneuromiografia
mento mento

Piridostigmina, imunossupressão, timec-


Tratamento 3,4-diaminopiridina, ressecção do tumor
tomia

Tabela 6: comparação entre miastenia gravis e síndrome miastênica de Eaton-Lambert, mostrando as principais diferenças entre elas.

Na prova cai assim, veja só:

CAI NA PROVA

(SES-RJ 2019) Mulher com 35 anos apresenta quadro de fadiga, iniciado há 60 dias, associado à diplopia transitória, ptose palpebral ocasional
e disfagia. No exame neurológico, havia fraqueza muscular proximal mais evidente nos membros superiores e do lado esquerdo, com reflexos
profundos normais e sensibilidade preservada. A voz estava anasalada e a paciente tinha dificuldade em se alimentar, piorando à noite. O
diagnóstico mais provável, nesse caso, e sua confirmação diagnóstica, respectivamente, são:

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A) Miastenia gravis/ressonância magnética da coluna vertebral.


B) Síndrome de Eaton-Lambert/ressonância magnética da coluna vertebral.
C) Miastenia gravis/dosagem de anticorpos contra receptores de acetilcolina.
D) Síndrome de Eaton-Lambert/dosagem de anticorpos contra canais de cálcio P/Q.

Comentários

Pela descrição do quadro, ficamos com o diagnóstico mais provável de miastenia gravis.

Incorreta a alternativa A. Apesar de estar correta a hipótese diagnóstica de miastenia gravis, o exame de RM de coluna não está indicado,
mesmo porque o os sintomas oculares e faríngeos não seriam contemplados com ele.
Incorreta a alternativa B. Não se trata de quadro de síndrome de Eaton-Lambert, muito menos há indicação de RM de coluna.

Correta a alternativa C. O quadro é típico de miastenia gravis, e o exame que confirma é a pesquisa de anticorpos antirreceptores
de acetilcolina. Nos casos em que esse exame for negativo, pode ser solicitado o anticorpo anti-MusK ou o anti-LRP4

Incorreta a alternativa D. Não se trata de quadro de síndrome de Eaton-Lambert, apesar de o exame específico para ela ser a pesquisa de
anticorpo anticanal de cálcio P/Q, presente em 95% dos casos.

1.4 BOTULISMO

Botulismo é uma doença causada pela infecção por em conserva contendo a toxina botulínica (figura 13). Em crianças,
Clostridium botulinum, que produz a toxina botulínica. Essa toxina ela é adquirida por meio da ingestão de mel (botulismo intestinal),
age na membrana pré-sináptica do neurônio motor inferior, quando esporos da bactéria Clostridium botulinum são ingeridos, e
promovendo a proteólise das proteínas do complexo SNARE. a produção da toxina ocorre in vivo.
Isso impede que as vesículas com acetilcolina sejam liberadas Outras causas menos frequentes são a contaminação de
na fenda sináptica para ligarem-se a seu receptor na membrana feridas extensas e a iatrogênica.
da célula muscular, gerando déficit na transdução do sinal para a O período de incubação é de 2 horas a 12 dias, e o paciente
contração muscular. pode apresentar inicialmente um quadro de diarreia e dor
Em adultos, a infecção ocorre pelo consumo de alimentos abdominal (pródromo).

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A manifestação neurológica inicial do botulismo


costuma ser uma neuropatia craniana, com envolvimento
unilateral do nervo oculomotor (ptose e oftalmoparesia),
paralisia facial bilateral e sintomas bulbares (disfagia e
disartria).

Com a progressão da doença,


surgem fraqueza respiratória, fraqueza
dos membros DESCENDENTES e simétrica,
hipotonia (paralisia flácida), arreflexia e
manifestações autonômicas (visão turva,
Figura 13: o botulismo pode ser adquirido por meio de ingestão de alimentos
em conserva. midríase paralítica, hipotensão postural, xerostomia e anidrose).

O botulismo é o diagnóstico diferencial mais importante da síndrome de Guillain-Barré.


O diagnóstico é baseado na clínica, em exame de eletroneuromiografia e na identificação da toxina em secreções do paciente.
O tratamento envolve o uso de antitoxinas e, nos casos de contaminação pelo esporo propriamente dito, antibioticoterapia.
Na figura 14, mostro um esquema diagnóstico do botulismo, para você não se perder.

FERIDA OU INGESTÃO DE ALIMENTO EM CONSERVA

Clostridium DIARREIA
botulinum DOR ABDOMINAL

BLOQUEIO
PRÉ-SINÁPTICO

PARALISIA NN
CRANIANOS MOTORES

FRAQUEZA
ARREFLEXIA DISAUTONOMIA
DESCENDENTE

Figura 14: quadro clínico do botulismo.

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Isso cai na prova. Veja só como perguntam.

CAI NA PROVA

(HCE-RJ 2018) Paciente com 8 anos de idade admitido na Unidade de Emergência do Hospital Casa de Portugal, com sintomas de intoxicação
alimentar horas após ingestão de embutidos. Evolui com paralisia flácida crânio caudal, diplopia, visão turva, disartria e boca seca. Qual é o
diagnóstico mais provável?

A) síndrome de Guillain-Barré.
B) intoxicação por carbamato.
C) botulismo.
D) acidente vascular isquêmico.

Comentários

Incorreta a alternativa A. A síndrome de Guillain-Barré (SGB) é uma polirradiculoneurite autoimune pós-infecciosa. A progressão dos
sintomas ocorre de forma ASCENDENTE (começa pelos membros inferiores, distalmente, e vai evoluindo no sentido proximal) e aguda
(piora em até 4 semanas).
Incorreta a alternativa B. Carbamato e organofosforados são inibidores da enzima acetilcolinesterase que podem ser causas de intoxicação
em crianças. Seus sintomas são de tetraparesia, sialorreia, miose, bradicardia, broncorreia e dor abdominal.

Correta a alternativa C. O botulismo é uma doença causada pela toxina botulínica, que impede que as vesículas com acetilcolina
sejam liberadas na fenda sináptica para ligarem-se a seu receptor na membrana da célula muscular (pós-sináptica). Com isso, o paciente
desenvolve um quadro de neuropatia craniana, com envolvimento unilateral do nervo oculomotor (ptose e oftalmoparesia), paralisia facial
bilateral e sintomas bulbares (disfagia e disartria). Com a progressão da doença, surgem fraqueza respiratória, fraqueza dos membros
DESCENDENTES e simétrica, hipotonia (paralisia flácida), arreflexia e manifestações autonômicas (visão turva, midríase paralítica,
hipotensão postural, xerostomia e anidrose).

Incorreta a alternativa D. O AVC isquêmico é um quadro agudo de déficit neurológico que pode ser justificado pelo comprometimento de
uma artéria encefálica, originando uma síndrome neurovascular. No entanto, os sintomas apresentados pelo paciente não se enquadram
em nenhuma dessas síndromes, sendo improvável o diagnóstico de AVC isquêmico.

Você viu que tinha uma alternativa que falava do carbamato, não? Pois é, vamos aproveitar e falar dele melhor agora.

1.5 OUTRAS NEUROTOXINAS QUE AFETAM A JUNÇÃO NEUROMUSCULAR

A acetilcolina participa da neurotransmissão em várias regiões do corpo, como é mostrado na tabela 7. Certos tipos de intoxicação
podem comprometer sinapses colinérgicas, gerando manifestações sistêmicas. Esses efeitos podem ser decorrentes do aumento da atividade
da acetilcolina ou de sua redução.

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Local Função

Hipocampo e núcleo basal de Meynert


Formação e consolidação da memória
(prosencéfalo basal)

Simpático: gânglio
Sistema nervoso autônomo
Parassimpático: gânglio e efetor

Junção neuromuscular Motricidade voluntária

Tabela 7: localização e funções das principais sinapses colinérgicas.

1.5.1 ACIDENTE COM ANIMAIS PEÇONHENTOS

Alguns envenenamentos por acidentes com animais peçonhentos (principalmente elapídicos – cobra coral) ocorrem pela ação de
neurotoxinas pós-sinápticas sobre a junção neuromuscular. Um exemplo é a alfa-bungarotoxina, substância que está presente no veneno
de cobra. Ela impede a ligação da acetilcolina a seu receptor, levando a um quadro de paralisia, com incapacidade de deambular, e ptose
palpebral. Temos aqui um exemplo de redução da ação da acetilcolina.
Leia mais sobre os acidentes com animais peçonhentos no livro de Infectologia.
A tabela 8 mostra os principais tipos de acidentes com animais peçonhentos e seus respectivos efeitos tóxicos.

Acidente Animal Efeito neurológico Efeito sistêmico

Botrópico Jararaca Não

Miotóxica (rabdomiólise e
Crotálico Cascavel Ação neurotóxica precoce
mioglobinúria) e coagulante

Ofídico Neurotóxica (estimulação Ação proteolítica, coagulante e


Laquético Surucucu
vagal) hemorrágica

Fraqueza muscular
Coral (figura
Elapídico generalizada que pode ter
15)
início em até 12 h da picada.

Aranha
Phoneutria Disautonomia
armadeira

Aranha
Loxosceles Não Ação coagulante e hemolítica
marrom

Escorpiônico Escorpião Disautonomia Priapismo

Tabela 8: principais acidentes com animais peçonhentos.

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O tratamento de um acidente ofídico por elapídico é


realizado com a aplicação do soro específico antielapídico,
atropina e neostigmina.

Cada administração de neostigmina deve ser precedida


por 0,6 mg de atropina, objetivando um aumento na frequência
cardíaca de 20 batimentos por minuto. A neostigmina promove
inibição da acetilcolinesterase, enzima que degrada a acetilcolina,
aumentando a disponibilidade desse neurotransmissor na fenda

Figura 15: cobra coral, principal responsável pelo acidente elapídico, em que
sináptica. Consequentemente, ocorre melhora dos sintomas de
ocorre distúrbio da junção neuromuscular por ação de toxinas. paralisia.

CAI NA PROVA

(SURCE 2012) Homem jovem sofreu acidente ofídico há 4 horas. Apresenta ptose e incapacidade de deambular. Que medicamento atuante
no Sistema Nervoso Autonômico é indicado nesse caso?

A) Clonidina.
B) Adrenalina.
C) Neostigmina.
D) Amitriptilina.

Comentários

Alguns envenenamentos por acidente ofídico ocorrem pela ação de neurotoxinas pós-sinápticas sobre a junção neuromuscular, levando a
um quadro de paralisia, com incapacidade de deambular e ptose palpebral.

Incorreta a alternativa A. A clonidina é um agonista α2-adrenérgico. No caso, a paralisia ocorre por uma alteração na musculatura estriada
esquelética, e não por disfunção autonômica. Utiliza-se agonista adrenérgico quando há comprometimento pós-ganglionar do sistema
nervoso simpático.
Incorreta a alternativa B. A adrenalina é um agonista α e β-adrenérgico que também age no neurônio pós-ganglionar simpático.

Correta a alternativa C. Com a ação da neostigmina, ocorre uma inibição da acetilcolinesterase, gerando melhora dos sintomas de
paralisia.

Incorreta a alternativa D. A amitriptilina é um antidepressivo tricíclico que inibe a recaptação de adrenalina e serotonina, neurotransmissores
que não estão envolvidos nesse quadro colinérgico.

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1.2.2 INTOXICAÇÃO POR INIBIDORES DE ACETILCOLINESTERASE

A síndrome colinérgica, também conhecida como síndrome anticolinesterásica, é causada pela inibição da acetilcolinesterase, havendo
aumento do tônus colinérgico no sistema nervoso central, periférico e autônomo, devido à hiperestimulação dos receptores muscarínicos e
nicotínicos.
Clinicamente, iremos encontrar miose, broncorreia, sialorreia, diarreia, agitação psicomotora, cefaleia, tonturas, convulsões e
rebaixamento do nível de consciência.

Organofosforados e carbamato (presentes em defensivos agrícolas) podem ser causas de intoxicação


em crianças e adultos. Eles são inibidores da enzima acetilcolinesterase. O tratamento deve ser realizado
com a administração de atropina, medicação parassimpatolítica (age bloqueando os receptores muscarínicos
de acetilcolina).

CAI NA PROVA

(HIAE 2020) Uma mulher de 22 anos, trabalhadora da zona rural, é levada ao pronto-socorro por fraqueza, náusea, vômitos, salivação e
lacrimejamento excessivos, sudorese excessiva e tosse com secreção clara abundante. Está consciente e orientada com letargia leve; pulso
rítmico de 50 bpm, PA: 110×68 mmHg, sibilos respiratórios difusos e secreção brônquica copiosa; com movimentos musculares involuntários
− fasciculações − na face e tronco. Herbicida por aspersão foi aplicado recentemente no seu local de trabalho. O tratamento imediato consiste
nas medidas básicas de manutenção e na administração de

A) alfatocoferol.
B) epinefrina.
C) n-acetilcisteína.
D) hidroxicobalamina.
E) atropina.

Comentários

Todos esses são sintomas de intoxicação por agente anticolinesterásico, que produz o aumento da função parassimpática. Alguns defensivos
agrícolas possuem essas substâncias em sua composição, os organofosforados. O tratamento, por sua vez, deve ser realizado com uma
medicação parassimpatolítica, ou seja, que iniba a ação da acetilcolina.

Incorreta a alternativa A. O alfa-tocoferol (vitamina E) já foi estudado em várias doenças, como demências e doenças cerebrovasculares,
sem ter sido encontrada evidência de eficácia. Não há indicação na intoxicação por organofosforados.

Incorreta a alternativa B. A epinefrina (adrenalina) é uma medicação que tem sua indicação em várias urgências e emergências, como
nas paradas cardíacas, choques anafiláticos e bradicardias (nesta, não como primeira opção). Como o paciente apresenta indicação de
intoxicação colinérgica, a adrenalina não possui utilidade.
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Incorreta a alternativa C. A n-acetilcisteína é indicada no tratamento da intoxicação por paracetamol, o que não é o caso desse paciente.
Incorreta a alternativa D. A hidroxicobalamina é indicada na intoxicação por cianeto, cujos sintomas são cefaleia, confusão mental,
convulsões, arritmia, alteração do ritmo respiratório, vômitos, dor abdominal, rubor (coloração de cereja), insuficiência renal e hepática
e rabdomiólise.

Correta a alternativa E. A atropina, um parassimpatolítico, é a droga de escolha para intoxicações por anticolinesterásicos.

Estrategista, chegamos quase à metade do assunto. Até aqui você viu muitas questões de prova para
comprovar e praticar o que escrevemos na teoria. Só que não acabou. Eu sei que o cansaço talvez esteja
batendo, mas é importante que você não desista. Vamos continuar? Força, ânimo e foco!

CAPÍTULO

2.0 DOENÇAS DO NEURÔNIO MOTOR


Algumas doenças neurológicas causam comprometimento consequência, ocorrerá perda específica daquela função exercida
de certas estruturas anatômicas. Por exemplo, em um caso de por essa célula. O nome disso é neuronopatia (sim, com um “no”
acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico, todos os neurônios da no meio da palavra neuropatia).
área irrigada pela artéria afetada serão acometidos, não importa As neuronopatias podem ser motoras, autonômicas ou
se são motores, sensitivos ou relacionados à cognição. O mesmo sensitivas. No caso das provas de Residência, você precisa saber
ocorre nas neuropatias periféricas. Apesar de geralmente haver das neuronopatias motoras: a esclerose lateral amiotrófica (ELA) e
predomínio sensitivo, motor ou autonômico, essas três modalidades a amiotrofia espinhal progressiva (AMS).
acabam sendo afetadas em algum grau na maioria dos casos. Espero que você se lembre de quando falamos, no livro de
No entanto, existem doenças que afetam apenas um tipo Anatomia, Fisiologia e Semiologia Neurológica, que a via motora
de neurônio, sem afetar as outras modalidades neurológicas que possui dois neurônios (figura 16): neurônio motor superior (ou
tenham localização anatômica próxima. O que ocorre é um processo primeiro neurônio motor ou, ainda, neurônio piramidal) e neurônio
de morte neuronal a partir do corpo celular do neurônio, seguida motor inferior (ou segundo neurônio motor).
de degeneração dos axônios pertencentes àquelas células. Em

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Figura 16: trato corticoespinhal, responsável pela motricidade voluntária, composto pelo neurônio motor superior e neurônio motor inferior.

Conforme pode ser visto na figura 16, o corpo celular do neurônio motor superior está no córtex motor, localizado no giro pré-central
do lobo frontal, e o do neurônio motor inferior está na medula espinhal, no corno anterior. No caso dos nervos cranianos motores, o corpo
celular do segundo neurônio está no tronco encefálico.
Dependendo do neurônio comprometido, a neuronopatia receberá nomes diferentes, conforme a tabela 9.

Comprometimento neurológico
Neuronopatia motora
Neurônio motor superior Neurônio motor inferior

Esclerose lateral amiotrófica Sim Sim

Amiotrofia espinhal progressiva Não Sim

Tabela 9: Principais neuronopatias motoras.

Depois dessa introdução necessária, vamos entrar propriamente nas doenças, sem mais delongas.

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2.1. ESCLEROSE LATERAL AMIOTRÓFICA

Na ELA, teremos morte celular no córtex motor, nos núcleos motores do tronco encefálico e no corno (ou ponta) anterior da medula
espinhal.
Na maior parte das vezes, a causa é desconhecida e o processo é de instalação insidiosa. Como as fibras nervosas (axônios) das células,
cuja morte inicia pelo corpo celular sofrem degeneração, esse tipo de evolução é classificado como um processo neurodegenerativo.
Assim como a maioria dos processos neurodegenerativos, a ELA é mais comum a partir da quinta década de vida.

2.1.2 QUADRO CLÍNICO

A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é a causa mais comum da doença do neurônio motor,
caracterizada por um comprometimento simultâneo do neurônio motor inferior e superior. Assim, você
encontrará componentes da síndrome do neurônio motor superior e do neurônio motor inferior no mesmo
paciente.

A tabela 10 refresca nossa mente com as características dessas duas síndromes.

Característica
Síndrome do neurônio motor superior Síndrome do neurônio motor inferior
semiológica

Déficit de força Presente Presente

Reflexos profundos Exaltados Abolidos ou hipoativos

Reflexo cutâneo-plantar Em extensão (sinal de Babinski) Em flexão ou abolido

Tônus Hipertonia elástica (sinal do canivete) Hipotonia

Trofismo Atrofia tardia Atrofia precoce

Clônus Presente Ausente

Fasciculações Ausente Presente

Tabela 10: características das síndromes do neurônio motor superior e inferior.

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Clinicamente, o paciente terá manifestações da síndrome do neurônio motor superior (fraqueza, hiper-reflexia,
hipertonia com espasticidade e sinal de Babinski – figura 17) e inferior (atrofia e fasciculações). Não encontraremos
manifestações sensitivas, cerebelares ou autonômicas.

Figura 17: reflexo cutâneo-plantar é pesquisado com estímulo na planta do pé. A resposta normal ocorre com flexão dos dedos. Na lesão do neurônio motor superior,
encontraremos o sinal de Babinski (cutâneo-plantar em extensão) e seus sucedâneos.

Em alguns casos associados a determinadas mutações genéticas, como a C9orf72, a ELA pode manifestar-se com demência de
características frontotemporais.
As manifestações afetam os quatro membros de forma aleatória, e, a depender das combinações encontradas, temos nomes e
evoluções diferentes para os quadros. Então, Estrategista, apesar de as bancas não perguntarem especificamente o nome desses quadros,
veja como é que um caso de ELA pode se manifestar:
• Forma “flail arms”: predomínio de sintomas nos membros superiores.
• Forma paraplégica: início dos sintomas nos membros inferiores.
• Forma pseudopolineurítica de Patrikios: início dos sintomas por apenas um membro.
• Forma hemiplégica de Mills: acometimento preferencial de um hemicorpo.
• Forma tetraparética proximal: afeta os quatro membros desde o início.
• Forma bulbar: início dos sintomas com fraqueza dos músculos inervados pelos nervos glossofaríngeo (IX NC) e vago (X NC),
cujos núcleos estão no bulbo, provocando disartria e disfagia. A fraqueza cervical por comprometimento de neurônios
inervados pelo nervo acessório (XI NC) pode causar a síndrome do pescoço caído.

Na ELA, a motricidade ocular é poupada. Na fase avançada, os pacientes estão acamados,


traqueostomizados, com sonda nasoenteral e comunicando-se por meio de movimentos oculares.

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Isso é tão verdade que muitos pacientes com quadros avançados de ELA usam o Tobii (figura 18), um dispositivo eletrônico que serve
para gerar comunicação a partir da leitura dos movimentos oculares dos pacientes, que direcionam seu olhar para uma câmera e praticamente
digitam com os olhos.

A paralisia pseudobulbar é um
quadro que ocorre quando há lesão
bilateral do trato corticonuclear (a parte
do corticoespinhal que inerva os núcleos
motores dos nervos cranianos) , sem que
haja o comprometimento dos neurônios
motores inferiores para os músculos
bulbares. Ela pode ser causada em lesões vasculares (AVC) ou ainda
em doenças neurodegenerativas, como na doença do neurônio
motor (esclerose lateral amiotrófica). Clinicamente, ela manifesta-
se por disfagia, disartria, paresia da língua e da elevação do palato,
além de choro e riso imotivados.
Veja como essas coisas podem aparecer em sua prova.
Figura 18: dispositivo de comunicação por leitura de movimentação ocular
(Tobii), usado para pacientes com ELA.

CAI NA PROVA

(UESPI 2021) A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença degenerativa que acomete a ponta anterior da medula, baseando-se nesse
conhecimento da neuroanatomia, podemos inferir as manifestações clínicas da ELA. Assim, assinale a alternativa CORRETA.

A) Quadro clínico inicial são manifestações sensitivas como parestesias em extremidades.


B) Muitos pacientes iniciam a doença similar a uma mielite transversa, com nível sensitivo bem delimitado.
C) A limitação motora só ocorre na musculatura distal dos membros.
D) Não há acometimento sensitivo e os achados de doença do neurônio motor inferior são bem evidentes como fasciculações e atrofia.
E) A musculatura da faringe e língua não é afetada e, portanto, os pacientes conseguem deglutir independente até o fim da doença.

Comentários:

Incorretas as alternativas A e B. A ELA não é acompanhada de manifestações sensitivas.


Incorreta a alternativa C. A ELA pode manifestar-se de várias formas, com acometimento proximal ou distal dos membros, além de
musculatura bulbar e respiratória.

Correta a alternativa D. Quando há comprometimento da ponta anterior da medula, levando à morte do neurônio motor inferior, o
paciente apresentará atrofia e fasciculações. Os demais achados, como fraqueza, hipertonia, hiper-reflexia e sinal de Babinski, são devidos
à morte do neurônio motor superior.

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Incorreta a alternativa E. Na forma bulbar, teremos comprometimento da musculatura inervada pelos nervos cranianos IX, X e XI, gerando,
por exemplo, fraqueza da faringe e da língua.

(CERMAM - 2023) Um motorista de Uber 68 anos de idade, começou a apresentar sinais e sintomas neurológicos de caráter progressivo início
do quadro há 18 meses. O que mais chamou sua atenção foram diminuição das forças principalmente em membros superiores com músculos
tensos e rígidos, atrofia em mãos, contrações musculares nos braços e língua, dificuldade para deglutição e fala anasalada. Qual o diagnóstico
provável?
A) Esclerose múltipla
B) Esclerose lateral amiotrófica (ELA)
C) Encefalomielite disseminada aguda (ADEM)
D) Miastenia gravis

Comentários

Estrategista, o quadro descrito é de fraqueza muscular progressiva associada a fasciculações, atrofia e rigidez muscular. Essa combinação
peculiar de sintomas sugere a associação de síndromes do neurônio motor superior e inferior, o que sugere o diagnóstico de Esclerose Lateral
Amiotrófica (ELA).
A ELA é uma doença neuromuscular degenerativa, caracterizada, simplificadamente, pela perda progressiva dos movimentos em
decorrência da degeneração dos neurônios motores alfa. Além disso, o trato corticoespinhal também é envolvido, o que gera uma combinação
peculiar de sintomas de disfunção do neurônio motor superior (hiperreflexia, sinal de Babinski, espasticidade) e sinais de disfunção do
neurônio motor inferior (atrofia, fasciculações, fraqueza). A doença envolve os segmentos craniano, cervical, torácico e lombossacro e inclui
músculos proximais e distais. As vias sensitivas são poupadas e o exame de sensibilidade é normal nesses pacientes! Infelizmente, não há
tratamento curativo, apenas suporte. A doença tem péssimo prognóstico e a expectativa de vida dos pacientes é de 3 a 5 anos.
Vejamos as alternativas
Incorreta a alternativa A. A esclerose múltipla cursa com acúmulo de síndromes neurológicas de manifestação multifocal e aditiva. Os
sintomas não se restringem à função motora, como no enunciado, tampouco de evolução progressiva e sem surtos.

Correta a alternativa B. Exatamente. É a principal hipótese diagnóstica dada a associação de sintomas.

Incorreta a alternativa C. A ADEM, típica de crianças, é uma encefalomielite pós infecciosa caracterizada por encefalopatia associada à
disfunção neurológica multifocal incluindo ataxia, déficit motor, sensitivo entre outros.
Incorreta a alternativa D. A miastenia gravis cursa com fraqueza muscular associada à fatigabilidade, sem sinais de rigidez muscular ou
mesmo fasciculações ou atrofia.

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2.1.3 EXAMES COMPLEMENTARES

A eletroneuromiografia em pacientes com ELA revelará


diminuição da amplitude dos potenciais de ação motores
(processo axonal), poupando relativamente a condução nos nervos
sensitivos, caracterizando uma neuronopatia. Além disso, o exame
de eletromiografia com a inserção de uma agulha no interior dos
músculos mostrará alterações compatíveis com desnervação
(fibrilações e ondas positivas).
A ressonância magnética (RM) com MTC (transferência de
magnetização) e com tratografia (figura 19) poderá mostrar se há
redução do número de fibras do trato corticoespinhal.
Figura 19 (cortesia Prof. Dr. José Luiz Pedroso): RM com tratografia, mostrando
redução do número de fibras do trato corticoespinhal direito (seta vermelha).

2.1.4 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Estrategista, uma boa parte das questões sobre ELA cobra o neurônios motores inferiores do corno anterior da medula, levando
diagnóstico da doença, colocando outras afecções nas alternativas, ao surgimento das síndromes do neurônio motor superior e inferior.
como diagnósticos diferenciais. Algumas nós já citamos na A RM de transição craniocervical revelaria a alteração anatômica.
parte 1 desse livro, e outras, no começo da parte 2. Entretanto, O envenenamento por chumbo como causa de doença
alguns outros diagnósticos diferenciais de interesse precisam ser do neurônio motor (esclerose lateral amiotrófica) é controverso,
brevemente comentados. sendo que há vários relatos na literatura apoiando essa entidade,
A mielopatia espondilótica cervical é um quadro de mas de forma que ainda não se pode comprovar.
osteoartrose em que há compressão medular e das raízes espinhais A neuropatia multifocal motora com bloqueio de
que se situam nos forames intervertebrais. A compressão medular condução é um quadro tratável, autoimune, em que o paciente
causa sintomas do neurônio motor superior, e o acometimento apresenta geralmente uma fraqueza nos membros superiores,
das raízes, os de neurônio motor inferior. Entretanto, não teremos associada a sinais de síndrome do neurônio motor inferior. Assim
alterações na musculatura bulbar, e a ressonância da coluna cervical como na doença do neurônio motor, ela apresenta apenas o
elucidará o diagnóstico. comprometimento motor, o que pode causar confusão diagnóstica.
Um tumor de forame magno poderia comprimir estruturas A eletroneuromiografia pode ajudar a elucidar essa dúvida.
da medula cervical e bulbo, causando tetraparesia, e afetar os

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CAI NA PROVA

(UESPI - 2021) A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença degenerativa que acomete a ponta anterior da medula, baseando-se nesse
conhecimento da neuroanatomia, podemos inferir as manifestações clínicas da ELA. Assim, assinale a alternativa CORRETA.
A) O quadro clínico inicial são manifestações sensitivas como parestesias em extremidades.
B) Muitos pacientes iniciam a doença similar a uma mielite transversa, com nível sensitivo bem delimitado.
C) A limitação motora só ocorre na musculatura distal dos membros.
D) Não há acometimento sensitivo e os achados de doença do neurônio motor inferior são bem evidentes como fasciculações e atrofia.
E) A musculatura da faringe e língua não é afetada e, portanto, os pacientes conseguem deglutir independente até o fim da doença.

Comentários

Incorreta a alternativa A. Não há acometimento de vias sensitivas e, portanto, o quadro não se inicia com parestesias de extremidades.
Incorreta a alternativa B. O acometimento medular fica restrito ao corno anterior da medula e ao trato corticoespinhal, levando a sintomas
exclusivamente motores e, portanto, não ocorre a apresentação clínica similar a mielite transversa com disfunção esfincteriana ou nível
sensitivo.
Incorreta a alternativa C. A limitação motora envolve músculos proximais e distais e não apenas os distais. Lembre-se que o corno anterior da
medula, origem dos nervos motores, está acometido.
O acometimento motor com presença de fasciculações e atrofia são característicos dessa doença e
Correta a alternativa D. representam o acometimento do neurônio motor inferior, também conhecido como ponta anterior da
medula.
Incorreta a alternativa E. Os segmentos craniano, cervical, torácico e lombosacro são envolvidos na doença. Portanto, em algum momento da
evolução clínica, os pacientes apresentarão disfunção da deglutição, levando a demanda de vias s como sonda nasoentérica ou gastrostomia.

2.1.5 TRATAMENTO

Não há tratamento curativo para a ELA. No momento, apenas espasticidade, além de terapia de reabilitação com fisioterapia e
duas medicações são liberadas para uso, contudo de benefício terapia ocupacional.
apenas modesto sobre a curva de sobrevida. São elas o riluzol, A definição de via alimentar alternativa com sondagem
um inibidor da liberação de glutamato, e o edaravone, uma droga nasoenteral e, eventualmente, gastrostomia, além da avaliação de
capaz de “limpar” radicais livres. indicação de suporte ventilatório, são outros tópicos fundamentais
O tratamento de suporte permanece como o mais importante nessa abordagem. Em linhas gerais, as medidas devem visar à
no seguimento desses pacientes e deve incluir o manejo do humor, preservação da independência do paciente até quanto for possível.
de dor, sialorreia excessiva, controle, na medida do possível, da

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A fraqueza da musculatura respiratória diminui algumas defesas, como a eficácia da tosse, o que pode contribuir para o
surgimento de atelectasias e de pneumonia aspirativa.

CAI NA PROVA

(UFAL 2021) A fraqueza da Esclerose Lateral Amiotrófica leva a uma respiração cada vez mais superficial e rápida com sintomas crônicos de
hipoventilação alveolar. Os sinais de hipoventilação ocorrem durante o sono REM e em uma fase mais avançada da doença manifestam-se no
período diurno. Sendo correto que:
A) A fraqueza da musculatura expiratória combinada com inadequadas insuflações dos pulmões impede a eficácia da tosse mas não limpeza
de vias aéreas, alterando a resistência das vias aéreas e aumentando o risco de desenvolvimento de atelectasias e pneumonia.
B) A fraqueza da musculatura expiratória combinada com inadequadas insuflações dos pulmões impede a eficácia da tosse e limpeza de vias
aéreas, alterando a resistência das vias aéreas e redução do risco de desenvolvimento de atelectasias e pneumonia.
C) A fraqueza da musculatura expiratória combinada com inadequadas insuflações dos pulmões impede a eficácia da tosse e limpeza de vias
aéreas, não alterando a resistência das vias aéreas e reduzindo o risco de desenvolvimento de atelectasias e pneumonia.
D) A fraqueza da musculatura expiratória combinada com inadequadas insuflações dos pulmões impede a eficácia da tosse e limpeza de vias
aéreas, alterando a resistência das vias aéreas e aumentando o risco de desenvolvimento de atelectasias e pneumonia.

Comentários:

Essa é mais uma daquelas questões que exige apenas interpretação de texto. As alternativas são muito parecidas e mudam-se poucas
palavras entre elas.
Nessa alternativa, a associação de ideias está correta, já que a tosse inadequada em decorrência da
Correta a alternativa D.
fraqueza muscular expiratória aumenta o risco de atelectasias e de pneumonias, agravando o quadro do

paciente com ELA.


Incorretas as alternativas A, B e C.

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2.2 ATROFIA MUSCULAR ESPINHAL (AME)

Aos dois meses de vida, já se espera que o bebê seja capaz de de causas de hipotonia. Falam contra outras causas de hipotonia
sustentar a cabeça e que possua algum controle sobre os membros nos portadores de AME a fontanela normotensa (contrariamente
inferiores. Não havendo esse marco do desenvolvimento, já se deve à hipótese de hidrocefalia) e o olhar ativo (baixa probabilidade de
investigar algumas causas de hipotonia. tratar-se de alteração cerebelar). A dosagem normal de CPK exclui
Fraqueza e hipotonia em bebês pequenos podem significar a maioria das miopatias. E, para fechar o diagnóstico, a pesquisa da
comprometimento do sistema nervoso central (paralisia cerebral, mutação genética é imprescindível.
por exemplo), doenças neuromusculares ou alguma síndrome A AME decorre da produção insuficiente
genética, como a síndrome de Down e a de Prader-Willi. Alguns da proteína SMN (survival motor neuron), que
dos diagnósticos diferenciais deverão incluir infecções congênitas, como o próprio nome sugere é elementar
sepse neonatal, hipotireoidismo, hipoglicemia, hemorragia para o funcionamento do neurônio motor. A
intracraniana e toxicidade medicamentosa (exemplo: sulfato de produção dessa proteína depende do gene
magnésio). Descartando-se as causas mais comuns, devem ser SMN1, responsável pela síntese da maior parte
investigadas as doenças neuromusculares primárias e as causas e do gene SMN2, que traduz apenas pequenas
genéticas. quantidades da proteína SMN, truncada e menos funcional. Em
A atrofia muscular espinhal (AME) é a causa monogênica 95% dos casos de AME há a deleção do gene SMN, situação em
mais comum de mortalidade infantil no mundo. Ela é uma doença que apenas o gene SMN2 será responsável por produzir a proteína.
neuromuscular que gera morte isolada do neurônio motor As pessoas têm diferentes números de cópias do gene SMN2,
inferior no corno anterior da medula e nos núcleos motores de sendo assim, quanto mais cópias uma pessoa tiver, mais proteína
nervos cranianos, causando fraqueza generalizada, hipotonia SMN, ainda que imatura e pouco funcional, ele terá. Isso modula
e comprometimento respiratório. Não encontraremos, nesses o fenótipo do paciente, variando de quadros muito graves com
pacientes, alterações no neurônio motor superior insuficiência respiratória precoce a quadros mais brandos de início
A investigação desses casos é feita inicialmente com pesquisa dos sintomas apenas na idade adulta.

A pesquisa molecular para o gene SMN ajudará no diagnóstico de AME e na ausência de sinais
sugestivos de causa central de hipotonia (crise epiléptica, atraso do desenvolvimento, abaulamento de
fontanelas…) deverá ser o primeiro exame a ser solicitado!

Como vimos acima, há um espectro de gravidade de apresentação da doença, variando de acordo com os marcos motores que a
criança consegue alcançar. Veja na tabela abaixo:

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AME 1 O bebê não consegue sentar-se

AME 2 A criança consegue sentar-se, mas não anda

AME 3 A criança anda, contudo, tem dificuldade em correr e pode perder a marcha com o tempo

AME 4 Os sintomas iniciam-se na fase adulta

Por que discutir esse tema em um livro para acesso direto?


Porque existem 2 medicamentos, aprovados pela ANVISA, direcionados ao tratamento dessa doença. O primeiro, já incluído no rol de
alto custo do SUS para AME tipo 1 e 2, é o nusinersena (Spinraza), um medicamento capaz de otimizar a produção de SMN a partir do gene
SMN2. Já o segundo, Onasemnogene abeparvovec (Zolgensma) produz uma edição genética, capaz de fazer com o que o gene SMN1 seja
incluído na célula e passe a produzir a proteína SMN! Tão magnifíco quanto o seu mecanismo de ação são o nome da molécula e o preço,
estimado em cerca de R$ 6 milhões de reais no ano de 2022.
Ufa! Muita informação, não é mesmo? Bom, mas se cair em sua prova, você marcará um golaço, espero! Vamos ver agora como isso
cai na prova.

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(UFRJ UNIRIO 2018) Lactente masculino, quatro meses, é levado ao ambulatório de pediatria. Apresenta desde o nascimento hipotonia
generalizada, com dificuldade de deglutição. Já na gestação, sua movimentação era relativamente diminuída. Não há história familiar de casos
semelhantes. Exame físico: olhar vivo, hipotonia global e diminuição de força generalizada (não vence a gravidade), os reflexos profundos
são universalmente diminuídos e apresenta miofasciculações de língua, fontanela anterior normotensa. Dosagem de creatinofosfoquinase
normal. O exame a ser solicitado para confirmar a principal hipótese diagnóstica é:

A) Eletroneuromiografia.
B) Biópsia muscular.
C) Pesquisa molecular para o gene SMN.
D) Biópsia do nervo sural.
E) Ressonância magnética de crânio.

Comentários:

Incorreta a alternativa A. A doença do neurônio motor inferior aparecerá na eletroneuromiografia por meio de diminuição da amplitude
da transmissão motora, poupando relativamente a condução nos nervos sensitivos, caracterizando uma neuronopatia. Como o exame
neurológico já direciona a hipótese para uma neuronopatia motora, a eletroneuromiografia não confirmaria o diagnóstico etiológico,
apenas forneceria dados que o favoreceriam.
Incorreta a alternativa B. A biópsia muscular deve ser solicitada em quadros de miopatias, mas, com as alterações do neurônio motor
inferior e com a ausência de alteração na dosagem e CPK, esse diagnóstico é improvável.

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Correta a alternativa C. A pesquisa molecular para o gene SMN1 ajudará no diagnóstico de AME, uma neuronopatia motora que
causa fraqueza e hipotonia desde a infância.
Incorreta a alternativa D. A biópsia de nervo sural está indicada em poucas situações como a amiloidose e as vasculites.

Incorreta a alternativa E. A RM de crânio seria capaz de mostrar hidrocefalia, atrofia/hipodesenvolvimento cerebelar ou ainda
leucodistrofias, improváveis pela apresentação clínica.

(FAMERP 2020 ) Bebê de dois meses foi levado ao pediatra para uma consulta de puericultura. Parece um bebê feliz e está sorrindo para a mãe
durante a consulta. Durante o exame físico, você observa que o bebê tem um tônus muscular diminuído. Ele não levanta a cabeça quando está
deitado de bruços, e sua cabeça deve estar totalmente apoiada quando está sendo segurado. Além disso, suas pernas são flexíveis, parecidas
com pernas de sapo. Os reflexos patelares estão ausentes. Parece também que ele não está ganhando peso adequadamente. Foi realizada
uma ressonância magnética cerebral, que foi considerada normal. Foi obtido um painel metabólico abrangente, o que também foi normal. A
creatinina quinase (CK) está levemente elevada (1,5 × normal). Qual é o próximo passo que o pediatra deve dar?

A) Tranquilizar a mãe do bebê e explicar-lhe que os filhos se desenvolvem em ritmos diferentes.


B) Teste genético para atrofia muscular espinhal.
C) Colher liquor para pesquisa de pleocitose.
D) Solicitar sorologia para poliomielite.

Comentários

Incorreta a alternativa A. Aos dois meses de vida, já se espera que o bebê seja capaz de sustentar a cabeça e que possua algum controle
sobre os membros inferiores.

Correta a alternativa B. A atrofia muscular espinhal (AME) é caracterizada por fraqueza, atonia e atrofia muscular, sem
comprometimento cognitivo.

Incorreta a alternativa C. A pesquisa de pleocitose no liquor estaria indicada em casos de suspeita de neuroinfecção, o que geralmente
cursaria com febre e alguma manifestação sistêmica.
Incorreta a alternativa D. A poliomielite foi erradicada do Brasil nos anos 1980. Cerca de 95% dos indivíduos infectados ficam assintomáticos.
Os pacientes apresentarão sintomas inespecíficos de infecção viral, com febre, mal-estar, adinamia, cefaleia, náuseas e inapetência. Uma
pequena parcela desses pacientes apresentará rigidez de nuca, cefaleia, febre e vômitos. Em seguida, surgirão lombalgia, cervicalgia,
mialgia e, finalmente, fraqueza muscular arreflexa e assimétrica, predominando em músculos dos membros inferiores, do compartimento
anterior e proximal.

Atenção, Estrategista! Estamos quase acabando. Falta falar um pouco das miopatias, as doenças dos músculos. Algumas delas você
encontrará aqui e outras, no livro de Reumatologia. Fica o convite à leitura daquele material super bem escrito pelos professores de Reumato
do Estratégia Med!

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CAPÍTULO

3.0 MIOPATIAS
Quando nos deparamos com um paciente com fraqueza
muscular, devemos decidir se ela é decorrente de uma síndrome Resumindo em duas informações, as miopatias
do neurônio motor superior ou de uma lesão do neurônio motor podem causar fraqueza proximal e elevação da CPK. Só
inferior, junção neuromuscular e músculo. Assim, é preferível tome cuidado para não cair na cilada de achar que, sempre
separarmos as síndromes associadas à fraqueza em neurônio que houver fraqueza proximal e/ou elevação da CPK, o
motor superior e unidade motora (neurônio motor inferior, junção paciente terá miopatia.
neuromuscular e músculo).
A distribuição da fraqueza é importante para o raciocínio da
causa. Volte à tabela 2, em que as principais causas de fraqueza por
comprometimento da unidade motora são comparadas.
As principais doenças que causam fraqueza de predomínio
A eletroneuromiografia é um exame capaz de diferenciar
proximal são:
se o comprometimento é neurológico, miopático ou da junção
• Porfiria intermitente aguda.
neuromuscular. Existem achados muito específicos que são
• Esclerose lateral amiotrófica.
referidos como “padrão miopático”. Não cabe aqui mencionarmos
• Miopatias.
essas informações, porque elas nunca foram cobradas em prova.
• Doenças da junção neuromuscular.
Existem várias causas de miopatias. Falaremos do que cai
As principais causas não miopáticas de elevação da CPK são:
nas provas de Residência: causas tóxicas, metabólicas, infecciosas,
• Esclerose lateral amiotrófica.
inflamatórias, rabdomiólise e distrofias musculares.
• Síndrome de Guillain-Barré.
Clinicamente, elas podem ter
• Doença de Lyme (doença infecciosa decorrente da
manifestações muito particulares de
infecção por Borrelia burgdorferi, inoculada por meio
acordo com cada causa. De modo geral,
de picada de carrapato).
a fraqueza da miopatia é de predomínio
• Neuropatia hereditária sensitivo-motora (doença de
proximal, afetando com mais intensidade
Charcot-Marie-Tooth).
as cinturas escapular e pélvica. Você
• Infecções virais.
encontrará nas questões expressões como:
• Injeções intramusculares.
dificuldade para levantar-se de poltronas baixas e vaso sanitário,
o que sugere fraqueza da musculatura proximal. Os reflexos
profundos são normais nas miopatias.
A dosagem da enzima creatinofosfoquinase (CPK) também
é um parâmetro muito útil na avaliação dos pacientes com suspeita
de miopatia, pois, na maioria dos casos, ela estará bem elevada.

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3.1 DISTROFIAS MUSCULARES

A distrofia muscular é um grupo de miopatias de caráter hereditário, decorrentes de um defeito nas proteínas musculares, levando a
uma grande variabilidade no tamanho das células musculares (alterações distróficas).

3.1.1 DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE

As distrofias musculares de Duchenne e de Becker são doenças de herança ligada ao cromossomo X (portanto só afetam meninos),
que causam uma miopatia progressiva, de início na infância.
A distrofia muscular de Duchenne é decorrente da mutação do gene da distrofina, uma das proteínas que ancoram os miofilamentos
à membrana da célula muscular.

Clinicamente, os primeiros sintomas começam por volta dos 2 a 3 anos de idade. Os pacientes começam
a apresentar um quadro progressivo de dificuldade para correr, depois para andar e para levantar-se do chão,
realizando um movimento típico conhecido como manobra de Gowers (figura 20), em que precisam colocar as mãos
para segurarem os joelhos estabilizando-os.

Figura 20: manobra de Gowers, presente na distrofia muscular de Duchenne. É um sinal típico encontrado em crianças ao tentar levantar-se do chão, ficando inicialmente
em quatro apoios e depois segurando o joelho para estabilizá-lo.

Nota-se, ao exame físico, que ocorre uma atrofia da musculatura proximal, mas não tanto da distal, gerando uma falsa impressão de
que as panturrilhas estão hipertrofiadas (pseudo-hipertrofia de panturrilhas). A hipertrofia não é verdadeira, pois, apesar de as panturrilhas
terem um volume aumentado, esse aumento não se dá à custa de aumento de massa muscular, mas, sim, do tecido conjuntivo. À medida que
a musculatura vai atrofiando, ocorre hipotonia e arreflexia.
Como os pacientes têm fraqueza na musculatura proximal do quadril, que é responsável por estabilização durante a marcha, eles
andam como se estivessem rebolando, jogando o quadril para o mesmo lado da perna de apoio. Esse padrão de marcha, por parecer com o
andar de um ganso, é chamado de marcha anserina. Um outro nome mais operacional é marcha miopática. Além disso, eles tendem a andar
na ponta dos pés.

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Com o progredir da doença, os pacientes evoluem para Os pacientes com Duchenne não costumam apresentar
necessidade de cadeira de rodas por volta dos 12 anos de idade. mialgia, um sintoma mais comum em casos de miopatias
Isso ocorre mais tardiamente na distrofia muscular de Becker (entre inflamatórias.
13 e 16 anos).
Posteriormente, começam a apresentar escoliose, Em pacientes com distrofia muscular de Duchenne, a
miocardiopatia dilatada e dificuldade respiratória, muitas vezes dosagem de CPK pode chegar a 100 vezes o limite superior
necessitando de ventilação assistida. Eventualmente, pode ocorrer da normalidade.
comprometimento cognitivo em fases mais avançadas da doença.
A sobrevida é de cerca de 20 anos. Preste atenção a como ela pode cair em sua prova.

CAI NA PROVA

(UFC 2011 (ADAPTADA) Essa alteração semiológica é encontrada, mais frequentemente, em que tipo de doença?

A) Distrofia muscular de Duchenne.


B) Paralisia cerebral.
C) Miastenia gravis.
D) Doença de Werdnig-Hoffman.

Comentários

Correta a alternativa A. A figura mostra o sinal de Gowers, característico da distrofia muscular de Duchenne. Trata-se de uma
manobra que o paciente faz segurando os joelhos com as mãos para estabilizá-los sem que eles sofram flexão, e, assim, consiga levantar-
se. Esses pacientes apresentam fraqueza proximal nos membros, desenvolvendo dificuldade para manter o joelho em posição de extensão
quando tentam se levantar. A manobra é útil até certa fase da doença, que, por seu caráter progressivo, pode levar o paciente à cadeira de
rodas por volta dos 12 anos de vida.
Incorreta a alternativa B. Na paralisia cerebral, o paciente apresenta um quadro de síndrome do neurônio motor superior, com aumento
do tônus e espasticidade. Na realidade, esses doentes desenvolvem uma dificuldade para fletir o joelho, sem prejuízo na extensão.
Incorreta a alternativa C. A despeito de a miastenia gravis também apresentar fraqueza proximal, o quadro é flutuante, e o paciente
costuma recobrar a força após um período de repouso.
Incorreta a alternativa D. A doença de Werdnig-Hoffmann, também conhecida como atrofia muscular espinhal tipo 1, causa fraqueza
distal, com menor prejuízo proximal, incluindo a extensão do joelho.

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(HC UFPR 2018) Menino com 5 anos de idade, filho de pais não consanguíneos e sem história familiar de doenças, apresentou desde os 18
meses quedas frequentes e andar na ponta dos pés. Atualmente apresenta dificuldades para ficar em pé e subir degraus. A dosagem de
creatinofosfoquinase foi de 6.350 U/L (referência até 150 U/L). A eletroneuromiografia e biópsia muscular foram compatíveis com distrofia
muscular progressiva. Os achados clínicos relevantes para o caso, nessa idade, são:

A) Hipotrofia de músculos proximais e sinal de Romberg.


B) Hiporreflexia, insuficiência respiratória, cardiomegalia e escoliose.
C) Hipertrofia de panturrilhas e sinal de Gowers.
D) Nível intelectual rebaixado e fasciculações musculares.
E) Marcha anserina, arreflexia e mialgia.

Comentários

A questão traz um quadro típico de distrofia muscular de Duchenne.

Incorreta a alternativa A. A hipotrofia proximal ocorre, mas o sinal de Romberg não está presente nas miopatias, apenas nas lesões da via
da sensibilidade profunda.
Incorreta a alternativa B. As alterações descritas na alternativa ocorrem, mas tardiamente. Não se espera encontrá-las na idade do
paciente (5 anos).

Correta a alternativa C. A hipertrofia de panturrilhas e o sinal de Gowers já estão presentes aos 5 anos de idade.

Incorreta a alternativa D. Eventualmente, pode ocorrer comprometimento cognitivo em fases mais avançadas da doença, mas as
fasciculações não ocorrem (são comuns nas lesões do corno anterior da medula, como na ELA e na poliomielite).
Incorreta a alternativa E. A marcha anserina é típica das miopatias e já pode ser vista nessa idade. A arreflexia costuma ocorrer mais tarde,
e os pacientes com Duchenne não costumam apresentar mialgia, um sintoma mais comum em casos de miopatias inflamatórias.

3.1.2 DISTROFIA MIOTÔNICA DE STEINERT

A distrofia miotônica de Steinert é uma miopatia associada vigorosa. Ao percutirmos um ventre muscular com o martelo de
a alterações na variabilidade do tamanho das fibras musculares reflexos, o paciente apresentará um “vale” duradouro no músculo
(alterações distróficas), de herança genética, associada a examinado, que voltará ao normal apenas após alguns segundos.
manifestações sistêmicas (alterações cardíacas, cognitivas, catarata A CPK é pelo menos levemente elevada desde sempre nesses
etc.). O início dos sintomas é geralmente na vida adulta. pacientes.
Encontraremos tipicamente o fenômeno miotônico, que é Essa doença já caiu na prova na forma de alternativa, como
uma dificuldade para relaxar a musculatura após uma contração diagnóstico diferencial.

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3.2 MIOPATIAS METABÓLICAS

Estrategista, as miopatias metabólicas não costumam cair intestinal e miopatia (fraqueza proximal nos quatro membros). Em
com frequência na prova de Residência. No entanto, elas podem 40% dos casos, podemos encontrar hiper-reflexia, principalmente
vir em questões que cobrem outros assuntos clínicos, tornando devido a uma hiperexcitabilidade celular pelos níveis elevados de
a questão mais abrangente, mas muitas vezes assustadora. Um hormônio tireoidiano.
exemplo disso é uma questão muito interessante que caiu na Esses pacientes apresentam maior risco de desenvolvimento
UNICAMP em 2019 e que nós iremos discutir a seguir. Essa questão de fibrilação atrial de alta resposta ventricular (FAARV).
tratava de tireotoxicose. A investigação da disfunção tireoidiana faz-se com dosagem
A tireotoxicose é um distúrbio da tireoide, abordado no de TSH e T4 livre.
livro específico de Endocrinologia. Clinicamente, o paciente Veja só como isso caiu na prova.
pode apresentar perda de peso, palpitações, aumento do hábito

CAI NA PROVA

(UNICAMP 2019) Homem, 71a, relata emagrecimento de 8 kg nos últimos 2 meses, associado a fraqueza para subir escadas e pentear o
cabelo. Há 2 semanas com aumento da frequência das evacuações, cefaleia e palpitações. Antecedentes pessoais: diabetes mellitus em
uso de insulina e metformina, além de tabagismo 80 maços/ano. Exame físico: PA = 162x104 mmHg; FC = 108bpm; FR = 21 irpm; T= 37,3°C;
oximetria de pulso (ar ambiente) = 96%; neurológico: hiper-reflexia global e fraqueza muscular proximal em membros superiores e inferiores
grau IV. Eletrocardiograma:
A CONDUTA É:

A) Eletroneuromiografia e hemoglobina glicada.


B) TSH, T4 livre, metoprolol e rivaroxabana.
C) Coprocultura e ciprofloxacino.
D) Tomografia de crânio e coletar liquor.

Comentários

Estrategista, temos um caso de tireotoxicose, caracterizado por perda de peso, palpitações, aumento do hábito intestinal, miopatia
(fraqueza proximal nos quatro membros) e hiper-reflexia. O eletrocardiograma mostra fibrilação atrial de alta resposta ventricular (FAARV),
também frequentemente associada a quadros como esse.

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Incorreta a alternativa A. A eletroneuromiografia é capaz de detectar a presença de acometimento do sistema nervoso periférico,
incluindo os nervos sensitivos, autonômicos e a unidade motora (neurônio motor inferior, junção neuromuscular e músculos). Entre
as possibilidades, apenas as miopatias podem apresentar-se com sinais e sintomas sistêmicos, como palpitações, aumento do hábito
intestinal e perda de peso inicial. No entanto, a investigação das miopatias não é feita com a hemoglobina glicada.

Correta a alternativa B. A investigação da disfunção tireoidiana faz-se com dosagem de TSH e T4 livre, e o controle da frequência

cardíaca da FAARV é realizado com betabloqueadores, como o metoprolol. Em alguns casos, a fibrilação atrial aumenta o risco de eventos
embólicos, sobretudo dos acidentes vasculares cerebrais. O escore CHA2DS2-VASc leva em conta a idade (entre 65-74 anos: 1 ponto),
sexo (masculino: 0 ponto), história de insuficiência cardíaca (ausente: 0 ponto), hipertensão arterial (ausente: 0 ponto), história prévia
de AVC, AIT ou embolia sistêmica (ausente: 0 ponto), história de doença vascular (ausente: 0 ponto) e diabetes (presente: 1 ponto),
totalizando 2 pontos nesse caso. Um escore de 2 ou mais pontos é considerado moderado-alto risco para embolia e indica a necessidade
de anticoagulação. A anticoagulação para fibrilação atrial deve ser feita com varfarina nos casos de doença valvar e com anticoagulantes
diretos nos casos de fibrilação atrial não valvar (como no da questão), sendo uma das possibilidades a rivaroxabana.
Incorreta a alternativa C. A coprocultura para diagnóstico de diarreias crônicas tem baixa sensibilidade e não se justificaria nesse caso. A
prescrição de ciprofloxacino para tratamento de diarreia crônica é uma opção que deve ser feita com cautela em indivíduos idosos, pelos
riscos de ruptura de tendão e de encefalopatia, com delirium e crises epilépticas.
Incorreta a alternativa D. A tomografia de crânio está indicada principalmente nas suspeitas de acometimento do encéfalo, para avaliação
de quadros vasculares, neoplásicos ou infecciosos. No caso da questão, temos tipicamente um quadro de miopatia (fraqueza proximal).
Apesar do achado de hiper-reflexia em cerca de 40% dos casos de tireotoxicose, ele não indica, nesse caso, lesão do neurônio motor
superior. A principal indicação de coleta de liquor é a pesquisa de quadros infecciosos e autoimunes do sistema nervoso central e periférico,
pouco provável nessa situação apresentada pela questão.

Estrategista, não deixe o cansaço bater, já estamos terminando, mas ainda faltam assuntos importantes!

3.3 RABDOMIÓLISE

Define-se rabdomiólise pela necrose de fibras musculares esqueléticas ocasionando a liberação de proteínas musculares na circulação.
Clinicamente, o paciente apresenta-se com dor muscular e urina escura. Os exames revelam aumento sérico de creatinofosfoquinase (CPK) e
presença de mioglobinúria. Várias são as causas, e, entre elas, destacamos as principais na tabela 11.

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Principais causas de rabdomiólise

Trauma ou compressão muscular

Exercício vigoroso

Drogas
• Álcool.
• Drogas de abuso: cocaína, heroína, anfetaminas, LSD, metadona.
• Estatinas (causa medicamentosa mais comum).
• Colchicina.
• Anestésicos inalatórios.
• Antibióticos: macrolídeos (eritromicina e claritromicina).
• Ciclosporina.
• Genfibrozil.
• Inibidores de protease usados no tratamento da infecção por HIV.

Toxinas
Monóxido de carbono.
Veneno de cobra, de insetos e de certos cogumelos.
Toxinas de peixes.

Infecções
• Infecções virais por influenza A e B, Coxsackie, Epstein-Barr, herpes simplex, parainfluenza, adenovírus, ecovírus, HIV
e CMV.
• Infecções bacterianas: micoplasma, piomiosite, Legionella, estreptococos, Salmonella, E. coli, Coxiella burnetii, esta-
filococos.
• Septicemia.
• Erliquiose e malária.

Distúrbios eletrolíticos

Miopatias inflamatórias

Outras causas

Tabela 11: principais causas de rabdomiólise.

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Em um paciente com rabdomiólise, devemos considerar que ocorreu uma lesão muscular extensa, com liberação de CPK e mioglobina
na corrente sanguínea. A mioglobina deposita-se no túbulo renal e pode levar a um quadro de necrose tubular aguda, com elevação das
escórias nitrogenadas e urina acastanhada (mioglobinúria). A liberação de CPK será detectada em altas concentrações pelo exame de sangue.
A rabdomiólise é o diagnóstico mais provável para o paciente com história de trauma, insuficiência renal aguda e elevação da CPK.
Vamos ver como isso cai nas provas?

CAI NA PROVA

(HUSE 2017) Paciente com insuficiência renal aguda devido rabdomiólise. São causas de rabdomiólise, EXCETO:

A) Sepse.
B) Cocaína.
C) Estatinas.
D) Veneno de cobras.
E) Aminoglicosídeo.

Comentários

Incorreta a alternativa A. Sepse é causa de rabdomiólise.


Incorreta a alternativa B. Cocaína pode ser causa de rabdomiólise.
Incorreta a alternativa C. As estatinas podem causar rabdomiólise.
Incorreta a alternativa D. Venenos de cobra podem levar à rabdomiólise.

Correta a alternativa E. Os antibióticos mais associados à rabdomiólise são os macrolídeos.

(HNMD RJ 2018) Jovem, 26 anos, vítima de acidente por queda da moto, apresenta esmagamento de membro inferior esquerdo. Admitido
na emergência, apresentando agitação, taquicardia, desorientação, oligoanúria, e urina acastanhada. Sua perna esquerda apresentava-se
edemaciada e pálida. Seus primeiros exames laboratoriais evidenciaram creatinofosfoquinase de 34.000 U/L; ureia 187 mg/dL e creatinina =
2,8 mg/dL. Qual é a principal suspeita clínica diagnóstica?

A) Sepse.
B) Doença de Lyme.
C) Acidente vascular encefálico.
D) Rabdomiólise.
E) Glomerulonefrite.

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Comentários

Incorreta a alternativa A. O quadro de sepse deveria estar associado à ocorrência de febre e a um foco infeccioso, o que não ocorreria
instantaneamente após o trauma.
Incorreta a alternativa B. A doença de Lyme é uma das causas não miopáticas de elevação de CPK.
Incorreta a alternativa C. Um quadro de AVC levaria à ocorrência de déficit motor, e não de insuficiência renal associada à rabdomiólise.

Correta a alternativa D. A rabdomiólise é o diagnóstico mais provável para o paciente com história de trauma, insuficiência renal
aguda e elevação da CPK.

Incorreta a alternativa E. A causa da lesão renal deve ser por necrose tubular aguda por depósito de mioglobina e ocorrência de
mioglobinúria, e não por glomerulopatia.

3.4 MIOPATIAS MITOCONDRIAIS

As miopatias mitocondriais já foram perguntadas em prova em uma questão que envolvia mais genética do que Neurologia.
Elas são caracterizadas por quadros de miopatia com acidose lática. As doenças associadas são bem raras:
• MELAS: encefalopatia mitocondrial com acidose láctica e eventos semelhantes a AVC.
• MERRF: epilepsia mioclônica com fibras vermelhas rasgadas.
• MNGIE: encefalopatia mitocondrial neurogastrintestinal.
• Síndrome de Kearns-Sayre: oftalmoplegia externa progressiva.
Na herança mitocondrial, as mulheres portadoras da anormalidade passam seus genes para todos os seus filhos, homens e mulheres.
No entanto, os portadores não a transmitem, pois a mitocôndria é exclusivamente de herança materna (figura 21).
Veja só como isso já caiu em prova.

CAI NA PROVA

(SURCE – 2014) Durante a avaliação de uma paciente com quadro de miopatia e acidose láctica, o médico obtém a seguinte história familiar: a
irmã, o irmão e a mãe são afetados. A paciente não tem outros irmãos. A avó materna e seus dois tios maternos têm a mesma doença, porém
suas duas primas maternas são saudáveis. O seu pai e a ascendência genealógica dele não têm a doença. Baseado na clínica e na história
familiar dessa paciente, qual é o tipo de herança mais provável?

A) Ligada ao X.
B) Mitocondrial.
C) Autossômica recessiva.
D) Autossômica dominante.

Comentários

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Incorreta a alternativa A. Na herança ligada a X, se dominante, todos os filhos e netos de mulheres afetadas terão a doença. As primas
maternas não têm (são filhas dos tios maternos).

Correta a alternativa B. Na herança mitocondrial, as mulheres portadoras da anormalidade passam seus genes para todos os seus
filhos. Há outra forma de resolver essa questão: miopatia com acidose lática ocorre em algumas doenças mitocondriais (MELAS, MERRF
e MNGIE).

HERANÇA
MITOCONDRIAL

Figura 21: heredograma mostrando exemplo de herança mitocondrial.

Incorreta a alternativa C. Na herança autossômica recessiva, os pais não seriam afetados, e pelo menos um dos filhos seria.
Incorreta a alternativa D. Na herança autossômica dominante, os filhos dos portadores teriam 50% de chance de ter a doença, pois
herdariam um cromossomo portador.

3.5 CANALOPATIAS

A paralisia periódica hipocalêmica de cinturas.


é uma miopatia por mutação genética A dosagem de CPK pode estar elevada na crise, e a de potássio
para os canais de cálcio (CACNA1s) ou geralmente está abaixo de 3 mg/dL, apesar de o potássio corporal
sódio (SCN4A), nos cromossomos 1 e total estar normal (a quantidade está reduzida apenas no sangue).
17, respectivamente. Ela afeta 1:100 000 A administração endovenosa de potássio não é a medida mais
pessoas e tem início antes dos 20 anos (15- adequada no tratamento inicial da paralisia periódica hipocalêmica.
35 anos). Na verdade, como o potássio está deslocado para o espaço
Ela manifesta-se com episódios de intensidade variável, intracelular, a reposição deve ser feita por via oral de forma lenta e
ocorrendo 7-9 vezes/mês e dura de horas a dias. Em cada episódio, o nunca associada à dextrose, pois esses pacientes apresentam uma
paciente apresenta um quadro de fraqueza muscular de instalação resposta insulínica exagerada a uma carga de carboidrato. Caso seja
aguda que começa com um pródromo vago de rigidez ou peso nas necessário, deve-se usar manitol no lugar de dextrose. A reposição
pernas. Envolvimento de musculatura ocular, bulbar e respiratória só deve ser feita após a confirmação laboratorial da hipocalemia,
é raro. Durante o episódio, os reflexos são hipoativos ou abolidos. pois existe uma forma de paralisia periódica HIPERCALÊMICA que
não pode ser tratada com potássio devido ao risco de piora clínica.
Os principais desencadeantes são ingestão de álcool As questões de paralisia periódica hipocalêmica podem
e carboidratos. cobrar um contexto de paralisia flácida aguda. Para que você
entenda como funciona o raciocínio clínico, montei um fluxograma
diagnóstico mostrado na figura 22.
Tardiamente,
Prof. Victor Fiorini | os pacientes
Curso podem
Extensivo evoluir com fraqueza fixa
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PARALISIAS FLÁCIDAS
AGUDAS

DOENÇAS DA JUNÇÃO MIOPATIAS


NEUROPATIAS
NEUROMUSCULAR

SÍNDROME DE BOTULISMO PARALISIAS


GUILLAIN-BARRÉ MIASTENIA GRAVIS* PERIÓDICAS

MUTAÇÕES
CACNAIs E SCN4A
ÁLCOOL
CARBOIDRATOS
TETRAPARESIA
PROXIMAL
HIPOCALEMIA

Figura 22: fluxograma de diagnóstico das paralisias flácidas agudas, mostrando a paralisia periódica hipocalêmica como uma causa miopática.

Fique ligado em uma questão sobre isso e que caiu mais de uma vez.

CAI NA PROVA

(Santa Casa-SP 2019) Um homem de vinte anos de idade procurou o pronto atendimento por ter notado quadro de fraqueza muscular
importante e parestesia, sem conseguir se levantar da cama. Refere que, na noite anterior, estava assintomático e que a fraqueza era mais
importante em MMII, mas também acometia MMSS. No dia anterior, havia ido a uma festa da faculdade, onde ingeriu bastante bebida
alcoólica e salgados. Quando perguntado sobre antecedentes, referiu que dois episódios semelhantes já haviam ocorrido no passado, após
brigas com sua namorada, e que tinham sido diagnosticados como distúrbio de ansiedade, apresentando melhora espontânea após algumas
horas. Ao exame físico, o paciente estava calmo, lúcido, contactuante, BEG, corado, afebril e desidratado+/4. Sinais vitais normais. Paralisia
flácida de MMII (força grau 1), paresia de MMSS (força grau 4), reflexos ausentes em MMII e reduzidos em MMSS. Considerando-se esse caso
hipotético, a conduta inicial seria

A) administrar benzodiazepínico oral.


B) administrar KCl endovenoso.
C) pulsar com imunoglobulina.
D) pulsar com metilprednisolona.
E) antitoxina botulínica.

Comentários

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A questão traz um quadro clássico de paralisia periódica em paciente que tem episódios recorrentes de fraqueza nos membros inferiores
após ingestão de álcool e carboidratos.

Incorreta a alternativa A. Benzodiazepínico oral está indicado em casos de suspeita de síndrome do pânico, que só pode ser aventada
como principal hipótese caso outras condições sejam descartadas.

Correta a alternativa B. A administração de potássio EV não é a medida mais adequada no tratamento, mas, entre as alternativas,
é a opção mais razoável.

Incorreta a alternativa C. A imunoglobulina está indicada nos quadros de síndrome de Guillain-Barré, sendo que esses pacientes
desenvolvem o quadro de fraqueza muscular de forma mais lenta, geralmente dias após um quadro infeccioso, e costumam apresentar
também comprometimento de nervos cranianos para a musculatura facial e bulbar, o que não está presente no quadro. Além disso, pode
ocorrer comprometimento da musculatura respiratória ou mesmo colapso da musculatura bulbar, levando à insuficiência respiratória nos
casos de Guillain-Barré, o que não ocorre na paralisia periódica.
Incorreta a alternativa D. Pulso de metilprednisolona tem indicação para o tratamento das vasculites dos nervos periféricos ou ainda na
polirradiculoneurite desmielinizante inflamatória CRÔNICA. Não se trata desses diagnósticos para o paciente da questão.
Incorreta a alternativa E. A antitoxina botulínica é o tratamento de escolha para o botulismo, causado pela toxina do Clostridium botulinum.
O botulismo pode causar tetraparesia, mas obrigatoriamente precisa comprometer a motricidade ocular, o que não ocorre no paciente
da questão.

3.6 MIOPATIAS POR ACÚMULO DE GLICOGÊNIO (DOENÇA DE POMPE)

A doença de Pompe é uma miopatia por acúmulo de apresentam cardiomegalia, 78% têm desconforto respiratório, 63%
glicogênio. Ocorre por deficiência de maltase ácida (alfa- têm fraqueza muscular, 57% com dificuldade para alimentar-se e
glucosidase lisossomal), apresentando-se com três fenótipos: 53% apresentam deficiência evolutiva. Pode haver macroglossia e,
infantil grave, juvenil e adulto. devido à insuficiência cardíaca, hepatomegalia. Há uma variante
No adulto, o quadro manifesta-se por fraqueza proximal não clássica que começa a evoluir apenas a partir de 1 a 2 anos de
ou distal e insuficiência respiratória. A elevação da CPK pode não vida.
ocorrer no adulto. A biópsia muscular revela vacúolos repletos de glicogênio no
Seu quadro infantil tem início por volta dos primeiros meses interior da célula muscular.
de vida, caracterizando-se por hipotonia muscular generalizada e Ela cai na prova como diagnóstico diferencial de outras
miocardiopatia. Por volta dos 4 meses de vida, 92% dos pacientes doenças.

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3.7 SÍNDROME NEUROLÉPTICA MALIGNA

A síndrome neuroléptica maligna é uma emergência médica leva a uma menor capacidade de proteção de vias aéreas,
com mortalidade de 10-20% dos casos. Afeta cerca de 0,02-3% dos ocasionando uma predisposição à broncoaspiração e consequente
pacientes que usam antipsicóticos, acometendo preferencialmente comprometimento pulmonar.
indivíduos jovens, mas sendo encontrada em qualquer idade. A contração muscular excessiva causa aumento de
Os antipsicóticos de primeira geração (principalmente o temperatura corporal. Por essa razão, é muito comum o
haloperidol) são as drogas mais associadas ao aparecimento da desenvolvimento de quadro de hipertermia. Em 40% dos casos,
síndrome neuroléptica maligna. Além desses, outros antipsicóticos a temperatura pode chegar a mais de 40 ºC. Esse aumento de
mais novos e menos potentes, bem como agentes antieméticos, temperatura desencadeia um quadro de disautonomia, com
como a metoclopramida, também estão relacionados à síndrome o surgimento de taquicardia em 88% dos casos, labilidade ou
neuroléptica maligna. elevação da pressão arterial em 61-77% dos casos, taquipneia em
O paciente apresenta alteração do estado mental, febre, 73% dos pacientes, além de arritmias cardíacas e diaforese.
rigidez muscular e disautonomia. Os sintomas extrapiramidais As medidas para o tratamento da síndrome neuroléptica
(bradicinesia associada principalmente à rigidez do tipo roda maligna incluem suspensão do medicamento causador do quadro,
dentada e, menos frequentemente, ao tremor) costumam estar tratamento de suporte (hidratação, correção dos distúrbios
presentes previamente em pacientes devido ao bloqueio da via hidroeletrolíticos, tratamento da insuficiência renal, controle
nigroestriatal dopaminérgica. das disautonomias, redução da temperatura com resfriamento,
A rigidez muscular intensa causa lesão muscular ventilação mecânica invasiva, prevenção de trombose venosa
(rabdomiólise e elevação da CPK). A mioglobina liberada deposita- profunda).
se nos túbulos renais, causando insuficiência renal aguda em até Preste bem atenção a como ela pode cair em sua prova.
um terço dos pacientes. O rebaixamento do nível de consciência

CAI NA PROVA
(UNICAMP - 2019) Homem, 36a, foi trazido ao Setor de Emergência com apatia e lentificação motora.
Antecedentes Pessoais: transtorno afetivo bipolar há 13 anos, em uso crônico de carbonato de lítio, carbamazepina e clonazepam. Há um mês
apresentou episódio maníaco com sintomas psicóticos, sendo associada olanzapina. Exame físico: T= 41,2°C, PA= 90x60 mmHg, FC= 96bpm,
Neurológico: hipertonía de extremidades.Leucocitos= 19.300mm3, CPK= 3.176 U/L. Tomografia computadorizada de crânio: sem alterações.
ALEM DA SUSPENSÃO DA OLANZAPINA,O TRATAMENTO É:
A) Bromocriptina.
B) Haloperidol.
C) Buspirona.
D) Riluzol.

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Comentários

A Síndrome Neuroléptica Maligna (SNM) é uma reação grave e potencialmente fatal, causada como efeito colateral do uso de antipsicóticos,
principalmente se administrados repetidamente e por via intramuscular. Seus principais sintomas são hipertermia e rigidez intensa. Outros
sinais e sintomas possíveis são tremores, alterações da consciência, pressão arterial flutuante, incontinência esfincteriana, dispneia, elevação
de fosfocreatinoquinase (CPK) e leucocitose sem desvio à esquerda.
Sua ocorrência é uma emergência médica, com alta taxa de mortalidade, entre 10% e 20%. Seu tratamento é baseado no suporte clínico,
medidas de resfriamento corporal e o uso de agonistas dopaminérgicos como bromocriptina ou relaxantes musculares, como o dantrolene.

Correta a alternativa A. De fato, a bromocriptina é um dos tratamento possíveis da SNM

Incorreta a alternativa B. O haloperidol é uma causa em potencial da SNM


Incorreta a alternativa C. A buspirona é um ansiolítico, sem benefício nesse caso
Incorreta a alternativa D. O riluzol é utilizado na ELA, sem indicação nessa situação.

3.8 MIOPATIAS INFLAMATÓRIAS

As miopatias inflamatórias são muito bem discutidas no livro de Reumatologia. As principais representantes de que falaremos aqui
podem estar presentes em algumas questões da parte de Neurologia. Temos a dermatomiosite, a polimiosite, a miosite por corpos de inclusão
e a miopatia necrosante imunomediada (MNI).

3.8.1 DERMATOMIOSITE E POLIMIOSITE

A dermatomiosite é uma miopatia inflamatória associada à presença de sinais cutâneos clássicos:


• Heliótropo: coloração arroxeada das pálpebras.
• Pápulas de Gottron: pápulas eritematosas nos dedos (figura 23).
• Sinal do V: rash eritematoso macular fotossensível sobre a face, colo e tórax.
• Sinal do xale: rash sobre ombros e dorso.
• Sinal de Gottron: rash nas superfícies extensoras de cotovelos, quadris, joelhos, dedos e maléolos.
• Sinal da manicure: alças vasculares dilatadas em leitos ungueais, com hemorragias e tromboses.
• Calcificações subcutâneas: nádegas, joelhos e cotovelos.

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Além de comprometer músculo e pele, também afeta


pulmão (pneumonia intersticial) e miocárdio. Em alguns casos,
ocorre envolvimento digestivo, e pode associar-se a neoplasias em
até 45% dos casos.
A polimiosite é outra miopatia inflamatória que também
causa fraqueza proximal e acometimento multissistêmico
(dificuldade de deglutição em um terço dos pacientes, alterações
cardíacas e pulmonares semelhantes à dermatomiosite, poliartrite
em 45%, risco de neoplasia elevado, mas menor do que na
dermatomiosite).
Em ambas, a CPK costuma estar
elevada e a dosagem do anticorpo anti-
Jo1 costuma estar positiva na maioria dos
pacientes. A biópsia muscular mostrará
alterações inflamatórias nas fibras
musculares. No caso da dermatomiosite,
veremos um infiltrado inflamatório
perivascular e perimisial, com o padrão clássico conhecido como
atrofia perifascicular em 50% dos casos.
Alguns casos podem ser investigados com ressonância
Figura 23: pápulas de Gottron, encontradas nas superfícies extensoras dos
dedos. magnética de músculo.

CAI NA PROVA

(UFS-SE 2020) Homem, 56 anos, apresentando quadro de perda de força em membros superiores há 04 meses. Há 02 meses, vem
apresentando dificuldades para deambular e principalmente para levantar-se da cadeira. Há 15 dias, vem apresentando dificuldade para
deglutir. Ao exame, observou-se presença de lesões em crostas em pele, principalmente em superfície das articulações dos dedos das
mãos. Apresentava tetraparesia de predomínio proximal e redução global dos reflexos tendinosos. Exame de sensibilidade superficial e
profunda preservada. Em relação ao caso descrito, quais são os exames complementares que deveriam prioritariamente ser solicitados:

A) Ressonância magnética de coluna cervical e liquor.


B) Eletroneuromiografia e liquor.
C) Eletroneuromiografia e dosagem de CPK.
D) Eletroneuromiografia e ressonância magnética de coluna cervical.

Comentários:

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Estrategista, olhe lá a história de dificuldade para levantar-se da cadeira. O que isso lhe sugere? Isso mesmo, miopatia! Além disso, há
lesões de pele. Qual é a miopatia associada a lesões de pele? Isso mesmo: dermatomiosite, uma miopatia inflamatória. Vamos analisar as
alternativas.

Incorreta a alternativa A. A RM da coluna cervical é útil para avaliação de mielopatia, mas essa síndrome estaria associada a sintomas
sensitivos (nível sensitivo) e bexiga neurogênica. O liquor é indicado na investigação de neuropatias para a pesquisa de aumento de
proteínas isolado (dissociação proteinocitológica) e pesquisa de agentes infecciosos. Por isso, não é indicado nesse quadro do enunciado
da questão.
Incorreta a alternativa B. A eletroneuromiografia é um exame capaz de diferenciar se o comprometimento é neurológico, miopático ou da
junção neuromuscular. Como já dito, o liquor não está indicado nesse caso.

Correta a alternativa C. A eletroneuromiografia está indicada a esse caso, como dito acima. As lesões nas regiões extensoras dos
dedos são conhecidas como pápulas de Gottron. As miopatias inflamatórias, assim como muitos outros tipos de miopatias, costumam
estar associadas a níveis elevados da enzima creatinofosfoquinase (CPK) liberada na circulação devido à lesão das células musculares.

Incorreta a alternativa D. Já comentamos a indicação de eletroneuromiografia e a falta de indicação da ressonância magnética de coluna
cervical. Poderíamos solicitar a ressonância magnética de músculo, à procura de alterações inflamatórias.

3.8.2 MIOPATIA NECROSANTE IMUNOMEDIADA

A causa mais comum de miopatia necrosante imunomediada é o uso de estatinas, medicações que inibem a enzima hidroximetilglutaril-
coenzima A redutase (HMG-CoA redutase), envolvida com o metabolismo lipídico. Pacientes com miopatia necrosante imunomediada
produzem um autoanticorpo, o anticorpo anti-HMG-CoA redutase.
O quadro clássico da miopatia necrosante imunomediada é caracterizado por mialgia em paciente que usa estatina e cuja avaliação
laboratorial revelou elevação da CPK. Com a suspensão da estatina, a CPK não abaixa, e a biópsia muscular acaba revelando necrose e
processo inflamatório da fibra muscular. O tratamento é feito com imunoterapia tripla: corticoide, imunoglobulina e imunossupressor.

Veja como pode cair em sua prova.

CAI NA PROVA

(SCM-Votuporanga 2017) Paciente em uso de hipolipemiante (estatina) desenvolveu quadro de rabdomiólise. Porém, após a retirada da
medicação, não houve melhora da fraqueza muscular e não houve queda dos níveis de CPK (creatinofosfoquinase). Podemos considerar
que esta rabdomiólise está associada a:

A) Síndrome de Guillain-Barré.
B) Distrofia miotônica de Steinert.
C) Doença de Lyme.
D) Miopatia necrotizante autoimune.

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Comentários

Incorreta a alternativa A. A síndrome de Guillain-Barré é a polirradiculoneurite desmielinizante inflamatória ascendente aguda. Ela não
está associada à rabdomiólise, mas é uma causa não miopática de elevação da CPK.
Incorreta a alternativa B. A distrofia miotônica de Steinert é uma miopatia associada a alterações na variabilidade do tamanho das fibras
musculares (alterações distróficas), de herança genética, associada a manifestações sistêmicas (alterações cardíacas, cognitivas, catarata
etc.). A CPK é pelo menos levemente elevada desde sempre nesses pacientes.
Incorreta a alternativa C. Cerca de 12% dos pacientes com doença de Lyme apresentam elevação da CPK, mas que não é necessariamente
associada à rabdomiólise.

Correta a alternativa D. A miopatia necrosante imunomediada (MNI) é uma miopatia inflamatória causada pela presença de
anticorpo anti-HMG-CoA redutase. O quadro clássico da MNI é caracterizado por mialgia em paciente que usa estatina e cuja avaliação
laboratorial revelou elevação da CPK.

3.8.3 MIOSITE POR CORPÚSCULOS DE INCLUSÃO

A miosite por corpúsculos de inclusão é uma miopatia inflamatória que afeta indivíduos após os 50 anos de idade.
O quadro de fraqueza localiza-se principalmente no quadríceps, flexores do carpo e extensores do tornozelo, podendo ainda causar
disfagia e fraqueza facial.
Os exames revelam CPK normal ou até 10 vezes o limite superior da normalidade, o FAN é positivo em 20% dos pacientes e pode ser
encontrado o anticorpo anti-cN1A (5’-nucleotidase citosólica 1A) em mais de dois terços dos casos.
A biópsia revela inflamação endomisial, fibras atróficas em pequenos grupamentos e inclusões citoplasmáticas eosinofílicas.
Não há tratamento específico.

CAI NA PROVA

(UFRJ 2012) Homem, 57 anos, com perda de força progressiva há cerca de 5 anos, com dificuldade para levantar-se da cadeira, subir escadas
e pentear-se, atualmente não consegue abrir portas e tem quedas frequentes. Nega alterações sensitivas, flutuação dos sintomas motores ou
cãibras. Exame neurológico: tetraparesia proximal e distal (mais evidente no quadríceps). Chamam atenção a atrofia pronunciada do músculo
extensor curto dos dedos e a atrofia assimétrica da musculatura interóssea e tenar das mãos. Exame da sensibilidade é normal e não foram
observadas miofasciculações. Para esclarecimento diagnóstico, o método indicado é:

A) Punção lombar.
B) Ressonância magnética de coluna vertebral.
C) Potencial evocado somatossensitivo.
D) Biópsia muscular.

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Comentários:

Considerando-se as causas mais comuns de fraqueza proximal:


• Miastenia gravis: possui flutuação de sintomas.
• ELA: associada a miofasciculações.
• Algumas neuropatias periféricas, como a porfiria: com presença de sintomas sensitivos e neuropsiquiátricos.
• Miopatias: pode haver fraqueza pura, progressiva.
Pela apresentação clínica e pela idade, o quadro sugere miosite por corpos de inclusão.
Nossa principal hipótese será a de uma miopatia.

Incorreta a alternativa A. A punção lombar não é útil para o diagnóstico das miopatias.
Incorreta a alternativa B. A RM da coluna vertebral poderia mostrar escoliose, presente em algumas miopatias, mas não é útil na maioria
dos casos.
Incorreta a alternativa C. O potencial evocado somatossensitivo é útil em pacientes com suspeita de síndrome sensitiva central, o que não
é o caso do paciente da questão.

Correta a alternativa D. A biópsia muscular é o padrão-ouro para o diagnóstico da miosite por corpos de inclusão.

(HUPE UERJ 2017) Uma paciente jovem queixa-se de fraqueza muscular proximal nos últimos quatro meses. À avaliação, apresenta fraqueza
muscular proximal nos membros superiores (força muscular grau 4) e inferiores (força muscular grau 3). À ectoscopia, apresenta pápulas
acastanhadas sobre algumas articulações metacarpofalangeanas das mãos. A dosagem de creatinofosfoquinase (CK-T) revela níveis superiores
a 6.000U/L. É indicada biópsia muscular, que revela infiltrado inflamatório perivascular e perimisial, com evidências de atrofia perifascular, o
que indica o diagnóstico de:

A) Miopatia dos corpúsculos de inclusão.


B) Doença de Pompe.
C) Dermatomiosite.
D) Polimiosite.

Comentários

Incorreta a alternativa A. A miosite por corpúsculos de inclusão é uma miopatia inflamatória que afeta indivíduos após os 50 anos de
idade.
Incorreta a alternativa B. A doença de Pompe é uma miopatia por acúmulo de glicogênio. Ocorre por deficiência de maltase ácida (alfa-
glucosidase lisossomal), apresentando-se com três fenótipos: infantil grave, juvenil e adulto. Ela está associada ao aparecimento de
fraqueza e insuficiência respiratória de progressão em meses. A elevação da CPK pode não ocorrer no adulto.

Correta a alternativa C. A dermatomiosite é uma miopatia inflamatória associada a múltiplas lesões cutâneas, acometimento de
pulmão, coração e risco aumentado de neoplasias. Caracteriza-se por fraqueza proximal nos membros superiores e inferiores e dor à
palpação muscular. A biópsia muscular apresenta um padrão clássico, conhecido como atrofia perifascicular em 50% dos casos, com
infiltrado inflamatório perivascular e perimisial. Com relação às lesões cutâneas, a paciente apresenta pápulas de Gottron pela descrição
do enunciado.

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Incorreta a alternativa D. A polimiosite é outra miopatia inflamatória que também causa fraqueza proximal e acometimento multissistêmico,
mas as lesões cutâneas não estão presentes, e o padrão da biópsia é diferente.

Estrategista, deixei uma das melhores e mais importantes partes para o final. Assim, você não se sente desapontado(a) com o livro! Ela
é tão importante que fiz questão de deixar em um capítulo à parte.

CAPÍTULO

4.0 HIPERTERMIA MALIGNA

A hipertermia maligna é uma miopatia geneticamente determinada (inúmeras mutações), associada ao uso
de anestésicos inalatórios (halotano, desflurano, sevoflurano) e a bloqueadores neuromusculares despolarizantes
(succinilcolina). A prevalência de hipertermia maligna varia de 1:5 000 a 1:100 000 cirurgias.

A maioria dos genes de susceptibilidade é de herança acúmulo excessivo de cálcio na presença dos agentes anestésicos
autossômica dominante, como no caso dos genes do receptor desencadeantes. O mecanismo específico desse fenômeno não é
de rianodina, SCN4A do canal de sódio, CACNL2A e CACNL1S do conhecido, mas parece envolver uma desregulação do transporte
canal de cálcio, carnitina palmitoiltransferase II, proteína quinase de cálcio pelo receptor de rianodina induzida por magnésio.
de miotonina e CLCN1 do canal de cloreto. As exceções são gene Durante o episódio de hipertermia maligna, as manifestações
da distrofina (ligado a X, recessivo) e o gene perclan (autossômico clínicas ocorrem em virtude da sobrecarga de cálcio dentro da
recessivo). célula muscular esquelética, levando a uma contração muscular
Pacientes susceptíveis possuem anormalidades genéticas sustentada e consequente rabdomiólise, com hipermetabolismo
em receptores de músculos esqueléticos que acabam levando a um celular, anaerobiose, acidose e suas sequelas.

É potencialmente fatal (5% dos casos), caracterizando-se por rigidez muscular, febre e arritmias cardíacas. Os
exames costumam revelar CPK elevada, hipercalemia e acidose metabólica.

A elevação da temperatura corporal não é o fenômeno inicial, podendo ser precedida por taquicardia e aumento da eliminação de
CO2.
Em pacientes com risco de desenvolvimento de hipertermia maligna, opta-se pelo uso de anestésicos venosos, e a succinilcolina
deve ser evitada. A cal sodada deve ser trocada devido à probabilidade de resíduos de anestésicos inalatórios, e a temperatura central,
monitorizada, bem como a capnografia. O dantrolene, droga de escolha para o tratamento desses pacientes, também deve estar disponível
no serviço de anestesia. Ele age reduzindo a concentração de cálcio no retículo sarcoplasmático.

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O tratamento é realizado com suspensão do anestésico, resfriamento e dantrolene EV 2-3


mg/kg a cada 5 min, até 10 mg/kg.

É recomendável, na avaliação pré-operatória de parentes de vítimas de hipertermia maligna, a realização de teste de contração com
cafeína e ao halotano com espécime de biópsia de músculo vasto lateral. Esse teste tem 100% de sensibilidade e 65% de especificidade.
O dantrolene deve estar disponível em todo serviço que utiliza anestésicos inalatórios e succinilcolina para o eventual tratamento da
hipertermia maligna. Não se recomenda seu uso no perioperatório.

A figura 24 traz um resumo do assunto:

MUTAÇÃO
ANESTÉSICOS INALATÓRIOS GENÉTICA
BLOQUEADOR
NEUROMUSCULAR
DESPOLARIZANTE
(succinilcolina) HIPERTERMIA
MALIGNA

RIGIDEZ MUSCULAR
FEBRE ARRITMIAS
CARDÍACAS
SUSPENSÃO DO AGENTE
RESFRIAMENTO
DANTROLENE
CPK ELEVADA
HIPERCALEMIA
ACIDOSE METABÓLICA

Figura 24: fluxograma sobre hipertermia maligna.

Dê uma olhada em umas questões sobre isso.

CAI NA PROVA

(UNIFESP 2019) Em relação à hipertermia maligna. Assinale a alternativa correta:

A) Trata-se de uma doença adquirida causada pela succinilcolina.


B) É provocada pelo uso do anestésico inalatório halotano em concentrações muito elevadas.
C) Pode ser controlada com diltiazem.
D) A taquicardia e a elevação da concentração de CO2 no gás exalado frequentemente antecedem a elevação da temperatura corporal.
E) Não deve ser tratada com compressas geladas ou administração de fluidos gelados devido ao risco de CIVD por hipotermia.

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Comentários

Incorreta a alternativa A. A hipertermia maligna é uma miopatia de causa genética, cujo gatilho é o uso de anestésicos inalatórios ou
succinilcolina.
Incorreta a alternativa B. A doença é provocada por anestésicos inalatórios em doses habituais.
Incorreta a alternativa C. O diltiazem não tem utilidade no tratamento da hipertermia maligna. A droga de escolha é o dantrolene. A banca
colocou uma medicação com nome parecido provavelmente para gerar confusão no candidato.

Correta a alternativa D. A elevação da temperatura corporal não é o fenômeno inicial, podendo ser precedida por taquicardia e
aumento da eliminação de CO2.

Incorreta a alternativa E. Um dos tratamentos para hipertermia é realizar o resfriamento do paciente com compressas geladas e soro
gelado.

(CEPOA RJ 2019) Paciente do sexo masculino, portador de litíase biliar com sintomas recorrentes. Irá ser submetido a colecistectomia
videolaparoscópica eletiva. É levado à SO e, durante o ato anestésico, evoluiu com cianose central, sudorese profusa, rigidez muscular
generalizada, taquicardia, hipertermia progressiva e instabilidade hemodinâmica. A hipótese diagnóstica aventada pelo anestesiologista foi
de condição hereditária autossômica dominante farmacoinduzida. Qual substância deve ser administrada?

A) Flumazenil.
B) Dexmedetomidina.
C) Dantrolene.
D) Biperideno.

Comentários

Incorreta a alternativa A. Flumazenil é o antídoto dos benzodiazepínicos. Não é usado para tratamento de hipertermia maligna.
Incorreta a alternativa B. Dexmedetomidina é um sedativo. Não é usada para tratamento de hipertermia maligna.

Correta a alternativa C. Dantrolene é a droga de escolha para o tratamento da hipertermia maligna.

Incorreta a alternativa D. Biperideno é um anticolinérgico usado no tratamento de quadros parkinsonianos.

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CAPÍTULO

6.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


1. BITTNER, E. A.; MARTYN, J. A. J. (2019). Neuromuscular Physiology and Pharmacology. Pharmacology and Physiology for Anesthesia,
412–427.

CAPÍTULO

7.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Estrategista, chegamos ao final de mais um livro de Neurologia!
Como você percebeu, não enrolamos com coisas que não caem na prova. Aqui, praticamente tudo o que foi dito já caiu e pode cair
novamente em sua prova.
Então, depois de ler todo este material, vá até nosso sistema de questões e pratique muito!
Tenho certeza de que isso ajudará bastante em seu crescimento e poderá garantir questões que os concorrentes não acertarão.
Qualquer dúvida, não hesite em nos chamar no fórum de alunos. Será um prazer ajudar!
Conte conosco e ótimos estudos!
Prof. Victor Fiorini.

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