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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSICAS E VERNÁCULAS

FONÉTICA E FONOLOGIA DO PORTUGUÊS

TRANSCRIÇÃO DE “CAETANO VELOSO - PASSEATA CONTRA A


GUITARRA ELÉTRICA” (https://youtu.be/DtPFgs4T-Us), TRECHO DA
ENTREVISTA DE CAETANO VELOSO AO DOCUMENTÁRIO JOVEM AOS 50
- A HISTÓRIA DE MEIO SÉCULO DA JOVEM GUARDA DE SÉRGIO
BALDASSARINI JÚNIOR, RETIRADO DO YOUTUBE, A PARTIR DOS 10
SEGUNDOS.

Isabela Nigro Lombardi - 13650789 - Frequência: 85 %


Sofia Leria Alcoforado - 13650500 - Frequência: 85 %
Sophia Victor Pereira Leite - 13651220 - Frequência: 85 %

São Paulo
2023
FLC0275 - Fonética e Fonologia do Português
Prof. Dr. Mário Eduardo Viaro

TRANSCRIÇÃO DE “CAETANO VELOSO - PASSEATA CONTRA A


GUITARRA ELÉTRICA”, TRECHO DA ENTREVISTA DE CAETANO
VELOSO AO DOCUMENTÁRIO JOVEM AOS 50 - A HISTÓRIA DE MEIO
SÉCULO DA JOVEM GUARDA DE SÉRGIO BALDASSARINI JÚNIOR

Transcrição fonética
isudɐˈi ɛː malu’kisidʒiʒiw nũseipˈke ˈele feˈzisupkeː elˈe kewˈsejaliajʃpke ɛː majˈzɛ
suˈɛː kuestɐ̃oˈdele ɛː kɛdˈzeu a u uː ukonteʃtenˈkisusidew foiusiˈgĩtʃi u a a aː tevexɛˈkɔː
tʃiɲɐpɾoˈblemɐ kũpɾogɾɐ̃madɛlisxeˈʒinɐjː duʒaixudɾigiʃkjɛɾufinudaˈbɔsɐ
ufinunɛsawˈtuɾɐ ki tavasẽawˈdʒẽnsjahʒɔvẽguahdɐ ktʃiɲɐwˈdʒjː ɐwdʒjˈẽnsjawtɐiːu juː
daʒ ˈdadudu ˈfinu tʃiɲɐtavɐkaˈĩnː aduˈfinutav tʃiɲɐkaiduˈmujntĩntɐõ tʃiɲɐkˈhepwɛ ɾɛ
fazeakelineˈgɔsu iˈtaw aˈiː eˈliʃ fizeɾumaɾeuniˈɐõ kũ pawlmaʃadʒiˈkahvaʎu
ixezolveɾufaˈzeː uˈmaː ũpɾoˈgɾɐ̃mɐ kiɛɾaʃɐ̃ˈmadu fɾẽtʃiˈunika da muskpopulahbɾasiˈleɾɐ
i kĩnvejhdʒiˈse lideɾadusɔpelɐeˈlis iɐselideˈɾadu uma semɐ̃nɐpelɐeˈlis
otsemɐñ ɐpelusimoˈnawːtasemɐñ ɐ peluʒeɾawduvɐñ ˈdɾɛː jotasemɐñ ɐpuhˈʒiw
kadamejzɛɾaˈsĩ ĩntɐũ ʒiwfojʃˈmadu pɾa esineˈgɔs iˈuː sejˈlaw a aʃtɾatɛʒdʒiˈmahketʃĩn de
dulɐñ saˈmẽtu desinegɔsju paɾukwawuˈʒiw tʃiɐʃ̃ əsiduʃɐˈ̃ madu pahts pɾapahtsiˈpa
ĩnkluiwɛsapasiatɐdʒideˈfezadasʃ xaizizdamuzikabɾaziˈleɾɐ aeliziuʒeɾawduvanˈdɾɛ
tavɐ̃ˈmuĩtuː ĩpeɲaduzasɛɾiwnesinegɔsuakɾedʒiˈtɐ̃ndu aʒ kiɛɾumaˈlutapeladefezɐ
mazuˈʒiwː tavaˈliː ameuvehˈfawsamẽtʃi puhˈkeɛ elip elipʒafaziamahdʒiˈɐ̃nu
kielifaziakɐp̃ ɐɲ̃ apɽaˈnɔjʃ ɛː apɾẽdehmuʃkũːsbituzusamusgitaxazeˈlɛtɾikaʃ ɛː ɛː
gɔʃtavɐkomuewibɛˈtɐñ ia majʃ tɐb̃ eĩndaʒɔvẽnˈgwahda intɐw
̃ nũˈɛː nuːnunufaziasenˈtʃidu
ĩndʒividuawmẽtʃipɾaʒiwtaːˈli anũsepelufatudʒikjeliː iɐpahtsiˈpa duːdupɾogɾɐm
̃ adaxɛˈkɔ
kiː tʃiɲaˈsiduː ɛ kombiˈnaduẽntɾjeliʃ a
ewatɛpahtsipejdʒũaxewniɐ̃wõdʒisufojdefiniduewnũtʃiɲɐˈvɔjz
nũpudʒjɐfalamaʒiwpidʒiwpɾewˈiː pɾɐwˈviː ĩtɐ̃wvitudukifojkombinadfaˈladu la iː
naɾɐliɐõ fojapesoɐmajzĩteliʒẽtʃdʒitodazɐskisimanifestaɾũnaxewniˈɐw
̃ iasĩkõmuˈewsiː
sixekuzoainɛsapasiatɐjːfikɐm
̃ uzɔʎɐñ dʒiˈfɔɾɐ jaʃɐñ ũmɐkoizoxivewpaɾesiwmɐpasjadɐˈfa
ũmɐpasjatɐfaˈʃiʃtɐ iawsnɔsuˈzɔʎus iː iˈewnũː ewˈaʃuː fojˈmujtuː muĩtwĩnkoeˈɾẽntʃi ʒiw
teˈidu mazelidiʃtɐ̃ˈbẽĩkiɛ pɾɐelifojeːˈlis kjɛlistʃiɲũmagɾɐ̃dʒĩpohtɐ̃siɐpɾaˈeli
ewtẽwsetezakjɛlɐdʒikjɛlɐtʃiɲɐdʒifatupkjɛlɐtʃiɐ̃lɐ̃sadukɐ̃nsõjsˈdeli nuˈfinu

1
kwɐ̃dufinuindɐtavɐːˈfɔxtʃi ik ilɐ̃nsadueliˈpɾɔpɾu bɔtɐ̃nduelikɐ̃ntɐ̃ndunufinu
pkɛlaviwkjeljɛɾũngɾɐ̃talẽntumusiˈkaw mujtudẽntʃifikɐdukwiʃtʃiluˈdɛːlɐ iˈtaw dʒiab,
daʒẽdaˈmuzika iːisufojmujtubopɾakaxeɾɐdeljɛɾɐwaɛaɛelizɛɾuˈma ũʒẽnjumuziˈkaw

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Transcrição ortográfica1
ENTREVISTADOR: O, o, o:: por mais que o:: Gilberto Gil tenha usado guitarras, como
você usava, ele parece que teve u::uma coisa meio (sui generis), ele participou de uma
passeata contra as guitarras elétricas…
ENTREVISTADO: Isso daí é maluquice de Gil, não sei por que ele fez isso, porque
ele… Eu sei, aliás, porque, mas é:: isso é questão dele. É:: quer dizer, o, o, a, o, o::... o
contexto em que isso se deu foi o seguinte: o, a, a::, a:: Tv Record tinha problema com o
programa da Elis Regina e do Jair Rodrigues, que era o Fino da Bossa, o Fino nessa
altura… que tava sem audiência e a Jovem Guarda tinha audi… audiência alta e o:: e o
da j… da, do, do Fino tinha... tava caindo… a do Fino tava… tinha caído muito, então
tinha que re… é… re::fazer aquele negócio e tal. Aí:: eles fizeram uma reunião com
Paulo Machado de Carvalho e resolveram fazer… uma:: um programa, que era chamado
Frente Única::… da Música Popular Brasileira e que, em vez de ser liderado só pela
Elis… ia ser liderado uma semana pela Elis, outra semana pelo Simonal, outra semana
pelo Geraldo Vandré e outra semana por Gil; cada mês era assim. Então o Gil foi
chamado pra esse negócio. E o, o:: sei lá, o… a estratégia de marketing dele… do
lançamento desse negócio, para qual o Gil tinha s… sido chamado par.. pra participar,
incluiu essa passeata de defesa das raízes da música brasileira… a Elis e o Geraldo
Vandré estavam muito:: empenhados, a sério nesse negócio, acreditando que era uma
luta pela defesa… mas o Gil tava ali, a meu ver, falsamente, porque::… e, a, ele… ele já
fazia mais de ano que ele fazia campanha pra nós… é:: aprendermos com os Beatles,
usARmos guitarras elétricas, é:: é:: gostava, como eu e Bethânia, mas… também da
Jovem Guarda. Então não é:: não, não:: não fazia sentido… individualmente pra Gil ta
ali. A não ser pelo fato de que ele ia participar… do… do programa da Record que tinha
sido::… é, combinado entre eles. Aí eu até participei de uma reunião onde isso foi
definido, eu não tinha voz, não podia falar, mas Gil peDIU pra eu ir… pra ouvir. Então,
eu ouvi tudo que foi combinado, falado lá. E:: Nara Leão foi a pessoa mais inteligente
de todas as que se manifestaram na reunião… e, assim como eu, se:: se recusou a ir
nessa passeata e ficamos olhando de fora… e achando uma coisa horrível, parecia uma
passeada, uma passeata facista… e, aos nossos olhos, e:: e eu não:: eu acho:: foi
muito::... muito incoerente Gil ter ido, mas ele diz também que, é, pra ele foi Elis. Que

1
Feita de acordo com o padrão NURC.

3
Elis tinha uma grande importância pra ele, eu tenho certeza que ela, de que ela tinha de
fato, porque ela tinha lanÇAdo canções dele… no Fino, quando o Fino ainda tava
fORte… e… e lançado ELE próprio, botando ele cantando no Fino, porque ela VIU que
ele era um grande talento musical… muito identificado com o estilo DEla e tal… de
abordagem da música… e:: isso foi muito bom pra carreira dele e era, é, a Elis era
uma… um GÊnio musical.

Análise

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Prof. Dr. Mário Eduardo Viaro

Caetano Veloso é um cantor brasileiro, nascido na Bahia que, em 2015, quando a


entrevista analisada foi realizada, tinha 75 anos. Sua idade, sua carreira, o local onde
nasceu e foi criado, além de traços fonéticos específicos do falante perceptíveis durante
a entrevista, como uma certa descontinuidade no fluxo da fala devido a repetição de
sílabas e a forte presença de fricativa pós alveolar surda [ʃ], são características que
permitem certas previsões sobre o padrão de fala do entrevistado.
Alguns fenômenos seguem essas previsões. O comportamento dos fonemas /ɾ/ e
/r/, apesar de o falante realizar os fones [h], [x] e até [ɽ], que não eram esperados, o
comportamento deles aparece conforme o previsto: [x] ocorre apenas intervocálico ou
na posição inicial pré-vocálica, atuando como o fonema /ɾ/; [h] ocorre sempre
pós-vocálico estando na posição final ou não, atuando como o fonema /r/; [ɽ] ocorre
apenas uma vez em “faziakɐp̃ ɐɲ̃ apɽaˈnɔjʃ¨”, atuando como fonema /ɾ/; e [ɾ] sempre
pré-vocálico e majoritariamente após fones plosivos, atuando como fonema /ɾ/.
Os fones [t], [dʒ] e [tʃ] também seguem uma realização sistemática em que [dʒ]
e [tʃ] só ocorrem antes do fonema /i/, independentemente da posição na palavra, e [t] em
todos os casos além desse, apesar de, em uma leitura superficial da transcrição fonética,
aparentarem o contrário ao ocorrem em frases como ‘ĩteliʒẽtʃdʒi”, em que [tʃ] ocorre
antecedendo [dʒ] , devido a não ocorrencia do fonema /i/ nesta frase, e “pahtsipejdʒũa”
em que [dʒ] antecede [ũ], também devido à sincope do fonema /i/ após a junção da
palavra “de” com a palavra “uma”. Porém, o fone [d] quebra esse padrão quando em
“elidiʃtɐˈ̃ bẽĩ” ocorre antecedendo o fone [i], agindo de maneira assistemática.
Alguns outros fenômenos podem ser notados, principalmente, através de vogais
átonas que, por hora, sofrem uma síncope. Essa trata-se de um processo de apagamento
ou supressão de algum segmento, seja uma vogal, consoante, semivogal e até mesmo
uma sílaba inteira. A subtração desses segmentos (aqui, majoritariamente vogais) se
deve a circunstâncias específicas e repetitivas, por exemplo e principalmente em
encontros vocais: “praw’vi”, nesse caso, os fones [e], [o] e [u] não foram realizados;
outro exemplo é uma vogal átona na posição de coda em uma sílaba: “kɛdˈzeu”, aqui o
fone [i] não foi realizado; outro contexto em que a síncope se repete é na posição de
ataque silábico, como em “suˈɛː”, no qual, mais uma vez, o fone [i] é não-realizado; e
por último, outra circunstância repetitiva é a subtração dessas vogais no meio de uma
palavra, assim como ocorre em “nũseipˈke”, aqui não só a vogal átona [o] é subtraída

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como o segmento [h] - no dialeto do entrevistado - também. Entretanto, as vogais
átonas, quando realizadas, são sistematicamente precisas, ou seja, não sofrem nenhum
processo específico, sendo que nem mesmo são substituídas por semivogais - são
sempre bem definidas. Nota-se, por fim, que a fala e dialeto do músico Caetano Veloso
é majoritariamente sistemática e os seus fenômenos se apresentam em contextos
específicos, o que torna tais fenômenos previsíveis e decifráveis em suas devidas
circunstâncias.

REFERÊNCIAS

BARROS, Adelson; FERREIRA, Anderson; ARTUR, Cátia; TEIXEIRA, Elizabete. “A


realização das vibrantes do ‘Globês’ no português brasileiro”. In: Revista de Letras e
Artes– jan./ jun. 2017.
LANG, Maristela; SILVA, Thiago. “Processos fonológicos no português brasileiro:
estudo de um comercial”. 2022.
VIARO, Mário. “Fonética histórica”. In: <https://encr.pw/TkCia>
VIARO, Mário. “Noções de Transcrição Fonética”. Fonética e Fonologia do Português.
In: <DLCV/FLC,275>

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