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SILVA, Tarcimara Moreira; GUIMARÃES, Daniela Rodrigues; COTTA, Francis


Albert (Org.). Histórias e Memórias: Serviços de Saúde na Polícia e Corpo de
Bombeiros Militares de Minas Gerais: Belo Horizonte: Editora Universitária
Academia do Prado Mineiro, 2021.

JUSCELINO KUBITSCHEK: Oficial de Saúde da Força Pública, Governador de Minas


Gerais e Presidente do Brasil

Ten Cel PM QOS Tarcimara Moreira Silva

“Creio no triunfo do espírito que afirma e deseja a grandeza nacional, no espírito


que se opõe à negação, à descrença, ao ressentimento estéril” (Memorial JK).
Esse foi um dos diversos pensamentos de uma criança nascida no dia 12 de
setembro de 1902, na cidade de Diamantina, que um dia se tornaria um dos
grandes presidentes do Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira.

Filho do caixeiro João César de Oliveira e da descendente de imigrantes da


Boêmia, Júlia Kubitschek, e irmão mais velho de Maria da Conceição (ARRUDA).

Figura 1 - Juscelino e Família

Júlia Kubitschek de Oliveira - mãe de JK


m~e de jk

Fonte: Memorial JK.


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A morte do pai de Juscelino, quando ele tinha três anos de idade, agravou a
situação da família. A partir desse momento, Dona Júlia, professora do primário,
decidida em dar o melhor para seus filhos, os levava para a sala de aula todos
os dias até concluírem o curso primário (Memorial JK).
Aos oito anos, Nonô, como era conhecido Juscelino, ingressa no primeiro
trabalho de entregador de compras dos comércios de Diamantina (ARRUDA).
Para cursar o secundário, o futuro presidente, aos doze anos, entrou no
seminário dos padres Lazaristas, o único ginásio da cidade. Foi nesta época que
calçou seu primeiro par de sapatos. Desde o início, a vontade de ser médico era
constante, deixando bem claro para os padres que não possuía vocação
eclesiástica. Aos quinze anos, terminou os seus estudos no seminário e passou
a estudar por conta própria. Após realizar o “exame por decreto”, obteve o
diploma do ensino secundário e só assim pôde ter os requisitos necessários para
tentar a tão sonhada faculdade de medicina. (Memorial JK).

Figura 2 - Juscelino e colegas de seminário

Fonte: Memorial JK.

Em 1919, foi aprovado no curso de telegrafista dos Correios de Belo Horizonte,


e, após dois anos, ocorre sua nomeação, o que abre caminhos para morar na
capital e cursar a faculdade (ARRUDA).
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No final de 1921, terminou de realizar os exames requisitados para obter o


diploma de conclusão do secundário e assim, ingressou na Faculdade de
Medicina de Minas Gerais em 1922, onde sua habilidade e talento para cirurgia
foram notados. Segundo Bojunga:
Os colegas chegaram a fazer uma quadrinha, ao perceber as habilidades
de Juscelino, aproveitando o nome do grande violonista tcheco Jan
Kubelík: “Dois nomes eu estou certo/Vão pôr este mundo em cheque/No
violino Kubelík/No bisturi Kubistchek” (BOJUNGA, 2001, p. 73).

Nos primeiros anos da faculdade, a rotina de Juscelino era extremamente


corrida. Trabalhava de meia-noite até as oito da manhã no telégrafo, depois ia
para a aula na qual permanecia até a tarde. Possuía aproximadamente 4 horas
de sono por dia, se alimentava mal, estudava muito e trabalhava de maneira
excessiva. No seu último ano de faculdade, seu cunhado, Júlio Soares, o
convidou para trabalhar como interno na 3ª Enfermaria da Clínica Cirúrgica da
Santa Casa, em Belo Horizonte. Apesar desses obstáculos, conseguiu se formar
na faculdade de medicina em dezembro de 1927, aos 25 anos (ARRUDA).

Após se formar, foi nomeado professor assistente da Faculdade de Medicina de


Minas Gerais e passa a ser assistente e sócio de seu cunhado na mesma clínica
onde fez seu internato de último ano da faculdade (Memorial JK).

Com apenas 3 anos exercendo a profissão de médico, Juscelino decide, em


1930, realizar cursos e estágios para especialização na área de urologia na
Europa. Naquele continente, estagiou com o renomado urologista Maurice
Chevassu, na França, e, posteriormente, passou também pelas cidades de
Viena e de Berlim em busca de conhecimento para se tornar o excelente
urologista que foi. Em outubro do mesmo ano, o médico, agora especialista na
área de urologia, retorna ao Brasil onde reassume as funções no seu antigo
consultório e continua com o serviço gratuito que realizava na Santa Casa e,
também, com o cargo de médico da Caixa Beneficente da Imprensa Oficial
(Memorial JK).

Seu retorno para Belo Horizonte se deu no contexto do Governo Provisório de


Getúlio Vargas, após a Revolução de 1930, numa conjuntura que possuía como
objetivo melhorar a Polícia Militar dos Estados. Desse modo, através das ações
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do Secretário do Interior, Gustavo Capanema, houve a reestruturação do


Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais e, assim, Juscelino, que tinha
acabado de retornar da Europa com um currículo mais que impressionante, foi
convidado a se juntar à Instituição como médico da Força Pública de Minas
Gerais em 1931 (SILVA, 2019).

Figura 3 - Juscelino em sua farda militar

Fonte: BEGLIOMINI, 2005

Após passar pela atual Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, iniciou seu
trabalho nesta Instituição como capitão-médico, cirurgião e urologista
(MACHADO, 2020). No entanto, sua capacidade só foi realmente colocada à
prova quando deflagrou a Revolução Constitucionalista de 1932.

Durante os embates na Mantiqueira, Juscelino foi designado para acompanhar


as forças mineiras em Passa Quatro, ou seja, o cirurgião atuava no “front”
(COTTA, 2002, BEGLIOMINI, 2005). Nesta cidade, onde se localizava o Túnel
da Mantiqueira e a região em que os conflitos entre paulistas e mineiros foram
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mais acirrados, seu posto médico inicial era resumido à Casa de Caridade local,
antiga e mal conservada, com cômodos velhos e sujos (Memorial JK).

Não possuía esterilizadores ou autoclaves e seus instrumentos eram


basicamente algumas pinças hemostáticas, um bisturi velho e uma tesoura
enferrujada, além disso, um acervo ainda menor de medicamentos composto de
iodo e água oxigenada, compressas e gazes em pouquíssima quantidade
(BEGLIOMINI, 2005).

Após a chegada de Juscelino, foram feitas algumas modificações nesse


ambiente de serviço de atendimento de urgência, que os combatentes passaram
a chamar de “Hospital de Sangue” (BEGLIOMINI, 2005). O embate foi de
tamanha agressividade que Juscelino descreveu os combatentes que chegavam
para o atendimento:

Do caminhão começaram a descer feridos. Uns tinham a farda


ensangüentada, mas ainda caminhavam. Outros, sustentados pelos
padioleiros, gemiam, com a roupa estraçalhada, deixando ver
ferimentos de estilhaços de granada nas partes expostas. Muitos
deixavam-se levar, inertes, os braços caídos e a fisionomia contraída
pela dor. Alguns já se encontravam em agonia. Esta foi a minha
primeira impressão da luta armada, tornada ainda mais pungente pelo
cortejo dos sofrimentos que me competia minorar. Embora dramática
a cena, a noção do dever não permitiu que eu ficasse parado a
observá-la. Ali estavam criaturas humanas reclamando pronta
assistência.

Nesse posto médico inicial, ele trabalhava nas duas enfermarias, que
permaneceram cheias devido à quantidade de feridos que não paravam de
chegar, com a irmã Maria Octávia, uma idosa que atendia a população pobre da
cidade da melhor maneira possível. Ocorreram inúmeros casos graves, alguns
inesquecíveis na mente do cirurgião como o de um soldado que foi ferido no
abdômen por uma rajada de metralhadora, tendo chegado ao local em um estado
desesperador e precisava de uma laparotomia de emergência. A cirurgia
procedeu-se com um oficial veterinário, às ordens de Juscelino, como
anestesista, utilizando máscara de clorofórmio. A princípio, foram encontradas
oito perfurações nas alças intestinais. Com o início das respectivas suturas, o
paciente entrou em depressão respiratória e o anestesista ficou desesperado,
fazendo com que Juscelino interrompesse a cirurgia e passasse a controlar a
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anestesia. Após alguns minutos de manobras respiratórias, estabilizou o


paciente e retomou a cirurgia. O paciente teve uma boa recuperação e oito dias
depois recebeu alta do hospital (BEGLIOMINI, 2005).

Nessas difíceis condições, Heliodoro descreve o trabalho de Juscelino:

O capitão-médico Dr. Juscelino Kubitschek ficou famoso por haver


operado um sargento que, gravemente ferido, foi deixado ao abandono
pelos médicos, em virtude da absoluta falta de recursos no Hospital de
Sangue da Polícia Militar de Minas Gerais, no front da Mantiqueira, na
cidade de Passa Quatro. Juscelino, mesmo assim, o atendeu, com
recursos escassos, para não deixar o homem morrer sem assistência.
Por fim, o sargento, que foi considerado morto, ficou bom e em pouco
tempo já estava andando (HELIODORO, 2005, p. 75).

Juscelino operava, atendia os casos clínicos, fazia curativos, confortava os


feridos graves e ainda achava tempo para percorrer as frentes de batalha,
sempre com sua maleta de primeiros socorros à mão, expondo-se aos projéteis
adversários.

Na época não existiam estradas de rodagem e o único meio para se chegar ao


sul do estado era a rede ferroviária. Assim, devido às precárias condições do
Hospital de Sangue, o Major médico Octaviano de Almeida, chefe do serviço de
cirurgia do Hospital Militar, teve a ideia de montar em vagões de trem da Rede
Mineira de Viação, um trem-hospital, para onde foram desviados a maior parte
dos atendimentos (SILVA, 2019).

Esse novo recurso possuía instalações radiológicas, um vagão para as altas


cirúrgicas, sala de assepsia, uma sala para o diretor, uma enfermaria com vinte
leitos, um carro para pequenas cirurgias com consultório médico, uma sala de
curativos, gabinete dentário, carro restaurante, vagão farmácia e duas salas de
cirurgia (COTTA, 2002).
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Assim, o Hospital de sangue e o Trem-Hospital passaram a fazer um trabalho


complementar, visando a um melhor atendimento dos feridos. Com a recuada
das tropas paulistas, o Trem-Hospital acompanhou a rota dos combatentes e se
deslocou subsequentemente para Manacá, Guaxupé, Poços de Caldas e Casa
Branca (SP).

O fim da hostilidade da batalha, por volta de setembro de 1932, fez com que a
Brigada que Juscelino servia rumasse para o Setor Centro.
Posteriormente, o capitão-médico foi responsável pela remoção dos feridos de
Passa Quatro para Guaxupé e Varginha, indo em seguida para Campinas
(SILVA, 2019).
Na sala operatória foram efetuadas aproximadamente 54 cirurgias de maior
porte. Com o término da revolução, o Trem-Hospital retornou para Belo
Horizonte, onde foi desmontado.

Pela competência e operosidade, o jovem cirurgião Juscelino ganhara a


confiança de todos, desde o soldado até o comandante. Foi considerado um
verdadeiro médico de campanha, sem demonstrar cansaço, sempre calmo,
modestíssimo e extremamente disciplinado. Desta forma, ficou credor da
admiração e da estima dos combatentes.

Antes da partida do Trem-Hospital, em atenção aos ótimos serviços prestados


às tropas mineira e federais, Juscelino Kubitschek de Oliveira foi homenageado
pelos membros do Estado-Maior do Coronel Barcellos com um banquete de
despedida, no Hotel Lourdes, em Passa Quatro. O Cel. Barcellos fez um elogio
a Juscelino – o cirurgião da campanha – a quem carinhosamente batizou de “o
bisturi de ouro da Força Pública Mineira”.
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Figura 4 - Revolução Constitucionalista de 1932

Fonte: Memorial JK

Durante esse período no “front”, Juscelino veio a adquirir vários amigos, como
Eurico Gaspar Dutra, Benedito Valadares, General Ernesto Dornelles, Marechal
Zacharias Assumpção, Filinto Muller e Pedro Paulo Penido, que futuramente
iriam exercer cargos políticos de maior importância e seriam uma porta de
entrada para o jovem capitão-médico na política (Memorial JK). Juscelino
Kubitschek continuou nos serviços do Hospital Militar de Minas Gerais, no
serviço ativo de cirurgião e urologista até o posto de Tenente-coronel em 1945
(ARRUDA).
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O início da vida política de Juscelino se deu em 1933, quando aceitou o cargo


de Chefe da Casa Civil do governo mineiro, oferecido por Benedito Valadares.
Assim, o jovem militar começou a equilibrar a sua vida entre a política, as
obrigações com o Hospital Militar e o seu consultório particular (ARRUDA).
Em 1934, aos 32 anos, devido ao seu desempenho bom e dinâmico na política,
tornou-se o deputado mais votado de Minas Gerais, assumindo seu posto em
1935. Exerceu esse cargo por 2 anos, antes de ocorrer o golpe de estado de
Getúlio Vargas e, com isso, o início da ditadura militar, em 1937, interrompendo
todas as atividades parlamentares. Desse modo, Juscelino voltou novamente
suas atenções para as atividades médicas por completo (Memorial JK).

Foi promovido a Tenente-Coronel Médico em 1938 e chefe da clínica cirúrgica


do Hospital Militar, onde atendia na parte da manhã, e à tarde ia para a Santa
Casa, conciliando também os atendimentos em seu consultório (ARRUDA).
Em 1940, eleito prefeito de Belo Horizonte, ficou conhecido pelo apelido de
“prefeito furacão”, uma vez que, ao aceitar o cargo oferecido pelo governador
Benedito Valadares, ainda conciliava suas atividades médicas na Polícia Militar
e na Santa Casa. Sua rotina baseava-se em fiscalizar as obras da prefeitura às
6 horas da manhã, depois se dirigia ao Hospital Militar, onde ficava até às 11
horas, depois ia para a Santa Casa para operar até as 13 horas, a partir disso,
almoçava em casa e trabalhava até o final do dia na prefeitura, tirando das 16
horas às 18 horas para disponibilizar atendimentos à população (ARRUDA).

Seus principais feitos como prefeito foram a implantação de projetos de


urbanização da capital; incentivo à cultura; incentivo à classe proletária; obras
de canalização da água e saneamento básico, em que conseguiu extinguir os
focos de febre amarela; desenvolveu a rede subterrânea de luz e telefone e
construiu os restaurantes da cidade com refeições a preço de custo (ARRUDA).

Em 1945, eleito Deputado Federal, teve que largar as práticas médicas por
completo para poder focar na política (ARRUDA). Aos 48 anos, em 1950, foi
eleito governador de Minas Gerais. Em 1955, apesar dos vários opositores,
Juscelino Kubitschek chega ao cargo de Presidente da República, com o famoso
slogan “50 anos em 5”. Em 1961, o agora ex-presidente foi eleito senador pelo
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Estado de Goiás. Em 1964, devido ao golpe, seus direitos políticos foram


cassados e, assim, partiu para o exílio onde viveu entre Paris, Lisboa e Nova
York (Memorial JK).
Retornou ao Brasil em abril 1967, proibido de atuar na política e angustiado pela
mordaça que o obrigava a se calar. Juscelino Kubitschek de Oliveira, agora um
velho fazendeiro, faleceu em 22 de agosto de 1976 em um acidente
automobilístico na via Dutra.

Esse acidente nos tirou JK: o ilustre Presidente do Brasil, o Tenente-Coronel da


Polícia Militar de Minas Gerais, "o bisturi de ouro" da Força Pública Mineira, o
telegrafista, o nosso querido Nonô, entregador de compras em Diamantina. E até
hoje, Juscelino Kubitschek de Oliveira, é lembrado por seus extraordinários atos
em vida (Memorial JK).
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REFERÊNCIAS

ARRUDA, Laura. Juscelino Kubitschek (JK): O médico que virou Presidente


da República. Hospital do Coração. Disponível em:
http://hospitaldocoracao.com.br/wp-content/uploads/2016/01/JUSCELINO-
KUBITSCHEK.pdf. Acesso em 02 fev. 2021.

BEGLIOMINI, Hélio. Juscelino Kubitschek de Oliveira: Patrono da Sociedade


Brasileira de Urologia. São Paulo: Expressão e Arte, 2005.

BOJUNGA, Cláudio. O artista do impossível. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

COTTA, Francis Albert. As Trincheiras da Mantiqueira: os embates da Brigada


Sul na Revolução Constitucionalista. Revista O Alferes, 2002. Disponível em:
https://revista.policiamilitar.mg.gov.br/periodicos/index.php/alferes/article/view/1
20/109. Acesso em: 24 jan. 2020.

HELIODORO, Afonso. JK: exemplo e desafio. 2. ed., rev. e aumentada.


Brasília: Thesaurus, 2005.

MACHADO, Luiz. O movimento grevista de 1997 na Polícia Militar de Minas


Gerais. Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), 2020.

Memorial JK, desde 1981. Disponível em: http://www.memorialjk.com.br/pt


Acesso em: 24 de janeiro de 2020.

SILVA, Jamicel. Um cirurgião do Front: a participação de Juscelino


Kubitschek na batalha do túnel. Curso de Especialização em História Militar,
da Universidade do Sul de Santa Catarina, 2019.

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