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ESMA-DF – Escola de Magistratura do Distrito Federal

Professor: Dr. Fábio Francisco Esteves


Aluno: Daniel Gallo Pereira
Data: 13 de novembro de 2020.
Matéria: Direito Constitucional

Comando: Dissertação
Selecionar um voto que tenha tratado da proteção de direitos fundamentais que se
encontram em colisão com outros direitos ou valores constitucionais. Discorrer a
solução do conflito.

Quadro sinóptico:
Voto Selecionado: ADI 5553 – Voto do Senhor Ministro Edson Fachin (Relator)
Assunto: Trata-se ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Partido Socialismo
e Liberdade (PSOL) em face das cláusulas 1ª e 3ª do Convênio 100/97 do
CONFAZ e dos itens da Tabela do IPI referentes aos agrotóxicos (Decreto
7.660, de 23 de dezembro de 2011).
Conflito: Versa sobre o conflito de valores constitucionais entre os direitos
fundamentais à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado em
face do princípio da legalidade e da seletividade tributária.

Com fulcro no inciso VIII do art. 103 da Constituição Federal, o Partido


Socialismo e Liberdade ajuizou uma ação declaratória de inconstitucionalidade (ADI
5553) contra as cláusulas 1ª e 3ª de ato normativo Convênio 100/97 e contra alguns itens
da Tabela de Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI), normatizado inicialmente
pelo Decreto 7.660/2.011. Este decreto foi revogado, no curso da ADI 5553, pelo Decreto
8.950/2016, mas manteve o mesmo comando substantivo de zerar alíquotas do Imposto
de Produto Industrializado para o mesmo grupo de produtos. As normas impugnadas pela
ADI possuíam natureza tributária, permitindo aos estados membros a concessão de
subsídio de ICMS aos insumos agrícolas e, por parte da União, concedendo alíquota zero
de IPI para um grupo de insumos agrícolas. Os insumos agrícolas beneficiados pelas
normas tributárias impugnadas são de natureza química e pertencem a espécie conhecida
como agrotóxicos.
O voto do Ministro Edson Fachin, inicialmente, tratou de uma questão processual.
O fato do Decreto 7.660/2011 ter sofrido revogação superveniente no curso da ação
declaratória de inconstitucionalidade ensejaria o fenômeno da perda de objeto? A
conclusão foi que não, pois a o decreto revogador “Decreto 8.950/2016” manteve o
mesmo comando normativo, questionado no Decreto 7.660/2011 “zerar alíquotas de IPI
dos agrotóxicos” em sede de ADI. O controle abstrato de constitucionalidade postulado
era sobre a substância da norma e não sobre o texto revogado. Portanto, coube a ADI
5553 provocar o STF a manifestar se há inconstitucionalidade em normas que beneficie
tributariamente produtos agrotóxicos, independente do decreto ter sido revogado.
Vencida a questão processual, o cerne da decisão foi o conflito entre as finalidades
constitucionais das normas indutoras do IPI e do ICMS frente a valores outros
constitucionais, com destaque para proteção à saúde e ao meio ambiente.
Para o entendimento do conflito de valores constitucionais, vale destacar dois
pontos cruciais da discussão:
a) O Convênio no 100/97 e o Decreto 8.950/2016 têm por finalidade o fomento
à agricultura, compatível com os princípios constitucionais da ordem
econômica, como a valorização do trabalho humano por meio da geração de
emprego e renda, bem como à segurança alimentar (art. 187, I, CRFB/1988).
b) A ordem econômica tem como princípio constitucional (art. 170, VI,
CRFB/1988) a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento
diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus
processos de elaboração e prestação. Nesta perspectiva da função social da
propriedade rural, as atividades agrícolas devem ser desempenhadas a partir
de atos privados e governamentais que, além de economicamente viáveis e
socialmente justos, sejam também ambientalmente corretos.

Estavam em conflito dois valores constitucionais, esculpidos nos princípios da


ordem econômica: a concessão de incentivos fiscais às operações com agrotóxicos e a
defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 170, VI e 225 da CRFB).
Para a resolução deste conflito e para a concretização dos valores constitucionais,
o Ministro aplicou uma técnica interpretativa baseada no conceito de justiça e moral
kantiana, defendida por Ronald Dworkin. Ele buscou a adequação justa e legítima das
normas constitucionais aos valores comunitários em questão. O Ministro adequou de
forma justa e legítima o conceito de seletividade em função da essencialidade sobre
valores constitucionais tributários, ambientais e sanitários.
Quanto a seletividade tributária, os incentivos fiscais aos agrotóxicos atingem o
processo produtivo, beneficiando os produtores agrícolas com custo menores de insumo,
reduzindo a sua contribuição fiscal. O benefício não alcança diretamente a contribuição
dos consumidores dos produtos agrícolas, não atinja a parcela de riqueza que corresponda
ao mínimo existencial dos indivíduos mais vulneráveis na cadeia produtiva, não visa
alcançar justiça fiscal.
Reforçando o argumento, os agrotóxicos são produtos economicamente
inelásticos. Por isso, mesmo que haja um aumento marginal no seu custo, o seu consumo
pelos produtores não deve diminuir proporcionalmente. Ou seja, mesmo que se retire o
benefício fiscal, os produtores arcarão com o custo, majorando a contribuição tributária e
promovendo uma maior arrecadação fiscal. Pois, eles são aplicados em quantidade
tecnicamente recomendada de acordo com receituário agronômico. Hoje, mais de 75%
dos agrotóxicos utilizados no Brasil são aplicados em apenas quatro culturas distintas:
soja 49%, cana 10%, milho 9,5% e algodão 9%. Estas culturas são commodities
internacionais e seus preços são definidos pelo mercado externo.
Assim, olhando pela ótica econômica do consumo, os incentivos fiscais de ICMS
e de IPI aos agrotóxicos se afastam do princípio da seletividade tributária, à luz da
essencialidade. Um incentivo tributário seria mais adequado e mais justo se fosse
aplicado ao final da cadeia no preço dos alimentos.
Quanto a seletividade ambiental, a lógica é tributar os alimentos considerados
prejudiciais à saúde e aplicar uma tributação mais branda sobre mercadorias cujo processo
produtivo seja menos poluente. É fato que a Constituição tutela a importância do direito
ao meio ambiente e assegura a sua proteção, além de combater sua degradação e a
poluição. A seletividade ambiental deve observar a coletividade, um incentivo contrário
que estimula o uso de agrotóxicos (e o desestímulo a outras alternativas) por meio de
incentivos fiscais vai contra ao direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado.
O risco do uso de agrotóxicos ao meio ambiente é inquestionável. A utilização
indiscriminada de agrotóxicos acarreta a desestruturação do ambiente químico e físico, o
que interfere da dinâmica dos ecossistemas, na quebra de matéria orgânica, na
contaminação das águas e do solo, reduzindo a biodiversidade. Coloca em risco a
responsabilidade intergeracional. Então pela seletividade ambiental e sua essencialidade,
vale a ideia do poluídos pagador. Quanto mais nocivo e poluidor for o produto, mais
severa deve ser a sua tributação, fazendo com quem polui mais pague mais.
A constitucional dispõe de um conjunto de medidas e instrumentos que devem ser
adotados a partir do nivelamento entre perdas e ganhos causados, a fim de reduzir os
danos ambientais. O tratamento tributário conferido aos agrotóxicos nas normas em
questão é contrário a seletividade ambiental. Portanto, há incompatibilidade entre essa
desoneração tributária e o dever constitucional atribuído ao Poder Público de proteção
preventiva ao meio ambiente (CRFB, art. 225).
Quanto a seletividade sanitária, em especial o comprometimento a saúde humana
e a integridade do trabalhador rural, deve-se considerar a essencialidade da saúde como
um bem inalienável, irrenunciável e indispensável à sustentação da vida. O uso
indiscriminado pode acarretar diversos males ao meio ambiente, colocando o ser humano
em risco ao inspirar e ingerir ar e água poluídos, expondo-o à contaminação. Além do
trabalhador rural diretamente envolvido, pode haver impacto na população que ingere
alimentos contaminados.
Por outro lado, quanto a tutela à saúde, há normas legais de conduta e segurança
sanitária no uso dos agrotóxicos (Lei 7.802/89) para mitigar estes riscos à saúde e ao meio
ambiente.
Neste sentindo, o Ministro aplicou o princípio da precaução ambiental. A
precaução difere da prevenção por considerar a possibilidade e não a certeza do impacto
danoso. O princípio da precaução exige do Poder Público uma mitigação dos riscos
ambientais sanitários. A mera potencialidade, partindo-se da incerteza por parte da
comunidade científica acerca dos efeitos danosos à saúde e ao meio ambiente, justifica a
incidência do princípio da precaução, devendo orientar o agir do Estado.
Por fim, considerando a adequação justa e legítima das normas constitucionais, o
Ministro declarou a inconstitucionalidade das normas tributárias, conhecendo da ADI
5553 e julgando-a integralmente procedente.

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