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A função social do contrato

Conceito e critérios de aplicação

Eduardo Tomasevicius Filho

Sumário
1. Introdução. 2. Histórico da função social.
3. Significados de função social. 4. A função
social do contrato. 5. A função social do contra-
to em sentido amplo. 6. A função social do con-
trato em sentido estrito. 7. A função social do
contrato em sentido amplo na jurisprudência
paulista. 8. Precauções e critérios para a aplica-
ção da função social do contrato. 9. Conclusão.

1. Introdução
A função social do contrato é um dos
institutos que melhor refletem a idéia de
socialidade no Código Civil brasileiro de
2002.
A socialidade é, ao lado da eticidade e
operabilidade, um dos valores que nortea-
ram a elaboração do novo Código. Segundo
Miguel Reale (2003), essa consiste no pre-
valecimento dos valores coletivos sobre os
valores individuais, sem, no entanto, supri-
mir a idéia de que o ser humano é o valor-
fonte da hierarquia dos valores.
No presente texto, serão traçados os sig-
nificados do termo “função social”, e qual o
alcance dos efeitos desse instituto jurídico
nas relações privadas.

2. Histórico da função social


A idéia de função social foi formulada
pela primeira vez por São Tomás de Aquino,
Eduardo Tomasevicius Filho é Doutoran- quando afirmou que os bens apropriados
do em Direito Civil da Universidade de São individualmente teriam um destino comum,
Paulo. que o homem deveria respeitar.
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Essa idéia, no entanto, ganhou força ape- Pouco tempo depois, reações surgiram a
nas no século 19, devido às profundas alte- todos esses abusos praticados em confor-
rações econômicas e sociais que ocorreram midade com o direito. O socialismo foi a prin-
naquele período. No entanto, como sempre cipal doutrina nesse sentido. Mas como esse
ocorre na história, as idéias filosóficas sur- era o “fantasma que rondava a Europa”, e
gem com bastante antecedência em relação propugnava a destruição da classe domi-
ao período em que as mudanças ocorrem. nante e apropriação dos meios de produção
Uma das doutrinas filosóficas que fun- pelos trabalhadores, buscou-se uma conci-
damentou as mudanças do século 19 foi o liação entre os interesses do capital e do tra-
racionalismo, concepção segundo a qual a balho.
razão era o centro de todas as ações huma- O documento mais conhecido nesse sen-
nas. A expressão “penso, logo existo” ilus- tido foi a encíclica Rerum Novarum, de Leão
tra bem essa visão de ser humano. XIII, escrita em 1891, na qual estão retrata-
No campo econômico, a Revolução In- das as condições de miséria e escravidão
dustrial caracterizou-se pela liberdade como em que se encontravam os trabalhadores,
fundamento da organização econômica, devido à exploração que sofriam pelos de-
deixando a “mão invisível” do mercado re- tentores do capital. A idéia central dessa
gular o funcionamento da economia no encíclica é que era conveniente promover
âmbito interno e internacional. (SMITH, melhores condições de trabalho, do que cor-
1981). Em conseqüência, surgiram altera- rer-se o risco de a classe trabalhadora insti-
ções na ordem social, formando-se novas tuir o socialismo.
classes sociais: a burguesia, detentora do De acordo com Leão XIII, o socialismo
capital, e os trabalhadores. insuflava o ódio dos trabalhadores contra
Em vista dessas transformações, os ins- os patrões; e, ao pregarem o fim da proprie-
titutos jurídicos daquela época foram forte- dade privada, iam contra a ordem natural
mente marcados por um espírito de liberda- das coisas, pois a propriedade seria um di-
de ilimitada. reito natural. O fato de uma pessoa ser pa-
No direito civil, o pressuposto de que o trão e outra, operário devia-se à diferença
ser humano tem uma racionalidade ilimita- natural de uma pessoa para outra. Por isso
da acarretou a igualdade formal entre as mesmo, Deus não impôs a distribuição dos
partes contratantes; todos os seres huma- bens entre as pessoas: que cada um, de acor-
nos são dotados de razão, sendo plenamen- do com suas habilidades e talentos, obtives-
te capazes de cuidarem da sua própria vida se mais ou menos bens.
por meio da deliberação racional. Afinal, No item 16 da Encíclica, Leão XIII pro-
ninguém em sã consciência procura o pior punha o seguinte aos trabalhadores:
para si mesmo. “(...) cumprir integral e fielmente o que
Contudo, essa liberdade conferida pela por própria liberdade e com apoio da
pressuposição da racionalidade ilimitada, justiça se estipulou sobre o trabalho;
quando exercida em matéria contratual, re- não causar dano algum ao capital; não
velou-se insuportável para o convívio soci- ofendam a pessoa de seus patrões;
al, porque muitos abusos foram praticados abster-se de toda violência ao defen-
pelo exercício estrito da mesma. O exemplo der seus direitos e não promover sedi-
mais marcante desse período foi o modo ções; não mesclar-se com homens de-
como eram celebrados os contratos de em- pravados, que alimentam pretensões
prego, por meio dos quais se escravizavam imoderadas e prometem artificiosa-
os trabalhadores com jornadas enormes a mente grandes coisas, o que leva con-
baixíssimos salários e condições insalubres sigo arrependimentos estéreis e as
de trabalho. conseqüentes perdas de fortuna”.

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Para os patrões, propunha-se o seguinte: “Art. 153. A Constituição garante a
“(...) não considerar os trabalhadores propriedade, cujo conteúdo e limites
como escravos; respeitá-los, como é serão fixados pela lei. (...) A proprie-
justo, a dignidade da pessoa huma- dade obriga. Seu uso constituirá, tam-
na, sobretudo enobrecida pelo que se bém, um serviço para o bem comum.”
chama de caráter cristão. (...) Tampou- Ao falar-se que “a propriedade obriga”,
co deve impor-lhes mais trabalho do estabeleceu-se ao proprietário a obediência
que podem suportar suas forças, nem a determinados deveres – no caso, um servi-
de uma classe que não seja condizen- ço – em face da sociedade. O direito não pode
te com sua idade e sexo”. ser um fim em si mesmo; está a serviço da
A importância da encíclica Rerum proteção da dignidade da pessoa humana.
Novarum não está em falar de função social Outro jurista que estudou a função soci-
– afinal nenhuma referência a esse termo é al foi Leon Duguit, expoente do sociologis-
feita – mas, sim, de reclamar melhorias nas mo jurídico. De acordo com Miguel Reale
condições de vida dos trabalhadores com (1998, p. 441), Duguit encontrava na solida-
fundamento na dignidade da pessoa huma- riedade a explicação de todos os fenômenos
na: “A ninguém está permitido violar impu- de convivência. O ser humano não seria
nemente a dignidade humana, da que Deus auto-suficiente, o que ensejaria uma inter-
mesmo dispõe com grande reverência”. 1 dependência inevitável. A atividade parti-
Anos mais tarde, o jurista e político Karl cular de cada ser humano deveria harmoni-
Renner2, influenciado pelo marxismo, ela- zar-se com as atividades dos demais, resul-
borou o conceito de função social. Com base tando numa divisão geral do trabalho.
na idéia de Marx de que a economia era a Duguit sustentava que as transformações
estrutura da sociedade, e o direito, a supe- pelas quais o direito civil passa, levariam a
restrutura que garantia o funcionamento da uma alteração dos conceitos jurídicos tradi-
economia, Renner definiu que a função so- cionais. O direito subjetivo, por exemplo,
cial de um instituto seria o reflexo da função seria um conceito metafísico, porque teria
econômica no âmbito econômico (RENNER, por base a vontade humana, a qual não pode
1981, p. 49). ser analisada objetivamente e seria substi-
“Qualquer processo econômico tuído pela idéia de função social.
que observo isoladamente do ponto de Influenciado pelo Positivismo de Comte,
vista técnico é por sua vez uma parte Duguit afirmava que todo ser humano teria
da totalidade do processo social de uma função social a desempenhar e deveria
produção e reprodução, separado pelo desenvolver sua individualidade física,
pensamento. Se esse processo for vis- moral e intelectual o máximo possível. No
to em conjunto, a função econômica mesmo sentido, ao falar da propriedade,
torna-se função social do instituto ju- disse que essa não seria um direito absolu-
rídico.” to. Ao contrário, a propriedade seria condi-
Portanto, para Renner, função significa- ção indispensável para a prosperidade e
va finalidade. Ou seja, a função social de grandeza da sociedade e, portanto, a pro-
um instituto jurídico consistiria na finali- priedade não seria um direito, mas uma fun-
dade desse instituto na economia. Contu- ção social:
do, na Constituição da Alemanha de 1919, “Pero la propriedad no es un dere-
da qual Karl Renner participou como cho; es una función social. El propie-
constituinte, o conceito de função social tario, es decir, el poseedor de una ri-
assumiu outra proporção. O art. 153 da queza tiene, por el hecho de poseer
Constituição Alemã de 1919 dispunha o esta riqueza, una función social que
seguinte: cumplir; mientras cumple esta misi-

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ón sus actos de propietario están pro- (1975, p. 73), “sob o ponto de vista jurídico,
tegidos. Si no la cumple o la cumple o exercício de acordo com o bem comum é
mal si por ejemplo no cultiva su tierra insuficiente para a caracterização da fun-
o deja arruinarse su casa, la interven- ção social”.
ción de los gubernantes es legítima O constitucionalista italiano Santi
para obligarle a cumplir su función Romano (1975, p. 142-143) desenvolveu o
social de propietario, que consiste en conceito de função a partir da conexão en-
assegurar el empleo de las riquezas tre poderes, direitos e deveres. Além disso,
que posée conforme su destino”. foi ele quem estabeleceu a idéia de função
(DUGUIT, 1975, p. 179). social como “poder-dever”, que significa o
Ele também criticava a forma pela qual o exercício de um direito subjetivo, de tal modo
direito protegia a propriedade, extremamen- que o mesmo não contrarie o interesse pú-
te individualista e que não se preocupava blico.
com o exercício legítimo desse direito, o que
provocava um uso pouco evoluído da pro- 3. Significados de função social
priedade na sociedade, permitindo-se a exis-
tência de propriedades meramente usadas Podem-se identificar três significados
para especulação comercial. para o termo “função social”.
Porém, ao definir o conteúdo da função O primeiro significado de função social,
social da propriedade, houve um exagero usado em sentido amplo, é o de “finalida-
para o outro extremo da problemática da li- de” 3, ou “papel”.
berdade: praticamente suprimiu-a. O con- Esse significado de função social refere-
ceito de propriedade seria transformado em se à idéia de Karl Renner sobre a função so-
propriedade-função e o direito não protege- cial, como imagem da função econômica de
ria o direito subjetivo de ser proprietário, determinado instituto. Nesse sentido, todos
mas apenas garantiria a liberdade de o pro- os institutos jurídicos têm função social.
prietário fazer com que sua riqueza cumpra A propriedade, por exemplo, tem diver-
a sua função social, o que levaria a uma so- sas funções ou papéis. Pode funcionar como
cialização da propriedade, tomada no sen- um bem destinado à moradia, ou para a sub-
tido de produção de efeitos para toda a soci- sistência de quem mora no campo, ou para
edade. (DUGUIT, 1975, p. 240). o exercício de atividade econômica. Também
Nessa perspectiva, o conteúdo do direi- funciona como reserva de valor, como ocor-
to de propriedade, por ser conferido pelo re nos países de tradição ibérica, nos quais
Estado, poderia ficar sujeito à consecução as pessoas adquirem “bens de raiz” para
de determinados fins definidos pela ordem investirem suas economias.
jurídica. Por essa razão, é possível exigir do O significado de função social como fi-
titular desse direito o atendimento a um con- nalidade social está caracterizado no art. 5 o
junto de deveres positivos e negativos em da Lei de Introdução ao Código Civil (Dec-
face da comunidade. Dessa maneira, “o pro- Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942), o
prietário não tem o direito subjetivo de usar qual estabelece que “na aplicação da lei, o
a coisa segundo o arbítrio exclusivo de sua juiz atenderá aos fins sociais a que ela se
vontade, mas o dever de empregá-la de acor- dirige e às exigências do bem comum”.
do com a finalidade assumida pela norma O Código Civil de 2002 estabelece no art.
de direito objetivo”. (COSTA, 1997, p. 32). 187 o seguinte: “Também comete ato ilícito
Porém, surge a dificuldade de determi- o titular de um direito que, ao exercê-lo, ex-
nar o conteúdo dos deveres positivos, de- cede manifestamente os limites impostos
correntes da função social do instituto jurí- pelo seu fim econômico e social, pela boa-fé
dico. Porém, como assevera Orlando Gomes ou pelos bons costumes”. E o art. 1.228, § 1 o,

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primeira parte, estabelece que “o direito de as demais pessoas, que não sejam proprie-
propriedade deve ser exercido em conso- tárias desse bem, devem sujeitar-se a esse
nância com as suas finalidades econômi- fato.
cas e sociais”. Como aponta Harold Demsetz (p. 354-
O segundo significado, usado em senti- 357), o direito de propriedade existe para
do estrito, é o de serviço realizado em bene- que os recursos sejam usados de forma efi-
fício de outrem. A função indica relação en- ciente. Ele dá o exemplo de uma área desti-
tre duas pessoas, sendo que uma delas age nada à agricultura. Uma pessoa prepara a
ou presta um serviço em benefício da outra. terra, semeia e aguarda por meses o momen-
Nesse sentido, o termo “função social” rela- to da colheita. Se não houvesse direitos de
ciona-se com o seu sentido etimológico, do propriedade, qualquer um poderia apare-
latim functio, de fungi (exercer, desempe- cer na época da colheita e levar embora toda
nhar), que significa o direito ou dever de agir, a produção. Em vista disso, o agricultor não
atribuído ou conferido por lei a uma pes- tem garantias de que vai encontrar sua la-
soa, para assegurar o preenchimento de uma voura incólume. O risco de usar a terra para
missão. (SILVA , 1963, p. 722-723). Na tute- a agricultura será alto demais. Desse modo,
la, por exemplo, o tutor exerce uma função, direitos de propriedade fracos geram inefi-
que é a de agir no interesse do tutelado. O ciência na utilização de recursos.
administrador de uma empresa exerce seu Por outro lado, a exclusão de todas as
cargo em benefício dos sócios ou dos acio- pessoas do acesso aos bens do titular do
nistas. O funcionário público é uma pessoa direito de propriedade pode causar uma si-
cuja profissão é prestar um serviço em nome tuação injusta. Enquanto uma pessoa se
do Estado. beneficia do uso, ainda que não esteja cau-
No caso da função social, o “funcioná- sando dano a outrem, muitas outras pesso-
rio” é o titular do direito; o beneficiário da as podem estar sendo privadas do acesso
relação funcional é a sociedade. Consiste na aos bens, como alimentação, moradia e ves-
exigência de que o exercício de seu direito tuário.
seja também uma prestação de serviço em O instituto da função social constitui
benefício da sociedade, ou ainda, consiste uma “solução de compromisso” entre esses
na imposição de deveres para quem exerce interesses em conflito. Permite-se o exercí-
determinado direito; daí falar-se que a fun- cio de determinado direito, mas pode-se exi-
ção social é um “poder-dever”. De um lado, gir que esse exercício seja socialmente útil.
o titular do direito subjetivo tem direito – Portanto, nesse sentido, a essência do termo
isto é, tem um poder, uma faculdade – em “função social” implica compensação, a
face de uma pessoa, da sociedade ou do pró- qual se dá por meio da realização de deve-
prio Estado. Estes têm a obrigação de sujei- res de ação ou de abstenção por parte do
tar-se a esse poder, de respeitar esse espaço titular de um direito subjetivo.
de liberdade do titular do direito subjetivo. O uso de uma propriedade rural, por
De outro lado, o titular do direito subjetivo exemplo, como reserva de valor não atende
também é obrigado a cumprir com determi- à função social, enquanto o seu emprego no
nados deveres de ação e abstenção em face exercício de atividade econômica, ao pro-
de terceiros. Surge, pois, para o indivíduo, duzir alimentos, atende à função social. Por
um feixe de deveres que devem ser observa- isso, a Constituição Federal tem normas que
dos no exercício de determinado direito. estabelecem qual o conteúdo da função so-
Em relação ao direito de propriedade, o cial da propriedade urbana e rural:
proprietário tem o poder de usar, fruir e dis- “Art. 186. A função social é cumprida
por de um bem, bem como não ser impedido quando a propriedade rural atende,
de exercer aqueles direitos. Ou seja, todas simultaneamente, segundo critérios e

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graus de exigência estabelecidos em ordenação da cidade expressas no plano
lei, aos seguintes requisitos: diretor”.
I – aproveitamento racional e ade- Por isso, Stefano Rodotà (apud ALPA;
quado; BESSONE, 1980, 243-244) sustenta que nem
II – utilização adequada dos recur- todos os bens teriam função social. Ele faz a
sos naturais disponíveis e preserva- distinção entre bens de consumo e bens de
ção do meio ambiente; produção, e que somente estes últimos teri-
III – observância das disposições am função social. Assim, objetos de uso pes-
que regulam as relações de trabalho; soal, ou o imóvel destinado à moradia, não
IV – exploração que favoreça o bem- teriam função social, enquanto o maquiná-
estar dos proprietários e dos trabalha- rio de uma indústria teria função social.4 O
dores.” conceito de função social da propriedade
O Código Civil, ao tratar da função soci- fica, pois, absorvido pelo conceito de fun-
al da propriedade, exige que o exercício do ção social da empresa.
direito de propriedade seja compatível com O terceiro significado de função social,
a preservação da flora, fauna, belezas natu- usado de maneira imprópria, é o de “res-
rais, equilíbrio ecológico, patrimônio histó- ponsabilidade social”. Nesse caso, que apa-
rico e artístico, bem como evitada a polui- rece relacionado à função social da empre-
ção do ar e das águas. (CC, art. 1228, § 1 o). sa, é o de atribuição de deveres não relacio-
Em relação à empresa, ao mesmo tempo nados com a atividade da empresa, tais
em que a livre iniciativa é um valor funda- como auxiliar na preservação da natureza,
mental da ordem econômica (CF, art. 170), no financiamento de atividades culturais,
porque seu exercício é socialmente útil, exi- ou no combate de problemas sociais, como
ge-se do empresário o exercício da ativida- o trabalho e prostituição infantis.
de econômica de forma não nociva à comu-
nidade. Impõem-se limites a esse direito, 4. A função social do contrato
como o dever de não ferir a dignidade dos
trabalhadores, nem prejudicar a concorrên- A função social do contrato consiste em
cia, o consumidor ou o meio ambiente de uma transposição do instituto da função
forma indiscriminada. social da propriedade para o âmbito con-
Um problema do conceito de função so- tratual. A função social do contrato recebeu
cial em sentido estrito está em estabelecer se destaque dentro do título que cuida dos con-
todos os bens teriam função social – e, como tratos em geral. Está prevista no art. 421 do
será posteriormente discutido, se todos os Código Civil:
contratos têm função social. Isso porque, “Art. 421. A liberdade de contratar
sobretudo em relação à propriedade, encon- será exercida em razão e nos limites
tram-se dificuldades em visualizar uma fun- da função social do contrato.”
ção social para com bens de uso pessoal, Parece ser uma criação do direito brasi-
duráveis ou consumíveis. Por exemplo, é leiro, porque nem os códigos civis europeus
difícil apontar qual a função social do imó- nem os códigos civis latino-americanos têm
vel usado para sua moradia e de sua famí- disposição semelhante. O único código ci-
lia, do automóvel, das roupas, dos eletrodo- vil que tem uma regra cuja estrutura lembra
mésticos. Tanto que a Constituição Federal o art. 421 do Código Civil é o Código Civil
de 1988 não foi capaz de dizer qual é a fun- italiano de 1942, cujo art. 1.322 tem a se-
ção social da propriedade urbana. O art. 182, guinte redação: “As partes podem livremen-
§ 2 o, tem a seguinte redação: “A proprieda- te determinar o conteúdo do contrato den-
de urbana cumpre sua função social quan- tro dos limites impostos pela lei (e das nor-
do atende às exigências fundamentais de mas corporativistas)”. O controle da liber-

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dade contratual é feito apenas pela lei, pos- Essa se torna uma concessão do Estado para
to que foram abolidas do direito italiano as o indivíduo. Fala-se em autonomia priva-
normas corporativistas do regime fascis- da, no sentido de ser uma espécie de “com-
ta. A função social do contrato, portanto, petência legislativa” conferida aos indiví-
tem por objeto restringir a liberdade de duos para que celebrem negócios jurídicos,
contratar. no sentido de ato capaz de criar, modificar e
O fundamento da existência da função extinguir direitos. Por isso, o Estado pode,
social do contrato é a dignidade da pessoa em tese, não conferir nenhuma autonomia
humana. No entanto, essa afirmação não ao indivíduo. Pode ocorrer de o Estado con-
passa de mera tautologia, porque é mais que ceder a liberdade de forma controlada, dan-
evidente que os institutos jurídicos têm fun- do ao indivíduo a opção de escolher uma
damento na dignidade da pessoa humana. entre várias normas previamente estabele-
Com efeito, a função social do contrato é cidas pelo direito. Por exemplo, poder-se-ia
apenas mais um instrumento de aplicação estabelecer que somente são válidos os con-
de justiça ao caso concreto, conforme se verá tratos típicos.
abaixo. Numa concepção ampla da autonomia
Assim, para compreender a função soci- privada, o Estado pode conferir liberdade
al do contrato, é preciso analisar quais são de contratar os indivíduos; porém pode im-
as visões existentes sobre a liberdade de por determinados “encargos” ao exercício
contratar, para, em seguida, compreender dessa liberdade. Nesse caso, o conteúdo da
de que maneira a função social agirá so- liberdade seria “positivo”. Os Estados que
bre a mesma. estabeleciam como um de seus fins a solida-
Existem duas visões sobre a liberdade riedade social optavam por esse tipo de
contratual: a visão realista, e a visão legalis- autonomia privada. Na explicação de
ta. A visão realista da liberdade contratual Giuseppe D’Eufemia (1942, p. 10-11):
é aquela segundo a qual a liberdade de con- “No Estado corporativo, a auto-
tratar é inerente ao indivíduo. Nessa visão, nomia privada é portanto conforma-
o indivíduo é capaz de se autodeterminar, da de modo que esta se manifeste em
no sentido de estabelecer para si mesmo uma função dos interesses nacionais: a ini-
conduta determinada e cumpri-la. Foi Kant ciativa individual e a capacidade de
(2003, p. 79) quem sustentou o fundamento auto-regramento dos próprios interes-
da obrigação da conduta ética ser a autono- ses são reconhecidos aos privados,
mia da vontade, a qual, por sua vez, decor- mas ao mesmo tempo são predispos-
ria da liberdade humana. tos limites de controle que rendem a
Nessa perspectiva, o direito pode ape- autonomia privada um instrumento
nas reconhecer que a vontade humana é fon- de consecução de determinados fins
te de direito objetivo. (D’EUFEMIA, 1942, p. do Estado”.
12). Resta ao direito apenas tutelá-la, garan- Por fim, o Estado pode conferir aos indi-
tindo-a, como no caso do ato jurídico perfei- víduos poder para se auto-regrarem, con-
to, ou então, assegurando exeqüibilidade à tanto que não estejam em contradição com
promessa feita por meio da vontade livre. determinados preceitos estabelecidos pelo
Nessa perspectiva, o direito contratual é o próprio direito, ou seja, uma liberdade “ne-
direito que tem por objeto a promessa, ga- gativa”. Nesse sentido, o art. 1.322 do Códi-
rantindo coercitivamente o cumprimento do go Civil italiano e o art. 187 do Código Civil
que foi prometido. brasileiro.
Por sua vez, a visão legalista da liberda- De acordo com essas perspectivas de li-
de de contratar consiste no fato de que essa berdade, conclui-se que a função social, no
somente existe porque o direito a confere. sentido de finalidade social, corresponde à

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concepção negativa de liberdade de contra- a redação sugerida não seria capaz de solu-
tar; se o instituto jurídico for usado da for- cionar o problema decorrente da impreci-
ma como foi criado e produzir os efeitos que são do termo. (IMPRENSA NACIONAL,
dele se espera, sem causar dano a outrem, 1983, p. 637). 5
cumpre-se a função social. Em junho de 2002, a Câmara dos Depu-
Por sua vez, a função social em sentido tados organizou o Seminário “Novo Códi-
estrito corresponde à visão positiva da li- go Civil Brasileiro – O que muda na vida do
berdade de contratar, porque essa impõe a cidadão”. Nessa ocasião, o Professor
busca de determinados fins. Não basta que Antonio Junqueira de Azevedo apontou fa-
o instituto jurídico produza os efeitos que lhas na redação do art. 421, no sentido de
dele se espera, e que não cause dano a ou- ser indesejável estabelecer que a liberdade
trem. Requer-se, além de tudo isso, a conse- de contratar será exercida em razão da fun-
cução de determinados resultados ou de ção social do contrato. Para ele, a redação
vantagens concretas para a sociedade. atual permite entender que a liberdade será
Assim, na concepção negativa de liber- exercida não em razão dos interesses do
dade, tem-se que a liberdade de contratar é contratante limitado pela função social,
exercida nos limites da função social do con- transformando essa liberdade numa espé-
trato. Na concepção positiva de liberdade, a cie de dever de funcionário.
liberdade de contratar é exercida em razão O Conselho da Justiça Federal organi-
da função social do contrato. zou em setembro de 2002 a I Jornada de Di-
No direito brasileiro, o art. 421 tem uma reito Civil, na qual foram proferidos 137
redação contraditória, pois estabelece, ao enunciados para a interpretação do Código
mesmo tempo, tanto a concepção negativa, Civil de 2002. Em relação à função social do
quanto a concepção positiva de liberdade, contrato, foram proferidos os enunciados n o
já que a liberdade de contratar será exercida 21, 22 e 23:
nos limites (concepção negativa) e em razão “21 – Art. 421: a função social do con-
(concepção positiva) da função social do trato, prevista no art. 421 do novo Có-
contrato. digo Civil, constitui cláusula geral, a
O art. 421 foi objeto de crítica durante a impor a revisão do princípio da rela-
fase de tramitação do projeto de lei que re- tividade dos efeitos do contrato em
sultou no Código Civil. O então deputado relação a terceiros, implicando a tute-
Tancredo Neves propôs a Emenda no 371, la externa do crédito.
que sugeria a alteração da redação deste 22 – Art. 421: a função social do con-
artigo, a seguir: “Ao interpretar o contra- trato, prevista no art. 421 do novo Có-
to e disciplinar a sua execução, o juiz aten- digo Civil, constitui cláusula geral, que
derá à sua função social”. (IMPRENSA reforça o princípio de conservação do
NACIONAL, 1983, p. 254). contrato, assegurando trocas úteis e
A razão apontada por Tancredo Neves justas.
foi a de que, “fora dos limites da função so- 23 – Art. 421: a função social do con-
cial do contrato, não pode ser exercida a li- trato, prevista no art. 421 do novo Có-
berdade de contratar”. Isso porque “o con- digo Civil, não elimina o princípio da
ceito de função social do contrato é impreci- autonomia contratual, mas atenua ou
so”, afetando fundamente a liberdade de reduz o alcance desse princípio quan-
contratar e causando insegurança aos ne- do presentes interesses metaindividu-
gócios. A emenda no 371 foi rejeitada por- ais ou interesse individual relativo
que o art. 421 seria correspondente à função à dignidade da pessoa humana.”
social da propriedade, prevista no art. 160, Por meio desses três enunciados, cons-
III, da então Constituição de 1969, bem como tata-se que ora se entende a função social

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como finalidade social, ora como função tência de objeto lícito, ou, em determinados
social em sentido estrito, tal como a função códigos, que o objeto também não seja imo-
social da propriedade. ral ou ofenda os bons costumes.
É preciso, pois, esclarecer em que casos O primeiro exemplo de ilicitude do obje-
a função social do contrato manifesta-se to (que também é caso de objeto imoral) é a
como finalidade social, e em que casos ela proibição da venda de sangue e órgãos hu-
se manifesta como “poder-dever” do con- manos. O Estado não admite a compra-e-
tratante. venda; somente a doação. Essa proibição
visa evitar que pessoas morram por não te-
5. A função social do contrato rem dinheiro para adquirirem um órgão, o
em sentido amplo que seria uma afronta à dignidade da pes-
soa humana. Por isso, caso ocorra uma com-
Como mencionado acima, a função soci- pra-e-venda de órgãos, a circulação desta
al do contrato como finalidade social relaci- não ocorre da forma que se esperava; daí a
ona-se com a concepção negativa de liber- nulidade do negócio, ou, em outros termos, o
dade de contratar. direito não atribui a esse negócio os efeitos
O direito procura assegurar que o uso jurídicos necessários à sua concretização.
correto da disciplina da liberdade é neces- Outra forma de controle do contrato por
sário por dois motivos. O primeiro deles é meio do objeto do negócio consiste no uso
que o exercício da liberdade pode ser abusi- de normas de ordem pública.
vo, e causar danos aos demais indivíduos, A ordem pública consiste no conjunto
o que é socialmente indesejável. O segundo de valores necessários à manutenção da
motivo é que os recursos materiais não es- sociedade. (FARIA, 1980, p. 11). As normas
tão disponibilizados igualmente para todos, de ordem pública são aquelas que ora im-
o que requer um equilíbrio de interesses entre põem uma conduta por parte do indivíduo,
quem tem acesso aos bens e quem não tem ora impõem uma proibição a esse, conforme
acesso aos mesmos por meio do contrato. o caso, de modo a assegurar a ordem públi-
O contrato é um instituto jurídico cuja ca. (SANTOS, [19 - -?], p. 247). Por essa ca-
função – entendida como finalidade – é a de racterística, não podem ter sua eficácia afas-
promover a circulação e distribuição dos tada por disposição das partes.
direitos de propriedade entre os indivíduos O contrato de trabalho subordinado,
de uma sociedade. Tanto em contratos de antigamente sujeito às normas do contrato
interesses contrapostos, como é o caso da de locação de serviços, tornara-se um ins-
compra-e-venda, quanto nos contratos de trumento de escravização das pessoas. Com
interesses convergentes, como no contrato o passar do tempo, inúmeras normas de or-
de sociedade, ocorrerá a circulação e distri- dem pública surgiram para a proteção do
buição de bens de acordo com o estipulado trabalhador, como o estabelecimento de sa-
pelos indivíduos ou pelo direito. A razão é lário mínimo, oferecimento de condições
que uma eficaz circulação de direitos de pro- salubres de trabalho, entre outros. Foram
priedade entre as pessoas é socialmente de- tantas normas nesse sentido, que surgiu um
sejável, pois esse fenômeno é que produz as novo ramo do direito: o direito do trabalho.
riquezas em uma determinada sociedade. Outro exemplo é a compra-e-venda. Se
Quando a circulação dos direitos é feita alguém vende uma casa para outra pessoa,
de forma inadequada, o direito fornece o único interesse social envolvido nesse ne-
“remédios” para que se possa corrigir essa gócio é que ocorra uma boa circulação do
situação. direito de propriedade. Mas, se uma compra-
Os códigos civis estabelecem como requi- e-venda de uma casa for entre ascendente e
sito de validade do negócio jurídico a exis- descendente sem a concordância dos demais

Brasília a. 42 n. 168 out./dez. 2005 205


descendentes e do cônjuge, aí sim o Estado crédito por essas pessoas é extremamente
interfere na relação, por meio do direito, per- oneroso. Diversas estatísticas publicadas
mitindo a anulação do contrato ao descen- demonstram que o índice de inadimplemen-
dente que se sentir prejudicado (CC, art. to entre essas pessoas é muito baixo, ou seja,
496). Pois, ao negar-se a possibilidade dos pagam-se rigorosamente em dia as suas obri-
demais descendentes de impedir um negó- gações. No entanto, a taxa de juros cobrada
cio que lhes será desfavorável no futuro, dessas pessoas é muito alta, em torno de 10%
impede-se a melhor circulação do direito de a 15% ao mês. A situação normal é que quan-
propriedade. to maior o risco, maior o lucro; quando há
A recusa de contratar e a venda casada baixo risco e altos lucros, é indicação de que
são exemplos em que uma das partes abusa há anormalidade no contrato. Logo, esses
da liberdade de contratar, seja ao impedir a contratos não cumprem sua função social.
circulação de bens e serviços, seja ao impor
a circulação dos mesmos. Afinal, não se de- 6. A função social do contrato
seja que existam dificuldades de circulação em sentido estrito
de bens ou serviços, ou que se impeça o aces-
so a estes; ademais, não se deseja que essa A função social do contrato em sentido
circulação seja feita em sacrifício da vonta- estrito está diretamente relacionada com a
de da outra parte. As cláusulas abusivas dos produção de externalidades no exercício de
contratos são exemplos de violação da fun- determinado direito. A ciência econômica
ção social do contrato, porque consistem em usa o termo “externalidades” para desig-
distorções do modo por que circulam os di- nar as perturbações causadas a terceiros,
reitos entre as pessoas. Essas cláusulas cos- pela impossibilidade de definir exatamente
tumam exigir mais vantagens para uma das os limites de um determinado direito, isto é,
partes, em prejuízo da outra, devido à desi- não é possível impedir que o exercício de
gualdade de poderes na relação contratual. um direito interfira no direito das demais
Pelo fato de que essa vantagem obtida é pessoas.
“anormal”, pois um contrato não é instru- Imagine-se um imóvel que tenha no piso
mento de enriquecimento sem que tenha térreo uma oficina mecânica, e no primeiro
sido realizada uma contrapartida. Nesse andar, um consultório médico. (COASE,
sentido, o direito brasileiro tem os institutos 1960). A oficina produz uma quantidade de
da lesão (CC, art. 157) e da resolução por ruído que atrapalha a concentração do mé-
onerosidade excessiva (CC, arts. 478-480). dico no atendimento aos pacientes. A ativi-
A função social do contrato, entendida dade do mecânico é uma externalidade para
como finalidade social, está presente em to- o médico, assim como a exigência do médi-
dos os institutos jurídicos. Existem diver- co de obrigar o mecânico não produzir ruí-
sos “remédios” jurídicos que asseguram o do é uma externalidade para este. Ou ainda
cumprimento da função social do contrato. a poluição gerada por uma indústria nas
Por isso, a função social do contrato, previs- redondezas. Pode ocorrer de ser impossível
ta no art 421 do Código Civil brasileiro, apli- a não produção de poluição, de tal modo
ca-se de forma residual, nos casos em que que o uso máximo dos atributos de um bem
não previsto um determinado remédio para causará uma redução das qualidades de
o problema de má circulação dos direitos de outros bens. A solução adotada pelo direito
propriedade entre partes. Aliás, esse é o es- é impor compensações aos prejudicados
pírito das cláusulas gerais do Código Civil. pelo exercício do direito do causador da ex-
Um exemplo é a concessão de crédito às ternalidade.
pessoas de baixa renda por instituições fi- Como se pode perceber nos exemplos
nanceiras privadas no Brasil. O acesso ao acima, a provocação de externalidades de-

206 Revista de Informação Legislativa


correntes do exercício de um direito se dá manifestados, que tenham por objeto ou
com freqüência no caso dos direitos absolu- possam produzir os seguintes efeitos, ain-
tos, exercidos erga omnes. No entanto, isso é da que não sejam alcançados: I – limitar,
mais difícil ocorrer com o contrato, porque falsear ou de qualquer forma prejudicar a
sua estrutura se desenvolveu para que so- livre concorrência ou a livre iniciativa; II –
mente as partes que o celebram obtenham dominar mercado relevante de bens ou ser-
efeitos jurídicos decorrentes do mesmo. Não viços; III – aumentar arbitrariamente os lu-
é um instituto jurídico destinado à produ- cros; IV – exercer de forma abusiva posição
ção de efeitos para terceiros. Isso porque o dominante”. O art. 21 discrimina as condu-
fundamento da liberdade de contratar é a tas que configuram infração à ordem econô-
autonomia da vontade, isto é, só é possível mica, caso produza qualquer dos efeitos ti-
a existência de obrigação quando a própria pificados no art. 20 e seus incisos. Algumas
pessoa se impõe esse compromisso, o qual, dessas condutas previstas no art. 21 visam
se não cumprido, pode ser exigido coerciti- assegurar a função social do contrato.
vamente com fundamento em uma norma Isso porque a lei não admite que a liber-
jurídica a qual estabelece a obrigação de dade de contratar seja feita em prejuízo
cumprir os compromissos que assumiu pe- da sociedade.
rante a outra parte. Dessa forma, quem não Por exemplo, a formação de acordo para
participa da relação contratual não se com- a obtenção de conduta comercial uniforme
prometeu a nada, e, por isso, não está sujei- ou concertada entre concorrentes, tal como
to a quaisquer efeitos jurídicos decorren- prevista no inciso II do art. 21, pode ser um
tes dessa relação contratual. A isso se dá meio para a obtenção de melhores resulta-
o nome de princípio da relatividade das dos econômicos para as partes do mesmo.
obrigações. O franchising consiste em uma rede de con-
No entanto, há situações em que o exer- tratos entre o franqueador e o franqueado,
cício de um direito relativo, como o direito por meio dos quais o franqueador, detentor
de celebrar contratos, pode produzir exter- de uma tecnologia própria para a fabrica-
nalidades à comunidade. No direito brasi- ção de produtos ou prestação de serviços, e
leiro, o direito concorrencial e o direito agrá- de uma marca com boa reputação no merca-
rio têm essa função. do, permite ao franqueado beneficiar-se des-
O direito concorrencial, entre outras coi- ses bens, mediante remuneração e exclusi-
sas, zela para que a celebração de determi- vidade na comercialização dos produtos e
nados contratos entre empresas que afetam serviços relacionados ao objeto do contrato.
a organização dos mercados, tais como a Dessa maneira, surge uma cooperação en-
aquisição de uma empresa por outra, joint tre diversos agentes econômicos. As socie-
ventures, franchising e sociedades cooperati- dades cooperativas também podem produ-
vas, não produza externalidades no mer- zir o mesmo efeito econômico, de ação con-
cado. certada entre concorrentes. Contudo, quan-
A Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, do a ação concertada produzir efeitos pre-
prevê dois tipos de controle para a preser- judiciais à concorrência ou aos consumido-
vação da concorrência: o controle de con- res, a Lei veda a continuação desse acordo,
dutas e o controle da organização industrial. ainda que não haja dolo por parte das par-
O controle de condutas que constituem tes do mesmo.
infração à ordem econômica é feito em con- O exemplo mais interessante é o contro-
junto pelos arts. 20 e 21 da Lei n o 8.884. le prévio da organização econômica de um
O art. 20 estabelece que “constituem in- determinado mercado. O art. 54 da Lei no
fração da ordem econômica, independente- 8.884 impõe, ao Conselho Administrativo
mente de culpa, os atos sob qualquer forma de Defesa Econômica – CADE, o julgamen-

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to dos “(...) atos, sob qualquer forma mani- que sofrerá por força das externalidades. Nes-
festados, que possam limitar ou de qualquer sa perspectiva, a liberdade de contratar será
forma prejudicar a livre concorrência, ou exercida na acepção “positiva” do termo.
resultar na dominação de mercados relevan- O segundo exemplo, lembrado durante
tes de bens ou serviços”. os trabalhos do 1 o Congresso Ítalo-Luso-Bra-
Nesse caso, a aquisição de uma empresa sileiro de Direito Civil Comparado, é o di-
ou por sua concorrente, ou por seu fornece- reito agrário brasileiro. Tendo em vista que
dor ou de quem é fornecedora, ou a forma- a exploração de atividade agropecuária
ção de uma empresa em que figure como pode comprometer a preservação ambien-
sócios concorrentes em um determinado tal, a Lei no 4.504, de 30 de novembro de
mercado (p. ex. joint ventures) somente poderá 1964 (Estatuto da Terra), e o Decreto no
ocorrer se as externalidades produzidas no 59.566, de 14 de novembro de 1966, impõem
mercado forem aceitáveis nos termos da lei. a conservação dos recursos naturais como
Tendo em vista a idéia de função social objeto dos contratos agrários:
como “compensação”, o § 1o do art. 54 da Lei n o 4.504
Lei n o 8.884 permite ao CADE autorizar es- “Art. 13 – Os contratos agrários regu-
ses atos de concentração previstos no caput lam-se pelos princípios gerais que re-
do art. 54, desde que atendam as seguintes gem os contratos de Direito comum,
condições: I – tenham por objetivo, cumula- no que concerne ao acordo de vonta-
da ou alternativamente: a) aumentar a pro- de e ao objeto, observados os seguin-
dutividade; b) melhorar a qualidade de bens tes preceitos de Direito Agrário:
ou serviços; c) propiciar a eficiência e o de- (...)
senvolvimento tecnológico ou econômico; II III – obrigatoriedade de cláusulas
– os benefícios decorrentes sejam distribuí- irrevogáveis, estabelecidas pelo IBRA,
dos eqüitativamente entre os seus partici- que visem à conservação de recursos
pantes, de um lado, e os consumidores ou naturais;”
usuários finais, de outro; III – não impliquem Decreto n o 59.566
eliminação da concorrência de parte subs- “Art 13. Nos contratos agrários, qual-
tancial de mercado relevante de bens e ser- quer que seja a sua forma, contarão
viços; IV – sejam observados os limites estri- obrigatoriamente cláusulas que asse-
tamente necessários para atingir os objeti- gurem a conservação dos recursos
vos visados. O § 2 o do art. 54 permite a apro- naturais e a proteção social e econô-
vação de atos de concentração, desde que mica dos arrendatários e dos parcei-
atendidas pelo menos três das condições ros-outorgados a saber (Art. 13, inci-
previstas nos incisos do § 1 o, quando neces- sos III e V da Lei n o 4.947-66);”
sários por motivos preponderantes da eco- Pode-se concluir que a função social do
nomia nacional e do bem comum, e desde contrato, tomada em sentido estrito, não está
que não impliquem prejuízo ao consumidor presente em todos os contratos. Somente é
ou usuário final. possível falar em função social quando a
Assim, o direito permite que contratos celebração de determinado contrato produ-
de aquisição, fusão, joint ventures, coopera- zir externalidades à sociedade. A compra-
tivas e franchising sejam realizados. Mas, por e-venda de um chocolate, ou de um automó-
outro lado, quando esses contratos produ- vel, não tem função social, porque terceiros
zem externalidades, exige-se que a socieda- não sofrerão efeitos desse contrato, mas a
de não seja prejudicada, ou, em determina- compra-e-venda de uma empresa tem fun-
dos casos, que a sociedade participe das ção social, porque isso pode afetar a organi-
vantagens da celebração desses contratos, zação dos mercados, e a vida das pessoas
como forma de compensação pelas perdas em geral.

208 Revista de Informação Legislativa


7. A função social do (‘Direito Econômico’, Saraiva, 1977).
contrato em sentido amplo A inalteralidade das convenções
na jurisprudência paulista (pacta sunt servanda) continua como
fator de segurança, mas a boa-fé con-
Foi visto acima a previsão legal da fun- tratual obriga o juiz a buscar o equilí-
ção social do contrato. Agora resta analisar brio pela finalidade do contrato, com
a aplicação jurisprudencial desse instituto, a sua adaptação às necessidades re-
e será a forma pela qual será dada a concre- ais do contratante socialmente mais
tude ao art. 421 do Código Civil. A jurispru- fraco. (...) Rejeitar a exigibilidade da
dência, sobretudo no Estado de São Paulo, cobrança seria transformar o seguro
vem enfrentando a questão da função soci- de natureza privada em assistência
al do contrato nos contratos em matéria de social, agindo o Judiciário como in-
planos de saúde. Entre 1998 a 2004, foram terventor nas relações econômicas
proferidos mais de cinqüenta acórdãos so- para colocar empresas particulares no
bre a mesma matéria. O problema enfrenta- exercício de funções que são próprias
do pelos tribunais é o seguinte: a pessoa do Estado”.
contrata um plano de saúde, que exclui por Porém, nos últimos anos, houve uma
via contratual a cobertura de tratamento de mudança de entendimento, no sentido de
cirurgias de redução de estômago, displa- tutelar o contrato com base na função social
sia mamária e AIDS, entre outros. do contrato.
Trata-se da contratação6 de um plano de Nesse caso a ser analisado 7, que ilustra
seguro-saúde, cujo contrato previa expres- a mudança de entendimento sobre o tema, a
samente a exclusão do tratamento de dis- autora da ação tinha obesidade mórbida
plasia mamária. A esposa do segurado ti- (seu índice de massa corpórea era superior
nha esse problema de saúde e foi operada. a 43) e processou o plano de saúde para au-
A companhia de seguros, sem saber que o torizar a cirurgia de redução de estômago.
motivo da cirurgia era a doença excluída Essa cirurgia não era cadastrada pela AMB
contratualmente, pagou pela mesma. Poste- – Associação de Médicos Brasileiros, e o
riormente, ingressou com ação contra o se- contrato entre a autora e o plano de saúde
gurado, para reaver o dinheiro pago ao hos- excluía a cobertura de procedimentos cirúr-
pital. O Tribunal condenou o segurado a gicos não classificados nos catálogos médi-
restituir à companhia de seguros o valor cos. O plano de saúde foi obrigado a autori-
pago pela cirurgia, com fundamento de que zar a cirurgia, com base na função social
prevalecia a livre autonomia das partes de dos contratos de planos de saúde:
excluir contratualmente a cobertura de de- “A autora, ora agravada, aderiu ao
terminadas doenças, posto que, em matéria plano com a agravante quando me-
de seguros, é lícita a exclusão de determina- nor, o que afasta a idéia de estar agin-
dos riscos, por serem tão graves ou exten- do com má-fé (como hipóteses de do-
sos, que podem comprometer o equilíbrio da enças pré-existentes ou de procedi-
mutualidade do seguro. mentos cirúrgicos de alto custo, como
Referência expressa à função social do transplante de medula óssea, por
contrato foi feita, mas, mesmo assim, não foi exemplo). Sempre pagou as presta-
aplicada ao caso concreto: ções para manter hígido o sistema
“A Turma Julgadora não está equilibado e o regime de custo benefí-
alheia a doutrina atual que prega uma cio. Agora, quando a urgência clama
nova função social do contrato, um pela ‘gastrologia redutora’, uma chan-
tema sedutor e muito bem analisado ce real de combate à obesidade mórbi-
por Orlando Gomes e Antunes Varela da, a recusa ao financiamento deve ser

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preponderante ao fator utilidade mé- 8. Precauções e critérios para a
dica e social da medida médica que aplicação da função social do contrato
se pretende realizar. Caso contrário,
não cumpre o contrato sua função Por fim, é preciso refletir sobre o alcance
social”. dos efeitos da função social do contrato, a
Ainda em casos de planos de saúde, tem- fim de evitar que a aplicação desse instituto
se proibido a rescisão unilateral de contra- possa-se revelar injusta, ainda que bem in-
tos cujo segurado seja pessoa com mais de tencionada.
sessente anos, porque o risco faz parte Constata-se que, na aplicação do concei-
desses contratos, e a rescisão consiste em to de função social do contrato, e em atendi-
violação da função social do contrato: mento à solidariedade social, a empresa
“O pressuposto ideológico do con- administradora do seguro-saúde e os demais
trato não é uma matriz vulnerável. Ao segurados foram obrigados a socorrer a uma
contrário: a base da operacionalida- das seguradas, estendendo-se a cobertura
de é justamente o cumprimento da do plano para a operação de obesidade
assistência médica sem discriminação mórbida. Em outras palavras, enquanto um
do conveniado, sem o que o ajuste per- dos segurados se beneficiou da cirurgia sem
de sua função social e passa a ser ca- contrapartida financeira, a empresa admi-
tegorizado como instrumento rentável nistradora e os outros segurados (que não
das entidades que exploram tais seg- tiveram acesso a esse benefício) tiveram que
mentos. O risco integra a comutativi- arcar para que apenas um dos segurados
dade, de sorte que é impossível res- tivesse acesso à mesma.
cindir o contrato pela presunção de Dessa forma, a aplicação do conceito de
que pessoa velha não oferece lucros, função social do contrato sem qualquer cri-
um absurdo que cumpre reprimir com tério faz com que esse instituto se converta
rigor”. (TJSP. Ap. Cível n o 82.043-4/0. em responsabilidade social da empresa (e
3 a Câmara de Direito Privado. Rel. Des. das demais pessoas). É um fato esse que con-
Enio Santarelli Zuliani. j. 01/02/ vém ao Estado, pois esse, por meio do uso
2000). de um termo carregado de significado (afi-
Nesse caso, a rescisão unilateral do con- nal quem é contra a função social do contra-
trato viola a função social do contrato, pois to?) poderá deixar de cumprir com suas obri-
se o segurado idoso realiza sua contraparti- gações, no sentido de não disponibilizar
da, pagando as mensalidades do plano de determinados serviços públicos. Se o Esta-
saúde, não há por que interromper o contra- do não existe para servir, então só se pode
to. Permitir a interrupção do contrato concluir que este se tornou um fim em si
implicaria uma má circulação dos serviços mesmo.
de atendimento médico. Por isso, nesse caso, No caso das autorizações para a reali-
a função social do contrato, aplicada resi- zação das cirurgias, verifica-se que a em-
dualmente, pode ser um instrumento útil presa de seguro-saúde, ao não cobrir deter-
para corrigir essa situação, tendo em vista minadas doenças, não está, dessa forma,
que não se pode falar em objeto ilícito, ou obtendo mais vantagens em prejuízo dos
ser possível aplicar outros institutos segurados. Ao contrário, a concessão des-
jurídicos. Porém, o aplicador da norma jurí- sas cirurgias a um dos segurados represen-
dica deve ficar atento à existência de tará uma desvantagem para a empresa, e
institutos jurídicos já previstos no direito para os demais segurados. Assim, estender
para a solução do caso concreto, e não a cobertura a apenas um segurado consiste
aplicar o art. 421 em toda e qualquer em enriquecimento sem causa, já que os de-
situação. mais segurados da mesma faixa etária esta-

210 Revista de Informação Legislativa


rão financiando um dos segurados, sem que contratual, a fim de compensar a sociedade
essa possibilidade lhes seja facultada. Ao dos efeitos que sofre decorrentes do contrato.
contrário, ainda que imbuído de boas inten- Assim, propõe-se um esquema de apli-
ções, pode-se fazer justiça em um caso me- cação do princípio da função social do con-
diante a provocação de injustiça às demais trato:
pessoas na mesma situação. Por isso mes- 1. O exercício da liberdade de contratar
mo, como medida de atendimento às neces- provoca externalidade à sociedade? Se não
sidades dos segurados e preservação do há, o contrato não tem função social; se sim,
equilíbrio contratual, promoveu-se a rees- impõe-se o dever de compensar a sociedade
truturação do setor. com fundamento na função social do con-
É possível, a partir dos exemplos acima, trato.
estabelecer um critério para a aplicação da 2. Verificar se o contrato está desequili-
função social do contrato em sentido am- brado para uma das partes.
plo: quando um dos contratantes obtiver 3. Verificar se o reequilíbrio da relação
vantagens injustificadas em um contrato, contratual implicará sacrifícios não relaci-
que implicar uma má circulação dos direi- onados com o contrato para a outra parte
tos de propriedade, e não houver um insti- (responsabilidade social da empresa, enri-
tuto jurídico próprio para a correção dessa quecimento sem causa). Se causar sacrifíci-
anomalia, aí sim se aplica a função social os, o contrato já cumpre sua função social.
do contrato. Do contrário, a aplicação da 4. Verificar se existe instituto jurídico
função social do contrato implicará enrique- destinado a corrigir o desequilíbrio contra-
cimento sem causa para a outra parte. tual. Se não houver instituto, aplica-se a fun-
Nos contratos analisados pelo CADE, ção social do contrato.
verifica-se a imposição de função social,
quando o contratante, ao exercer sua liber- 9. Conclusão
dade, estiver obtendo uma vantagem des-
proporcional em prejuízo da sociedade. Por A função social do contrato é um institu-
exemplo, a constituição de uma joint venture to jurídico destinado à realização de justiça
que configure cartel e fixe os preços de de- ao caso concreto. Trata-se de uma limitação
terminado produto ou serviço no valor mais à liberdade de contratar, para que, em senti-
alto possível. Fica evidente que haverá um do amplo, os institutos jurídicos produzam
aumento injustificado dos lucros em prejuí- seus efeitos regulares; em sentido estrito,
zo dos consumidores. Por isso, a lei autori- impõe deveres à liberdade de contratar,
za o CADE aprovar essa joint venture, con- quando o seu exercício provocar externali-
tanto que a sociedade possa-se beneficiar dades à sociedade.
desse contrato, como medida de justiça. Ou, Existem diversos institutos jurídicos que
quando isso não for possível, vetar a consti- asseguram a função social do contrato em
tuição da mesma. sentido amplo, entendida como finalidade
Logo, o critério para a aplicação da fun- social, como a lesão, a resolução por onero-
ção social do contrato em sentido estrito é o sidade excessiva, bem como as normas de
seguinte: a liberdade de contratar deve aten- ordem pública e a análise do objeto do con-
der à função social do contrato, somente trato. Por isso a aplicação do art. 421 do
quando o contratante estiver obtendo van- Código Civil é residual.
tagens injustificadas, porém lícitas, ou à A função social do contrato em sentido
custa da produção de externalidades. As- estrito está consagrada no direito concor-
sim, para compensar a sociedade pelas per- rencial e no direito agrário, que são ramos
das que sofre, a função social do contrato do direito que tratam de relações jurídicas
impõe deveres no exercício dessa liberdade cujo objeto é do interesse da coletividade,

Brasília a. 42 n. 168 out./dez. 2005 211


como o mercado e a exploração econômica explicitamente na Constituição e no Código Civil, o
do ambiente. Sua aplicação visa a compen- termo “função social do contrato” não foi especifi-
cado. Essa indeterminação de significado decorre
sar a sociedade dos efeitos que o contrato do fato de se ter consubstanciado a função social
pode causar a terceiros. Deve-se atentar para no Código Civil mediante o uso de uma cláusula
o fato de que a maior partes dos contratos geral. Essa opção pelo uso de cláusulas gerais é a
não causa externalidades a terceiros; mas segunda característica do texto do Código Civil de
quando isso ocorrer, aí sim se aplica o art. 2002. (REALE, 2003, p. 17).
6
TJSP. Ap. Cível no 27.433-4/8. 1 a Câmara de
421 do Código Civil. Férias. Rel. Des. Enio Santarelli Zuliani.Comarca de
Colocada como princípio de direito con- São Paulo J. 06/03/1998, Rel. Des. Enio Santarelli
tratual no Código Civil, deve ser aplicada Zuliani.
com cautela, pois a falta de critérios de sua 7
TJSP, Ag. Instrumento no 233.379-4/8. 3 a Câ-
aplicação pode implicar responsabilidade mara de Direito Privado. Rel. Des. Enio Santarelli
Zuliani. Comarca de S. Paulo. J. 26.02.2002.
social do indivíduo e das pessoas jurídicas,
a qual, do ponto de vista jurídico, compete
ao Estado, bem como enriquecimento sem
causa para quem da aplicação desse artigo Referências
se beneficiar.
AGUIAR JÚNIOR, Rui Rosado (Org.). Jornada de
direito civil. Brasília: [s.n.], 2002. Disponível em:
<http://www.cjf.gov.br/revista/enunciados/
Notas enunciados.asp>. Acesso em: 2005.

Em 1931, o Papa Pio XI lançou a Encíclica


1 ALEMANHA. Constituição (1919). Weimar Consti-
Quadragesimo Anno, a qual celebra os quarenta anos tution. [ S.l.: s.n., 199-?]. Disponível em: <http://
da Encíclica Rerum Novarum, e na qual se faz inic.utexas.edu/~bennett/ __344/ge-Weimar-
uma reinterpretação dessa última, de modo a Const.pdf>. Acesso em: 2005.
evidenciar que o Papa Leão XIII já falava em ALPA, Guido; BESSONE, Mario. Poteri dei privati e
função social. statuto della propriet: II storia, funzione sociale, pub-
2
Karl Renner (1870-1950) formou-se em direi- blici interventi. Padova: Cedam, 1980.
to, mas se tornou bibliotecário do Parlamento Aus-
tríaco em 1896, ocasião em que escreveu a obra AQUINO, Santo Tomás de. Se é justo o homem
sobre a função social dos institutos jurídicos. Pos- possuir coisas como suas . In: ______ . Suma
teriormente, tornou-se deputado, Chanceler e Mi- theologica. [S.l.]: B. Bros, 1947. Disponível em:
nistro das Relações Exteriores da Áustria entre 1918 <http://www.ccel.org/a/aquinas/summa/
e 1920. Foi Presidente da Assembléia de Deputa- SS/SS066.html#SSQ66OUTP1>. Acesso em:
dos da Áustria em 1933. Com o fim do III Reich 2005.
Alemão, organizou o governo provisório da Áus- BRASIL. Câmara dos Deputados. O que muda na
tria. Novamente foi Chanceler, e em 1945 tornou-se vida do cidadão. In: SEMINÁRIO NOVO CÓDIGO
Presidente da Áustria. CIVIL BRASILEIRO, Brasília, 2002. Código civil
3
O Código Civil de 2002 usa uma única vez o parte 1. Disponível em: <http://www.camara
termo “função” como finalidade: “Art. 420. Se no .gov.br/Internet/ouvidoria/CodigoCivil1/1par-
contrato for estipulado o direito de arrependimen- tecodigocivil .html>. Acesso em: 2005.
to para qualquer das partes, as arras ou sinal terão
função unicamente indenizatória. Nesse caso, quem ______ . Constituição (1988). Constituição da Re-
as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e pública Federativa do Brasil. Brasília: Senado Fe-
quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. deral, 2002.
Em ambos os casos, não haverá direito a indeniza-
______. Novo código civil (2002): exposição de mo-
ção suplementar”. (grifos nossos)
tivos e texto sancionado. Brasília: Senado Federal,
4
Anos mais tarde, essa distinção entre bens de
2002.
produção e bens de consumo para a atribuição de
função social foi sutentada por Fábio Konder ______. Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de
Comparato (1986, p. 71-79). 1942. Estabelece lei de introdução ao código civil
5
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