Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Tem sido uma preocupação constante dos educadores, hoje, e em especial dos orien-
tadores educacionais, analisar e estudar a serviço de quem e para quem serve a orien-
tação educacional. À medida que esta especialização sofreu uma transformação em
seus conceitos, parece-nos necessário refletir sobre esta área, partindo dos próprios
conceitos que a caracterizam em seus diferentes momentos históricos para que pos-
samos tentar responder às indagações levantadas no início do artigo.
b) período institucional, subdividido nos períodos funcional (de 1942 a 1950) e ins-
trumentai (de 1951 a 1960);
Orientação 97
o período funcional apresenta a organização e o funcionamento da orientação. Nes-
se período, o conceito de orientação estava diretamente relacionado com um cará-
ter corretivo, isto é, dever-se-ia tratar o aluno nos seus diferentes campos: saúde,
educação, fam ília etc. A partir da década de 50 (período instrumental) começa a
tomar vulto o caráter preventivo, isto é, pretendeu-se estender-se a orientação a to-
dos os alunos da escola, na busca da prevenção de desajustes ou comportamentos
tidos como insatisfatórios. Esse conceito percorreu até a década de 60, ratificada
com as características da orientação que eram: extensiva, contínua e dinâmica. Foi
a época áurea das "sessões de grupo" onde o orientador, imbuído dos melhores co-
nhecimentos, reunia-se com a sua turma e através, principalmente, das técnicas de
dinâmic.a de grupo, discutia e analisava os problemas da: liderança, responsabilidade,
relacionamento, agressão, frustração etc.
Cabe aqui lembrar as palavras do Prof. Celso Suckow: "Um dos aspectos que mais
impressiona a quem percorre o texto da Lei Orgânica do Ensino Industrial é aquele
referente à orientação educacional. Pela primeira vez, no Brasil, introduziam-se em
escolas industriais federais aqueles cuidados com os alunos. Agora já não se tratava
mais de apenas instruir a juventude para as fábricas, ensinando-lhe um ofício ou
um grupo de ofícios da mesma família; visava-se a um fim mais elevado, pois que
se desejava acompanhar a sua formação intelectual e espiritual de modo a ajustar
os jovens à sociedade em que vivemos, tornando-os úteis ao seu país e compene-
trados de seus deveres morais e. sociais como homens e trabalhadores. Passava-se,
assim, da simples instrução ao problema mais geral da educação" (Fonseca, 1961,
p.267-8).
O período instrumental caracteriza-se pelo apoio que a orientação recebeu (ou ten-
tou receber) dos órgãos governamentais, procurando a definição ou a caracterização
de sua área. Nesse sentido há que se destacar o Simpósio de Orientação Educacio-
nal, realizado em 1957, por iniciativa do Ministério da Educação e Cultura, que
convocou em julho daquele ano uma reunião de educadores e especialistas para que
opinassem sobre a situação atual da orientação educacional.
98 Forum4/86
de estava inserida, visto que ela era considerada apenas como "( ... ) meio de aliviar
a direçio dos estabelecimentos do ensino médio duma sobrecarga insuportável, atra-
vés da descentralização de alguns dos seus serviços. Nesse caso, se atribui aos orien-
tadores uma função disciplinadora da conduta escolar dos educandos ou, então, a
tarefa de desenvolver a vida social dos mesmos e sua adaptação à comunidade estu-
dantil. Outros, ainda, encarregam os orientadores da direção dos estudos dos alunos,
identificando-os como simples explicadores de aulas ou repetidores" (Lippmann,
1978, p. 19).
A orientação procurando esse equil íbrio, não se firmou, entretanto, como provoca-
dora dessas necessidades, mas como precursora de uma especialização que pretendia
prevenir desajustes e problemas.
Interessante observar que todas as características eram reforçadas por jargões peda-
gógicos, tais como: facilitação para mudança, orientação para opções conscientes,
descoberta das potencialidades individuais etc. Entre os aspectos da orientação ca-
racteriza-se a assistência ao aluno, individualmente ou em grupo, sempre visando o
desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade do aluno.
Orientação 99
do orientador, mas não suficiente ... Toda uma antropologia filosófica está, assim,
implicada pela açlJo do orientador educacional ... na medida em que o ajustamento
do educando é função do ambiente sócio-cultural em que se inscreve a sua persona-
lidade. A orientação supõe, também, conhecimento de sociologia e mesmo de antro-
pologia cultural ( ... )" (Parecer CFE nQ 632/69).
"( ... ) não se pode identificar pura e simplesmente a psícopedagog'la com a orienta-
ção educacional. Esta envolve, com efeito, objetivos mais simples, porquanto
orientação do educando não se esgota em seus aspE'ctos psioopedagógicos ( ... )"
(Parecer CFE n9491/67).
O período disciplinador nasce sob a égide da Lei nQ 5.692n1, que institui obrigato-
riamente a orientação educacional nos estabelecimentos de ensino de 1C? e 2~ graus.
A orientação educacional busca, mais uma vez, a sua colocação no contexto sócial,
atendendo, entretanto, o desejo impl ícito e expl ícito veiculado através dos acottlos
MEC-Usaid de oferecer o aconselhamento vocacional a todos os alunos da escola
brasileira, tal e qual era oferecido nas escolas americanas. Esse modelo de orientação
poderia adequar-se à realidade americana (muito embora já começasse naquele país
os questionamentos dos orientadores educacionais), mas não à nossa realidade que
não possu ía uma infra-estrutura 'que suportasse o peso dos atendimentos individu-
ais, convertidos em termos de formação do orientador, equipe técnica, número de
alunos etc.
100 Forum4!B6
o orientador não questionava as inúmeras relações, por exemplo, que se davam no
âmbito da própria escolha profissional. Enquanto neste período a orientação tenta-
va cumprir um papel mais na área do aconselhamento (isto quando de fato era feita
orientação vocacionall hoje tende-se a trabalhar esse aspecto vocacional, a partir da
configuração pol ítico-cultural, pedagógica que o mesmo é revestido. A orientação
atendia uma solicitação, ao invés de explorar as relações que a envolvia com o con-
texto social.
Entre as críticas mais acirradas que a orientação recebe é a de que a mesma estava
a serviço de uma classe dominante, servindo a pretexto de uma orientação formal,
para adequar o indivíduo a um mercado de trabalho ou mais especificamente a uma
determinada profissão. Ora, na verdade a orientação se prestava a essa solicitação à
medida que essa era a "matéria" que nos foi ensinada nos cursos de formação de
orientação educacional (que, por sua vez, era cópia dos modelos parksonianos) e era
a "forma", o meio que o orientador tinha para "trabalhar" os seus conhecimentos
(toda essa informação era coletada através das entrevistas, anedotários, questioná-
rios t:tc.).
Neste período, os eventos de orientação estão voltados para a discussão dos pro-
blemas emergentes da educação e do resgate dos momentos históricos para a com-
preensão dos fenômenos existentes nesta sociedade.
Observa-se em alguns eventos promovidos por esses profissionais, bem como na lite-
ratura mais recente da orientação educacional uma ênfase no aspecto social, quase
que contrapondo a ênfase psicológica com que foi implantada esta área. ~ claro que
Orientação 101
se radicalizarmos em cima do aspecto social correremos o mesmo risco de perder
toda a plenitude e essência da orientação. Caracterizando esse processo como indis-
pensável e necessário ao próprio processo educacional, a essência dos objetivos da
orientaçâ'o é a mesma que a educaçâ'o enquanto formadora e informadora de seus
educandos. Se a educaça'o é uma disciplina que se apóia em outras ciências como a
sociologia, a psicologia, a filosofia etc., a orientação se,ra também uma disciplina
que busca nas outras ciências subsídios para o aprofundamento teórico das ativida-
des que ela realiza. Em outras palavras, tanto a psicologia como a sociologia não re-
presentam em si mesmo os fins da orientação, mas os meios necessários para sua in-
terpretação e operacionalização.
Nossa exposição até o presente momento tem como finalidade apresentar as inquie-
tações porque passou a orientação procurando o seu espaço próprio, específico e
definido. As teorias de educação de um lado, as teorias do aconselhamento do ou-
tro, as teorias sociológicas em geral, respondem por um "todo" da orientação que
se vale desses posicionamentos como referencial teórico para elaboração de paradig-
mas que lhe são pertinentes.
Essas duas teses representam posições bem discutidas abstra ídas da prática observa-
da. A essas poderíamos colocar mais duas teses que sintetizariam as análises feitas,
quase como conclusivas:
Numa representação simbólica dessas teses poderíamos utilizar a imagem de uma ba-
lança em que o fiel da balança coloca os pratos em equil íbrio quando eles apresen-
tam os mesmos pesos; quanto mais peso tiver num dos pratos, há necessidade de re-
ver esses "pesos" para que haja o equilíbrio que se procura. Exemplifiquemos:
quando "um prato" traz a obrigatoriedade da orientação, o outro se manifesta vazio
(não há o que se posicionar enquanto ela é determinada), ou quando "um prato"
contém a especificidade da orientação o outro se mantém "descompensado" pelas
Não se faz orientação porque a lei determina que nenhum ,artigo legal é responsável
pela eficiência de um processo; por outro lado, enquanto os orientadores cumpriam
o que lhes era atribuído, nós servíamos ao sistema (e ao poder), e quando começa-
mos a questionar a educação (e o nosso próprio trabalho) passamos a ser severamen-
te criticados e até "convidados" a refletir sobre nossa sa ída desse sistema. Muito
curiosa e contraditória essa colocação: quando a orientação servia aos outros era
aceita sem recomendações; quando ela já não nos servia como posicionamento teó-
rico, os demais educadores começam a questionar a invasão desses especialistas na
educação.
A análise limitada dos procedimentos de orientação - vista apenas como meio para
Orientação 103
atingir um fim - ficava também comprometida com o próprio objetivo da orienta-
ção.
A própria história da palavra aptidão poderá nos mostrar como essa palavra "ser-
viu" a um modelo individualista de orientação educacional. Nesta segunda tese, fica
claro que os meios que a orientação utilizava também se confundiam com o seu
próprio fim.
Cada ciência tem suas especialidades, suas características próprias. Lida com o real,
organizando sua própria prática de pensamento. A orientação educacional, tentando
caminhar através de um método científico, identifica suas especificidades e elabora
uma crítica sobre a realidade educacional estritamente determinista e mecanicista
quando subjuga as funções da orientação no processo educativo; os procedimentos
da orientação, então, tornar-se-ão mais importantes que as finalidades da mesma,
quando se desconhece as próprias finalidades educacionais. A orientação existe num
determinado contexto e a forma como este contexto se organiza e as relações que
nele ocorrem vão influir tanto nas finalidades quanto nos procedimentos utilizados
para orientar. Torna·se necessário uma revisão constante desta realidade através de
uma reflexão contínua sobre a prática da orientação, a fim de que se possa construir
uma especialização eficiente em termos daquela realidade. A qualidade pretendida
será produto de uma reflexão educacional e pol ítica sobre a nossa prática, sobre as
nossas próprias angústias e contradições. A abordagem dialética auxilia essa reflexão,
procurando levantar hipóteses e buscar alternativas para a orientação em termos de
seu papel num contexto social específico.
A outra tese tenta demonstrar que a orientação surgiu para demonstrar a eficiência
de uma escola aberta e democrática, isto é, enquanto processo pretendeu-se fazer da
orientação uma aliada aos princípios de uma educação liberal.
Uma escola aberta e democrática é aquela que está voltada aos processos de cons-
cientização e emancipação do aluno e não apenas para reproduzir os conhecimentos
por ela já selecionados e evidentemente já valorizados.
Pode parecer impossível e até utópico um trabalho de orientação a este nível indi-
viduai, mas jamais será impossível e utópico, numa escola democrática, dar vez e
voz aos alunos nos seus diferentes níveis de desenvolvimento. O papel do orientador
não pode (e nem deve) ultrapassar ou sobrepor ao professor no que diz respeito
aos objetivos, procedimentos e avaliação utilizada pelos professores com seus dife-
rentes alunos. Cabe, porém, ao orientador nesta escola discutir com os professores
sobre a sua disciplina, a metodologia utilizada e a relação desses dados com a clien-
tela específica que está sendo escolarizada.
Esse trabalho pode ser desenvolvido através da pedagogia crítico-social dos conteú-
dos, que tem como "ponto de partida do processo pedagógico o aluno real", inseri-
do em determinado contexto, vivendo (e fazendo) um momento histórico específico.
A orientação tem que trabalhar para que esse aluno real compreenda o seu papel,
nesta história, e que a partir da conscientização deste papel possa participar mais
criticamente no meio em que vive. Se a escola deve instrumentalizar o aluno para
que esta participação ocorra, a orientação exerce uma ação importante nesta opera-
cionalização, colabora na busca desses objetivos.
O orientador hoje questiona a sua atuação, partindo da validade do papel e das suas
funções na escola. Se o papel do orientador é ajudar o aluno no seu projeto de vir-a-
ser, qual deve ser o papel do orientador nessa escola democrática?
Orientação 105
eretamente com o desenvolvimento do aluno, em termos não só de sua escolaridade,
como também de seu desenvolvimento pessoal. Todas as atividades realizadas na es-
cola (elaboração de horário, formação de turmas, distribuição de professores por
turma e série, programas, atividades extraclasse. etc.) podem e devem merecer a
atenção do orientador, atuando e interagindo com todos os demais elementos da
instituição escola. O orientador trabalha a educação como um todo, em suas dife-
rentes relações, e o aluno - objeto e objetivo dessa escola - merece do orientador
uma preocupação maior, enquanto esse aluno é considerado pessoa humana (e,
portanto, portador de valores pessoais) inserido em determinado contexto (uma
"área" determinada por valores sociais e culturais). A orientação não acaba no
aluno.~ mas começa a partir dele a ajudá-lo a interpretar o seu contexto social, para
que o mesmo retorne em benefícios pessoais que, por sua vez, incidirão na socieda-
de e assim por diante; em outras palavras, a orientação trabalha os meios que auxi-
liam o aluno a ler esse contexto de forma pessoal e de participação social.
A orientação promove esse encontro quando ela dialetiza todos os momentos e ati-
vidades realizadas na e para a escola; a orientação, ao contrário, não pode isolar-se
na sua especialização, fragmentando o "todo educacional", mas trabalhando para
integrar as partes dentro desse todo.
Cada fato do aluno ou da escola não será apenas uma "fita" a ser assistida ou inter-
pretada, mas um dado a ser refletido e questionado. O conhecimento sobre uma rea-
Jidade concreta vai possibilitar ao orientador uma participação mais consciente de
sua própria atuação.
Para realização de suas atribuições o orientador deve estar bem informado, forman-
do-se a cada momento, através dos estudos complementares e da pesquisa de sua
própria realidade. Os conceitos teóricos (geralmente importados) não respondem
pela produtividade da orientação; faz-se necessário - a partir da realidade identifi-
cada - conhecer o meio, estudá-Io, (re)criá-Io e (trans)formá-Io, em termos de aten-
dê-Ia e recuperá-Ia para obtenção do que se pretende em educação.
106 Forum4/86
escola que de fato sirva ao aluno como construtora de um saber específico e de uma
realidade mais consciente e participativa.
Referências bibliogrãficas
Parecer CFE nQ 374/62. Fixa o currículo mínimo para o curso de orientaçlo edu-
cativa. Documenta n. 12.
Orientação 107