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r s Director: David Pontes Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024 • Ano XXXIV • n.º 12.317 • Diário • Ed. Lisboa • Assinaturas 808 200 095 • 1,50€
Dir
Cinema Investigação
Equipa portuguesa recebe oito
Fernando milhões para combater vírus
que ainda não conhecemos
Matos Silva: Ciência, 24/25
“Vivi o encanto Futebol
e o desencanto Gianluigi Buffon pediu balizas
maiores para haver mais golos
deste país” de fora da área. Tem razão?
Cultura, 26/27 Desporto, 34/35
Em casos
excepcionais,
terras sem dono
podem mudar de
mãos já em 2024
Como o registo no Balcão Único do Prédio foi prolongado,
lei de 2019 que previa que o Estado gerisse terrenos
sem proprietário identiÄcado ainda não teve efeito.
Mas pode avançar em áreas prioritárias já este ano
30%
começar a tomar posse das terras centradas no interior da Região 2023, refere a tutela, foi possível
Camilo Soldado
sem proprietário. No entanto, uma Centro, embora haja 16 áreas integra- conhecer 30% de área em matrizes
A
medida foi apresentada alteração recente ao regime jurídico das no Norte do país e quatro no georreferenciadas, “contribuindo
como parte da “reforma da do BUPi abria uma janela para que Algarve. para uma maior valorização e conhe-
Çoresta” que se começou a terras sem dono mudem de mãos Assim, escreve o Ministério da Jus- cimento do território, da qual menos
desenhar na sequência dos mais cedo. Mas só em casos excep- tiça, “prevê-se que em 2024 seja pos- de 2% corresponde a área em sobre-
incêndios de 2017 e previa cionais. sível dar início” ao procedimento de posição”.
que o Estado passasse a Questionado pelo PÚBLICO, o identiÆcação de terras sem dono, Até ao final de 2023, refere Já nos últimos dias de 2023, o
gerir as terras que não tivessem nin- Ministério da Justiça (MJ) refere que “na sequência das consultas públicas o Ministério da Justiça, foi ministério liderado por Catarina Sar-
guém que as reclamasse para si. No foi introduzida uma normal legal a realizar”. Será o início da imple- possível conhecer 30% de área mento e Castro notava que o proces-
entanto, cinco anos depois da publi- “para permitir que se inicie o proce- mentação de uma medida anunciada em matrizes georreferenciadas so fechava o ano com dois milhões
cação do Decreto-lei n.º 15/2019 que dimento de prédio sem dono conhe- por vários governos, tanto do PS em Portugal continental de propriedades identiÆcadas, o que
dava corpo às propostas, o diploma cido em áreas territoriais prioritárias como do PSD e CDS, embora os con- representa a adesão de 300 mil pro-
ainda não entrou em operação. de intervenção”, na sequência de um tornos sejam diferentes. prietários. O Ministério da Justiça
300
Isto acontece porque ainda decor- processo de consulta pública. Não se sabe ao certo qual a área acrescenta também que foi atingido
re o processo que permite identiÆcar A alteração ao regime jurídico do total de terras sem dono, mas este é o objectivo Æxado, que era “conhe-
os proprietários de Çoresta, matos e BUPi foi publicada em Diário da um problema que, em conjunto com cer 90% da área dos 153 municípios
terras agrícolas. Segundo a lei, um República em Outubro de 2023 e per- a progressiva fragmentação da pro- do continente sem cadastro quanto
terreno rural só é considerado sem mite declarar que uma terra não tem priedade, representa uma signiÆca- ao tipo de propriedade” (se é públi-
dono se não for identiÆcado no Bal- proprietário conhecido em áreas tiva barreira ao ordenamento do ca, privada ou comunitária) e “ao seu
cão Único do Prédio (BUPi), o pro- territoriais prioritárias de interven- território. Consequentemente, diÆ# Processo de registo no BUPi uso e ocupação” (área registada no
cesso de sistema de cadastro simpli- ção, como são as áreas integradas de culta também a aplicação de políti- fechou o ano com dois milhões BUPi, infra-estruturas, estradas, fer-
Æcado que arrancou em 2017 como gestão de paisagem. cas que ajudem a prevenir incêndios de propriedades identificadas, rovia, informação Çorestal e agríco-
projecto-piloto e cuja gratuitidade Há 70 manchas destas em Portugal Çorestais. o que representa a adesão la, entre outros dados).
tem vindo a ser prolongada e alarga- continental e são geridas por entida- de 300 mil proprietários Em Agosto de 2023 foi publicado
da a mais municípios. des tão diversas como associações Dois milhões de registos mais um passo legislativo para gerir
O prazo foi estendido até 31 de de produtores, comissões de com- Entretanto, prossegue o registo de o problema das terras sem dono
Dezembro de 2025, o que signiÆca partes ou a empresa estatal Flo- terras nos vários pontos do Balcão conhecido, com a criação do Banco
que só em 2026 poderá o Estado restgal. Estão essencialmente con- Único do Prédio. Até ao Ænal de de Terras e o Fundo de Mobilização
NotíciasFlix
PAULO PIMENTA
O
objectivo era travar a frag- evitar que os terrenos estejam num
mentação dos terrenos limbo por tempo indeterminado.
rurais e promover a sua jun- “Decorridos cinco anos após a aber-
ção, mas a lei que lhe daria tura da sucessão, na falta de habilita-
forma vai ter de esperar. ção de herdeiros, o administrador
O Governo criou o Grupo proÆssional da herança procederá à
de Trabalho para a Propriedade Rús- liquidação da herança”, lia-se no rela-
tica (GTPR) em 2021, para fazer um tório. Então, Rui Gonçalves explicava
diagnóstico, estudar possibilidades e que, na falta de interessados na heran-
propor medidas que facilitassem a ça, dava-se início a um processo de
gestão dos terrenos rurais. Nos últi- liquidação e o valor seria distribuído
mos meses de 2023, a equipa coorde- pelos herdeiros. “Só no Æm de um
nada por Rui Gonçalves entregou o processo muito comprido, se tudo o
seu relatório Ænal com propostas para resto falhar pelo caminho”, é que
ajudar a resolver o problema da divi- reverte para o Estado, referia.
são por herança das já pequenas pro- No documento havia ainda várias
priedades rurais e promover o seu propostas de alteração do Regime
emparcelamento, assim como induzir Jurídico da Estruturação Fundiária,
um maior dinamismo num mercado que, entre outros pontos, implicam a
adormecido e que “convida ao imo- comunicação prévia à respectiva
bilismo”. câmara municipal em caso de opera-
Essa situação, que muita vez se tra- ções de emparcelamento.
duz em abandono de terras, diÆculta Rui Gonçalves sublinha que é par-
a aplicação de políticas de ordena- ticularmente importante que o paco-
mento do território e de prevenção te de medidas previstas seja aprovado
de incêndios Çorestais. No entanto, a na sua globalidade. “Um dos grandes
queda do Governo e a dissolução da pontos das medidas é que aquilo não
Assembleia da República fazem com pode ser tratado peça a peça”, avisa.
que o conjunto de medidas Æque à Se apenas algumas das propostas que
espera de que o executivo que sair constam no terceiro relatório forem
das eleições de 10 de Março retome o postas em prática, adverte, há o risco
assunto. de perda de eÆcácia.
O grupo de trabalho entregou o Sem que as medidas assumam a
relatório à tutela e, a partir desse forma de lei, não só não se promove
momento, cessou actividade. Depois o emparcelamento e o ganho de esca-
de Terras, que são administrados ramos do Estado. E, mesmo quando Alteração ao regime jurídico disso, o coordenador soube que o la que é defendido pelo GTPR, como
pela Florestgal, a empresa pública as terras passam para a esfera da Flo- do BUPi permite declarar que Governo estava a preparar os diplo- continuará o processo de fragmenta-
de gestão e desenvolvimento Çores- restgal, estas não podem ser vendi- uma terra não tem proprietário mas legais que davam corpo às pro- ção da propriedade rural através das
tal. Esta era uma proposta que não das durante 15 anos. conhecido em áreas territoriais postas do GTPR, mas deixou de haver heranças. “Enquanto não for trans-
tinha passado quando os socialistas Ainda assim, a empresa pública prioritárias de intervenção condições políticas para discutir e formado em lei efectiva”, diz Rui Gon-
governavam com o apoio parlamen- pode cedê-las a terceiros ao longo aprovar as propostas, explica Rui çalves, o relatório que a equipa pro-
tar do Bloco, PCP e Os Verdes e que, desse período. No entanto, se duran- Gonçalves. A informação foi conÆr- duziu é apenas “mais um estudo”.
por isso, só avançou na legislatura te esses 15 anos houver alguém que mada ao PÚBLICO pelo Ministério do
que agora foi interrompida. comprove ter direitos de proprieda- Ambiente e Acção Climática (MAAC).
No entanto, só quando a gratuiti- de sobre aquele terreno, a área é-lhe Assim, o trabalho do grupo especia-
dade do processo de registo no BUPi restituída. Mais: quando a proprie- lizado entra no dossier de assuntos
terminar, no Ænal de 2025, é que será dade do terreno é restabelecida, o que transitam para o próximo gover-
possível apontar que um dado terre- “Estado entrega àquele tudo o que no, que lhe poderá dar seguimento.
no não tem dono. Se o próximo exe- haja recebido de terceiros no exercí- A fragmentação da propriedade é
cutivo seguir a política que foi anun- cio da sua gestão, designadamente a um problema que se agrava quando
ciada pelo actual Governo, dada a
dimensão dos terrenos, a estratégia
título de rendas”, delas deduzindo o
valor que gastou.
Mais de metade se passa de sul para norte do rio Tejo,
mas mesmo no Alentejo a média de
passará por promover o seu empar-
celamento, dizia o secretário de Esta-
Para já, só haverá resolução para
o problema em pequenas manchas
das propriedades áreas dos terrenos está a diminuir,
mostrava o relatório de diagnóstico
do da Justiça, Pedro Tavares, ao jor- do território consideradas prioritá- só muda de mãos por apresentado pelo grupo, em 2022.
nal Expresso, em Outubro de 2023.
Mesmo a Lei das Terras Sem Dono
rias. Se a lei não for alterada pelo
executivo que sair das eleições de herança. Só 39,7% Acresce que mais de metade (51,1%)
das propriedades só muda de mãos
que foi publicada em 2019 não esta-
belecia uma via aberta e irreversível
10 de Março, só mesmo dentro de
dois anos é que o Estado começa a
das transferências por herança. Apenas 39,7% das trans-
ferências são resultado de operações
para que o Estado Æcasse com os ter-
renos identiÆcados como não tendo
ter ferramentas para lidar com a
questão da Çoresta e matos deixa-
resultam de de compra e venda e o relativamente
alto peso das aquisições por usuca-
proprietário. Começa por haver um dos ao abandono. E só então Æcare- operações de pião pode signiÆcar que há abandono
A fragmentação da propriedade
processo longo, que envolve publi-
cidade, audiências prévias e vários
mos a conhecer a sua verdadeira
dimensão. compra e venda das terras pelos seus titulares.
Para dar a volta a estes indicadores, é extensível a todo o país
4 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
Espaço público
A maratona do jornalismo
S
em salário há 53 dias, dezenas negócio, como acreditam os no que seria da nossa sociedade sem
Editorial de jornalistas continuam a jornalistas que continuam a correr a atenção dispensada à saúde, à
trabalhar diariamente para mesmo quando não recebem ou, economia, à cultura, à ciência, à
não perder o contacto com os como se veriÆca na generalidade da educação, à história, ao mundo...
seus leitores. Directores proÆssão, têm os seus salários A imprensa sofre, mas está bem
demissionários tomam decisões, as estagnados há anos. E é por essa viva, os jornalistas continuam a
redacções cumprem as rotinas que razão que a crise permanente se correr, mas é essencial que leitores,
David Pontes permitem que rádios e jornais torna muito mais grave, num telespectadores, ouvintes tenham a
continuem vivos. É preciso continuar momento em que a desinformação noção de que sem fazerem a sua
a correr, porque calar é morrer. ameaça o funcionamento dos regimes parte eles vão cair extenuados. E,
Há muito tempo que estamos a democráticos e uma crise de valores num momento de crise sistémica,
correr. A crise não é nova, os graves como a que redunda na lamentável também se justiÆca perceber como,
problemas de gestão do Global Media expulsão de um jornalista na sem comprometer a liberdade dos
só vieram deixar mais exposta a Universidade Católica faz da proÆssão meios de comunicação social, o
situação de fragilidade em que vive a um lugar de resistência. Estado pode ajudar um dos poderes
generalidade do sector dos media em Não é fácil falar em nome próprio, da democracia.
Portugal, com maior incidência na continuamos a seguir a máxima de Em Portugal, ao contrário de
imprensa. Não somos excepção ao que o mensageiro não deve ser a muitos outros países, para além do
Há momentos em que tsunami, a Internet, que varreu uma notícia. Mas há momentos em que serviço público prestado pelos órgãos
parece necessário indústria centenária, mas estamos parece necessário reaÆrmar o papel detidos pelo Estado, não há qualquer
reaÄrmar o papel obrigados a singrar num país com essencial que a imprensa tem para vislumbre de uma política de apoio
essencial que a baixos índices de literacia e em que só uma sociedade livre, como se fez este ao sector. Numa altura de campanha
11% dos inquiridos no Reuters News Æm-de-semana no 5.º Congresso de para as legislativas, será sempre
imprensa tem para Report se mostrou disponível para Jornalistas, em Lisboa. Pensem no revelador perceber o que partidos
uma sociedade livre pagar por notícias. que seria da política e da governação têm a dizer sobre o assunto ou se se
Mas isto é muito mais do que um sem imprensa, mas pensem também preferem calar.
CARTAS AO DIRECTOR
As várias crises deformada) nas redes sociais ou essencial à democracia. É como garante da ordem pública, uma oposição agreste, em que
nos media com o cansaço informativo. Tem preciso também dizer que essa e por isso, perante o tudo se procurou fazer para o
também a ver com a qualidade atividade só é útil (só é livre de cumprimento do dever, serem derrubar. Que perspectivas para
De repente, o mundo deu uma do jornalismo praticado. David interesses) se atuar de acordo devidamente remunerados, o que estas eleições? Nunca a
volta: nas últimas semanas, a Borges, e poucos mais, recordou com as regras deontológicas seria uma forma de motivação. O democracia esteve tão em perigo.
notícia é sobre quem produz que nas primeiras décadas da dessa magníÆca proÆssão: o protesto dos agentes de A escolha é entre um PS
notícias. Propõem-se medidas sua carreira era impossível dar jornalismo. autoridade transmite à sociedade reinventado sobre si próprio,
para evitar o colapso das notícias sem veriÆcar seriamente Luís Taylor, Porto a certeza de que aqueles que uma direita dita tradicional
empresas que detêm meios de o seu conteúdo, sem apresentar servem o país vestindo uma farda muitas vezes dando a aparência
comunicação. Algumas merecem o contraditório de modo sério e O protesto não são devidamente valorizados de estar de mãos dadas
discussão aprofundada, sendo claro para todos. O das polícias pelos poderes instituídos (…). escondidas com a
todas focadas nas formas de “pseudojornalismo” que hoje se Américo Lourenço, Sines extrema-direita, de quem
apoio aos proprietários ou aos pratica em muitos media não O sentimento de insegurança eleitoralmente precisa de se
proÆssionais que nelas contribui para o conhecimento numa sociedade é minimizado Democracia em perigo afastar publicamente, ou com a
trabalham. Outras, não: provêm da verdade e para a melhoria da por seres humanos que só não assunção desta para mal dos
dos mesmos que muito Æzeram democracia. Não é só em são anónimos porque vestem As eleições são a máxima princípios que devem nortear
para deixar a situação chegar Portugal que isto acontece, é uma farda que os identiÆca como aÆrmação da democracia. O uma sociedade de estabilidade,
onde chegou. Mas, com uma deÆciência generalizada das agentes da autoridade, que são facto de se concretizarem em igualdade e progresso.
raríssimas exceções, de que democracias (nos outros regimes ao mesmo tempo servidores do liberdade garante que as Oxalá o país eleitor possa
destaco as intervenções do a informação livre nem sequer Estado, e que merecem respeito, instituições estão vivas e o povo reÇectir com método perante
jornalista David Borges na TV e existe). Uma grande porque abdicam muitas vezes do eleitor tem a capacidade de estas diferentes perspectivas e
rádio, o diagnóstico é percentagem do público voltará são convívio familiar para orientar o sentido político do saiba, com lucidez, afastar-nos do
incompleto. Logo, as soluções a ler jornais e a ver telejornais se poderem servir os cidadãos. país em função das suas extremismo ou de quem com ele
apresentadas são deÆcientes, o convencerem de que as Deslocados muitas vezes das escolhas. aceite pactuar, se bem que sem o
por não abarcarem a globalidade notícias (políticas, económicas, suas origens, enfrentando Estas eleições de 10 de Março mostrar de facto. Seria prova de
do problema. O afastamento de desportivas, etc.) apresentam os realidades sociais diferentes, e carregam vários dilemas. uma democracia adulta e
muitíssimos leitores da imprensa vários lados em confronto de com uma remuneração nada Começam por resultar da revigorada, como se pretende,
escrita e, cada vez mais, dos modo sério. Seria um prazer ter atractiva, mediante as interrupção da maioria absoluta ainda para mais em tempos de ser
noticiários das TV não tem de novo a verdadeira informação dificuldades e riscos a que estão de um partido que não resistiu às assinalado o seu meio século de
apenas causas relacionadas com ao nosso dispor. Não basta dizer expostos, os agentes da trapalhadas no Governo que dele existência.
o acesso à informação (fácil e que a comunicação social livre é autoridade deveriam ser olhados se formou, do mesmo modo que a Eduardo Fidalgo, Linda-a-Velha
As cartas destinadas a esta secção têm de ser enviadas em exclusivo para o PÚBLICO e não devem exceder as 150 palavras (1000 caracteres). Devem indicar o nome, morada e contacto
telefónico do autor. Por razões de espaço e clareza, o PÚBLICO reserva-se o direito de seleccionar e editar os textos e não prestará informação postal sobre eles cartasdirector@publico.pt
Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024 • 5
É
são transferências bancárias: da conta de Directora de arte
dramaturgo muito libertadora a facilidade,
sempre que ouvimos a música de
quem tem dinheiro a mais, para a conta de
quem precisa.
Sónia Matos
Directora de design de produto digital
Wagner, com que nos esquecemos Os corruptos também devem ter uma tabela Inês Oliveira
Editoras executivas
da maldade do compositor. A razão de equivalências, parecida com aquela que Helena Pereira, Patrícia Jesus
é simples: a música é muito boa. preside aos nossos impostos. Na coluna da Editor de fecho
Deve haver uma escala de esquerda está o dinheiro que se roubou. Na da José J. Mateus
correspondências morais entre os defeitos direita, a percentagem mínima a gastar em Editor de Opinião Álvaro Vieira Editor P2 Sérgio B. Gomes Online Ana Maria
Henriques, Mariana Adam, Pedro Esteves, Pedro Guerreiro, Pedro Sales Dias
humanos de um artista e as qualidades boas causas. (editores), Amílcar Correia (redactor principal), Carolina Amado, João Pedro
O NÚMERO artísticas das coisas que criou. Se foi — ou é — Se algum necessitado tem a ousadia de Pincha, José Volta e Pinto, Miguel Dantas, Sofia Neves (última hora); Rui Barros
25,1
(jornalista de dados); Ruben Martins, Inês Rocha (áudio); Joana Bougard (editora
muito má pessoa, as obras de arte têm de ser questionar a proveniência daqueles patacos, o multimédia), Carlos Alberto Lopes, Joana Gonçalves, Teresa Miranda
muito boas. Wagner tinha muitos defeitos corrupto diz logo “dinheiro é dinheiro”. (multimédia); Amanda Ribeiro (editora de redes sociais), Ana Zayara, Patrícia
para compensar, mas compensou-os. O princípio básico é sempre o mesmo: se Campos (redes sociais) Política Leonete Botelho (editora), David Santiago
(subeditor), Ana Sá Lopes, São José Almeida (redactoras principais), Ana Bacelar
Também há artistas que são humanamente queres lavar dinheiro, primeiro é preciso Begonha, Henrique Pinto de Mesquita, Liliana Borges, Margarida Gomes, Maria
muito bons, mas que artisticamente são ganhá-lo. Aplica-se o mesmo princípio às Lopes, Nuno Ribeiro, Sofia Rodrigues Mundo Ivo Neto, Paulo Narigão Reis
(editores), Bárbara Reis, Jorge Almeida Fernandes, Teresa de Sousa (redactores
infernalmente maus. Talvez sejam mais penitências: quanto maior o pecado, maior principais), Rita Siza (correspondente em Bruxelas), Alexandre Martins, António
bonzinhos por serem tão maus. Nisso, tem de ser o castigo. Rodrigues, António Saraiva Lima, João Ruela Ribeiro, Maria João Guimarães,
parecem-se com os bons artistas que acham Na verdade, é a tabela em si que é Sofia Lorena Sociedade Natália Faria, Rita Ferreira (editoras), Clara Viana (grande
repórter), Alexandra Campos, Ana Cristina Pereira, Ana Dias Cordeiro, Ana
graça serem mauzinhos como as cobras. corruptora. Fingindo que é possível converter Henriques, Ana Maia, Cristiana Faria Moreira, Daniela Carmo, Joana Gorjão
mil palestinianos foram mortos Talvez a maldade tenha uma tabela de maldades em bondades, acaba por Henriques, Mariana Oliveira, Patrícia Carvalho, Samuel Silva, Sónia Trigueirão
Local Ana Fernandes (editora), Luciano Alvarez (grande repórter), André Borges
desde que o conflito entre preços: quanto maior, mais se tem de pagar confundi-las irrevogavelmente. Coexistem, Vieira, Camilo Soldado, Mariana Correia Pinto, Samuel Alemão, Teresa Serafim
Hamas e Israel teve início em obras de arte. mas não podiam ser mais diferentes. Economia Pedro Ferreira Esteves, Isabel Aveiro (editores), Manuel Carvalho
(redactor principal), Cristina Ferreira, Sérgio Aníbal (grandes repórteres), Ana
Brito, Luís Villalobos, Pedro Crisóstomo, Rafaela Burd Relvas, Raquel Martins,
Rosa Soares, Victor Ferreira Ciência Teresa Firmino (editora), Filipa Almeida
Mendes, Tiago Ramalho Azul Andrea Cunha Freitas (editora), Claudia Carvalho
ZOOM GANGWON, COREIA DO SUL Silva (subeditora), Aline Flor, Andréia Azevedo Soares, Clara Barata, Nicolau
Ferreira, Tiago Bernardo Lopes (multimédia), Gabriela Gómez (infografia),
Rodrigo Julião (webdesign) Tecnologia Karla Pequenino Cultura/Ípsilon Paula
Barreiros, Inês Nadais (editoras), Pedro Rios (editor Ípsilon), Isabel Coutinho
HANDOUT VIA REUTERS
(subeditora), Nuno Pacheco, Vasco Câmara (redactores principais), Isabel
Salema, Sérgio C. Andrade (grandes repórteres), Daniel Dias, Joana Amaral
Cardoso, Lucinda Canelas, Luís Miguel Queirós, Mariana Duarte, Mário Lopes
Desporto Jorge Miguel Matias, Nuno Sousa (editores), Augusto Bernardino,
David Andrade, Diogo Cardoso Oliveira, Marco Vaza, Paulo Curado Fugas
Sandra Silva Costa, Luís J. Santos (editores), Alexandra Prado Coelho (grande
repórter), Luís Octávio Costa, Mara Gonçalves Guia do Lazer Sílvia Pereira
(coordenadora), Cláudia Alpendre, Sílvia Gap de Sousa Ímpar Bárbara Wong
(editora), Carla B. Ribeiro, Inês Duarte de Freitas P3 Inês Chaíça, Renata Monteiro
(subeditoras), Mariana Durães Terroir Ana Isabel Pereira Newsletters e Projectos
digitais João Pedro Pereira Projectos editoriais João Mestre Fotografia Miguel
Manso, Manuel Roberto (editores), Adriano Miranda, Daniel Rocha, Nelson
Garrido, Nuno Ferreira Santos, Paulo Pimenta, Rui Gaudêncio, Alexandra
Domingos (digitalização), Isabel Amorim Ferreira (documentalista) Paginação
José Souto (editor de fecho), Marco Ferreira (subeditor), Ana Carvalho, Cláudio
Silva, Joana Lima, José Soares, Nuno Costa, Sandra Silva; Paulo Lopes, Valter
Oliveira (produção) Copy-desks Aurélio Moreira, Florbela Barreto, Joana
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Jogos Olímpicos da Juventude de Inverno 2024, que decorrem na Coreia do Sul , até 1 de Fevereiro
6 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
Espaço público
Lucros da banca
A rápida subida das taxas de juro
Gráfico 1 − Rendibilidade dos capitais próprios
desencadeada pelo aperto da política
das grandes empresas por sector monetária para conter a inÇação, bem como a
Em 2022, em % dinâmica positiva da actividade económica,
Espetáculos e desporto 42,1 favoreceu a rendibilidade bancária em 2022 e,
sobretudo, em 2023. Assim como os
Atividades imobiliárias 30,1
ajustamentos de balanço (imparidades) e as
Atividades administrativas 26,3 taxas de juro negativas a desfavoreceram na
Saúde e apoio social 21,1
B
Vítor Bento década precedente (entre 2011 e 2020, a
Comércio 19,3 rendibilidade média foi negativa em 3.2%).
ancos lucram 10 milhões por dia é Alojamento e restauração 19,1 Juntando todo o período, entre 2011 e 2022, a
o exemplo de manchetes e Consultoria e científicas 18,4 rendibilidade média é ainda negativa (-1.5%) e
“tiradas” frequentes, desde que o Transportes e armazenagem 16,8 seria necessária uma rendibilidade de 18% em
ciclo económico, e terminado o Indústrias transformadoras 12,5 2023 para tornar nula a rendibilidade
penoso ajustamento da última Construção 9,1 acumulada desde 2011.
década, favoreceu Agricultura e pescas
Em quarto lugar, sem rendibilidade
temporariamente a rendibilidade dos bancos. 9 adequada, as empresas não conseguem atrair
O estímulo emotivo é fácil e garantido. Mas o
Banca 8,7
capital e, sem atrair capital, não têm
que tem a razão a dizer sobre o assunto? Informação e comunicação 8,4 capacidade para expandir a actividade. O
Em primeiro lugar, 10 milhões de euros por Indústrias extrativas 7,3 que, no caso dos bancos, diÆculta a
dia — ou 3650 milhões por ano — é muito ou é Eletricidade e gás 6,7 capacidade de apoiar a economia,
pouco? Comparado com o salário mínimo ou Água e resíduos 5,1 Ænanciando as empresas e a sua expansão. O
médio, parece imenso e comparado com o Educação 4,8 que é, então, uma rendibilidade adequada? É
volume de lucros de muitas outras empresas Outros serviços 0 12,7% aquela que supera o custo do capital para o
ou sectores também parece grande. Mas essas 0 Média não financeira accionista (CoC), que, por sua vez, depende
comparações, espicaçando reacções das alternativas de investimento ao dispor
emotivas, não fazem sentido perante a razão. Gráfico 2 − Rendibilidade dos capitais próprios deste e está ligado ao nível das taxas de juro
Os bancos geram muitos lucros — quando (sem risco) e aos riscos do mercado de
das grandes empresas por sector
geram... — porque investiram muito capital na capitais, nomeadamente. Sendo a explicação
actividade. Mais do que qualquer outro Média 2015-2022, em % do seu cálculo muito técnica para este espaço,
sector. O total de capital investido por todas as Saúde a apoio social 20,5 reÆro apenas que tínhamos estimado, até ao
grandes empresas não-financeiras (quase início da subida de taxas, que o CoC da banca
Atividades administrativas 18
1500) era, em 2022 (último ano para o qual há se situava entre os 8 e os 10%. Com a subida
dados comparáveis), de 82,6 mil milhões de
Comércio 12,6 das taxas de juro, este deverá ter aumentado
euros, com as 412 das indústrias Indústrias transformadoras 10,8 à volta de 4 pontos percentuais. Isso mesmo é
transformadoras — o maior sector Indústrias extrativas 10,2 reconhecido pelo BCE, para quem o CoC da
não-financeiro (dos 17 que compõem o maior Espetáculos e desporto 9,8 banca europeia terá sido de 13,2% no Ænal do
nível de agregação da CAE) — a registarem Alojamento e restauração 9,3 2.º trimestre de 2023 (entrevista de A. Enria
25,5 mil milhões. A banca, na sua totalidade, Agricultura e pescas 8,3 ao Expansion, 28/11/2023). Para cobrir este
tinha investido cerca de 36 mil milhões, mais Atividades imobiliárias 8,2 custo e ser um investimento interessante, a
do que qualquer outro sector individual e Eletricidade e gás 7,7 banca portuguesa teria que lucrar, pelo
perto de metade do conjunto das grandes menos, 13 mil milhões por dia.
Transportes e armazenagem 5,1
empresas não-financeiras. Logo, é natural que Por conseguinte, e apesar dos “enormes”
Água e resíduos 5
deva apresentar lucros mais volumosos. lucros, a rendibilidade da banca andou
Em segundo lugar, o volume de lucros diz Construção 4,1 sempre abaixo do custo do capital — o que se
mais sobre o capital investido — tudo o resto Educação 3,5 reÇecte, por exemplo, na valorização bolsista
igual, mais capital gera mais lucros — do que Banca 2,6 dos bancos cotados, muito inferior ao seu
sobre a rendibilidade — o rácio entre os lucros Consultoria e científicas 2,1 valor contabilístico. E que lhe torna muito
e o capital investido na sua geração. Assim, e Informação e comunicação 0,9 difícil atrair capital. Só este ano (o primeiro
embora a banca tenha gerado o maior volume Outros serviços -8,8 8,8% em 16 anos, pelo menos!), a sua rendibilidade
de lucros em 2022, foi o 6.º sector (entre 18) 0 Média não financeira deverá superar o custo do capital (no Ænal do
com rendibilidade mais baixa, registando um 3.º trimestre, estima-se que o ROE (Return On
Fonte: Central de balanços e estatísticas financeiras do Banco de Portugal PÚBLICO
valor 4 pontos percentuais abaixo da média Equity, rendibilidade dos capitais próprios) da
das grandes empresas não-financeiras e muito banca portuguesa se tenha situado à volta de
afastado do de sectores muito rentáveis e com 14,6%). Mas sendo um evento que os
menos capital (Gráfico 1). E, se quisermos mercados avaliam como transitório, pode não
uma visão mais longa no tempo, ampliando o ser suÆciente para captar o interesse
horizonte até 2015, então a rendibilidade duradouro dos investidores.
relativa da banca é ainda mais frágil, Neste contexto, interferir administrativa
ocupando o 4.º pior lugar em 18 (Gráfico 2). (ou Æscalmente) sobre a rendibilidade
Em terceiro lugar, a rendibilidade da banca
Interferir sobre a transitória, mas totalmente diluída numa
tem uma forte componente cíclica, rendibilidade transitória perspectiva temporalmente alargada, será
dependendo das dinâmicas, quer das taxas de não só contraproducente, mas também
juros, quer da actividade económica. No
da banca será não só agressivo dos interesses das empresas e das
primeiro caso, e por via das velocidades contraproducente, mas famílias que dependem de uma banca sólida e
desfasadas entre taxas activas e passivas, rentável para as apoiar. Além de que, quanto
períodos de subidas de taxas de juro tendem a
também agressivo mais lucrativos forem os bancos, mais
alargar temporariamente a margem dos interesses das capacitados se tornam e mais impostos
financeira e períodos de descida têm o efeito pagam para o Estado redistribuir pela
inverso. No segundo caso, crescimento
empresas e das famílias sociedade.
económico tende a criar menos risco de que dela dependem
crédito e menos imparidades e contracção Presidente da Associação Portuguesa
económica gera impacto contrário. de Bancos
Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024 • 7
A
o mecanismo de preço funciona, mas de envelhece, os adultos emigram, e onde
Ricardo Arroja Afonso Cruz
forma tardia, tipicamente uma ou duas novos imigrantes vêm fazer os trabalhos que
legislaturas depois de cometidos os erros, e os portugueses, em geral, já não querem s personagens masculinas das
O Estado tornou-se de forma difusa, confundindo os fazer. Neste caldo, a compra de votos, novelas românticas que lia eram
politicamente indispensável e participantes sobre quem cometeu os erros sobretudo na ausência de quem, de forma radicalmente diferentes do
em primeiro lugar. Mais ainda: nos países sistemática e apartidária, faça as contas às Antunes, e dos que se seguiram,
não apenas um meio de acção (mais) irresponsáveis, as redes de apoio propostas dos partidos, torna-se não só um na era pós-antuniana da São.
colectiva, através do qual aparecem in extremis, na forma de uma caminho fácil, mas também sedutor e eÆcaz. Eram todos eles relativamente
troika ou de criação monetária, e quando Uma estratégia que corre o risco de não inclinados, uns mais do que outros,
os cidadãos se organizam
E
dispensadas são tratadas com desaforo. apenas contaminar as contas públicas, mas partilhando também outras duas
Com a estatização, é assim que funciona: também de levar as pessoas a acreditarem, características difíceis de conciliar, mas que
stá aberta a época de caça ao enquanto colectividade, tornamo-nos erroneamente, que o estatismo é a única eles tinham arte ou instinto para as fazer
voto. De um modo geral, as grandes de mais para falirmos e, pior avenida através da qual se pode atingir o conviver no mesmo corpo: eram ao mesmo
propostas que até agora têm ainda, insolentes. Um regime altruísta para progresso. tempo xaroposos e brutos. Depois do Antunes,
vindo a ser apresentadas aos uns, para outros é a decadência do regime. Sobre alternativas, por estes dias, a nova foi o Figueiredo, depois do Figueiredo foi o
eleitores pelos diferentes O debate que historicamente opôs o estrela do movimento libertário — isto é, do Silva, depois do Silva foi o Almeida, o único que
partidos têm essencialmente socialismo ao capitalismo perdeu interesse liberalismo levado ao limite —, o presidente não usava bigode: a São tentava remediar o
uma marca em comum: a preferência pela para a maioria. Hoje, já não há comunistas argentino Javier Milei, esteve na cimeira de peito com uns amores efémeros que não lhe
intervenção do Estado. Da economia – os socialistas puros —, senão mesmo em Davos, na Suíça, onde aÆrmou que o entregavam mais do que uns arranhões na
“estrategicamente” orientada pelo Estado do poucos lugares do mundo — Portugal sendo Ocidente corre perigo. Descontando a alma, ou na melhor das hipóteses umas
Partido Socialista, à “articulação” entre o um desses casos —, e a esmagadora maioria retórica política, Milei não deixou, contudo, cócegas na auto-estima. Não era suÆciente, mas
Estado e o sector privado do centro-direita, dos capitalistas adquiriram (pelo menos) de apontar a relação simbiótica entre a São não sabia dizer o que lhe faltava, e
passando pela economia estatizada do Bloco uma costela socialista. O que move a capitalismo, desenvolvimento económico e aquelas relações eram o substituto possível de
de Esquerda e do Partido Comunista, ao maioria das pessoas é o dinheiro que cada bem-estar das populações, contrastando um amor: ir ao cinema e a boîtes, jantar fora
Estado naturalista do Livre e do PAN, ou ao qual tem na sua conta bancária. No caso de com o historial de miséria trazido pelo num restaurante com nome estrangeiro.
esdrúxulo Estado mercantil do Chega, não Portugal, sabemos que o dinheiro não é socialismo onde quer que este, bem ou mal, É preciso que aprendas, disse a Alexandra à
há no panorama político um único partido muito e por isso tanta gente emigra. De foi posto em prática. Dirá o leitor: mas já não Ana, o sorriso cardiognóstico. Pendurou no
que, de modo taxativo, resuma o papel do acordo com o Observatório da Emigração, existe a divisão capitalismo vs. socialismo quarto da Ana uma reprodução da Gioconda.
Estado à regulação jurídico-legal da cerca de 2,3 milhões de portugueses que os libertários apontam. É verdade. Quando souberes sorrir assim, meu futuro
economia e à defesa das liberdades residem no estrangeiro — a mais elevada Todavia, com o crescimento do estatismo e a cadáver, poderás derrotar a melancolia e
individuais. O Estado tornou-se taxa de emigração da Europa e uma das subversão do capitalismo, passando este a outras inevitáveis agruras da vida. Não adianta
politicamente indispensável e não apenas mais elevadas do mundo — e 30% dos ter não uma, mas várias costelas socialistas, e terraplanar as nossas circunstâncias com
um meio de acção colectiva, através do qual nascidos de mãe portuguesa nascem fora no limite todo o esqueleto moldado pelo máquinas, ir com grandes tractores, que a vida
os cidadãos se organizam a Æm da realização de Portugal. São pessoas que procuram a estatismo, a clivagem ideológica poderá só reage à subtileza, ao pequenino, a vida é
de uma qualquer tarefa (educação, saúde ou valorização proÆssional e salarial que aqui mesmo voltar, mesmo que numa forma artesanato. A disposição e o humor são
outra). não encontram, bem como estilos de vida e diferente da do século XX. E já sabemos domados pelo corpo e não ao contrário.
O mercado da política está a funcionar. culturas diferentes (ainda que não como acaba o socialismo… A Ana repetia «pequenino», «grandes
Mas, curiosamente, os partidos que dizem necessariamente com menos Estado). O alheamento ideológico da maioria dos tractores». Isso, sublinhava a Alexandra. Há
não apreciar as lógicas de mercado pouco O eleitorado português encontra-se assim eleitores, por oposição à sua crescente prisões como labirintos complexos das quais
ou nada têm feito para o regular. O objectivo serventia face ao Estado, é na minha opinião jamais descortinaremos a saída, há outras como
da política é simples: conquistar votos para preocupante. Não sendo assunto fácil de desertos cuja saída é inalcançável e não a
chegar ao poder. Para mim, seria preferível abordar, desde logo porque ninguém gosta vislumbramos, há outras tão pequenas como
que o exercício da democracia se Æzesse de se ver na serventia e porque há um lugar gaiolas de pássaros ou mais pequenas ainda,
apenas com movimentos e sem partidos, para o Estado na economia, para além da como uma caixa craniana, ou mais pequenas
porque enquanto os primeiros podem ser regulação jurídico-legal, em especial no ainda como um estereótipo. Dessas não
pueris, os segundos são sempre Ænanciamento da educação e da saúde, escapamos por falta de mobilidade, porque
interesseiros, utilizando o poder coercivo do Com a estatização, deveríamos questionar-nos seriamente: temos medo de nos mexer, porque não
Estado para satisfazerem os interesses que precisamos mesmo do Estado nas restantes conseguimos mexer-nos, porque não queremos
representam. Mas a democracia
é assim que funciona: áreas para as quais ele é chamado? A ideia da mexer-nos. A Ana já não a ouvia. E muitas vezes
parlamentar não dispensa os partidos, por enquanto associação de contribuintes, como aquela a saída não importa nada, podemos viver como
isso o melhor que podemos fazer é que foi criada em Portugal, é interessante. Se se dançássemos, em vez de ir a direito na
escrutiná-los. A imprensa livre é
colectividade, o destino dos impostos for explicado de direcção de uma porta, rodopiamos com
fundamental, tal como os mecanismos de tornamo-nos grandes forma transparente, a avaliação sorrisos cardiognósticos. A Ana já estava no
supervisão que possam também defender os custo-benefício será mais fácil de fazer. quarto. Estava na hora de dormir.
cidadãos de propostas lesivas do interesse
de mais para Porém, não é certo que esta seja suÆciente,
comum. Pague-se, pois, com dinheiro dos falirmos e, pior ainda, sobretudo se não houver quem faça a
contribuintes, para termos uma agência a apologia, necessariamente ideológica, mas Não perca o podcast com
fazer as contas às propostas dos partidos
insolentes. Um regime não menos humanista, de uma sociedade
Fábrica
de criadas os textos lidos pelo autor.
como se faz noutros países. (Vejam bem. Até altruísta para uns, para com menos Estado e maior responsabilidade AFONSO
CRUZ
Ao fim-de-semana,
este vosso cronista, talvez menos do que a individual. um exclusivo para
maioria, se rendeu ao poder regulador do
outros é a decadência assinantes
Estado!...) do regime Economista Em publico.pt/podcasts
8 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
Montenegro
propõe plano
de emergência
para a saúde,
em 60 dias
Líder do PSD e da AD garante, em dois
meses, resolver a recuperação do tempo
de serviço dos professores
dos professores — que pretende resol-
Sofia Rodrigues
ver também nos primeiros 60 dias de
Luís Montenegro, líder do PSD e da governo —, bem como a redução do
Aliança Democrática (AD), propõe IRS e IRC.
aprovar, nos primeiros 60 dias de um E foi neste ponto que Montenegro
eventual futuro governo, um plano aproveitou para fazer a destrinça
de emergência para a saúde, a aplicar entre o projecto da AD e o do PS: “É
em dois anos, que inclui a atribuição importante que os portugueses sai-
de vouchers, o recurso ao sector pri- bam que o PS e o seu candidato que-
vado, social e a proÆssionais aposen- rem subtrair às pessoas e empresas
tados. o máximo de impostos. E querem
No Ænal de uma convenção em fazer isso para quê? Para as amarra-
que a sala se manteve entusiasmada, rem aos subsídios e às ajudas. Empo- (e soltado gargalhadas) com Pedro
ao longo do dia, com os vários ora- brecer para enfraquecer, enfraque- Santana Lopes.
dores — e que teve até a surpresa de cer para amarrar, amarrar para per- Lembrando que esteve no coração
um discurso de Pedro Santana Lopes petuar. Este é o esquema do da AD de 1979, Santana Lopes elogiou
—, o presidente dos sociais-democra- socialismo.” Montenegro como um líder “carismá-
tas avançou ainda com a ideia de Mais do que atacar o PS e o adver- tico” ao assumir que só governa se
consagrar o acesso universal e gra- sário Pedro Nuno Santos — isso foi ganhar. Ao mesmo tempo, o antigo
tuito ao pré-escolar até aos seis anos. feito pelos vários oradores da con- primeiro-ministro atirou ao PS.
Mas não se comprometeu com uma venção ao longo do dia —, o líder do “Os governantes do PS falharam
proposta concreta para as forças de PSD gastou boa parte da sua inter- tanto nos resultados que é óbvio que
segurança, porque se recusa a “dar venção a falar sobre o que traz a AD. têm de ser substituídos. Como é que
tudo a todos”, prometendo apenas Apresentou-a como um projecto que o PS não pede desculpa e aos seus
iniciar “negociações” com os seus tem “uma nova atitude, um novo congéneres pelo mundo fora: ‘Somos
representantes sobre a “valorização objectivo e novas políticas”. “Uma socialistas e deixámos as políticas
salarial e o estatuto”. nova atitude: seriedade, competên- sociais de forma vergonhosa, a saúde,
No discurso que fechou a Conven- cia e sentido de responsabilidade, educação, habitação’”, disse o presi-
ção da AD, em clima de festa e com [não] prometer o que sabemos que dente da Câmara da Figueira da Foz,
gritos de “vitória”, Montenegro deta- não podemos cumprir, as pessoas eleito como independente, deixando
lhou “um plano de emergência para estão fartas de promessas não cum- vivas à AD.
executar em 2024 e 2025 na área da pridas. A campanha não é para lei- Se Passos Coelho não esteve na
saúde” em que pretende encurtar o loar”, disse, considerando, no entan- Luís Montenegro e Nuno Melo, económica. O objectivo foi assumido: convenção — e isso foi notícia nos últi-
prazo de marcação de consultas de to, que “não é credível” quem se líderes do PSD e do CDS, “Esta é a altura de nos reconciliarmos mos dias —, foi Leonor Beleza, antiga
medicina familiar, colocando a tele- propõe “fazer hoje o que não fez nos protagonizam a nova AD com os pensionistas e reformados de ministra de Cavaco Silva e conselhei-
consulta como alternativa quando últimos oito anos”. Portugal.” O eleitorado mais jovem ra de Estado, que deixou o recado
possível, e que quer “assegurar médi- No seu discurso, Montenegro falou foi coberto com a proposta do acesso mais assertivo à ausência. “Estou aqui
co e enfermeiro recorrendo a proÆs- para vários eleitorados, apontando universal e gratuito ao pré-escolar. porque resolvi vir aqui. Ninguém me
sionais aposentados”. como prioridade as mulheres, que Com alguns compromissos já assu- convidou. Este não é um tempo de
Nas urgências, o plano prevê a recebem salários mais baixos do que
Estou aqui porque midos, e quando muitos apoiantes do cerimónias. É um tempo em que pre-
redeÆnição da rede e a atribuição de os homens, e que sofrem com a “ins- resolvi vir aqui. PSD duvidam da estratégia do líder cisamos de estar todos mobilizados”,
incentivos aos proÆssionais, e nas tabilidade” nas urgências de obstetrí- social-democrata de apenas governar disse a presidente da Fundação
consultas e cirurgias de especialidade cia. Mas também se dirigiu aos mais
Ninguém me se ganhar as legislativas, o próprio Champalimaud, que dedicou boa
é atribuído “automaticamente um velhos, ao voltar a apresentar a pro- convidou. Este justiÆcou: “Não tenho medo do juízo parte da sua intervenção às “desigual-
voucher sempre que se atinja um tem- posta para melhorar o complemento dos portugueses, eu só quero gover- dades” geradas pela falta de acesso à
po máximo de resposta”. solidário para idosos até aos 820
não é um tempo nar na base da conÆança dos portu- saúde.
O líder do PSD reaÆrmou algumas euros e ao anunciar a intenção de dar de cerimónias, gueses, eu não quero trair a conÆança A antiga ministra da Saúde defen-
outras propostas que já apresentou, um apoio a 100% nos medicamentos dos portugueses.” Foi um dos muitos deu a necessidade de “fortalecer e
nomeadamente a recuperação gra- a idosos com doenças crónicas e que
aÄrmou Leonor momentos em que a sala aqueceu, organizar o SNS”. “O que interessa
dual do tempo de serviço congelado tenham comprovada insuÆciência Beleza depois de minutos antes já ter vibrado não é endeusá-lo, mas o que tem de
Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024 • 9
Política
Em resposta
FOTOS: NUNO FERREIRA SANTOS
Disciplina de Moral
perdeu 122 mil alunos
numa década e abriu-se
a outras religiões
A disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica tem,
globalmente, perdido alunos. Mas, numa escola em Moreira de
Cónegos, tem ganhado outros: muçulmanos, budistas e hindus
alunos. Se no ano lectivo de Quando entrou nesta escola de
Reportagem 2012/2013 eram 265.981 inscritos na Moreira de Cónegos, há três anos,
disciplina nas escolas públicas do herdou da anterior professora
continente, em 2021/2022 esse quase todos os alunos inscritos.
Cristiana Faria Moreira Texto
número desceu para os 143.407, “Dos estrangeiros, só dois ou três
Adriano Miranda Fotografia
segundo os dados enviados ao inscritos… a maioria não. Quando
Era Dia Internacional do Obrigado, PÚBLICO pelo Ministério da os miúdos ouviam ‘católico’,
não se sabe bem por quem Educação. O mesmo cenário em certamente que se afastavam, mas
instituído, mas ali, para a aula de termos de professores: numa depois a minha colega começou a
Educação Moral e Religiosa Católica década passaram de 1469 para 1081. perceber isso e a convidá-los para
(EMRC), essa discussão pouco Serão várias as justiÆcações para vir à aula e, Ænalmente, alguns
interessava. “Vamos parar um este fenómeno. A escola pública mitos começaram a
bocadinho e cada um vai pensar tem perdido alunos (havendo uma desconstruir-se. Os primeiros
em coisas, pessoas, situações em ligeira recuperação no último ano), começaram a inscrever-se e depois
que se sente agradecido. A quem mas, à cabeça, estará uma erosão uns vão trazendo os outros. Agora
ou a que é que eu estou da pertença católica. Ainda que, quem não está inscrito é uma
agradecido?”, desaÆa a professora. segundo os Censos de 2021, 80,2% minoria”, diz Mónica Barros. Na Escola Básica 2/3 de Virgínia Moura, em Moreira de Cónegos, há alunos
Arya prepara-se para escrever da população portuguesa se Para a professora de Moral, a
no pequeno papel distribuído. declare católica, há outros estudos explicação também é simples: “A
Primeiro em inglês, depois em que apontam para o crescimento disciplina é encarada como outra
nepalês e ainda em português. dos que se dizem não-crentes ou qualquer, sendo diferente.” “As
Tudo com a ajuda do tradutor no crentes sem religião. pessoas têm uma visão de que
telemóvel. “Como se diz ‘grateful Moral é catequese. E não. Moral
for having a good life?’” Após a “Cada aluno é um mundo” não é catequese. Não é fácil
dúvida, a frase Æca feita: “Estou Esta é uma “disciplina facultativa e abordarmos a vida em diferentes
grata por ter a minha família, o é, obrigatoriamente, oferecida perspectivas, por isso é que um
pai, mãe, minhas amigas, BTS pelas escolas, de acordo com as professor de Moral tem de estar
[uma banda de K-pop sul opções dos alunos e das suas bem preparado ao nível de
coreana]. E eu estou muito grata famílias”, frisa o Ministério da História, de GeograÆa, até das
por ter uma boa vida.” Educação em resposta ao Ciências. Quando eles perguntam
Arya tem 12 anos, está em PÚBLICO. Que precisa ainda que a ‘mas a fé diz uma coisa e a ciência
Portugal há dois, vinda do Nepal, e disciplina que existe é a Educação diz outra’, parece um caminho
desenvencilha-se já muito bem em Moral e Religiosa, que pode ser inconciliável, mas não, são
português. Está entre três hindus, Educação Moral e Religiosa caminhos que se complementam”,
uma budista e uma evangélica e Católica, Educação Moral e diz.
católicos numa aula de EMRC do Religiosa Evangélica (EMRE) ou Apesar de a disciplina levar o
7.º ano na Escola Básica 2/3 de outra, “sempre que o número de nome de Educação Moral Religiosa
Virgínia Moura, na vila de Moreira alunos matriculados permita a Católica, a professora diz querer desta escola. “Todos os anos com eles, porque percebo quem é
de Cónegos, junto a Guimarães, abertura de turma”. E realça ter trazer sempre “uma perspectiva o fazemos um encontro de alunos e quem no meio da brincadeira.
onde têm chegado cada vez mais apenas dados referentes a alunos e mais global possível”, mesmo não cada vez mais aparecem alunas Quem é o líder, quem é que se
alunos estrangeiros. Noutras docentes de EMRC porque são tendo alunos estrangeiros na aula. com hijab (véu islâmico). Aqui isola. Dentro da sala há coisas que
turmas há muçulmanos e apenas estes os casos em que, ao “Aqui temos a vantagem de termos temos duas alunas muçulmanas a gente não consegue ver.”
mórmons. O que faz, aÆnal, que abrigo da Concordata, o Estado miúdos que podem falar neles que usam. Elas são, se calhar, a Pelo que se vê na aula, arrisca-se
alunos de outras religiões se português é responsável pelo próprios, na sua própria cultura. face mais visível da diversidade”, a perguntar se será mais uma aula
inscrevam numa disciplina que, recrutamento e colocação de Tenho numa turma dois reÇecte Mónica Barros. de Cidadania. A professora rejeita
aparentemente, pouco teria que professores. muçulmanos.” E esse é um Por ali, “cada aluno é um categoricamente. “A Cidadania
ver com eles? Para Arya, a resposta Mónica Barros, professora da estímulo ao diálogo inter-religioso, mundo”. E ela faz questão de os veio roubar quase todos os temas a
é muito simples: “A professora ama disciplina há duas décadas, nota repara. descobrir, pondo-os à vontade Moral. A disciplina de Moral não é
todos os estudantes. Tem respeito que ali, naquela zona que pertence Na parede da sala está aÆxado para trazerem quaisquer temas cidadania, não é moral, não é
por todas as religiões e ensina-nos ao distrito de Braga, a disciplina um calendário inter-religioso e que queiram ver discutidos. “A aula religião. É um bocadinho de tudo
a respeitar de igual forma.” “está bem implantada”. “Já estive uma breve explicação das religiões. é um espaço deles.” E eles porque está tudo ligado”, diz. No
É uma disciplina a perder terreno em escolas em que comecei com E Mónica Barros nota que ter cada trazem-nos: sobre a auto-estima, 7.º ano, o manual da disciplina
nas escolas portuguesas há vários três horas e, passados uns anos, já vez mais alunos de outras religiões sobre bullying. aborda “a perspectiva da ciência e
anos. Entre 2012 e 2022, a tinha 11, 12. Mas com muito inscritos em EMRC é uma realidade Gosta de pô-los a jogar e a a perspectiva religiosa e como é
disciplina de EMRC perdeu 122.574 trabalho”, refere. cada vez maior, que não é exclusiva conversar. “Gosto muito de brincar que as duas se conjugam. Dá uns
Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024 • 11
debates giros”, diz a professora. também da equipa da rádio. bom para trabalhar estas
Perto do Æm da aula, eles Quando chegam à escola, estes necessidades”, diz Rosária
guardam os papéis com os nomes a alunos estrangeiros começam por Carvalho. Por isso, de há uns anos
quem agradecem num frasco de ter um mentor, um aluno que fale a para cá, a escola tem a Ægura de
vidro. A actividade seguirá nas mesma língua para ajudar na mediador social.
próximas aulas, garante-lhes a integração. Antes de começarem “Recebo sempre as famílias
professora. Cibelly diz que vai logo nas aulas, Æcam na biblioteca quando chegam cá, faço um
embora mais feliz. “Quando eu algumas semanas com um diagnóstico no sentido de perceber
entro nessa aula, eu me sinto mais professor que se encarregará de as diÆculdades, mas também
feliz, sabe? A professora é muito lhes ensinar aquilo a que a apoiá-las na regularização dos
positiva. A gente conversa professora Rosária Carvalho chama papéis, na relação com as
bastante, conta histórias nossas, “português social”. “Andam pela instituições, nos apoios de que
faz actividades destas”, partilha a escola, mostram-lhes onde é que necessitam”, diz Carla Silva, a
brasileira de 12 anos, que mora em estão os vários espaços, como é mediadora social.
Portugal há quatro, quando chegou que se diz isto, como é que se diz Por ali, a diversidade é vista
com os pais, que vieram à procura aquilo, como é que se devem como algo muito positivo.
de uma vida melhor. Vem de uma dirigir às pessoas.” “Ajuda-nos a crescer, a evoluir. E
família evangélica, mas confessa “Estes alunos não têm o mesmo procuramos transmitir isso aos
ainda não saber muito bem a que alfabeto que nós, não têm a mesma outros alunos. Temos, por
religião quer aderir. língua. Daí a necessidade que exemplo, a Semana da Diversidade
tivemos de traduzir as placas e de Cultural, em que os pais vêm cá. Os
“Nem tudo são rosas” criar uns livrinhos nas várias pais estrangeiros cozinham um
A este agrupamento de escolas de línguas para entregar quando prato típico deles e depois fazemos
Moreira de Cónegos — vila onde, chegam cá para explicar, por uma partilha desses sabores”, diz a
segundo os Censos de 2021, exemplo, o sistema educativo mediadora social. “É muito
moravam pouco mais de 4600 português”, nota a professora. importante essa partilha, sentirem
pessoas — têm chegado cada vez Alguns falam bem inglês, outros realmente que nós estamos
mais alunos estrangeiros. Num quase nada. Esta é uma escola interessados neles.”
universo de cerca de 900, uma bilingue, o que signiÆca que Obviamente que “nem tudo são
centena são estrangeiros, de 13 algumas turmas, desde o rosas” neste processo, assume
nacionalidades, havendo uma pré-escolar até ao 3.º ciclo, têm Rosária Carvalho. É uma escola,
maior preponderância de alunos determinados conteúdos uma comunidade em constante
provenientes do Brasil, do Nepal e leccionados em inglês. Por vezes, adaptação para responder aos
do Bangladesh. nas aulas, monta-se uma espécie desaÆos que chegam. “Alguns pais
Os pais começaram a chegar há de cadeia de tradução: há alunos Æcaram receosos de ter muitos
uns anos para trabalhar nas estufas que vão traduzindo do português estrangeiros na turma porque
de frutos vermelhos da região. ou do inglês para hindi. “Para mim, podia prejudicar as aprendizagens.
Agora, estão a chegar às indústrias o importante é ter ali meninos a Foi um trabalho que também foi
que marcam a paisagem da região. compreender. Se estão a perceber sendo feito com eles”, observa.
s de várias nacionalidades nas aulas de Educação Moral e Religiosa As famílias, entretanto, em português, em inglês ou em
conseguiram juntar-se. E isso hindi, não me importo”, explica a Sociedade mais empática
Número de alunos matriculados na disciplina obrigou a escola a adaptar-se. docente de GeograÆa. “A ideia é o O maior pedido de MashraÆ, de 13
de Educação Moral e Religiosa Católica No átrio da entrada da velha sucesso educativo dos alunos.” anos, está quase, quase a ser
Em escolas públicas no continente
escola a precisar de obras, onde os Pela primeira vez este ano a escola cumprido. “Ó professora, estou a
alunos se juntam de olhos postos tem aulas de Português Língua tentar criar o clube de críquete
300.000 nos telemóveis, uma árvore de Não-Materna, porque foi a primeira desde o 5.º ano”, diz o aluno do
estrelas reúne os desejos e os vez que tiveram alunos suÆcientes 8.º. O equipamento, garante-lhe a
agradecimentos dos alunos para assegurar uma turma. professora, já está encomendado.
250.000
escritos em vários idiomas, com Neste contexto, o trabalho com É um desporto que MashraÆ
bandeiras de vários países as famílias também é fundamental. aprendeu a jogar desde pequenino
200.000
desenhadas. Um sinal da “Temos aqui miúdos com e é uma das coisas de que mais
diversidade que existe na escola. realidades familiares difíceis e sente falta, desde que, há quatro
As placas que indicam a achamos que, mais do que um anos, chegou do Bangladesh. O pai
150.000 biblioteca, o bar ou a sala dos psicólogo, um mediador social era veio primeiro, depois conseguiu
professores estão escritas não só trazer o resto da família, mas para
143.407 em português, mas também em trás Æcaram os avós, de quem sente
100.000 inglês, nepalês e bengali. “São mais saudades. Sabe já bem o peso
2012/13 2015/16 2018/19 2021/22 coisas simples, mas que fazem com que a palavra tem. Hoje, apesar de
que se sintam um bocadinho mais já se conseguir expressar bem em
integrados”, diz a professora de português, ainda sente
Número de docentes da disciplina GeograÆa, Rosária Carvalho, que diÆculdades. “Tudo é diferente: a
de Educação Moral e Religiosa Católica está também envolvida nos
A Cidadania veio língua, as roupas, a comida. Às
Com funções lectivas, em escolas públicas no continente projectos internacionais da escola. roubar quase todos vezes ainda não sei ler ou escrever
A rádio da escola, gerida pelos bem. E às vezes os colegas
1500
alunos, também lhes deixa
os temas a Moral. A brincam.” É um dos muçulmanos
recados em várias línguas. disciplina de Moral que anda nas aulas “Æxes” de
1380 “Tentamos traduzir também o Moral, como descreve. “Falamos
nosso jornal e aceder ao pedido de
não é cidadania, sobre tudo, sobre outras religiões.
músicas”, diz João Fontes, do 9.º não é moral, E falamos sobre as nossas próprias
1260 ano, que é um dos dinamizadores histórias.”
da rádio. “E quando é o último
não é religião. A história de Arya conta, por
1140
dia de Erasmus, quando os alunos É um bocadinho agora, uma adaptação fácil, em
estão a ir embora, nós também que nunca se sentiu discriminada
nos despedimos deles em várias
de tudo porque por ser estrangeira. Mas alerta que
1020 1081 línguas. Na Semana da Diversidade está tudo ligado fora daquelas quatro paredes,
2012/2013 2015/2016 2018/2019 2021/2022 Cultural pomos músicas onde se sente num lugar seguro, a
e há danças tradicionais”, diz Mónica Barros Professora sociedade poderia ser “mais
Fonte: Ministério da Educação PÚBLICO também Júlio César, do 7.º ano, de Educação Moral e Religiosa friendly”, mais empática.
12 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
Sociedade
Sociedade
Sofia Neves
702
pícios ao desenvolvimento de doen- dos pelo Governo e Outubro passa-
ças mentais. do, devem ser apoiados em função
Para muitos jovens, a entrada na da evidência e não do entusiasmo:
universidade é um período muito “Doze milhões de euros em três anos
desaÆante, já que os “expõe a vários Alunos da Universidade do Porto para um universo de 430 mil estu-
factores de risco psicossociais” envolvidos no estudo, um dos dantes do ensino superior não é
como as saudades de casa, os pro- primeiros em Portugal sobre muito dinheiro, mas será um bom
blemas de acomodação e adaptação, estigma e comportamentos investimento em programas com
a pressão para ter sucesso académi- de procura de ajuda evidência cientíÆca.”
14 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
Sociedade
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COM O PÚBLICO
PO NTO
VOLUME 7
E chega ao fim uma das histórias mais arrepiantes que passaram pelo PÚBLICO. COMPRE AQUI
Agora na América latina, enquanto lida com a morte do seu ex-comparsa, o
Assassino questiona o seu próximo passo, tentando afastar-se do mundo do
crime. No entanto, o seu passado violento impede o protagonista de seguir com
a sua vida, acabando por ser apanhado. Uma história que prova que o crime deixa
uma marca que jamais desaparece.
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16 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
Em Gimonde, Bragança,
o pão dá futuro
a cereais esquecidos
Elisabete Ferreira, na Pão de Gimonde, e Luís Afonso,
na Moagem do Loreto, tentam dar nova vida ao centeio
transmontano, ao trigo-barbela e a outros grãos nutritivos
fronteira gente aberta a partilhar padaria de um tio, fundada em
Reportagem conhecimento como quem 1960, que os Ferreira haveriam de
partilha um naco de pão com um comprar em 2000.
viajante, pelo caminho.
Abel Coentrão Texto
Uma padaria-laboratório
Anna Costa Fotografia
Pão de centeio transmontano Essa decisão representou um
e Cátia Mendonça Ilustração
Trazer o Clube Richemont para salto na história desta
Ela lidera a padaria da família, na Portugal — onde já se organizaram empresa. Tal como um
aldeia brigantina de Gimonde e, a várias iniciativas e acções de pedaço de massa-mãe
partir dos melhores ingredientes, formação envolvendo parceiros cuidadosamente alimentado,
cria pão com uma paixão que internacionais — foi o corolário de como aquele que se eterniza em
costumamos reconhecer nos uma década a procurar todos os pães e doces que dali
artistas. Ele mantém viva outra conhecimento entre os melhores, saem, sem nunca sair de Gimonde,
empresa familiar, uma quase alguns deles instalados no país a Pão de Gimonde reinventou-se,
centenária moagem de cereais na vizinho que, a partir de Bragança, muito graças à Ælha formada em da sua produção. Não espanta, por moagem zamorana que ainda
cidade de Bragança, de onde em ela percorre de comboio, com gestão: ganhou uma marca e uma isso, que, por estes dias, esteja a entrega grão moído em mós de
tempos, garante, saiu “o melhor facilidade. “As pessoas não têm a ÆlosoÆa, a de utilizar somente apoiar uma investigadora pedra, e da qual se tornou cliente,
centeio do mundo”. Elisabete noção do fácil que é, daqui, ir a farinhas estremes, sem aditivos, universitária, testando as principalmente para as farinhas
Ferreira e Luís Afonso estão a lutar, Zamora numa hora, e em 1h20 respeitando a tradição, inovando, possibilidades de incorporação de biológicas de cereais menos
cada um a seu jeito, pela estar em Madrid, e poder regressar por seu turno, no desenvolvimento farinha feita a partir de grainhas de comuns. Outras, compra-as em
reactivação de uma cultura em no mesmo dia.” de novas receitas. E até ganhou um uva, um resíduo da viticultura, no Bragança. Incluindo, claro, o
declínio, mas para a qual Muitas pessoas também não novo espaço, para além da fábrica. pão e em doces. centeio de Trás-os-Montes.
vislumbram futuro, se outros se terão a noção de que, deste lado da Há três meses, abriram na cidade Há anos que estabeleceu uma
envolverem. fronteira, é de Gimonde que sai um de Bragança uma padaria de venda relação profícua com o sistema A Moagem do Loreto
Não são tão comuns assim os dos melhores pães vendidos nas ao público. Logo na organização do universitário regional, e a empresa A poucos minutos da nova padaria
casos em que, de uma aldeia do lojas Continente — o pão de centeio espaço – que forma um circuito é, aliás, membro do projecto da família Ferreira, Luís Afonso
interior, alguém, em vez de fugir, transmontano, semi-integral, cuja para os clientes, deixando para os transfronteiriço Transcolab. É explica com entusiasmo a história
cria raízes, e dali abraça o mundo. moagem é feita também em escaparates e balcão de serviço o outra “rede de conhecimento da quase centenária marca
E o mundo de Elisabete, Ælha do Bragança. Pelo mesmo circuito espaço central –, a loja reÇecte os enorme”, no sector Moagem do Loreto, fundada pelo
padeiro Manuel Ferreira, nascida chega a todo o país o pão de intuitos de Elisabete Ferreira: agro-alimentar, explica, cheia de seu avô em 1926. Este veterinário e
em França, em 1977, é largo de trigo-sarraceno e nozes, a bola de valorizar o que fazem, a produção “gente com paixão”, na qual antigo vice-presidente da Câmara
horizontes. Foi essa largueza de carne transmontana e os local de outras iguarias, ali conheceu os donos da centenária de Bragança comprou à família, em
perspectivas que a levou, aliás, a económicos, um doce tradicional disponíveis, as farinhas dos seus
fundar o Clube Richemont da região. fornecedores, Afonso, Lopes &
Portugal, a que preside. A parceria com o gigante Cia., de Bragança, e Molinos del
Estávamos em plena pandemia português da distribuição (detido Duero, de Zamora.
quando ela instalou entre nós um pelo grupo Sonae, proprietário do No espaço destaca-se ainda uma
nó desta selecta rede internacional, PÚBLICO) põe estes produtos da enorme janela em quadrícula, a
com clubes em 11 países europeus, padaria da família Ferreira no meio fazer lembrar os planos
no Peru e no México, e que reúne de uma panóplia de pães de várias envidraçados de uma antiga
os melhores padeiros e outros regiões, lutando pela atenção dos oÆcina, encimado, a letras
agentes interessados no estudo, clientes. E abriu-lhes portas que garrafais, pela palavra Laboratório.
investigação, desenvolvimento e nunca conseguiriam transpor, se Do lado de lá daquele vidro,
partilha de conhecimento na área optassem pela Æxação a uma preparam-se os pedidos dos
da paniÆcação. Por estes dias clientela local, como acontece clientes, à vista destes, mas
prepara-se para mostrar produtos muito no negócio da paniÆcação, também se fazem, de facto,
portugueses num encontro de um pouco por todo o país. experiências de novas receitas,
líderes em Rimini, Itália, e tem já Na sua juventude, a entregar pão com velhos e novos ingredientes.
viagens marcadas para Madrid e que ajudava a amassar, nas férias e
para a Croácia, até Fevereiro. nos Æns-de-semana, Elisabete Economia circular
A luta é dura, e sozinho ninguém Ferreira já se fora apercebendo da Inscrita na associação Business as
ganha batalhas. Assim pensa insustentabilidade de um negócio Nature, signatária do Manifesto
Elisabete Ferreira, que, ao dependente de um território em Mulheres pelo Clima e participante
contrário da mais famosa e despovoamento acelerado. O pai, do projecto Guardiãs da Natureza,
lendária padeira portuguesa, trata Manuel Ferreira, regressara a pela inserção de Gimonde no
os vizinhos espanhóis com Gimonde em 1986 com a família, Parque Natural de Montesinho,
carinho, pois encontrou para lá após anos de emigração em Elisabete Ferreira tem evidentes
dessa costura a que chamamos França, e foi trabalhar para a preocupações com a circularidade
Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024 • 17
irregularidade de caudal, de culturas da região, que foi como o trigo espelta, e o barbela”,
alimentava com a sua energia as abandonando cereais como o trigo nota Luís Afonso.
mós de mais de 180 estruturas do barbela ou o centeio, bem Elisabete Ferreira concorda, mas
género. Hoje é eléctrica a energia adaptados ao exigente clima não se conforma. Na fábrica da
que alimenta a moagem, mas o transmontano, em favor de Pão de Gimonde, a poucos metros
cheiro dos cereais, a variedades de trigo mais do rio Sabor, onde a lenha ainda
arquitectura e os interiores do produtivas e outras culturas alimenta dois grandes fornos,
edifício, com os seus janelões permanentes. mostra-nos o armazém de
procurando a luz, remetem farinhas, elogia o seu carácter
para uma actividade de outros Um país em déÄce de cereais grosseiro, o ar de quase farelo,
tempos. Um passado à Não foi só aqui. Por motivos vários, mais evidente nas integrais, que
procura de futuro na maquinaria ao longo das últimas décadas valoriza, face às reÆnadas que
recente que rentabiliza tempo e Portugal perdeu grande parte da dominam a indústria.
consumos, e na aposta num novo sua capacidade de produção de Sustentada na investigação já
espaço de silagem, por exemplo. cereais. O país até tem uma produzida internacionalmente,
Venha o grão, que, com estratégia para inverter esse insiste que os ingredientes e
Ænanciamento comunitário, a declínio, recuperando alguma da processos que outrora eram sinal
empresa já investiu centenas sua soberania alimentar, mas nem de rusticidade precisam de ganhar
de milhares de euros para a guerra nem a instabilidade espaço entre os consumidores,
enfrentar, com melhor mundial – que, sob múltiplas pelos nutrientes que aportam,
saúde, os próximos anos. O formas e a partir de várias pelo bem que fazem à saúde.
problema, concordam Luís geograÆas, ameaça os Çuxos de Principalmente se forem
Afonso e Elisabete Ferreira, abastecimento e desestabiliza os produzidos, como aqui, sem
é encontrar quem cultive. preços – trouxeram alguma aditivos químicos e a partir de
Uma questão, que, na mudança visível. massa-mãe, exclusivamente, com
perspectiva de ambos, A Æleira é claramente deÆcitária. tempos de fermentação longos, a
mereceria um empenho de O país teve em 2022 a pior rondar as 24 horas.
vários agentes políticos, campanha de sempre nos cereais Numa sociedade que impõe a
empresariais e de Inverno. E, só de Janeiro a rapidez como o alfa e ómega da
académicos da região. Novembro do ano passado, economia, este tempo lento e
Ainda na semana acumulava um saldo negativo de longo, nota Elisabete, favorece
passada, o município de mil milhões de euros, fruto do peso processos enzimáticos que
Montalegre deu a conhecer um das importações, segundo dados minimizam o teor de açúcares e de
projecto de valorização económica do Sistema de Informação dos glúten, a proteína de que tanta
2013, a fábrica da Afonso, Lopes & e turística do tradicional pão de Mercados Agrícolas. gente quer fugir, e que está bem
Cia., um edifício classiÆcado, na
Além de ter dado centeio, que por ali se cultivava A Moagem do Loreto não tem presente nos alimentos à base de
sede do concelho, quando ela escala nacional ao muito, também, tradicionalmente. outro remédio que não seja cereais fermentados rapidamente e
“estava prestes a fechar”, e A iniciativa pretende incentivar a comprar fora grande parte do na chamada fast-food.
reactivou uma actividade com
pão regional de produção de cereal, em modo cereal que transforma, numa Lamentando que, para fazer uma
grande tradição na região. receita ancestral, biológico, para revitalizar alguns logística que os obriga a fazer mais análise de caracterização química e
Sentado no escritório onde o pai fornos antigos, nas aldeias do de 500 quilómetros, até ao porto nutricional de um pão, lhe peçam
trabalhara com um tio, o
Elisabete Ferreira concelho da região do Barroso. de Lisboa. No entanto, ainda que mais de mil euros, a partir da
brigantino de 60 anos, que fundou mantém uma O objectivo é comum, mas Luís Bragança esteja longe dos tempos pequena aldeia de Gimonde
também a Novavet, o “maior Afonso aponta rapidamente várias em que surgia nas estatísticas Elisabete Ferreira promete
exportador de medicamentos
relação profícua diÆculdades a vencer: o como o concelho português com continuar este combate pela
veterinários do país”, e que divide com universidades despovoamento e envelhecimento mais produção de centeio – e o informação ao consumidor, pela
o tempo entre as duas empresas, da população; a pulverização da quarto no trigo –, Luís Afonso promoção de um pão mais
abre o livro de memórias. A poucos
locais e integra propriedade agrícola em garante que o seu moleiro ainda saudável. AÆnal, se como se lê
metros dali, aponta, um moinho o projecto minifúndios, detidos por pessoas consegue distinguir pelo cheiro e numa ardósia na sua padaria,
no rio Fervença testemunha o com pouca propensão para produtividade o de Trás-os-Montes, citando Antoine de Saint-Exupéry,
tempo em que este curso de água,
transfonteiriço juntarem terras em projectos face ao que vem de fora. “não existe nada igual ao sabor do
conhecido como o “bazóÆas”, pela Transcolab comuns; e a alteração do padrão pão partilhado”, mais vale que ele
O melhor centeio do mundo seja mesmo bom, pelo bem que nos
Puxando de novo pela memória, o sabe, e pelo bem que nos faz.
dono da Moagem do Loreto
recorda tempos idos em que os O Programa Promove é uma
tractores faziam Æla para entregar iniciativa do BPI e da Fundação
nos silos locais da antiga Empresa “la Caixa”, em parceria com a
Pública de Abastecimento de Fundação para a Ciência e
Cereais (EPAC) 14 mil toneladas de Tecnologia, para fomentar a
centeio. A fábrica onde estamos dinamização das regiões do
tinha uma área reservada só para interior de Portugal. Nesta série
este cereal que, pela mão da EPAC, de três reportagens, o PÚBLICO
ganhava prémios lá fora. traça um retrato da dinâmica
O de Trás-os-Montes “chegou a destes territórios, focado em
ser considerado o melhor centeio projectos relevantes,
do mundo”, lembra. Contudo, em seleccionados por critérios
paralelo, a moda do pão branco, a editoriais, sem qualquer relação
partir de farinhas reÆnadas e directa com os apoios atribuídos
melhoradas com aditivos que lhe pelo programa. A próxima
dão “força”, ganhava terreno e o reportagem sai a 29 de Janeiro.
centeio, principalmente nas
regiões onde tinha tradição, Æcava
com o selo de pão dos tempos de
pobreza. A evitar, portanto. “A
indústria da paniÆcação perdeu
muita dessa sabedoria de
trabalhar com cereais fracos,
18 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
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Abacates, mirtilos,
citrinos e hortícolas já
ocupam 3000 hectares
em Alcácer do Sal
Entre actuais e previstos, serão mais de 130 os furos a fornecer
água para irrigar culturas de frutos exóticos no interior da Rede
Natura 2000, ameaçando recursos hídricos subterrâneos
e tangerinas vieram aumentar a área instaladas numa área com um raio de
Carlos Dias
ocupada por este tipo de culturas, 10 quilómetros: Herdade da Compor-
A recente divulgação do projecto para mais de 3000 hectares. ta, 982 hectares (hortícolas); Herdade
agroÇorestal que o grupo Aqueterra/ Os grandes espaços naturais que das Texugueiras Norte, 282 hectares
Expoente Frugal pretende instalar há poucas décadas testemunhavam (abacates); Herdade da Texugueiras
nas Herdades de Murta e Monte Novo, a sua integridade estão “cada vez Sul, 188 hectares (hortícolas); Herda-
no concelho de Alcácer do Sal, sur- mais conÆnados, fragmentados e de da Asseiceira, 117 hectares (produ-
preendeu pela dimensão da área que degradados”, prossegue a SPB, ção pecuária); e Herdade da Batalha,
propõe ocupar com a plantação de salientando os impactes que estão a 615 hectares (tangerinas).
abacates: 722,24 hectares, que vem ser potenciados sobre os recursos O ICNF esclarece que apenas o pro-
acrescer a outros sete projectos de hídricos nas várias explorações agrí- jecto agro-Çorestal das Herdades da
culturas intensivas que já estão insta- colas de regadio que já se encontram Murta e Monte Novo — 722 hectares
lados ou em vias de instalação. No seu implantadas. (abacates) — se encontra Avaliação de
conjunto, signiÆca a ocupação de A monocultura de espécies que Impacte Ambiental.
uma superfície superior a 3000 hec- “não são prioritárias para o regime No entanto, as empresas que se
tares em plena Rede Natura 2000 e alimentar da população portuguesa instalaram em Alcácer do Sal depois
da Zona Especial de Conservação pode tornar a área infértil, tendo em de 2019 adquiriram terrenos com
(ZEC) Comporta/Galé que ocupa, no vista o avanço das alterações climáti- uma área muito superior à que pro-
concelho de Alcácer do Sal, uma área cas e da mudança que será necessária põem para a produção de abacates e
superior a 60 mil hectares. incutir na actividade agrícola em Por- tangerinas. O projecto agro-Çorestal
As implicações em termos ambien- tugal”, adverte a Sociedade Portugue- da Herdade da Batalha é promovido
tais decorrentes da densiÆcação agrí- sa de Botânica. pela empresa Azul Empírico Lda., do
cola em território agro-silvo-pastoril grupo Aquaterra, adquiriu em Alcá-
e de grande sensibilidade ecológica Medidas de compensação cer do Sal uma área de 2664,25 hec-
foram explicadas ao PÚBLICO pela O Instituto da Conservação da Natu- tares, mas só vai utilizar 615,20 hec-
Sociedade Portuguesa de Botânica reza e Florestas (ICNF) garantiu ao tares para a produção de tangerinas,
(SPB). “Nos últimos anos este territó- PÚBLICO que as espécies da Çora assumindo a intenção de alargar a
rio [Alcácer do Sal e Grândola] tem legalmente protegidas identiÆcadas área de exploração no futuro. na Bacia do Tejo-Sado/Margem
vindo a perder a sua integridade, com na Zona Especial de Conservação A empresa Expoente Frugal Lda.,
A monitorização Esquerda do Tejo, inferiores ao per-
a complacência de quem deveria (ZEC) da Comporta-Galé, “foram sal- que também integra o grupo Aqua- dos recursos centil 20”.
zelar pela sua conservação”, refere vaguardados através de condiciona- terra, adquiriu as herdades de Murta Os valores piezométricos, que per-
esta organização, destacando os valo- mentos e de medidas de minimização e Monte Novo, com uma área conjun-
hídricos que são mitem medir o nível de um lençol
res Çorísticos que estão a ser afecta- e/ou compensação”. ta de 2402,10 hectares, para a produ- extraídos “é feita freático, “apresentam uma tendência
das pelo novo modelo cultural: “14 E numa apreciação aos efeitos que ção de abacates em 722,24 hectares, de descida, inferiores aos níveis da
espécies com estatuto legal de pro- poderão estar a ser causados pelas deixando para a produção Çorestal
pelas pessoas que seca de 2005”, realçando que a situa-
tecção, 14 endemismos lusitanos, dez culturas intensivas o ICNF adianta 1415,85 hectares. possuem os furos”, ção das águas subterrâneas, no ano
espécies ameaçadas de extinção em que foram “aplicadas medidas de SigniÆca que só estes dois projectos hidrológico de 2023, foi “mais grave
Portugal e 11 quase ameaçadas, para compensação para a instalação de mantêm, em reserva, 3730 hectares
alerta Manuel do que no ano de 2005 e, signiÆcati-
além de 41 habitats com estatuto legal culturas baseadas em frutos tropicais que poderão, numa fase posterior, vir Duarte Pinheiro vamente, mais desfavorável do que
de protecção, alguns deles de conser- (abacate e mirtilos), citrinos e hortí- a aumentar as áreas com novas cultu- na seca de 2022”. E no concelho de
vação prioritária”. colas, nomeadamente a obrigação de ras, que recorrem a elevados débitos Alcácer do Sal os aquíferos subterrâ-
Os impactos cumulativos “são alar- os promotores aplicarem as medidas no consumo de água para rega sub- “Com a chegada neos persistiam em apresentar “valo-
mantes”, analisa a SPB: por exemplo, de gestão do Plano Sectorial da Rede traída dos aquíferos subterrâneos. res inferiores ao normal ao longo dos
no período de 2011 a 2019, cerca de Natura 2000 nas áreas não utilizadas É este crescimento de áreas ocupa-
dos abacates, dos últimos nove anos.”
1950 hectares de áreas naturais ou para Æns agrícolas”. das com culturas de abacate, mirtilos, mirtilos e dos Estas situações dizem respeito a
seminaturais dentro da ZEC Compor- Assim, as áreas ocupadas ou a ocu- tangerinas e hortícolas que colide massas de água onde, “durante
ta/Galé “foram eliminadas para agri- par, autorizadas nos diferentes pro- com as apreensões expressas na 16.ª
hortícolas, vários meses, e em alguns casos,
cultura intensiva de regadio”. jectos sujeitos a procedimento de reunião da Comissão Permanente de desapareceu a mesmo anos, os níveis de água per-
Estes quase 2000 hectares, conti- Avaliação de Impacto Ambiental Prevenção, Monitorização e Acompa- maneceram inferiores ao percentil
nham, “na sua maioria, habitats e (AIA), “deverão totalizar cerca de nhamento dos Efeitos da Seca reali-
bicharada”, refere 20”, prossegue o documento publi-
espécies de importância comunitária 20% das áreas com ocorrência de zada a 25 de Agosto. Alves de Sousa cado por aquele organismo. A quase
(listados na Directiva Habitats), alguns habitats com interesse comunitário, Este organismo conÆrma que os totalidade dos aquíferos subterrâ-
deles prioritários”. E desde 2019 até em diversos estados de conservação”, níveis de água subterrânea registados neos na Bacia do Tejo-Sado/Margem
ao presente outros projectos basea- salienta o ICNF. no ano hidrológico de 2023 perma- Esquerda do Tejo que é origem de
dos na produção de mirtilos, abacates São as seguintes as explorações já neceram “signiÆcativamente baixos água para abastecimento público
Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024 • 23
MIGUEL MANSO
onde documenta o impacto das não temos alimentos.
várias actividades agrícolas ao longo Indo mais longe na sua análise em
dos últimos anos na zona envolvente tempo de escassez de água, Godinho
ao aldeamento da Montalvo e da sua Calado explica: “Eu não tenho de ter
“pressão nos recursos hídricos” água só para a população. Tenho de
locais. ter recursos hídricos para produzir
Diz ter recorrido a estudos publica- alimentos para as populações.” E
dos pela Agência Portuguesa do recorre a um exemplo pessoal: “Ain-
Ambiente (APA) para elaborar o docu- da hoje não bebi água, mas já ingeri
mento que apresentou na comissão duas refeições”.
parlamentar. IdentiÆcou os seis pro- Face aos alertas avançados por
jectos mais signiÆcativos que desde Manuel Pinheiro, o director regional
2015 foram instalados na envolvente acredita que o consumo de água em
da Herdade do Montalvo para produ- Alcácer do Sal “não será problemáti-
zir mirtilo, abacate, milho, ervilha, ca face aos empreendimentos que
abóbora, couve, nabos, cenoura, tre- existem”.
mocilho e trigo. O mesmo ponto de vista é partilha-
O total de água consumida nestas do por outro dos participantes na
produções é de “cerca de seis milhões audição: o director da Administração
de metros cúbicos” em circunstâncias da Região HidrográÆca do Alentejo/
normais, mas “sabemos que as neces- Agência Portuguesa do Ambiente,
sidades hídricas aumentam à medida André Matoso.
que as temperaturas sobem, e desta “Todos temos a mesma preocupa-
forma as necessidades de água pode- ção revelada no estudo, mas corre-se
rão ser superiores em períodos de o risco de nos deixar alarmados sobre
stress hídrico”, assinala. o consumo de recursos hídricos no
A preocupação maior concentra-se concelho de Alcácer do Sal”, susten-
nas disponibilidades de água, “que é ta. Para dar suporte à sua aÆrmação,
cada vez menos para o futuro”, supor- diz que em Alcácer do Sal a disponi-
tando o seu argumento nos estudos bilidade hídrica subterrânea é 85
hidrogeológicos elaborados para hectómetros cúbicos (hm3).
zona. No espaço de uma década, o
nível piezométrico dos aquíferos “Há água suÄciente”
pode ter descido 10, 20, 40 e até che- Presidente da Câmara de Alcácer do
gar aos 80 metros. Sal do Sal, Vítor Proença vinha muni-
O licenciamento destes projectos do de um documento da empresa
“coloca em risco a água para as pes- Águas Públicas do Alentejo que
soas”, admite Manuel Pinheiro. “A garante que, de “uma forma geral,
situação piorou e, pelos dados que não são veriÆcados rebaixamentos
tenho, piorou substancialmente.” nos aquíferos” destinados ao consu-
Desde 2019, acentua, “as extracções mo humano. Contrariando o pano-
aumentaram cerca de 50%, oque rama crítico apresentado por Manuel
equivale à água que pode ser consu- Pinheiro, o autarca garante que “há
mida por 230 mil pessoas.” água suÆciente naquela zona e até
para mais produções e para novas
Sem monitorização externa explorações”.
No levantamento efectuado por Referindo-se aos terrenos alienados
Manuel Duarte Pinheiro, com base na à Rede Natura 2000 e agora ocupados
informação recolhida na APA, nas por culturas intensivas, Vítor Proença
explorações que já se encontram em recorda que o território era preenchi-
para uma população de um milhão ameaça do seu esgotamento”. Embo- A cultura do abacate é uma das fase de produção juntamente com as do por “terrenos de charneca e de
de habitantes mantinham-se “em ra a falta de água não seja um proble- que mais crescem na zona de que estão em avaliação, prevê-se a pântano” que foi transformado ao
situação crítica sem nunca terem ma no momento, “já notamos que Alcácer do Sal, juntamente com abertura de 131 furos que suportam longo de décadas numa zona Çorestal
conseguiram recuperar face aos tem algum sabor, obrigando-nos a os mirtilos e as tangerinas as necessidades de quase todo o sis- e agro-Çorestal que “permite usos
eventos pluviosos ocorridos ao longo recorrer à água engarrafada e aos Æl- tema de rega avaliadas em mais de 18 agrícolas de forma condicionada,
do ano hidrológico 2022-2023”. tros”, aÆrmou. milhões de metros cúbicos anuais. como tem acontecido”, defende.
A situação do aquífero Tejo-Sado E, no entanto, a monitorização dos A Rede Natura 2000 na Comporta/
(margem esquerda) “continua preo- Sem sítio onde Äcar recursos hídricos que são extraídos Galé estende-se por 32 mil hectares,
6
cupante e indicia [as consequências] Outro fenómeno poderá ser associa- “é feita pelas pessoas que possuem lembra o presidente da Zero, Francis-
das extracções que estão a ocorrer do ao modelo agrícola que está a os furos”, assinalando que os meios co Ferreira, convidado a participar na
nas imediações das estações” de emergir em Alcácer do Sal: “Com a disponíveis na administração públi- audição da Comissão Parlamentar do
monitorização existentes nos piezó- chegada dos abacates, dos mirtilos e ca para fazer o acompanhamento Ambiente.
metros, nomeadamente em Alcácer dos hortícolas, desapareceu a bicha- milhões de metros cúbicos pós-avaliação ambiental são insuÆ# Os projectos agrícolas de culturas
do Sal. rada”, refere Alves de Sousa, “assisti- é o total consumido, cientes. “Nem sequer há dinheiro intensivas vieram “desvirtuar os
O “consumo insustentável de recur- mos ao corte maciço da Çoresta à em circunstâncias normais, para pagar a deslocação dos técnicos objectivos da conservação da nature-
sos hídricos subterrâneos no conce- nossa volta e os bichos deixaram de por seis projectos na envolvente ao terreno, o que revela a fragilidade za, numa área que ainda não tem
lho de Alcácer do Sal” já foi o tema de ter sítio onde Æcar”. Apenas resta o da Herdade do Montalvo do sistema que temos”, acentua o plano de gestão”, defende. E apesar
uma audição na Comissão Parlamen- coberto vegetal nos cerca de mil hec- investigador. de violarem a legislação comunitária
tar de Ambiente e Energia realizada tares do aldeamento da Herdade de Confrontado com o teor das aÆr- e europeia e nacional, “cerca de 6000
131
a 19 de Julho de 2022, solicitada pelo Montalvo que agora têm na vizinhan- mações proferidas por Manuel hectares de áreas protegidas estão
Grupo Parlamentar do PSD e a pedido ça uma extensa plantação de mirtilos Pinheiro, o director regional de Agri- ocupados com produção agrícola e
dos residentes no Aldeamento Turís- da empresa Logofruits. cultura e Pescas do Alentejo, José projectos turísticos”, conclui o diri-
tico Herdade do Montalvo, receosos Manuel Duarte Pinheiro, professor Godinho Calado, considerou que “o gente ambientalista.
que a água lhe faltasse nas torneiras. no Instituto Superior Técnico e inves- Nas explorações que já se estudo apresentado por Manuel O PÚBLICO colocou um conjunto
Alves de Sousa, presidente do con- tigador em Engenharia Civil para a encontram em fase de produção Duarte Pinheiro é correcto”, mas jus- de questões à APA, à Câmara de Alcá-
selho de administração do aldeamen- Sustentabilidade, elaborou um juntamente com as que estão tiÆcava um reparo: é verdade que cer do Sal e às empresas Aquaterra,
to de Montalvo, explicou ao PÚBLICO extenso parecer que apresentou na em avaliação, prevê-se podemos destinar a água para o con- Granfer e Logofruits, mas até ao fecho
que o grande problema “reside na Comissão Parlamentar do Ambiente, a existência de 131 furos sumo de 100 mil pessoas, mas depois da edição não houve reposta.
24 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
Estarmos a preparar-nos
já para um vírus ainda
desconhecido? Equipa
portuguesa recebe
oito milhões para isso
Objectivo é criar antivirais que funcionem contra uma vasta
gama de agentes infecciosos e que possam ser adaptados
de forma fácil e rápida numa situação de emergência
“doença X” pode mesmo provocar gador, começou online e agregou
Filipa Almeida Mendes
20 vezes mais mortes do que a vários laboratórios de investigação e
E se pudéssemos começar já a pre- covid-19. “dezenas de pessoas — cada uma
parar o combate a um vírus que ain- delas a fazer coisas diferentes, com
da é desconhecido? Uma equipa Um regresso ao passado objectivos diferentes, incluindo o
internacional liderada por dois inves- Este é o único projecto com coorde- diagnóstico, caracterização do vírus,
tigadores portugueses recebeu oito nação portuguesa seleccionado no tentativa de fazer prevenção”, entre
milhões de euros do programa Hori- concurso Cluster Saúde 2023 do pro- outros.
zonte Europa para descobrir e pro- grama Horizonte Europa e espera A equipa foi evoluindo, contando
duzir novos medicamentos para colocar a Europa na linha da frente com a colaboração de outras insti-
vírus. O objectivo é que a tecnologia na resposta a ameaças emergentes. tuições, nomeadamente portugue-
possa ajudar a combater as próximas Como tudo começou? Para res- sas, até que se formou uma espécie
pandemias. ponder a essa pergunta temos de de consórcio que, em 2022, ganhou
“A grande ideia do projecto é ter regressar ao início da pandemia de um Ænanciamento de um milhão de
uma plataforma que possa rapida- covid-19, em Março de 2020. Desde euros da Fundação “la Caixa” com
mente gerar um biofármaco adapta- aí que o Laboratório de Modelação o projecto BioPlaTTar para criar
do a uma pandemia que surja ines- de Proteínas do ITQB, liderado por uma plataforma para combater a
peradamente”, começa por explicar Cláudio Soares, “se tem dedicado a covid-19 e a gripe, com a colabora-
ao PÚBLICO Diana Lousa, do Institu- desenhar e a testar moléculas inova- ção de um parceiro do Centro Nacio-
to de Tecnologia Química e Biológica doras contra novas ameaças”, frisa nal de Biotecnologia, em Madrid
António Xavier (ITQB) da Universi- um comunicado divulgado pelo ins- (Espanha). Foi precisamente aqui
dade Nova de Lisboa, que lidera a tituto. que teve origem o novo projecto,
equipa com Cláudio Soares. A temática fazia já parte da agenda chamado EvaMobs e coordenado
O problema dos antivirais actuais, da equipa, que estudava o vírus da pelo ITQB, com o qual a equipa pre-
explica a cientista, é que “são espe- gripe há vários anos, mas a recente tende dar um passo em frente e tra- Equipa internacional, liderada aplicadas e de contribuir com estes
cíÆcos para alguns vírus, além de pandemia de covid-19 “tornou ainda balhar noutros vírus e medicamen- pelos cientistas portugueses biofármacos antivirais.”
que, em geral, também não têm uma mais real e urgente a necessidade de tos. Cláudio Soares e Diana Lousa, Para isso, criaram o tal consórcio
eÆcácia muito alta”. Por isso, em vez acelerar o desenvolvimento de pro- “O ‘la Caixa’ trouxe-nos uma ambi- recebeu oito milhões de euros que foi crescendo, primeiro dentro
de produzir apenas uma molécula, dutos biofarmacêuticos para agentes ção maior e pensámos
nsámos que podíamos do programa Horizonte Europa; do instituto, depois no país e, poste-
os investigadores pretendem desen- patogénicos nestes cenários”, acres- inclusivamente e e um biofármaco desenv
desenvolvido riormente, além-fronteiras. Este
volver uma plataforma que ajude a centa a nota. expandir esta a pela equipa (estrutura a rosa) crescimento só foi possível graças ao
produzir rapidamente “moléculas No início da pandemia de covid- equipa para um m usando métodos Ænanciamento que a equipa foi rece-
especíÆcas adaptadas a vírus dife- 19, “as pessoas foram para casa” e o consórcio euro- o- computaciona
computacionais bendo, mas, garante Diana Lousa,
rentes”. país entrou em conÆnamento peran- peu”, nota Cláudio
udio para se encaixar
enc antes do “sucesso” houve “muito
“Se a próxima pandemia que sur- te uma ameaça desconhecida. Foi Soares, acrescentando
entando no alv
alvo insucesso”, com o grupo a perder
gir for de gripe, poderemos usar esta então que o Laboratório de Modela- que este consórcio
rcio é ago- (es
(estrutura vários concursos anteriores.
plataforma para produzir um fárma- ção de Proteínas do ITQB — do qual ra composto por or 11 parcei- aaazul)
co especíÆco para a gripe. Mas mes- Diana Lousa também faz parte —– ros de Portugal,l, Suíça, Espa- d
de forma Tecnologia inovadora
mo que seja de um vírus para o qual decidiu “arregaçar as mangas” e nha, Irlanda, Bélgica,
élgica, Croácia,, efi
eficiente Uma vez que os antivirais que exis-
ainda não foi testada, ela poderá ser meter “mãos à obra”. “Dado que Alemanha e Paísesses Baixos, reu- tem actualmente actuam apenas
rapidamente adaptada — mesmo trabalhávamos em áreas que con- nindo peritos de várias áreas. contra um número limitado de vírus
que seja um vírus que agora ainda é Çuíam para a pandemia — como a Diana Lousa a sublinha que e não é possível prever os vírus que
desconhecido”, esclarece Diana virologia e a infecção —, tínhamos tudo começou com uma “von- irão causar as próximas pandemias,
Lousa. algumas capacidades que podería- tade de contribuir”
buir” durante a surge a necessidade de criar antivi-
Poderá ser o caso da enigmática mos pôr ao serviço e resolvemos pandemia de covid-19. “Tínha- rais que funcionem contra uma
“doença X”, que pode ser um vírus, fazer aquilo a que chamámos uma onhecimento d
mos algum conhecimento a
da vasta gama de agentes infecciosos e
bactéria ou fungo que, actualmente, task-force covid”, explica Cláudio perspectiva molecular destas que possam ser adaptados de forma
desconhecemos ou estamos a igno- Soares, que é também professor infecções virais.
s. Trabalhávamos fácil e rápida numa situação de
rar, mas que poderá ter o potencial catedrático e pró-reitor da Universi- mais em ciência cia fundamental, emergência.
de criar uma pandemia – segundo a dade Nova de Lisboa. mas na pandemiaemia sentimos essa Para isso, a equipa pretende dese-
Organização Mundial da Saúde, a Esta task-force, sublinha o investi- necessidade de fazer coisas mais nhar novas proteínas para se ligarem
Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024 • 25
FOTOS: ITQB/UNL
No que ao processo diz respeito, “produzir valor” — através, por
tem “várias fases”, sendo a primeira exemplo, da criação de uma startup
o “design computacional usando ou do licenciamento de tecnologia
métodos que combinam inteligência — e “resolver o problema de uma
artiÆcial com métodos baseados no futura pandemia”.
conhecimento físico das moléculas”, Diana Lousa acrescenta que o
aÆrma a investigadora do ITQB. Ænanciamento servirá também para
contratar recursos humanos, visto
Fechar a porta à infecção que o projecto precisa de cientistas
“Quando surgir uma nova pandemia, com elevada formação, mas também
vai haver uma altura logo no início de uma “equipa de apoio”. Além dis-
— se for como a última e como se so, é necessário dinheiro para “pro-
espera – em que vamos ter algum teger patentes” e adquirir “equipa-
conhecimento sobre a estrutura do mento experimental”. “Fazer desco-
vírus e, a partir desse momento, bertas exige, de facto, investimento”,
podemos usar a nossa plataforma”, conclui.
explica Diana Lousa, acrescentando
ser essencial saber qual é o “alvo”. Portugal na vanguarda
Ou seja, imaginemos que se pre- Este é um projecto para cinco anos,
tende “bloquear a entrada de um pelo que, num futuro próximo, os
vírus nas nossas células”. Para tal, os investigadores esperam ter já um
biofármacos que os investigadores “protótipo que possa ser testado e
pretendem desenvolver “têm que se seja seguro”. Mas, mais do que isso,
ligar a uma proteína desse vírus”. querem ter “uma plataforma capaz
Uma analogia: é como se os compo- de o produzir de forma barata e eÆ#
nentes do vírus fossem uma fecha- ciente”, nota Cláudio Soares.
dura e, usando os métodos acima O custo é um dos pontos que o
descritos, a equipa vai procurar as investigador destaca, visto que “um
chaves que melhor se encaixam para dos problemas dos biofármacos das
fechar a porta à infecção. proteínas é o seu elevado valor”. Por
Aliás, “independentemente de isso mesmo, a equipa vai produzir os
qual seja o vírus”, o objectivo é “pre- biofármacos em bactérias numa ten-
ver quais são as modiÆcações a fazer tativa de tornar a sua produção
na proteína original para que se con- “mais democratizável”, tornando o
siga inactivar o vírus”, conclui Diana processo mais rápido e menos dis-
Lousa. pendioso do que a produção em
“É a diferença entre uma molécu- células animais (tradicionalmente
la e a capacidade de fazer novas usada na produção de anticorpos e
moléculas”, completa Cláudio Soa- outros biofármacos).
res. O foco está, por isso, na platafor- Aqui falamos de doenças infeccio-
ma que vão desenvolver. “Estamos sas, mas Cláudio Soares garante que
a construir uma espécie de protóti- “este tipo de tecnologia pode ser usa-
pos que nos vão ajudar a estabelecer do em qualquer tipo de doença —
um processo de fabrico e um proces- como, por exemplo, o cancro —, des-
so de atacar um novo vírus. Em vez de que se saiba que há um alvo”.
de arranjar peixe, estamos mesmo a Diana Lousa ecoa as palavras do
ensinar-nos a pescar.” colega: “O mais importante, o que
queremos validar é o protótipo da
Oito milhões de euros plataforma. A molécula Ænal é só
Os oito milhões de euros de Ænancia- uma prova de que conseguimos che-
mento vão servir para “adquirir gar a um produto Ænal — claro que
aos alvos virais com recurso à inteli- Cláudio Soares destaca “duas meios computacionais” que vão per- esse produto em si terá algum valor,
gência artiÆcial e a métodos basea- grandes qualidades” do projecto mitir à equipa “ir mais longe nas mas o que tem mesmo mais valor é
dos em física. Partindo de milhões EvaMobs: em primeiro lugar, trata- previsões e simulações”, diz o inves- mostrar que conseguimos chegar
de moléculas desenhadas em com- se de uma equipa composta por tigador do ITQB, mas serão também rapidamente a um produto Ænal
putador, esclarece o ITQB em comu- “pessoas de conÆança”, com “muito aplicados na “produção de milhares para um vírus especíÆco e que isso
nicado, os investigadores vão, em
colaboração com o laboratório do
entusiasmo” e “focalizada num pro-
blema muito especíÆco”; em segun-
Se a próxima de proteínas diferentes para quatro
vírus fundamentais com potencial
pode ser generalizado no futuro
para outros vírus e até para outras
ITQB liderado por Manuel Melo, do lugar, utilizam “tecnologia inova- pandemia que pandémico”, nomeadamente o doenças.”
seleccionar algumas centenas de
moléculas, que depois serão produ-
dora”. “Estamos aqui a falar de
design de novas proteínas, usando
surgir for de gripe, SARS-CoV-2, o InÇuenza (vírus da
gripe), o Zika e o vírus sincicial res-
E pudesse parecer a aplicação prá-
tica desta ideia algo longínquo, a ver-
zidas pelas equipas lideradas por várias metodologias, incluindo inte- poderemos usar piratório. Importa ressalvar, porém, dade é que até já há resultados: “Já
Isabel Abreu e João Vicente, do ITQB,
e então testadas em ensaios de infec-
ligência artiÆcial.”
Por outras palavras, a equipa pro-
esta plataforma que estes vírus-modelo, para os quais
serão desenvolvidos biofármacos
conseguimos produzir miniproteínas
que, no caso do SARS-CoV-2, se ligam
ção viral no laboratório do Instituto cura “criar novas proteínas antivi- para produzir um durante o projecto, serão usados à proteína da espícula ainda melhor
de Medicina Molecular de Lisboa
liderado por Miguel Castanho e no
rais com o objectivo de chegar ao
mercado”, explica o investigador,
fármaco especíÄco como “prova de conceito” para opti-
mizar e validar a plataforma.
do que o receptor humano. Não esta-
mos a fazer delas ainda um biofárma-
laboratório do Centro de Investiga- alertando não se tratar das “proteí- da gripe. Poderá “Teremos de produzir muitas pro- co, mas poderíamos evoluir”, conta
ção Biomédica da Universidade Cató-
lica Portuguesa cheÆado por Maria
nas normais que se usam nestas
coisas, que são normalmente os
ser rapidamente teínas, fazer ensaios de interacção –
bioquímicos e biofísicos –, ensaios de
Cláudio Soares, acrescentando que
este será um trabalho de contínuo
João Amorim. anticorpos”. adaptada — mesmo infecção em laboratórios especiali- aperfeiçoamento da tecnologia.
Depois, as moléculas “mais pro-
missoras serão testadas em modelos
Já Diana Lousa destaca tratar-se de
uma equipa interdisciplinar, com
que seja um vírus zados de contenção porque estamos
a trabalhar com vírus patogénicos e,
Para João Crespo, director do ITQB
citado em comunicado, este projec-
animais de onde sairá o derradeiro pessoas com conhecimentos de bio- que agora ainda Ænalmente, de toxicidade”, enume- to é “um exemplo da importância da
vencedor, cuja eÆcácia e segurança
será testada num ensaio clínico em
logia computacional ou virologia,
incluindo ainda uma empresa que
é desconhecido ra Cláudio Soares. Na última fase,
“um dos fármacos mais bem-sucedi-
colaboração interdisciplinar”. “Posi-
ciona o país na vanguarda de um dos
humanos”, frisa o comunicado do faz ensaios clínicos e membros da Diana Lousa dos” será testado num ensaio clínico pilares do Programa de Investigação
ITQB. academia. Cientista em humanos. Depois, o objectivo é e Inovação da União Europeia.”
26 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
“Vivi o encanto e o
desencanto deste país”
Fernando Matos Silva Aos 83 anos, o realizador de O Mal-Amado
e Acto dos Feitos da Guiné tem retrospectiva na Cinemateca.
O seu prazer de Älmar nunca o alheou do país em que vive
cinema com o produtor António fazer os Verdes Anos [como
Entrevista da Cunha Telles, como assistente assistente de produção]. Eu tinha
de Paulo Rocha, Fernando Lopes na CUF um ordenado-base de
ou Carlos Vilardebó, aprendendo 6500 escudos aos 21 anos, “não
Jorge Mourinha Texto
o bê-á-bá da produção de Ælmes. sei se me podes pagar isto”… Ele
Rui Gaudêncio Fotografia
Membro de pleno direito dessa respondeu: “É verdade.” E fez-me
Fernando Matos Silva (Vila Viçosa, geração que fez o Cinema Novo uma proposta de ganhar 4 contos
1940) já devia ter saído para ir português, a par de Seixas Santos, por mês, mil escudos por semana.
buscar os netos à escola, mas Faria de Almeida, António-Pedro E eu disse que ia pensar. Passada
ainda está animado a conversar Vasconcelos ou António de meia hora, telefonei-lhe: “Pronto,
com o PÚBLICO num gabinete da Macedo. Cineasta que fez Ælmes está feito, vou despedir-me.” O
Cinemateca Portuguesa, em industriais e publicidade para meu chefe dizia-me: “Você tem
Lisboa. Não é defeito, é feitio: o pagar as contas, que estudou em uma carreira bestial para um gajo
realizador gosta de conversar, tem Londres e fundou múltiplas tão novo, é um dos meus braços
muitas histórias para contar. estruturas de produção (Média direitos, e vai-se embora?” “Vou.
“Falei catorze horas para o Filmes, Centro Português de Vou fazer cinema.” “Mas...
catálogo” que irá ser publicado no Cinema, Cinequipa, Fábrica de porquê?” Ele não percebia. Eu
Æm do mês, ri-se enquanto nos Imagens). gostava de Ælmes desde novo, ia
despedimos. E saudades de fazer Quase hora e meia de conversa, aos programas duplos, ao Paris,
cinema? AÆnal, já lá vai mais de forçosamente editada para caber ao Europa, ao Jardim Cinema…
uma década desde que terminou nestas páginas, mas polvilhada de Alguma vez se arrependeu?
um Ælme (o documentário O Meu anedotas, episódios irresistíveis — Não, nunca. E talvez aí tenha
Avô Republicano, de 2012). E ele: a viagem ao Porto com Paulo começado a aventura. Eu disse ao
“Tenho.” Rocha para pedir emprestada a Cunha Telles: “Tu não me
O Cinema a Fazer Realidade é o Manoel de Oliveira uma câmara contrataste, tu compraste-me,
título do programa que a de som síncrono para rodar cenas que eu não saio deste escritório!”
Cinemateca está a dedicar até ao de Mudar de Vida, o serviço Preparar um Ælme quando não se
Ænal de Janeiro ao autor de O militar na Guiné com o futuro tem nada é complicado…
Mal-Amado (1974), reunindo capitão de Abril Carlos Fabião, as Estávamos a descobrir tudo, e a
Ælmes que o marcaram (de John imagens que rodou no 25 de Abril perceber como é que se fazia. Não
Cassavetes, Sergei Eisenstein ou quando os operadores de câmara tínhamos as coisas organizadas
John Ford), as suas produções da RTP estavam proibidos de ir como lá fora, estúdios, adereços,
mais aclamadas para televisão, para a rua Ælmar. E a hipótese de tínhamos que fazer tudo de novo,
alguns inéditos e as suas seis poder ouvir estas e outras era preciso desenrascar. Depois
longas de cinema. Seis Æcções histórias em pessoa no próximo de um dia de Ælmagens, que
apenas em meio século de dia 29, às 18h, numa conversa a acabava pelas seis ou sete da
carreira, pouco vistas e ainda decorrer na Cinemateca com o tarde, ia para o escritório
menos recordadas — à excepção, crítico João Lopes e o preparar coisas que faltavam — à porque havia muita coisa que não
precisamente, de O Mal-Amado, programador Ricardo Vieira uma, duas da manhã percebia que se via em Portugal e lá via-se tudo.
proibido pela censura antes do 25 Lisboa. ainda não tinha comido nada. Às No regresso, volto para um outro
de Abril e estreado menos de um Todo o seu percurso foi vezes dormíamos no escritório. caminho, para trabalhar com o
mês depois da revolução, sempre, de certo modo, de Éramos realmente bastante Cunha Telles num jornal de
promessa de uma carreira que aventura. ignorantes do futuro, quer dizer, actualidades que ele tinha, e
(como o país que Ælmou) acabou Sempre tive uma certa do dia seguinte. Acabámos por
Fiz imensa depois entro nessa vida de todos
por Æcar “aquém”. O Meu Nome insatisfação, nunca fui um tipo nos estruturar, e a partir de certa publicidade os cineastas portugueses que é
É… (1978, exibido dia 30 às 21h30) sossegado. Não sei se tem a ver altura as coisas são mais fazer Ælmes comestíveis, como a
e Acto dos Feitos da Guiné (1980) com o facto de ter começado por complicadas na Ælmagem do que
e a minha coroa gente dizia. Fiz imensa
nunca tiveram estreia comercial; fazer o liceu Passos Manuel e propriamente no apoio à é ter tido um publicidade e a minha coroa é ter
Guerra do Mirandum (1981) Æcou depois ter ido para um colégio produção. Já existia uma coisa tido o prémio de publicidade a
três anos à espera de lançamento; interno — fui obrigado a esquecer organizada, as pessoas
prémio a seguir seguir ao 25 de Abril! Acabar no
Ao Sul (1993, dia 22 às 21h30) e O o prazer, a alegria de ter uma começavam a ganhar um certo ao 25 de Abril! Casino Estoril em Julho de 1974 a
Rapaz do Trapézio Voador (2002, certa liberdade. E depois, quando lastro. O problema, depois, era recebê-lo!
dia 24 às 19h30) tiveram estreias saí, olhei para a realidade e Ænanceiro. Bem, depois é a Uma década depois de sair
fugazes. pensei, ‘eh pá, vou ter de viver descoberta das tertúlias, da O Mal-Amado tenta da CUF, faz finalmente a sua
Um percurso demasiado “breve” isto’. cidade, do Vavá, onde passávamos primeira longa-metragem,
para um homem considerado Fui trabalhador-estudante, estava a vida, do Ribadouro, onde estava
perceber quem O Mal-Amado.
quase unanimemente como uma em Económicas e a trabalhar na a malta do teatro, do cinema… nos vigiava, onde É um Ælme em que já andava a
das melhores pessoas, no sentido CUF, na mecanograÆa. Estava a E vai para Londres estudar pensar há muito tempo com o
humano, do meio do cinema progredir na carreira quando Æz o cinema, como bolseiro.
é que estávamos Álvaro Guerra e com o meu irmão
português. Alguém que curso com o [produtor e A minha vida em Londres era e o que não João, e, quando veio o dinheiro
abandonou uma carreira de realizador] António da Cunha escola, cinema e Cinemateca! [em 1972, quando o Ælme é
futuro na tecnologia para ir fazer Telles, e ele desaÆou-me para Devo ter visto uns dois mil Ælmes,
podíamos dizer rodado], o guião, que tinha sido
Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024 • 27
Cultura
Guia
DR
Estreias da semana
HBO MAX
The Tourist
Terça-feira
Segunda temporada desta
co-produção internacional
encabeçada por Jamie Dornan,
um thriller de espiões cheio de
reviravoltas e sentido de humor.
NETFLIX
Jacqueline Novak: Get On Your
Knees
Terça-feira
Foi em 2019 que a cómica
Jacqueline Novak estreou este
espectáculo de stand-up centrado
no acto da felação, com uma
reÇexão sobre tal acção misturada
com uma narrativa sobre a vida da
autora. Agora chega à NetÇix num
especial realizado por Natasha
Lyonne.
HBO MAX
Vestidas de Azul
Quarta-feira
Continuação de Veneno, a série
centrada na história de La Veneno,
mulher transgénero espanhola
que fez sucesso mediático na
Série passada numa Londres longe dos postais turísticos, esta criação da escritora NETFLIX
Candice Carty-Williams retrata a querela entre uma irmã cantora e um irmão rapper Griselda
Quinta-feira
amiga a leva a cantar uma canção via NetÇix. Mais discreta e modesta Top Boy, como o seu irmão frágil e Sofía Vergara, que Æcou ainda
Rodrigo Nogueira
com o grande rival do irmão, cujo do que dramas musicais telenoveles- sensível. O elenco inclui ainda mais famosa depois de Uma
Bosco Champion é um rapper do sul agente é, por sua vez, o noivo da ex- cos americanos como Empire ou nomes como Nadine Marshall e Ray Família Muito Moderna, é Griselda
de Londres. Acabou de sair da prisão namorada e mãe da Ælha de Bosco, Nashville, é uma criação da escritora Fearon nos papéis de pais. O patriar- Blanco, a infame traÆcante de
e está a comemorar os seus 25 anos que começa igualmente a trabalhar Candice Carty-Williams, cujo Quee- ca é DJ e tem a sua própria estação droga colombiana que chamou a
numa festa no quintal da mãe. A com Vita. nie ganhou o prémio de Livro do Ano de rádio de música jamaicana — uma um Ælho Michael Corleone Blanco,
celebração acaba com os vizinhos a Enquanto um desce no meio da nos British Book Awards de 2020, a óptima desculpa para a série ter na como a personagem de Al Pacino
queixarem-se do ruído e Bosco a indústria musical — facto ao qual não primeira vez que tal honra coube banda sonora grandes clássicos de n’O Padrinho. Esta série de Doug
voltar para trás das grades. é alheio o azar e as inúmeras polé- uma autora negra. reggae e dub —, vivendo obcecado Miro, Eric Newman, Carlo Bernard
Mas isto não é tudo o que lhe cor- micas encorajadas pelas redes Ao longo de oito episódios, maio- em honrar o apelido Champion e e Ingrid Escajeda mostra a forma
re mal na vida. Bosco tem uma irmã sociais —, a outra ascende. Isto inicia ritariamente passados numa Lon- deixar esse legado aos Ælhos, tendo como emigrou para Queens, Nova
mais nova, Vita. E é ela a autora da uma rivalidade no meio dos Cham- dres cheia de charme, de especiÆci- a ambição de criar uma editora a Iorque, com o marido e os Ælhos, e
maioria das letras das suas músicas, pion, uma família de origem jamai- dade e de vida, mas bem diferente reboque da fama de Bosco. lá começou um império.
facto que todos desconhecem cana com vários segredos do passa- da versão postal turístico que se A cantora e escritora de canções
(menos os próprios, claro). Acresce do por desvendar, com sonhos des- conhece, exploram-se questões de Ray BLK, que é produtora executiva,
PRIME
que ela é, também, a sua assistente feitos e muitas tragédias. O azar é família, raça, género, negócio, trai- com o rapper de grime Ghetts, e
não-remunerada — na verdade, Vita uma parte importante nesta história: ção dentro e fora da indústria musi- autora de alguma da banda sonora Zorro
ganha a vida a trabalhar no restau- quando um quer pedir desculpa, cal, traição que se estende mesmo da série — há canções novas em Quinta-feira
rante de comida caribenha da mãe. acontece algo que estraga tudo. às relações de amizade, ao amor e à todos os episódios, temas que Esta é uma nova interpretação da
A Vita não cabem nem a visibilida- Esta é a premissa de Champion, família. podiam ser, de facto, êxitos no mun- personagem criada por Johnston
de nem os cachets do irmão. Sendo série musical da BBC que se estreou No papel de Vita, uma força da do real —, faz da melhor amiga de McCulley em 1919. Nesta série de
que ela é, aÆnal, uma óptima canto- em Inglaterra no Verão passado e natureza, está a estreante Déja J Vita. Já a Kerim Hassan cabe o papel Carlos Portela, o espanhol Miguel
ra. E é por isso que a sua melhor chegou a Portugal no início do ano Bowens, com Malcolm Kamulete, de de melhor amigo de Bosco. Bernardeau é Diego de la Vega.
30 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
Guia
Guia
Arcadi Volodos Horizontais: 1. O “império” delas não se recomenda, mas continua bem. (...)
LISBOA Fundação Calouste Borges, fez história ao chegar aos oitavos de final do Open da Austrália.
Gulbenkian. Dia 22/1, às 20h. 2. O âmago. Narrar. 3. Instituto Nacional de Estatística. Na moda.
M/6. 26€ a 52€ 4. Observação. Indivíduo que faz exibições de natureza molesta ou lesiva sem
Nascido em 1972, o músico russo é dar o menor sinal de sensibilidade. 5. “O mar que é mar nem sempre está (...)”.
reconhecido como um dos Brigão. 6. (...) Tavares, o historiador que se dedicou às causas da nova esquerda.
maiores pianistas da actualidade Inteligência Artificial. 7. Ofício. Qualidade. 8. Estónia (Internet). Chief Executive
e, em certos círculos, já como um Officer. Sulca. 9. Cortava. Aprovação (fig.). 10. Constipado.
músico lendário, sendo “pouco 11. Dividira ao meio. Tornar a ler.
adepto das inÆndáveis horas a Verticais: 1. Em Portugal, está cada vez mais refém de revistas predadoras. Cento.
ensaiar as mesmas peças, por 2. A unidade. Interjeição (espanto). Brinque (fig.). 3. Trevas. Barraca de campanha.
acreditar que a mecanização dos 4. Adestrador de elefantes. Futuro imperfeito do conjuntivo do verbo dar (eu, ele).
gestos atroÆa a espontaneidade”, 5. Centésima parte do hectare. Alternativa. Areia de que os ourives se servem
revelam na nota de imprensa. para moldar. 6. No caso de. A mais elevada e ardente aspiração. 7. Ligar. “Outro”
Neste regresso a Portugal — nas pontas. Pátria de Abraão. 8. Tinta-da-china. Pequeno ferimento. 9. O dó antigo.
inicialmente previsto para 4 de Interjeição que designa cansaço. Aprovação. 10. Sódio (s. q.). Segundo. Membro
Dezembro passado —, interpreta de uma comunidade religiosa sujeita a certa regra. 11. Discursaram. Impulso.
um programa com repertório de
Solução do problema anterior
safra própria, mas também Horizontais: 1. OMS. Garra. 2. Papalvo. Dar. 3. Anata. Laivo. 4. Li. Azo. Gaia. 5. Arre. Tuno.
composições de Franz Schubert, 6. Rabat. 7. Bata. Daca. 8. Abertura. Hg. 9. Formosa. Cio. 10. An. Analista. 11. Regra. Odiar.
Robert Schumann e Franz Liszt. Verticais: 1. Opal. Abafar. 2. Mania. Abone. 3. SPA. Reter. 4. Atar. Armar. 5. Glazer. Tona.
6. Av. Abusa. 7. Rol. Tb. Ralo. 8. Aguada. ID. 9. Adianta. Csi. 10. Avio. Chita. 11. Broa. Magoar.
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12º 0º 9º Mauna Loa, Havai Portugal
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Coimbra Valores por semana Mau
OS RAPAZES
13º Não é Coimbra
0º Castelo Branco Semana de 14 Jan. 422,84 saudável
Há um ano 419,30 Nada
11º Há dez anos 398,05 saudável Lisboa
Leiria 0º
13º Semana de 7 Jan. 423,59 Perigoso Évora
DA MESMA
2º
Nível de segurança 350
Santarém Nível pré-industrial 280
Portalegre Faro
14 º
2º 11º
SOL LUA
FORMA COMO
1º
HÁ 20 ANOS?
Setúbal 13º 9 Fev. 22h59
14º 2º Nascente Poente Nascente Poente
4º
07h50 17h47 16 Fev. 15h01 14h33 06h29*
*de amanhã
O QUE É SER
Talín
2,5m Riga
Copenhaga
Vílnius
Dublin Berlim
HOMEM HOJE?
Amesterdão
Londres Varsóvia
Sagres 16º
8º Bruxelas
16º Faro Praga
10º Paris
Viena Budapeste
17º Genebra
1,0m Um homem não chora, um podcast
Açores Milão
semanal de Maria Ana Barroso.
Corvo Roma
às segundas-feiras.
Istambul
Madrid
Flores Lisboa
Graciosa 17º
18º Atenas
16º 3,0m
São Jorge 18º
17º 15º
4,2m
Faial
Terceira TEMPERATURAS ºC
Pico
19º São Miguel
Min. Máx. Min. Máx.
17º
16º 17º Amesterdão 6 11 Roma 3 13
2,8m Atenas 2 10 Viena -1 2
Ponta Delgada
Berlim 5 9 Bissau 21 36
Sta Maria Bruxelas 5 10 Buenos Aires 21 28
Madeira Bucareste -8 -1 Cairo 15 22
Porto Santo Budapeste -3 2 Caracas 20 32
Copenhaga 3 9 Cid. do Cabo 17 24
Madeira
21º 19º 19º 20º Dublin 5 8 Cid. do México 9 21
14º 15º
1,2m 2,5m Estocolmo 3 6 Díli 25 31
Frankfurt 5 8 Hong Kong 5 16
Funchal Genebra 4 8 Jerusalém 9 18
Istambul 3 8 Los Angeles 13 16
MARÉS Preia-mar Baixa-mar *de amanhã Kiev -2 -1 Luanda 25 31
Londres 6 11 Nova Deli 7 18
Leixões m Cascais m Faro m
Madrid 4 11 Nova Iorque 1 4
06h45 1,1 06h22 1,3 06h12 1,1 Milão -2 8 Pequim -10 -3
12h55 2,8 12h31 2,8 12h27 2,8 Moscovo -10 -7 Praia 23 27
Disponível em publico.pt/podcasts
Oslo 3 8 Rio de Janeiro 23 29
e em todas as plataformas de podcasts
19h01 1,1 18h36 1,3 18h29 1,2 Paris 6 12 Riga 1 2
01h18* 3,0 00h53* 3,1 00h52* 3,0 Praga 3 6 Singapura 25 32
Fontes: AccuWeather; Instituto Hidrográfico; QualAR/Agência Portuguesa do Ambiente; NOAA-ESRL
34 • Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
O futebol precisa
de balizas maiores
e golos de fora
da área? Sim e não...
Buæon pediu balizas maiores para contornar aumento da altura
dos guarda-redes e falta de golos de longe. Tem razão? No
primeiro caso, sim. No segundo, também. Na solução, talvez não
altura dos guardiões, sobretudo des- Oblak (1,88), Lloris (1,88), Navas
Diogo Cardoso Oliveira
de a década de 90. (1,85), Diogo Costa (1,86) e Ter Stegen
Quando Gianluigi Buèon fala de Olhando para os donos das bali- (1,87) não chegam a essa estatura.
futebol, manda a lógica que escute- zas que jogaram Ænais, vemos que
mos. E quando fala de guarda-redes guarda-redes acima de 1,90 metros Golos diminuíram mesmo?
e balizas, não o escutarmos com só surgiram em 1990, com Bodo Ilg- O segundo facto a veriÆcar é se os
atenção já roça a heresia. Nessa ner. E só neste século é que a média golos de fora da área se reduziram
medida, tomemos em conta que o estabilizou claramente acima desse tanto como sugere Buèon. E a res-
ex-guarda-redes italiano quer balizas valor, com quase todos os guarda- posta não é clara, já que os dados
maiores no futebol. -redes acima ou a rondar os 190 existentes não se atestam por com-
“De longe é muito difícil marcar centímetros — as excepções foram pleto — uns dizem que os golos caí-
um golo a um guarda-redes de dois Barthez, em 2006, com 1,80 metros, ram bastante, outros que caíram
metros”, defendeu. E argumentou: e Casillas, em 2010, com 1,82 apenas residualmente. Mas que caí-
“As medidas das balizas são as mes- metros. ram, será seguro aÆrmar.
mas desde 1875. Na altura, se calhar Martínez, Lloris, Subasic, Rome- Um estudo de cinco investigadores
eram demasiado grandes, mas ago- ro, Neuer, Stekelenburg, Buèon, num compêndio da Frontiers, de
ra, vendo alguns guarda-redes, dá Marcos ou Kahn atestam a tese do optimização do rendimento no fute-
que pensar”. guarda-redes italiano, ele próprio bol, aponta que a redução não foi
Para Buèon, os guarda-redes são um dos representantes no lote de assim tão grande em Mundiais —
demasiado grandes para as balizas “gigantones”. aponta-se um valor residual de des-
que existem no futebol: um rectân- E quantos guarda-redes de pri- cida (cerca de três golos a menos por
gulo de 7,32 por 2,44 metros. meiro plano mundial estão abaixo Mundial), ainda que desde 2006 o
Mas este é um problema real? Há de 1,90 metros? Poucos. Entre os decréscimo seja um pouco mais
menos golos de fora da área? Atalhe- dez nomeados para o último prémio acentuado.
mos para as quatro conclusões. 1) Lev Yashin, apenas Samba e Livako- Há, porém, dados de um artigo de
Sim, há menos golos. 2) Sim, os guar- vic estão abaixo dessa altura — Daniel Storey no INews que apontam
da-redes são mais altos. 3) Sim, o embora estejam ambos muito perto que a nível de Premier League hou-
aumento das balizas ajudaria. 4) Não, disso. ve, entre 1998 e 2020, uma redução
essa não tem de ser a solução. Mas Fora dessa lista, num olhar mais clara: a percentagem de golos de fora
vamos ao detalhe. subjectivo para os 30 principais da área passou de valores entre os 15
Ninguém negará que um remate guarda-redes mundiais, apenas e os 18% para abaixo de dez.
de fora da área tem probabilidade de Contando com possível enviesa-
sucesso (a rondar os 5%-10%) inferior mento de dados em provas de selec-
a uma Ænalização mais próxima da ções, de amostra mais curta, é pos-
baliza — e quem o Æzer estará a con- sível aferir que o levantamento sobre
trariar a lógica mais elementar, mas a Liga inglesa seja um pouco mais
também os números. Ædedigno, até porque é complemen-
Menos unânime será a ideia de que tado pelos valores de remates.
o remate de longe é uma “arte
Nem com dois E é claro que os remates de fora da
menor”, reservada a quem não con- guarda-redes na baliza se área também caíram: segundo um
segue um futebol mais complexo. E
talvez não seja bem assim.
garante que a equipa sofre levantamento do The Athletic, esta-
mos a falar de uma queda de dez
Mas vamos a factos. Primeiro: os menos golos. É impossível. pontos percentuais entre 2011 e 2021.
guarda-redes estão maiores, tal
como sugeriu Buèon. Um levanta-
A baliza é uma E também a distância média à baliza
de onde são disparados os remates
mento do PÚBLICO diz-nos que nos monstruosidade está a diminuir.
Mundiais de futebol desde 1966 até Roberto Rivelino Podemos, portanto, dizer que a
2022 tem havido um aumento na Treinador de guarda-redes tese de Buèon está certa no que diz Bater um guarda-redes com um pontapé de longa distância é cada vez mai
Público • Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024 • 35
Desporto
Liga inglesa Liga espanhola Liga italiana Liga francesa Liga alemã
Jornada 21 Jornada 21 Jornada 21 Jornada 18 Jornada 18
Burnley - Luton Town 1-1 Alavés - Cádiz 1-0 Roma - Verona 2-1 Marselha - Estrasburgo 1-1 Mainz - União Berlim 19/01 ADI
Chelsea - Fulham 1-0 Rayo Vallecano - Las Palmas 0-2 Udinese - Milan 2-3 Mónaco - Stade de Reims 1-3 Friburgo - Hoffenheim 3-2
Newcastle - Manchester City 2-3 Villarreal - Maiorca 1-1 Frosinone - Cagliari 3-1 Rennes - Nice 2-0 Bochum - Estugarda 1-0
Everton - Aston Villa 0-0 Valência - Athletic Bilbau 1-0 Empoli - Monza 3-0 Lille - Lorient 3-0 Heidenheim - Wolfsburgo 1-1
Manchester United - Tottenham 2-2 Celta de Vigo - Real Sociedad 0-1 Salernitana - Génova 1-2 Brest - Montpellier 2-0 Darmstadt - Eintracht Frankfurt 2-2
Arsenal - Crystal Palace 5-0 Osasuna - Getafe 3-2 Lecce - Juventus 0-3 Nantes - Clermont 1-2 Colónia - Borussia Dortmund 0-4
Brentford - Nottingham Forest 3-2 Real Madrid - Almería 3-2 Bolonha - Fiorentina 14/02, 18h Metz - Toulouse 0-1 RB Leipzig - Bayer Leverkusen 2-3
Sheffield United - West Ham 2-2 Real Betis - Barcelona 2-4 Torino - Lazio 22/02, 19h45 Le Havre - Lyon 3-1 Bayern Munique - Werder Bremen 0-1
Bournemouth - Liverpool 0-4 Girona - Sevilha 5-1 Sassuolo - Nápoles 28/02, 17h Lens - Paris SG 0-2 B. M’gladbach - Augsburgo 1-2
Brighton - Wolverhampton 19h45, Eleven1 Granada - Atlético de Madrid 20h, Eleven2 Inter de Milão - Atalanta 28/02, 19h45
Desporto
Desporto
Vol.22
MAIA ALCOFORADO
À BOCA PEQUENA 1935
acusados de serem imorais, pornográficos,
p g f comunistas, irreligio-
g
sos, subversivos, maus, antissociais, dissolventes, anarquistas
q ou
revolucionários, os livros examinados ppela censura abrangem g
todas as áreas. os censores proibiram especialmente as obras
-
As obras apresentadas são passíveis de sofrer alteração.
+9€ A censura do Estado Novo produziu mais de 10.000 relatórios aos Com capa de Cunha Barros e caricatura de Antunes, este livro de
QUINTA, 25 JAN livros que circulavam em território nacional. Das obras que a contos de Maia Alcoforado (1899-1974) foi considerado «vulgar»
Censura autorizava com cortes ou proibia, mostramos uma selecção pelo Presidente da Comissão de Censura do Porto, já que «se
de 25 desses raros artefactos culturais que contam histórias sobre leva um pouco longe as ‘piadas’ pesadas e de mau gosto […] do
o controlo da vida cultural desse período, que são reproduções dos padre sertanejo. Contudo parece-me que o livro poderia circular
se o seu prefácio de 3 páginas não fosse o relato rancoroso, com
originais censurados guardados na BNP e que incluem os relatórios
intuitos políticos nitidamente legíveis das muitas terras por onde
de censura, carimbos, selos e rasuras. Acusados de serem imorais,
25 LIVROS pornográficos, comunistas, irreligiosos, subversivos, anarquistas ou
andou o autor fugido, em Portugal, à Polícia Política, pela sua
atividade relativamente recente contra o Estado Novo. Por
revolucionários, a Censura teve um impacto brutal na vida
25 MESES intelectual do país, no desenvolvimento das mentalidades e no
informação a esta Comissão prestada pela P.V.D.E. soube-se ter o
autor (...) ‘Grande’ Cadastro político naquela polícia».
legado que deixou às gerações vindouras. Restituímos agora ao Uma colecção comissariada por Álvaro Seiça.
público, num acto de “descensura”, os livros que a ditadura
suprimiu da vida intelectual e cultural durante quase meio século.
Segunda-feira, 22 de Janeiro de 2024
O
esse caminho acontecer, conte galvanizador para a esquerda. quer falar no Chega e na
Carmo Afonso
apenas com a nossa coerência. E Paulo Portas está possibilidade de a AD chegar a
Governo da se, mais à frente, se vir aÇito e não profundamente equivocado. A entendimento com o partido, mas
“geringonça” foi o conseguir gerir a demagogia diabolização dos partidos mais à esse é um tema do qual estaria
mais bem avaliado explosiva do Bloco de Esquerda e esquerda é eÆcaz sobretudo junto obrigado a falar.
pelos portugueses. os compromissos de Bruxelas, do eleitorado que votará nas novas Evitar o tema do Chega, ou
Isto é objetivo e está não venha depois pedir socorro.” direitas — eleitorado que a direita substituí-lo pela ladainha de que
conÆrmado. Não E, já agora, a parte mais tradicional já perdeu. Quem BE e PCP são muito maus, revela
obstante ser verdade, à direita dramática: “Temo que a continua a votar na direita alguma cobardia política. Paulo
continuamos a ouvir vozes que ‘geringonça’ deixe Portugal — a tradicional não partilha deste Portas ainda aÆrmou que os
fazem campanha em vésperas de sua credibilidade, economia, etc. medo dos bloquistas e dos eleitores têm de saber que o PS se
eleições legislativas usando a — à mercê das reuniões do comité comunistas e, em determinadas vai aliar a dois parceiros que estão
ameaça de uma repetição da central.” circunstâncias, pode mesmo votar em rota de colisão com as alianças
“geringonça”. Este Æm-de-semana A verdade é que os receios de PS. Não é um eleitorado radical e, estáveis do país. Já que se
foi a vez de Paulo Portas. Paulo Portas em 2015 não tinham por isso, não precisa de inventar preocupa tanto com aquilo que os
Paulo Portas, na Convenção da razão de ser, como se veio a simplesmente se enganaram. inimigos. Aqueles a quem a portugueses têm direito a saber,
Aliança Democrática (AD) que teve demonstrar. A “geringonça” foi Mas não só nunca o Æzeram mensagem do medo do pós-25 de teria de se preocupar com a parte
lugar este domingo no Centro de um governo estável e em nada como agora repetem e enfatizam o Abril e do medo de que agora seja que lhe diz respeito. Os
Congressos do Estoril, fez soar o denegriu a credibilidade de procedimento. É Pedro Nuno ainda “pior” agrada têm outras portugueses têm direito, sim, a
alarme: “Fica bastante claro o que Portugal. Muito pelo contrário, o Santos que é inexperiente e são o opções para meter a cruz no dia 10 saber se esta AD está disponível
está em causa: ou a AD ganha, ou o nosso caso foi apontado na BE e o PCP que, desta vez, de março. Não será na AD. Por para chegar a acordo com o Chega
que teremos é uma repetição da Europa como sendo de sucesso. passarão a ter pastas ministeriais. alguma razão, o CDS perdeu a para formar governo. Em vez de
‘geringonça’ com um Também os mercados Seria positivo que os dois partidos representação parlamentar. os ameaçar com a possibilidade
primeiro-ministro inexperiente e internacionais, esses entes tão mais à esquerda, numa futura Em vez desta prontidão em de repetição da “geringonça”,
com o BE e o PCP sentados no sensíveis, reagiram bem à solução “geringonça”, assumissem um identiÆcar as forças políticas mais Paulo Portas, na sua nova
Conselho de Ministros. Seria o governativa. Seria justo que compromisso para formar à esquerda como inimigas e em qualidade de senador da direita,
governo mais radicalizado desde aqueles que em 2015 deram voz à governo a ponto de quererem usar isso como argumento para os já clariÆcava isto.
1976.” fobia de esquerda já tivessem pastas. Não foi assim em 2015. eleitores votarem AD, Paulo Portas
Talvez alguns de vós se vindo a público dizer que Quiseram manter algum deveria falar daqueles que são a Advogada
PÚBLICO, Comunicação Social, SA. Todos os conteúdos do jornal estão protegidos por Direitos de Autor ao abrigo da
legislação portuguesa, da União Europeia e dos Tratados Internacionais, não podendo ser utilizados fora das condições de
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