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Psicologia da Educação

— para uma abordagem


ecossistémica da relação
educativa
Pedagógico
Manual

José Farinha Setembro de 2005


O PRESENTE MANUAL
COBRE OS CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS
DA DISCIPLINA DE PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
DO CURSO DE EDUCADORES DE INFÂNCIA
DA ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO
DA UNIVERSIDADE DO ALGARVE
Conteúdo

CONTEÚDO I

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS 1

Justificação 1

Pressupostos 4
OBJECTIVOS 5

DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 6

Introdução 6

Teoria Geral dos Sistemas 7


CONCEITO DE SISTEMA 8
PROPRIEDADES DOS SISTEMAS ABERTOS 9

Fundamentos para uma abordagem sistémica 13


ASPECTOS INTRODUTÓRIOS 13
LINGUAGEM 14
EPISTEMOLOGIA 18
CIRCULARIDADE/RECURSIVIDADE 20
CAUSALIDADE 21
FORMAS DE RACIOCÍNIO 23
O TODO E AS PARTES 25
PADRÕES E REGRAS 26
CONTINUIDADE E DESCONTINUIDADE NOS PROCESSOS DE MUDANÇA 27

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CONTEÚDO ii

A Comunicação Humana 28
ASPECTOS GERAIS 28
MODELO TELEGRÁFICO E ORQUESTRAL DA COMUNICAÇÃO 29
A BASES DA COMUNICABILIDADE 34
COMUNICAÇÃO E INFLUÊNCIA 36
PRAGMÁTICA DA COMUNICAÇÃO H UMANA 38

PARA UMA DEFINIÇÃO RELACIONAL DO PROCESSO


EDUCATIVO 49

Aspectos Gerais 49

Código 50

Estratégias 52

ASPECTOS CONTEXTUAIS DA RELAÇÃO EDUCATIVA 54

A Relação Interpessoal 54
INTRODUÇÃO 54
PERCEPÇÃO E JULGAMENTO SOCIAL 55
ESTRUTURAS DE RELACIONAMENTO INTERPESSOAL 64

A Dinâmica das Relações Grupais 68


TIPOS DE GRUPOS 69
CARACTERÍSTICAS DOS GRUPOS 71
O DESENVOLVIMENTO DE UM GRUPO 76
ASPECTOS GRUPAIS DO AMBIENTE ESCOLAR 77

As Técnicas Sociométricas 78
DESENVOLVIMENTO H ISTÓRICO E ORIGENS DA SOCIOMETRIA 78
DEFINIÇÃO E CONCEITOS FUNDAMENTAIS 79
O TESTE SOCIOMÉTRICO 80
APLICAÇÃO DO TESTE SOCIOMÉTRICO 81

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CONTEÚDO iii

Técnicas de Trabalho Cooperativo 89


INTRODUÇÃO 89
ESTADO GERAL DA QUESTÃO 90
EFEITOS DA APRENDIZAGEM COOPERATIVA SOBRE A MOTIVAÇÃO E RENDIMENTO ESCOLARES
91
EFEITOS DA APRENDIZAGEM COOPERATIVA SOBRE A INTEGRAÇÃO DE CRIANÇAS DIFERENTES
E ORIUNDAS DE MINORIAS ÉTNICAS 94

CONDIÇÕES DE FORMAÇÃO DE GRUPOS COOPERATIVOS 97

Estruturas Materiais Envolventes 98


DEFINIÇÃO DE SISTEMA ECOLÓGICO 99
O COMPORTAMENTO INFANTIL EM CONTEXTOS EDUCATIVOS 111

A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 116

Aspectos Gerais 116

A família como sistema de interacções 117


ASPECTOS GERAIS 117
REGRAS IMPLÍCITAS NO FUNCIONAMENTO FAMILIAR 119

Parâmetros para uma Caracterização


do Sistema Familiar 120
CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA FAMILIAR 120

Níveis de abordagem: 124


INTERACCIONAL /FUNCIONAL 124
ESTRUTURAL 133
CONTEXTUAL 135

BIBLIOGRAFIA 138

ÍNDICE REMISSIVO 143

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Aspectos Introdutórios

Educar não é nunca


um processo de sentido único.

JUSTIFICAÇÃO

A evolução verificada nas últimas décadas ao nível da generalização da educação


institucionalizada veio pôr a descoberto um conjunto de problemas que até aí não
tinham qualquer significado.
O surto de desenvolvimento galopante dos meios urbanos, especialmente a partir de
fins dos anos 50 e princípio dos anos 60, com a consequente expansão da actividade
industrial e comercial constituíram outros tantos factores de pressão social e econó-
mica no sentido do prolongamento1 generalizado da escolaridade o que natural-
mente obrigou a investimentos cada vez mais vultuosos e a uma remodelação
profunda da escola.
O problema não é, contudo, só de natureza quantitativa, do facto de serem abrangi-
dos cada vez mais alunos, mas principalmente de natureza qualitativa. Estamos
mesmo convencidos de que este problema é até mais significativo daquilo que
costuma ser designado como crise da escola, pois o problema do número acrescido de
alunos pode ser resolvido de maneira relativamente simples, aumentando os
recursos disponíveis tanto em termos de instalações como de pessoal. O alargamento
do ensino veio a ter como consequência essencial o aumento da heterogeneidade dos
grupos escolares o que, para além do problema da definição dos curricula, objectivos,
avaliação, etc., veio, acima de tudo colocar o problema da relação educativa e o

1 Este prolongamento verificou-se tanto em sentido ascendente com a obrigatoriedade actual


de frequência escolar até ao nono ano, como em sentido descendente no ensino pré-escolar,
pois, apesar de continuarmos a ser um dos países da Europa com menor taxa de cobertura
a este nível de ensino, tem-se registado, especialmente nos centros urbanos, a uma procura
crescente da educação de infância.

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ASPECTOS INTRODUTÓRIOS 2

funcionamento institucional. Como é que o professor e educador lida, por exemplo,


com as crianças oriundas de meios sócio culturais bastante diferenciados; como é que
estas por sua vez assumem aquilo que o professor lhes diz; como a próprias crianças
se aceitam umas às outras na sua diversidade de origens e padrões de socialização?
Temos aqui um conjunto de problemas onde se entrelaçam o funcionamento
cognitivo, mas igualmente as reacções afectivas, o discurso explícito e o seu
significado implícito, a dinâmica do grupo-turma, e a incidência das estruturas dos
modelos e estruturas exteriores.
Naturalmente, como refere Blouet-Chapiro (1978, p. 9) ”um processo tão complexo é
susceptível de aproximações múltiplas onde a Sociologia, a Análise Institucional, a Psicologia,
a Psicanálise deverão conjugar os seus verbos e os seus conceitos”.
A elaboração do presente manual pedagógico não ignora esta questão assumindo
claramente a sua opção por um nível de abordagem de cariz marcadamente psicoló-
gico, ou melhor psicossociológico. Esta opção tem por base duas ordens de razões: —
Em primeiro lugar a formação de base do seu autor e responsável pela disciplina de
Relação Educativa do Curso de Educadores de Infância; Em segundo lugar porque
entendemos que o nível de ensino para que os alunos estão a ser formados, traba-
lhando fundamentalmente no campo da relação interpessoal, mobiliza realidades
essencialmente de tipo psicológico.
Finalmente, é hoje claro que o alargamento da escolaridade estilhaçou as demarca-
ções outrora demasiado rígidas entre a escola e o meio, mas é igualmente verdade
que qualquer tentativa de abordar todos os factores intervenientes na relação educa-
tiva numa perspectiva tanto globalista quanto ingénua e irrealista acabaria necessa-
riamente por resultar ainda em mais confusão. Queremos com isto dizer que os futu-
ros professores/educadores poderiam ter acesso a dados porventura interessantes,
mas, por vezes, igualmente inúteis quando se trata de, desses dados gerar alguma
capacidade de acção e intervenção que permita aos agentes educativos tentar
resolver alguns dos problemas do seu quotidiano. Assim, pretendemos nestes textos
de apoio, mais do que apresentar todo um conjunto de informações resultantes do
enorme volume de investigação já realizada neste campo, informação essa sempre
provisória e por vezes desarticulada, introduzir os alunos a uma nova forma de
pensar o fenómeno educativo institucional, uma forma respeitadora da sua comple-
xidade e multidimensionalidade naturais — referimo-nos a uma perspectiva ecossis-
témica da relação educativa.
Esta proposta de abordagem é uma perspectiva marcadamente psicológica2 porque
toma como ponto de partida o comportamento dos elementos que participam num

2 Convém, contudo, notar que assumimos uma noção de psicologia que assenta num
conceito de psyche inovador no sentido em que esta não é entendida como algo, ou alguma
coisa, que está dentro do indivíduo como a tinta está dentro do tinteiro, mas sim como
definindo o sistema de relações que o sujeito estabelece com o seu ambiente. As

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ASPECTOS INTRODUTÓRIOS 3

determinado processo educativo. Para além disso, a presente disciplina aponta


claramente para a formação psicológica dos futuros educadores, e, por essa via, da
formação pessoal dos seus futuros educandos ou alunos. Por isso, o conteúdo do
presente manual não foi pensado como um conjunto de conceitos psicológicos, ainda
que interessantes do ponto de vista da sua inovação e criatividade. Ao apresentar-
mos uma síntese pessoal em matéria de comunicação e de relações humanas, o
modelo proposto pretende confrontar o(a)s aluno(a)s com as suas experiências e
crenças nesta matéria.
É, de facto, da formação pessoal do professor e do educador que se trata, antes de
mais; e da formação pessoal dos seus alunos e educandos, através dele. Por isso o
conteúdo deste manual não foi pensado como um corpo de conhecimentos a
adquirir, para não dizer como um corpo estranho a assimilar. Ao apresentarmos a
sua própria síntese pessoal em matéria de comunicação e relações humanas, a nossa
intenção é confrontar o formador/formando com as suas experiências e crenças na
mesma matéria. Estamos convencidos do valor formativo de tal confronto; porque a
reflexão não deixará de surgir sempre que o indivíduo for exposto a esquemas de
pensamento ou de acção alternativos aos seus, muito particularmente quando esses
esquemas alternativos se apresentam como evidências derivadas da investigação tanto
de cariz psicológico, como epistemológico.
É que o estatuto de ciência confere à Psicologia um poder a priori, não apenas para
explicitar a experiência ingénua de cada indivíduo, mas até para contrariar crenças
largamente compartilhadas, porque aparentemente comprovadas pela experiência
comum.
Trata-se, ao fim e ao cabo de oferecer ao alunos, a oportunidade de contactarem com
um quadro de referência actual a partir do qual possam conceptualizar as questões
educativas, numa perspectiva tanto teórica como de cariz mais prático com que
necessariamente terão que deparar numa primeira fase enquanto estudantes e, poste-
riormente, enquanto profissionais.

características mentais, ou psicológicas não são imanentes a um indivíduo particular, mas ao


sistema mais vasto homem mais ambiente. Mesmo um comportamento relativamente
simples e concreto como o de um homem que abate uma árvore com um machado só pode
ser completamente compreendido a partir de uma perspectiva sistémica segundo a qual
cada golpe do machado será modificado (corrigido) pela informação resultante do entalhe
deixado pelo golpe precedente. Este processo autocorrector, ou mental, ou psicológico, é
determinado por um sistema global: árvore, olhos, cérebro, músculos, machado, golpe,
árvore; sendo este sistema global que, segundo a nossa perspectiva, possui características
psicológicas imanentes.

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ASPECTOS INTRODUTÓRIOS 4

PRESSUPOSTOS

O modo como se estrutura e desenvolve o tema deste manual deriva naturalmente de


um conjunto de pressupostos conceptuais e pedagógicos que fazem parte do nosso
próprio sistema de crenças.
Um desses pressupostos é o de que os processos específicos de educação ou de
formação contribuem apenas numa pequena parte para a definição dos futuros
desempenhos individuais, os quais resultam da conjugação de uma infinidade de
interacções nos múltiplos sistemas sociais em que cada indivíduo participou, parti-
cipa ou participará, e que consubstanciam a sua experiência.
Um segundo pressuposto é o de que a compreensão de uma situação pedagógica
concreta — condição para a definição de estratégias — exige, para além do conheci-
mento dos actores, do conteúdo das interacções e do contexto institucional em que
estas ocorrem, a análise do próprio sistema interaccional (o que se passa entre os
actores), contextualizado na vasta rede de relações em que cada actor é origem e
destino de múltiplas comunicações. É isto que designamos por abordagem ecossis-
témica da educação e que permanecerá sempre como pano de fundo dos vários
temas abordados ao longo deste manual.
Um terceiro pressuposto é a de que os sistemas interaccionais do género do sistema
professor/aluno funcionam em laboração contínua, mesmo na ausência de comunica-
ção formal. Basta a co-presença física, e até a representação mental do outro ausente,
para que a recordação de interacções passadas e a antecipação de interacções futuras
provoquem alterações no mesmo sistema, em qualquer dos seus subsistemas, ou até
em sistemas paralelos.
Finalmente queremos chamar a atenção para uma questão que nos parece particu-
larmente relevante: — quando se pensa numa alternativa ao sistema tradicional
educador/educando, concebido como uma estrutura hierárquica em que há um
agente responsável pela educação, temos que ter em atenção que a substituição deste
modelo por um outro sistema funcional, em que a educação se centra no exercício
autónomo de capacidades próprias por parte do sujeito, só é possível na medida em
que o educador alie, às suas destrezas cognitivas, uma proporcional maturidade
psicológica e social. Este aspecto é confirmado pelos resultados de uma interessante
investigação conduzida pela Doutora Helena Simões em que depois de estudar
vários aspectos do desenvolvimento pessoal de alunas de cursos de Educadores de
Infância observa que "as alunas apresentando, ao mesmo tempo, níveis superiores de
desenvolvimento do ego e da complexidade conceptual apresentam, sem excepção,
uma competência educativa elevada" (Simões, H. 1993, p. 286).

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ASPECTOS INTRODUTÓRIOS 5

Só esta maturidade psicológica lhe poderá conferir a disponibilidade suficiente para


que a diferença radicalmente característica de um processo educativo3, não assente
unicamente numa apriorística diferença de estatuto e de papel, diferença essa cultu-
ralmente definida, mas numa diferença essencial de seres pessoais que passa por
vários vectores dos quais o mais importante é, sem dúvida, o factor desenvolvi-
mento. Com efeito só o desenvolvimento pode gerar desenvolvimento e todos
sabemos que os nossos efeitos enquanto educadores, especialmente com alunos mais
novos, são mais da ordem do ser do que da ordem do fazer.
Se aquilo que aprendemos num curso de formação de professores ou educadores,
condiciona essencialmente o conteúdo das nossas interacções em contextos
educativos, aquilo que somos, ou que aprendemos a ser, condiciona essencialmente a
forma dessas interacções.

Objectivos
Em conformidade com os pressupostos anteriormente enunciados, assumem-se como
objectivos de formação prioritários as seguintes destrezas cognitivas e capacidades
pessoais do formando:
1. Estar consciente de que a educação/formação é um processo interaccional
complexo, que transborda o sistema professor/aluno ou formador/formando
e não se esgota nos actos formais de educação/formação.
2. Compreender os fenómenos de interacção humana em toda a sua extensão e
complexidade, para além dos actos explícitos de comunicação intencional de
pensamentos ou afectos.
3. Ser capaz de analisar a própria experiência comunicacional/relacional,
questionando sistematicamente as crenças pessoais e as representações sociais
que impedem o acesso a maturidade psicológica e social.
4. Ser capaz de gerir os processos interaccionais em que participe,
designadamente nas situações de educação/formação, de modo a facilitar aos
outros (educandos/formandos) o exercício da sua autonomia e a
rentabilização dos próprios recursos.

3 Dizemos radicalmente pois só na medida em que dois seres se encontram em estados


diferentes, poderá ser gerada informação e, por isso, educação.

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Definição dos Modelos e
Conceitos de Base

INTRODUÇÃO

O conceito de sistema tem, por assim dizer, um longo passado e uma curta História.
Com efeito, se bem que nunca até aí o termo propriamente dito tivesse sido
geralmente utilizado ou perfeitamente definido, já muita actividade intelectual e
científica humana partia da noção que existem fenómenos de tal forma relacionados
que a sua compreensão terá que ser procurada no contexto das suas inter-relações
recíprocas. Exemplos disto são os economistas do Séc. XIX que, sem terem
consciência plena do facto, partiam da noção de sistema quando tentavam construir
um modelo geral da economia a partir das relações entre a oferta, a procura, a
moeda, o capital, etc.. O próprio Marx, ao propor uma visão global da sociedade a
partir duma relação entre as infra-estruturas económicas, políticas, sociais e
ideológicas.
Contudo, aquilo que hoje conhecemos por abordagem sistémica tem a sua origem
nos anos 30 e 40 nos quais diferentes tipos de cientistas começaram observar padrões
numa vasta gama de fenómenos físicos, biológicos, sociais e psicológico. Com efeito,
McCulloch e colaboradores debruçaram-se sobre a organização dos neurónios, Piaget
estudou a forma como as crianças organizam os seus processos de conhecimento e
Gregory Bateson, a partir dos seus estudos na Nova Guiné, tentou compreender a
forma como o comportamento ritualizado se organiza no contexto da interacção
social. O que estes investigadores tinham em comum era a noção de que os
fenómenos sejam de tipo neurológico, psicológico, ou social, poderiam ser melhor
compreendidos em termos de informação, e organização do que em termos de
energia ou substância.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 7

Neste contexto, o aparecimento da cibernética4, como ciência da informação,


organização e forma, criou um novo campo de aplicação do pensamento sistémico
distinto da física entendida como a ciência da energia e da matéria. Com efeito, a
grande alteração paradigmática verificada em quase todas as disciplinas científicas
mais acentuadamente após a II Guerra Mundial consistiu segundo Ludwig Von
Bertalanffy (1977, p.18) numa
"...passagem da engenharia de produção de energia — isto é, libertação de grandes
quantidades de energia tal como acontece nas máquinas a vapor ou eléctricas —
para a engenharia de controle, que dirige processos empregando dispositivos de
baixa potência..."
O conceito de organização tornou-se assim central relativamente a outras categorias
básicas de pensamento. Ora, a organização é um dado que, não sendo específico de
qualquer elemento particular, resulta sim de uma determinada concepção das
relações entre esses elementos. Assim aquilo que designamos por abordagem sistémica
releva de uma posição ao mesmo tempo ontológica5 e epistemológica6. Ontológica no
sentido em que parte da definição de uma realidade que é a realidade sistémica que
não se reduz à soma dos seus elementos considerados em separado, e epistemológica
no sentido em que propõe um conhecimento da realidade que em vez de estudar a
natureza dos elementos considerados individualmente centra a sua atenção naquilo
que é mais característico de um sistema, a sua organização, isto é o conjunto das
relações existentes entre esses elementos.

TEORIA GERAL DOS SISTEMAS

No contexto das suas investigações em Biologia, nomeadamente os seus estudos


sobre o metabolismo e o crescimento, Bertalanffy propôs a partir dos anos 20 uma
teoria dos sistemas abertos, baseada essencialmente no facto de que o organismo é um
sistema de elementos inter-relacionados mantendo-se através das trocas com o meio

4 A Cibernética foi "fundada" pelo matemático Norbert Wiener (1948) e tem como finalidade
principal o estudo dos sistemas de regulação e controle tanto nos organismos vivos como
nas máquinas.
5 A Ontologia é a parte da Filosofia que estuda o ser em si, as suas propriedades e dos modos
por que se manifesta, isto é, a natureza dos elementos da realidade tanto material como
racional.
6 A Epistemologia é a parte da Filosofia que estuda a possibilidade e as condições do
conhecimento, a forma como nos damos conta do mundo à nossa volta.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 8

exterior. Esta concepção começou por implicar uma extensão da física convencional,
sendo a noção de sistema posteriormente generalizada ao domínio das ciências
sociais (Bertalanffy 1977, p.30).
"A Teoria Geral dos Sistemas tornou-se assim uma espécie de grande campo
conceptual dentro do qual se meteram diversas disciplinas, Teoria dos Jogos7,
Teoria da Decisão 8, etc.., de tal forma que ainda hoje não podemos verdadeira-
mente falar de um paradigma que esteja totalmente organizado de uma forma
sólida, mas de um campo fragmentado com versões e aplicações em domínios e em
níveis diferentes da realidade."
Numa fase inicial, a tarefa principal que se deparou aos teóricos dos sistemas foi de
certa forma estabelecer a legitimidade epistemológica do seu campo de trabalho.
Dado que o principal elemento de definição de um determinado domínio científico é
o seu objecto de estudo, a especificidade da Teoria Geral dos Sistemas situa-se no
facto de lidar com fenómenos complexos, com um método que respeita essa
complexidade.
A Teoria Geral dos Sistemas tem assim como objecto de estudo as complexidades
organizadas, ao nível biológico, ao nível social, isto é, ocupa-se de fenómenos onde
há elementos, mas acima de tudo há relações entre esses mesmos elementos. O
estudo do sistema vai incidir precisamente sobre a rede de relações intra e
intersistémica, porque são as relações que mantêm e definem o sistema como tal.

Conceito de Sistema
O modelo sistémico, como teoria geral, parte da hipótese de que existem modelos,
princípios e leis que se podem aplicar a sistemas generalizados, qualquer que seja o
seu tipo particular, a natureza dos elementos que os compõem e as relações que
existem entre eles.
Nesta perspectiva um sistema pode ser definido como um conjunto de elementos ou
entidades mais o conjunto das interacções que se verificam entre eles e que num
determinado momento nos permitem concebê-los como um todo único. Uma das
distinções que usualmente se faz é a de considerar duas categorias básicas de
sistemas: Sistemas abertos e sistemas fechados.

7 A Teoria dos Jogos estuda, do ponto de vista matemático, a competição racional entre dois
ou mais jogadores que procuram o máximo de ganho e o mínimo de perda.
8 A Teoria da Decisão estuda as escolhas racionais nas organizações humanas, baseada na

análise de determinada situação e dos seus possíveis resultados.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 9

SISTEMAS FECHADOS
Um sistema fechado não troca nem energia nem matéria nem informação com o seu
ambiente: está totalmente desligado do seu meio exterior. Isto quer dizer que o
sistema funciona essencialmente a partir da sua energia potencial interna. Essa
energia é utilizada nas interacções entre os elementos do sistema até que este chega a
um estado de equilíbrio o que é o mesmo que dizer a um estado de inacção e
desorganização total.
Naturalmente que um sistema fechado num sentido rigoroso é uma abstracção dos
físicos, uma espécie de modelo teórico ao qual não corresponde nenhuma realidade
concreta. Contudo esta distinção entre sistema abeto e sistema interessante na
medida em que permite abordar problemas como o contraste entre o mundo físico e
o mundo vivo, os problemas da vida, da evolução, da auto-organização, da diferen-
ciação, etc..

SISTEMAS A BERTOS
Todo o organismo vivo pode ser definido como um sistema aberto. Num ser vivo
existem, com efeito, numerosos processos químicos e físicos ordenados de tal forma
que permitem ao sistema vivo manter o seu funcionamento dentro de determinados
parâmetros e mesmo crescer, desenvolver-se, reproduzir-se, etc., apesar de no seu
interior se verificarem trocas incessantes Bertalanffy, 1984, p. 82). Isto manifesta-se a
todos os níveis: — componentes químicos, ao nível da célula; células, ao nível do
organismo multicelular; indivíduos, numa população, etc.. As estruturas orgânicas
são elas próprias a expressão de um processo ordenado e só se mantêm por este
processo, por conseguinte a abordagem sistémica trata primeiro de procurar a ordem
dos processos em si próprios e não em estruturas exteriores pré-estabelecidas.
Contudo, esta noção de ordem é estranha tanto à física como à química clássicas. Para
o definir foi necessário criar um modelo sistémico ao mesmo tempo suficientemente
rigoroso para permitir uma abordagem científica e global de forma a poder ser gene-
ralizado a todos os sistemas vivos.
O modelo do sistema aberto tem naturalmente um vasto campo de aplicação na
biologia, fisiologia, psicologia, sociologia, etc. A aplicação dos princípios sistémicos
nas ciências do comportamento tem sido feita essencialmente utilizando o conceito
de sistema aberto. Define-se sistema aberto (Bertalanffy, 1977 p. 193) como um sistema
que troca materiais e informação com o seu ambiente. Este processo faz com que o sistema
se mantenha num estado de ao mesmo tempo de integridade e estabilidade.

Propriedades dos Sistemas Abertos


Segundo esta teoria um sistema aberto pode ser caracterizado por três propriedades
fundamentais.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 10

TOTALIDADE
O conceito de totalidade pode ser definido como a qualidade emergente na base da
própria noção de sistema entendido como complexos de elementos em interacção9.
Segundo Bertalanffy (1977, p.82):
"Ao tratarmos de complexos de elementos podemos fazer três diferentes espécies de
distinção, a saber, 1) de acordo com o seu número; 2) De acordo com a sua espécie;
3) de acordo com as relações entre os seus elementos."
Assim para compreendermos o funcionamento de um determinado sistema devemos
ter em conta aquilo que Bertalanffy chama "características constitutivas", isto é,
aquelas que dependem das relações específicas intra-sistémicas.
São as características constitutivas que definem a totalidade do sistema, quer dizer,
um sistema não é uma simples soma ou agregado de elementos, mas comporta-se
como um todo coerente e indivisível no qual as variações de qualquer elemento estão
relacionadas com todos os outros.
O conceito de totalidade não é um conceito estático mas dinâmico e susceptível de
variar ao longo do tempo. Com efeito, especialmente nos sistemas inter-relacionais as
interacções entre os elementos podem variar ao longo do tempo em que, por um
processo de diferenciação um sistema passa de um estado de totalidade a um estado
de relativa independência, dando origem a outros sistemas.
Num estado de totalidade uma perturbação num elemento conduz a perturbações
nos outros elementos, reagindo estas de forma a manter o estado de equilíbrio inicial.
É este processo que nos permite compreender como, por exemplo, quando numa
família em que um membro apresenta problemas comportamentais esses problemas
desaparecem, não tendo havido uma verdadeira mudança na organização da família,
acontece que ou os problemas desse membro voltam a aparecer ou aparecem
problemas noutro membro da família.
O princípio da totalidade sistémica tem implicações teórico-práticas evidentes. Com
efeito, qualquer hipótese que pretendamos pôr no sentido de compreender e guiar a
nossa intervenção relativamente a um determinado comportamento problemático de
um membro de um sistema psicossocial terá que envolver todos os membros desse
sistema.

EQUIFINALIDADE
O princípio de equifinalidade refere que o mesmo estado ou "objectivo" final pode ser
alcançado a partir de condições iniciais diferentes ou por vias diferentes. A equifina-

9 Estar em interacção significa, de uma forma mais rigorosa, que os elementos p estão em
relações R, de tal modo que o comportamento de um elemento p em R é diferente do seu
comportamento quando fazendo parte de outra relação R'. Se os comportamentos em R e
R' não são diferentes então não podemos dizer que haja relação.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 11

lidade é uma característica fundamental dos sistemas vivos, que não se verifica nos
sistemas inanimados em que um determinado estado num tempo t é determinado
univocamente pelo estado do mesmo sistema num tempo to. Um exemplo bem
conhecido desta propriedade vem embriologia experimental: em que um ser normal
pode ser obtido a partir de um ovo completo, tanto como de metade de um ovo ou
até de uma quarta parte de um ovo. Esta noção de equifinalidade tem basicamente a
ver com a organização do sistema. Se considerarmos, por exemplo, um determinado
sistema interaccional dizemos que está organizado, que existem determinadas regu-
laridades no seu funcionamento. Trata-se contudo de uma estabilidade dinâmica na
medida em que é conseguida através de processos de troca, de mudança. Num
determinado grupo social os indivíduos estão em actividade, interagem uns com os
outros, há movimento constante, mas apesar disso ficamos com a noção de que existe
uma certa regularidade. O que está na base dessa regularidade é a existência de
padrões de interacção, de processos circulares que se repetem sob determinadas
condições, isto é, os parâmetros do sistema, as regras implícitas ou explícitas que
regulam as interacções.
Segundo o princípio da equifinalidade os acontecimentos no interior de um sistema
têm mais a ver com os padrões, regras de funcionamento e estrutura do sistema,
sendo largamente independentes das condições iniciais. O mesmo estado final pode
ser atingido partindo de condições iniciais diferentes. De uma forma mais ilustrativa
diríamos que, para compreender o ponto a que chegou um sistema, mais do que
saber de onde partiu, importa saber que caminhos tomou. Como referimos acima, o
que é determinante para explicar um sistema aberto é a compreensão das regras de
organização, mais do que as suas condições iniciais, ou eventualmente a sua
"história".
Com efeito a abordagem histórica e retrospectiva de um determinado sistema psicos-
social é sempre mediatizada pela sua organização actual. Esta é uma ideia que põe
largamente em causa os pressupostos sobre que assentam as intervenções tradicio-
nais, essencialmente baseadas em dados de tipo histórico e retrospectivo. Não
queremos dizer que os dados do passado não possam ter um certo interesse na
compreensão do funcionamento de um determinado sistema inter-relacional. Se nos
ocupamos de um determinado sistema, por exemplo as relações escola/família, e
observamos a forma como as pessoas interagem, podemos obter dados de tipo
contextual, e podemos recolher informação relativa ao contexto social, económico,
cultural, comunitário e histórico e integrar as nossas observações nesses dados. O
que não podemos é defini-los como base causal dos fenómenos observados.
Este conceito de equifinalidade tem um enorme interesse prático na medida em que
vai implicar determinadas formas intervenção sistémica. Com efeito se usarmos
unicamente um modelo de causalidade genética corremos um risco muito grave que
é o de perder de vista o que é novo em termos de funcionamento sistémico, isto é,
aquilo que acontece como fruto da criatividade de alguém num determinado

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 12

momento. Essas pequenas flutuações no funcionamento sistémico podem por vezes


ser ampliadas introduzindo novidade e mudança no sistema. Os processos de
mudança, ligados às retroacções positivas e os processos de estabili-
dade/manutenção ligados às retroacções negativas estão relacionados entre si de
uma forma a que Pina Prata chamou "processo paradoxal de base" (1981, p. 26):
"Não há mudança sem estabilidade, mas a estabilidade, equilíbrio quase-estável
requer mudança e, antes de tudo, plasticidade de mudança "
Se combinarmos a ideia de estabilidade e organização com a ideia de flutuação
espontânea podemos eventualmente aumentar o seu potencial para gerar formas de
organização diferentes.
A história de um sistema pode ser, assim, encarada numa perspectiva multidimen-
sional: — uma dimensão passada que se torna contexto, uma dimensão presente que
se refere ao estado do sistema num dado momento e ainda uma dimensão futura que
é a possibilidade de mudança.

A UTO-REGULAÇÃO
Vimos já que o estudo dos sistemas vivos, seja de tipo biológico seja de tipo psicosso-
cial, como sistemas abertos envolve dois tipos de questões: primeiramente questões
ligadas à sua estrutura, que apontam para a vertente estática das interacções intersis-
témicas, para a estabilidade e conservação do sistema; em segundo lugar questões de
tipo dinâmico, relativas às flutuações e variações do sistema no tempo. Podemos
assim perceber a existência de duas tendências igualmente indispensáveis à sobrevi-
vência do sistema: — uma tendência para a estabilidade (morfoestase) e uma
tendência à transformação (morfogénese). Ao estado de equilíbrio entre estas duas
tendência chamaram os estudiosos dos processos cibernéticos homeostase. O
equilíbrio homeostático como se sabe é mantido através das trocas que o sistema
estabelece com o seu ambiente. O modelo básico é o de um processo circular no qual
uma parte da saída (output) do sistema é reenviada de volta, como informação, para a
entrada, tornando assim o sistema auto-regulador, quer no sentido da manutenção
de certas variáveis quer na direcção para uma meta desejada. O modelo físico mais
conhecido deste processo é o do termóstato e de todo o tipo de servomecanismos
construídos pela cibernética. Este modelo de causalidade circular constitui a maior
contribuição da cibernética para as ciências do comportamento. Como refere
Watzlawick (1973 p.26):
"A compreensão de que a informação a respeito de um efeito, se for adequadamente
retroalimentada garantirá a estabilidade deste e a sua adaptação às mudança
ambiental, não só abriu as portas para a construção de máquinas de ordem
superior (isto é, de erro controlado e orientadas para uma meta específica) e levou
à postulação da cibernética como uma nova epistemologia, mas também propor-
cionou vislumbres completamente novos do funcionamento dos sistemas de
interacção muito complexos, na biologia, psicologia, sociologia, economia e outros
domínios."

P SICOLOGIA DA E DUCAÇÃO – P ARA UMA ABORDAGEM ECOSSISTÉMICA DA RELAÇ ÃO EDUCATIVA 2005


DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 13

As retroacções entradas no sistema podem ser de tipo positivo ou negativo. As


retroacções positivas, tendem a amplificar as flutuações no funcionamento sistémico
e, de uma forma geral conduz a mudanças no funcionamento do sistema, isto é à
perda da estabilidade ou do equilíbrio. Contudo seria impossível a um sistema
manter-se em funcionamento recebendo somente retroacções de tipo positivo. Para o
sistema readquirir o seu equilíbrio precisa de receber igualmente retroacções de tipo
negativo, isto é, retroacções tendentes a compensar as variações verificadas e que por
conseguinte tendem a estabilizar o funcionamento sistémico num determinado
estado de equilíbrio. Os conceitos de positivo ou negativo não têm aqui nenhum tipo
de conotação valorativa, mesmo quando aplicados no campo das relações humanas.
Estes dois tipos de retroacção são ambos essenciais à manutenção do sistema, a
diferença está em que no caso da retroacção negativa, essa informação é usada para
fazer diminuir os desvios de funcionamento de um conjunto de regras ou tendências,
enquanto que no caso da retroacção positiva esses desvios tendem a ser amplificados.
Com efeito os sistemas interaccionais humanos quer sejam grupos informais, famílias
ou mesmo organizações formais, podem ser perspectivados como circuitos de
retroacção, dado que o comportamento de cada pessoa afecta e é afectado pelo
comportamento de cada uma das outras pessoas.

FUNDAMENTOS PARA UMA ABORDAGEM SISTÉMICA

Aspectos Introdutórios
Antes de avançarmos para uma definição mais precisa da abordagem sistémica no
campo particular da relação educativa pensamos ser importante reflectir um pouco
sobre algumas ideias e conceitos fundamentais que suportam esta forma de ver e
interpretar a realidade educativa. Trata-se de uma tarefa não isenta de dificuldades
na medida em que não temos ainda uma lista desses conceitos que ofereça o
necessário acordo e consenso entre os especialistas nesta área.
Com efeito o pensamento sistémico é ainda uma novidade nos campos da psicologia
e educação e até um pouco difícil de apreender para um raciocínio fundado no
realismo ingénuo característico do pensamento convencional de tipo ocidental. Por
outro lado muitas das ideias importadas para o campo das ciências humanas tiveram
a sua origem em ciências que, como a física, têm uma abordagem diferente das
questões e da investigação empírica. Naturalmente que se lermos com atenção a
maior parte dos autores nesta área acabamos por seleccionar alguns temas funda-
mentais, contudo dada a variedade de vias seguidas para chegar a uma apreciação

P SICOLOGIA DA E DUCAÇÃO – P ARA UMA ABORDAGEM ECOSSISTÉMICA DA RELAÇ ÃO EDUCATIVA 2005


DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 14

das possibilidades das ideias sistémicas não é de surpreender que cada autor tenha
chegado a uma definição que acaba por salientar determinados temas deixando
outros de lado.
A nossa opção não é naturalmente uma excepção. À medida que escrevemos senti-
mos que muitas outras considerações poderiam ser levadas em conta, contudo, como
o nosso objectivo principal é, em vez de apresentar um modelo acabado e, até certo
ponto, fechado, estimular o raciocínio dos estudantes nesta matéria, esta limitação
acaba por ter as suas vantagens. Muitos dos conceitos agora desenvolvidos foram já
referenciados nas páginas anteriores e por isso devem ser já de alguma forma
familiares, trata-se agora de os abordar de uma forma mais circunstanciada, suge-
rindo ao mesmo tempo sugestões acerca de possíveis desenvolvimentos nomeada-
mente no que diz respeito à realidade educativa.
Este conjunto de temas foi naturalmente retirado de alguns autores importantes
nesta área e abordam algumas perspectivas básicas relativamente a questões relacio-
nadas com a linguagem, epistemologia, linearidade, causalidade, formas de raciocínio, totali-
dades, padrões e regras, modelos dinâmicos, mudança descontínua e histórias. Todos estes
temas estão interligados e muitas vezes torna-se difícil falar de um separadamente
dos outros, contudo esta é uma característica inerente a todo o pensamento sistémico
e não há como fugir dela. Considerando que este é, ao fim e ao cabo um problema de
linguagem, talvez seja começar mesmo por este tema.

Linguagem
O linguista Benjamin Whorf (1941) postulou que a noção da realidade das pessoas
não poderiam ser minimamente coincidentes a não ser que falassem a mesma
linguagem10, isto porque, num certo sentido, a realidade é construída através da
linguagem. Trata-se de uma afirmação ousada, que, apesar de ser apoiada por
muitos pensadores reputados, não deixa de fazer sorrir muitas vezes o homem da
rua. Com efeito, a ideia de que a linguagem de acerta forma cria a realidade, em vez
de ser um mero reflexo, uma expressão, dessa realidade parece à primeira vista
demasiado idealista para o nosso pensamento positivista ocidental levado a pensar
que uma árvore existe da mesma forma quer lhe chamemos uma árvore ou uma
"revoár".
Contudo, um conjunto cada vez mais vasto de autores contemporâneos têm vindo a
defender que linguagem e conhecimento, ou compreensão, eram dois aspectos do
mesmo fenómeno no sentido em que a linguagem de alguma forma reflecte o nosso
entendimento da realidade. Um autor importante nesta área, Harley Shands (1971),

10 Para efeitos da reflexão sobre este tema utilizamos o termo "linguagem" como referindo-se
à linguagem verbal, falada ou escrita.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 15

refere que "com as palavras, os seres humanos lançaram-se à conquista da natureza — não
sem antes terem pago o preço de, inconscientemente, (no passado mais longínquo) se terem
submetido à ocupação do seu próprio espaço pessoal pelo sistema linguístico em que nós
acabámos por nascer." Shands pensa que dar um nome a uma coisa é uma forma de
"parar o movimento". Com efeito, a forma como nomeamos as coisas levam-nos a
pensar que aquilo a que damos um nome se torna estático. As línguas ocidentais, em
particular tendem a enfatizar os objectos e, por isso, assumimos que os objectos são
relativamente permanentes. Contudo, nas fases iniciais do desenvolvimento da
linguagem, como na apreensão da língua pelas crianças, tendem a concentrar-se mais
na acção, no movimento e é só quando foram desenvolvidos sistemas mais sofistica-
dos de linguagem que começou a predominar a definição dos aspectos mais concre-
tos e estáticos da realidade.
Por isso, palavras e conceitos são realidades inseparáveis. Muitas vezes temos a
sensação de algo que não conseguimos por em palavras e somos levados a pensar
que estamos aqui perante um pensamento sem palavras, contudo, como muitos dos
nossos professores nos ensinaram, se não conseguimos explicar (traduzir em
palavras) é porque não compreendemos.
O nosso conhecimento da realidade é um conhecimento simbólico. Ao contrário do
reino animal nós não temos que lidar com o mundo à nossa volta unicamente numa
base sensorial e experiencial. Nós utilizamos a linguagem que nos foi dada — e que
nós próprios criamos — para dividir o mundo em partes, e essas partes formam a
nossa noção da realidade. Ora, uma parte importante desta questão é o de que o
número de partes em que temos que dividir um determinado aspecto da realidade
está intimamente dependente da nossa relação com essa realidade, nomeadamente a
importância que esse aspecto tem no nosso mundo, ou em que medida dependemos
dele para a nossa sobrevivência. Talvez um exemplo nos ajude a compreender isto.
Tomemos a realidade “neve”. Todos nós sabemos o que é neve, mesmo que alguém
nunca tenha visto cair neve "ao vivo" já viu na televisão ou no cinema, de tal forma
que, em contacto com essa realidade não teríamos dificuldade em reconhecer essa
realidade "isto é neve!" e nada nos pareceria mais concreto, mais objectivo, mais real!
Contudo, estranhamente para um esquimó, esta realidade "neve" não existe. Não
existe porque simplesmente eles não têm uma palavra para designar a realidade
global "neve", mas, em vez disso têm dez palavras para designar aquilo que para nós
é neve11. Para nós neve é uma coisa simples na medida em que a distinção entre os
vários aspectos desta realidade não é muito importante para nós, que não vivemos
normalmente no meio da neve. Mas, para os esquimós, em cujo ambiente a neve é
uma constante, tornou-se necessário dividir a realidade "água gelada que cai do céu"

11 Os gauchos argentinos, por exemplo, têm 250 pa lavras para se referirem à cor de um
cavalo.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 16

num maior número de partes: — neve acabada de cair, neve que não foi pisada, neve
muito pisada, etc.., e a cada uma dessas "fatias da realidade" atribuíram um nome.
Para além da digitalização12 da nossa linguagem e, por isso, igualmente a nossa reali-
dade, que nos leva a apreender a realidade como composta de entidades separadas,
Shands chama ainda a atenção para o facto de que a "linguagem nos prescreve uma
organização linear dos dados da realidade em sequências discursivas". Inconscien-
temente subjugados pela linguagem aceitamos e reforçamos a noção segundo a qual
o universo está organizado na base de um tipo de causalidade linear em que a uma
causa se segue um determinado efeito. Considerando que a linguagem requer um
sujeito (aquele que realiza a acção) e um predicado (aquele que sofre, ou sobre quem
se realiza, a acção) nós acabamos por utilizar esta mesma estrutura para a compreen-
são do mundo à nossa volta. Para além desta característica sintáctica existe ainda
uma característica de tipo semântico que contribui igualmente para uma noção de
linearidade. Bateson pensa, com efeito, que a utilização dos verbos ser e ter, apesar de
se revelarem satisfatórios para a vida do dia a dia não são mais adequados quando
entramos no campo mais exigente da ciência e da epistemologia. Nós habitualmente
referimo-nos às coisas como tendo certas características e, por isso, sendo de uma
certa maneira: "O lápis é de madeira e grafite", "Aquele adolescente tem borbulhas na
cara", etc., contudo ao fazermos isto estamos implicitamente a isolar esses elementos
e a tratá-los como se eles fossem todos independentes. Sendo assim, se quisermos
evoluir para uma perspectiva sistémica temos que de alguma forma tentar diminuir a
nossa dependência destes verbos, o que, na verdade é mais fácil dizer do que fazer! É
por isso que a aprendizagem do raciocínio sistémico é uma tarefa para realizar em
interacção com outros, através da discussão e reflexão conjunta. Mas, que verbos
utilizar em alternativa? Existe um conjunto de expressões que se podem revelar
substitutos mais adequados a ter e ser, por exemplo, mostrar, revelar, demonstrar, exibir,
indicar, evidenciar, manifestar, parecer, etc.. Em vez de dizer "Aquela criança é teimosa",
"O indivíduo A tem medo de B", Poderíamos dizer "Aquela criança mostra-se
teimosa"; " O indivíduo A mostra medo de B", e, ao fazer isto estamos a deixar de
atribuir uma característica fixa a um indivíduo concreto para passarmos a referir
uma circunstância dependente de um conjunto de condições que podem mudar de
um momento para o outro, e, assim, abrir caminho para perceber a importância dos
factores relacionais no comportamento individual.
Fica assim claro que esta forma de encarar a relação entre linguagem e realidade nos
coloca no centro de um problema epistemológico, mas antes que entremos propria-
mente na questão epistemológica, importa tirar algumas conclusões para o pensa-
mento sistémico desta reflexão sobre a linguagem.

12 Para compreender melhor este conceito de linguagem digital, consulte mais adiante o
capítulo dedicado à axiomática da comunicação nomeadamente no que diz respeito à
distinção entre linguagem digital e linguagem analógica.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 17

A abordagem sistémica olha para a linguagem como a ferramenta fundamental que


os seres humanos usam para dar sentido ao mundo à sua volta. Temos que ter cons-
ciência que a nossa linguagem é um fenómeno artificial no sentido em que é "fabri-
cado" por nós. As palavras que usamos não reflectem qualquer realidade "objectiva"
ou "fundamental", mas representam as formas de nos relacionarmos com o mundo e
as coisas que se revelaram mais úteis para os nossos antepassados. Gregory Bateson
referiu-se a este aspecto utilizando a metáfora do mapa e do território. Os mapas
representam o território e permitem-nos orientarmo-nos nele, mas não são o
território.
Se tivermos em conta o nosso campo específico verificamos que o simples facto de
mostrar ou descrever aquilo que se passa numa sala de aula não é em si neutro. O
simples facto de descrever uma relação educativa exige, devido ao simples facto de
utilizarmos a linguagem, um antes e um depois, um sujeito e um objecto, enfim, um
postulado de causa e efeito, e, por isso, uma demarcação nitidamente moralista13. Na
nossa opinião o moralismo é uma característica intrínseca da linguagem que deriva
do seu carácter linear. Mas, como dissemos atrás a linguagem não é a realidade. A
realidade é circular, e, especialmente no domínio da vida, é mais natural pensar que
todas as partes de um organismo formam um círculo, são ao mesmo tempo princípio
e fim, sendo, acima de tudo, importante perceber os processos que unem esses
elementos.
Sintetizando, eis, na nossa opinião, as consequências mais importantes, do
condicionamento linguístico, em termos de abordagem da relação educativa:
- A utilização predominante de uma linguagem leva os educadores a:
A. conceptualizarem a realidade viva da relação educativa num sentido linear
(historicismo, reducionismo de tipo psicológico ou sociológico) e não num
sentido sistémico, circular;
B. descreverem de uma forma implicitamente moralista os modos de comunicar
dos elementos que intervêm na relação educativa, julgando uns "piores" que
os outros e tentando, por isso, corrigi-los;
C. Utilizarem predominantemente um código digital como forma de agir
educativamente sobre os educandos, quando sabemos que o processo
educativo mobiliza igualmente muitos elementos de ordem emocional,
afectiva, ou sócio-afectiva.

13 Parece-nos importante explicitar a razão porque utilizamos aqui a expressão moralista.


Com efeito, se descrever um processo relacional humano de forma linear dizendo, por
exemplo, "O João bateu no André" é atribuir a uma pessoa o papel de actor (sujeito da
acção) e ao outro o papel de reactor (objecto dessa acção) e, ao fazermos isto, ao centrarmos
a acção num dos intervenientes, ignorando o papel do outro, estamos a tomar um partido,
e, por isso, a definir uma moralidade, seja ela qual for, adoptando assim, necessariamente
uma posição moralista.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 18

Assim, qualquer pessoa que pretenda aceder a um tipo de pensamento sistémico


deverá ter bem em conta os aspectos relacionados com a linguagem, em primeiro
lugar aceitar a noção de que as nossas palavras reflectem ideias e que as nossas ideias
não são mais do que isso, ideias... mapas que pretendemos cada vez mais adequados,
mais úteis, mais representativos, mas que nunca serão o território.

Epistemologia
Se o problema fundamental da abordagem sistémica tem a ver com uma forma de
apreensão da realidade, então a questão epistemológica apresenta-se aqui como uma
questão fundamental. Enquanto que a linguagem é a ferramenta principal para a
nossa capacidade de compreensão, a problemática epistemológica é fundamental se
quisermos alterar as nossas formas de pensar.
A Epistemologia, como todos sabemos, é uma disciplina da Filosofia que se dedica à
formulação de teorias que nos permitam chegar a uma compreensão da natureza,
condições, limites e regras que regem o nosso conhecimento. Todos nós, na medida
em que somos capazes de reflexão, isto é, capazes de ter alguma consciência do nosso
próprio conhecimento e a pensar sobre o nosso pensamento, (meta-cognição) natu-
ralmente que, de uma forma mais ou menos explícita, temos algumas ideias a este
respeito.
No seu início, a epistemologia e a psicologia cognitiva foram dominadas por aquilo
que alguns autores designaram por "dogma da imaculada percepção". Nesta
perspectiva o organismo seria um receptor passivo de estímulos, de dados dos
sentidos, de informações, vindas de objectos exteriores. Estas informações sensoriais
iriam formar as percepções que seriam assim uma cópia, mais ou menos fiel do
mundo exterior.
Nos séculos XVII e XVIII, alguns pensadores eminentes como Hume e Kant deram a
sua contribuição no sentido de ajudarem o pensamento ocidental a afastar-se daquilo
que tem sido designado por realismo ingénuo 14. Mais recentemente, no campo mais
formalizado da Filosofia as questões epistemológicas têm gerado enorme controvér-
sia, especialmente nos últimos 25 anos, em que os enormes avanços no campo das
ciências físicas, de alguma forma vieram reavivar o interesse pelas questões episte -
mológicas. Referimo-nos nomeadamente ao princípio de incerteza de Heisenberg
que, no campo do infinitamente pequeno, mostrou claramente que a observação de
um fenómeno interfere decisivamente no comportamento desse fenómeno de tal
forma que nunca poderemos conhecer a exacta natureza de um processo se ele não

14 O realismo ingénuo é uma posição epistemológica em que assume que nós vemos,
ouvimos, tocamos, etc., é a realidade concreta tal e qual, existindo assim uma perfeita
correspondência entre a realidade exterior e o conhecimento que temos dela.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 19

tivesse sido afectado pelo nosso processo de observação, inviabilizando qualquer


pretensão de objectividade.
Por outro lado a psicologia moderna, especialmente com a psicologia da Gestatlt,
mostrou de diversas formas que a o processo perceptivo, mais do que fornecer uma
cópia mais ou menos fiel da realidade sensorial, utiliza os dados sensoriais para criar
ou construir a realidade exterior, conferindo assim um papel activo aos sistemas
cognitivos humanos. Mais recentemente, a epistemologia sistémica sustenta que o
conhecimento que temos da realidade nasce da relação entre o observador e o obser-
vado, o conhecedor e aquilo que é conhecido. Quer dizer, não nos situamos nem
numa posição radicalmente racionalista em que o conhecimento é imanente às
estruturas do sujeito conhecedor, nem numa posição radicalmente empirista que
considera o homem uma tabula rasa, resultando o conhecimento de uma apreensão
objectiva das características da realidade exterior, mas num posicionamento interac-
cionista em que o conhecimento é construído pelo sujeito na base da sua interacção
com o mundo à sua volta. Este modelo tem um paralelismo evidente com a episte-
mologia piagetiana15 pois ressalta a perspectiva construtivista do conhecimento da
realidade.
Esta posição epistemológica tem naturalmente implicações fundamentais em todo o
nosso processo de abordagem da relação educativa. A impossibilidade de aceder à
"verdadeira essência" das coisas implica que reconsideremos uma série de noções
que tínhamos por adquiridas, como por exemplo, as questões da validade e da
relatividade. A noção tradicional de validade refere que qualquer conhecimento é
válido de se estiver de acordo com os factos, se reflectir a "verdadeira natureza das
coisas", assumindo assim que a verdade pode ser conhecida. Normalmente julgamos a
validade das nossas ideias na medida em que correspondem à verdade objectiva.
Ora, se, pelo contrário, partirmos do pressuposto de que a verdade objectiva não pode
ser conhecida, então, o que é que acontece à ideia de validade? Pode, qualquer
conhecimento ser considerado válido? A resposta é claramente, sim, se bem que
implicando uma reformulação do constructo de validade. No pensamento sistémico,
assim como na generalidade das ciências hoje em dia o conceito de validade e
objectividade tradicionais foi substituído por aquilo de Karl Popper chama
intersubjectividade - qualquer conhecimento ou ideia é válida se um grupo

15 Piaget foi, com efeito, um dos autores que melhor desenvolveu este modelo neste século.
Partindo de uma posição epistemológica claramente interaccionista Piaget deixou-nos uma
análise brilhante do processo cognitivo sublinhando que esse processo auto-regulador,
evolui no sentido da equilibração das estruturas cognitivas. Este processo dialéctico (ou
melhor, cibernético) assenta sobre dois sub-processos (invariantes funcionais): a
assimilação e a acomodação. A assimilação refere-se às modificações que o sujeito realiza
nos dados da realidade de forma a integrá-los nos seus esquemas cognitivos. A
acomodação, por outro lado, refere-se às modificações dos próprios esquemas como
resultado da integração de novos dados da realidade.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 20

significativo de pessoas estiverem de acordo a esse respeito. De um ponto de vista


essencialmente pragmático, se o meu conhecimento subjectivo de um processo tiver
suficientes pontos de contacto com o conhecimento subjectivo de outras pessoas
então podemos considerar que esse conhecimento tem um certo grau de validade e
objectividade. A validação consensual torna-se, assim, a única forma possível de
validação.
Ao considerarmos contudo estas questões, elas poderão, à partida parecer demasiado
teóricas e abstractas e, por isso, sem muito interesse para o campo da educação que é
acima de tudo uma prática em contextos muito concretos. Contudo, como dizia Kurt
Lewin "não há nada de tão prático como uma boa teoria" — quer isto dizer que a
nossa prática, a forma como agimos em circunstâncias concretas tem sempre na base
uma determinada epistemologia, mais do que isso: — se bem que haja uma distinção
clara entre teoria e prática, existe sempre uma relação entre estes dois níveis de tal
forma que ambas de influenciam uma à outra.
Cheados a este ponto e tendo ficado conscientes das limitações impostas pela nossa
linguagem e epistemologia tradicionais, estamos numa boa posição para
re-interpretar outras noções básicas como linearidade, causalidade, etc..

Circularidade/Recursividade
Como vimos atrás, a nossa linguagem está estruturada de forma linear o que faz com
que pensemos em certas noções básicas como tempo, espaço e crescimento, essen-
cialmente em termos de linearidade. O tempo anda para a frente, esperamos que as
crianças cresçam para cima, e as nossas sociedades organizam-se na base de uma
distribuição linear do poder. Esta forma linear de construir a realidade está de tal
forma enraizada na nossa cultura que so muito dificilmente conseguimos imaginar
que outras formas de lidar com o mundo à nossa volta possam ser possíveis. Mesmo
no contexto de uma epistemologia sistémico, ou ecossistémica, quando tentamos
libertar-nos da dependência do constructo de linearidade, chegamos à noção de
circularidade, um conceito que está claramente definido no contexto da ideia funda-
mental de linha — um círculo é uma linha curva que se liga a si própria.
Esta ideia de circularidade esta intimamente ligada ao conceito de retroacção
(feed-back ou recursividade) que abordámos no contexto do estudo das propriedades
de um sistema. Um fenómeno de tipo recursivo é o produto de uma retroacção
multidireccional que ocorre quando determinadas partes de um sistema entram em
interacção num dado contexto espacio-temporal. No campo específico das relações
humanas qualquer acontecimento pode ser perspectivado simultaneamente como
produto da experiência e da previsão. Mais concretamente, qualquer acção concreta
de qualquer pessoa num sistema humano é determinada ao mesmo tempo a) pela
experiência dessa pessoa, quer dizer, aquilo que aconteceu no passado; b) pelo
presente, quer dizer o estado particular dessa pessoa nesse momento (motivação,

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 21

personalidade) e c) pelo futuro, no sentido em que existe sempre uma determinada


expectativa face às consequências dos nossos comportamentos. Por exemplo,
ponha-se esta questão: —"Porque estou eu a ler isto neste momento?" pode, certa-
mente, descobrir razões para isso tanto no passado (o Professor indicou este Manual
como constituindo a obra de consulta fundamental para esta disciplina), como no
presente (consegui agora um momento livre, com relativa calma) e até no futuro
(tenho que saber o suficiente para responder às questões do teste e conseguir
aproveitamento nesta disciplina para fazer o meu curso).
Numa situação educativa concreta verificamos o mesmo processo. Cada aconteci-
mento educativo parte de um conjunto de informação que cada pessoa dispõe acerca
de acontecimentos passados, por exemplo, o conhecimento que os alunos têm do
professor; de um sistema de atitudes acerca das condições presentes, por exemplo a
origem sócio-cultural dos alunos; e de uma antecipação acerca do desenrolar dos
acontecimentos no futuro, por exemplo a percepção que os alunos têm da utilidade
dos conhecimentos adquiridos para a sua vida futura, nomeadamente no acesso a
um emprego.
Realizemos agora algum esforço de metacognição. Repare que nos parágrafos
anteriores, mantivemos as categorias de passado, presente e futuro — uma
construção linear, porque temos consciência que esta perspectiva é a nossa forma de
pensar convencional e somos obrigados a manter essa distinção, mesmo quando
procuramos saltar para fora dela. Aquilo que esperamos ter deixado claro é que num
quadro de referência sistémico, o passado, o presente e o futuro informam o
comportamento actual de um indivíduo de uma forma recursiva e circular. E,
contrariamente ao que muitas pessoas pensam, não é geralmente importante tentar
identificar a sua influência relativa. Fazê-lo seria abdicar definitivamente de uma
óptica sistémica e voltar a uma forma de raciocínio linear.

Causalidade
Como afirma Delattre (1982, p. 53) a ciência moderna construiu-se a partir do
princípio explicativo das relações de causa-efeito, sendo o primeiro termo entendido
no sentido de causas eficientes (Aristóteles) ou antecedentes (Mill). Esta forma de
entender a "causa das coisas" parece tão natural ao espírito humano que este tende,
por consequência lógica, a eliminar qualquer outra forma de explicação. Por isso,
muito daquilo que dissemos sobre linearidade, linguagem e epistemologia pode
igualmente aplicar-se à noção de causalidade. No quadro de referência em que nos
situamos descrever os acontecimentos em termos de causalidade é somente uma das
formas de conceber as coisas. A identificação dos princípios de causalidade tem uma
função prática no contexto do dia a dia assim como em determinadas áreas da
ciência, especialmente nas áreas mais ligadas à tecnologia. A abordagem sistémica
sugere, contudo, que a dependência de uma definição causal dos fenómenos não é o

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 22

procedimento mais adequado quando está em causa a compreensão do funciona-


mento de organismos vivos.
Quando dividimos um todo orgânico em várias partes, não temos outro remédio
senão usar a noção de causalidade para as voltar a juntar. Por exemplo se pegarmos
num casamento e o dividirmos em marido e mulher, o conceito de causalidade é
usado repetidamente à medida que lidamos com a relação entre eles. Ela leva-o a
fazer isto, ele leva-a a fazer aquilo, etc.. Esta forma de construção da realidade pode
em determinados momentos dar-nos alguma informação, mas ver o todo em vez das
partes é normalmente a abordagem mais produtiva.
A questão importante aqui não é saber se a causalidade realmente existe, mas decidir
se é mais útil adoptar outra perspectiva. A noção de causalidade, como dissemos
acima, é importante no domínio dos mecanismos, mas não funciona muito bem no
domínio do vivo. As máquinas, essas sim, estão estruturadas a partir de uma inter-
dependência causal. A chave activa a ignição que por sua vez acciona o motor de
arranque que faz trabalhar o motor principal e os resultados podem ser observados
nas nossas cidades todos os dias entre as 7:00 e as 10:00 horas da manhã.
Definir uma relação de causalidade é sempre partir um todo em partes e pode até ter
algum interesse quando tentamos perceber a relação entre dois sistemas, como por
exemplo, a escola e a família, mas quando tentamos compreender um todo e o nosso
envolvimento nesse todo a noção de causalidade impede-nos de captar a natureza
sistémica dos processos.
Contudo, apesar de ser importante aprendermos a usar formas alternativas de
compreender os fenómenos humanos sem o recurso constante à noção de causali-
dade, isso nem sempre é uma tarefa fácil. Mais uma vez, a linguagem é um dos
primeiros aspectos que devem ser alterados se quisermos evoluir para novas
concepções de causalidade. As listas de verbos alternativos que apresentámos atrás
podem ser extremamente úteis para alcançar esse objectivo, mas, acima de tudo, é
importante adquirir hábitos de observação de todos organizados. Estes "todos organiza-
dos" podem ser um organismo vivo evoluindo num determinado ambiente, um
grupo de ballet, uma sala de aula, etc.. Pode estabelecer, por exemplo, um bloco
temporal de 15 minutos e dedicar-se, por exemplo, à terefa de observar um grupo de
crianças a brincar num recreio, tentando não focalizar a sua atenção sobre nenhum
indivíduo em particular, mas tentando tomar o grupo como um todo16. Procure

16 Isto à partida pode parecer muito difícil, mas, se repararmos, quando observamos o
comportamento de uma pessoa numa situação específica, por exemplo, uma bailarina,
normalmente retiramos uma sensação global da sua actuação, somos capazes de perceber
se foi mais harmonioso ou mais desequilibrado; mais enérgico ou mais suave; mais
expansivo ou mais retraído, etc.., isto sem nos termos detido na observação dos
movimentos particulares das pernas, dos braços, do tronco, da cabeça. Quando

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 23

dar-se conta dos processos, dos movimentos de expansão e de retracção, dos


padrões, das redundâncias, as retroacções, etc.. Se formos capazes de exercitar este
procedimento, com o tempo, eventualmente, começaremos a adquirir um certo feeling
das possibilidades inerentes a esta nova forma de olhar para os fenómenos.

Formas de Raciocínio
O raciocínio dedutivo tem, desde Aristóteles, constituído o padrão através do qual a
validade do pensamento tem sido aferida. Com efeito, apesar de sabermos hoje que
existem formas de raciocínio igualmente válidas em determinadas circunstâncias
para além da lógica aristotélica muitos dicionários estabelecem ainda o raciocínio
dedutivo como a única forma válida de obter conclusões válidas e definitivas. O
raciocínio dedutivo está estruturado de uma forma linear procedendo sempre de
uma asserção geral para uma conclusão relativa a um caso particular. A representa-
ção clássica do raciocínio dedutivo está contida no silogismo, sendo o mais conhecido
provavelmente o seguinte:
Todos os homens são mortais.
Pedro é Homem.
Pedro é mortal.
Apesar do formalismo aparente deste raciocínio o facto é que todos os dias nós
orientamos o nosso quotidiano de acordo com raciocínios deste tipo, por exemplo:
Todos os Domingos há futebol
Hoje é Domingo.
Hoje há futebol.
Contudo, à medida que o empirismo foi ganhando relevância nos pensamento dos
séculos XVII e XVIII, outra forma de raciocínio foi sendo progressivamente utilizada
— o pensamento indutivo, ou indução. Apesar de estarmos ainda em presença de
uma forma de raciocínio linear, o raciocínio indutivo procede numa direcção
diferente do silogismo aristotélico. Com efeito, a indução chega à definição de
conclusões gerais partindo da observação de casos particulares.
Este método nasceu, por isso, da necessidade de dar sentido à enorme quantidade de
informação resultante do desenvolvimento que as ciências baseadas na observação
tiveram neste período17. É nesta altura que o conhecimento verdadeiro começou a ser

observamos um grupo o que temos a fazer é expandir esta noção de todo que temos
relativamente ao corpo humano, para o grupo.
17 É hoje reconhecido que os portugueses, com as descobertas resultantes das viagens
marítimas dos sec. XVI e XVII, tiveram um papel importante neste processo. Com efeito, ao
descobrirem novas terras, com novos povos, animais e plantas, fizeram surgir a

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 24

entendido como aquele que era retirado da observação e da experiência. Tratava-se,


ao fim e ao cabo, de recolher dados acerca de acontecimentos concretos a partir dos
quais eram elaboradas conclusões gerais, um método estreitamente relacionado com
a ciência clássica.
No dia-a-dia utilizamos igualmente este tipo de raciocínio:
Hoje tomei três chávenas de café antes das 10 horas da manhã.
Hoje sinto-me nervoso e hiperactivo.
Beber três cafés de manhã provoca nervosismo e hiperactividade.
A diferença fundamental entre a dedução e a indução está na diferença de direcção.
A dedução passa de um princípio geral para uma conclusão particular, enquanto que
a indução parte da observação de acontecimentos particulares para a definição de um
princípio geral.
Nos últimos quarenta anos, contudo, começou a espalhar-se nos meios científicos
uma nova forma de raciocínio que, em contraste com as duas formas de raciocínio
anteriores, envolve um processo cognitivo não linear, referimo-nos ao raciocínio ana-
lógico. Na sua acepção antiga oriunda das matemáticas, a analogia referia-se a uma
identidade de proporções, de relações. Se a/b=c/d, pode dizer-se que a está para b
como c está para d. Assim, dois objectos em que certas dimensões homólogas estão
na mesma relação, são, em virtude desta definição, análogos. (Delattre, 1981)
Inicialmente limitada a esta definição matemática, a significação do conceito de ana-
logia evoluiu com o tempo no sentido de uma certa flexibilidade em relação aos
limites geométricos e métricos iniciais, de forma que hoje a analogia exprime uma
equivalência parcial, podendo incidir sobre aspectos muito diversos. Estabelecer uma
analogia é, portanto, em primeiro lugar, pôr em correspondência entidades distintas,
mas que se consideram como equivalentes de um certo ponto de vista. Em matéria
científica esta equivalência só pode ser funcional, o que significa que as entidades
consideradas se devem encontrar situadas num contexto de relações ligado pelo
menos a algumas das suas propriedades, o que nos remete naturalmente para a ideia
de sistema seja ele concreto ou abstracto.
Raciocinar por analogia é assim concentrar-se em padrões, semelhanças e diferenças:
— Lisboa é para Portugal aquilo que Paris é para França. Nesta frase o padrão lógico
que suporta a relação entre Paris e França é decalcado da relação entre Lisboa e
Portugal. Lisboa é uma cidade e capital de um país, por isso em França existe uma só
cidade que cumpre esta condição, que é Paris. Apesar de o raciocínio por analogia só
muito recentemente ter assentado arraiais na comunidade científica, formas muito
rudimentares de raciocínio analógico fazem há muito parte do quotidiano do cidadão

necessidade de estudar essas novas realidades que, até então, se supunha não existirem, ou
eram imaginadas a partir de preconceitos filosóficos e religiosos de uma forma distorcida.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 25

comum, especialmente retratados nas formas condensadas de "sabedoria" que são os


ditados populares. Com efeito, se repararmos nas expressões
Cada ovelha busca a sua parelha.
Deitar pérolas a porcos...
verificamos que elas significam, por analogia com as ovelhas, que as pessoas tendem
a juntar-se com base nas semelhanças entre si e, e, da mesma forma como seria um
desperdício deitar pérolas a porcos, não vale a pena dar determinadas coisas a certas
pessoas pois elas, devido às suas limitações, não saberiam apreciá-las.
O raciocínio por analogia parece o mais indicado para a abordagem sistémica porque
em vez de funcionar de forma linear preocupa-se com padrões e relações e, por isso,
necessitamos de desenvolver e aperfeiçoar várias formas de pensamento analógico à
medida que tentamos construir perspectivas alternativas do mundo à nossa volta.
Uma estratégia que nos parece indicada para desenvolver um raciocínio analógico é
exercitar a resposta a esta questão: "Em que medida estes dois (ou mais) fenómenos
são idênticos e em que medida eles são diferentes". Numa sala de aula podemos, por
exemplo, perguntar-nos que características os acontecimentos A e B têm em comum
pois apesar de serem diferentes contêm ambos crianças zangadas.
Convém contudo ter algum cuidado no uso da analogia como forma de raciocínio em
ciência especialmente procurando não extrapolar as conclusões para além do
domínio em que foram estabelecidas.

O Todo e as Partes
"O Todo é maior que a soma das suas partes". Poderíamos reunir nesta frase toda a
fundamentação da epistemologia sistémica. Esta evidência, se bem que relativamente
imprecisa, resultou da nossa incapacidade em compreender perfeitamente o que se
passa quando elementos, que pensamos conhecer bem "em si mesmos", se integram
em sistemas mais ou menos complexos.
A reflexão precedente sobre as questões da linguagem, epistemologia, linearidade,
causalidade e lógica tem tido como pano de fundo uma orientação para o todo mais
do que para as partes. Preocupámo-nos igualmente em tentar utilizar um tipo de
linguagem que:
a. tende a concentrar-se na abordagem dos todos organizados;
b. adopta um enquadramento não linear que permita manter intacta a
integridade das entidades naturais;
c. fala em termos da circularidade das influências recíprocas dentro de um
sistema.
Todas estas abordagens têm como finalidade última proteger a unidade e coerência
do sistema que está sob observação, isto porque, segundo a perspectiva sistémica, se

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 26

dividirmos uma unidade social natural como por exemplo, uma família ou uma sala
de aula em partes separadas, perdemos de vista aquilo que caracteriza e define o
sistema enquanto tal, que são precisamente as relações entre os seus elementos.
Mais uma vez, este objectivo de focalizar a nossa atenção no sistema em vez das
partes pode oferecer algumas dificuldades para a nossa mente treinada no tradição
analítica. As sugestões de observação que fizemos atrás quando discutíamos o
problema da causalidade podem ser adoptadas aqui com a finalidade de observar
unidades múltiplas como por exemplo um grupo de trabalho, uma sala de aula, uma
família a jantar, etc. enquanto todos organizados e não somas de elementos. Uma
outra sugestão poderá ser identificar uma relação específica, como por exemplo a
relação entre duas crianças numa sala, e observá-la durante algum tempo, com o
objectivo de descrever os padrões de comunicação, verbal ou não verbal ou ambos,
devendo, contudo, ter sempre em atenção que estamos a observar uma relação e não
cada criança em particular. Isto pode ser uma constituir um sério desafio, especial-
mente para um observador inexperiente, mas, com alguma disciplina e força de
vontade poderemos verificar que este tipo de abordagem é susceptível de oferecer,
para além de novas formas de descrição, muita e interessante informação sobre o
funcionamento global dos grupos humanos. Em vez de notar, por exemplo, que
"quando ela faz isto, ele faz aquilo..." começamos por descrever processos repetitivos
que são característicos do todo. Podemos, por exemplo, ver alívio, confusão, medo;
este tipo de perspectivas é extremamente valioso tanto do ponto de vista da descrição
como da intervenção sistémica.

Padrões e Regras
Um padrão é um arranjo determinado e identificável de relações, um todo organizado que
pode ser identificado como um todo; quer dizer, uma forma de acção relativamente
estável e invariável. Torna-se, assim, óbvio que a ideia de padrão é complementar à
ideia de regra. Podemos definir regras como sendo padrões de comportamento prescritos
de forma mais ou menos formal. Podem ser códigos definidos formal e explicitamente
ou meros costumes. As regras regulam os padrões de relacionamento dentro de
sistemas humanos, tais como famílias, clubes, turmas, etc..
As ideias de padrão e de regra são semelhantes, mas não são redundantes. No
sentido em que usamos aqui o conceito de regra, assumimos que são o produto da
comunicação humana — definem códigos de conduta para os seres humanos — por
isso, a regra é uma versão específica do padrão para os seres humanos. Quando
conseguimos identificar os padrões de comportamento, verbais ou não verbais,
típicos de um determinado sistema, estamos em óptimas condições para intervir de
uma forma que permita ao sistema alterar aqueles padrões que suportam alguns
comportamentos mais problemáticos.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 27

Com efeito, revelar um padrão de comportamento ao próprio grupo do qual faz


parte e que é controlado por esse padrão é uma técnica crucial de intervenção sisté-
mica. Antes de fazermos isto, contudo, temos que ser capazes de ver esses padrões.
Primeiro, é importante observar os comportamentos verbais e não verbais dos
membros do grupo, sempre com o objectivo de compreender as relações, perceber,
por exemplo como é que a confusão se espalha de uma pessoa para a outra ou de
uma sala para a outra, num momento de tensão.

Continuidade e Descontinuidade
nos Processos de Mudança
As nossas crenças sobre os processos de mudança foram naturalmente determinadas
pelas concepções gerais acerca do mundo em que vivemos. Com efeito uma perspec-
tiva analítica e positivista, buscando conhecer a natureza objectiva das coisas podia
conceber um único tipo de mudança — uma mudança essencialmente de tipo quanti-
tativo, normalmente gradual e num sentido progressivo18.
Mais recentemente alguns pensadores sistémicos têm mostrado que certos tipos de
transformações não são o resultado de pequenas mudanças graduais em determina-
dos parâmetros essencialmente de tipo quantitativo. Estes autores chamam a atenção
para um tipo de mudança em termos qualitativos que ocorre de forma súbita e
espontânea, emergindo de um conjunto particular de condições, tanto no mundo
físico como social. Normalmente o que acontece é que por condicionalismos interio-
res ou exteriores ao sistema os padrões e regras que mantinham o funcionamento
sistémico até aí começam a não serem capazes de dar resposta em termos adaptativos
começando a aparecer flutuações, ou seja pequenos desvios, face aos padrões
habituais.
Chegados a este ponto várias coisas podem acontecer: — o sistema pode desmem-
brar-se e acabar enquanto tal; pode desenvolver um conjunto de regras para
controlar as flutuações; ou pode "dar o salto" para uma norma forma de organização
sistémica. Esta última possibilidade ilustra uma forma de mudança de tipo qualita-
tivo e, por isso, descontínua.

18 Um exemplo deste tipo de conceptualização é a forma como era entendido o mundo da


infância. Até muito recentemente, a evolução de uma criança para o estado adulto tinha
exclusivamente a ver com o incrementar de algumas características individuais: - altura,
peso, força, inteligência, etc.. Quer dizer, uma criança era basicamente um adulto em
miniatura, de tal forma que as crianças eram vestidas como os adultos, tratados como tal,
sendo da mesma forma responsabilizados pelos seus actos e, até, trabalhando como os
adultos quando tal se tornava necessário.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 28

Estes processos de mudança rápidos e descontínuos levantam ainda muitas reticên-


cias às nossas mentes habituadas a pensar que a "boa" mudança era um mudança
lenta, segura e contínua.

A COMUNICAÇÃO HUMANA

Aspectos Gerais
A literatura e o cinema têm-nos proporcionado algumas descrições, porventura
dramáticas, de situações de incomunicabilidade absoluta ou relativa (entre brancos e
índios, ou entre humanos e extra-terrestres). Face a isto poderemos ser tentados a
pensar que o problema é, nesses casos, a falta de uma linguagem comum (ou um
código), como quando alguém se encontra num país estrangeiro e ignora a língua que
aí se fala.
Esta noção é, contudo, insatisfatória na medida em que não nos permite compreen-
der a frequência com que ocorrem desentendimentos entre pessoas que falam efecti-
vamente a mesma língua e supostamente partilham até a mesma cultura. A crença
ingénua de que qualquer diálogo tem um princípio e um fim evidentes, que as
mensagens trocadas são objectivas e compreensíveis, e que cada interlocutor
responde ao que o outro disse pode não se verificar na realidade, ou pelo menos não
ter o mesmo entendimento dos dois lados.
Se repararmos bem, em qualquer discussão cada pessoa acha que a outra não tem na
devida conta os seus argumentos; em qualquer conflito é convicção de cada um que
foi o outro a abrir as hostilidades; e em qualquer das situações ambos se reservam o
direito (ou o dever) de dizer a última palavra. Isso acontece porque cada um está
convencido da sua razão, e tenta convencer o outro; e se essa razão Lhe não é
reconhecida, é provável que tire daí as devidas conclusões: naturalmente acerca da
personalidade do outro e da relação que existe (ou existia) entre ambos.
Neste capítulo são abordados problemas deste género a propósito da comunicação
interpessoal. Uma ideia central é que as pessoas estão frequentemente mais interes-
sadas em convencer os outros (isto é, impor-lhes as próprias opiniões) do que em
compreender os outros (isto é, aceitar os seus pontos de vista).
Bem vistas as coisas, se o ter razão tende a ser mais importante para as pessoas do que
o próprio conteúdo do seu discurso, é porque Lhes dá direito a dizer a última pala-
vra, que é o mesmo que dizer ficar por cima ou dominar (Dionne & Ouellet, 1990).

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 29

Modelo Telegráfico e Orquestral da Comunicação


Se o mundo foi dominado até a meados deste século pela problemática da energia, é
também verdade que, desde aí, a comunicação tem sido o campo onde se têm
operado os desenvolvimentos mais críticos de tal forma que, hoje, esta é uma das
áreas primordiais de investimento, tanto em termos socio-económicos, como em
termos pessoais, ou melhor, interpessoais.
Este facto fez naturalmente com que o termos comunicação se tenha tornado num
lugar comum onde cabe tudo, desde comboios, autocarros, telefones, jornais, cadeias
de rádio e televisão, pequenos grupos de encontro, agências de publicidade e, até,
colónias de formigas, porque sabemos que os animais também comunicam entre si.
Ora, quando um termo adquire um significado de tal forma global acaba por perder,
senão todo, parte do seu sentido essencial. Parece-nos, por isso, que se torna necessá-
rio começar por pôr um pouco de ordem nesta "babilónia" e tentar chegar a uma
definição o mais clara possível do sentido da nossa comunicação.
Uma boa forma de começar poderá ser traçar as raízes etimológicas do termo. Com
efeito, a palavras comunicação tem a sua origem no termo latino communicare que
significava pôr em comum, estar em relação e que está na base de outros termos
como comunidade, comunhão. Este sentido original, passou, a partir de dada altura a
evoluir no sentido de designar a partilha de uma notícia (transmitir) uma notícia,
uma doença, etc., e, daí, o uso da palavra no sentido global de partilha, passa
progressivamente para segundo plano para dar lugar à utilização no sentido de
transmissão, quer dizer, do círculo passa-se ao segmento. É assim que, comboios,
telefones e jornais se tornam "meios de comunicação", isto é, meios que permitem a
passagem de algo de A para B e é este sentido de transmissão que predomina hoje em
dia.
Em 1948 o cientista americano Norbert Wiener publica a sua obra Cibernética e, um
ano mais tarde, um dos seus antigos alunos, Claude Shanon publica A Teoria Matemá-
tica da Comunicação. Esta obra, irá, com efeito, fornecer o modelo que irá ter a sua
aplicação nos meios tecnológicos de transmissão de informação, como o telégrafo e o
telefone.
Analisando este modelo, temos uma fonte de informação (por exemplo a nossa voz ao
telefone), um emissor que transforma a mensagem em sinais (o telefone transforma a
voz em oscilações eléctricas), um receptor, que reproduz a mensagem a partir dos
sinais, e um destino, que é a pessoa a quem a mensagem é enviada. Durante a
transmissão os sinais podem ser perturbados pelo ruído. Seja:

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 30

Graças, por um lado ao seu rigor conceptual, por outro à sua simplicidade, este
modelo foi igualmente adoptado como enquadramento geral para o estudo da
comunicação nas ciências sociais. Se bem que tenha sido objecto de muitas alterações
e adaptações manteve, contudo o seu núcleo central à volta da noção de emissor —
receptor. Torna-se, assim, claro que o modelo do telégrafo acabou por impregnar deci-
sivamente o estudo da comunicação humana, de tal forma que nos parece legítimo
que possamos falar de um modelo telegráfico da comunicação.
Contudo, durante os anos 50, no momento em que o modelo telegráfico adquire uma
posição dominante na reflexão teórica sobre a comunicação, alguns investigadores
americanos tentaram começar do zero no que diz respeito ao estudo do fenómeno da
comunicação interpessoal, sem passar por Shannon19. Apesar de terem origens disci-
plinares diferentes este grupo de investigadores partiu de uma posição comum que
era a oposição à utilização em ciências humanas do modelo de comunicação de
Shannon e Weaver, isto porque entendiam que este modelo tinha sido concebido por
e para engenheiros de telecomunicações e não poderia ser utilizado no campo
específico da comunicação interpessoal. Defendiam ainda que a utilização do modelo
telegráfico em antropologia ou em psicologia levou ao ressurgimento de concepções
ultrapassadas ligadas à psicologia filosófica sobre a natureza do Homem e da
comunicação. Segundo eles a concepção da comunicação entre dois indivíduos como
transmissão de uma mensagem sucessivamente codificada e depois descodificada
pressupõe uma concepção do psiquismo humano como algo encerrado dentro de um
corpo, emitindo pensamentos sob a forma de palavras, sendo assim o acto
comunicativo reduzido a um acto verbal, consciente e voluntário.
As ciências humanas deveriam, assim, procurar um modelo comunicacional mais
adaptado à sua realidade. Um dos primeiros passos nesse sentido foi partir da

19 Estes investigadores tinham origens muito diversas. O antropólogo Gregory Bateson e


uma equipa de psiquiatras procuram formular uma teoria geral da comunicação
apoiando-se sobre dados aparentemente tão desconexos como os diálogos entre um
ventríloquo e o seu boneco, a observação de comportamentos lúdicos nas lontras ou o
comportamento esquizofrénico. Ray Birdwhistell e Edward T. Hall, são dois antropólogos
que procuram compreender o domínio tradicional da comunicação a partir da gestualidade
(kinestesia) e o espaço físico interpessoal (proxémica) e alguns outros.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 31

seguinte questão: — tendo em conta os milhares de comportamentos possíveis (verbais e não


verbais), quais são aqueles que vão ser retidos pela cultura para se organizarem como
conjuntos significativos? Ora, pôr esta questão da selecção e da organização dos
comportamentos remete-nos para a existência de códigos, ou sistemas de regras que
organizam o próprio comportamento. Estes códigos teriam como função organizar e
seleccionar os comportamentos pessoais e interpessoais, regulariam a sua apropria-
ção do contexto e, assim, a sua significação. A comunicação é entendida acima de
tudo como um processo social permanente, integrando múltiplos modos de
comportamento: — a palavra, o gesto, o olhar, a mímica, o espaço interindividual.
etc.. Não se trata tanto de fazer uma oposição entre verbal e não verbal, na medida
em que a comunicação é um todo integrado. Da mesma forma não é correcto, para
estes autores, isolar cada comportamento do sistema global de comunicação e falar
da "linguagem dos gestos", "linguagem do corpo", etc., assumindo estas expressões
que cada postura ou cada gesto têm um único significado particular. Com efeito as
"mensagens" oriundas de qualquer forma de comunicação não têm um significado
intrínseco, pois é somente no contexto do conjunto dos modos de comunicação,
actuados num determinado contexto interaccional, que o significado da comunicação
pode ser correctamente apreendido.
Isto é tanto assim que dois autores pioneiros nesta área, Birdwhistell e Scheflen
propõem uma análise de contexto, por oposição à análise de conteúdo mais adequada ao
modelo telegráfico. Com efeito, se a comunicação é entendida unicamente como uma
actividade verbal e voluntária, o significado está contido nas "frases" que os interlo-
cutores trocam entre si e o analista da comunicação só tem que analisar essas "frases"
para daí retirar todo o significado. Se, pelo contrário, a comunicação for concebida
como um processo permanente, a vários níveis, o analista deverá, para apreender
todo o significado, descrever o funcionamento dos diversos modos de comporta-
mento num contexto determinado. Trata-se de uma abordagem bastante complexa
que faz apelo a metodologias de observação e análise elas próprias bastante
complexas. É por isso que os procedimentos puramente experimentais em que a
variação de um elemento x (sexo, idade, ou grau de intimidade dos interlocutores)
são postos em correlação com as variações de um elemento y (por exemplo, a
distância a que se encontram os interlocutores) não se revelam adequados para a
abordagem da comunicação humana. Nesta perspectiva a mínima situação de
interacção revela um nível de complexidade tal que é inútil tentar reduzi-la a duas ou
mais variáveis analisadas de forma linear. É em termos de níveis de complexidade, de
contextos múltiplos, e de sistemas circulares, que deve ser pensada e realizada a
pesquisa em comunicação humana, sendo assim que os modelos circulares oriundos
da cibernética ou da teoria geral dos sistemas acabam por tomar um papel decisivo
nesta área.
Esta concepção da comunicação enquanto processo complexo, circular, multidimen-
sional e multinivelar levou a que recentemente tivesse sido utilizada a analogia da
orquestra, (com vários instrumentos e a várias vozes) para designar esta forma de

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 32

abordagem e possamos falar de um modelo orquestral da comunicação sendo esta


abordada de um ponto de vista interaccional sistémico. A comunicação interpessoal
desenvolve-se como uma cadeia de actos significativos, que têm origem, alternada-
mente, num dos actores, e que são levados em conta pelo outro. Estes comporta-
mentos portadores de significado — ou comportamentos comunicativos — não são
exclusivamente linguísticos. Para além da linguagem verbal há outros sistemas de
comunicação (Scheflen, 1981), em que se incluem comportamentos significativos tão
diversos como movimentos do corpo ou de segmentos do corpo (gestos, olhar,
expressão do rosto, riso, choro, etc.), manifestações neurovegetativas (alterações da
cor da pele, actividades viscerais), toda a sorte de contactos físicos (aperto de mão,
abraço, beijo), emissão de odores, e ainda o uso de certos adereços (vestuário, orna-
mentos, cosméticos). A analogia da orquestra permite acima de tudo compreender
como cada indivíduo participa na comunicação sem que possamos dizer quem é que
começa ou quem é que termina.
Mais adiante, quando estudarmos o modelo da pragmática da comunicação, que, no
nosso entender, representa um dos mais interessantes desenvolvimentos deste
modelo orquestral da comunicação, veremos que todo o comportamento é comunica-
ção e que "não se pode não comunicar". Assim, qualquer indivíduo, só pelo facto de
estar exposto à percepção do outro (mesmo sem fazer nada por isso), informa inevi-
tavelmente um eventual observador sobre o seu aspecto físico e sobre o seu compor-
tamento externo; e talvez lhe forneça ainda, por essa mesma via, alguns indícios que
lhe permitirão inferir outras informações (por exemplo, sobre a sua posição social ou
sobre a sua disposição psicológica).
Esta comunicação não depende da intenção do sujeito que comunica e pode até
ocorrer sem o seu conhecimento. Por vezes alguma informação é fornecida mesmo
contra a vontade de quem a fornece, através de comportamentos expressivos cuja
função é meramente consumatória. É o caso frequente de estados emocionais que se
manifestam exteriormente através de alterações somáticas ou movimentos involuntá-
rios. Mais frequentemente, porém, a comunicação desempenha uma função instru-
mental, isto é, os indivíduos comunicam entre si intencionalmente, com o objectivo de
trocar informação, ou seja, pôr em comum algo das suas experiências pessoais. Há,
porém, que ter cuidado, quando se fala de comunicação humana, com a utilização do
termo transferência (de informação). Este termo pode sugerir um processo linear,
incluindo uma relação causal e uma sequência temporal de sentido único. Todavia, na
comunicação, não somente o acto comunicativo de um indivíduo tem de ser percebido
por outro indivíduo, mas o comunicador precisa de ter a confirmação disso. Mais
ainda, a mensagem recebida dá a volta pelo interior do receptor (é compreendida e
avaliada), podendo dar origem a uma mensagem-resposta.
Para elucidar este conceito de comunicação, Watzlawick (1981) sugeriu que se
compare a "resposta" de uma pedra ao receber um pontapé com a que, na mesma
circunstância, daria um cão. A pedra desloca-se, e o seu movimento é fisicamente

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 33

determinado pelo impulso recebido (em concorrência com outros factores físicos como
sejam certas características da pedra e do terreno). O comportamento do cão é menos
previsível, mas não é de excluir que ele se volte para trás e morda o agressor. A
diferença fundamental entre as duas respostas, segundo Watzlawick, está em que no
primeiro caso o movimento realiza-se com a energia transferida do pé para a pedra,
enquanto no segundo caso, a mordedura, realiza-se com a energia própria do cão.
Quer dizer, enquanto o comportamento da pedra responde à transferência de energia,
o comportamento do cão responde, a uma transferência de informação. É isso a comu-
nicação. Quer isto dizer que se a pedra reage directamente e de forma linear (quanto
mais força, mais deslocamento) à energia recebida, no segundo caso a informação
recebida pelo cão vai ser analisada no contexto da relação com o homem e com a
situação, dependendo a sua resposta dessa análise.
Estamos, assim, perante um sistema não apenas circular (porque inclui um feedback),
mas interaccional, no sentido de que cada actor se assume simultaneamente como
emissor e como receptor. Numa perspectiva interaccional-sistémica não podemos
afirmar que um indivíduo comunica o que quer que seja — os indivíduos não comuni-
cam, mas participam em processos de comunicação. Cada um de nós pode movimen-
tar-se, fazer ruído, mas não comunica. Podemos ver, podemos ouvir, sentir, saborear,
mas não comunicar. Por outras palavras, se comunicação significa "pôr em comum"
este processo não pode rigorosamente ser definido como tendo uma origem
individual, podemos ser participantes, mas autores de comunicação. A comunicação,
enquanto sistema não deve ser, então, concebida sobre o modelo elementar da acção
e da reacção, por mais complexo que seja a sua concepção, mas deve ser apreendida
ao nível da troca, da interacção.
É frequente, para analisar as propriedades comunicativas dos diferentes sistemas,
começar por distinguir entre comunicação verbal e comunicação não-verbal. Tal distin-
ção, que tem por critério fundamental o suporte material da mensagem, privilegia de
facto o código linguístico, opondo-o ao conjunto de todos os outros sistemas. Por
outro lado, esta classificação junta na mesma categoria signos de natureza tão diversa
como corar ou tremer (expressões espontâneas incontroláveis) e acenar ou menear a
cabeça (gestos voluntários e convencionais, equivalentes a signos linguísticos).
Note-se, para finalizar, que o sistema interaccional, quase sempre encarado, na
análise psicológica, como um sistema quase-isolado (situado num contexto donde não
pode vir senão algum ruído), é na realidade atravessado por outros sistemas de comu-
nicação. Cada um dos interlocutores encontra-se integrado numa imensa rede (Serres,
1969) por onde circulam permanentemente informações. Os circuitos integrados
nessa rede não se situam sempre ao nível interpessoal ("de alguém para alguém").
Existe também o "diálogo" interior que é comunicação ao nível intra-pessoal (de si
para si); e há ainda informações que são transmitidas ao nível grupal (de um para
muitos); e até ao nível cultural (de muitos para muitos), seja entre grupos distancia-

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 34

dos no espaço (diferentes contextos), seja entre grupos distanciados no tempo


(diferentes gerações).
Quer dizer, no diálogo cada interlocutor não leva apenas em conta o que o outro diz,
mas um número indeterminado de informações que recebeu de outras fontes, por
circuitos situados a qualquer dos níveis citados.

A Bases da Comunicabilidade
Mas a comuicação só é possível se algo de comum existe já no conhecido ou no "vivido"
de ambos. Por outras palavras, a ausência absoluta de elementos comuns nas experiências de
dois indivíduos coloca-os numa situação de incomunicabilidade e se têm pouco de comum
entre si, as suas possibilidades de comunicação são proporcionalmente limitadas.
As diferenças individuais — as de ordem psicológica e, sobretudo, as de natureza
sócio-cultural — são habitualmente apontadas como as grandes responsáveis pela
redução dessa plataforma comum que é a base da comunicabilidade humana. A
verdade é que entre dois indivíduos, ainda que partilhem a mesma cultura e se
exprimam no mesmo idioma, há necessariamente algumas diferenças limitadoras da
compreensão recíproca: na quantidade e qualidade dos conhecimentos, nas repre-
sentações do mundo físico e social, nos quadros de referência, nos valores, etc.
Estas diferenças podem, em casos extremos, gerar uma autêntica incompatibilidade de
esquemas, que faz da comunicação um "diálogo de surdos". E não se pense que esta é
apenas uma hipótese académica: as discussões alimentadas pela oposição de credos
(ideológicos ou científicos) ou de paixões (religiosas, políticas ou clubistas) consti-
tuem exemplos elucidativos desse obstáculo a uma comunicação eficaz. Outras
dificuldades, porém, têm origem nas características do código utilizado. A própria
linguagem verbal, sendo um código altamente elaborado e convencionado, possui
algumas limitações semânticas (por exemplo, certos estados emocionais são difíceis
de exprimir por palavras). Mas os riscos de ambiguidade aumentam quando a
comunicação se faz predominantemente através de formas menos estruturadas e
convencionadas de comunicação não-verbal, como é o caso da linguagem do corpo.
A comunicação recíproca contingente é, porém, a essência da interacção social. Só há
interacção na medida em que os participantes trocam entre si mensagens significati-
vas, de tal modo que o comportamento de um depende sempre (em parte) do
comportamento anterior do outro e influência o seu comportamento subsequente.
Como vimos anteriormente, os comportamentos humanos só podem ser portadores de
significado na medida em que existir um código, isto é, um corpo de regras que sirva
para os seleccionar e organizar e interpretar.
Quando se aborda este tema, é natural que se pense imediatamente na linguagem. A
própria psicologia tem dedicado particular atenção ao estudo dos códigos linguísti -
cos (linguagem verbal) e paralinguísticos (apoios, substitutos e auxiliares da

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 35

linguagem), o que deu, até, origem à constituição de disciplinas autónomas como são
a psicolinguística (processos psicológicos subjacentes ao uso da língua) e a psicologia
social da linguagem (comportamentos do sujeito falante), a par da psicologia da comuni-
cação não-verbal (em que se destaca a linguagem do corpo). Os códigos linguísticos e
paralinguísticos são, porém, apenas dois exemplos de códigos lógicos, que são utiliza-
dos para significar a experiência objectiva e a relação do homem com o mundo
(Guiraud, 1973). A este grupo pertencem também dois outros tipos de códigos, de
muita importância individual e social porque têm por função, respectivamente,
representar a própria realidade (códigos epistemológicos) e coordenar as acções das
pessoas (códigos práticos). Pertencem à primeira categoria (códigos epistemológicos)
os códigos científicos, altamente convencionais e restritivos, rigorosos e claros. Mas
desempenham também a mesma função de representar a realidade, as mânticas, que
incluem artes de adivinhação e meios de comunicar com os deuses, o além e o
destino (Guiraud, 1973), e de que são exemplos a astrologia, a quiromancia, a oniro-
mancia, a cartomancia, etc. Note-se que alguns destes códigos, originariamente
ligados ao "pensamento primitivo", têm evoluído no sentido de se aproximarem de
códigos científicos.
Quanto aos códigos práticos, que se incluem ainda no grande grupo dos códigos
lógicos, servem para transmitir injunções, intenções, avisos, ordens, etc., com o
objectivo de orientar os comportamentos individuais. São constituídos por signos e
programas em diversos suportes materiais (luz, cor, som, imagem), como pode
verificar se em numerosos exemplos conhecidos: códigos de circulação (rodoviária,
ferroviária, marítima, aérea), sinais de alarme, toques de clarim ou repique de sinos
(com significados diversos).
O que une os diferentes códigos lógicos é a sua função de transmitir informação
sobre a realidade exterior, percebida e racionalizada em sistemas de relações. Em
oposição a estes, estão os códigos estéticos, cuja função é comunicar a experiência
interior do indivíduo perante a mesma realidade. Inclui-se aqui não apenas a expe-
riência estética em sentido estrito, mas tudo o que o ser humano pode sentir quando é
afectado pela realidade física ou social (sentimentos e emoções em geral).
Os signos que constituem os códigos estéticos não são digitais, arbitrários e homoló-
gicos como sucede nos códigos lógicos; são, ao contrário, icónicos, motivados e analógi-
cos. Sendo imagens da realidade ou exprimindo estados do sujeito, estes signos não
podem ser inteiramente convencionados, e frequentemente escapam mesmo
completamente a qualquer convenção. O observador interpreta-os precisamente pela
sua analogia com a realidade a que porventura se referem ou com os estados
interiores que em si próprio originam expressões idênticas. O risco de erro é, por
isso, maior do que nos códigos lógicos.
Na categoria de códigos estéticos incluem-se não só todas as artes, mas também os
comportamentos afectivos em geral, e ainda as simbólicas ou códigos de símbolos.
Numa obra de arte, a realidade é por vezes representada com bastante evidência,

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 36

impondo ao observador uma lógica de interpretação; em muitos casos, porém, ela


pode suscitar no observador um estado emocional bem diferente do que experimen-
tou o artista ao realizá-la, tanto mais que se trata provavelmente de uma vivência não
comum. As expressões de estados afectivos de que todos têm experiência são, natu-
ralmente, mais fáceis de interpretar por analogia, e mais ainda quando assumem
formas institucionalizadas que as aproximam dos códigos lógicos. De mais difícil
interpretação são os símbolos, que no entanto abundam nos sonhos, nos mitos, nos
ritos, nos contos populares.
As informações veiculadas através dos códigos lógicos ou dos códigos estéticos têm a
ver com as relações do ser humano com o meio ambiente: ou se referem ao modo
como o indivíduo vê a natureza (no 1° caso), ou ao impacto da natureza sobre o
indivíduo (no 2° caso). Existe ainda um terceiro grupo de códigos cuja função é
transmitir informação sobre as relações dos seres humanos entre si, e que por isso são
denominados códigos sociais.
Os signos sociais são muito numerosos e diversificados, apresentando-se ora isolados
ora agrupados em sistemas (códigos) mais ou menos complexos. Há signos que
servem para identificar pessoas (indicando uma qualidade pessoal ou um grupo de
pertença), e por isso se chamam signos de identidade. Incluem-se nesta categoria
bandeiras, brasões e totens, uniformes, insígnias e condecorações, marcas de fábrica e
apelidos de família.
Há também signos de cortesia, aos quais compete informar sobre certas circunstancias
da relação. Esta categoria de signos sociais abrange expressões verbais (saudações e
outras fórmulas de cortesia, injúrias), comportamentos paralinguísticos (tom de voz,
gesto, mímica), e ainda o uso significativo do espaço e do tempo (distância entre os
interlocutores, demora em responder, etc.). Note-se, por fim, que existem inúmeras
oportunidades de usar outros signos de cortesia: por exemplo, no comportamento
alimentar, na habitação e no mobiliário, no dar e receber presentes, etc.
Nas relações entre si, as pessoas utilizam frequentemente sistemas de signos sociais,
isto é, códigos sociais, por vezes bastante complexos. Exemplos típicos (até pela rigidez
e complexidade da gramática) são os protocolos e as etiquetas; mas também pertencem a
esta classe de códigos os ritos, as modas e os jogos.

Comunicação e Influência
Os actos comunicativos têm normalmente por objectivo, desejado pelo comunicador,
provocar alguma mudança no destinatário, seja no seu sistema de crenças (conheci-
mentos) ou no seu estado afectivo, seja no seu comportamento externo. Mas há casos
em que alguém origina mudanças cognitivas, afectivas ou comportamentais em
alguém sem o desejar e até sem o saber; e outros casos em que a mudança efectiva-
mente provocada no outro vai num sentido diferente do que o agente pretendia.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 37

Este fenómeno, que consiste em provocar mudança no outro, e que é designado


influência social, está de tal modo associado à comunicação, que bem se pode dizer
que todos os comportamentos comunicativos — que é, afinal, o mesmo que dizer
todos os comportamentos — possuem algum poder suasório; ou, encurtando razões,
que a comunicação é essencialmente retórica.
Estes efeitos de mudança são, porém, diversificados. Pode ser a simples informação
pertinente que o destinatário integra no seu sistema cognitivo (aprendizagem). Por
vezes são os argumentos convincentes que o fazem mudar de opinião (persuasão). Há
também as pressões irresistíveis que forçam o seu comportamento (ameaça). E existem
ainda casos em que um indivíduo se deixa influenciar nas suas crenças, sentimentos
ou comportamentos sem se dar conta da mensagem que está a influenciá-lo (sugestão).
As mudanças ocorridas nos processos de comunicação não se devem, porém, exclusi-
vamente à dimensão retórica da mensagem. Há também variáveis ligadas às pessoas
implicadas, ou seja, ao agente-influenciador (que possui mais ou menos poder social e
ao sujeito-alvo (que é mais ou menos influenciável).
French & Raven (1967) identificaram cinco bases do poder social, ou seja, características
cuja presença num agente-influenciador lhe confere capacidade para exercer influên-
cia sobre um sujeito-alvo, desde que este lhas reconheça ou atribua. Uma pessoa
deixa-se influenciar por outra nas suas crenças, sentimentos ou comportamentos ora
porque lhe atribui a capacidade de premiar (poder de recompensa) ou de castigar (poder
de punição), ora porque se identifica com ela (poder de referência), ora porque lhe
reconhece o direito de a controlar (poder legitimado), ora porque crê que ela merece
crédito (poder de competência). Note-se, porém, que o poder atribuído em qualquer
destas bases raramente é generalizado ou ilimitado, antes se circunscreve a uma área
determinada e não ultrapassa certo limite.
A maior ou menor influenciabilidade de uma pessoa tem naturalmente algo a ver com
uma característica geral relacionada com a variável autonomia/dependência. Mas
deixar-se influenciar numa situação concreta pode corresponder a motivações muito
diferentes. O objectivo do sujeito pode ser apenas obter um determinado efeito social
(por exemplo, para receber uma recompensa ou evitar uma punição). Ele pode
pretender preservar ou cultivar uma relação com o agente (por exemplo de amizade ou
simpatia). Finalmente/ pode também acontecer que ele aceite a influência porque
houve uma adesão ao conteúdo, visto como consonante com os seus próprios valores.
Às diferenças apontadas nos motivos correspondem também diferenças nos efeitos.
Assim, se é apenas o efeito social que conta, pode acontecer que a conformidade do
sujeito se mantenha apenas enquanto houver vigilância. Se é uma questão de relação
pessoal, a atitude conformista poderá durar enquanto essa relação for sentida como
importante. Quando há adesão ao conteúdo, é natural que a conformidade do sujeito
permaneça, independentemente do agente-influenciador.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 38

Podemos, então, distinguir vários tipos de conformidade, consoante o sujeito modifica ou


mantém intacta a sua convicção, perante uma tentativa de influência em que o agente
apresenta argumentos ou exerce pressões (Hare, 1985). Aceitar os argumentos de
outrem sem alterar a própria convicção é mera convergência de posições. Ceder a
pressões, mantendo a convicção intacta é submissão. Modificar a convicção pessoal
cedendo a argumentos é consenso. Modificar a convicção pessoal cedendo a pressões
é conformismo.
As técnicas de persuasão servem precisamente para aumentar a eficácia da comuni-
cação, no sentido de alterar as convicções de outrem pela via da argumentação
racional. Há, porém, situações em que as pessoas se deixam levar por uma pressão
externa, ao ponto de cometerem erros grosseiros de percepção ou de juízo; e outras
em que cedem a uma pressão externa ao ponto de se comportarem em desacordo
com valores que lhes são caros.
Um exemplo típico do primeiro tipo de situação é o chamado efeito Asch, que consiste
em um indivíduo adoptar a opinião manifestada por uma maioria, mesmo quando ela
lhe parece contrariar a evidência. A opinião da maioria exerce sobre o indivíduo uma
pressão implícita. Um exemplo do segundo tipo é o chamado efeito Milgram, que se
refere a uma pressão explícita: perante uma ordem ou injunção que lhe impõe um
comportamento inaceitável, o indivíduo pode "passar por cima", das suas convicções
e valores, como se se considerasse um mero executor, isento de qualquer
responsabilidade (Milgram, 1982).
Estamos aqui perante a outra face da influenciabilidade, que é a incapacidade de
resistência.

Pragmática da Comunicação Humana


A investigação que está na base deste modelo tem sido desenvolvida no Mental
Research Institute, Palo Alto, Califórnia por um conjunto de investigadores
inspirados pelas ideias de Gregory Bateson, um antropólogo que desenvolveu uma
teoria comunicacional da esquizofrenia baseada no conceito de double-bind.
A especificidade da Escola de Palo Alto resulta não tanto do facto de chamar a
atenção para o problema da comunicação, mas pelo facto a comunicação ser vista não
somente como veículo, como uma manifestação, mas como uma melhor forma de
designar aquilo a que se costuma chamar "interacção" (Watzlawick & Weakland,
1977, p.56).
A sua abordagem da comunicação parte da definição de três níveis de análise da
comunicação humana: a sintaxe, definida como o estudo das relações formais dos
signos entre si; a semântica, definida como o estudo das relações entre os signos e os
objectos aos quais se referem, quer dizer, o estudo do sentido; e a pragmática, definida
como o estudo da relação entre os signos e os seus utilizadores, isto é, os correlatos

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 39

comportamentais da comunicação. É, com efeito, sobre o aspecto pragmático da


comunicação que estes autores se vão debruçar — as suas observações sobre o
processo de comunicação humana permitiu-lhes desenvolver um conjunto de cinco
premissas básicas as quais, sendo seguidas nas suas implicações , permitem construir
uma perspectiva diferente da comunicação humana.
Estas proposições básicas definem algumas propriedades formais da comunicação a
partir das quais é feita toda a reflexão sobre a relação interpessoal.

PROPOSTAS PARA UMA AXIOMÁTICA DA COMUNICAÇÃO

1º Axioma:
Começamos por abordar o primeiro axioma chamando a atenção para uma proprie-
dade fundamental do comportamento que se refere ao facto de que o comportamento
não tem contrário. Dito de outra forma: — não existe qualquer tipo de não comporta-
mento, ou ainda, não podemos em ocasião alguma não nos comportarmos. Ora, se
admitirmos que numa interacção20 todo o comportamento tem um valor de
mensagem, podemos concluir que não é possível não comunicar, isto é, qualquer
comportamento na presença de outra pessoa é comunicação. Esta afirmação, se bem
que óbvia não é de forma alguma trivial.
Em qualquer situação de contacto social existe comunicação envolvendo uma multi-
plicidade de formas, conteúdos e canais. Actividade ou inactividade, discurso ou
silêncio, tudo tem um valor de mensagem. Quer dizer influenciam de alguma forma
os outros que, por sua vez, não podem deixar de reagir a essa influência, partici-
pando, assim, no processo de comunicação. Naturalmente o simple facto de ficarmos
calados num determinado momento, ou de não "ligarmos" à conversa de outra
pessoa não constitui excepção àquilo que acabámos de referir. Uma pessoa sentada
sozinha num bar cheio de gente olhando em frente, uma pessoa numa sala de espera
de um consultório que não tira os olhos de um jornal, um passageiro num avião que
permanece a maior parte do tempo recostado no seu assento de olhos fechados,
fazem todos, de forma mais ou menos eficaz, passar a mensagem de que não querem
falar com ninguém, nem estão interessados em que alguém lhes dirija a palavra; em
geral os seus "vizinhos" compreendem a mensagem e deixam-nos em paz. Ora,
podemos até pensar que há aqui mais comunicação do que em muitas discussões
acaloradas.

20 Poderia dizer-se que é possível entrar-mos em diálogo com nós próprios. É até mesmo
provável que este tipo de "comunicação interior" siga algumas das regras que regem a
comunicação interpessoal; contudo, esses fenómenos, inobserváveis, situam-se fora do
significado que é aqui atribuído à comunicação, que é sempre entendida enquanto
comunicação interpessoal.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 40

Esta constatação não depende de outro tipo de questões como seja o grau de inten-
cionalidade, consciência ou sucesso de cada acto comunicativo. Isto é não existe só
comunicação quando esta é intencional, consciente ou bem sucedida, quer dizer se há
compreensão mútua. Nesta perspectiva estas são questões importantes, mas de outra
ordem. Quer dizer, Aquilo que o presente axioma pretende acentuar é que qualquer
que seja o tipo de comportamento exibido: actividade ou inactividade, verbalização
ou silêncio influenciam o comportamento do outro, que por sua vez não pode deixar
de reagir a esse mesmo comportamento, logo comunicando.
Concluiremos fazendo notar que até aqui temos utilizado o termo "comunicação"
num duplo sentido: por um lado designando o tema global do que temos vindo a
tratar, (a comunicação) por outro, num sentido mais específico, designando uma
unidade de comportamento (uma comunicação entre o sujeito A e o sujeito B). Importa
agora introduzir algum rigor de linguagem. Continuaremos a designar por comunica-
ção o aspecto pragmático da teoria da comunicação humana. Para referir as diferentes
unidades de comunicação (ou de comportamento) somos forçados a escolher termos
que são já de uso corrente. Uma unidade de comunicação será referida como
mensagem, ou, nos casos em que não houver confusão possível, como uma comunica-
ção. Uma série de mensagens trocadas entre sujeitos será designada por interacção.
Para além disso, se admitimos que todo o comportamento é comunicação, mesmo no
caso da unidade mais simples, torna-se evidente que quando falamos em mensagem
não nos referimos à expressão única de um indivíduo. Mensagem envolve sempre
uma troca composta por modos mais simples ou mais complexos de comportamen-
tos: — linguísticos (linguagem verbal), paralinguísticos (entoações, acentuações),
posturais, contextuais, etc., cada um deles servindo para especificar o sentido dos
outros. Os diferentes elementos de que pode ser composta uma mensagem (conside-
rada como um todo) são passíveis de permutações muito variadas e muito comple-
xas, podendo ir da congruência à incongruência e até ao paradoxo. A pragmática da
comunicação dedica-se precisamente a compreender os efeitos dessas combinações
nas situações interpessoais.
A implicação de tudo isto no contexto educativo é por demais evidente pois daqui
para a frente há a considerar todo ou qualquer elemento, mesmo aqueles a que se
não dava atenção, para compreender o processo de comunicação (ou relação) educa-
tiva. O tom de voz, o próprio silêncio, colar de pérolas ou as jeans da professora, a cor
das paredes da sala, as posturas físicas, tudo isto podem ser elementos de
comunicação.

2º Axioma:
A partir do que dissemos até agora estamos em condições de compreender que toda
a comunicação funciona a partir de um envolvimento recíproco e, por isso, define
uma determinada relação entre os elementos que participam num determinado
processo de comunicação. Por outras palavras, podemos dizer que uma comunicação
não se limita a transmitir uma informação, mas ao mesmo tempo tende a induzir um

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 41

determinado comportamento. A informação que é transmitida designa naturalmente


o conteúdo da mensagem e pode ter por objecto tudo o que é comunicável, indepen-
dentemente do facto de a informação ser verdadeira, válida ou até compreensível.
Por outro lado, os elementos que designam a forma como deve ser entendida a
mensagem definem a relação entre os parceiros21. Por exemplo a seguinte pergunta:
— Estas pérolas são verdadeiras? em duas situações diferentes: — Situação A, numa
joalharia, alguém coloca esta questão ao vendedor; Situação B, num baile de gala,
uma mulher coloca esta questão a outra em voz bem audível. Se bem o conteúdo seja
o mesmo, define contudo, duas relações completamente diferentes22.
Na comunicação humana este aspecto metacomunicativo (a informação sobre a
informação) é muitas vezes passado através de elementos verbais: isto é uma ordem!,
Estava a brincar... ou exprimirem-se forma não-verbal através de gritos, sorrisos,
agitando os braços, e de uma infinidade de outras maneiras. A relação pode, assim,
ser compreendida a partir do contexto onde se efectua a comunicação. O contexto
funciona então como uma metacomunicação.
Podemos assim enunciar o segundo axioma da comunicação: — toda a comunicação
apresenta dois aspectos: o conteúdo e o contexto de tal forma que o segundo engloba o
primeiro, sendo, por isso, uma forma de metacomunicação. O aspecto de conteúdo da
comunicação transmite uma informação, enquanto que o aspecto de contexto designa
a forma como deve ser entendida essa informação, definindo assim a relação entre os
elementos envolvidos na comunicação.

3º Axioma
Consideremos agora uma outra propriedade fundamental da comunicação: — a
interacção entre os participantes em processos de comunicação. Para um observador
exterior uma série de mensagens pode ser considerada como uma sequência ininter-
rupta de trocas. Contudo, cada uma das pessoas, para dar sentido ao seu comporta-
mento e ao dos outros, faz aquilo que foi designado por pontuação da sequência de
factos.

21 Antes que as ciências do comportamento se começassem a interrogar sobre estes aspectos


da comunicação humana, já os engenheiros informáticos se tinham debatido com o mesmo
problema, no sentido em que se aperceberam que para comunicar com uma máquina estes
dois aspectos (conteúdo e relação) tinham igualmente que estar presentes. Se por exemplo
quisermos dizer a um computador para multiplicar dois números temos que introduz ir na
máquina essa informação (os dois números) e uma informação sobre essa informação (a
ordem de multiplicar).
22 Convém notar que raramente as relações entre as pessoas são definidas de forma explícita
e consciente. Pelo contrário, a experiência mostra-nos que, quanto mais saudável é uma
relação, mais o aspecto relação da comunicação passa para segundo plano. Inversamente as
relações problemáticas caracterizam-se muitas vezes por um debate constante sobre a
natureza da relação e o conteúdo da comunicação deixa de ter importância.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 42

A noção de pontuação tem aqui um significado muito próximo do verificado na


linguagem escrita porque tem fundamentalmente a mesma natureza e serve a mesma
função. No que diz respeito à sua natureza, da mesma forma que na linguagem
escrita, a pontuação no processo de interacção marca o início e o fim de sequências
concretas. Por exemplo, um ponto final marca o fim de uma frase com um sentido em
si e, ao mesmo tempo, marca o início de outra frase23. Analisemos agora o que diz
respeito à sua função. Por definição a comunicação consiste numa corrente contínua
de actos comunicativos alternados, Contudo, de forma a dar sentido, a definir uma
ordem, a este processo, cada um dos participantes vai pontuar essa sequência de uma
determinada maneira, podendo, por exemplo definir o seu comportamento como
reacção, como resposta a uma acção do outro, ou, pelo contrário assumir a iniciativa,
definindo o comportamento do outro como resposta.
Aqui a questão principal não é saber se a pontuação da sequência de comunicações
no seu conjunto é boa ou má. O que é evidente é que a pontuação serve para estrutu-
rar a comunicação de tal forma que se torne de alguma forma inteligível para os
elementos em presença, sendo por isso essencial ao funcionamento de qualquer inter-
acção. Do ponto de vista cultural todos nós temos em comum muitas convenções de
pontuação que não nem mais nem menos exactas que outras maneiras de pontuar os
mesmos factos, mas que acabam por ter uma função estruturante das sequências de
intersecção sejam elas mais banais ou mais significativas. Dizemos, por exemplo, que
num grupo um indivíduo se comporta como um líder, e outro indivíduo como
seguidor, mas se observarmos com mais atenção, alargando o campo da nossa obser-
vação, verificamos que é difícil dizer quem é que tomou a iniciativa e em que é que se
tornariam um sem o outro.
Se tivermos em conta o campo global das relações humanas, verificamos que o
desacordo sobre a forma de pontuar uma sequência de interacção está origem de
muitos conflitos relacionais. As incompatibilidades de esquemas ou de pontuação,
uma vez que dizem respeito a disposições subjectivas, podem ocorrer na comunica-
ção qualquer que seja a natureza dos comportamentos comunicativos.
Tomemos como exemplo um casal a braços com um problema conjugal; o marido
contribui para esse problema com a sua atitude de afastamento e passividade
enquanto que a mulher mostra o seu descontentamento através de críticas severas.
Ao comentarem a sua relação o marido dirá que o seu afastamento á a única resposta
possível contra o criticismo da sua mulher; esta, pelo contrário dirá que esta interpre-

23 Um dos livros de leitura da antiga instrução primária exemplificava este processo com a
seguinte frase: "Um caçador tinha um cão e o pai do caçador era também o pai do cão".
Esta frase sem pontuação não faz obviamente sentido, contudo de a pontuarmos, por
exemplo, da seguinte forma: "Um caçador tinha um cão e o pai; do caçador era também o
pai do cão", percebemos que havia um cão que pertencia tanto ao caçador como ao seu pai,
cão esse que era filho de um cão que pertencia ao pai do caçador.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 43

tação é uma distorção grosseira e deliberada daquilo que se passa na sua relação
conjugal — ela critica o marido precisamente devido à sua passividade. Se pusermos
de lado alguns elementos circunstanciais e passageiros verificamos que as suas brigas
se resumem a uma monótona troca de mensagens deste género: "Eu afasto-me
porque tu és muito agressiva" e "Eu sou agressiva porque tu te afastas". Cada interlo-
cutor "recorta" a seu modo a sequência de mensagens em unidades
"estímulo-resposta", isto é, causa-efeito; e pode então acontecer que a mesma
mensagem seja estímulo ou causa para um (por exemplo, uma provocação), e
resposta ou efeito para o outro (resposta à provocação). Estas incompatibilidades de
pontuação não só perturbam a compreensão das mensagens, como afectam também
a relação interpessoal.
Outro exemplo deste processo pode ser quando intervimos numa briga de crianças e
perguntamos quem é que começou. Então o menino A diz: "foi ele que me deu um
pontapé! ao que o menino B responde: "não! porque tu antes tinhas-me empurrado” e
assim, ad eternum, ou até a nossa paciência se esgotar.
Um processo análogo passa-se ainda ao nível das relações internacionais, especial-
mente no que diz respeito à corrida aos armamentos. Se, como as principais
potências militares defendem, a melhor maneira de defender a paz é preparar a
guerra, não se percebe porque é que todas as nações tendem a considerar os arsenais
bélicos das nações potencialmente inimigas como uma ameaça à paz. É, contudo, isso
que acontece, o que tem tido como resultado cada uma das nações procurar
aumentar o seu poderio militar, de forma a ultrapassar aqueles países que acham que
os podem ameaçar. Este crescimento de armamento é, por sua vez, considerado uma
ameaça para a nação A, que tende a aumentar os seus armamentos defensivos, o que é
visto como uma ameaça pela nação B, que irá melhorar as suas defesas e assim por
diante...
Podemos, então formular um terceiro axioma da comunicação humana: — A natureza
de uma relação depende da pontuação da sequência de interacções entre os elementos
envolvidos na comunicação.

4º Axioma
Na comunicação humana, podemos designar os objectos de duas maneiras
inteiramente diferentes. Podemos, por um lado, representá-los por qualquer coisa
que se lhes assemelhe, um desenho, por exemplo, ou designá-los por um nome.
Assim, a frase escrita: "O gato apanhou o rato" podíamos substituir as palavras por
imagens, o que, sendo bem feito não acarretaria nenhuma perda de sentido. No
primeiro caso (utilização de símbolos linguísticos) estamos em presença de um modo
de comunicação digital, no segundo caso (utilização de analogias) estamos perante
uma forma de comunicação analógica.
Cada vez que nos servimos de uma palavra para referir uma coisa é evidente que a
relação que estabelecida entre o nome e a coisa nomeada é um relação arbitrária. As

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 44

palavras são sinais arbitrários que utilizamos de acordo com as regras da língua que
falamos. Não há nenhuma razão particular para que a junção das letras g.a.t.o sirvam
para designar um determinado animal. Trata-se de uma convenção semântica de
uma dada língua. Se falássemos francês a frase acima exemplificada tomaria a forma
de: "Le chat a attrapé la souris" utilizando palavras diferentes para dizer a mesma coisa.
Fora dessa convenção não existe nenhuma outra correlação entre uma palavra
(significante) e o objecto concreto designado (significado), com excepção
eventualmente da onomatopeias, o que não tem um significado particular. Na
comunicação analógica, pelo contrário, existe verdadeiramente algo de específico
naquilo de que nos servimos para designar um objecto determinado. A comunicação
analógica tem relações mais directas com aquilo que é representado. O exemplo
seguinte permitirá clarificar um pouco mais as diferenças entre estes dois modos de
comunicação: — se escutarmos uma língua estrangeira na rádio, não conseguiremos
compreendê-la, contudo somos capazes de deduzir algumas informações elementa-
res a partir da observação de um discurso através dos gestos e dos movimentos que
servem para assinalar uma intenção, mesmo que estejamos perante um indivíduo de
uma cultura completamente diferente. Podemos supor que a linguagem analógica
tem as suas raízes nos períodos mais arcaicos da evolução e que, por isso tem uma
validade muito mais geral que a comunicação digital, muito mais recente e abstracta.
O que é então a comunicação analógica? A resposta é relativamente simples: — Prati-
camente toda a comunicação não-verbal. Contudo é necessário termos em atenção
que muitas vezes restringimos a noção de não-verbal aos movimentos corporais. Na
definição de não-verbal, contudo, deve ser englobada a postura, gestos, mímica,
inflexões da voz, sucessão, ritmo e entoação das palavras, e qualquer outros indícios
que nunca faltam em todos os contextos nos quais ocorre uma interacção.
No estado actual de conhecimentos supomos que o Homem é o único organismo
capaz de utilizar estes dois modos de comunicação: digital e analógico. Não sabemos
ainda o significado e importância exactos deste facto, contudo, se por um lado, a
maior parte, senão todas, as obras da civilização seriam impensáveis se o Homem
não tivesse elaborado uma forma de comunicação digital, por outro, existe um
domínio vasto onde confiamos quase exclusivamente na comunicação analógica, é o
domínio da relação. Enquanto que a linguagem digital é importante no que toca à
troca de informação sobre os objectos com vista à transmissão do conhecimento, a
comunicação analógica, sendo a linguagem da emoção por excelência, serve essen-
cialmente para assinalar intenções e indicações de humor através da qual definimos a
natureza das nossas relações, mais do que para transmitirmos informação sobre os
objectos. Este modo de funcionamento está muito mais próximo do comportamento
animal, pois, por exemplo, quando me levanto e abro a porta do frigorífico se o meu
gato vem roçar-se nas minhas pernas miando suavemente, isso não quer dizer "Eu
queria leite...", que é o que os seres humanos normalmente entendem, mas, mais
correctamente, remete para um tipo especial de relacionamento: "Quero que sejas a
minha mãe...", isto porque este tipo de comportamento de roçar o corpo só pode ser

P SICOLOGIA DA E DUCAÇÃO – P ARA UMA ABORDAGEM ECOSSISTÉMICA DA RELAÇ ÃO EDUCATIVA 2005


DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 45

observado entre gatos juvenis e gatos adultos, nunca entre dois animais adultos.
Com efeito, muitas pessoas estão convencidas que o seu animal de estimação
"compreende" aquilo que eles dizem, mas, convém precisar que o que o animal
compreende não é o sentido das palavras, mas toda a riqueza da comunicação analó-
gica que acompanha o nosso discurso.
Com efeito, sempre que a relação é o tema em causa a linguagem digital revela-se
extremamente pobre. Isto é assim não somente no caso da interacção entre animais e
homens, mas em muitas outras circunstâncias da vida humana: fazer a corte, amar,
ajudar, combater e, naturalmente cuidar de crianças pequenas. Muitas vezes dizemos
que as crianças têm uma capacidade especial para as características de personalidade
dos adultos, o que é de alguma forma assim porque, por um lado são especialmente
sensíveis aos aspectos analógicos da comunicação e, por outro, é muito fácil iludir os
outros do ponto de vista verbal, mas é muito difícil mentir no domínio analógico. Em
resumo, se nos lembrarmos que a comunicação tem dois aspectos: conteúdo e
relação, podemos pensar que provavelmente o conteúdo tenderá a ser preferencial-
mente transmitido no modo digital enquanto que a relação é essencialmente trans-
mitida de forma analógica.
Comparemos agora algumas das características específicas da linguagem analógica e
da linguagem digital. Uma das primeiras distinções situa-se ao nível da complexi-
dade, da flexibilidade e capacidade de abstracção, que são muito maiores na
linguagem digital. Para sermos mais precisos diremos que não existe nada na comu-
nicação analógica que se possa comparar à sintaxe lógica do material digital. O que
quer dizer que a linguagem digital não possui equivalente para certas proposições
lógicas de importância fundamental como "se... então", "ou... ou", etc., sendo igual-
mente difícil, senão impossível, transmitir conceitos abstractos24.
Uma outra distinção tem a ver com o facto de a comunicação analógica, ao contrário
do código digital, não poder exprimir a negação simples, isto é, não possui uma
expressão que signifique "não". Mais concretamente, as lágrimas podem exprimir
alegria ou tristeza, um punho fechado pode ser um sinal de agressividade, força,
embaraço, um sorriso pode exprimir simpatia ou desprezo. A linguagem analógica
não contém, em si, elementos discriminantes que indiquem, perante sentidos contra-
ditórios, qual deles deverá ser adoptado; assim como não tem índices que permitam
distinguir o presente, o passado e o futuro.
Qualquer pessoa encontrando-se na obrigação de combinar estes dois modos de
comunicação tem que continuamente fazer a tradução de um no outro. Ora existem
dificuldades de tradução em ambos os sentidos. Não podemos traduzir a linguagem
digital em linguagem analógica sem uma importante perda de informação e a

24 Um aspecto interessante relacionado com este facto é a constatação que em alguns


sistemas pictográficos primitivos, como por exemplo, os hieróglifos do antigo Egipto, os
conceitos são representados por grafismos que têm com eles uma semelhança material.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 46

operação contrária apresenta igualmente dificuldades consideráveis: para podermos


falar sobre a relação temos que ser capazes de encontrar uma tradução inadequada
comunicação analógica em comunicação digital.
Em síntese: Os seres humanos usam dois modos de comunicação: digital e analógica. A
linguagem digital possui uma sintaxe lógica bastante complexa e bastante cómoda, mas não
tem uma semântica apropriada à relação. Pelo contrário a linguagem analógica tem uma
semântica muito rica, mas não a sintaxe apropriada a uma definição inequívoca da natureza
das relações.

5º Axioma
Em 1935 Gregory Bateson relatou um fenómeno que tinha observado na tribo dos
"Iatmul" na Nova Guiné o qual designou por esquizmogénese. Este fenómeno refere-se
a um processo de diferenciação das normas de comportamento individual no
seguimento de uma interacção cumulativa entre indivíduos. Se, por exemplo, numa
determinada cultura o modelo de comportamento apropriado para o indivíduo A for
um modelo autoritário podemos esperar que outro indivíduo B, que interaja com o
indivíduo A, adopte um modelo de comportamento culturalmente definido como
submissão. É igualmente provável que esta submissão tenda a favorecer novos
comportamentos autoritários do indivíduo A que exigirão comportamentos
submissos e assim por diante de tal forma que A se tornará cada vez mais autoritário
e B cada vez mais submisso. Este processo descreve um modelo de esquizmogénese
complementar. Se, pelo contrário, ao comportamento autoritário do indivíduo A, o
indivíduo B responde com um comportamento igualmente de tipo autoritário, é
provável que se desenvolva uma situação de competição na qual o autoritarismo
conduz a um cada vez maior autoritarismo. Esta situação foi designada por esquizmo-
génese simétrica.
Estes dois modelos que acabámos de referir mostraram ser bastante úteis em diversas
situações interaccionais de tal forma que acabaram por ser designados simplesmente
por interacção complementar e interacção simétrica. Podemos dizer que se tratam de
relações fundadas seja sobre a igualdade (simetria), seja sobre diferença (comple-
mentaridade)25. No primeiro caso, os parceiros tendem a adoptar um comporta-
mento em espelho, e por isso, a sua interacção pode ser considerada simétrica. No
segundo caso o comportamento de um dos parceiros de certa maneira complementa
o comportamento do outro e, assim, consideramos a sua interacção complementar.
Uma interacção simétrica caracteriza-se, assim, pela igualdade e minimização das

25 Naturalmente as noções de igualdade e diferença não têm aqui nenhum sentido valorativo,
servindo unicamente para descrever um tipo particular de relação. Não está implícito que,
de forma imediata, uma relação baseada na igualdade seja melhor ou pior que uma relação
baseada na diferença, e vice versa.

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 47

diferenças, enquanto que uma interacção complementar se funda na maximização da


diferença.
Numa relação complementar existem duas posições diferentes possíveis. Um dos
parceiros pode ocupar uma posição que pode ser designada como superior, primária,
ou "por cima" (one up) e o outro a posição correspondente, dita inferior, secundária
ou "por baixo" (one down). Esta designação é bastante cómoda desde que não se
entenda cada uma das posições como sinónimo de "bom" ou de "mau", "forte" ou
"fraco". Com efeito o contexto social ou cultural aponta em determinados casos para
uma relação complementar (por exemplo, mãe-filho, médico-doente,
professor-aluno, educador-educando, etc.) assim como, de um ponto de vista
pessoal, duas pessoas podem acordar numa relação deste tipo. Note-se igualmente
que na maior parte dos casos se trata de uma relação solidária no sentido os
comportamentos se implicam e sustentam reciprocamente. Não é geralmente um dos
parceiros que impõe uma relação complementar ao outro, mas cada um deles
comporta-se de uma maneira que pressupõe e ao mesmo tempo justifica, o compor-
tamento do outro.
Se quisermos complexificar um pouco este processo poderíamos ainda falar de
relação "meta-complementar", na qual A permite ou constrange B a depender dele e,
seguindo o mesmo raciocínio, poderíamos conceber igualmente uma relação de
"pseudo-simetria" na qual A deixa ou constrange B a tomar uma posição simétrica.
Contudo, esta linha de análise poderia eventualmente conduzir a uma regressão até
ao infinito. Podemos evitar isso tendo em conta a distinção entre observação de
comportamentos redundantes, e as suposições que podemos fazer sobre as razões
desses comportamentos. Quer dizer, temos essencialmente em conta a forma como se
comportam os dois parceiros, abstraindo-nos das razões que eles têm ou crêem ter
para se comportarem dessa maneira.
Temos, assim, um quinto axioma: — Toda a comunicação é simétrica ou complementar
segundo se baseia na igualdade ou na diferença.

CONCLUSÃO
A propósito do conjunto de axiomas que acabámos de apresentar, convém fazer
algumas chamadas de atenção.
Em primeiro lugar, tratam-se basicamente de propostas, definidas de uma forma não
muito rigorosa, que se pretendem constituir essencialmente como pontos de partida
para uma reflexão global sobre os processos de comunicação humana, mais do que
um sistema conceptual perfeito e acabado.
Em segundo lugar, trata-se de um conjunto de axiomas bastante heterogéneo porque
resultam da observação de fenómenos de comunicação situadas em registos muito
variados. Se existe algum factor comum este não se situa tanto na sua origem, mas na
sua importância pragmática. Assim, a impossibilidade de não comunicar faz com que
toda a situação comportando duas ou mais pessoas seja uma situação interpessoal,

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DEFINIÇÃO DOS MODELOS E CONCEITOS DE BASE 48

uma situação de comunicação. O aspecto "relação" de uma tal comunicação dá uma


especial atenção a este ponto. A importância pragmática interpessoal dos modos de
comunicação digital e analógico não reside somente num suposto isomorfismo entre
conteúdo e a relação, mas na ambiguidade inevitável e significativa a que se arriscam
emissor e receptor sempre que tentem traduzir um modo de comunicação noutro.
Aquilo que foi dito acerca dos problemas de pontuação repousa precisamente sobre a
metamorfose implícita do modelo clássico "acção-reacção". Enfim, o paradigma
simetria-complementaridade é, talvez, aquele que se aproxima mais do conceito
matemático de função. As posições dos indivíduos são variáveis que podem tomar
um número infinito de valores, mas cujo sentido não é absoluto porque só pode ser
definido no contexto da relação recíproca.

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Para uma definição relacional do
processo educativo

ASPECTOS GERAIS

O modelo conceptual definido pela abordagem ecossistémica que, no nosso entender


tem como fundamentos por um lado a Teoria Geral dos Sistemas, fornecedora do
modelo global e, por outro, a Pragmática da Comunicação, fornecedora de um
modelo mais concreto de estudo do relacionamento humano, define um enquadra-
mento geral no qual o cerne do processo educativo tem a ver com aquilo que se passa
entre o educador e o educando, isto é, com um determinado tipo de relação
educativa.
A relação educativa assenta nos fenómenos de interacção/comunicação entre todos
os elementos que participam de um determinado processo educativo. Adoptaremos
aqui a definição proposta por Postic (1990, p. 139):
A interacção é uma reacção recíproca verbal ou não-verbal, temporária ou repe-
tida, segundo uma certa frequência, pela qual o comportamento de um dos parcei-
ros tem uma influência sobre o comportamento do outro.
Os temas abordados neste manual na sua aparente diversidade têm contudo um fio
condutor que é o de apresentar uma conceptualização básica daquilo que pode-
ríamos designar por psicologia da interacção humana, nos seus aspectos mais concretos,
ou por relações humanas, num âmbito mais geral, tendo, contudo, sempre presente a
sua adequação aos contextos educativos. Quer dizer, será privilegiada essencial-
mente a análise daquilo que o Prof. José Tavares (1993) designa por dimensão
interpessoal.
Com efeito, se bem que não se negue a importância dos factores pessoais, como o
desenvolvimento, capacidades e atitudes, é no campo da interpessoalidade que se
define e concretiza o que mais específico tem a relação educativa: Relação
recíproca, assimétrica e dialéctica entre pessoas, entre sujeitos capazes de sair de si
mesmos e colocarem-se no lugar na pele do outro, compreendê-lo em toda a sua
profundidade e riqueza, sem deixar de ser ele próprio nem desenvolver qualquer

P SICOLOGIA DA E DUCAÇÃO – P ARA UMA ABORDAGEM ECOSSISTÉMICA DA RELAÇ ÃO EDUCATIVA 2005


P ARA UMA DEFINIÇÃO RELACIONAL DO PROCESSO EDUCATIVO 50

atitude que pretenda subalternizá-lo e muito menos manipulá-lo ou reduzi-lo"


(Tavares, 1993 p.16).
Naturalmente que este objectivo é, ainda, fundamentalmente isso mesmo, um
objectivo... um caminho a percorrer mais do que uma meta já alcançada, pois como
não podemos deixar de reafirmar, o que pretendemos é assumir uma posição decla-
radamente sistémica, significativamente de uma posição meramente globalista, ou
holista, como também tem sido chamada. Sucintamente, o que distingue estas duas
posições é que a perspectiva sistémica estuda o sistema em si e os seus traços caracte-
rísticos — ordem, interacção, diferenciação, regulação, auto-manutenção, evolução,
etc. — isto é, na abordagem de um problema centra-se neste tipo de processos que
caracterizam a relação entre os elementos relevantes, enquanto que a perspectiva
globalista procura ter em conta e estudar a globalidade dos elementos significativos
para um determinado problema.
Neste sentido uma Escola26 pode ser entendida como constituindo um vasto sistema
a partir do qual podem ser identificados um conjunto variável de subsistemas arti-
culados de formas diferentes, que comunicam entre si no contexto mais geral do
sistema Escola.
Segundo Evéquoz (1988) uma abordagem sistémica da escola repousa sobre a
análise no aqui e agora das interacções entre as pessoas envolvidas na escolaridade de
uma criança; todas aquelas pessoas que participam num determinado processo
educativo, diremos nós. Ainda segundo o mesmo autor, essa análise baseia-se em
dois níveis de observação distintos: o código e as estratégias.

CÓDIGO

Numa perspectiva sistémica, todo o sistema definido como uma estrutura integrada
e estável, equipada por dispositivos auto-reguladores e gozando de um considerável
grau de autonomia27 é, qualquer que seja o nível de abordagem, constituído por
regras (ou meta-regras) que vão influenciar a sua estrutura e o seu funcionamento.
O código representa precisamente o conjunto dessas regras que, por serem dotadas
de um certo grau de estabilidade, têm por função assegurar a coesão e a estabilidade
dos elementos em interacção.

26 Adoptamos, para efeitos desta reflexão, uma concepção de Escola enquanto complexo
escolar gerido de forma centralizada.
27 Por exemplo a obrigatoriedade do ensino, a definição do programas, etc..

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P ARA UMA DEFINIÇÃO RELACIONAL DO PROCESSO EDUCATIVO 51

No meio escolar, como em qualquer sistema social, o código é constituído simulta-


neamente por leis escritas que vão definir as finalidades gerais da escola e a sua
organização, por tradições28, e por mitos29. Este código vai influenciar todos os níveis
hierárquicos no seio da escola concebida como um macrossistema mas, ao mesmo
tempo vai, igualmente, condicionar a gestão das relações da escola com o exterior,
nomeadamente com as famílias dos alunos.
Não podemos realmente abarcar toda a complexidade das relações entre a escola e a
família se não tivermos em conta este nível extremamente importante que vai preci-
samente por a família numa posição hierarquicamente inferior à escola enquanto
instituição.
O código está intimamente relacionado com os processos de comunicação30 que se
desenrolam no interior da escola no sentido em que pode, por exemplo, acontecer
que
a. um docente decida que tem demasiados alunos na classe e não se pode ocupar
dos casos difíceis;
b. um director peça aos pais para promoverem enquadramentos mais fortes para
as suas crianças;
c. os pais se queixem da falta de compreensão do docente face ao seu filho;
d. um docente se dirija ao psicólogo para lhe pedir a avaliação de uma criança;
estas situações representam um conjunto de interacções que só podem ser
compreendidas a partir das regras definidas pelo código de uma determinada
instituição.
Um tema de investigação interessante poderia ser, ao nível dos docentes, esclarecer
as relações possíveis entre este código institucional e aquilo que designamos por
conhecimento pedagógico e, igualmente perceber as relações recíprocas entre o
código e as interacções/comunicações que se verificam num sistema escolar
particular.

28 Por exemplo uma determinada concepção do papel da escola na transmissão dos valores
culturais.
29 Por exemplo a escola entendida como trampolim para a ascensão social, a crença de que o
sucesso escolar depende da inteligência, etc..
30 A maior parte dos estudos sobre a instituição escolar, especialmente aqueles realizados a
um nível sociológico, têm-se limitado a analisar um dos componentes desta relação, isto é,
a forma como as crenças, valores, filosofias, influenciam as interacções e comunicações no
meio escolar, definindo assim essencialmente uma relação de tipo unidireccional. Seria
interessante, seguindo os ditames de uma rigorosa perspectiva relacional sistémica, partir
da ideia de que esta relação é de tipo circular e estudar a forma como as interacções
concretas influenciam por sua vez as concepções que os educadores fazem de um
determinado contexto educativo.

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P ARA UMA DEFINIÇÃO RELACIONAL DO PROCESSO EDUCATIVO 52

ESTRATÉGIAS

Enquanto que o código tem como função ditar as regras do jogo, as estratégias vão
representar os comportamentos concretos utilizados pelos elementos do sistema para
se adaptarem a essas regras, isto em função de toda uma série de variáveis, contin-
gências e constrangimentos exteriores.
O código tem um carácter mais geral, é relativamente constante e aplica-se a todos
aqueles que comunicam num contexto particular, num dado local e num dado
tempo, conforme ao princípio de territorialidade e temporalidade definido por
Ricci31. Por outro lado as estratégias têm a particularidade de serem específicas de
uma determinada situação interaccional ao mesmo tempo que apresentam um nível
de complexidade superior ao do código. Com efeito, à medida que as pessoas vão
interagindo as suas trocas vão-se estruturando, seguindo um princípio de equifinali-
dade, de forma coerente com as regras do funcionamento sistémico. Tornam-se assim
modelos de trocas ou padrões repetitivos ou ainda estratégias relacionais. Estas
sequências interaccionais são naturalmente observáveis e identificáveis tanto em
termos de relacionamentos intra-sistémicos como inter-sistémicos, por exemplo entre
a escola e a família.
As estratégias podem ser modificadas e, mesmo, serem objectos de mudanças: é
assim possível passar de uma relação competitiva a uma relação complementar, ou
de uma relação fusional a uma relação diferenciada, etc.. As estratégias representam
de forma geral a estrutura relacional existente entre família-professor-aluno e as
opções utilizadas por esta estrutura no quadro mais geral definido pelo código.
Para termos alguma hipótese de compreender as estratégias utilizadas num determi-
nado momento devemos ter presente que a descrição de um acontecimento deve
sempre ser feita segundo os termos da textura na qual ele se insere. Ora, como o
professor / educador faz sempre parte dessa textura ele não poderá deixar de se
incluir a si próprio como parte tanto da explicação como da resolução dos problemas
que eventualmente surjam no contexto da relação educativa. Quer isto dizer que o
professor / educador não pode deixar de se pôr continuamente a questão funda-
mental: quais foram os meus comportamentos-comunicações-respostas (verbais e não-verbais)
que poderiam ter influenciado a evolução da situação numa direcção ou noutra. Não se trata
aqui obviamente de adoptar uma posição moralista, mas de fazer uso de um instru-
mento para examinar o desenvolvimento sequencial das diferentes interacções.
Para adquirir um tal instrumento, o professor / educador deverá então adoptar como
estratégia fundamental a pontuação das diversas sequências interaccionais como
partindo sistematicamente dele próprio (mesmo arbitrariamente) e não, como

31 SELVINI, M. et col. (198?) Dans les coulisses de l'organisation, Paris, ESF (p. 212)

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P ARA UMA DEFINIÇÃO RELACIONAL DO PROCESSO EDUCATIVO 53

costumamos fazer, de nos responsabilizarmos pelas situações que tiveram bons


resultados e acabarmos por responsabilizar outros quando os resultados não foram
satisfatórios ou quando nos defrontamos com um problema comportamental no
nosso contexto de trabalho. Este é, na verdade, um instrumento eficaz de trabalho,
essencialmente porque o único comportamento sobre o qual que o professor tem
controlo e acesso directo é o seu próprio comportamento. Se, por exemplo, num
contexto educativo, o professor se vê confrontado com o perigo de uma escalada
simétrica, ele deve possuir a bagagem de conhecimentos teóricos e práticos que lhe
permitam compreender rapidamente a situação e de a alterar fazendo uso da única
coisa que ele pode verdadeiramente mudar, o seu próprio comportamento.
Isto não significa que o professor ou educador se deva "disfarçar" de cada vez com
"máscaras" diferentes, num processo teatral ou de falsificação de si próprio. A ser
assim os seus alunos acabariam por se dar conta disso o que teria consequências
negativas do ponto de vista da sua credibilidade e eficácia tanto humana como
profissional. O que está em causa, pelo contrário, é que o professor se bem que
reconhecendo as suas próprias reacções emotivas, seja capaz de as filtrar sendo capaz
de identificar a resposta mais apropriada em cada situação.

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Aspectos Contextuais da Relação
Educativa

A RELAÇÃO INTERPESSOAL

Introdução
Começamos com uma situação característica referenciada por Bateson na sua impor-
tante obra Steps to an Ecology of Mind: Uma mãe recompensa o seu filho com um
gelado cada vez que ele come sem problemas a sua sopa de espinafres. Questão: —
Que tipo de informação suplementar nós necessitamos de obter para podermos
prever que, com um maior nível de probabilidade, a criança seja levada a:
a. gostar ou a detestar espinafres;
b. gostar ou detestar o gelado;
c. gostar ou detestar a mãe.
Torna-se aqui evidente que os modelos clássicos das teorias da aprendizagem não
têm forma de responder a esta questão, isto porque, a informação que nos falta aqui
deriva essencialmente do contexto do comportamento da mãe e do filho, isto é, da sua
relação. Ora, é precisamente este conceito de contexto que estabelece, ao nível das
ciências do comportamento, a demarcação entre uma prespectiva clássica, essencial-
mente de tipo linear e uma perspectiva sistémica.
Mesmo os modelos de desenvolvimento infantil de cariz mais interaccionista dedica-
ram uma atenção insuficiente à problemática específica dos factores contextuais.
Contudo, sabemos, ainda que empiricamente, que o contexto no qual o comporta-
mento ocorre é um elemento essencial para a compreensão desse mesmo comporta-
mento. Dando seguimento a esta idéia consideraremos fundamentalmente dois tipos
de contextos:
a. estruturas de relacionamento interpessoal;
b. estruturas materiais envolventes.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 55

Percepção e Julgamento Social


N OTA INTRODUTÓRIA
O modelo da máquina fotográfica, ou outros mecanismos de registo tem sido muitas
vezes usado como analogia no sentido de ajudar a compreender o fenómeno da
percepção. Contudo, se por um lado, a máquina fotográfica ou gravador possam dar
uma ideia ainda que muito simplificada da estrutura dos aparelhos perceptivos é,
por outro lado, completamente desadequada como exemplo do seu funcionamento.
Com efeito o processo de percepção humana não funciona da mesma forma que as
máquinas acima descritas pelo menos num aspecto essencial. Ao contrário desses
mecanismos com os quais se pretende obter uma reprodução cada vez mais fiel da
realidade, seja visual ou sonora, aquilo que captamos com os nossos órgãos
sensoriais não é exactamente aquilo que está lá fora. A forma como organizamos e o
sentido que damos à informação que recebemos do exterior está significativamente
dependente da nossa disposição geral, dos nossos interesses do momento. Vemos o
que queremos ou precisamos ver para nos defendermos ou para nos aproximarmos
dos nossos alvos. Especialmente a percepção que temos dos outros está dependente
do que elas significam para nós.
Todos nós conhecemos um certo número de pessoas mesmo que apenas de vista.
Pense numa que lhe seja bastante familiar, apesar de nunca ter falado com ela, nem a
ter ouvido falar, nem lhe terem falado dela. Experimente descrevê-la fisicamente,
enumerando traços, posturas e movimentos que lhe são característicos. Talvez
consiga um retrato tão perfeito, que por ele quem quer poderia identificar a pessoa.
Tente agora exprimir o que pensa dessa pessoa. Decerto consegue, pelo menos, dizer
que tem bom ar, ou um ar estranho. Se pensar melhor, é provável que possa classi-
ficá-la segundo critérios mais específicos: como tensa ou descontraída, tímida ou
decidida, modesta ou arrogante, talvez até bondosa, ou inteligente, ou neurótica.
Verá que o seu retrato psicológico inclui alguns juízos de pormenor talvez inespera-
dos; e que é tão coerente no seu todo, que o leitor pode permitir se julgar os
comportamentos que lhe vai observando, e até prever comportamentos futuros,
tomando por critério essa mesma coerência.
Finalmente, como se situa (ou como se sente o leitor em relação a essa pessoa? É-lhe
completamente indiferente, ou simpatiza ou antipatiza um poucochinho? Sente se
bem na sua proximidade física ou procura evitá-la? Pensando bem, gostaria ou não
de comunicar com ela ou de contá-la no número dos seus amigos?
Se já concluiu que sabe, afinal, muitas coisas a respeito de um certo número de
pessoas sem que alguém lhas tenha revelado, deve igualmente ter presente que
também muitas pessoas, por processos outros que a comunicação verbal, adquiriram
do leitor algum conhecimento. É que o fenómeno comunicação transborda em muito a
linguagem, e só numa pequena parte pode ser controlado. A linguagem não apenas

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 56

transporta uma parte mínima das mensagens efectivamente emitidas e captadas,


como também está longe de proporcionar sempre a melhor compreensão. O que
acaba de dizer se é ainda mais evidente quando se trata da expressão de estados
afectivos. Decerto que já alguma vez experimentou dificuldade em entender ou em
fazer-se entender, no domínio dos afectos mais ainda do que no do pensamento.
Repare então como, em tais circunstâncias, há recurso a indicadores não-verbais, utili-
zados como pistas para a interpretação das mensagens, se é que não constituem eles
próprios mensagens mais claras e convincentes que as palavras. Bem vistas as coisas,
todos os comportamentos falam, isto é, fornecem informação; e a comunicação entre
as pessoas resulta do conjunto de todas as mensagens (verbais e não-verbais)
emitidas e captadas, as quais se completam e esclarecem mutuamente.
Mas há mais. Cada um de nós não receberia do mesmo modo certas expressões
verbais ou outros comportamentos comunicativos, viessem eles de um amigo íntimo,
de um desconhecido ou de um inimigo declarado. E, se somos nós quem se exprime
ou comunica, além de ter em conta a relação com o outro, não deixamos também de
escolher os termos em que o faz, olhando primeiro se há outras pessoas presentes, e
que pessoas. É que todos os comportamentos, enquanto mensagens, são recebidos de
acordo com a qualidade da relação que se supõe existir entre os comunicadores32, e
tendo em conta as regras, explícitas ou implícitas, inerentes ao contexto social em que
a comunicação se realiza.
No presente capítulo são analisados estes e outros problemas à volta da percepção e
interpretação dos comportamentos, considerados como discursos portadores de
sentido.

PERCEPÇÃO E COMPREENSÃO RECÍPROCA


As relações interpessoais estruturam-se e desenvolvem-se através da comunicação, e,
por isso, são afectadas pela frequência e pela qualidade dos comportamentos comunica-
tivos das pessoas implicadas.
A expressão comportamento comunicativo leva-nos a pensar naturalmente na
linguagem, que é o código por excelência da comunicação humana. A verdade,
porém, é que antes de trocarem entre si qualquer mensagem verbal, dois
interlocutores já forneceram informações um ao outro, pelo simples facto de se
exporem mutuamente como objectos de percepção; e, enquanto durar o diálogo, cada
um deles continuará a recolher informações acerca do outro, que não estão contidas
nas suas palavras. Os dados obtidos pela percepção recíproca são, até, muito impor-
tantes para o ajustamento dos comportamentos dos interlocutores.
Todos nós temos consciência de que sempre comunicamos alguma coisa a eventuais
espectadores pelo modo como nos apresentamos ou nos comportamos num lugar

32 Relativamente a este aspecto poderá rever a reflexão realizada relativamente ao segundo


axioma da comunicação humana.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 57

público, e por isso pomos algum cuidado no vestuário, na postura, no modo de


andar, etc. Quando nos encontramos sozinhos em casa, decerto estamos mais "à
vontade" ou "descontraídos". Sabemos, afinal, que qualquer comportamento se torna
comunicativo, desde que alguém se dê conta dele e lhe atribua um sentido.
Watzlawick (1981) diz, de uma forma mais lapidar, que todo o comportamento é
comunicação.
As pessoas conseguem controlar, em princípio, a informação que fornecem através
da linguagem: dizem só o que querem dizer e, mesmo instadas, podem remeter-se ao
silêncio. Mas não podem controlar do mesmo modo os dados fornecidos através da
percepção, e sobretudo não os podem silenciar. O ser humano comporta-se como um
emissor em laboração contínua, bastando, para haver comunicação, que outro
indivíduo se comporte como um receptor sintonizado. É possível não receber
informação, por falta de sintonia; mas, como diz ainda Watzlawik (1981), não se pode
não comunicar.
A percepção interpessoal, ou percepção social, não se confina, porém, ao que é
imediatamente observável no outro, como o seu aspecto físico ou a sua actividade
externa. Cada indivíduo organiza e interpreta certos dados da sua observação do
outro de tal modo que crê perceber até os seus pensamentos, sentimentos, intenções,
expectativas, isto é, a sua experiência vivida ou os seus estados interiores. Esta
inferência, a partir do que é directamente observável, de estados subjectivos ou
processos psicológicos inacessíveis à percepção imediata desempenha um papel
fundamental nas relações humanas. Mas, também aqui, a informação fornecida
escapa em parte ao controlo de quem a fornece, já que a inferência é da responsabili-
dade de quem infere. Mesmo tratando-se de mensagens codificadas (por exemplo, na
linguagem verbal), o "receptor" pode cometer erros de interpretação, mas a probabi-
lidade de errar aumenta quando a inferência é feita a partir de indícios não codifica-
dos, como são os da expressão corporal. Quando um indivíduo comunica com outro
pela primeira vez, convém-lhe reunir rapidamente um conjunto de informações a
respeito do seu interlocutor, a fim de poder ajustar o seu próprio comportamento e,
ao mesmo tempo, fornecer-lhe uma imagem de si próprio que possa orientar o
comportamento do outro num sentido favorável. O resultado é que as primeiras
tentativas de ajustamento se baseiam, geralmente, em inferências apressadas, a partir
de um conjunto de dados porventura manipulados por quem os fornece e seleccio-
nados por quem os recolhe segundo critérios algo subjectivos.
O prosseguimento da interacção oferece aos indivíduos implicados oportunidades
repetidas para aumentarem e aprofundarem o conhecimento recíproco, e até o
conhecimento próprio. Contudo, um ponto importante sobre o processo de
percepção interpessoal é que a interacção social normal é essencialmente conserva-
dora — as normas sociais operam no sentido de manter os padrões de interacção e
percepções existentes dentro de determinados parâmetros mais ou menos constantes.
O sociólogo Erwin Goffman descreveu a tendência das pessoas para preservar a

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 58

"fachada" que os outros lhe apresentam. Quando alguém se comporta "fora do nor-
mal" as pressões sociais são mobilizadas para forçá-lo a voltar ao seu papel. Em
situações sociais tendemos a agir de maneira a manter a nossa própria auto-imagem
e auto-imagem dos outros.
Luft (1969) diria que em cada um deles se alarga progressivamente a área aberta, ou
seja, todos os factores sobre os quais os outros e o próprio têm percepções
mutuamente compartilhadas, isto é, as pessoas vêm-me da mesma forma que eu me
vejo. Isso acontece principalmente porque cada um se "revela" ao outro, isto é, lhe dá
a conhecer elementos da sua área oculta (os factores que eu vejo em mim mesmo, mas
que escondo dos outros); mas também porque, com a ajuda do outro, cada um se
descobre, explorando a sua área cega (todos os factores que as outras pessoas
percebem em mim mas que eu não percebo — isto é as pessoas vêm coisas em mim,
mas não me contam.). Naturalmente sempre restará em cada um uma área desconhe-
cida de ambos, (os factores que nem eu vejo em mim mesmo nem os outros vêm) por
isso mesmo mais difícil de penetrar.

Conhecido para Desconhecido


a Pessoa para a Pessoa
Conhecido
ÁREA ABERTA ÁREA CEGA
pelos Outros
Desconhecido ÁREA
ÁREA OCULTA
pelos Outros DESCONHECIDA

Para uma pessoa se mover da área oculta para a área aberta é necessário um certo
nível de confiança e segurança psicológicas que o/a capacitem a compartilhar as sua
auto-percepções com os outros. Mover-se da área cega para a aberta implica que as
pessoas se dêem feed-back sobre a forma como se vêm umas às outras.
O facto de as vivências do outro (pensamentos, sentimentos, expectativas) só
poderem ser conhecidas mediante processos de inferência origina, frequentemente.
problemas de compreensão recíproca. Compreender o outro é inferir correctamente o
que ele pensa ou sente; e sentir-se compreendido é inferir que o outro também não
cometeu erros de inferência. Os erros de inferência, introduzindo desacordos entre as
diferentes perspectivas, não podem deixar de perturbar a relação interpessoal.
Não pode haver compreensão recíproca, se o que um pensa de si próprio não coincide
com o que o outro pensa dele (desacordo entre as perspectivas directas de ambos).
Mas, mesmo sendo essas perspectivas objectivamente concordantes, pode haver
sentimento de incompreensão, isto é, desacordo entre o que um pensa de si (perspectiva
directa) e o que ele pensa que o outro pensa dele (meta-perspectiva).
A compreensão recíproca baseada em percepções objectivas e inferências correctas é
a melhor base, e ao mesmo tempo a melhor expressão, de uma relação interpessoal
sã. Isso implica, por um lado, que cada um se abra ao outro e, por outro lado, que
cada um se coloque na perspectiva do outro (Selman, 1980). Note-se, porém, que

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 59

colocar-se na perspectiva do outro não significa necessariamente abdicar da própria


perspectiva. Compreender o outro não é adoptar o seu ponto de vista, mas aceitar
que ele tenha o seu ponto de vista. O que não pode haver é compreensão sem
confronto e conjugação de perspectivas.
Nem sempre, porém, é fácil colocar-se na perspectiva do outro, isto é, ver como ele vê
(as coisas, os outros, a si próprio).
Umas vezes, porque o outro não se expõe, ou não se revela, antes se oculta ou se
disfarça. Outras, porque o próprio observador olha o outro com olhos (ou óculos) que
distorcem ou filtram a realidade.

CATEGORIZAÇÃO E REPRESENTAÇÃO SOCIAL


Revelar-se ao outro e tomar a perspectiva do outro não são comportamentos que
ocorram em qualquer situação social. Acarretam custos psicológicos nem sempre
fáceis de suportar, e, por isso as pessoas adoptam frequentemente estratégias de
defesa tendentes a reduzir esses custos. Assim, quando expostas à observação,
disfarçam a sua verdadeira identidade, procurando oferecer ao outro uma imagem
mais favorável; e, quando observam, filtram a imagem do outro, reconhecendo nele
apenas o que lhes convém.
Os filtros e os disfarces a que aqui se alude são, de facto, dispositivos psicológicos que
alteram a percepção social. As pessoas recorrem a eles porque lhes reconhecem
vantagens; mas, fazendo o, também correm alguns riscos.
Goffman (1983), que se serviu de analogias tiradas do teatro para explicar o
comportamento humano, diz que as pessoas, nas situações sociais, representam umas
às outras pequenas cenas teatrais. Isso equivale a dizer que, como actores perante
uma plateia, elas ocultam a sua verdadeira personalidade sob o disfarce da personagem
que incarnam.
Maisonneuve (1965) descreveu alguns disfarces muito comuns, porquanto caracteri-
zam personagens que os actores sociais têm frequentemente necessidade de assumir,
consoante as situações que se lhes deparam ou os efeitos que pretendem produzir.
Em vez de se mostrarem ao outro como são, mostram-lhes o papel social que repre-
sentam (dever ser), ou o ideal a que aspiram (desejo de ser) ou a máscara que as
transforma (parecer), ou a identidade irreal em que se refugiam (ilusão de ser). Estes
disfarces produzem uma espécie de "realidade de 2ª ordem" que se impõe ao obser-
vador, de tal modo que ele a toma pela própria realidade.
Mas os erros que ocorrem na percepção interpessoal não têm origem apenas nos
disfarces usados pela pessoa observada. Também o observador pode, ele próprio,
distorcer a sua percepção, olhando o objecto através de um filtro.
Conhece-se o efeito, sobre a percepção das cores, dos filtros cromáticos do género dos
óculos de sol ou das lentes de contacto coloridas. Eles não modificam a realidade em
si, mas interferem na sua percepção falseando a imagem da realidade, isto é, provo-

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 60

cando uma falsa impressão da realidade. Assim funcionam também os filtros psicoló-
gicos que as pessoas usam na percepção social.
Alguns desses filtros são selectivos, isto é, retêm apenas certas características do
"objecto", não deixando ver as restantes. Outros falseiam de tal modo a sua imagem,
que levam o observador a errar mesmo a sua identificação. De qualquer modo, como
a representação mental que se tem do outro desempenha uma função orientadora do
comportamento próprio, é óbvio que a interacção pode ser prejudicada quando essa
representação não corresponde à realidade ou tem uma conotação negativa.
Maisonneuve (1965), ao analisar o modo como as pessoas se posicionam perante os
outros, refere-se de facto a filtros negativos quando fala de avatares do contacto humano
e das suas consequências na relação interpessoal. Ver o outro como adversário
(situação de conflito) gera, ora estratégias de defesa como evitar expor-se (não reve-
lando os seus pensamentos ou sentimentos), ora estratégias de dominação no sentido
de submeter o outro (pela violência, pela imploração ou pela sedução). Ver o outro
como instrumento (posição de egoísmo) conduz a actos de manipulação ou de explo-
ração (usar o outro em proveito próprio). Finalmente, ver o outro como estrangeiro
(atitude de indiferença) dá origem ao isolamento (negando ao outro a identidade
social).
Os filtros e os disfarces distorcem a percepção do outro, tornando-a menos objectiva;
mas não deixam, mesmo assim, de desempenhar um papel facilitador da interacção,
seja na perspectiva do observador (filtro), seja na perspectiva da pessoa observada
(disfarce). É que a atribuição de certas qualidades ao outro, e a sua categorização
(inclusão numa certa categoria ou classe de indivíduos), além de corresponder à
necessidade que todo o ser humano tem de compreender e organizar o mundo que o
rodeia, é condição fundamental para a definição de atitudes e estratégias na
interacção.
Mas nem todas as imagens ou representações mentais que cada indivíduo possui de
outros indivíduos, como de objectos ou de factos, têm origem na sua própria
experiência. Precisamente para as situações mais comuns ou mais importantes, há
representações "prontas a usar" transmitidas pelo grupo social, e por isso largamente
compartilhadas. Chamam-se representações sociais, e são basicamente esquemas a
priori — categorias, sistemas de referência, sequências de sucessos, teorias
explicativas — que facilitam a codificação e organização da realidade e o ajustamento
dos comportamentos individuais. Pertencem àquela classe de saberes que frequente-
mente se identificam com o senso comum ou com a psicologia ingénua.
Desde as primeiras análises de Moscovici (1961), muitas dessas representações têm
sido objecto de estudo, nos mais diversos domínios. Há, assim, representações
(sociais) mais ou menos ingénuas da constituição e funcionamento do corpo humano,
da saúde e da doença, da infância e da velhice, da estrutura psíquica e da
perturbação mental (Farr, 1986); e ainda dos processos psicológicos de desenvolvi-

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 61

mento e de aprendizagem, das funções da escola, dos papéis de professor e de aluno,


da relação educativa (Gilly, 1980).
As representações sociais situam-se na intersecção do psicológico e do social, e por
isso podem desempenhar funções a estes dois níveis. Como instrumentos cognitivos,
servem ao indivíduo para categorizar pessoas, objectos ou eventos; para estruturar o
campo cognitivo; para orientar o comportamento. Mas porque são modos de pensar
comuns, elas facilitam a comunicação e a compreensão recíproca, bem como a
coordenação das actividades colectivas.
Mas, sendo partilhadas por muitos indivíduos que as assumem acriticamente, as
representações sociais tornam-se em dispositivos automáticos, perpetuadores de um
modo único de ver o mundo dos objectos e das pessoas, de agir e de interagir. Mais
ainda, porque têm origem em crenças e práticas correntes que nunca foram compro-
vadas cientificamente, elas veiculam frequentemente erros de inferência que conta-
minam o pensar colectivo.

A TRIBUIÇÃO CAUSAL E TEORIAS IMPLÍCITAS


As pessoas sentem necessidade de justificar ou explicar os comportamentos, tanto
próprios como alheios, fazendo-os depender de motivos internos (intenção do
sujeito) ou de factores externos (condições da situação). A atribuição de causas aos
comportamentos do outro desempenha um papel muito importante nas relações
interpessoais, porquanto legitima opiniões e sentimentos recíprocos, atitudes e
modos de interacção.
O conhecimento dos motivos internos de um comportamento supõe o conhecimento
do modo de funcionamento do seu autor. Mas as pessoas comportam-se geralmente
como psicólogos ingénuos, ou como cientistas intuitivos, não cuidando da objectividade
e rigor desse conhecimento. Com base em impressões superficiais, que organizam e
interpretam à luz das suas próprias convicções, atribuem ao outro não apenas certas
disposições de momento, mas um conjunto de qualidades estáveis organizadas numa
estrutura psicológica (personalidade) que, segundo crêem, determina o seu compor-
tamento nas situações concretas. Em suma, toda a cognição social, incluindo a
previsão dos comportamentos, ao nível da psicologia ingénua, assenta em teorias
implícitas da personalidade.
Heider (1958), tenta explicitar melhor a "análise ingénua da acção", distinguindo
entre factores localizados na pessoa (internos ou disposicionais) e factores localizados na
situação (externos ou situacionais Entre os primeiros incluem-se a capacidade e o
esforço, e entre os segundos a dificuldade da tarefa e a sorte. Heider constatou que a
atribuição à pessoa é, em princípio, mais verosímil do que a atribuição a causas
exteriores. Este "tratamento de favor" dos factores internos (capacidade e esforço)
derivaria do pressuposto ideológico de que o homem é "a causa primeira dos seus
comportamentos, ou o protótipo das origens".

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A regra assim enunciada parece funcionar razoavelmente quando se trata de um


comportamento observado no outro, mas falha na análise do próprio comporta-
mento, muito particularmente se se trata de um fracasso. De facto, há aqui uma clara
distinção a fazer: enquanto o observador externo (espectador) tende a privilegiar as
variáveis disposicionais para explicar o desempenho de outrem, o autor do comporta-
mento (actor) tende a avaliar o seu próprio desempenho privilegiando as variáveis
situacionais. Dir-se-ia que o indivíduo oscila entre duas teorias implícitas, compor-
tando-se como um teórico situacionista quando é actor, e como um teórico
disposicionista quando é espectador.
Vistas as coisas mais de perto, porém, esta "lei" apresenta falhas importantes. De
facto, o actor — que avalia o seu próprio desempenho, se é situacionista quando se
trata de fracassos (e nem sempre o é), facilmente será disposicionista quando se trata
de êxitos. Do mesmo modo o espectador pode ser disposicionista quando o desem-
penho do outro corresponde à sua própria expectativa, e situacionista quando a sua
expectativa é frustrada. Em suma, parece que o atribuidor — actor tende a orientar-se
pela sua necessidade de auto-afirmação, atribuindo-se o mérito dos êxitos e alijando a
responsabilidade dos fracassos; enquanto o atribuidor espectador se orientara antes
por um princípio de coerência, atribuindo ao outro, em princípio, o que dele pode
esperar-se.
Weiner (1974) aperfeiçoou o esquema da análise ingénua da acção ao investigar o modo
como as pessoas, avaliam o peso relativo, sobre o resultado de uma tarefa, dos quatro
factores considerados por Heider (capacidade, esforço, dificuldade da tarefa, sorte).
Avaliando cada um dos factores em termos da sua estabilidade (estável/instável), do
lugar de controlo (interno/externo) e da sua controlabilidade (controlável/não
controlável), verifica-se, por exemplo, que ambos os factores externos são, do ponto
de vista do sujeito, incontroláveis; a sorte é, além disso, instável e por isso imprevisí-
vel (ao contrário da dificuldade da tarefa). Quanto aos factores internos, a capacidade
é estável e incontrolável enquanto o esforço é instável e controlável.
Weiner verificou ainda que a sobrevalorização de um ou outro dos quatro factores
depende de um conjunto de variáveis, tais como a experiência anterior do indivíduo
que faz a atribuição, a sua relação com o actor, os seus valores, as suas representações
sociais. Verifica-se ainda que os factores capacidade e esforço (eles próprios considera-
dos valores) são mais apontados para explicar o êxito do que para explicar o fracasso;
e que os resultados inconsistentes com desempenhos anteriores são preferencial-
mente atribuídos a factores instáveis (esforço, sorte).
Estes dados mostram que o processo psicológico de atribuição causal dos comporta-
mentos é demasiado complexo para poder ser explicado por uma teoria com base
numa simples distinção dicotómica de pontos de vista (actor/espectador) ou de
resultados (êxito/fracasso). Neles estão presentes, certamente, fenómenos de categori-
zação e de representação social, de envolvimento do ego e de relação interpessoal,
além de características de personalidade.

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Monteil (1989), por exemplo, refere alguns dados curiosos de uma investigação sobre
atribuições causais do insucesso escolar, realizada junto de professores. Os
professores que declararam uma pertença ideológica fizeram menos atribuições
disposicionais do que os que se declararam ideologicamente neutros. Além disso,
houve menos atribuições disposicionais nos professores filiados em sindicatos de
esquerda do que nos filiados em sindicatos de direita.

JULGAMENTO SOCIAL E COERÊNCIA


As pessoas não se limitam a explicar os comportamentos alheios, atribuindo-lhes
causas. Elas também emitem juízos sobre o que o outro sente, pensa, diz ou faz,
considerando tudo isso consequente ou inconsequente, e manifestando nessa base o seu
próprio acordo ou desacordo. Pelo que foi dito atrás, não surpreenderá que na
elaboração destes juízos pesem as características e disposições, motivações e
intenções atribuídas ao autor do comportamento julgado.
Sherif (1969) verificou que os julgamentos sociais são, em geral, altamente relativos,
dependendo do ponto de referência adoptado. O fenómeno é conhecido da percepção
física: sentimos um objecto mais ou menos quente ou frio consoante tomamos como
ponto de referência a temperatura do nosso corpo, ou a do meio ambiente, ou a de
outro objecto. O que há de característico na percepção social é que, aqui, o ponto de
referência é interno, o que equivale a dizer subjectivo. O julgamento social refere-se,
em última análise, à experiência pessoal de quem julga, e tem sempre implícita uma
teoria do eu. Por isso, pessoas diferentes podem emitir juízos diferentes sobre o
mesmo comportamento ou o mesmo indivíduo.
Ao julgarem qualquer estímulo social como mais ou menos consequente ou aceitável,
as pessoas utilizam uma escala interior, construída com base no seu ponto de
referência pessoal, e na qual está inscrita a latitude de aceitação/rejeição. Esta escala é,
evidentemente, subjectiva, como o ponto de referência em que se baseia; o que
equivale a dizer que indivíduos diferentes usam escalas diferentes.
Mas isso não significa que cada indivíduo use sempre a mesma escala. Um factor que
pesa no julgamento social é, com efeito, a importância que tem para quem julga o
objecto do seu juízo, seja uma opinião, um acto ou uma pessoa. É fácil de
compreender, por exemplo, que um alto grau de envolvimento do ego tenha por efeito
reduzir a latitude de aceitação ou margem de tolerância.
A teoria de Sherif explica dois fenómenos frequentes nos processos de comunicação
em geral, e de persuasão em particular, e que correspondem a comportamentos típicos
do receptor da informação. O primeiro fenómeno ocorre na fase de percepção da
mensagem e tem a ver com a sua compreensão. A atitude favorável ou desfavorável do
receptor depende do seu ponto de vista pessoal (ponto de referência). Concretamente,
se a mensagem lhe parece próxima do seu ponto de vista pessoal, o receptor tende a
exagerar essa proximidade. Se, pelo contrário, a mensagem é percebida como

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 64

distante, é a diferença que tende a ser exagerada. Trata-se, no primeiro caso, de uma
distorção por assimilação, e no segundo caso de uma distorção por contraste.
O segundo fenómeno ocorre na fase de aceitação da mensagem e tem a ver com a
mudança de opinião. A atitude do receptor vai agora depender da sua margem de
tolerância (latitude de aceitação/rejeição). Concretamente, a mudança de opinião
encontra-se facilitada se a mensagem se situa dentro da latitude de aceitação, e é
dificultada se ela está na zona de rejeição.
Subjacente ao comportamento do receptor que julga uma mensagem aceitável ou rejei-
tável, está a necessidade que, em todo o ser humano, une num mesmo sistema os seus
valores, conhecimentos e comportamentos. Do mesmo modo, quem julga um
comportamento alheio como consequente ou inconsequente, fá-lo na suposição de que
uma necessidade de coerência orienta também o seu autor. Por isso a constatação de
uma incoerência no outro questiona automaticamente a coerência de quem a
constata.
Festinger (1957) mostrou que qualquer dissonância entre dois elementos do sistema
(por exemplo entre crenças e comportamentos) provoca no indivíduo um estado de
tensão que o pressiona no sentido de uma mudança capaz de a reduzir. Normal-
mente o indivíduo procura evitar situações favoráveis à dissonância, e reduzir a
dissonância existente reforçando a informação consonante. Quando, porém, a disso-
nância é extremamente elevada e a tensão gerada se eleva acima do suportável, é
provável que o indivíduo procure mais informação dissonante, com o objectivo de
provocar a ruptura do sistema. A tensão é, então, reduzida à custa da cedência do
elemento mais fraco.
A simples recepção de uma informação que esteja em contradição com uma crença
ou com o sistema de crenças do sujeito (dissonância cognitiva) provoca esse estado
penoso que resulta da presença simultânea de duas cognições inconciliáveis. Pode,
porém, a pressão para a mudança não ser suficientemente forte, de modo que o
indivíduo mantém uma ou mais crenças isoladas incongruentes com o seu sistema de
crenças (Rokeach, 1973). Isso ocorre, às vezes, porque o sujeito não se dá bem conta
da incongruência real; outras vezes, porque as mesmas crenças incongruentes não
lhe merecem grande envolvimento do ego.

Estruturas de Relacionamento Interpessoal


O interesse e atracção das crianças umas pelas outras manifesta-se desde muito cedo
sendo normalmente mais alvo de atenções aquela criança que no grupo é mais velha
ou mais activa. À medida que a criança avança em idade desenvolve as suas capaci-
dades de autonomia corporal começa a afirmar-se uma tendência para se dirigir para
esta ou aquela criança, normalmente sempre a mesma. Quando o meio relacional e

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 65

material se mantém relativamente estável começam a definir-se relações


interpessoais bem definidas, geralmente de natureza dual.
Com a autonomia dos deslocamentos, associada à exploração dos espaços próximos a
relação começa a alargar-se a outros sendo neste momento que começamos a assistir
à formação de grupos de acção, compostos por três ou quatro interlocutores ou
parceiros, interagindo com os mesmos objectos ou nos mesmos espaços. Este
processo de interacção é estruturante do grupo ou grupos de crianças que se
conhecem e vivem nas mesmas condições.

A TRACÇÃO INTERPESSOAL E INTIMIDADE


Quando comunicam entre si, os seres humanos não o fazem apenas porque têm
necessidade de influenciar e de receber influência, em interacções que envolvem
poder social. Eles comunicam também, aproximam-se e até se associam de modo
permanente porque se interessam uns pelos outros ou compartilham mesmo
experiências de intimidade, em interacções que manifestam atracção interpessoal.
Na realidade, o sentimento e a emoção nunca estão completamente ausentes quando
ocorre um fenómeno de comunicação ou de relação. Como diz Pagès (1976), "o ser
humano está em face do outro em estado permanente de não-indiferença, de dispo-
nibilidade ou de receptividade". Mais que isso, o prazer compartilhado é a base de toda
a experiência social, e da impossibilidade de compartilhar o prazer derivam as
formas degeneradas do contacto humano (comportamentos associais, possessivos,
destrutivos).
A co-presença constitui, só por si, um apelo à comunicação, e a comunicação (bem
sucedida) é o caminho para a intimidade. Por isso as pessoas, numa situação de
proximidade física, sentem se embaraçadas se não comunicam, mas ao mesmo tempo
receiam comunicar se não se conhecem. A solução de compromisso, que elimina o
embaraço do silêncio evitando o risco da intimidade é, então, a troca de mensagens
mais ou menos ritualizadas, por exemplo, sobre o estado do tempo ou sobre as
dificuldades do trânsito. Interacções deste tipo, se libertam da ansiedade, estão longe
de proporcionar a partilha de prazer que é a natural gratificação (ou a razão de ser) de
toda a interacção social.
É a convicção de que o prazer deve andar associado à interacção social que leva as
pessoas, na vida de sociedade, a declarar (porventura faltando à verdade) que
sentiram "muito prazer...", a propósito de um contacto breve e superficial, ou até
após uma simples apresentação. Nas situações em que a dor é socialmente legitimada
(por exemplo, no luto), a partilha da dor é obrigatória ("sinto muito..."); e, porque
constitui um lenitivo, também aproxima as pessoas. Mas, para que a partilha do
prazer (ou da dor), mais do que uma declaração ritual, seja uma experiência vivida,
tem de haver um grande envolvimento do ego e uma comunicação mais profunda,
condições que atingem a sua expressão mais autêntica na chamada experiência de
intimidade.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 66

Note-se que a expressão experiência de intimidade não deve ser tomada no sentido de
intimidade física, como a expressão atracção interpessoal não deve confundir-se com
atracção erótica. Trata-se, aqui, de intimidade emocional, isto é, partilha de sentimentos,
pensamentos e experiências num relacionamento de abertura, sinceridade e confiança Esta
experiência dificilmente ocorrerá numa pura relação de poder, mas torna-se possível
quando as pessoas se envolvem numa relação de agrado, isto é, quando elas se
aproximam e comunicam entre si porque gostam.
Experiências deste tipo ocorrem frequentemente quando duas ou mais pessoas se
empenham numa actividade comum. Nestas condições elas compartilham entre si não
apenas o prazer ligado ao desempenho (a actividade em si e os resultados obtidos),
mas também o prazer de se sentirem unidas pelo interesse e envolvimento emocional
mútuos, num clima de confiança. Assim, elas não sentem já necessidade de se defen-
derem da atracção interpessoal, antes se aproximam espontaneamente até à distância
sentida como confortável e comunicam entre si livremente e sem reservas.
Uma questão interessante, e que já mereceu o cuidado de alguns investigadores,
prende-se com o carácter selectivo da atracção interpessoal; trata-se de saber se as
pessoas se escolhem em razão de afinidades (princípio de semelhança) ou de
diferenças (princípio de complementaridade). Não há dúvida de que frequentemente
funciona o princípio de semelhança: as pessoas com opiniões, atitudes e comporta-
mentos semelhantes facilmente simpatizam entre si, e as que se ligam por uma
relação de agrado tendem a assemelhar-se cada vez mais. A constatação de
semelhança aumenta a confiança em si próprio e no outro, enquanto o desacordo
gera sentimentos e reacções interpessoais negativos, além de uma experiência íntima
de incoerência.
Mas a atracção interpessoal também se baseia, muitas vezes, no princípio de comple-
mentaridade, isto é, as pessoas são atraídas pelas qualidades desejáveis dos outros e
que elas próprias não possuem. Assim, o que não conseguiriam realizar sozinhas,
podem fazê-lo "em equipa".
A atracção interpessoal não é, porém, uma dimensão humana simples, que possa ter
expressão num conceito unitário. Há, afinal, tantas variedades de atracção quantos os
motivos que podem levar alguém a gostar de alguém (Newcomb, 1967). Uma pessoa
sente-se atraída por outra quando lhe atribui qualidades que aprecia (admiração),
quando se julga apreciada por ela (reciprocidade); quando, numa actividade comum,
verifica que os modos de funcionamento de ambas se ajustam (apoio ao papel);
quando dá valor ao seu talento ou competência (respeito); quando ambas comparti-
lham os mesmos valores ou a mesma visão da realidade social (apoio aos valores).
Hargreaves (1979) cita ainda outras variedades de atracção ou inclinação para outra
pessoa: pelo bem que ela fez (gratidão), pela ajuda recíproca (obrigações mútuas),
pela simpatia que irradia (estima), pela disponibilidade e compreensão (aceitação).

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 67

PADRÕES DE INTERACÇÃO E SISTEMAS INTERACCIONAIS


O ser humano dispõe de um sem-número de esquemas (perceptivos, situacionais,
sociais, de auto-conceito), isto é, representações mentais simplificadas que o ajudam
a catalogar objectos e pessoas (inclusive a si próprio), a compreender situações
complexas, a tomar decisões sobre comportamentos. Alguns desses esquemas foram
gerados pelo próprio indivíduo a partir das suas experiências pessoais, outros
foram-lhe transmitidos pelo seu meio social.
Quando dois indivíduos estão implicados num processo de comunicação ou numa
relação em desenvolvimento, os seus comportamentos são orientados por esquemas
sociais e de auto-conceito, entre outros. Assegurado o ajustamento recíproco dos
esquemas adoptados por um e por outro, as suas interacções tenderão a reproduzir
um certo padrão estrutural, e a sequência das interacções a aproximar-se de um certo
modelo de desenvolvimento.
Cada acto de comunicação contém implícita uma definição da relação: próxima ou
distante, afectuosa ou fria, horizontal ou hierarquizada, etc. Esta definição proposta
pelo comunicador pode não ser aceite pelo seu interlocutor, que proporá a sua
própria definição. Se a interacção continuar, os dois indivíduos chegarão eventual-
mente a um consenso, implicitamente negociado, sobre a natureza e a forma da sua
relação. A interacção estabiliza-se então num certo padrão estrutural, de acordo com
a definição negociada; e esse padrão mantém-se, independentemente dos conteúdos
da comunicação.
Uma definição consensual, clara e estável, da natureza da relação é condição funda-
mental do ajustamento recíproco. Mas, o padrão estrutural das interacções depende
especificamente da existência de um consenso entre os parceiros sobre as suas
posições relativas no sistema social. Como vimos, quando analisámos a axiomática da
comunicação, se os parceiros de relação se reconhecem ao mesmo nível, as suas
interacções são simétricas, isto é, o comportamento de um reproduz em espelho o
comportamento do outro. Se, pelo contrário, é por ambos reconhecido que a posição
de um deles é superior e a do outro inferior, as suas interacções são complementares,
isto é, o comportamento de um completa (e ao mesmo tempo justifica) o
comportamento do outro (Watzlawick, 1981).
A opção por um dos padrões de interacção obedece em grande parte a critérios
sociais e sócio-culturais, porque as posições relativas estão definidas a priori pelo
estatuto, pela função, pela idade, etc.. Assim, as relações pais-filhos, médico-doente
ou professor-aluno estão à partida definidas como complementares, enquanto que as
relações entre marido e mulher, entre colegas ou entre amigos se definem
normalmente como simétricas. A interferência de factores psicológicos e psicossociais
pode porém muitas vezes fazer com que, por exemplo, um casal viva uma relação
tipicamente complementar, ou entre um professor e um aluno se estabeleça uma
relação perfeitamente simétrica.

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Embora mantendo o mesmo padrão estrutural de interacção, uma relação


interpessoal pode desenvolver-se ao longo do tempo de dois modos muito
diferentes, o que levou Watzlawick (1981) a distinguir dois tipos de sistema
interaccional. Nos sistemas de escalada, as posições dos parceiros extremam-se cada vez
mais, porque as interacções se afastam do modelo inicialmente acordado por
consenso tácito. O sistema interaccional perde o seu equilíbrio e caminha para a
ruptura. Ao contrário, nos sistemas auto-regulados, as interacções são continuamente
aferidas por um critério consensual. Os desvios são imediatamente corrigidos,
preservando-se o equilíbrio do sistema.
A medida que o sistema interaccional evolui num processo de escalada, torna-se cada
vez mais difícil restabelecer o equilíbrio. O momento crucial, entre a ruptura
iminente e a regulação ainda possível, é o de uma situação de impasse, ou seja,
quando persiste um problema para o qual têm falhado todas as tentativas de solução.
Como explica Watzlawick (1975), a insistência no mesmo tipo de solução "plausível"
aumentando a dose ("mais da mesma coisa") muitas vezes só agrava a situação.
Quando se chega ao impasse, é provável que a solução (ineficaz) já constitua maior
problema do que o problema inicial. Por isso a saída do impasse implica quase sempre
a eliminação dessa solução-problema, e a adopção de uma estratégia nova (outra
coisa). A situação presente deve ser analisada globalmente, e o problema inicial
reenquadrado. Porque há que encontrar uma solução inteiramente nova, naturalmente
menos evidente que a primeira, porventura até aparentemente bizarra. (Watzlawick,
1975)

A DINÂMICA DAS RELAÇÕES GRUPAIS

De uma forma geral podemos definir um grupo como um conjunto limitado de


pessoas, unidas por algum tipo de objectivos e características comuns e que
desenvolvem múltiplas interacções entre si.
Um grupo humano tem normalmente:
• uma estrutura;
• uma certa durabilidade no tempo;
• uma certa coesão;
• um conjunto de normas.
Se aceitarmos esta definição fácil nos é concluir que o mero facto de termos um
conjunto de pessoas não implica necessariamente a existência de um grupo, mesmo
que alguma das condições acima definidas se possa encontrar nesse conjunto. Por

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exemplo uma fila de pessoas em frente de um guichet nos Correios ou à espera de um


autocarro não se pode considerar um grupo apesar de podermos detectar aí a
existência de um objectivo comum, isto porque essas pessoas não apresentam um
número significativo de interacções. Contudo, se, por qualquer razão se verificar
alguma anormalidade33, essas pessoas podem começar a conversar umas com as
outras e encetarem algum tipo de acção comum, formando-se então um verdadeiro
grupo. Por outro lado, as pessoas que se encontram numa festa, apesar de estarem
em interacção e terem um objectivo comum não formam um grupo porque a sua
relação é momentânea e não tem um carácter de permanência.
Um grupo, enquanto sistema humano, é muito mais do que a soma de todos os seus
membros na medida em que um grupo pode desenvolver comportamentos
diferentes daqueles que seriam assumidos por qualquer um dos seus elementos
considerados individualmente.

Tipos de Grupos
Podemos considerar fundamentalmente quatro tipos de grupos, cada um dos quais
poderá, eventualmente, ser ainda subdividido em outros subtipos.
1. Grupos que se formam na base de uma função social comum, como por
exemplo, a família, grupos desportivos, etc.;
2. Grupos que se juntam no seguimento de algum tipo de atracção interpessoal
entre os seus membros, como por exemplo grupos de amigos;
3. Grupos tarefa que se formam na medida em que os seus membros têm um
problema específico para resolver ou uma tarefa para levar a cabo;
4. Grupos terapêuticos, ou de desenvolvimento pessoal.
Muitos grupos não podem de forma perfeita ser incluídos em qualquer destes tipos
básicos, resultando mais de uma qualquer combinação entre eles. Um exemplo disto
podem, por exemplo, ser os grupos de tarefa nos quais as pessoas desenvolvem
relações de amizade, evoluindo assim para grupos de amigos. Outro exemplo pode
ser os grupos que têm uma função social comum, mas que são formados a partir de
grupos de amigos, como por exemplo um grupo de amigos que decide fundar uma
associação cultural ou de acção social.
De qualquer forma sabemos hoje que o trabalho de grupo é especialmente indicado
na formação de pessoas quando os objectivos têm a ver com o desenvolvimento de
competências ao nível do relacionamento interpessoal. De entre de todas as técnicas
utilizadas a mais conhecida é talvez a dos T Groups34 no quais as pessoas se
encontram, normalmente num ambiente delimitado, por períodos que podem ir de

33 Por exemplo, terem-se acabado os selos, ou o autocarro que está demasiado atrasado.
34 Grupos de Treino, quer dizer, grupos de aprendizagem.

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alguns dias a uma ou duas semanas, com o objectivo de trabalhar a forma como
reagem ao outro e respondem às suas reacções. Normalmente são definidas quatro
áreas de comportamento relevantes para os T Groups:
• Comportamento público: Trata-se de um comportamento aberto que não carece
de uma análise aprofundada;
• Comportamento cego: Define aquela área de comportamento que é aparente
para os outros, mas não é reconhecido pelo próprio. Um dos objectivos dos
T Groups pode ser tornar a pessoa consciente dos seus comportamentos cegos
de forma a que ela possa utilizar esse conhecimento nas suas relações futuras
com as outras pessoas;
• Comportamento escondido: Refere-se aqueles comportamentos de que o próprio
tem perfeita consciência, mas que ele propositadamente esconde dos outros.
Num T Group a pessoa pode eventualmente adquirir uma noção mais realista
daquilo que pode revelar aos outros;
• Comportamento inconsciente: Designa aquela área de comportamentos de que
nem o próprio nem os outros têm consciência. Este tipo de comportamentos
normalmente não é objecto de preocupação nos T Groups, mas dos grupos
terapêuticos.
Tudo o que atrás ficou dito estabelece de forma definitiva que um grupo, enquanto
sistema de relações interpessoais, é mais do que a soma das suas partes. Para além
disso um grupo funciona sempre enquadrado num determinado ambiente o que
acaba por condicionar o que acontece no interior desse grupo. Em todos os grupos
verifica-se aquilo que poderíamos designar por clima emocional que se refere às
variações no comportamento grupal que são provocadas por uma combinação particular de
pessoas existentes num grupo, exceptuando os efeitos produzidos pelas características
específicas dos seus membros. Este efeito de grupo é, ao mesmo tempo, causa e efeito
dos fenómenos grupais que de alguma maneira condensam neles todas as proprie-
dades grupais: — a composição do grupo, que se reflectirá na coesão grupal e a
estrutura do grupo.
Quando vários indivíduos se reúnem pela primeira vez e começam a interagir,
começam a aparecer algumas diferenças entre eles35. Pois bem, são essas diferenças
que constituem a base para a formação da estrutura do grupo. A estrutura é ao fim e
ao cabo a organização interna do grupo e dado que um grupo se pode organizar a
partir de várias dimensões36 podem existir não uma, mas várias estruturas.

35 Por exemplo uns falam mais do que os outros, alguns têm mais influência nas decisões do
grupo, uns acabam por funcionar como animadores, outros acabam por fazer mais de
travões, etc..
36 Emocionalmente, de acordo com a tarefa, etc..

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Características dos Grupos


TAMANHO DO GRUPO
São muitos os trabalhos cujos resultados apontam para a ideia de que os grupos
excessivamente grandes tendem a ser em muitos sentidos disfuncionais. Postas as
coisas assim a questão mais importante é saber a partir de que ponto um grupo se
pode considerar excessivamente grande. Se bem que alguns autores tenham argu-
mentado que cinco elementos era o tamanho ideal para um grupo, o mais razoável é
supor que o tamanho óptimo de um grupo depende da tarefa do grupo, da sua
composição e de um conjunto de outros factores. Em contextos educativos existe
alguns dados que nos permitem pensar que o tamanho óptimo de um grupo lectivo
varia entre 10 e 15 alunos, sendo que a partir de 20 ou 25 crianças numa sala podem
começar a aparecer alguns sinais negativos.
O tamanho do grupo é uma condicionante importante do seu funcionamento essen-
cialmente porque à medida que aumenta o tamanho do grupo diminui o nível de
participação dos seus membros, em primeiro lugar porque evidentemente diminui a
quantidade de tempo disponível para cada membro, mas igualmente porque varia a
distribuição da participação, de tal forma que quando o grupo é muito grande essa
distribuição tende a ser menos equitativa. Normalmente o que acontece é que à
medida que alguns elementos começam a centralizar a participação a maioria dos
elementos tende a participar cada vez menos, o que significa que quanto maior for o
grupo mais a sua estrutura tende a ficar rígida e torna-se mais provável que a função
de liderança caia sobre uma única pessoa.
Outro aspecto relacionado com o tamanho do grupo parece ser a satisfação dos seus
membros e a sua coesão interna, tendendo ambas a diminuir à medida que o
tamanho do grupo aumenta.
Considerando que a maior parte dos grupos escolares tendem, segundo os
parâmetros atrás referidos, a ser considerados como grupos demasiados grandes, e
dado ainda que os educadores não podem fazer muito para alterar esta situação,
mesmo assim pensamos que o professor ou educador pode utilizar um conjunto de
estratégias no sentido de minimizar os inconvenientes atrás referidos:
1. Se um professor ou educador tem muitas crianças na sua sala pode, por
exemplo introduzir formas de partição visual de forma a definir grupos mais
pequenos37.
2. Após ter dividido o grande grupo em grupos mais pequenos o educador pode
propor a realização de tarefas que exijam um elevado grau de cooperação
entre os elementos de cada grupo.

37 Por exemplo, num Jardim de Infância, como normalmente as salas têm várias mesas, o
educador pode dividir o grande grupos em grupos-mesa mais pequenos.

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3. Ter em atenção o facto de que a disposição dos assentos preferida pelo


educador pode não ser aquela que é preferida pelas crianças. Sem prejuízo de
outros condicionalismos o educador deverá, na medida do possível, permitir
às crianças ocuparem os seus lugares favoritos.
4. Quando sentamos as crianças em mesas rectangulares temos de ter cuidado
com o facto de serem sempre as mesmas crianças a ocupar os lugares nas
cabeceiras das mesas pois estes têm maior probabilidade de serem escolhidos
como líderes. Se o educador rodar sistematicamente aqueles que se sentam
nessa posição poderá favorecer a emergência de mais líderes na sala.
Pelo atrás exposto verificamos que o rendimento do grupo é muito influenciado pelo
seu tamanho, contudo o grau e a direcção desta influência variam de acordo com
outros factores, de entre os quais sobressaem as características individuais dos
membros do grupo.

CARACTERÍSTICAS DOS MEMBROS DO GRUPO


Estas características que podem ser de tipo muito diverso (idade, género, classe
social, aptidões, etc.) acabam por ter alguma influência nos processos grupais.
No que diz respeito à idade, apesar de esta variável não ter sido estudada exaustiva-
mente, temos, algumas indicações que a idade cronológica dos membros está
relacionada com diversos aspectos da interacção no grupo. À medida que esta
aumenta os indivíduos tendem a ter mais contactos uns com os outros, notando-se
igualmente uma mudança no sentido de uma maior selectividade nos contactos e
uma maior complexidade nos padrões de interacção. No que respeita ao
conformismo, vários estudos indicam que este tende a aumentar até à idade de 12
anos, começando a diminuir a partir daí. A influência da idade é, contudo, um
processo complexo na medida em que a idade deverá ser essencialmente encarada
como uma oportunidade para os indivíduos adquirirem as respostas sociais
adequadas.
No que se refere ao género parece ser claro que existem bastantes diferenças entre
rapazes e raparigas e que tais diferenças são essencialmente condicionadas por
factores ambientais e culturais. Por exemplo, os papéis sexuais na nossa sociedade
implicam que os rapazes sejam normalmente mais agressivos, impositivos, domina-
dores e orientados para a realização de tarefas, mesmo que de tipo lúdico, enquanto
que se espera que as raparigas sejam mais passivas e submissas, e mais orientadas
para as questões do relacionamento interpessoal. Visto isto, parece-nos evidente que
estas diferenças não podem de deixar de ter algum tipo de influência no sistema de
interacções intragrupais.
Por outro lado, a existência de uma relação entre classe social dos alunos e as posições
que estes ocupam na estrutura da classe está já suficientemente documentada: — a
classe social é um bom elemento preditor do QI, do rendimento escolar, do êxito
social e profissional, etc.. Para além disto a classe social vai jogar um papel muito

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importante no tipo de expectativas que o educador vai criar face a cada um dos
alunos.
As aptidões38 são outro elemento que não pode deixar de ter uma certa influência
sobre o rendimento do grupo assim como sobre o nível de satisfação dos seus
componentes, sobre a coesão grupal, etc.

N ORMAS, PAPÉIS , ESTATUTOS


O interesse pelo estudo dos grupos é a constatação de que os indivíduos se
comportam de forma diferente consoante se encontrem isolados ou integrados em
qualquer tipo de grupo, sendo que um dos principais determinantes do comporta-
mento público de qualquer pessoa é o tipo de grupo em que está integrado.
Talvez uma das características mais óbvias dos grupos seja o facto de gerar normas.
O conceito de norma pode ter muitas interpretações diferentes, mas uma forma
relativamente simples de compreender de que se trata uma norma grupal seja
entendê-la como uma espécie de campo de forças, isto é, define o âmbito daquilo que
podem ser comportamentos aceitáveis e comportamentos inaceitáveis e indica aos
participantes dos grupos o que está em consonância ou em dissonância face ao
sistema de crenças do grupo. Este processo tem naturalmente um certo grau de flexi-
bilidade que depende tanto do tipo de grupo, como do momento no desenvolvi-
mento do grupo ou até de factores circunstanciais exteriores que afectam a vida do
grupo39. Os membros mais aceitáveis para o grupo são geralmente aqueles que
revelam um maior grau de aderência face às normas grupais. Se um elemento do
grupo se desvia demasiado da norma aceite num primeiro momento os outros
elementos tentarão pô-lo de novo na linha, mas se ele persistir nesse processo pode-se
criar uma situação em que ou essa norma é alterada ou ele terá que deixar o grupo.
Os indivíduos que tendem a aderir às normas vão, com o tempo, acumulando um
certo crédito, sendo-lhe então permitido um certo desvio dessas normas, até o seu
crédito ficar esgotado. Hollander chamou a este processo crédito idiossincrático e
mostrou que numa situação de resolução de problemas, uma pessoa que anterior-
mente tenha mostrado um elevado grau de concordância com os procedimentos
adoptados pelo grupo tem maior capacidade para propor algumas inovações do que
alguém que anteriormente tenha estado muitas vezes em desacordo com o grupo.
O processo através do qual as pessoas são levadas a aderir às normas grupais
designa-se por conformismo, contudo, quanto a nós a questão mais interessante é
compreender o processo que leva à emergência de normas nas fases iniciais do

38 Referimo-nos aqui às aptidões psicológicas, tais como a inteligência, as aptidões manuais,


qualidades desportivas, etc..
39 Algumas investigações têm demonstrado que nos grupos que têm um elevado nível de
conflitualidade com o seu ambiente são menos flexíveis no que diz respeito à
conformidade individual às normas do grupo.

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desenvolvimento do grupo. Nesta linha, o psicólogo social, Argyle (1969) sugeriu


que os membros de um grupo são levados a adoptar padrões de comportamento comuns
porque isso lhes permite atingir determinados objectivos grupais ao mesmo tempo que
satisfazem determinadas necessidades interpessoais. Outro autor, Thibaut (1968) chamou
a tenção para o facto de os métodos de controlo de tipo normativo serem geralmente
preferidos relativamente aos métodos de controlo mais personalizados em situações
em que estes seriam igualmente eficazes para atingir os objectivos do grupo. Este
fenómeno parece ter a ver a utilização de estratégias no sentido de dar alguma
estabilidade ao sistema grupo, isto a partir de limitações impostas ao comportamento
individual, necessariamente mais instável.
O conceito de papel refere-se a um padrão de comportamentos recíprocos esperados relati-
vamente a pessoas que têm um determinado estatuto. Assim, dentro de um grupo,
membros diferentes podem ter papéis diferentes. A noção de papel é naturalmente
uma noção de tipo relacional na medida em que um elemento isolado não pode
representar um papel. Esta noção implica que o conceito de papel, na medida em que
é um conceito marcadamente de cariz relacional, tenha necessariamente um lugar
central numa perspectiva sistémica do processo educativo, de tal forma que podemos
mesmo dizer que um sistema educativo40, constitui fundamentalmente um sistema
de papéis (Katz & Khan, 1987).
O conceito de papel pode ser usado num sentido lato, por exemplo quando nos
referimos ao papel da mulher ou do homem, ao papel de marido ou esposa, contudo
num contexto de pequeno grupo refere-se especificamente ao comportamento que
caracteriza um indivíduo particular nesse grupo. Pode ser aquele que habitualmente
sugere novas actividades, ou aquele que facilita a actividade dos outros, aquele que é
definido como sendo o crítico ou o palhaço do grupo. Um problema normalmente
associado ao papel refere-se ao facto de, uma vez que uma pessoa se atribui ou lhe é
atribuído um papel, ser por vezes difícil sair dessa situação, deixar esse papel. Na
medida em que o equilíbrio do grupo se baseia numa determinada configuração de
relações de papel, o facto de um elemento pretender alterar o seu papel vai perturbar
esse equilíbrio o que normalmente tem como efeito que os outros elementos do
grupo exerçam uma certa pressão para que seja mantido o status quo 41. Outra
situação igualmente problemática, normalmente geradora de stress e ansiedade é
quando num grupo uma pessoa é pressionada no sentido de assumir dois papéis

40 Utilizamos aqui a noção de sistema educativo não no sentido mais geral, como por
exemplo "o sistema educativo português", mas como conjugação de elementos
participantes de um determinado processo, considerados a nível institucional, como por
exemplo, um estabelecimento escolar, ou a um nível grupal, como por exemplo, uma sala
de aula.
41 Relativamente a este fenómeno rever o que foi dito atrás sobre as características e
propriedades dos sistemas abertos, especificamente no que diz respeito à tendência
homeostática.

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incompatíveis, por exemplo um professor que estabelece relações de amizade com


um aluno ou alunos em particular pode posteriormente ter alguma dificuldade em
atribuir uma nota negativa a esse aluno.
Se o desempenho de um papel é sempre o resultado da relação entre, por um lado,
um conjunto de predisposições pessoais próprias, e, por outro, um conjunto de
expectativas dos restantes elementos do grupo, alguns autores têm procurado
compreender de que forma funciona este processo de influência social. De entre eles,
Robert Khan (1964) fornece um modelo interessante das relações de papel.

Um modelo teórico dos factores envolvidos na adaptação aos conflitos e ambiguidades de papel

Círculo A A organização ou instituição como um todo, o seu tamanho, os


seus objectivos, etc.. A relação da pessoa com a organização, com
o seu posto, função, etc..
Seta 3 Representa uma relação causal entre as variáveis organizacionais e
as expectativas e pressões do papel, que são assumidas e emitidas
para uma determinada posição.
Círculo B Representa os factores de personalidade.
Seta 4 Alguns traços de personalidade que podem evocar ou facilitar
certas respostas dos emissores de papel.
Seta 5 Pressões de papel sobre a pessoa.
Círculo C Relações interpessoais.
Seta 6 Pressões exercidas por emissores de papel como resposta a
relações interpessoais entre eles e o actor do papel.
Seta 7 Diferentes interpretações das pressões dependendo das relações
pessoais entre a pessoa focal e os emissores de papel.
Seta 2 A medida em que a pessoa focal aceita as pressões vai afectar o
comportamento futuro dos emissores de papel.
Seta 9 Resposta da pessoa focal conducente a alterações duradouras nas
relações entre a pessoa focal e os emissores.
Seta 8 Mudanças na organização da personalidade devidas às reacções à
experiência do papel.

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Neste sentido somos levados a pensar que, em qualquer organização ou qualquer


grupo certas posições têm que ser preenchidas assim como os ocupantes dessas
posições têm que se comportar de uma forma relativamente consonante com as
expectativas dos outros. O desempenho de um papel, como já dissemos representa
um sistema de obrigações recíprocas.
Intimamente relacionado com o conceito de papel, está o conceito de estatuto, que
tem essencialmente a ver com a dimensão do poder no funcionamento grupal. A
noção de estatuto aponta necessariamente para alguma forma de hierarquia social de
tal forma que aqueles que estão no topo têm mais poder do que aqueles que estão em
baixo. Num sentido bastante lato podemos dizer que uma pessoa tem um estatuto
elevado se consegue facilmente dar início a qualquer tipo de acção ou interacção
dentro do grupo. Por exemplo um professor tem um estatuto mais elevado do que
um aluno na medida em que o professor pode dirigir-se a um aluno sempre que
entender o mesmo não se verificando por parte do aluno.
Um membro de um grupo com estatuto elevado é aquele cujas ideias vão sendo
adoptadas pelo grupo com o decorrer do grupo, não sendo necessariamente aquele
que fala mais ou até que faz mais sugestões relativamente às linhas de acção a
adoptar pelo grupo. Um elemento do grupo pode ainda ter um estatuto elevado
simplesmente na medida em que tem uma característica particular que o torna
atraente para o grupo, como por exemplo uma habilidade ou capacidade especial
que se pode tornar essencial no desempenho de uma tarefa ou resolução de um
problema.

O Desenvolvimento de um Grupo
Considerando que um indivíduo se comporta de forma diferente num grupo pôe-se
agora a questão de saber como é que um grupo se desenvolve. Um dos autores que
mais estudou este aspecto foi o psicólogo social B. V. Tuckman proposto um modelo
do desenvolvimento de pequenos grupos que estabelece uma relação muito estreita
entre a estrutura grupal e o desempenho de uma tarefa ou realização de uma
actividade.
Estrutura do Grupo
Actividade de Tarefa
Fase

(padrão de relações interpessoais)

1 Comprovação e dependência. Orientação para a tarefa: identifica ção dos


seus parâmetros mais relevantes.
2 Desenvolvimento da coesão grupal: A Intercâmbio aberto de informações
harmonia é de máxima importância. relevantes.
3 Conflito intragrupal. Resposta emocional às exigências da tarefa.
Alguma resistência.
4 Relação funcional com o papel. O grupo Aparecimento de soluções.
converte-se num instrumento de trabalho.

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Aspectos grupais do ambiente escolar


Em conclusão, do que atrás foi referido acerca do funcionamento grupal fica a ideia
de que qualquer educador, enquanto orientador de grupos, deve preocupar-se em
conhecer os efeitos dos diferentes componentes do ambiente escolar sobre o
comportamento social dos alunos e sobre o comportamento grupal do grupo-classe
ou de outros subgrupos que, dentro desta, se venham a formar.
Deverá, por exemplo, utilizar determinadas variáveis do funcionamento grupal para
produzir certos efeitos e assim maximizar os resultados do seu trabalho. Deverá
saber que quanto maior for a coesão do grupo mais satisfeitos estarão em geral os
seus membros e mais proveitosa será a intervenção do educador, assim como mais
facilmente se resolverão os problemas que surjam.
Por outro lado, à medida que aumenta o tamanho do grupo mais difícil será
trabalhar com ele, os conflitos intragrupo tendem a aumentar assim como a insatis-
fação dos seus membros, menor será o nível de participação dos seus componentes,
etc.. Por isso, um educador que se veja obrigado a trabalhar com grupos muito
numerosos deve sempre considerar as possibilidades de os subdividir em grupos
mais pequenos.
Finalmente, todos estes conhecimentos serão muito mais úteis se forem utilizados em
conjunto com outras técnicas de trabalho de grupo, como sejam a as técnicas socio-
métricas e a utilização de grupos de trabalho cooperativo.

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AS TÉCNICAS SOCIOMÉTRICAS

De entre as diferentes técnicas de diagnóstico grupal, que podem ser utilizadas num
contexto educativo42, estudaremos em seguida uma técnica conhecida como teste
sociométrico pois parece-nos ser aquela mais estreitamente relacionada com a
problemática que temos vindo a focar até ao momento. Esta escolha tem essen-
cialmente a ver com o facto de ser aquela que está mais directamente relacionada
com a temática das relações grupais.

Desenvolvimento Histórico e Origens da Sociometria


O nascimento da sociometria está ligada a um homem nascido na Roménia, Jacob
Levy Moreno , que nasceu em Bucareste tendo estudado Psiquiatria em Viena, sendo
discípulo de Freud, e que depois acabou por adquirir especial notoriedade nos EUA.
Apesar de já em 1916 Moreno ter procurado em Viena organizar uma comunidade
terapêutica para num campo de refugiados da I Guerra Mundial baseada nos
princípios sociométricos, foi só a partir de 1925, quando emigrou para Nova Iorque
que os modelos e técnicas sociométricas adquiriram a importância que hoje se lhes
reconhece.
As influências que estiveram na base da sociometria foram muitas e variadas radi-
cando essencialmente nas correntes de pensamento que se desenvolveram no
primeiro quarto deste século. Desde a filosofia, com o conceito de espontaneidade da
personalidade de Bergson, passando pela psicanálise de Freud, até às perspectivas
mais sócio-políticas de Marx, não pode, contudo, deixar de reconhecer-se a contribui-
ção, especialmente nos EUA, da dinâmica de grupos de Kurt Lewin.
A aplicabilidade desta técnica aos contextos educativos foi pela primeira vez realçada
por M. Northway, (1964) pois na sua opinião “os estudos sociométricos têm-nos
capacitado para aprender muitas coisas sobre as relações e as interacções escolares e
continuam educando-nos a este respeito. Contudo, a sua maior virtude consiste em centrar a
nossa atenção sobre o facto de que nas classes há que desenvolver as relações sociais e há que
estudar as comunicações sociais”.

42 Observação, entrevista colectiva, etc..

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Um outro desenvolvimento interessante da técnica sociométrica foi a introdução de


um teste de percepção sociométrica que veio a aumentar significativamente as
potencialidades do teste sociométrico. Neste teste cada indivíduo deve indicar o que
pensam os outros dele43. Isto é importante porque sabemos que a forma como um
indivíduo se comporta num grupo está dependente da posição que ele pensa ocupar
nesse grupo, de tal forma que a pessoa que se sente rejeitada acentuará a sua desva-
lorização pessoal, um elemento isolado tenderá a acentuar o seus isolamento, etc..

Definição e Conceitos Fundamentais


A palavra sociometria deriva da junção de duas palavras latinas, socius social e
metrum medida e refere-se a uma tentativa de objectivar e quantificar as relações
humanas dentro de um determinado grupo social. Têm sido proposta inúmeras
definições de sociometria, que, de alguma forma são o reflexo da multiplicidade de
abordagens que têm sido utilizadas por diversos autores.
Moreno baseia a sua sociometria em dois princípios fundamentais:
1. O princípio da inter-relação. Este princípio parte da noção de que o grupo não
é mais do que uma metáfora e não existe em si mesmo. O seu conteúdo real
são as pessoas interdependentes que o compõem não enquanto indivíduos
particulares, mas como representantes da mesma cultura. Quer isto dizer que
o grupo representa a soma das relações entre as pessoas que o compõem. Para
além disto essas relações são sempre definidas em termos de atracção e
hostilidade interpessoais, isto é, essencialmente a partir de critérios afectivos;
2. Moreno, baseando-se em Bergson, vê na espontaneidade criadora o princípio
essencial da evolução humana. Esta espontaneidade é muitas vezes limitada
pela educação e pelos outros em geral que limitam o indivíduo nas suas
aspirações. As relações interpessoais podem ou ser limitativas para o
indivíduo ou uma via no sentido da consecução individual da espontaneidade
criadora.
A sociometria pretende analisar a estrutura do grupo pelo que podemos definir
essencialmente dois tipos de estrutura:
1. Estrutura externa ou formal: Como o próprio nome indica este tipo de
estrutura tem uma origem oficial, convencional e externa aos membros do
grupo. Neste caso os vínculos que ligam os elementos dos grupos uns aos
outros são determinados pelo papel oficial que cada um desempenha no
grupo ou pelos objectivos do próprio grupo. Esta estrutura pode ser captada a
partir de um processo de observação relativamente simples.

43 Ou melhor, o que o indivíduo crê que os outros pensam dele.

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2. Estrutura interna ou informal: — Emerge espontaneamente a partir das


atracções interpessoais, nos sentimentos, preferências, simpatias que têm mais
a ver com o domínio da subjectividade pessoal do que com as exigências da
tarefa. É a este tipo de estrutura que Moreno designa por matriz sociométrica ou
sociograma sendo, por conseguinte este tipo de estrutura a que deve ser
captada a partir da avaliação através das técnicas sociométricas habituais.
A sociometria pode ser abordada numa perspectiva mais teórica ou numa perspec-
tiva mais prática enquanto conjunto de métodos e de técnicas umas de investigação,
terapêuticas ou pedagógicas, orientadas para a vida dos pequenos grupos. Natural-
mente a enumeração de todas as técnicas sociométricas seria maçadora e até cai um
pouco fora do âmbito deste texto, contudo, para abreviar, podemos classificá-las em
dois grupos:
A. Técnicas de Investigação: — Procuram descobrir e analisar as relações
interindividuais e a situação concreta de uma pessoa dentro do grupo, isto
com objectivos muito diversos;
B. Técnicas Terapêuticas: — Aqui há já um objectivo claro de intervenção, sendo,
por isso, estas técnicas complementares das técnicas de investigação. Os três
tipos de técnicas mais interessantes criadas por Moreno foram o sociograma, o
psicodrama e o role-playing.
Ora, das técnicas de investigação atrás referidas a mais conhecida é o Teste
Sociométrico.

O Teste Sociométrico
O teste sociométrico é uma técnica relativamente simples que nos permite avaliar a
estrutura interna e informal de grupos pequenos. A simplicidade da técnica não
deve, contudo, alhear-nos das dificuldades inerentes a todo o tipo de investigação
que envolvem a colaboração de sujeitos humanos.
Segundo o próprio Moreno o teste sociométrico envolve quatro passos essenciais:
1. Formulação de uma pergunta a todos os membros do grupo para que
escolham aqueles indivíduos, que façam igualmente parte do grupo, que mais
desejariam, e que menos desejariam ter por companheiros em determinadas
actividades específicas ou situações particulares;
2. Levantamento das respostas e construção de uma tabela;
3. Elaboração da matriz sociométrica e do sociograma;
4. Interpretação dos resultados do sociograma.

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Trata-se de uma técnica cujas características permitem a sua utilização numa grande
variedade de contextos educativos e com um vasto leque de níveis etários. Podemos
salientar, entre outras:
a. É uma técnica de administração e avaliação bastante simples;
b. Fornece uma grande quantidade de informação em relativamente pouco
tempo e esforço;
c. É aplicável tanto do ponto de vista de um diagnóstico individual como de um
diagnóstico grupal e até das relações interpessoais no grupo turma;
d. Permite captar facilmente barreiras e bloqueios relacionais relacionadas com o
sexo, etnia existentes num grupo;
e. Finalmente, pode ser aplicado tantas vezes quantas se quiser ao longo do
tempo o que pode, por exemplo dar informação útil sobre a evolução do
grupo.
Com efeito, um conhecimento da estrutura das relações num grupo de Jardim de
Infância pode ser uma questão tão útil quanto difícil. Talvez esta situação não seja tão
crítica no contexto da educação de infância, devido à maior proximidade física e
psicológica entre as crianças e os educadores, contudo, alguns estudos mostram que
os professores revelam algumas dificuldades em descobrir num grupo quais são os
alunos mais populares, aqueles que tendem a ser marginalizados, etc..
As relações entre as crianças convertem-se, assim, num novo campo de conhecimento
e de exploração que requer da parte dos educadores uma atenção especial.

Aplicação do Teste Sociométrico


A aplicação do Teste Sociométrico, assim como a codificação dos resultados e a
elaboração da matriz sociométrica é uma tarefa ao mesmo tempo simples e
trabalhosa.
Se quisermos obter dados minimamente fiáveis há um conjunto de passos a seguir:

OBSERVAÇÕES PRÉVIAS
Para que a aplicação do teste sociométrico possa ser de alguma utilidade e validade
os sujeitos devem estar conscientes dos objectivos que se pretendem alcançar com a
aplicação do teste e motivados para a sua realização. O educador pode trabalhar este
aspecto chamando a atenção para as respectivas possibilidades práticas, por
exemplo, constituição de grupos do agrado dos alunos, etc.44.

44 Naturalmente que a este tipo de explicação terá que ser feita tendo em conta a idade e
desenvolvimento cognitivo das crianças.

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Outro aspecto a ter em conta refere-se às condições concretas de aplicação do teste.


Em primeiro lugar, o teste deve ser apresentada como algo natural e simples sem
qualquer tipo de formalismo exagerado que leve as crianças a dar respostas
artificiais. Em segundo lugar deve evitar-se que as crianças comuniquem entre
durante a aplicação do teste, nem sequer por olhares ou gestos pois isso poderia de
certa forma falsear os resultados.
É igualmente importante assegurarmo-nos que as crianças têm presente todos os
colegas que podem escolher. Deve-se, especialmente fazer notar que os ausentes
nesse dia podem igualmente ser escolhidos. Podemos, por exemplo, fazer uma lista
com os nomes ou as fotografias de todos os alunos do grupo para que não aconteça
que alguém não seja escolhido por simples esquecimento.
Outro problema importante a ter em conta a este nível é as rejeições. A pergunta
deve ser feita de uma forma branda, não perguntando às crianças que digam quais os
companheiros que rejeitam, mas quem não escolheriam este tipo de perguntas
oferece alguns perigos pelo que devemos ter atenção para que não haja zangas ou
ressentimentos daí resultantes. Por outro lado, se, apesar de tudo, as crianças não
aceitam responder a esta pergunta é melhor não insistir e esperar uma melhor
ocasião.
Finalmente há a considerar uma questão chave: o teste sociométrico só pode ser
aplicado quando existe um grupo. Ora só estamos em presença de um grupo quando
estão definidas certas condições como a existência de uma estrutura interna, papéis,
objectivos comuns, etc.. Para que isto aconteça os membros do grupo devem
conhecer-se e influenciar-se reciprocamente. O teste sociométrica não pode, por isso,
aplicar-se a uma turma recém-formada, sendo necessário pelo menos um mês para
que o conjunto dos alunos adquira algumas características de grupo. O mesmo se
aplica aos grupos muito grandes. Normalmente o teste sociométrico deixa de ser
válido quando se ultrapassa os 30 ou 35 elementos por grupo, sendo o ideal entre 15
e 25.

PREPARAÇÃO DO TESTE
A tarefa essencial nesta fase é a elaboração das questões a colocar aos membros do
grupo. Em consequência convém que as perguntas sejam claras, simples e concretas,
devendo, para além disso, ser adequadas aos objectivos que nos propomos alcançar.
Aqui põe-se o problema dos critérios da escolha, isto é, a situação que vamos usar
para concretizar as escolhas. Devemos usar só um critério ou utilizar vários? Tudo
depende em primeiro lugar dos nossos objectivos. É óbvio que se quisermos
constituir uma equipa de trabalho não nos interessa as inter-relações no recreio, se,
por outro lado pretendemos obter uma panorâmica geral das características psicos-
sociais de um grupo é conveniente utilizar um questionário com vários critérios. Não
devemos contudo exagerar neste aspecto. A experiência mostra que dois ou três
critérios são suficientes na maior parte dos casos. Normalmente para cada critério

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estabelecemos 4 variações da pergunta (uma para as escolhas, outra para as rejeições,


outras duas para a percepção da escolha e da rejeição). Por exemplo:
1. Quem escolherias para teu companheiro de brincadeira?
2. Quem não escolherias para teu companheiro de brincadeira?
3. Quem achas que te escolheu para seu companheiro de brincadeira?
4. Quem achas que não te escolheu para seu companheiro de brincadeira?
Outro problema é saber o número de escolhas e rejeições que vamos permitir. Aceitar
um número ilimitado tem a vantagem de permitir conhecer a expansividade social
do sujeito e a totalidade das relações existentes no grupo, contudo torna o trabalho
de análise da matriz e do sociograma demasiado complexo. Por outro lado, exigir uma
só escolha é limitar à partida as possibilidades do teste e também a expansividade do
próprio sujeito. Um estratégia que podemos adoptar é permitir o número de escolhas
desejado e depois na análise ter em conta só as três respostas e ponderá-las da
seguinte maneira: a primeira escolha, por exemplo, 3 pontos, a segunda 2 e a terceira
1 ponto. Claro está que, sendo assim, torna-se necessário pedir aos sujeitos que
indiquem os colegas por ordem de preferência.

ELABORAÇÃO DAS RESPOS TAS


O tratamento dos dados proporcionados pelas respostas ao teste sociométrico
consiste fundamentalmente na elaboração da matriz sociométrica, a partir da qual se
calculam os índices sociométricos a a construção do sociograma que não é mais do que
a representação gráfica da matriz.
1. Elaboração da matriz sociométrica: consiste numa tabela de duas entradas. No
eixo das abcissas e no eixo das coordenadas colocam-se os nomes dos sujeitos.
Nas casas correspondentes da tabela colocamos então as pontuações obtidas por
todos e cada um dos sujeitos. Na tabela seguinte temos um exemplo simples
obtido com um grupo de cinco elementos.

Luís Maria João Carlos Sofia

Luís 2 3 1 -

Maria 1 2 3 -

João 3 2 1 -

Carlos - - 3 2

Sofia 1 2 3 -

TOTAL ESCOLHAS 5 6 11 5 2

As respostas á primeira questão (A quem escolherias como companheiro de brinca-


deira) colocam-se no quadro ponderando a ordem da escolha, consoante tenha

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sido feita em primeiro (3) segundo (2) ou terceiro lugar (1)45. Como vemos o
elemento mais popular é o João enquanto que no outro extremo o menos esco-
lhido foi a Sofia.
Feito isto, haveria agora que construir as outras matrizes sociométricas, uma para
cada das outras três questões e daí tirar as conclusões mais indicadas. Por
exemplo, podemos avaliar os índices sociométricos, tanto os individuais (índice
de popularidade, índice de antipatia, etc.) como os grupais (índice de associação,
índice de coesão, etc.), assim como identificar os tipos sociométricos que são
fundamentalmente três:
a. o populares, aqueles membros do grupo que possuem uma taxa de escolha
significativamente elevada;
b. os rejeitados, aqueles que têm uma taxa de rejeição significativamente elevada;
c. os esquecidos, aqueles que, não sendo rejeitados, possuem uma taxa de escolha
significativamente baixa.
2. Construção da matriz sociométrica: O sociograma não é mais do que a
representação gráfica da matriz sociométrica, possui, contudo, a vantagem de
permitir uma leitura fácil visto que permite captar imediatamente a estrutura do
grupo.

Na figura em cima temos um exemplo típico de um sociograma de um grupo de


nove crianças tendo sido pedido a cada uma delas que escrevesse o nome de dois
colegas com quem gostasse de trabalhar na pintura de um cenário para a festa da
escola.

45 Considerando que se trata de um grupo muito pequeno só considerámos três escolhas,


mas há que ter em conta que em grupos mais numerosos se joga com uma maior
quantidade de escolhas.

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De uma forma geral utiliza-se a seguinte simbologia para construir o sociograma:


— Os rapazes representam-se por um triângulo e as raparigas por um círculo,
colocando-se em ambos os casos as respectivas iniciais ou o número correspon-
dente no seu interior. Outros símbolos importantes são:
Escolha

Rejeição (a vermelho)

Escolha recíproca

Rejeição recíproca (a vermelho)

Escolha suposta ou percebida

Rejeição suposta ou percebida (a vermelho)

Escolha suposta recíproca

Rejeição suposta recíproca (a vermelho)

FIABILIDADE E VALIDADE DO TESTE SOCIOMÉTRICO


No que diz respeito à fiabilidade do teste sociométrico, podemos abordá-la a partir
de dois factores
a. Fiabilidade e constância na interpretação dos dados: Apesar das dificuldades
naturais de tratar quantitativamente os dados sociométricos a maior parte dos
estudos realizados permite concluir que o padrão de avaliação sociométrica
que caracteriza um determinado indivíduo, seja de aceitação ou de rejeição,
tende a verificar-se nos diferentes grupos em que esse indivíduo venha a
participar, pelo que acaba por reflectir características psicológicas com um
certo grau de estabilidade;
b. Validade: Este aspecto está essencialmente dependente da motivação dos
sujeitos, isto no sentido em que as suas escolhas referidas correspondem ou
não às escolhas reais. Este aspecto chama mais uma vez a atenção para os
cuidados a ter na administração do teste a que já fizemos referência.

Interpretação dos resultados


Como já referimos a interpretação dos dados sociométricos permite-nos definir a
estrutura do grupo, os seus líderes, os elementos rejeitados, etc., assim como da
evolução dessa estrutura ao longo do tempo, mas não nos dá uma informação muito
clara acerca dos motivos e da intensidade das relações expressas.
Devemos, para além disso, evitar de cair na tentação de acreditar que quanto mais
relações de simpatia tem um sujeito (quanto mais escolhas tiver), melhor será a sua
posição social, ou mesmo o seu equilíbrio pessoal. Uma criança pode receber muitas
escolhas e não ser um indivíduo perfeitamente adaptado socialmente. Há que ter em

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conta, por exemplo, as crianças que o escolheram, que podem, eles próprios ser
crianças bastante escolhidas, ou, pelo contrário, crianças mais marginais.
Outro aspecto importante a ter em conta na interpretação são as perguntas de
percepção. Em termos gerais podemos dizer que uma criança que espera ser
escolhida por poucos ou nenhum dos seus colegas e companheiros será uma criança
com pouca confiança em si mesma e com poucas necessidades sociais. Pelo contrário,
uma criança que se crê apreciada e cujos amigos esperam ser escolhidos por ele é
normalmente um indivíduo com bastante confiança em si próprio.
De facto nas expectativas perceptivas há que distinguir dois aspectos que não devem
ser confundidos:
a. A sociabilidade: depende da relação entre as escolhas emitidas pelo sujeito e
aquelas que espera receber. Se emite mais escolhas do que aquelas que espera
receber estamos perante um sujeito sociável, se a relação for oposta estamos
perante um sujeito não sociável.
b. A capacidade perceptiva: Esta capacidade perceptiva pode ser por um lado
concretizada numa sensibilidade relacional que se refere à forma como o
indivíduo percebe todas as relações de que é objecto, e por um realismo percep-
tivo que implica que o indivíduo não se atribua escolhas que não correspon-
dem à realidade.
A interpretação do sociograma deverá, ainda, incluir dois aspectos:
A. A rede sociométrica: Podemos definir a rede sociométrica como a série de
interacções complexas que unem entre si os diferentes membros do grupo sendo
composta tanto por elementos afectivos (atracção, rejeição, simpatia ou antipatia) como
elementos cognitivos (as atracções ou rejeições percebidas). Esta rede sociométrica
pode apresentar diferentes configurações de entre as quais convém salientar:
— a díade: composta por um par de sujeitos entre os quais existe uma atracção
recíproca. É a modalidade mais simples, mas na qual se podem produzir
interacções interessantes; o triângulo ou tríade: é um pequeno grupo, ou
melhor, subgrupo de três elementos, entre os quais existem relações
privilegiadas; o quadrado: trata-se de um subgrupo com uma estrutura ainda
mais estável composta naturalmente por quatro elementos; o bando ou
"grupinho": psicologicamente esta é a figura mais importante, pelo menos para
os educadores. Trata-se de um pequeno grupo caracterizado pela sua
densidade, exclusividade e consonância de reacções46. São normalmente
subgrupos bastante coesos que, especialmente no caso dos adolescentes,
podem facilmente entrar em conflito com os restantes membros do grupo.

46 Quer dizer, todos respondem se um deles é atacado.

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B. A coesão do grupo47:A coesão do grupo está de alguma forma relacionada com


a forma da sua rede sociométrica, contudo é importante esclarecer um pouco
essa relação. Se bem que esta questão continue a não ser pacífica entre os
especialistas nesta área, pensa-se que a coesão depende significativamente do
número de relações positivas recíprocas, chegando mesmo alguns autores a
propor um Índice de Coesão (IC) ao qual se chegaria a partir da seguinte
fórmula:
Nº Total de escolhas recíprocas
IC =
Nº possivel de escolhas recíprocas
Finalmente, é importante salientar um aspecto que está estreitamente relacionado
com a problemática da coesão que é a existência de subgrupos dentro de uma sala de
aula ou de Jardim de Infância. A existência de subgrupos dentro de qualquer grupo é
inevitável, sendo um facto que tais subgrupos nem sempre põem em causa a coesão
grupal podendo mesmo aumentá-la, dependendo tudo do tipo de estrutura de tais
subgrupos e das suas relações tanto uns com os outros como com os objectivos do
grupo mais vasto.

Utilidade prática do Teste Sociométrico


O principal objectivo educacional da sociometria é a avaliação da estrutura social e
afectiva do grupo turma, mas podemos ainda definir outros objectivos mais
específicos:
1. Conhecimento do nível de aceitação que uma criança tem num determinado
grupo/turma;
2. Avaliação da coesão entre os membros do grupo/turma, por exemplo, se
estão bem integrados ou se tendem a organizar-se em pequenos grupos
isolados uns dos outros;
3. Identificação das crianças alvo de uma rejeição especial pelos outros;
4. Identificação das estrelas e líderes do grupo, que podem servir como
aglutinantes dos seus diferentes componentes;
5. Identificação dos elementos isolados, que não são escolhidos por nenhum
grupo;

47 Apesar do conceito de coesão grupal se utilizar em diferentes acepções, em geral


entendem-se por coesão a medida em que os membros do grupo se sentem motivados para
permanecer nele. Como vimos a coesão grupal tem uma influência significativa em outras
variáveis grupais como a satisfação dos seus membros, a produtividade, o número e o tipo
de interacções dentro do grupo, etc., contudo o seu efeito mais significativo é sem dúvida a
manutenção do próprio grupo.

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6. Avaliação dos efeitos que a incorporação de crianças novas tem num determi-
nado grupo.
O conhecimento de todos estes aspectos do funcionamento grupal constitui uma
poderosa ferramenta que permite ao educador intervir no sentido de melhorar as
relações sociais na aula. Ora, considerando que a educação de infância é um contexto
onde estes factores têm uma importância fundamental, as técnicas sociométricas
revestem-se para o educador de uma utilidade muito particular.
Mais concretamente:
a. Quando nos deparamos com elementos isolados no grupo, aqueles que não
são escolhidos por ninguém, podemos tentar fazer com que os outros lhes
prestem atenção e procurem conhecê-los melhor. Uma estratégia para
conseguir isto pode ser, por exemplo, fazer com que a criança isolada se sente
ao lado de uma criança com uma taxa elevada de escolhas, etc.;
b. Se, por exemplo, o grupo/turma está claramente dividido em subgrupos,
podemos intervir junto das estrelas de cada um dos grupos fazendo-lhes ver a
importância do seu relacionamento mútuo para o bom funcionamento do
grande grupo. Normalmente conceder-lhes esta importância e responsabili-
dade costuma ser um bom aliciante para que se sintam motivados para alterar
a sua atitude;
c. Quando queremos organizar grupos de trabalho devemos partir na medida do
possível dos grupos de "geração espontânea".
A sociometria pode ainda ter uma importante função preventiva, pois a aplicação de
um teste sociométrico pode permitir identificar alguns problemas e intervir atempa-
damente no sentido de uma resolução rápida. Isto é tanto mais importante quanto
sabemos que, muitas vezes, quando os problemas relacionais se tornam evidentes no
funcionamento quotidiano do grupo é porque já atingiram uma gravidade tal que
implica uma resolução muito mais difícil e demorada.

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TÉCNICAS DE TRABALHO COOPERATIVO

Introdução
Um aspecto muitas vezes esquecido é a forma como as crianças se percebem e
interagem umas com as outras em contextos escolares. Ora, se este aspecto é de suma
importância em todos os níveis de ensino, muito mais relevante se torna ao nível da
educação de infância na qual os objectivos têm essencialmente a ver com as atitudes e
valores básicos da vida em sociedade.
De um forma geral podemos definir três formas básicas de interacção em contextos
escolares:
a. As crianças podem competir entre si para ver quem é o melhor;
b. Podem trabalhar individualmente no sentido de responder às solicitações e
realizar as tarefas propostas, sem prestar atenção ao trabalho dos outros;
c. Podem trabalhar cooperativamente estando cada criança interessada no
trabalho da outra como no seu próprio, podendo mesmo ajudarem-se no
sentido de alcançarem uma meta comum.
Se esta situação parece ser diferente ao nível da educação de infância, ainda encon-
tramos muitos pais, e até educadores que vêm o Jardim de Infância como um
contexto marcadamente de tipo competitivo.
Um dos psicólogos que mais estudaram este problema foi o psicólogo social ameri-
cano Morton Deutsch, . Deutsch era um discípulo de Kurt Lewin que procurou
aplicar a teoria da motivação de Lewin às situações interpessoais. Seguindo a teoria
de Lewin, Deutsch conceptualizou três tipos de estruturas de objectivos, (coopera-
tiva, competitiva e individualista) proporcionando ao mesmo tempo definições
claras, concretas e precisas destes conceitos:
a. Cooperativa: Uma situação social cooperativa é aquela em que os objectivos
dos indivíduos estão de tal forma unidos que existe uma correlação positiva
entre a consecução desses objectivos de tal forma que um indivíduo só alcança
o seus objectivo se os outros participantes alcançam igualmente os seus. Por
conseguinte estas pessoas tenderão a cooperar entre si para conseguirem os
respectivos objectivos.
b. Competitiva: Uma situação social cooperativa é aquela em que os objectivos
dos indivíduos estão relacionados entre si de tal forma que existe uma

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correlação negativa entre a consecução desses objectivos. Para que um


indivíduo possa alcançar os seus objectivos os outros participantes não podem
alcançar os seus. Por conseguinte esta situação incrementará os laços competi-
tivos entre os participantes.
c. Individualista: Numa situação competitiva não existe correlação entre a
consecução dos objectivos dos participantes. A consecução do seu objectivo
por parte de um dos participantes não influencia de nenhuma forma os
outros. Assim, cada indivíduo buscará o seu próprio benefício sem ter em
conta os restantes.
Nos últimos 15 anos esta temática tem sido largamente estudada de tal forma que
existem hoje dados claros e concretos sobre algumas questões que podemos colocar
relativamente a esta matéria. Por exemplo uma questão que se chegou a colocar foi
saber se seria mais eficaz a cooperação pura ou uma mistura de processos
competitivos e outros cooperativos. Estudos recentes chegaram à conclusão de que é
muito mais eficaz a cooperação pura.

Estado geral da questão


Apesar do grande número de investigações realizadas neste campo ainda não
chegámos a conclusões unânimes. Pelo contrário o balanço global apresenta-se
confuso e cheio de contradições e de conclusões opostas. Com a finalidade de fazer
uma apanhado dos dados e estudos mais significativos neste campo, foram
realizadas algumas revisões da literatura publicada sobre este assunto desde os anos
20 até à actualidade.
Uma das primeiras revisões foi a de Johnson, Johnson, Maruyama e colaboradores
(1981, cit in. Ovejero, 1988, p. 253) pretenderam obter dados que permitissem
resolver o problema da eficácia relativa dos diversos tipos de aprendizagem, coope-
rativa, competitiva e individualista, na aula. Dadas as conclusões pouco claras e
contraditórias sobre este tema os autores analisaram e compararam os resultados de
todos os estudos publicados sobre este tema entre 1924 e 1981, num total de 122
trabalhos que conduziram a 286 tipos de resultados. As conclusões a que chegaram
foram as seguintes:
a. A cooperação é superior à competição quando o objectivo é fomentar o
sucesso e a produtividade em todas as áreas curriculares (oralidade, leitura,
artes, matemática, ciências, etc..), em todas as idades, se bem que os resultados
mais significativos fossem obtidos ao nível do ensino não superior, e para as
tarefas que implicavam a aquisição de conceitos, solução de problemas
especiais, retenção e memória, execução motora e tarefas de suposição e
predição, em que era requerido alguma forma de pensamento criativo. As

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únicas tarefas onde a cooperação não parecia ser superior eram as tarefas de
decifração e correcção.
b. A cooperação é superior à aprendizagem individualista quando o objectivo é
promover o sucesso e a produtividade em tarefas não rotineiras, como decifrar
um código ou corrigir um texto ou quando não era exigida uma divisão do
trabalho. A cooperação aparecia igualmente como mais eficaz nos estudos que
demoravam pouco tempo.
c. A cooperação sem competição inter-grupo aumenta a taxa de sucesso e
produtividade do que a cooperação com competitividade intergrupo.
Contudo os dados e a investigação relativos a este problema mostraram ser
ainda ser escassos sendo necessários mais estudos para concluir algo de
definitivo.
d. Não existe uma diferença significativa entre as estruturas de objectivo
competitivas e individualistas no que concerne ao sucesso e produtividade.
Uma segunda revisão da literatura foi levada a cabo pelos mesmos autores, (Johnson,
Johnson & Maruyama, 1983, cit in Ovejero, 1988 p. 253) desta vez com o objectivo
mais específico de esclarecer os efeitos da existência na turma de um clima coopera-
tivo, competitivo ou individualista, sobre a integração na escola normal de crianças
com necessidades educativas especiais ou oriundos de minorias étnicas. Este trabalho
justificava-se porque não existia acordo entre os especialistas sobre as conclusões a
tirar dos estudos efectuados. Os autores incluíram nesta revisão 98 estudos com 251
conclusões, publicados entre 1944 e 1982, sobre este tema.
Os autores afirmam claramente que o seu objectivo era apresentar um modelo teórico
que estabelecesse as condições segundo as quais a integração conduziria a resultados
construtivos ou destrutivo, rever exaustivamente toda a investigação disponível e
relevante para o modelo e apontar para um conjunto de procedimentos práticos que
pudessem ser daí derivados e que fossem de alguma utilidade para os educadores
(Johnson et al, 1983, p. 37, cit in Ovejero, 1988, p. 254). Pois bem, chegaram à
conclusão de que efectivamente um contexto cooperativo é a melhor forma ou talvez
a única pela qual a integração de crianças diferentes sejam realmente eficazes e
satisfatórias.

Efeitos da Aprendizagem Cooperativa sobre a motivação e


Rendimento escolares
De uma forma breve poderíamos definir a motivação para aprender como a medida
em que os alunos se esforçam para alcançar as metas académicas que entendem ser
importantes e valiosas (Johnson & Johnson, 1985, p. 1, cit in Ovejero, 1988, p. 254) sendo
constituída por uma série de elementos como por exemplo os sentimentos de orgulho

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 92

e satisfação pelo bom desempenho, planificação, processamento da informação,


busca de nova informação e conceptualização do conhecimento, ausência de
ansiedade e medo do fracasso, etc.. Ainda na perspectiva de Johnson & Johnson
(1985, cit in Ovejero, 1988, p. 254) a motivação para aprender é induzida por
processos interpessoais que são determinados pela interdependência social estrutu-
rada no contexto de aprendizagem. Assim, consoante a interacção tenha lugar num
contexto de interdependência positiva, negativa ou de clara independência,
resultarão daí diferentes modelos de interacção entre as crianças. Por sua vez os
diferentes modelos de interacção criam diversos sistemas de motivação que, por sua
vez, afectarão de forma diferente o rendimento. Quer isto dizer que quanto mais os
alunos se apoiam uns aos outros e os seus esforços no sentido da aprendizagem, mais
motivados se sentirão para obter sucesso nas suas tarefas escolares. O contrário é
igualmente verdadeiro, isto é, os obstáculos à aprendizagem conduzirão a uma
desmotivação crescente.
Para além disto os processos de interacção não influenciam só a quantidade ou o nível
da motivação, mas igualmente a sua qualidade, quer dizer, se se trata mais de uma
motivação intrínseca ou de uma motivação extrínseca48. A investigação parece apontar
para o facto de que a aprendizagem cooperativa tende a levar a uma motivação
intrínseca, baseada na satisfação e no prazer em aumentar os conhecimentos e a
competência própria, em beneficiar ou outros, etc., enquanto que a aprendizagem
competitiva tende a levar a uma motivação extrínseca baseada principalmente na
obtenção de elementos concretos do exterior.
Ora, estes tipos de motivação estão, por sua vez, relacionados com outro tipo de
variáveis igualmente relevantes no contexto educativo, como sejam as seguintes:
a. Probabilidade subjectiva de êxito e atribuição causal: numa situação de
aprendizagem cooperativa os alunos tendem a atribuir o êxito a causas
pessoais e controláveis, nomeadamente ao conjunto de esforços e capacidades
de todos os membros do grupo. No caso oposto, tendem a atribuir os seus
fracassos à dificuldade da tarefa, a falta de sorte e à falta de esforço dos
membros do grupo. Pelo contrário, nas situações competitivas, quando os
alunos estão convencidos que a sua capacidade académica é superior à dos
seus companheiros, têm uma alta probabilidade subjectiva de êxito. Quando
sucede o contrário, têm uma baixa probabilidade subjectiva de êxito. Conside-

48 Se entendermos um comportamento motivado como aquele que visa satisfazer uma


necessidade, falamos de motivação intrínseca quando os factores de satisfação dessas
necessidades são inerentes, próprios do sujeito, por exemplo, quando fazemos uma coisa
pela satisfação que isso nos proporciona; por outro lado, falamos de motivação extrínseca
quando os factores de satisfação consistem em algo que é acrescentado, algo que o sujeito
ganha do exterior, sejam elementos materiais, como por exemplo, dinheiro ou um
chocolate, ou elementos de aprovação social como um elogio, etc..

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 93

rando que numa situação competitiva clássica são muito poucos aqueles que
podem ganhar, esta forma de ver a capacidade académica tende a
desmoralizar a maioria das crianças e a criar-lhes ansiedade. Isto levará os
estudantes a atribuir o seu êxito à sua própria capacidade e o fracasso a
factores externos (má sorte, dificuldade da tarefa, etc.), enquanto que o êxito
dos seus competidores será atribuído a factores situacionais. Consequente-
mente este modelo conduz a uma superconfiança e a uma falta de motivação
nos alunos com sucesso e a uma menor confiança e falta de motivação nos
estudantes que são menos bem sucedidos.
b. Curiosidade intelectual e motivação continuada. Pode definir-se curiosidade
intelectual como a motivação para buscar activamente mais informação relati-
vamente a um tema que desperta o interesse do aluno. A investigação psicoló-
gica tem demonstrado que o principal factor da curiosidade intelectual é o
desacordo e os conflitos cognitivos entre companheiros,49 ora temos indica-
ções de que enquanto o conflito cognitivo conduz ao aumento da curiosidade
em situações cooperativas, nas situações competitivas leva à oposição e
anulação dos pontos de vista opostos. Sabemos igualmente que nas situações
de aprendizagem cooperativa se verifica um nível mais elevado de trocas
verbais, as crianças conversam e discutem umas com as outras, o que, se for
acompanhado e orientado correctamente pelo educador, pode ser extrema-
mente útil na medida em que os processos cognitivos que têm lugar no
diálogo e nas interacções com outras pessoas, como a elaboração e a metacog-
nição, estimulam a utilização de estratégias cognitivas de nível superior.
c. Valorização da aprendizagem: para que a motivação se possa manter durante
um espaço de tempo significativo esta tem que ter por base uma determinada
valorização da aprendizagem em espaços institucionais. Comparado com a
aprendizagem competitiva e individualista, verificou-se que a aprendizagem
cooperativa conduz a atitudes mais positivas relativamente às diferentes áreas
e matérias de estudo e às experiências de aprendizagem escolar. Para além
disto, nesta situação os alunos interessam-se mais pelas tarefas, são menos
apáticos e diminuem os comportamentos disruptivos.
d. Persistência na tarefa: Relativamente a este aspecto o que se verifica é que em
situações competitivas as crianças que normalmente estão nos primeiros
lugares tendem a persistir firmemente na tarefa de forma a manterem a sua
superioridade. Por outro lado os alunos que normalmente perdem tendem a
desistir, a abandonar as tarefas ou a desinteressarem-se da sua execução. Pelo
contrário, nas situações cooperativas promovem a persistência na tarefa em
todos os membros do grupo, independentemente do seu nível de capacidade.

49 Relativamente a este tema pode rever o que aprendeu na perspectiva de Jean Piaget sobre
o conflito cognitivo.

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e. Expectativas para o futuro e nível de aspiração: Em geral e para a maioria dos


indivíduos as situações cooperativas proporcionam expectivas mais elevadas
de êxito futuro que as situações competitivas ou individualistas e niveis mais
elevados de aspiração, o que acaba por se reflectir em taxas de rendimento
mais elevadas.
f. Coesão grupal: Nos grupos de aprendizagem cooperativa verifica-se maior
coesão grupal enquanto que os elementos do grupo normalmente
desenvolvem relações afectivas mútuas e uma grande motivação para serem
membros do grupo.
Poderíamos resumir este processo através do seguinte esquema:

Efeitos da Aprendizagem Cooperativa sobre a Integração de


Crianças Diferentes e Oriundas de Minorias Étnicas
Tendo presentes as alterações que se têm verificado no sistema de ensino português
no que respeita à integração de crianças com deficiências físicas, sensoriais ou
intelectuais na escola regular, assim como o aparecimento de um número especial-
mente elevado de crianças oriundas das minorias étnicas, especialmente crianças de
origem africana, sabemos que estas situações colocam sérios desafios às práticas
educativas regulares, pelo que nos parece importante reflectir um pouco sobre a
experiência de outros países e a investigação existente neste campo.
Em primeiro lugar, parece-nos pertinente tratar conjuntamente os problemas da
segregação racial e os problemas da integração escolar das crianças com necessidades
educativas especiais, na medida em que estes aspectos apresentam semelhanças em
muitos aspectos tanto do ponto de vista psicológico como psicossociológico. A
política actual de integração baseia-se no pressuposto de a colocação de estudantes
heterogéneos na mesma escola e na mesma aula facilitaria a emergência de atitudes
positivas entre as crianças.
Uma primeira observação que nos ocorre é a de que integrar determinadas crianças
na escola por força dos dispositivos legais e sentá-los juntamente com as outras
crianças, não significa que exista uma verdadeira integração. As crianças podem
estar juntas na sala, mas, em situações menos estruturadas, por exemplo no recreio,
elas podem permanecer isoladas e separadas das restantes crianças. A investigação

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 95

realizada neste campo não permitiu ainda chegar a conclusões claras acerca das
condições nas quais a proximidade física entre os vários grupos de crianças poderá
conduzir à emergência de relações positivas e construtivas.
A análise de algumas experiências parece mesmo indicar que a integração de
crianças diferentes na escola regular poderia não conduzir aos resultados esperados
o que nos leva a pensar que a proximidade física, sendo uma condição necessária,
não é, contudo suficiente para que se verifiquem efectivas mudanças de atitude face
a essas crianças. Um aspecto importante a ter em conta é o contexto em que ocorre a
aprendizagem, isto é, se estamos em presença de contextos de ensino mais competi -
tivos ou mais cooperativos. É, com efeito, a interacção real entre as crianças que
determina se os preconceitos iniciais são reforçados ou substituídos pela aceitação e
atitudes positivas. Quer dizer, o resultado depende principalmente do clima em que
se desenvolvem as relações interpessoais. Se o clima for marcadamente competitivo,
as crianças diferentes ficando quase sempre a perder, existem poucas probabilidades
de que a proximidade física tenha resultados positivos. Se, pelo contrário existir um
clima cooperativo então as probabilidades de que desse contacto resulte uma
integração real das crianças diferentes são mais elevadas.
Ainda relativamente a este aspecto, Johnson e Maruyama, na sua revisão bibliográ-
fica, coligiram dados que lhes permitiram chegar à seguintes conclusões:
1. Numa série de estudos sobre a problemática da integração o resultados
mostraram que a aprendizagem cooperativa conduzia a uma maior ajuda á
crianças diminuídas e a uma maior coesão da classe, do que em situações de
aprendizagem competitiva. Verificou-se que nas situações cooperativas se
verificavam interacções mais positivas entre as crianças diminuídas e as
crianças normais em comparação com as situações competitivas ou
individualistas.
2. Constatou-se igualmente que nas situações cooperativas tanto as crianças
diferentes como as crianças normais se sentiam mais queridas, mais apoiadas
e aceites pelos outros colegas.
3. No que diz respeito à auto-estima, existe suficiente evidência de uma relação
negativa entre esta e o preconceito, de forma que o aumento da auto-estima
leva a uma diminuição do preconceito.
4. As situações de aprendizagem cooperativa conduzem a um maior rendimento
académico. Esta melhoria verifica-se essencialmente nas crianças de menor
capacidade e nas crianças marginalizadas, mas as crianças ditas normais
apresentam igualmente um desempenho melhorado. Estes resultados são
confirmados por Anne Nelly Perret Clermont (1978, p. 290) que, citando vários
autores, confirma que as crianças que se encontram relativamente mais
avançadas do que os seus parceiros beneficiam igualmente da interacção
social com eles. A mesma autora refere ainda que as suas próprias

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investigações no plano da investigação clínica das estruturas operatórias do


sujeito confirmam inteiramente estes dados.
Conhecidos os efeitos da aprendizagem cooperativa talvez seja interessante avançar
um pouco na compreensão deste processo tentando perceber quais são os
mecanismos intermédios responsáveis por tais efeitos.
Segundo Aronson e colaboradores (1980, cit in Ovejero, 1988) um dos mecanismos
mais cruciais na base desse efeito é a empatia. Esta noção pode ser compreendida a
partir do modelo piagetiano segundo o qual as crianças constroem a sua forma de
ver o mundo de uma forma activa através da interacção com o seu meio com a finali-
dade de resolver tanto os conflitos de cariz puramente cognitivo, como aqueles mais
de tipo sócio-cognitivo50. Piaget deixou com efeito bem claro que o egocentrismo e o
desempenho passivo de um papel estão negativamente correlacionados com o
desenvolvimento da criança. Por isso, se a criança se vê envolvida em processos de
interacção cooperativa o processo de modificação das suas condutas operatórias em
antecipação às necessidades e às respostas dos outros diminui o seu egocentrismo e
proporciona uma oportunidade para melhorar a sua capacidade para se colocar na
perspectiva do outro.
Outro mecanismo importante parece ser as atribuições 51 que as crianças utilizam para
explicar a sua própria conduta e a dos seus companheiros. Como sabemos, as
crianças que normalmente são bem sucedidas nas suas tarefas atribuem os seus
sucessos s características pessoais enquanto que tendem a atribuir os seus fracassos a
circunstâncias do exterior, sejam relacionadas com o acaso, ou a própria dificuldade
da tarefa. Ora as crianças de "baixo rendimento" tendem a proceder de maneira
exactamente contrária. Em ambos os casos estas atribuições podem cristalizar-se em
expectativas que se cumprem a si mesmas, o que acaba por reforçar o processo
atribucional. Como sabemos já que os grupos cooperativos tendem a aumentar a
auto-estima dos seus membros, podemos supor que poderá influenciar igualmente as
atribuições que as crianças fazem da sua própria conduta e da dos companheiros.
Stephane colaboradores (1978, cit in Ovejero p. 270) confirmaram esta hipótese: um
clima interdependente e cooperativo pode alterar as atribuições dos seus próprios fracassos e as

50 Talvez seja pertinente revisitar e conflito sócio-cognitivo. No contexto da teoria piagetiana


a noção de conflito cognitivo refere-se a um conflito interno ao sujeito entre sistemas ou
subsistemas de esquemas, enquanto que a noção de conflito sociocognitivo descreve o
conflito entre as condutas que ela própria teria desenvolvido em relação a uma tarefa
cognitiva proposta e as condutas apresentadas por outro sujeito.
51 Na perspectiva da Psicologia Social, a atribuição consiste em inferir uma causa para o
nosso próprio comportamento ou para o dos outros. É um dos processos que permite dar
um sentido a um acontecimento e constitui, por assim dizer, o procedimento "científico" do
homem comum, quer dizer, juntamos à informação imediata que retiramos do facto, um
suplemento de atributos, normalmente uma determinada relação de causalidade.

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expectativas negativas que se cumprem a si mesmas feitas pelos alunos que são considerados
por si mesmos e pelos demais, como "fracassados" (Ovejero, 1988 p. 270).
Finalmente, podemos definir como variáveis intermédias neste processo alguns
factores de grupo. De facto, sabemos que a competição acentua as diferenças de
estatuto entre os alunos de alto e de baixo rendimento de tal forma que podemos pôr
a hipótese de que a competição intragrupo levará a uma menor inclusão dos
membros do grupo de crianças com menos capacidades na tomada de decisões no
grupo e no contacto mais personalizado entre os membros do grupo.

Condições de Formação de Grupos Cooperativos


Chegados a este ponto, importa considerar algumas condições concretas que
devemos ter em conta para, enquanto educadores, intervirmos na criação de grupos
de trabalho cooperativo, pois sabemos que não é o mesmo fazer com que as crianças
trabalhem em grupo e trabalharem cooperativamente. Um grupo de crianças
sentadas à mesma mesa fazendo cada um o seu próprio trabalho, mesmo que se lhes
permita que falem uns com os outros enquanto trabalham, não é um grupo de
trabalho cooperativo porque não existe interdependência positiva.
Partimos do princípio que o educador, enquanto detentor da autoridade funcional e
responsável pelos espaços e materiais, tem essencialmente o papel de facilitador do
processo grupal. Nesse sentido o educador deve ter sempre em conta os seguintes
aspectos:
I. Selecção da tarefa: Os especialistas na técnica de trabalho cooperativo chamam a
atenção para o facto de que, em grupos que não têm experiência de trabalho
cooperativo, as tarefas propostas devem ser simples e bem definidas de forma a
facilmente poder ser feita a divisão de tarefas e mais facilmente os membros do
grupo poderem tomar consciências dos aspectos ligados à interdependência
postiva, isto é, possam claramente tomar consciência da contribuição de cada
elemento para o resultado final;
II. Considerar os seguintes aspectos:
A. Tamanho do Grupo: seleccionar o tamanho de grupo mais apropriado para a
realização da tarefa. O tamanho óptimo de um grupo cooperativo varia de
acordo com os recursos necessários para o desempenho da tarefa, das aptidões
cooperativas dos membros do grupo, e da quantidade de tempo disponível, a
natureza da tarefa e o tempo disponível para a sua realização52. De qualquer

52 Normalmente quanto menor for o tempo disponível para a realização da tarefa, menor
deverá ser o tamanho do grupo.

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forma o número de elementos que tem demonstrado maior funcionalidade


anda à volta de seis elementos.
B. Divisão das crianças pelos grupos: A questão aqui prende-se com a constituição
de grupos mais homogéneos ou mais heterogéneos. Por muitas razões os
grupos heterogéneos tendem a ser mais eficazes que os grupos homogéneos
no sentido em que existem mais oportunidades para a discussão, para o
aparecimento de diversos pontos de vista, etc.;
C. Organização do espaço: O espaço de trabalho dos grupos cooperativos deve ser
organizado de forma a que os membros do grupo possam ouvir-se e
estabelecer contacto visual uns com os outros. Para além disso o educador
deve ter um perfeito acesso a todos os grupos;
D. Fornecimento dos materiais apropriados. Para além da adequação à execução da
tarefa os materiais utilizados devem permitir uma divisão efectiva de respon-
sabilidades e actividades53;
III. Explicar às crianças a tarefa e a estrutura dos objectivos cooperativos: Deixar
bem claro que o tipo de tarefa proposta será realizada com maior eficácia se todos
os elementos participarem na sua concretização;
IV. Supervisão dos grupos: Quando os grupos estão a trabalhar o educador deverá
supervisionar cuidadosamente o seu funcionamento, isto porque os velhos
hábitos competitivos são difíceis de ultrapassar, e intervir onde haja problemas
sérios para ajudar os grupos no seu trabalho.

ESTRUTURAS MATERIAIS ENVOLVENTES

A relevância do estudo da influência das estruturas materiais envolventes resulta da


noção de que os aspectos físicos do meio ambiente são de tal forma importantes que
acabam por interagir com os factores interpessoais dando origem àquilo a que alguns
autores têm chamado comportamento sócio-espacial, ou processos sócio-espaciais. Neste
sentido, a ecologia, enquanto modelo geral das relações dos organismo com o seu
meio ambiente, veio trazer uma contribuição importante à psicologia no sentido em
que permitiu estender o seu âmbito de estudo. Kurt Lewin com o seu conceito espaço

53 Se temos uma tarefa exige o recorte e colagem de papel para ser realizada por um grupo
de cinco alunos será difícil construir uma situação de trabalho cooperativo se, por exemplo,
só fornecemos uma tesoura e um tubo de cola.

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pessoal, ao sublinhar a interacção permanente entre o indivíduo e o ambiente, é


efectivamente o pai daquilo que conhecemos hoje por Psicologia Ambiental ou
Psicologia Ecológica. A definição concreta destes temas enquanto áreas de estudo foi
feita mais tarde por Roger Barker e desde aí tem conhecido um interesse e expansão
crescentes.
A Psicologia Ambiental tem como objecto de estudo a relação entre o Homem e o seu
ambiente a todos os níveis, tendo dado origem a investigações que por exemplo
exploram a relação entre as várias formas de urbanismo e o comportamento, as
relações entre o ambiente e a inteligência, a importância da arquitectura hospitalar e
as possibilidades de recuperação dos pacientes, etc.. Compreende a observação
sistemática e detalhada do que Barker chama a "corrente do comportamento" (stream
of behavior), a qual é composta por "quadros de comportamentos" (behavior settings).
Na sua obra de síntese, Ecological Psychology (1968), Barker explicita a sua noção de
ambiente: “O ambiente é visto como sendo constituído por arranjos improváveis e altamente
estruturados de objectos e acontecimentos que condicionam o comportamento de acordo com o
seu próprio sistema de padrões dinâmicos”.

Definição de Sistema Ecológico


Uma perspectiva ecológica do comportamento parte do princípio de que existe uma
inter-relação entre um determinado organismo e o ambiente (setting) no qual o
organismo é observado. Isto é, os comportamentos de um organismo são
influenciados e ao mesmo tempo influenciam o ambiente.
Do ponto de vista da educação, podemos verificar que tanto uma sala de aula como
uma sala de Jardim de Infância são habitadas por grupos humanos que se encontram
envolvidos num ambiente complexo que não pode deixar de exercer uma influência
significativa sobre quase todo os processos de interacção grupal.
A aplicação deste conceito à educação de infância pode ser ilustrada no seguinte
exemplo hipotético:
O setting é um Jardim de Infância, o canto da história distinto do resto da sala.
Uma educadora convidou sete crianças a juntarem-se para ouvir uma história. O
sujeito do nosso exemplo é uma menina que entra na zona e se senta na manta
mesmo em frente da educadora. A menina inicia uma conversa com um colega que
está sentado ao seu lado. O colega responde e os dois conversam enquanto as
restantes crianças vão chegando e ocupando os seus lugares. A educadora escolheu
um livro e tomou posição em frente das crianças. Pede a todas as crianças para
ficarem quietas, fazerem silêncio e prestarem atenção à história.
Começa a ler a história com todas as crianças atentas. A situação dura só breves
instantes até ao momento em que a nossa sujeita eleva a voz e faz um comentário
acerca de algo que lhe tinha acontecido semelhante àquilo que estava a ser descrito

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 100

na história. A educadora responde de forma imediata, mas breve e pede-lhe que


não volte a interromper, continuando de seguida com a história.
Contudo a nossa menina não parece ter ligado muita importância a isso;
mostrando uma necessidade premente de continuar com a sua história desenca-
deada pelo livro escolhido pela educadora. Vira-se para a direita e continua a
contar a sua história ao colega do lado. A educadora pede novamente à criança
para ficar sossegada, mas sem grandes resultados. A criança pede à educadora
ouvir o que ela tem para contar.
A educadora, por qualquer razão acede. Fecha o livro e encoraja a criança a
continuar. O relato da nossa sujeita interessa as outras crianças que por sua vez
começam igualmente a relatar experiências próprias. Rapidamente instala-se uma
animada discussão envolvendo todas as crianças. As crianças fazem perguntas,
comentários e tentam, cada uma sobrepor-se à outra nos seus relatos.
A educadora retoma o seu papel e começa a organizar a discussão entre as
crianças. Pede às crianças que falem uma de cada vez, faz perguntas e
comentários, procurando centrar a atenção das crianças no assunto introduzido
pela nossa sujeita. A situação mantém-se durante cerca de 10 minutos após o que
o grupo se dissolve. O livro é posto de lado à espera de uma nova ocasião sem que a
educadora tenha acabado a sua história, e, mais significativamente, sem que a
educadora tenha aplicado alguma sanção às crianças por não terem aceite a
proposta inicial. O tempo da história foi transformado numa discussão grupal,
durante a qual as crianças e a própria educadora mostraram respeito, curiosidade e
a intenção de desenvolver o tema apresentado pela nossa sujeita.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 101

A natureza de um sistema ecológico pode ser apreendida a partir deste exemplo. Um


grupo de sete crianças reuniu-se com o propósito de ouvir um adulto ler uma
história. Embora as crianças e o educador fizessem parte de um sistema ecológico
mais alargado (Jardim de Infância) naquele momento ocupavam uma parte da sala
especialmente concebida para a actividade que acabou de ser descrita (Ver figura).
Com efeito cada elemento que define este espaço foi especialmente preparado para a
finalidade a que o mesmo se destina.
A área da história está localizada num canto da sala, rodeada por uma estante alta e
no chão foi colocada uma carpete e várias almofadas. As características físicas deste
espaço sugerem de certa maneira o tipo de actividade que se espera aí seja realizada.
Na situação descrita acima sete crianças juntam-se a um adulto para ouvir contar
uma história. Esta era uma actividade adequada para a área, mas não aquela que o
nosso jovem sujeito estava disposto a aceitar — começou quase imediatamente a
tentar alterar a situação e particularmente o comportamento do educador ao insistir
falar sobre uma experiência do seu passado que tinha sido desencadeada pela
história.
O seguimento do caso mostra-nos que esta criança acabou por ter uma influência
significativa na situação acabando mesmo por alterar a actividade em curso. Convém
notar, contudo, que o comportamento da criança foi, num certo sentido produtivo, na
medida em que a sua intenção não era acabar com o grupo, mas simplesmente modi-
ficar a actividade de uma forma que de certa maneira era ao mesmo tempo conso-
nante com o espaço físico e tanto social como educacionalmente apropriada. Este
exemplo mostra-nos claramente uma relação interactiva entre o ambiente da área da
história, a actividade seleccionada pelo educador e a motivação do nosso sujeito.
Por outro lado, este episódio reflecte dois factores humanos que são essenciais em
qualquer sistema ecológico e que explicitaremos em seguida. Um é a percepção indi-
vidual da situação e o outro refere-se ao nível motivacional. Com efeito não são tanto
os elementos concretos de qualquer situação que afectam o nosso comportamento,
mas a percepção do que é adequado nesse ambiente que acaba por constituir o factor
decisivo. Ao mesmo tempo torna-se claro que é a forte motivação da criança em
compartilhar com os outros a sua experiência pessoal que acaba por ter uma
influência decisiva no desenrolar dos acontecimentos.
Voltaremos a esta questão um pouco mais adiante. Por agora apresentaremos
algumas noções gerais relacionadas com esta problemática.

A MBIENTE FÍSICO
Os Psicólogos e outros cientistas do comportamento desde sempre salientaram a
importância do ambiente enquanto factor determinante do comportamento,
referindo-se, contudo, quase sempre ao ambiente social ou interpessoal. Quando se
querem referir ao outros aspectos do ambiente utilizam geralmente termos
demasiado gerais.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 102

No seu sentido mais amplo, ambiente físico compreende tudo o que rodeia uma
pessoa. Contudo, no sentido em que é utilizado em psicologia ambiental, o termo
tem um significado mais limitado, sendo normalmente dividido em dois tipos
principais: o ambiente construído ou modificado pelo homem e o ambiente natural.
Esta distinção é importante mas não deve ser tomada num sentido demasiado
rigoroso na medida em que existem hoje muito poucos aspectos do ambiente que não
tenham sido pelo menos em alguma medida influenciados pelo homem. Por
exemplo, um espaço relvado no meio de uma cidade pode constituir um local privi-
legiado para algumas pessoas, normalmente jovens, se encontrarem, deitarem na
relva, namorarem, etc.. Por outro lado, normalmente definimos como ambiente
construído algumas características do ambiente tais como os espaços das construções
nas quais ocorre o ambiente, o mobiliário, as cores das paredes, etc..

O A MBIENTE CONSTRUÍDO: SALAS E MORADIAS


Como já referimos, os dois tipos principais de ambiente físico são o ambiente
construído e o ambiente natural. Os nossos objectivos implicam, contudo, que dedi-
quemos uma particular atenção às relações entre o comportamento e o ambiente
construído. Com efeito, grande parte do nosso comportamento quotidiano ocorre em
ambientes construídos de um ou de outro tipo, pelo que acaba por ser este que
influencia de forma mais decisiva o nosso comportamento.
O ambiente construído pode ser considerado como um sistema composto por muitos
subsistemas. Embora estes subsistemas variem tremendamente em dimensão física,
função e quantidade de relacionamento social que neles ocorre, cada um pode ser
dividido em elementos que podem afectar o comportamento humano no sistema.

Salas
A influência mais significativa de uma sala sobre o comportamento é a finalidade da
sala. Normalmente é a finalidade de uma sala, como vimos atrás que determinada o
arranjo do espaço físico, procurando-se, naturalmente que exista sempre uma conso-
nância entre estes dois aspectos: espaço físico e finalidade.
Analisaremos em seguida a importância de alguns elementos do espaço físico de
uma sala no comportamento humano.
Cor: — A cor é provavelmente a dimensão física de uma sala que é à partida menos
determinada pelo aspecto da finalidade na medida em que muitas finalidades dife-
rentes podem estar em consonância com a mesma cor. Normalmente a cor é esco-
lhida em função do tipo e quantidade de iluminação da sala e de factores de ordem
estética. Devemos contudo ter em atenção alguns aspectos.
Em primeiro lugar existem dados experimentais que nos permitem concluir que se
bem que a tonalidade da cor de uma sala (cores quentes ou frias) não influencie deci-

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 103

sivamente a sensação de conforto térmico54 podem mesmo assim ter alguma


influência na nossa percepção da temperatura ambiente.
A cor de uma sala afecta igualmente outros aspectos. Por exemplo cores claras e leves
fazem as salas parecerem mais espaçosas
Tamanho: — O tamanho está naturalmente relacionado com a função na sala. Neste
caso, a influência do tamanho sobre o comportamento dever ser tido em conta como
uma interacção com outras variáveis como o número de pessoas que aí deverão
permanecer ao mesmo tempo. O tamanho pode ser avaliado em função do espaço
disponível para cada pessoa.
Mobiliário: — O mobiliário está igualmente bastante dependente da função da sala.
Numa sala em que espera que as pessoas permaneçam durante bastante tempo, é
natural que tenham que aparecer cadeiras. A disposição relativa do mobiliário é
igualmente definida em termos da função da sala — um exemplo disto é a disposição
dos assentos numa sala de espera de um aeroporto, por exemplo, no sentido em que
normalmente não facilitam a interacção social. Isto pode ter a ver com o facto de não
se esperar que as pessoas que utilizam esses assentos se conheçam. Relativamente a
este aspecto é interessante verificar que numa sala de espera um grupo de pessoas
conhecidas quando querem conversar umas com as outras normalmente
permanecem de pé.
Outro exemplo interessante é a disposição do mobiliário de trabalho numa sala de
aula do ensino primário. Quando começaram a ser introduzidas metodologias que
facilitavam a interacção entre os alunos, as velhas carteiras fixas fora substituídas por
mesas móveis.

COMPORTAMENTO HUMANO
Temos definido a psicologia ambiental como a disciplina que trata do relacionamento
entre o comportamento humano e o ambiente físico. Contudo, enquanto o ambiente
físico diário constitui o tema unificante, o interesse centra-se naturalmente na
influência das características do ambiente físico no comportamento humano.
Os factores ligados ao ambiente físico são de tal forma importantes na determinação
do comportamento que as próprias relações que as pessoas estabelecem com o seu
meio físico interagem e acabam por se sobrepor às próprias relações interpessoais,
dando lugar àquilo que se costuma designar por comportamento sócio-espacial
(Levy-Leboyer, 1980, p.143) ou processos sócio-espaciais (Wohlwill & Seisman, 1981,
p.127). Com efeito, Roger Barker ao observar a actividades de crianças no seu meio
natural verificou que certos atributos do seu comportamento variavam mais de
acordo com a situação do que com o indivíduo. Quer isto dizer que poderemos

54 A sensação de conforto térmico refere-se à sensação de uma pessoa se sentir ou não


confortável numa sala dependendo da temperatura ambiente.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 104

compreender de forma mais adequada certos aspectos do comportamento infantil a


partir do conhecimento das características comportamentais ligadas às situações
(lojas, sala de aulas, jogos de futebol) em que as crianças estão envolvidas do que do
conhecimento das tendências ou motivações de cada uma individualmente.
Este processo, contudo só muito recentemente chamou a atenção dos investigadores.
A emergência da Psicologia Ambiental veio fornecer ideias e conceitos que nos
permitem hoje compreender melhor as relações entre o meio físico e as interacções a
um nível interpessoal ou a um nível grupal. Com efeito, a interacção da criança com
o seu meio ambiente é hoje um problema central tanto para a Psicologia do Desen-
volvimento como para a própria prática educativa na medida em que é no contexto
desta interacção que em larga medida se realiza o processo de socialização infantil. É
necessário ter em conta, contudo, que se bem que a influência do ambiente sobre o
comportamento seja enorme, essa relação não é simples nem estática, mas antes
complexa e dinâmica. Complexa, porque são múltiplos os níveis e elementos envol-
vidos, dinâmica porque qualquer alteração num determinado componente do meio
tem um efeito variável em todos os outros componentes desse meio, alterando assim
de forma global os padrões de comportamento característicos desse meio no seu
conjunto (Proshanky et al, 1978, p.60).
A relação entre a estruturação dos espaços físicos e as metodologias pedagógicas tem
sido relativamente pouco estudada pelos investigadores em educação se bem que, de
um ponto de vista empírico todos sentimos a necessidade de uma congruência entre
estes dois níveis do contexto educativo.
Existe um conjunto de componentes do ambiente físico (temperatura, ruídos, etc.)
que só acedem ao campo da consciência quando os seus valores se desviam de um
certo nível de adaptação, contudo, o facto de normalmente não nos darmos conta de
um conjunto de aspectos do nosso ambiente, isso não significa que, mesmo assim,
esses elementos não estejam a exercer uma determinada influência no nosso
comportamento.

Conceitos mais relevantes


A Psicologia Ambiental, enquanto ramo específico da Psicologia, utiliza um vasto
leque de conceitos psicológicos. Podemos, contudo, constatar que existe um conjunto
de três conceitos que ocupam uma posição central na definição do seu objecto de
estudo — referimo-nos aos conceitos de privacidade, espaço pessoal e territorialidade.

Privacidade
O fenómeno da privacidade pode ser estudado a vários níveis — perceptivo,
cognitivo e comportamental. Isto significa que numa mesma situação a pessoa pode
ser estudada como um ser que percepciona, conhece, imagina, sente ou se comporta
de uma determinada maneira tal que pode variar entre um extremo de
super-privacidade e um extremo de sub-privacidade.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 105

O conceito de privacidade tem sido utilizado numa multiplicidade de sentidos.


Alguns autores abordam esta questão sublinhando os direitos" à privacidade, outros
o conjunto de mecanismos de controlo para a manter e ainda outros o alívio das
pressões estabelecidas por ela. Neste contexto propomos uma definição de privaci-
dade como "uma condição de acesso óptimo por outros ao eu (ou grupo)". Esta
definição não estabelece à partida um determinado nível óptimo da condição de
privacidade pois entende-se que isso está dependente da percepção do sujeito que
habita um determinado behavior setting .
Quando o nível de acesso dos outros ao nosso espaço pessoal55 é sentido como
demasiado elevado ou demasiado baixo, existem à nossa disposição vários meios de
regular a privacidade. Ao nível comportamental, podemos actuar abertamente para
impedir a invasão de sucessivas camadas do nosso espaço pessoal (esquema). Se as
pessoas se intrometem na nossa privacidade podemos, por exemplo, olhá-las
fixamente tentando forçá-las a desviar a vista, ou mudar a posição do nosso corpo. Se
um território fixo é ameaçado de invasão, podemos colocar objectos pessoais (marca-
dores) para assinalar a reserva de propriedade. Num sentido oposto podemos,
quando desejamos atrair alguém ao nosso espaço pessoal e iniciar um processo de
interacção social, quando por exemplo nos sentimos sós.
A regulação do nível de privacidade pode ser feito tanto através da comunicação
corporal, não verbal como através da utilização de mensagens verbais.
Para além dos factores ligados ao sujeito, a que já fizemos referência, o nível óptimo
de privacidade é ainda determinado por factores ligados às normas sociais. Com
efeito, o nosso espaço vital, sendo um espaço fortemente regulamentado, exige a todo
o momento soluções de conformidade. Por exemplo, as normas acerca da quantidade
de vestuário que se deve usar são diferentes na praia ou num escritório ou escola.

Espaço pessoal
Todos nós temos uma área espacial em torno do seu corpo, definida por fronteiras de
tipo essencialmente psicológico e onde qualquer intrusão por parte de outras pessoas
pode ser sentida como uma invasão do eu e, por isso, considerada como indesejável.
Este espaço não é necessariamente circular. A investigação realizada sugere que é
mais extenso na frente e menor dos lados.
O conceito de espaço pessoal foi introduzido por Edward T. Hall, um antropólogo
que escreveu em 1966 um livro intitulado The Hidden Dimension (A Dimensão Oculta)
que, ao propor uma nova ciência, a "proxémica" — veio a ter um enorme impacto na
Psicologia Ambiental.
Hall distinguiu quatro zonas espaciais usadas na interacção social: zona íntima
(0-0,5m.), zona pessoal (0,5m-1,5m), zona social (1,5m-3,5m) e zona pública (3,5m-7m).

55 Define-se "espaço pessoal" como a área que cerca o eu e se movimenta connosco.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 106

Neste sentido, um indivíduo pode ser conceptualizado como estando no centro de 4


círculos concêntricos que delimitam de alguma forma essas zonas.

Cada zona caracteriza-se pela existência de comportamentos e sentimentos


específicos desse espaço. Por exemplo, na zona íntima acontecem comportamentos
de intimidade: — tocar, cheirar e de uma forma geral responder a estímulos e
sensações físicas. As zonas pessoais caracterizam-se pela existência de comporta-
mentos que denotam a existência de uma proximidade psicológica, como, por
exemplo, uma conversa entre amigos. Nas zonas sociais acontecem comportamentos
de interacção social como, por exemplo, conversas formais e impessoais. A zona
pública está reservada para interacções em espaços públicos, como, por exemplo,
comportamentos de sala de aula, interacções em concertos de música, cerimónias
religiosas ou comícios políticos.
Os parâmetros de definição destas zonas são naturalmente influenciados não só pela
natureza da interacção social, mas igualmente pelo alcance dos nossos sentidos, isto
é, o comprimento dos nossos braços e o alcance da nossa voz. Algumas investigações
mostraram igualmente que, na medida em que se supõe que a definição do espaço
pessoal é uma característica essencialmente aprendida, é susceptível de variar de
acordo com as diferentes culturas. Por exemplo apurou-se que a zona íntima é mais
estreita nos povos de origem latina do que nos povos de origem anglo-saxónica.
Do ponto de vista da psicologia costuma distinguir-se entre sistemas espaciais
"centrados no eu" e "centrados no domicílio". Por exemplo pensa-se que os bebés
muito pequenos percebem o meio como se literalmente gravitasse à sua volta sendo o
próprio percebido como estático. Mais tarde, naturalmente percebemos que somos
nós que nos movimentamos num meio relativamente estático e não o contrário.
Nesta conceptualização o território pode ser definido como uma estruturação do
espaço estático (através do qual se movimenta o espaço pessoal) relativamente ao
qual uma pessoa experimenta um certo sentimento de posse. Este aspecto do
território tem sido exaustivamente estudado no reino animal sabendo-se que tem um
papel muito importante na vida de aves, peixes, primatas e outras espécies, contudo

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 107

se bem que não da mesma forma acabamos por nos tornar possessivos relativamente
a vários aspectos do nosso meio habitual, casa, escritório, etc..
Fizeram-se algumas tentativas para explicar o comportamento territorial humano
recorrendo à noção de instinto e usando uma série de analogias relativamente ao que
se passa no mundo animal. Nesta perspectiva da mesma forma como os animais
marcam o seu território urinando, depositando secreções glandulares ou emitindo
sinais vocais, os seres humanos usariam marcadores tais como sebes, muros, sinais
de proibida a entrada, ou a deposição de artigos como chapéus, bolsas, lenços, jornais
para indicar a posse temporária de um território. Esta analogia é, contudo, quanto a
nós, insuficiente no sentido em que existem diferenças importantes entre a territoria-
lidade humana e a territorialidade animal. Os animais são normalmente forçados a
subsistir num território dentro do qual satisfazem todas as suas necessidades vitais,
normalmente necessidades de alimentação e de procriação. Dependendo da espécie,
grande parte do comportamento defensivo territorial é inato, bastante ritualizado e
desencadeado por estímulos muito específicos56. Nos seres humanos a situação é
muito diferente. Normalmente deslocamo-nos e transitamos livremente entre
numerosos territórios que se sobrepõem e podemos utilizar uma quantidade quase
ilimitada de marcadores que são aprendidos e, por isso, culturalmente definidos.

O Behavior Setting
Designa-se por behavior setting um padrão repetitivo de comportamentos, ou activi-
dades (os participantes podem variar) que têm lugar num local determinado. Um
dado sistema ecológico é assim constituído por um conjunto de behavior settings
(concertos, assembleias, supermercados, transportes públicos, etc.). A determinação
de um behavior setting é importante na medida em que vai servir de enquadramento
ao comportamento individual, condicionando-o e dando-lhe grande parte do seu
sentido.
Barker chamou a atenção para alguns aspectos da interacção comporta-
mento/ambiente em crianças que mostram a forma como o comportamento contribui
para a manutenção do setting. As suas observações permitiram-lhe chegar a três tipos
de generalizações de tipo explicativo:
Em primeiro lugar, o comportamento das pessoas altera-se de situação para situação.
Quer dizer, existem aspectos do nosso comportamento que são mais influenciados
por determinados aspectos do meio físico do que por factores individuais, isto na
medida em que existe um conjunto de elementos desse mesmo ambiente que nos dão
indicações acerca da forma como nos devemos comportar. Por exemplo, uma criança

56 Relativamente a este aspecto, um etologista demonstrou que um tordo macho atacará até
mesmo um trapo vermelho, pois o vermelho do papo é um sinal característico de um
invasor e vai, por isso, desencadear o comportamento agressivo. Entretanto um intruso que
não apresente esse sinal, por muito realista que seja noutros aspectos, não será molestado.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 108

comportar-se-à de forma diferente consoante se encontre numa sala de aula, no


recreio ou na rua.
Em segundo lugar, os comportamentos das pessoas no mesmo setting tende a
assemelhar-se mais entre si do que o comportamento das mesmas pessoas noutro
setting. As crianças podem, por exemplo, comportarem-se de forma calma e
sossegada na sala e de forma mais ruidosa no recreio. Quer dizer, tendem a agir
essencialmente de acordo com o setting de que fazem parte num dado momento.
Em terceiro lugar verifica-se uma consistência no comportamento dentro de cada
behavior setting. Por exemplo Barker descreveu o comportamento de uma criança
num supermercado: — afastar-se da mãe; olhar para os produtos expostos; pedir um
determinado brinquedo, bebida ou guloseima; andar à roda numa cadeira giratória,
etc.. A criança interessa-se por várias partes do supermercado mas mantém um
comportamento de supermercado durante todo o tempo que aí se encontra. Este exemplo
mostra que pode haver mais do que um tipo de comportamento apropriado para
cada behavior setting. Após ter analisado um número significativo de behavior settings,
Barker identificou algumas características que definem as propriedades
fundamentais de um sistema micro-ecológico. Estas características ajudam-nos a
perceber a interacção entre comportamento e ambiente.
Abordaremos em seguida quatro dessas características:

Padrões fixos de acção


As observações realizadas por Barker acerca da consistência do comportamento
individual num ambiente particular como a igreja, supermercado ou estação dos
correios, conduziram naturalmente à identificação de padrões fixos de acção como uma
primeira característica de um behavior setting. Assim, padrões fixos de acção consistem
em segmentos significativos de comportamento observados habitualmente em
determinados em cada espaço, independentemente das pessoas que o ocupam.
Todos tendemos a fazer as mesmas coisas numa igreja, loja ou sala de aula, e, quando
saímos, as pessoas que nos substituem vão, de uma forma geral, fazer as mesmas
coisas. Um padrão fixo de comportamento é, por isso, algo que nos transcende, um
fenómeno de comportamento extra-individual como lhe chamou Barker.
A influência que o setting exerce sobre o nosso comportamento não depende, natu-
ralmente, de nenhum poder sobrenatural; é a forma e a estrutura de determinados
elementos do ambiente que determinam a nossa acção. Por exemplo acontece
normalmente que a maior parte das crianças correm, saltam, ou seja, adoptam várias
formas de comportamento exuberante e ruidoso quando se encontram em campo
aberto ou em zonas de recreio. Aqui pode ser o espaço, os baloiços, etc.. que
convidam a adoptar este tipo de comportamento. Da mesma forma, numa estação de
correios ou num banco existem sinais, avisos, barreiras que prescrevem
determinados tipos de comportamentos, como por exemplo a forma como deve ser
formada uma fila de atendimento.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 109

Não devemos, contudo, esquecer o papel que a aprendizagem e a pressão social têm
neste processo. Grande parte da acção educativa consiste em, de forma mais ou
menos subtil, ensinar às crianças a forma como se devem comportar em
determinadas situações. Aprendemos igualmente a usar as nossas capacidades
perceptivas e capacidade de julgamento para decidirmos a forma como nos devemos
comportar em situações novas ou diferentes do habitual.
Em resumo, a forma como nos comportamos depende em larga medida da forma
como a estrutura física do setting, os factores ligados à aculturação e aprendizagem e
a nossa capacidade em perceber as exigências da situação se combinam para estabe-
lecer os padrões fixos de acção.
A forma como as pessoas se comportam numa determinada situação pode, natural-
mente evoluir ao longo do tempo — os padrões fixos de acção mantêm naturalmente
uma certa flexibilidade, não são estáticos, uma vez estabelecidos não são inalteráveis.
Por exemplo, durante os últimos anos tem havido uma clara evolução nas formas de
comportamento de professores e alunos no primeiro ciclo do ensino básico,
nomeadamente a aceitação generalizada de comportamentos de comunicação e
cooperação entre alunos, o que implica que os alunos possam estar envolvidos num
processo de aquisição de conhecimentos sem a intervenção directa do professor. Uma
consequência disto é que o padrão fixo de comportamento das crianças passou a
incluir um muito maior nível de auto-orientação e envolvimento nas actividades e
um menor nível de aceitação passiva das instruções do adulto. Os professores
passaram a gastar menos tempo no ensino para a classe e mais tempo na orientação
individual ou de pequenos grupos.
Muitas destas alterações resultaram da adopção no primeiro ciclo de algumas das
práticas já existentes ao nível da educação de infância. Uma das características mais
significativas deste processo á a atitude dos professores acerca dos comportamentos
de aprendizagem mais apropriados para as crianças. Actualmente acredita-se que
deve ser dada uma certa liberdade à criança para explorar e interagir com os colegas
e os materiais, e acredita-se que daí podem resultar aprendizagens interessantes.
Uma outra alteração tem a ver com a reestruturação do próprio setting da sala de
aula. As sala de aula do Jardim de Infância está normalmente organizada a partir de
áreas descontínuas de actividade, o canto da leitura das história a área das AVD, o
canto da pintura, etc.. e, actualmente muitas salas de aula do 1º ciclo têm já ateliers
específicos para determinadas actividades. Estes exemplos como os padrões fixos de
comportamento podem evoluir ao longo do tempo.
Convém ainda fazer referência a mais uma possibilidade de variação ao nível dos
padrões fixos de comportamento. Os padrões de comportamento característicos de um
determinado setting pode ser expresso de formas. Por exemplo, uma sala de Jardim
de Infância pode incluir os seguintes padrões de comportamento: — jogo individual,
actividade de grupo, resolução cooperativa de problemas e busca de informação ou
orientação. Ora, qualquer destes comportamentos pode ser expresso de várias

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 110

maneiras. Por exemplo uma criança pode, num comportamento de busca de


informação ou orientação para resolver um problema, umas vezes fazer uma
pergunta directa ao educador e noutras circunstâncias adoptar uma atitude mais
reflexiva e adoptar uma estratégia de tentativa e erro ou observar a realização da
tarefa por um grupo de colegas. Na verdade qualquer destas formas de obtenção de
informação pode ser definida como um comportamento adequado numa sala de
Jardim de Infância.

RELAÇÃO ENTRE MEIO FÍSICO E PADRÕES FIXOS DE ACÇÃO


A organização dos elementos do meio físico característica de uma área de AVD numa
sala de Jardim de Infância. É concebida com vista a elicitar e apoiar uma série de
comportamentos, de dramatizações e outros tipos de desempenho de tarefas ligadas
às actividades da vida diária. Um educador naturalmente não esperaria que uma
criança usasse essa área para a realização de uma actividade individual, como por
exemplo a construção de um puzzle, nem aceita que as crianças sistematicamente
recusem brincar umas com as outras na área de AVD. Pelo contrário muitos educa-
dores dão muita importância a esta área porque entendem que pode constituir uma
forma de promover nas crianças hábitos de cooperação entre as crianças.
Este exemplo simples é usado para mostrar que o comportamento e o meio devem de
alguma forma interagir no sentido de se facilitarem um ao outro, ou, como sugere
Barker, deve haver uma consonância essencial entre eles.
A consonância entre o meio e o comportamento é uma característica essencial de
todos os behavior settings e isto torna-se especialmente importante se avaliarmos a
relação entre determinados espaço de uma sala e os objectivos curriculares. Por
exemplo, os padrões fixos de acção característicos de uma situação em que as crianças
fazem uma roda, em pé ou sentadas, podem incluir o respeito pelo espaço pessoal
das crianças mais próximas, prestar atenção ao educador ou a qualquer criança que
esteja a falar, eventualmente entrar na conversação num momento apropriado, e
permanecer sentado ou em pé, consoante o caso. Estes comportamentos podem, por
exemplo, ser bastante inapropriados noutros contextos, como por exemplo o espaço
de recreio exterior, ou a área de AVD. Cada área específica de actividade deverá
facilitar um determinado tipo de comportamentos que podem ser significativamente
diferentes daqueles característicos de outras áreas, mas que, ao mesmo tempo,
reforça determinados elementos desse contexto e, consequentemente, as finalidades
para que esse contexto foi estabelecido.

A INTERDEPENDÊNCIA ENTRE BEHAVIOR SETTINGS


Cada behavior setting, mais simples ou mais complexo, existe num ambiente mais
vasto e estabelece com esse ambiente e com os outros behavior settings uma relação
específica e significativa. Essa relação pode ser de facilitação ou de inibição mútua.
Por exemplo, não é provável que numa mesma sala um educador proponha a um
grupo uma situação de audição de uma história e a outro grupo ao mesmo tempo a

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 111

realização de uma dramatização. A realização simultânea destas actividades faria


com que se acabassem por prejudicar uma à outra — o ruído resultante da
dramatização iria afectar a leitura da história e, por outro lado, alguma criança
envolvida na dramatização poderia começar a prestar mais atenção à história —
contudo, já poderiam conviver mais pacificamente, por exemplo, actividades de
dramatização e pintura.
A interdependência entre behavior settings tem, assim, essencialmente a ver com o
aparecimento de padrões alternativos de comportamento nos settings adjacentes —
quer dizer, o que está em causa é a compatibilidade dentro de um behavior setting
mais vasto e entre behavior settings adjacentes — sendo a compatibilidade entre
settings diferentes, mas próximos, uma questão bastante mais óbvia. —
comportamentos que são apropriados num determinado contexto podem não o ser
noutro. Um exemplo muito simples deste processo é a determinação legal que proíbe
a existência de salões de jogos junto de escolas — esta posição resulta da crença de
que os comportamentos característicos de um salão de jogos interferem nos padrões
fixos de acção característicos de uma escola. O problema aqui não é naturalmente a
questão de saber se devem existir ou não salões de jogos, mas da interacção entre
esse e outro tipo de behavior settings.
Um outro exemplo da interdependência entre behavior settings é algo que observámos
numa escola onde realizámos uma acção de formação para professores. A escola era
de construção moderna e sala onde trabalhámos tinha janelas baixas (cerca de 50 cm.
do chão). Verificámos que as janelas estavam pintadas com tinta branca opaca em
cerca de metade da sua altura. Quando chamámos a atenção para o facto foi-nos
explicado que tal se devia ao facto de as janelas darem directamente para o recreio e
os alunos tenderem a ser distraídos das suas actividades na sala pelas brincadeiras
dos colegas no exterior.
A compreensão deste fenómeno da interdependência entre behavior settings é
importante no sentido em que coloca a questão de como seleccionar a localização e a
organização espacial de áreas de aprendizagem de forma que os respectivos padrões
fixos de acção não sejam contaminados por outros behavior settings.

O Comportamento Infantil em Contextos Educativos


A informação atrás apresentada leva-nos naturalmente a compreender que os grupos
humanos, neste caso, o grupo/turma se encontram envolvidos por um padrão
complexo que exerce uma influência notória sobre quase todos os aspectos dos
processos grupais. Naturalmente que nem Barker nem qualquer outro psicólogo
ambiental afirmam que somos completamente determinados por qualquer behavior
setting — o que acontece é que o behavior setting estabelece as condições a partir das
quais se processa a interacção sujeito-ambiente. Vimos que por vezes os padrões fixos
de acção característicos de uma situação podem interagir negativamente com os

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 112

requisitos de outra situação — neste caso estamos perante um behavior setting


confuso, mal definido, dificilmente perceptível para as crianças o que normalmente
tem como consequência que as crianças tenham dificuldade em corresponder aos
objectivos definidos pelos programas e planificações propostos pelos educadores ou
professores.
Mesmo enquadrado por um behavior setting perfeitamente definido, o comporta-
mento humano não é exclusivamente determinado pelos factores contextuais — as
motivações, percepções e estado emocional de cada criança vão igualmente
contribuir para o comportamento da criança, assim como podemos verificar uma
certa variabilidade no comportamento de cada criança numa mesma situação. Seria
perfeitamente irrealista estabelecer um determinado ambiente num Jardim de
Infância e em seguida pretender que cada criança que frequenta esse Jardim de
Infância se comporte da maneira esperada. Este modelo do behavior setting não prevê
que isso aconteça — cada criança pode reagir de uma forma diferente e individuali-
zada em cada situação, por vezes, mesmo de uma forma que não está de acordo com
os padrões pré-definidos de acção para essa situação. Numa determinada tarefa
podem verificar-se grandes diferenças na atenção, ritmo, esforço dispendido na reali-
zação da tarefa por cada criança em particular. Este aspecto da variabilidade
inter-individual não é abrangido por este modelo, contudo podemos pensar que as
próprias crianças têm diferentes níveis de sensibilidade face às características
ambientais de forma que um determinado elemento desse ambiente pode ser vivido
como perturbador por umas crianças permanecendo outras indiferentes a ele.

A INFLUÊNCIA DO COMPORTAMENTO INFANTIL NO BEHAVIOR SETTING


Uma perspectiva interaccional sistémica dos factores contextuais em educação,
depois de analisar a influência que o ambiente tem no comportamento, não poderia
naturalmente ignorar a forma como o próprio comportamento humano pode
influenciar o contexto no qual ocorre. O caso que descrevemos atrás sobre a criança
que altera o decorrer da situação da leitu ra da história é um exemplo claro da forma
como isso de pode verificar. A análise do behavior setting de Barker torna clara a
influência do ambiente no comportamento, mas já não é suficientemente explícita no
que diz respeito ao efeito do comportamento no meio ambiente.
Relativamente a este aspecto parece-nos útil sugerir três formas pelas quais uma
criança consegue de alguma forma determinar os behavior settings nos quais está
inserida.
Modificação: Uma das maneiras mais comuns através da qual uma criança consegue
afectar um elemento da sala de aula é através da modificação do propósito da área
ou actividade. Foi isto que ocorreu no caso que descrevemos mais atrás — uma
actividade de leitura de história foi, no seguimento do comportamento de uma
criança, foi transformado numa actividade de outro tipo, sem que, contudo, a
programação tivesse sido substancialmente alterada. Tanto a criança como o

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 113

educador permaneceram no mesmo espaço, sentados, a conversar uns com os outros


de uma forma produtiva.
Vejamos um outro exemplo. Uma área de realização de actividades domésticas, bem
delimitada no espaço, com utensílios próprios foi instalada numa sala de Jardim de
Infância. Essa área era utilizada habitualmente pelas crianças em vários episódios de
jogo dramático, desempenho de papéis, etc.. Contudo numa ocasião uma criança
apropriou-se desse espaço e funcionou como se tratasse do seu restaurante, era a
única criança a ocupar o espaço, as outras crianças aproximavam-se da entrada,
transformada em balcão, e encomendavam comida. Essa criança recebia as
encomendas, servia a comida imaginária e ia funcionando no seu restaurante, com
ou sem a participação das outras crianças. Esta modificação introduzida pela criança,
se bem que não tivesse sido prevista pelo educador, de qualquer forma deu origem a
comportamentos compatíveis com a funcionalidade prevista da área em causa.
Construção: Poderemos aceder a uma melhor compreensão da forma como a
construção pode afectar qualquer meio ambiente se recorrermos um pouco à teoria
do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget. Uma das ideias centrais no modelo
piagetiano é a de que o desenvolvimento cognitivo da criança se realiza através da
construção do seu conhecimento e compreensão da realidade. A criança realiza essa
construção agindo sobre os objectos retirando dessas acções relações de causa e
efeito. Por exemplo uma criança compreenderá a relação entre um conjunto de blocos
e a sua forma tentando a tarefa impossível de construir uma torre com cubos, esferas
e cones. À medida que a criança se esforça por utilizar estes elementos na construção
da torre, descobrirá que é fácil empilhar os cubos, mas não as esferas; que um cone
pode ser colocado no cimo da torre, etc.. De início o conhecimento que a criança tem
da relação entre forma e construção da torre decorre da experiência concreta e
imediata. Mais tarde a criança conseguirá naturalmente construir novos sistemas de
conhecimento ser recorrer à experiência concreta, pois possui imagens mentais que
lhe permitem prever as acções em abstracto e recorrer ao pensamento lógico. De
qualquer forma a criança está sempre a construir o seu conhecimento.
Não é, por isso, de estranhar que as crianças adoptem uma posição activa e
participem na construção do ambiente à sua volta. Existem, com efeito, muitas
maneiras pelas quais as crianças podem adoptar uma atitude construtiva face a um
determinado behavior setting. Podem, por exemplo, adicionar areia à tinta de água
para obter uma textura diferente na pintura. Podem pôr questões acerca do efeito do
sol e da água nas sementes de feijão ou milho que são postas junto à janela, podendo
por exemplo introduzir experiências não planeadas pelo professor.
Os educadores têm naturalmente um papel importantíssimo na promoção das
condições de construção da realidade e do ambiente pelas crianças. Terão que ter a
sensibilidade e a disponibilidade necessárias para estimular este tipo de comporta-
mentos, encorajar a criança a acrescentar qualquer coisa, alterar a tarefa ou activi-
dade, mantendo a integridade global da planificação original.

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Não-participação: Uma área de aprendizagem, por muito bem concebida e apetre-


chada que tenha sido, não realizará a sua função se não se conseguir que um número
significativo de crianças tome parte nas actividades propostas. Com efeito, a maior
parte dos programas em educação de infância dependem daquilo que as crianças
estão dispostas a fazer durante um dia de actividade.
Uma das formas mais efectivas pela qual as crianças podem influenciar uma planifi-
cação realizada pelo educador é decidir não participar numa actividade ou área de
aprendizagem. Numa determinada situação uma equipa de educadores observou as
suas crianças durante um certo período de tempo e decidiram introduzir materiais
que estimulassem o pensamento reflexivo. A situação requeria o envolvimento de
uma criança de cada vez numa actividade sequencial. Construíram uma área de acti-
vidades cognitivas num canto da sala no qual foi colocada uma mesa, várias prateleiras
e cadeiras. Seguidamente seleccionaram jogos, puzzles, e objectos interessantes do
ponto de vista sensório-motor e organizaram-nos de uma forma agradável. Inexplica-
velmente, contudo as crianças recusaram-se a ocupar e utilizar esse espaço tendo os
objectos ficado ser serem utilizados. Após um período de observação frustrante, os
educadores decidiram alterar a localização dos materiais, colocando-os em áreas
habitualmente frequentadas pelas crianças. Ao mesmo tempo asseguraram-se de que
os comportamentos requeridos pelos materiais eram consonantes com os padrões fixos
de acção da nova localização. Os resultados foram surpreendentes. Os materiais
começaram a ser usados de acordo com os objectivos previstos pelos educadores.
Resumindo, podemos identificar três formas pelas quais as crianças podem
influenciar qualquer behavior setting. Podem modificar o propósito do setting,
construir novos propósitos e actividades consonantes com os objectivos iniciais, ou
podem não participar nas actividades ou áreas pré-definidas. Cada uma destas
alternativas pode ser benéfica no sentido em que tem um efeito positivo tanto na
execução dos programas de educação de infância como no desenvolvimento da
criança. Existe ainda, contudo um outro aspecto, mais radical, pelo qual as crianças
podem influenciar os behavior settings nos quais participam — podem, em algumas
circunstâncias destruir ou inviabilizar a sua estrutura ou objectivos.

COMPORTAMENTO DISRUPTIVO EM BEHAVIOR SETTINGS


Acontece por vezes, por razões que nem sempre conseguimos compreender, que as
crianças não aderem às expectativas definidas para um determinado behavior setting
independentemente do cuidado e clareza com que esse ambiente é definido. Mais do
que isso, por vezes parecem mesmo fazer tudo o possível para perturbar e
inviabilizar qualquer tipo de actividade organizada e produtiva que procuremos
desenvolver. A conceptualização desenvolvida pela psicologia ecológica não parece
ter ainda desenvolvido formas específicas de acção que pudéssemos adoptar no
sentido de contrariar a tendência disruptiva que por vezes caracteriza o comporta-
mento infantil.

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ASPECTOS C ONTEXTUAIS DA R ELAÇÃO E DUCATIVA 115

A nossa opinião é a de que o próprio processo de desenvolvimento implica que por


vezes aconteçam situações que no imediato possam parecer anómalas. Não
esqueçamos que a educação é um processo interpessoal e em todos os contextos de
relacionamento interpessoal podem acontecer desencontros, desentendimentos,
falhas, que, tendo muitas vezes a ver com factores meramente circunstanciais dificil-
mente perceptíveis, só em casos excepcionais prejudicam a relação numa perspectiva
mais global. Parece-nos, por isso, haver razões para alarme só se isso não acontece de
uma forma esporádica, mas segue um padrão regular e repetitivo. Se, por exemplo,
acontece sempre numa determinada circunstância ou sempre com a mesma ou com o
mesmo grupo de crianças. Só neste caso é, por vezes necessário recorrer a ajuda
externa que pode ser dada por pais, psicólogos, o médico de família ou colegas
educadores, entre outros
.

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A dinâmica da relação
Instituição/Família

ASPECTOS GERAIS

É hoje reconhecido por todos os agentes sociais que a família é o organismo social e o
contexto emocional mais importante que o indivíduo encontra ao longo do seu
desenvolvimento (Sedgwick, 1981). É no contexto das relações familiares que os
indivíduos se constroem e aprendem a construir o mundo à sua volta. Se, por família
entendemos o contexto social e emocional mais próximo da criança então temos que
aceitar que tudo o que se relaciona com a família da criança tem uma importância
crucial para o professor ou educador.
Por outro lado, a relação entre a escola e a família e a sua importância no processo
educativo não é uma questão recente57, (Oliveira, 1990) se bem que, tendo em conta
os instrumentos teóricos atrás referenciados, estejamos hoje em dia em melhores
condições de abordar esta problemática a partir de um referencial perfeitamente de
tipo relacional.
Foi a partir dos anos 70 e, principalmente, 80 que começaram a aparecer as primeiras
investigações sérias nesta área, tendo ao longo deste tempo as respectivas concepções
de base evoluído bastante. Nos anos 60 pedia-se aos pais para reforçarem e apoiarem
as aprendizagens escolares dos seus filhos, constituindo-se, assim, os pais como uma
espécie de cooperantes dos professores e educadores. Esta concepção partia natural-
mente da noção de que o papel educativo mais significativo era desempenhado pela
instituição devendo a família de certa forma adaptar-se às regras e conteúdos
propostos pelo sistema escolar. Nos anos 70 esta situação de desigualdade foi-se
atenuando e falava-se já de complementaridade recíproca entre a família e a escola.
Aceita-se já que o meio familiar, pela sua riqueza e diversidade poderia conter
elementos interessantes do ponto de vista educativo, por exemplo, as actividades dos

57 Com efeito, já os pioneiros da Escola Nova ou da Nova Pedagogia, como Decroly, Freinet,
Montessori e mesmo Piaget, tinham chamado a atenção para o papel essencial da relação
escola-família.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 117

pais, aspectos da tradição e cultura populares típicas de um determinado meio. É


nesta altura que alguns professores começam a convidar pais de alunos para irem à
escola falarem de alguns factos do seus quotidiano, por exemplo, um pai pescador
poderia falar da actividade piscatória, outro, jornalista, poderia falar da forma como
são feitos os jornais, etc.. Na última década fizeram-se avanços significativos nesta
área procurando-se levar os professores e educadores a compreenderem melhor o
ambiente natural da criança e a procurar comprometer os pais na vida escolar.
Em todo o caso, as instituições educativas e a família são dois sistemas que não se
podem ignorar sob pena de prejudicarem seriamente a acção educativa.
A interacção entre estas duas instituições contudo nem sempre é fácil e pode mesmo
ser campo de alguns conflitos sérios que acabam muitas vezes por estar relacionados
com perturbações diversas ao nível do comportamento e rendimento dos alunos, ou
melhor, filhos-alunos. A criança-aluno ou o aluno-familiar, comprometido com e, de
certa forma, dependente de ambos os sistemas, é, com efeito, o elo de ligação entre
educadores e pais, um elo que não tem um papel neutro, mas que acaba por uma
margem de manobra muito reduzida. Grégoire Evéquoz, um autor suíço, chega
mesmo a sugerir que existem situações no contexto escolar, nas quais a criança ocupa
uma posição que se assemelha à de um refém, no sentido em que a criança fica presa
de um conflito relacional entre a escola e a família. Este conflito conduz a uma
ruptura da colaboração explícita ou implícita e isola a criança como único meio de
comunicação entre os adultos envolvidos, de tal forma que na maior dos casos acaba
por apresentar perturbações comportamentais que podem ser conceptualizadas
como a expressão das dificuldades relacionais daqueles que a rodeiam.

A FAMÍLIA COMO SISTEMA DE INTERACÇÕES

Aspectos Gerais
O que caracteriza a família enquanto sistema é que os seus diferentes elementos, ou
seja, as diferentes pessoas que a compõem, estão estreitamente ligadas entre si por
relações de natureza afectiva, as quais suportam as diversas interacções e fazem do
conjunto uma entidade particular e original. Pode-se definir a família como um
conjunto organizado de relações entre as pessoas que assumem em simultâneo,
estatutos diferentes e papéis complementares (Vayer et al, 1991) .
Por outro lado, se considerarmos uma família como um sistema somos levados a
aplicar-lhe todos os princípios que regem os sistemas abertos em interacção. Todos

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 118

os comportamentos do sistema familiar são considerados como entradas (inputs) de


informações que agem sobre o sistema e são igualmente modificados por ele. O
princípio de totalidade leva-nos a considerar a família como um todo que obedece a
regras de funcionamento distintas daquelas a que obedecem os membros da família
quando considerados isoladamente. A família não é uma soma de individualidades,
mas um todo dinâmico no qual o comportamento de cada um dos membros está ligado ao
comportamento de todos os outros e deles depende. Os comportamentos não podem ser
compreendidos referindo-nos simplesmente às "características individuais" do seus
autores, mas obedecem a uma causalidade circular e são regulados pelos modelos e
pelas normas que regem a família.
Cada cultura determina um modelo de família, modelo que comporta uma certa
estruturação dos papéis e funções, que atribui a cada elemento um lugar na
hierarquia pré-definida e que organiza as relações entre marido e mulher, entre pais
e filhos, entre irmãos e irmãs, etc.58. De notar que na mesma sociedade podem
coexistir diversos modelos familiares e que estes são ainda susceptíveis de variar de
uma classe social para outra59, isto porque um sistema aberto não pode ser isolado
do seu contexto e é de certa forma determinado pela estrutura social na qual se
enquadra.
A família é um sistema homeostático. Isto quer dizer que existe um sistema de
retroacções negativas e de regulações que visam manter a estabilidade do sistema
familiar e evitar a sua dissolução. É por isso que a infidelidade conjugal conduz a
uma reprovação social e mesmo a determinadas sanções60, na medida em que
ameaça a unidade e a durabilidade da família. Mas, o sistema familiar deve igual-
mente ser capaz de tolerar ou até favorecer certas mudanças que são inerentes à sua
própria evolução: — o nascimento dos filhos, o seu crescimento, a sua ascensão à

58 Um desses modelos é o modelo patriarcal da família. Este modelo está fundado sobre uma
clara diferenciação dos sexos, dos papéis e das funções. De uma forma esquemática
verificamos que a estrutura familiar atribui um lugar predominante ao pai que representa a
autoridade e assume uma função instrumental (adaptação ao ambiente e consecução dos
objectivos externos); a mulher está submetida à autoridade do seu marido e assume uma
função expressiva (de regulação das relações afectivas) e uma função de educação e
cuidado das crianças e do lar; as crianças submetem-se à autoridade dos adultos e estão
ligados aos seus pais por uma relação de respeito e obediência. O pai tem ainda um poder
incontestado sobre as mulheres da família sendo o responsável pela sua conduta, muito
especialmente pela sua "virtude". Os valores dominantes são a autoridade, o respeito, a
odediência, o sentido da honra e da tradição.
59 Por exemplo, o modelo patriarcal pode não ter a mesma configuração no meio rural e no
meio urbano.
60 Nas sociedades patriarcais estas sanções e reprovação social atingem mais severamente a
mulher.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 119

autonomia, o envelhecimento dos pais, etc., são todos momentos aos quais a família
tem de se adaptar através da alteração de algumas das suas regras de funcionamento.
Existe pois, no seio da família, uma combinação complexa de retroacções positivas e
retroacções negativas, contudo, a experiência clínica em terapia familiar tem
demonstrado que as famílias perturbadas ou colocadas num ambiente particular-
mente desfavorável tendem a rigidificar as suas regras de funcionamento
tornando-se menos tolerantes face à mudança, o que é, muitas vezes fonte de
comportamentos problemáticos em um, ou mais, dos seus membros.

Regras Implícitas no Funcionamento Familiar


Como vimos, quando abordámos a axiomática da comunicação, sempre que dois
indivíduos interagem, cada um deles tende a definir a relação que os une. Para essa
definição são normalmente utilizadas categorias sócio-afectivas tais como,
simpatia/antipatia, autonomia/dependência, igualdade/hierarquia, etc.. Se os dois
protagonistas chegam a acordo sobre a definição da sua relação, esta pode estabilizar
e tornar-se num contexto relativamente sólido e permanente que define as formas de
comportamento aceitáveis, aquilo que podem esperar um do outro, como interpretar
as suas mensagens e como prever as suas reacções. Definir uma relação como
amorosa, amigável, profissional joga, assim, um papel de estabilização e de
securização.
Se considerarmos o conjunto da família, existem igualmente que regem a multiplici-
dade de interacções e que podem ser objecto de um consenso colectivo ou serem, por
outro lado, objecto de instabilidade e controvérsia. Constatamos, por exemplo, que,
nalgumas famílias problemáticas, as regras da relação são continuamente postas em
causa, cada um procurando impor ao outro a sua própria definição da relação,
havendo desacordo sobre as várias definições propostas. A mulher vê o seu marido
como autoritário e ele, por sua vez, define a sua mulher como uma revoltada; os pais
descrevem os filhos como irrequietos, os filhos queixam-se da incompreensão dos
pais.
Explicar as relações estabelecidas entre os membros de uma família em termos de
diferenças individuais ou sexuais ou mesmo em termos de história pessoas, é, nesta
perspectiva, ignorar o essencial, pois o que mantém o sistema familiar é o sistema de
regras implícitas, mas tacitamente respeitadas.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 120

PARÂMETROS PARA UMA CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA


FAMILIAR

A família enquanto sistema pode ser caracterizada por:


Componentes ou subsistemas familiares, como por exemplo o subsistema parental
constituído pelos detentores da autoridade paternal, normalmente o pai e a mãe; o
subsistema filial, constituído pelos filhos, etc.;
A. Fronteiras e delimitações que circundam o sistema e cumprem a função de
filtrar e transformar o fluxo de entradas e saídas no sistema;
B. Existir enquadrada numa rede mais alargada de sistemas sociais;
C. Uma capacidade de abertura e permeabilidade das fronteiras familiares que
permitem um certo nível de trocas entre o sistema familiar e os outros
sistemas;
D. Uma determinada distância ou proximidade entre os subsistemas
intrafamiliares e a proximidade do sistema familiar dos outros sistemas
sociais;
E. Padrões de organização e uma estrutura que influenciam as interacções
possíveis dentro do sistema.

Características do Sistema Familiar


COMPONENTES E SUBSISTEMAS FAMILIARES
Uma família é composta simultaneamente por um determinado número de pessoas
mais aquilo que acontece entre elas. Os indivíduos pertencentes a uma determinada
família normalmente compartilham determinados objectivos assim como
necessidades. Tendo em conta esta comunidade de objectivos e necessidades aquilo
que acontece a um determinado membro da família não pode deixar de afectar os
outros membros, em maior ou menor grau dependendo da natureza dos limites dos
subsistemas familiares61. Aquilo que afecta as relações entre as pessoas acaba
igualmente por afectar os indivíduos e na própria unidade familiar. Aquilo que um
membro da família faz, por exemplo em termos de carreira profissional, afecta o
estatuto económico da família e, por vezes, da mesma forma, o estatuto social e
emocional. A forma como cada membro ocupa os seus tempos livres influencia, por
exemplo, o tempo disponível para as actividades comuns a todos os membros da

61 Para compreender melhor este aspecto rever as propriedades dos sistemas abertos,
especialmente a propriedade da totalidade.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 121

família. Os objectivos definidos pelos adultos vão influenciar os comportamentos das


crianças, mas a inversa é igualmente verdadeira.

FRONTEIRAS E LIMITES SISTÉMICOS


As fronteiras e limites são conceitos teóricos que se referem à forma como cada
sistema familiar opera de forma independente face ao seu meio assim como filtra e
transforma a informação que entra e sai do sistema. As famílias têm fronteiras —
regras, sanções, padrões de comunicação e valores — que unem os membros da
família e lhes conferem um certo sentido de identidade. Uma família sente-se
nomeadamente unida pelas suas crenças acerca da natureza humana, das
expectativas sociais, e os comportamentos mais adequados de acordo com a idade,
sexo ou experiência de vida.
Uma família é cercada por fronteiras sociais, (normas, expectativas, mitos) físicas,
(espaço, território, alojamento) emocionais, (sentimentos) históricas, (heranças, crenças,
expectativas) e individuais (capacidades, necessidades, objectivos). Cada conjunto de
regras emerge em parte a partir dos contactos da família com a sociedade, em parte
da história familiar e em parte da vida quotidiana da família. As crenças acerca do
comportamento humano, isto é, acerca daquilo que faz as pessoas comportarem-se
de uma ou de outra maneira, determinam em certa medida a própria forma se
comportam os membros de uma determinada família, isto tanto no que diz respeito
aos comportamentos entre si, à forma de lidar com as crianças, às atitudes face ao
sexo oposto, assim como face a outros grupos étnicos ou raciais.
Estas crenças levam finalmente ao desenvolvimento de regras que evoluem no tempo
e que devem ser respeitadas na prática. Os padrões de comunicação (quem conversa
com quem e acerca de quê), os padrões de interacção (quem faz o quê com quem e
com que objectivos) de certa forma são o reflexo de regras, na maior parte dos casos
não definidas explicitamente, que determinam a vida familiar. Estas
particularidades, que podem ser tipos de linguagem, lemas e "chavões", gestos,
anedotas típicas, alcunhas, definem uma fronteira no sentido em que, ao unirem a
família à volta de uma identidade partilhada, delimitam o espaço interior e exterior à
família, assim como os seus elementos. As fronteiras familiares são uma espécie de
"pele" psicológica funcionando como uma espécie de zonas de transição que têm
uma função de protecção e de filtragem das informações exteriores. Obviamente as
fronteiras podem ter diferentes graus de permeabilidade, podendo essa permeabili-
dade variar de família para família ou em momentos diferentes do ciclo de vida
familiar. Este aspecto é de tal forma importante que a natureza das famílias, de um
ponto de vista do relacionamento social, acaba por ser definida em termos da
natureza das suas fronteiras62. Algumas regras e costumes que servem de fronteira

62 Desenvolveremos mais este aspecto mais adiante quando desenvolvermos uma análise da
família através do nível estrutural.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 122

podem ser, por exemplo, 1) o "recolher obrigatório" das onze horas — definindo uma
fronteira temporal, 2) não namorar ninguém de outra raça ou cultura — que define
uma fronteira étnica ou cultural, 3) não ter relações sexuais antes do casamento —
uma fronteira sócio-sexual, 4) escolher determinada profissão63 — uma fronteira
ocupacional, 5) expressões verbais e não verbais próprias de uma determinada
família — fronteiras comunicativas e 6) participação de determinados membros da
família nos processos de tomada de decisão — uma fronteira relacionada com a
organização da família.
As fronteiras familiares têm a sua origem em vários tipos de processos:
a. a história da família, passada de geração em geração na medida em que "na
nossa família as coisas são assim...";
b. o contacto social com outros sistemas, "as pessoas devem comportar-se assim...";
c. as crenças religiosas, na medida em que "as pessoas devem comportar-se assim...";
d. a tradição — "as coisas foram sempre feitas assim..."
e. o processo de interacção quotidiano no ambiente familiar.
As fronteiras provêm assim tanto do meio intrafamiliar, história, crenças e expecta-
tivas como do meio extrafamiliar através do contacto social. O ambiente físico,
incluindo a residência familiar64, os vizinhos e a comunidade mais alargada, acabam
sempre por, de alguma forma, definir os limites e contornos dos comportamentos
esperados, das atitudes mais apropriadas, ou até fundamentais para uma determi-
nada família. As expectativas exteriores respeitantes à vida familiar e ao comporta-
mento individual, assim como as pressões exercidas sobre a célula familiar, são indi-
cativos da posição do sistema familiar na rede mais geral do sistema comunitário.

INSERÇÃO DA FAMÍLIA NA COMUNIDADE


Qualquer família não existe isolada ou fechada sobre si própria, mas, de forma geral
mantém relações mais ou menos estreitas e reciprocamente influentes com uma rede
mais vasta de sistemas sociais. Isto porque normalmente existem vários membros da
família que desempenham papéis a vários níveis desses sistemas. Por exemplo, um
membro da família que trabalha liga a família ao sistema económico; as crianças que
vão à escola ligam a família ao sistema educativo; os vários elementos da família,
enquanto consumidores, ligam a família aos vários sistemas que suprem as necessi-
dades básicas; se existe um membro activista político, então a família não deixa de
estar ligada aos sistemas políticos; um ou vários membros que frequentam alguma

63 Em determinadas famílias pode gerar-se a obrigação de todos os rapazes serem, por


exemplo, militares, ou médicos ou advogados, etc..
64 Por exemplo, para a definição de fronteiras, é necessário saber se cada indivíduo tem
possibilidades de ter um espaço próprio.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 123

igreja, ligam a família aos sistemas religiosos e, finalmente, qualquer membro doente
fisicamente, perturbado emocionalmente, ou incapacitado crónico acaba por ligar a
família aos sistemas de cuidados de saúde.
Muitas vezes, especialmente nos meios citadinos de classe média, verificamos que
um ou mais membros da família, normalmente do subsistema parental, estão
profundamente envolvidos em processos ligados a um emprego, carreira, ambição
pessoal, etc., construindo um processo de interacção, através do qual, como em
qualquer sistema aberto, são trocados energia, informação e produtos.
Assim, o supra-sistema comunitário está dependente da família na medida em que
esta fornece a energia necessária para o funcionamento do sistema e ao mesmo
tempo consome os produtos desse sistema. Por outro lado a família depende do
sistema mais vasto para o fornecimento de produtos, educação, cuidados de saúde,
oportunidades culturais, crescimento e desenvolvimento individual assim como a
satisfação dos vários tipos de necessidades sociais. Os sistemas familiar e
comunitário são, assim, interdependentes tanto do ponto de vista da sua manutenção
e estabilidade como do ponto de vista do seu crescimento e expansão. Ao mesmo
tempo o membro individual serve de elo de ligação entre a família e o sistema social
mais vasto.

A BERTURA DO SISTEMA FAMILIAR


Como estudámos no início deste curso, um sistema aberto é capaz de interagir com
os sistemas à sua volta. Sabemos mesmo que os sistemas abertos, enquanto
estruturas disssipativas, mantêm a organização e estrutura através das trocas de
energia, informação e matéria que mantêm com o seu exterior. A mesma regra
funciona relativamente ao sistema familiar: uma família partilha com o seus exterior
informações, contactos físicos, responsabilidades, objectivos comuns, por vezes um
território e quase sempre uma língua comum.
A nossa experiência, contudo, mostra-nos que este processo pode variar enorme-
mente de família para família. Há famílias mais abertas no sentido em que são mais
permeáveis a ideias novas, mais disponíveis para experimentar novas formas de
solucionar os problemas familiares, e normalmente têm regras mais flexíveis. As
pessoas exteriores à família são na maior parte dos casos aceites sem dificuldade,
tornando-se eventualmente meios pelos quais a família tem acesso a novas ideias,
crenças e atitudes. Estas famílias têm na maior parte dos casos uma atitude positiva
face aos sistemas sociais de apoio e não têm dificuldade em utilizar os recursos
disponíveis na comunidade. Estas famílias fazem normalmente parte de uma rede
social bem desenvolvida que inclui um conjunto de pessoas muito diversas entre as
quais se verifica um elevado nível de interacção.
Existem, contudo, famílias muito mais fechadas sobre si próprias, cujas fronteiras são
muito menos permeáveis. As regras destas famílias são normalmente mais rígidas, ao
mesmo tempo que mostram uma maior relutância em experimentar novas formas de

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 124

resolução dos problemas assim como uma marcada resistência à mudança. Conside-
rando que a mudança e o desenvolvimento são processos naturais e até certo ponto
inevitáveis nos sistemas vivos, estas famílias tendem a experimentar algumas
dificuldades em momentos críticos do seu desenvolvimento. Pessoas vindas do
exterior e que são postas em contacto com a família, como por exemplo um
namorado da filha mais velha, são muitas vezes vistas como ameaçadoras do status
quo familiar. Os elementos destas famílias de forma geral acreditam que é essencial
para a sobrevivência ter regras imutáveis e, por isso, a exposição a novas ideias ou a
novos contextos é fortemente contrariada.

NÍVEIS DE ABORDAGEM:

Interaccional/Funcional
Um nível de abordagem da problemática familiar situada ao nível interaccional
estabelece que os sintomas, conflitos e problemas, isto é, situações perturbadoras
para os elementos da família, são peças de sequências de interacção mais vastas de
tipo recursivo, isto é, que tendem a perpetuar-se. Vimos já que qualquer grupo
humano, enquanto sistema de interacções, caracteriza-se pela presença de padrões,
isto é, de regularidades ao nível dos processos interpessoais. Estas sequências são
compostas por comportamentos que são à partida definidos pelos participantes como
não problemáticos e constituem aquilo que normalmente é referido como sendo as
regras familiares.
Compreender o comportamento de uma família a nível interaccional significa tentar
perceber de que padrão o comportamento problemático faz parte, isto é, descrever
aquilo que acontece previamente ao aparecimento da situação problemática e aquilo
que acontece depois, ou, em que circunstâncias ocorre com mais frequência. A partir
daqui vamos identificar os comportamentos e as situações que se repetem, isto é, os
padrões recursivos de funcionamento da família. Este padrões são recursivos no
sentido em que se considerarmos um determinado elemento desse padrão (por ex. o
elemento A), este vai conduzir a outros, e assim sucessivamente de tal forma que,
após um número variado de passos (B, C, D, ...), voltamos a obter o elemento inicial.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 125

Ocasionalmente um destes elementos pertencentes a um determinado padrão de


interacção é um comportamento problemático. Então se quisermos compreender o
funcionamento familiar a um nível interaccional e funcional a primeira coisa que
devemos fazer é tentar identificar o padrão de que esse comportamento faz parte.
Isto pode ser feito, quando uma família nos conta, por exemplo, um comportamento
problemático da criança que está ao nosso cuidado podemos perguntar: — E o que é
que acontece depois?..., e depois?... Se estamos a falar com a mãe: — E o pai o que é que
faz?. Depois de termos explorado uma situação concreta, podemos perguntar: — Das
outras vezes que se verificou esse problema, aconteceram as mesmas coisa? As pessoas
envolvidas comportaram-se da mesma maneira? O objectivo aqui é enquadrar esse
comportamento não em termos de intenções subjectivas, mas em termos de facto,
tentando acima de tudo evitar cair naquilo que se designa por uma definição judiciária
do problema 65. Claro que seria utópico pretender reconstruir completamente uma
sequência interaccional, mas, se dispusermos do contexto apropriado podemos, com
alguma paciência e inteligência, detectar algumas regularidades, algumas sequências
que se repetem mais ou menos da mesma maneira e, desta maneira, ter acesso às
pautas de manutenção do problema, isto é, os padrões interaccionais que contêm e
sustêm o comportamento problemático. De facto nalgumas situações os sintomas
aparecem bastante claramente como parte de regras familiares.
Analisar uma família ao nível interaccional, procurando detectar os padrões dos
quais fazem parte determinados comportamentos problemáticos, permite-nos, ao fim
e ao cabo, definir as funções que constituem a dinâmica do funcionamento familiar.
Este procedimento é, naturalmente diferente da perspectiva clássica de descobrir as
causas do problema. Quando abordamos o funcionamento familiar a um nível
interaccional/funcional, não estamos a procurar descobrir as causas que nos
permitem explicar o sintoma, pois vimos no capítulo sobre a abordagem sistémica que
isso, para além de não ser epistemologicamente possível, não nos dá, na maioria dos

65 Uma definição judiciária de um problema é aquela que assenta na identificação de culpados


e inocentes, vítimas e agressores, etc.. Esta definição é inaceitável numa perspectiva sistémica
na medida em que aponta para uma perspectiva linear - uma pessoa, pelas suas
características pessoais (culpado, agressor), faz qualquer coisa a outra (inocente, vítima)
eventualmente com a intenção de a ferir ou magoar. Se aceitarmos esta definição então,
naturalmente a compreensão da situação passaria pelo estudo das características
(motivações, personalidade), do agressor e, nesse caso, perderíamos toda a possibilidade de
termos uma perspectiva dos processos de interacção ligados a essa situação.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 126

casos instrumentos para resolvermos o problema66. Isto não significa que em


determinadas ocasiões não possamos perguntar à família qual é que ela pensa que
pode ser a causa do problema, em primeiro lugar porque as pessoas esperam que
façamos este tipo de perguntas, em segundo lugar, porque podem permitir-nos ter
acesso a outra linha importante de informação que tem a ver com os mitos e as
histórias, as crenças, os preconceitos da família, de forma geral aquilo configura parte
daquilo que chamamos o contexto.
Qual é o interesse de definir os problemas desta forma? De obter toda esta
informação relacionada com as sequências comportamentais? Do ponto de vista da
intervenção esta informação é crucial na medida em que podemos pensar o que
acontece quendo uma sequência ccircular se interrompe ou perturba de uma forma
severa? Voltando à sequência A→B→C→D→A, em que, por exemplo, A é o
comportamento problemático, se, se interrompe em B, então não acontece o passo C,
que é pré-condição para D e assim é provável que se venha a verificar o desapareci-
mento do comportamento problemático. Assim, dada uma sequência interactiva
cíclica que contém um comportamento sintomático, perturbador, problemático, uma
das maneiras possíveis de interromper esse processo é interromper a sequência num
determinado ponto.
Ora há aqui um aspecto importante a considerar — o ponto onde é naturalmente
mais difícil interromper a sequência é aquele que contém o comportamento
problemático, se fosse possível alterar essa situação certamente que a família já o
teria feito antes de ela se tornar verdadeiramente problemática. Se considerarmos
aqui só o campo dos problemas de comportamento infantis sabemos como eles por
vezes podem ser fonte de perturbação e angústia para as famílias, por isso seria
ilógico pensar que as pessoas teriam problemas se o pudessem evitar. Assim, muitas
vezes o mais fácil é, de alguma forma, alterar as consequências do problema, o que
significa muitas vezes retirar-lhe a sua conotação negativa. Consideremos, em termos
ilustrativos, um problema que afecta algumas famílias mais rígidas do ponto de vista
ético e moral que é o facto de muitas crianças em idade de Jardim de Infância
recorrerem com alguma insistência à mentira relativamente a determinados aspectos
do seu comportamento ou de outros. Isto normalmente deixa as famílias muito
preocupadas chegando algumas a temer que os seus filhos mantenham ou
intensifiquem esse comportamento no futuro reagindo às mentiras da criança de
forma desadequada. Uma forma de evitar essas reacções será falar com os pais e

66 Uma razão simples que nos permite compreender porque isto é assim tem a ver com o
facto de a maior parte dessas causas terem origem no passado. A criança faz muitas birras e é
incontrolável porque foi demasiado mimada pela avó quando era deixada ao seu cuidado, antes de vir
para o Jardim de Infância. Se aceitarmos esta definição de causalidade, a não ser que
tenhamos uma máquina de viajar no tempo e voltarmos a essa époc a e tentarmos
convencer a avó a não mimar tanto a criança, ficamos sem muita possibilidade de fazer o
que quer que seja para que a criança aceite melhor algumas situações que a contrariam.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 127

explicar-lhes que a mentira nessa idade é uma característica do desenvolvimento e,


por isso, não tem o mesmo significado que no adulto, desaparecendo normalmente
com o tempo. Esta reformulação do significado do comportamento infantil pode
afectar drasticamente o tipo de reacções da família e, a partir daí, acaba por
condicionar todo o processo. O suporte ideológico contextual que acompanha a
maior parte dos sintomas modifica-se quando modificamos a carga emocional ligada
a esse sintoma. Se algo que antes era mau, agora definimos como bom, no sentido em
que é um sinal de desenvolvimento, isto vai afectar o toda a música de fundo, isto é, o
contexto, que, por sua vez, altera todo o efeito de uma quantidade enorme de
informação visual e auditiva ligada a esse comportamento. De notar que uma
conotação positiva de um sintoma afecta somente o (con)texto e não o texto
propriamente dito, quer dizer, não alteramos o comportamento em si, mas sim os
significados que lhe estão associados.
Existem diversas maneiras pelas quais se pode observar, analisar e intervir em
famílias a partir de uma abordagem de tipo interaccional e funcional, pois, a partir
do momento em que entendemos os mecanismos conceptuais subjacentes a uma
abordagem sistémica, a nossa capacidade de intervenção depende fundamental-
mente da nossa criatividade em propor alternativas para ajudar a família a sair de
uma situação de impasse face a um comportamento problemático de um dos seus
membros. Este aspecto é interessante para uma Educadora de Infância na medida em
que os membros mais sensíveis de uma família são normalmente as crianças mais
pequenas e é à volta delas que se organiza a maior parte da problemática do funcio-
namento familiar. Quando analisarmos mais adiante os critérios de eficácia do
funcionamento familiar convém reparar que muitos deles supõem a existência de
crianças pequenas e só nesse caso fazem sentido.
Recapitulando, a abordagem da família a um nível interaccional assenta essencial-
mente nas noções de padrão, pontuação da sequência 67, regras familiares. A compreensão
dos processos a este nível passa por saber quais são os comportamentos que
precedem e que sucedem ao comportamento problemático, isto numa espécie de
dissecação microscópica do processo de comunicação de uma família, de uma forma
totalmente objectiva, não se tendo em conta as intenções subjectivas, mas os
comportamentos concretos. Quer dizer, fazemos uma exploração progressiva das
sequências, de uma forma não conotada afectivamente, sem nenhuma valoração
específica.

CRITÉRIOS FUNCIONAIS DE EFICÁCIA DO SISTEMA FAMILIAR


A capacidade de uma família para funcionar está relacionada com a organização do
sistema, a natureza do acontecimento ou situação com a qual o sistema se vê

67 Relativamente a este conceito de pontuação, rever o capítulo sobre a axiomática da


comunicação.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 128

confrontado e a capacidade individual dos membros do sistema. A organização da


família refere-se à sua estrutura social e à natureza do ambiente emocional que cada
família consegue gerar. De forma geral a eficácia de uma família enquanto contexto
de desenvolvimento está relacionada com a capacidade dessa família para lidar com
o problema da mudança. Ora as famílias, como quaisquer outras organizações e
sistemas sociais são normalmente conservadoras, contudo, tanto pelo facto de
estarem em permanente interacção com o tecido social, que está hoje mais do que
nunca em permanente alteração, como pelo facto de serem elas próprias constituídas
por elementos em desenvolvimento, uma das tarefas fundamentais da família, a
partir da qual muitas vezes se define um dos seus critérios de eficácia, é a capacidade
para gerir e se adaptar à mudança em geral.
Num sentido mais particular este dinamismo familiar está relacionado com a produ-
tividade familiar, com a interacção social com outros sistemas, com a história
familiar, de sucesso ou insucesso, em situações anteriores em que tiveram que se
adaptar à mudança, assim como a capacidade da família para incorporar essas
mudanças nos padrões de interacção habituais, como é o caso, por exemplo, quando
um filho adolescente começa a definir áreas de autonomia pessoal e a não aceitar
responder a todas as perguntas dos pais acerca das suas actividades. A família, ou
mais exactamente o subsistema parental terá nesse momento que aceitar essa
limitação ao seu poder e naturalmente alterar as exigências e formas de interagir com
o adolescente. Uma outra situação é quando uma criança vai para a escola ou para o
Jardim de Infância. Neste caso o sistema familiar terá que se adaptar aos modelos,
propostas, ideias e exigências que, através da criança a instituição introduz na
família, como por exemplo, a criança leva trabalhos68 para fazer em casa ou pedidos
de materiais ou de informação.
Quanto maior experiência a família tiver destas situações e quanto mais ela estiver
envolvida com outras redes sociais de apoio, melhor preparada pode estar para lidar
com o fluxo contínuo de mudanças que caracteriza o funcionamento de qualquer
sistema vivo.
Poderíamos resumir este aspecto dizendo que a medida em que uma família pode,
ou não, estar organizada no sentido de uma eficácia traduzida na capacidade para
desenvolver e educar seres humanos autónomos e capazes do ponto de vista pessoal
e social, pode ser avaliada a partir de parâmetros tais como: —- produtividade, flexibili-
dade, experiência e envolvimento.
Assim, uma família saudável é essencialmente aquela cujas formas de relaciona-
mento se transformaram em padrões que são no fundo capazes de estimular e apoiar

68 Talvez seja pertinente relatar o caso que conheci pessoalmente de uma educadora que, na
sua sala, resolveu elaborar um livro, uma espécie de álbum, de folhas em branco que, nos
fins-de-semana, cada criança levava para casa, devendo a sua família preencher uma das
páginas com textos, desenhos, etc..

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 129

os processos de mudança, tanto no que diz respeito aos processos naturais


resultantes do desenvolvimento dos seus membros ou mais aleatórios resultantes das
várias alterações verificadas na sociedade em geral. Existem famílias, contudo, que se
revelam ineficazes no sentido em que não são suficientemente flexíveis para estimu-
larem e apoiarem o desenvolvimento dos seus membros69.
Sistematizando um pouco, podemos dizer que o funcionamento familiar pode ser
avaliado a partir do seguinte conjunto de capacidades: (1) capacidade para buscar e
processar informação, (2) capacidade para tomar e implementar decisões, (3) capaci-
dade para resolver conflitos e incorporar diferenças, (4) capacidade para criar e
manter ambientes emocionais positivos e (5) flexibilidade para se adaptar á
mudança.
Estes dinamismos são influenciados por factores tais como a história da família,
problemas de saúde, contingências ambientais, ligação da família ao seu meio social
diferenças individuais entre os membros da família. A acção destes factores não
pode, contudo ser tida em conta isoladamente na medida em que eles estão organi-
zados de tal forma que quando se verificam problemas numa área isso tende a
influenciar o que se passa nas outras áreas. Por exemplo uma família que revela
poucas capacidades ao nível da tomada de decisão, normalmente tem igualmente
problemas no que diz respeito à sua flexibilidade e capacidade de adaptação. Uma
família que não conseguiu desenvolver um clima emocional positivo em que as
pessoas se compreendam e apoiem umas às outras tem igualmente dificuldades em
gerir e ultrapassar os conflitos.
Os factores que influenciam o funcionamento efectivo de uma família podem mudar
ao longo do tempo. Uma família com problemas de integração no tecido social pode,
na sequência de uma constante exposição a situações de stress e na ausência de
modelos das famílias de origem, evoluir no sentido de se tornar numa família
ineficaz onde muitas vezes se verificam situações de maus tratos sobre as crianças.
Cada família tem um enorme potencial para um funcionamento eficaz, contudo
situações como o divórcio, conflito conjugal, problemas de controlo do comporta-
mento infantil, dificuldades em viver com um parente idoso, diferenças profundas e
constantes entre membros da família, tentativas de suicídio, maus tratos infantis,
doenças crónicas, levam muitas vezes as famílias a buscar ajuda, isto nos contextos
em que as pessoas têm uma percepção de que essa ajuda está disponível.

69 Lembro-me a este propósito de uma família que tive ocasião de seguir em terapia familiar
conjuntamente com o Psiquiatra Prof. Daniel Sampaio, em que, entre outros problemas,
uma mãe referia a sua ansiedade quando o filho adolescente de 18 anos saía à noite,
ficando sempre acordada até ele voltar. De referir que esta família residia numa pacata vila
do Alto Alentejo onde, esta situação não representava nenhum perigo real. Aqui havia uma
manifesta dificuldade em lidar com os processos de autonomia relacionados com a
adolescência de um dos filhos.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 130

Processamento da Informação
As famílias saudáveis revelam a sua flexibilidade nos padrões de busca de
informação e utilização de recursos que, de uma forma geral, caem entre dois
extremos.
Os padrões de processamento de informação das famílias ineficazes limitam-se,
contudo, a dois tipos fundamentais: ou são padrões demasiado rígidos,
controladores e apoiantes relativamente àquilo que já é conhecido, ou demasiado
difusos e inteiramente dependentes de recursos exteriores em termos de orientação e
controle. Naturalmente nenhum destes extremos fornece uma contribuição real no
sentido da autonomia, interdependência, auto-confiança ou capacidade de mudança.
Num dos extremos verifica-se uma utilização limitada da informação e recursos, com
a eventual excepção de um ou dois membros da família, reflexo de um sistema
isolado do ponto de vista social, sem ligações aparentes com a comunidade ou com
os sistemas sociais de apoio, com pouca ou nenhuma tolerância relativamente a
opiniões divergentes das crenças típicas da família. No outro extremo temos a utili-
zação excessiva numa enorme variedade de recursos, dependência extrema numa
autoridade exterior (sistema judicial, escola, professor, vizinhos, etc.), isto tudo
acompanhado de níveis mínimos de autonomia.
Qualquer destes extremos é característico de uma família ineficaz, que lidará dificil-
mente com qualquer desafio que se lhe apresente. Para além disso, estes extremos
parecem estar relacionados com padrões de tomada de decisão que são típicos de
uma família ineficaz.

Tomada de Decisão
Um processo de tomada de decisão adequado caracteriza-se pela utilização dos
métodos mais indicados para cada circunstância e pela mobilização dos recursos
familiares de uma maneira apropriada à idade, experiência e capacidade dos
membros envolvidos. à medida que o sistema familiar progride através de vários
estádios e se vê confrontada com diferentes situações, os padrões de tomada de
decisão veriam em termos da autoridade, envolvimento e implementação.
Quando as crianças são muito novas, por exemplo, a maior parte das decisões que
dizem respeito à família terão de ser tomadas e implementadas principalmente pelos
adultos, contudo, à medida que as crianças crescem e o sistema familiar ganha matu-
ridade, os padrões de tomada de decisão deverão ser alterados de forma a ter em
conta as alterações na idade, experiência, interesse e aptidão70. Há medida que estas
situações se vão verificando a família terá que adaptar os seus padrões de tomada de
decisão para se acomodarem ao problema em causa.

70 A partir de determinada altura os pais terão que contar com a opinião dos filhos acerca de,
por exemplo, onde e como passar as férias de Verão, etc..

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 131

Os padrões de tomada de decisão, tal como os padrões de processamento de infor-


mação, parecem adoptar duas posições extremas. Por um lado, encontramos
processos rígidos com tonalidades autoritárias: neste caso os membros "não
decisores" da família limitam-se a tomar conhecimento das decisões após elas terem
sido tomadas, têm muito pouca capacidade de alterar essas decisões e são obrigados
a seguirem as opções impostas, independentemente da disposição ou aptidão
individual para seguir outros rumos. Num outro extremo, verifica-se a existência de
padrões que são tão difusos e ilógicos que são quase ilusórios. Neste caso pode
acontecer que determinados membros da família se veja, a braços com papéis e
responsabilidades que muitas vezes estão para além da sua idade e experiência, e as
poucas decisões tomadas só raramente são levadas a cabo.
Os padrões de tomada de decisão são, de forma geral, organizados, têm um objectivo
claro, são expansivos e normalmente incluem aqueles membros que estão envolvidos
no levar a cabo das decisões tomadas. As tomadas de decisão eficazes, tais como as
ineficazes, coincidem com o clima emocional da família.

Clima Emocional
Os climas emocionais eficazes contêm mensagens que são consistentes e congruentes.
Para além disso normalmente verificamos os seguintes processos:
• a pessoa, e o valor que lhe é atribuído, não está dependente das suas
capacidades, sendo mais importante que elas;
• um indivíduo é merecedor de consideração e reconhecimento quando se esforça
por realizar ou alcançar um objectivo, mesmo quando essas tentativas não são
coroadas de sucesso. A intenção é valorizada independentemente dos
resultados concretos;
• as ligações emocionais assentam na vinculação e são calorosas, apoiantes e
baseadas na honestidade emocional.
Embora aquela que consideramos a família eficaz por vezes cometa erros e tenha que
alterar algumas legações emocionais mais constrangedoras ou contraproducentes,
verifica-se um padrão geral caracterizado pelo calor humano, apoio e formas de
comportamento apropriadas à idade, sexo e experiência dos elementos envolvidos.
Mesmo quando se verificam ligações inter-generacionais, como por exemplo, entre
pai e filho, essas ligações não são exclusivas, quer dizer não deixam os outros de fora,
nem são usadas com propósitos abusivos. Pelo contrário, verifica-se uma protecção
de uns membros por outros, mas cada indivíduo é igualmente capaz de se defender e
falar por si próprio. Existe um forte sentimento de pertença, mas existe igualmente a
possibilidade de cada membro da família experimentar as suas próprias asas e ter a
noção do seu próprio sentido de identidade.
O clima emocional menos satisfatório é aquele que poderíamos definir como um
ambiente fluido, instável, imprevisível no qual a motivação principal é o medo do

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 132

castigo ou a indiferença perante as consequências. As punições ou recompensas


emocionais não são consistentes, as ligações emocionais são habitualmente feitas
unicamente com um ou dois outros membros da família e são usadas estratégias
manipulatórias para influenciar o comportamento de determinados membros71.
Paralelamente a este ambiente relativamente desestruturado encontram-se muitas
vezes expectativas irrealistas no sentido da perfeição, um receio constante da
desaprovação e indicadores inconsistentes acerca das formas mais apropriadas de
expressão das emoções.
Os ambientes emocionais, satisfatórios ou insatisfatórios, constituem um dos funda-
mentos mais importantes da forma como são geridas as diferenças e é baseada a
tolerância à individualidade.

Conflito e Individuação
A família satisfatória reconhece a necessidade das diferenças individuais estando ao
mesmo tempo consciente de que a harmonia não é necessariamente um indicador de
saúde, encoraja o desenvolvimento individual e aceita que os seus membros mudem
como resultado desse desenvolvimento.
A família insatisfatória normalmente, ou não encoraja limitando-se a tolerar as
diferenças ou é constituída por indivíduos, opiniões e ideias de tal forma diferentes e
divergentes que qualquer tentativa para tomar uma decisão ou funcionar como um
grupo se torna virtualmente impossível. No primeiro caso qualquer mudança verifi-
cada num membro expressa através de opiniões ou acções individuais envia ondas
que vão ecoar através da rigidez do sistema familiar. Nesta circunstância a família
normalmente reage com um apelo à "unidade" e ao conformismo que acaba por
dificultar qualquer tipo de esforços ou até de experiência individual. As disputas
verbais são evitadas ao máximo e o método mais frequente para lidar com os desen-
tendimentos é o afastamento puro e simples. No segundo caso a família é essencial-
mente composta por indivíduos desligados entre si, o que acontece a um dos
membros não tem um significado especial para os outros, a não ser que isso afecte os
seus desejos e objectivos individuais. Muitas vezes verifica-se que determinados
membros actuam de diversas maneiras com o objectivo de obter uma intervenção de
um sistema exterior à família de forma a alterar um pouco o seu estado caótico e
fragmentado. Muitas vezes estas famílias são identificadas, por exemplo, pelas
Educadoras de Infância, ao verificarem que uma criança chega ao infantário com
fome, mal vestida ou doente, apesar do facto por vezes virem daquilo que
poderíamos considerar uma família de bons recursos.

71 Este é o caso, por exemplo, de uma mãe que ameaça suicidar-se se o filho sair de casa para
ir viver com a namorada.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 133

Produtividade e Flexibilidade
Os padrões satisfatórios de produtividade familiar incluem os seguintes parâmetros:
— Definição de objectivos claros, atingíveis e partilhados de forma consensual por
toda a família; Identificação das prioridades a ter em conta na consecução desses
objectivos; Capacidade para organizar e realizar tarefas em conjunto ao mesmo
tempo que existe a possibilidade de fazer as alterações necessárias sempre que os
desejos ou necessidades individuais o solicitem.
Pelo contrário os padrões de produtividade insatisfatórios podem ser limitados e
rígidos ou não directivos e imprevisíveis, isto é, verifica-se uma rigidez consistente
ou uma falta de orientação definida. Por vezes verifica-se igualmente uma
dependência exagerada de recursos exteriores e a incapacidade para a adaptação
manifesta-se através de sintomas vários, tais como a doença física, passagem ao acto
ou afastamento e isolamento.

Estrutural
Uma abordagem estrutural da família baseia-se no conceito de que uma família é
mais do que as realidades bio-pisco-dinâmicas dos seus membros. Os membros da
família relacionam-se entre si de acordo com determinados arranjos, que acabam por
condicionar as suas interacções concretas. Estes arranjos, se bem que nem sempre
sejam explicitamente definidos ou mesmo reconhecidos, formam um todo — a
estrutura da família. A estrutura familiar não sendo, assim, uma realidade imediata-
mente perceptível para qualquer observador exterior, pode, ser descrita em termos
de variáveis específicas estruturais, a saber, fronteiras (isto é, regras de participação) e
hierarquias (isto é, regras de poder). É a partir de um contacto com a família, de ouvir
o que os membros da família dizem uns aos outros e ao observador, assim como da
observação da forma como se relacionam entre si, que podemos construir um modelo
estrutural da família.
Este processo de construção de um modelo estrutural da família leva a que um
observador exterior tenha que se pôr as seguintes questões. Por exemplo: Quem é o
porta-voz da família? De que forma ele foi seleccionado para fazer a apresentação da
situação e assumir a responsabilidade do primeiro contacto com a instituição. Se for o
pai o porta-voz da família, o que é que isto significa? Ele assume a função de
porta-voz porque tem o poder executivo na família, ou é a mãe o verdadeiro líder
executivo que cede temporariamente o seu poder ao marido devido à prescrição
cultural que atribui o poder ao homem? O que é que ela faz quando o seu marido
fala? Ela apoia o que está a ser dito ou interfere de forma verbal ou não-verbal,
desautorizando o discurso parental?

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 134

As relações diádicas no seio da família podem tomar diversas formas. Olharemos


com mais atenção para duas delas na medida em que têm uma reconhecida
importância na dinâmica familiar: — a aliança e a coalisão.
A aliança é uma relação de afinidade entre duas pessoas no seguimento de uma
atracção, de uma simpatia mútua ou de um interesse comum. Uma coalisão repre-
senta uma estrutura de poder; ela implica a solidariedade de duas, ou mais, pessoas
contra uma terceira.
Ora a família sendo uma estrutura hierárquica e não igualitária, dada a diferença de
estatutos e de papéis entre os seus membros, acabe, de certa forma, por favorecer o
aparecimento de coalisões. As coalisões obedecem a regras lógicas no sentido em que
resultam de um jogo composto por uma relação de forças. Tomemos como exemplo
uma família constituída por um pai (A), uma mãe (B)e um filho (C); enquanto a
criança é pequena podemos ter a seguinte relação de forças A > B, B > C, e
A > (B + C); uma coalisão une a mãe e o filho, sem ameaçar a dominação do pai. Mas,
quando a criança cresce, as suas forças aumentam e teremos A = (B + C). O pai não é
já capaz de dominar a tríade e é, por isso, obrigado, para tomar decisões, de formar
uma coalisão seja com B ou seja C, contudo muito naturalmente a forma mais comum
será a coalisão parenta A — B, que lhe permite ao mesmo tempo dominar o filho e a
sua mulher. Quando o filho atinge a adolescência, podemos ter A < (B + C); em que a
mãe faz uma aliança com o filho adolescente para inverter a relação de poder com o
seu marido. O filho tem igualmente interesse nesta situação na medida em que lhe
permite adquirir algum poder que, se tudo correr normalmente, poderá utilizar no
seu processo de autonomização face ao sistema familiar. Eventualmente, se o filho
permanecer em casa após ter atingido o estado adulto, podemos ter A > B e B = C, em
que a mãe verificando que é a mais fraca pode regressar a uma coalisão com o
marido para, o que lhe permitirá manter um certo controle sobre o filho enquanto ele
permanecer em casa dos pais.
Este esquema extremamente simplificado mostra como a noção de coalisão facilita
uma análise das interacções familiares em termos de distribuição do poder, permi-
tindo uma nova leitura de uma situação muito frequente que o terapeuta familiar Jay
Haley, designou por triângulo preverso:
Um triângulo preverso é uma situação estrutural que tem as seguintes características:
• As pessoas que compôem o trinãngulo pertencem a gerações diferentes e
ocupam posições diferentes na hierarquia do poder;
• Uma pessoa pertencendo a uma geração forma uma coalisão com uma pessoa
de outra geração contra um outro membro da sua geração;
• A coalisão, se bem que evidente ao nível comportamental é negada ao nível
verbal.

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 135

Esta situação, quando se torna demasiado repetitiva pode dar origem a comporta-
mentos patológicos pois perde-se clareza da definição generacional.
Contudo, o acordo interaccional, as alianças ou as coalisões, mais ou menos estáveis
não são suficientes para assegurar o equilíbrio e a estabilidade desta colectividade
feita de indivíduos interdependentes que é a família. Para subsistir o sistema familiar
leva à instauração de normas de funcionamento que orientam as relações, favorecem
a instituição de rituais e permitem o acordo automático sobre certos aspectos
essenciais para a vida familiar. Estas normas, que com o tempo, acabam por conduzir
à definição de valores fundamentais partilhados por toda a família, devem ser sufi-
cientemente poderosos e interiorizados para evitar os conflitos e as discussões
intermináveis.
Este sistema de valores constitui um contexto estável, uma espécie de plano de acção
"pronto-a-vestir" que dispensa a família de reflectir sobre cada situação concreta e,
assim, economizar tempo, angústia e energia.
A compreensão deste processo remete para um nível de análise contextual, ao qual
nos dedicaremos no capítulo seguinte.

Contextual
Uma abordagem ao nível contextual incide basicamente sobre o sistema de crenças,
de visões, os mapas do mundo compartilhadas pelos membros de uma determinada
família. Com efeito, cada um de nós transporta dentro de si uma estrutura de crenças
que não somente organizam a nossa realidade compartilhada, como organizam o
nosso comportamento na base de suposições que estão claramente cristalizadas em
ideologias, algumas em convicções de que: "Esta é a forma como as coisas realmente
são!"(Sluzki, 1993) Assim, todos os actos de comunicação (discurso e acções)
fornecem um acesso directo às visões do mundo de cada um de nós.
No campo específico da família, estas visões do mundo definem um determinado
contexto constituído por um conjunto específico de palavras-chave, símbolos e
histórias que condensam prescrições e proscrições de comportamentos, ordens e
regulamentos, acordos sobre pontuações e fronteiras, além de regras interpessoais
em geral. São invólucros circundantes que acrescentam os níveis de significado e dão
continuidade a todas as interacções, sendo, no caso de uma nação, a sua bandeira, o
seu hino nacional, certos gestos dos seus chefes, os seus heróis e os seus inimigos.
No caso da família as interacções são sempre emolduradas por um conjunto simbó-
lico rico e bastante estável, específico da condição humana, que recorda aos seus
membros como é que a realidade deveria ser construída, criando, apoiando e recor-
dando ao mesmo tempo as regras familiares. Estas regras existem em todas as
famílias sendo muitas vezes designadas por mitos familiares. Podemos definir mito
familiar como referindo-se a um certo número de crenças relativamente bem

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 136

sistematizadas, partilhadas por todos os membros de uma família, respeitantes aos seus papeis
mútuos na família e a natureza da sua relação. Estes mitos familiares contêm numerosas
regras que permanecem dissimuladas pelo carácter trivial das rotinas e dos clichés
familiares. Normalmente os mitos estão bem integrados na vida quotidiana e não
somente os membros da família não sonham em os pôr em causa, como os assumem
como verdades absolutas se são contestados.
O mito comporta muitas vezes uma apreciação sobre um dos membros da família,
mas determina de facto, por esta apreciação, o comportamento de todos os outros
membros. Podemos citar o exemplo de uma família na qual era admitido sem
discussão que a mãe "não tinha jeito para a mecânica" e, por isso, nunca tinha nem
mesmo tentado aprender a conduzir. Este facto em si não teria nada de especial,
sendo até bastante vulgar, se a família não habitasse fora da cidade de tal forma que
todas as deslocações tivessem que ser feitas de automóvel. Ora, devido a esse facto,
após 16 anos de casados o marido teve sempre que fazer de motorista à sua mulher,
isto em prejuízo das suas próprias actividades tanto privadas como profissionais.
Esta apreciação do comportamento da mãe obriga de facto o pai e até eventualmente
os filhos mais velhos a adoptarem uma posição de complementaridade rígida face a
ela, impedindo qualquer possibilidade de variação neste aspecto.
Se os mitos existem em todas as famílias (um certo nível de mitologia é até indispen-
sável ao bom funcionamento das relações) eles são sempre mais evidentes, mais
enraizados, mais numerosos, mais condicionantes nas famílias problemáticas. Estas
dão muitas vezes a impressão de que só existem por elas e para elas, parecem
"esmagadas" sob o peso da sua própria mitologia e normalmente deixam aos seus
membros uma margem de manobra tão estreita que a única possibilidade de acção é
a repetição dos comportamentos determinados pelas regras mitológicas. Natural-
mente uma família deste género terá muitas dificuldades em se adaptar a situações
novas, como por exemplo, aquelas que decorrem da entrada de uma criança para a
escola ou para o Jardim de Infância. Muitas vezes verificamos que em famílias em
que impera o mito dos "bons pais" as crianças são superprotegidas de tal forma que
quando a criança é entregue temporariamente aos cuidados de outro sistema (escola,
J. I.) os pais insistem junto dos professores ou educadores para que estes tratem a
criança com o mesmo nível de atenção e controlo que caracteriza a vivência familiar.
Quando um mito é ameaçado, por exemplo, pelo simples facto de que as crianças
crescem, muitas famílias não conseguem lidar com esse facto e buscam ajuda em
sistemas exteriores, normalmente com o objectivo de reforçar o próprio mito. Como
isto se revela muitas vezes impossível a família pode passar por graves momentos de
crise e até correr riscos de desestruturação.
Esta breve passagem pelo mundo da família teve como objectivo último fornecer
instrumentos conceptuais ao professor e educador na perspectiva que lhe possam ser
de alguma utilidade no âmbito das suas responsabilidades pedagógicas. Não se
pretende, contudo, que este assuma uma atitude terapêutica face aos casos em que a

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A DINÂMICA DA RELAÇÃO INSTITUIÇÃO/FAMÍLIA 137

sua própria definição da realidade lhe indique estar perante um conjunto de


comportamentos problemáticos que muitas vezes acabam por ter reflexos
significativos na criança, mas para que, fazendo uso dos conhecimentos que
adquiriu, compreender a situação de tal forma que evite ser envolvido no próprio
problema, apoiando, numa perspectiva moralista, uns membros contra outros, o que
não poderia deixar de ser mais um factor agravante e impeditivo de uma resolução
espontânea da situação.
Nos casos em que o educador ou professor deparar com uma situação de tal forma
degradada que ponha eventualmente em risco o seu trabalho como educador junto
de uma determinada criança, o conhecimento da problemática familiar poderá
levá-lo a recomendar à família um apoio terapêutico já hoje disponível em alguns
Centros especializados.

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Índice remissivo

Comunicação
A Padrão estrutural · 67
Conflito cognitivo · 96
Abordagem sistémica · 6 Conflito sociocognitivo · 96
Abordagem sistémica · 7
ARGYLE, J. · 74
ARONSON, E. · 96 D
Atracção interpessoal · 65 DEUTSCH, Morton · 89
Princípio de complementaridade · 66 Dissonância cognitiva · 64
Princípio de semelhança · 66 Double-Bind · 38
Atribuição causal · 61
Atribuições · 96
Auto-estima · 96 E

EISENBERG, Werner · 18
B Empatia · 96
Epistemologia · 18
BARKER, Roger · 99, 103, 111, 112 Escola
BARKER, Roger · 107 crise da · 1
BARKER, Roger · 108 Espaço pessoal · 105
BARKER, Roger · 108 Esquemas mentais · 67
BARKER, Roger · 108 Esquizmogénese complementar · 46
BARKER, Roger · 108 Esquizmogénese simétrica · 46
BATESON, Gregory · 6, 16, 17, 38, 46, Estrutura familiar · 133
54 Aliança · 134
BERTALANFFY, Ludwig · 7, 8, 9, 10
Coalisão · 134
BLOUET-CHAPIRO, Christine · 2 fronteiras · 133
Hierarquias · 133
C Triângulo preverso · 134
EVÉQUOZ, G. · 50, 117
Causalidade · 21 Experiência de intimidade · 66
Cibernética · 7
Circularidade · 20
Comportamento socioespacial · 103 F
Comportamento socioespacial · 98
FARR, R. M. · 60
Compreensão recíproca · 58

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ÍNDICE REMISSIVO 144

Fase de aceitação da mensagem I


Latitude de aceitação · 64
Zona de rejeição · 64 Inferência · 57
Fase de aceitação da mensagem · 64 Interacção · 49
Fase de percepção da mensagem Interacção complementar · 46
Distorção por assimilação · 64 Interacção simétrica · 46
Distorção por contraste · 64 Intersubjectividade · 19
Fase de percepção da mensagem · 63
FESTINGER, Leon · 64 J

G Janela de Johari
Área aberta · 58
GILLY, Marcel · 61 Área cega · 58
GOFFMAN, Erving · 59 Área desconhecida · 58
Grupos Área oculta · 58
características dos membros · 72 JOHNSON, D. W. · 90, 91, 92, 95
aptidões · 73 JOHNSON, R. · 90, 91, 92, 95
classe social · 72 Julgamento social · 63
idade · 72
sexo · 72 K
clima emocional · 70
coesão · 87 KANT, Emmanuel · 18
desenvolvimento · 76 KATZ, D. · 74
estatuto · 76, 97 KHAN, R. L. · 74
estrutura · 70, 82 KHAN, Robert · 75
objectivos · 82
papel · 74, 82 L
T Groups · 69
tamanho · 71, 82 LEWIN, Kurt · 20, 78, 89, 98
Grupos LUFT, Joseph · 58
norma · 73
M
H
MAISONNEUVE, Jean · 59, 60
HALL, Edward T. · 105 MARUYAMA, G. · 90, 91, 95
HARGREAVES, D. H. · 66 MARX, Karl · 6
HEIDER, Fritz · 61, 62 Matriz Sociométrica · 80, 83
HOLLANDER, E. P. · 73 Mitos familiares · 135
Homeostase · 12 MONTEIL, J-M. · 63
HUME, David · 18 MORENO, J. L. · 80
MORENO, Jacob Levy · 78, 79, 80
Morfoestase · 12

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ÍNDICE REMISSIVO 145

Morfogénese · 12 S
MOSCOVICI, Serge · 60
Motivação extrínseca · 92 SEDGWICK, R. N. Rae · 116
Motivação intrínseca · 92 SELMAN, R. L. · 58
Sensibilidade relacional · 86
SHANDS, Harley · 14
N
SHANNON, Claude · 29
NEWCOMB, T. M. · 66 SHERIF, Muzafer · 63, 64
NORTHWAY, M. · 78 SIMÕES, Helena · 5
Sistema · 6, 8
características constitutivas · 10
O
propriedades
OLIVEIRA, José H. Barros · 116 autoregulação · 12
Organização · 7 equifinalidade · 11
OVEJERO, Anastasio · 90, 91, 97 totalidade · 10
Sistema aberto · 9
Sistema fechado · 9
P SLUZKI, Carlos · 135
Padrão · 26 Sociabilidade · 86
PAGÉS, Max · 65 Sociograma · 83
Percepção Interpessoal · 57 Sociometria
Estrutura do Grupo
PERRET-CLERMONT, Anne Nelly · 95
Estrutura externa ou formal · 79
PIAGET, Jean · 96, 113
Estrutura interna ou informal · 80
POPPER, Karl · 19
POSTIC, Marcel · 49 Princípio da espontaneidade
PRATA, F. X. Pina · 12 criadora · 79
Privacidade · 104 Princípio da interrelação · 79
PROSHANKY, H. M. · 104 Técnicas de Investigação · 80
Proxémica · 105 Técnicas Terapêuticas · 80
STEPHAN, W. · 96
zona íntima · 105
zona pessoal · 105
zona pública · 105 T
zona social · 105
TAVARES, José · 50
Teorias implícitas da personalidade ·
R 61
Teste de Percepção Sciométrica · 79
Raciocínio Analógico · 24
Teste Sociométrico
Realismo perceptivo · 86
Fiabilidade · 85
Rede sociométrica · 86
Utilidade prática · 87
Regra · 26
Validade · 85
Regras familiares · 124
THIBAUT, J. · 74
ROKEACH, M. · 64
Tipos sociométricos · 84

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ÍNDICE REMISSIVO 146

TUCKMAN, B. V. · 76 W

WATZLAWICK, Paul · 12, 57, 67, 68


V
WEINER, Bernard · 62
VAYER, Pierre · 117 WHORF, Benjamin · 14
WIENER, Norbert · 29

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