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O ENVOLVIMENTO DOS PAIS NA VIDA ESCOLAR: FORMAS,


CONTEXTOS E IMPACTOS
Bruna Pinheiro1, Henrique Ramalho2 Alberto Cartagena3
Escola Superior de Eucação – Instituto Politécnico de Viseu (Portugal)
1

Escola Superior de Eucação – Instituto Politécnico de Viseu (Portugal)


2
3
Escola Superior de Eucação – Instituto Politécnico de Viseu (Portugal)
bruna-alexandra@sapo.pt, hpramalho@esev.ipv.pt, cartagena@esev.ipv.pt

Resumo
Enquadramento Concetual: focalizado em dois tópicos fundamentais: i) a evolução do quadro
legislativo que tem vindo a suportar a participação dos pais na escola pública portuguesa, desde os
pressupostos da Didática Magna de João Amós Coménio, passando pelo efeito regimentista que se
consolidou entre a implementação da Primeira República e o Estado Novo, passando pelo período de
normalização do pós 25 de abril de 1974, até à Lei de Bases do Sistema Educativo e respetivas
evoluções normativas que se conhecem até aos dias de hoje; ii) escola, família e sucesso educativo:
relações e desafios, onde são desenvolvidos aspetos associados aos papéis e responsabilidades dos
pais no quadro particular do seu envolvimento na vida escolar, convocando, com maior pormenor, as
problemáticas da comunicação e da formação dos e com os pais enquanto fatores do sucesso
educativo. Objetivos: são objetivos centrais analisar formas e impactos do envolvimento dos pais na
vida escolar dos seus educandos, compreender a motivação e condicionantes daquele envolvimento,
esclarecer as formas de o consolidar e, mais particularmente, compreender as dinâmicas contextuais
de uma organização escolar promotoras do ativismo educativo dos pais. Metodologia: segue-se a linha
metodológica do estudo de caso, privilegiando o uso de inquéritos por questionário, aplicados a pais e
a professores, complementado com a análise de alguns documentos oriundos do contexto investigado.
Resultados: procede-se à discussão das diferentes formas de envolvimento dos pais, limitadas ao
espectro formalista das reuniões ou às dinâmicas festivas da escola, sendo o seu contributo pouco
espontâneo e, portanto, muito marcado pela previsibilidade, assistindo-se a uma instrumentalização do
envolvimento dos pais para consolidar algum “protecionismo” aos seus educandos, em contracorrente
com a predisposição dos professores. Conclusão: coteja-se a ideia central de que a escola tende a
configurar-se por um conjunto de atividades algo circunscritas e suscitadoras do envolvimento dos pais
pontual, inflexível e limitado aos horizontes minimalistas das normas instituídas.

Palavras-chave: envolvimento dos pais, motivação e condicionantes do envolvimento parental, sucesso


educativo.

1 INTRODUÇÃO

Todas as alterações estruturantes a que temos vindo a assistir nos últimos tempos, no quadro da
edificação do sistema educativo português, nomeadamente no que concerne às características e
prerrogativas associadas aos contextos escolar e familiar, têm vindo a determinar uma nova conceção
da relação estabelecida entre a escola e a família, propondo novos desafios aos vários intervenientes
educativos em prol do sucesso das aprendizagens dos alunos.
Destacamos a importância que aquelas duas instâncias apresentam em termos de formas, impactos e
contextos através dos quais, ambas as instituições se deixam intersetar, embora mutuamente, mas
não, necessariamente, com igual incidência e preponderância. Perante esta conjetura, ganha sentido
a opção que, neste estudo, fazemos pela temática em que problematizamos a participação, mais ou
menos institucionalizada, dos pais na escola do Primeiro Ciclo do Ensino Básico. Neste enredo
problematizador, ainda que com alguma força de síntese, acolhemos o propósito de sinalizar o ponto
de partida mais explícito que nos orientou no trilho da investigação agora explanada num texto mais
breve: a problemática da relação entre pais e professores desde sempre suscitou grandes controvérsias
ao longo da história do sistema educativo português, com especial destaque para os movimentos que
têm vindo a ser desenvolvidos em torno da democratização do acesso à educação, em que a
prerrogativa da participação de atores escolares, ditos não tradicionais, torna-se absolutamente
incontornável, para convocar incidências teóricas e empíricas que têm vindo a dar lugar a argumentos
favoráveis a um maior envolvimento dos pais na vida escolar dos seus educandos. Assim, continua a
ser de extrema pertinência estudar o tema enunciado, atendendo especialmente aos paradoxos que
dele decorrem. Se, por um lado, existe um consenso social de que o envolvimento dos pais na escola
é um fator fulcral para o sucesso escolar dos educandos, por outro, são reconhecidas, em diversos
quadrantes sociais, manifestações divergentes respeitantes às formas, contextos e impactos que
resultam desse envolvimento, mais ou menos incrementado. Ocorre-nos dizer, a propósito, que a ideia
do envolvimento dos pais passou a ser debatida em linha com as fronteiras e limites socioeducativos
difusos e necessariamente voláteis e transitórios ocorridos nos contextos escolares.
É na esteira daquela ideia que procuramos pôr em perspetiva a relação das práticas de envolvimento
parental com a peocupação suscitada em torno do sucesso escolar dos alunos, algo que depende,
também, da compreensão da motivação e condicionantes que suscitam ou inibem esse envolvimento.
Congruentemente, foi empiricamente relevante discutir, em particular, as dinâmicas contextuais de uma
organização escolar na sua articulação com as dinâmicas e perseptivas, ainda que social e
culturalmente construídas, dos pais.
Optou-se por uma metodologia que envolve características de um estudo de caso, segundo as
prerrogativas de se tratar de um “[…] caso específico ou situação e identificar, ou tentar identificar, os
diversos processos interativos em curso” (Bell, 1993, p. 23). Tipificamos a nossa aproximação a um
“estudo de caso de observação”, dado “o foco do estudo centra-se numa organização particular (escola,
centro de reabilitação) ou nalgum aspeto particular dessa organização” (Bogdan & Biklen,1994, p. 90).
Tendo optado pela técnica do questionário, foi definida uma amostra constituída por dois subgrupos
amostrais, resultando numa amostra estratificada (Bisquerra, 2000). O método de amostragem
consistiu em, a partir da população estatística, proceder à sua divisão em dois estratos (professores e
pais); dentro de cada um desses estratos definiu-se o respetivo grupo amostral, recorrendo ao método
da afiliação proporcional (Bisquerra, 2000). No caso dos professores, o grupo foi, no conjunto dos seus
indivíduos, integralmente afiliado, sendo possível fazer coincidir o tamanho do estrato com a dimensão
do subgrupo amostral. Ao fazer coincidir o tamanho da subamostra com o tamanho do estrato,
contrariamos o pressuposto habitual neste tipo de amostragem – proceder aleatoriamente à seleção
dos elementos -, não se colocando, no caso, problemas de limitação da objetividade (Ghiglione &
Matalon, 1993) e, consequentemente, de constituição de uma base consistente de representatividade
da população estatística (Pardal & Lopes, 2011). No grupo dos pais, dada a sua grande dimensão,
adivinhando a impossibilidade de inquirir todos os indivíduos que constituem este estrato, optamos por
uma técnica de afiliação também proporcional, mas com base num processo aleatório simples
probabilístico (Bisquerra, 2000). Obteve-se uma taxa retorno de 71%, na base de uma amostra
estratificada de 271 indivíduos.

2 A PARTICIPAÇÃO/ENVOLVIMENTO DOS PAIS NA ESCOLA: BREVES


NOTAS DA SUA EVOLUÇÃO NO DISCURSO EDUCACIONAL PORTUGUÊS

Ao longo dos tempos, os pais foram, cada vez mais, ainda que timidamente, ganhando espaço formal,
não formal e informal para que a sua intervenção e envolvimento se tornassem mais efetivos. Podemos
olhar para trás e perceber que o tema da relação dos pais com a educação não é um fenómeno
exclusivo do nosso tempo. Até ao final da Idade Média, as aprendizagens ditas necessárias para a
integração social eram processadas no seio familiar e até mesmo na comunidade (Lima & Sá, 2002, p.
26). João Amós Coménio, no séc. XVII, com a sua obra Didática Magna, vinculando o seu pensamento
educacional aos dogmas cristãos, inaugurou a relevância do papel dos pais na educação dos seus
filhos, suscitando a ideia de que “dos pais, poucos são aqueles que podem ensinar aos filhos qualquer
coisa de bom, quer porque eles próprios nunca aprenderam nada de bom, quer porque, devendo
ocupar-se de outras coisas, descuram este seu dever” (Coménio, 2001, p. 41, 120). Insistia na utilidade
da arte didática para “os pais que, até agora, na maioria dos casos, ignoravam o que deveriam esperar
de seus filhos. Contratavam preceptores, pediam-lhes, acarinhavam-nos com presentes e até os
mudavam, quase sempre em vão e às vezes com algum fruto” (Coménio, 2001, p. 47). Introduzia,
assim, ideias inovadoras sobre o papel da família, na sua relação com as escolas e na educação da
juventude. A propósito, o autor proclamava a rogativa a todos os que contribuem para a educação da
criança: os pais e os formadores da juventude. Aos pais clamava para que se dedicassem o mais que
pudessem à vida escolar dos seus filhos, sem nunca se mostrarem cansados, aos professores
depositava-lhes confiança para que guiassem os seus alunos e os fizessem alcançar o sucesso de
todos, em prol dos desígnios de Deus.
Entretanto, a partir de 1759 começam a ser implantadas as reformas pombalinas da instrução pública,
que se contrapõem ao predomínio das ideias religiosas e, com base nas ideias laicas inspiradas no
Iluminismo, instituem o privilégio do Estado em matéria de instrução (cf. Lima, 1998). À medida que o
Estado consolidava o controlo da educação, em detrimento do protagonismo da igreja, crescia a
afirmação dos professores como profissionais. Tal efeito de profissionalização dos professores originou
a sucessiva perda de influência por parte dos pais.
Muito mais tarde, grande parte dos discursos educacionais desenvolvidos sob o cunho do
republicanismo, entre finais do século XIX e o início do século XX, mantinham-se alinhados com a
perspetiva da educação como fator principal do progresso das sociedades modernas. Como
consequência direta, de 1901 a 1911 registou-se um aumento considerável de escolas e professores,
em que, malogradamente, número de alunos que frequentavam a escola não correspondia aos
enumerados em idade escolar. Foi durante o ano escolar de 1911-1912 que o Ministério do Interior, por
via da Direção Geral de Instrução Primária, instiuiu o Decreto 29 de março de 1911, que configurava a
reforma republicana da instrução pública. Apesar de se tratar de uma reforma especialmente
vocacionada para a reorganização da tutela do sistema e para a consolidação de um quadro de
professores adequado, na sua introdução é mencionado o papel da família: “[…] a educação exerce-
se como que automaticamente, durante toda a vida, só com a diferença de que, na idade adulta, o
homem confia a si mesmo a missão do seu próprio educador, ao passo que, na idade infantil, precisa
de um guia, que é conjuntamente a família e o mestre”. No seu artigo 5.º, onde se dirige à conceção
do ensino infantil oficial, robustece o papel da família, nomeadamente o da mãe: “[…] a educação das
crianças, de que trata este artigo, é feita na escola pela professora e na família pela mãe, devendo
ambas harmonizar-se na orientação a dar à educação da criança”. A propósito, referiu-se, também,
Rómulo de Carvalho (1986, p. 666): “É uma reforma de sonho, em que se programa o que seria bom
de ver realizado, sem se atender à situação real do país”. Contudo, a prerrogativa republicana do ensino
aberto a todos os alunos, padecendo de uma crónica instabilidade política, fez com que não se
estabelecessem relações mais efetivas entre a escola e a família. Fruto de uma herança política e
administrativa sinalizada com três pontos fracos - a indisponibilidade financeira, o deficiente
funcionamento das estruturas administrativas tanto centrais como municipais e a atitude desconexa de
muitos dos eleitos municipais (cf. Coelho, 1973), contando com outras contingências desfavoráveis
ocorridas entre 1910 e 1926, cujo colapso do projeto político republicano conduziu à instauração do
regime ditatorial, historicamente referenciado por Estado Novo.
A matriz ideológica da nova de configuração do Estado, apoiada nos três pilares - Deus, Pátria, Família
– denunciava uma especial vocação centralista e controladora do sistema educativo, modelando a
preponderância do Estado sobre a sociedade civil, período em que o ensino passava essencialmente
pela inculcação ideológica (Stoer, 1986), dando origem a uma “pedagogia autoritária e repressiva”
(Benavente, 1999, p. 55).
Consequentemente, a ordem social e política do Estado Novo instituiu um regime autoritário,
centralizado nas estruturas administrativas do Estado, assente numa “teoria das elites no governo [...]
e não participativa no exercício da atividade dirigente” (Formosinho, 1989, p. 100). A educação escolar
era vista como um serviço do Estado, pois era centralizada e dizia respeito, apenas, às pessoas que
fazem parte da escola, isto é, funcionários, alunos e professores. Deste modo, os pais não eram
considerados essenciais na escolarização dos seus filhos.
Não obstante, e ainda que de forma exclusivamente comprometida com o ideário do poder político
instituído, o Decreto nº 2258/33, de 26 de maio menciona, no seu preâmbulo, a colaboração da família
na escola, referindo que toda organização escolar “[…] pressupõe a cooperação da família”,
inaugurando a ideia de corporação de pais com o intuito de dar continuidade, em casa, à promoção
dos valores a serem veiculados pela instrução escolar de então: Deus, Pátria e Família.
O ano de 1936 aponta-se como momento crucial na concretização do projeto de educação nacionalista
do Estado Novo. A mais importante de todas as reformas educativas empreendidas pelo Estado Novo
tem a assinatura de Carneiro Pacheco, então Ministro da Educação, designada por Reforma de Estudos
através do Decreto-Lei nº 27084/36, de 14 de outubro. Com esta reforma extinguiram-se os diretores
de classe, substituídos pelos diretores de ciclo de ensino, para que o Estado tivesse um maior controlo
do sistema de ensino. Não obstante, continuava a não ser concedida importância ao envolvimento dos
pais na vida escolar, assumindo-se como a ímpar e única reserva moral possível, através da Mocidade
Portuguesa e da Obra das Mães pela Educação Nacional, mantendo a instrução escolar sob o jugo
controlador do Conselho, assegurando uma “educação da maioria da população tao limitada quanto
possível” (Davies,1989, p. 27).
No dealbar da revolução de 25 de Abril de 1974, a publicação da Lei n.º 5/73, de 25 de julho, reinscrevia
o sistema educativo no trajeto da democratização do acesso à escola. Um dos ganhos mais evidentes
começou pelo novo, ainda que tímido, entendimento que se dá à relação escola-família: “Facilitar às
famílias, mediante adequadas formas de cooperação, o cumprimento do dever de instruir e educar os
filhos;” (cf. alínea c) da Base II). Ainda a propósito, João Formosinho (1992, p. 25) aponta que “é aqui
de referir a influência que diferentes valorizações da educação escolar pelas famílias podem ter no
sucesso escolar dos alunos”. A revolução 25 de Abril de 1974 marca o começo de um período de
avanços e recuos, conquistas e perdas, hesitações e frustrações, mas, também, de profundas ruturas
a vários níveis: políticas, económicas, sociais e culturais, com impactos diretos na escola (cf. Castro,
1995, pp. 48-49). Não obstante, verifica-se a quase total ausência de referência do envolvimento dos
pais nos discursos e nos diplomas legais, bem como ao nível da ação organizacional das escolas, como
disso é exemplo a regulamentação dada pelo Decreto-Lei nº 221/74, de 27 de maio, em que é
estruturada a escolha democrática dos órgãos de gestão das escolas referindo-se à “participação
adequada dos estudantes, pessoal docente, técnico, administrativo e auxiliar” (artigo 1º), isentando o
papel dos pais neste tipo de participação mais formal na escola. Esta omissão dos pais do governo
democrático das escolas permaneceu dominante durante um determinado período de tempo, não se
constituindo em assunto passível de discussão política; não causava disputa, nem fazia parte da
agenda explícita quer dos governantes, quer dos pais.
Mais tarde, a publicação do Decreto-Lei 769-A/76, de 23 de Outubro prossegue a linha da não
normalização da participação e envolvimento formal dos pais na vida das escolas, pois continua a não
integrá-los nas estruturas representativas, retirando-lhes, inclusivamente, visibilidade, afirmando
apenas que uma “gestão para ser verdadeiramente democrática exige a atribuição de responsabilidade
aos docentes, discentes e pessoal não docente da comunidade escolar”, pelo que “o legislador parece
não ter tido necessidade de, pelo menos, discursivamente reconhecer o importante papel das
associações de pais e encarregados de educação” (Lima & Sá, 2002, p. 50). De notar, contudo, que
com este diploma legal foi dada a oportunidade para que se elegesse, pela Associação de Pais, um
representante dos encarregados de educação (cf. art.º 40.º e art.º 52.º), que tinha a função de resolver
problemas de disciplina, com a prerrogativa da participação formal nos Conselhos de Ano ou de Turma,
sem direito a voto deliberativo (cf. art.º 28.º). Talvez por isto alguns autores considerem que este
diploma deu um primeiro sinal do poder político relativamente à participação e envolvimento formal dos
pais na escola (cf. Silva, 1994, p. 308). Não obstante, Licínio Lima e Virgínio Sá (2002, p. 24) põem em
causa o alcance desse diploma legal, declarando que a inclusão dos pais nestes Conselhos de Turma,
“mais do que uma forma de lhes reconhecer um direito, talvez possa ser interpretada como mais uma
forma de os (co)responsabilizar pelos comportamentos dos alunos no interior da escola”.
Especificamente, no que concerne ao ensino primário, só com o Decreto-Lei nº 315/84, de 28 de
setembro, foi aberta a possibilidade de um representante da Associação de Pais participar no Conselho
Pedagógico (art.º 22º) e nos conselhos de turma para assuntos disciplinares. Cotudo, o efeito
normalizador produzido em nada alterou o modo de participação dos pais, cujo efeito essencial passava
pelo papel do diretor de turma, com a responsabilidade de estreitar a sua relação com os pais e famílias.
Com a publicação do Decreto-Lei nº 211-B/86, de 31 de julho, suscitando a criação de um órgão de
apoio pedagógico, o Conselho Consultivo, do qual fazem parte representantes da comunidade local,
competindo-lhes contribuir para a promoção da relação escola-comunidade, os pais, ou as suas
estruturas representativas, continuam a não estar presentes, por direito próprio, no Conselho
Pedagógico, uma vez que era atribuição deste órgão “apreciar os problemas dos alunos, visando, em
colaboração com os órgãos da escola, com as associações de estudantes e de pais e com o Conselho
Consultivo, a sua integração na comunidade escolar” (cf. ponto 4.2.). Como tal, “Os pais continuam a
ocupar um lugar muito periférico no conselho pedagógico e respetivos órgãos de apoio” (Lima & Sá,
2002, p. 55).
A publicação da Lei nº 46/86, de 14 de outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo - LBSE) consolida
a prerrogativa de que a escola se assuma como uma instituição em relação estreita com a comunidade
educativa e onde todos os atores assumem o lugar e um papel a desempenhar, ditando que o sistema
educativo seja dotado de estruturas administrativas de âmbito nacional, regional autónomo, regional e
local, com a função de assegurar a “(…) sua interligação com a comunidade mediante adequados graus
de participação dos professores, dos alunos, das famílias, das autarquias, de entidades representativas
das atividades sociais, económicas e culturais e ainda as instituições de caráter científico” (cf. ponto 2).
Precisamente, é no art.º 3º que é explicitamente mencionado que os intervenientes do processo
educativo são, prioritariamente, os alunos, os docentes e as famílias, dando assim oportunidade de
organizar o processo educativo de forma a “descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e
ações educativas, de modo a proporcionar uma correta adaptação às realidades, um elevado sentido
de participação das populações, uma adequada inserção no meio comunitário e níveis de decisão
eficientes” (cf. alínea g do art.º 3.º), consolidando, ainda, a ideia de que a educação pré-escolar era
“complementar e/ou supletiva da ação educativa da família” (cf. ponto 2 do art.º 4º). Também no que
diz respeito à educação básica, é objetivo estabelecer relação com a família “(…) criando (…) atitudes
e hábitos positivos de relação e cooperação, quer no plano dos seus vínculos de família, quer no da
intervenção consciente e responsável na realidade circundante”, assim como “participar no processo
da informação e orientação educacionais em colaboração com as famílias” (alínea h e m, art.º 7º).
Na senda do exercício normalizador da LBSE, o Despacho n.º 8 SERE/89, de 8 de fevereiro, determinou
o regulamento do “Conselho Pedagógico”, criando a figura do Diretor de Turma e o Conselho de
Diretores de Turma, sendo estes os principais pilares de orientação educativa, no que se refere às
relações família-escola e vice-versa. No mesmo prosseguimento, foi publicado o Decreto-Lei n.º
172/91, de 10 de maio que é, talvez, o diploma legal que mais marcou o processo de envolvimento dos
pais na vida escolar dos seus filhos, vendo concretizados os seus direitos de participantes ativos na
escola: para além do seu papel na avaliação, veio permitir, ainda, a presença formal de dois
representantes dos pais no Conselho de Turma, dois elementos no Conselho Pedagógico e dois ou
três no Conselho da Escola, alargando, assim, o nível de participação parental nos vários órgãos da
escola.
Face à limitada experiência de implementação do Decreto-Lei 172/91, de 10 de maio, no Primeiro Ciclo
do Ensino Básico, o Despacho 239/ME/93, de 25 de novembro, vem incrementar, no mesmo sentido,
a participação dos pais neste nível de ensino. Mais tarde, com a alteração ao modelo de administração,
direção, gestão e autonomia das escolas, o Decreto-Lei 115-A/98, de 4 de maio veio reforçar a
participação dos pais e da comunidade local na escola, prescrevendo, no artig.º 40.º o direito de
participação dos pais e alunos na vida da escola, concretizada pela organização e colaboração em
iniciativas com vista a melhorar a promoção e humanização das escolas, em ações estimuladoras de
aprendizagens e da assiduidade dos alunos, com a prerrogativa de assegurar uma relação mais
explícita com o sucesso escolar dos alunos.

A revogação daquele diploma legal pelo Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de Abril, propicia a vontade
política do “reforço da participação das famílias e comunidades na direção estratégica dos
estabelecimentos de ensino”. Contudo, este diploma pouco ou nada acrescenta ao anterior: enquanto
no Conselho Geral é formalmente garantida uma participação efetiva nas decisões mais importantes
da escola, no Conselho Pedagógico os pais participam, apenas, quando solicitada a sua presença.
Mais recentemente, com a publicação da Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro, são instituídos os direitos
e deveres do aluno e o compromisso dos pais ou encarregados de educação, redirecionando-se o
sentido do envolvimento dos pais na vida escolar dos seus educandos, com o propósito de uma formal
co-responsabilidade pela sua conduta escolar e consequentes impactos ao nível do (in)sucesso
educativo.

3 A PARTICIPAÇÃO DOS PAIS NA VIDA ESCOLAR: FORMAS,


CONTEXTOS E IMPACTOS ANALISADOS A PARTIR DE UM ESTUDO EMPÍRICO

Do ponto de vista formal e, portanto, legislativo, conhecemos evoluções, ainda que ténues, no sentido
de perspetivar a escola e os pais como duas esferas profundamente influentes no mundo do aluno. A
sua colaboração inclui noções de parceria, de responsabilidades e de envolvimento assentes na ideia
de que o sucesso educativo só é possível com a colaboração de todos (Marques, 1993a). Do ponto de
vista empírico, a solicitação que fizemos dos nossos dados empíricos permite-nos a apresentação e
discussão de algumas ilações importantes que intersetam interpretações assacadas ao papel
perspetivado pelo lado dos pais e pela parte dos professores e da escola, enquanto contexto
organizacional privilegiado para a comunhão dos interesses de uns e de outros.
Uma primeira dessas ilações, já clássica no quadro interpretativo do objeto de estudo versado neste
texto, passa pela assunção de que tanto os pais como os professores consideram que os alunos cujos
encarregados de educação se envolvem na vida escolar apresentam comportamentos e atitudes que
potenciam mais o seu sucesso escolar.
Pela parte dos professores, o envolvimento dos encarregados de educação tende a acontecer com
alguma regularidade. No entanto, na maior parte das vezes, é algo que se deve à iniciativa de
solicitação (formal) promovida pelos docentes. O envolvimento tende, portanto, a ser pouco voluntarista
por parte dos pais, devendo-se, na linha de Silva (2003, p. 299), ao facto de “os pais - eles próprios
fruto de uma escola espartilhada entre o obedecer e o debitar inquestionado de inquestionáveis
conteúdos não estão habituados a colaborar. Provam-no no fraco poder de iniciativa individual ou
coletiva constatado”. Em congruência com esta perspetiva, os pais argumentam que apenas participam
quando são solicitados, porque não têm muita disponibilidade ou acham desnecessário fazê-lo sem a
convocação formal do professor e, ainda, porque não querem interferir execessivamente no trabalho
deste. O próprio quadro legislativo que aventámos previamento ao nosso estudo empírico tende, como
vimos, a ser minimalista no que concerne á definição de esferas mais formais de participação e
envolvimento dos pais, de feição corporativista, nas estruturas representativas da escola (por exemplo,
Conselho Pedagógico, Conselho de Turma, e, mais recentemente, Conselho Geral). Aliás, as
referências empíricas excluem quaisquer perspetivas (de pais e professores) da relação entre
professores e encarregados de educação realizadas a partir daquelas estruturas, com execeção dos
Conselhos de Turma, por constituírem as sedes privilegiadas de algumas reuniões formais a que os
pais têm acesso (cf. Picanço, 2012).
Congruentemente, a perceção da maioria dos professores traduz o receio de que os pais possam
invadir o seu território (Perrenoud, & Montadon, 2001; Martins, 2012), mormente porque a “sala de aula
[ainda] constitui uma referência importante para os professores em termos de segurança” (Silva, 2003,
p. 159). Não obstante, na sua configuração multifocalizada, o envolvimento dos pais não se limita
apenas ao comparecimento físico na escola para dar conta do percurso escolar do seu educando, mas
também ao envolvimento invisível, que poderá ocorrer em casa. Essa “invisibilidade (na escola) não
significa automaticamente desinteresse (em casa)” (Silva, 2002, p. 120).
Todavia, os nossos dados empíricos denunciam, mais explicitamente, uma configuração de
envolvimento “visível”, dos pais, pelo que são, formal ou informalmente, convidados a envolverem-se
em diversas atividades, como disso são exemplo festas de final de ano, dias da leitura, reuniões
semanais, dias festivos (Natal, Carnaval), reuniões de final de período e até mesmo visitas de estudo.
As reuniões (formais) são um momento privilegiado para partilharem (pais e professores) informações
sobre o percurso escolar da criança e permitem, ainda “aumentar a confiança mútua e aprofundar as
relações entre a escola e os pais” (Marques, 2001, p.27). Todavia, o mesmo autor (2001, p.30)
confronta-nos com a ideia de que “colaboração não é apenas ir às reuniões ou deslocar-se à escola
para falar com o professor”. Além disso, no quadro dos nossos dados empíricos, perante os resultados
das três atividades mais usuais de envolvimento, ressalva-se que todas elas são de caráter coletivo
(incluindo as reuniões formais), o que pode revelar que os professores preferem não promover
encontros diretos esponânenos, cujo confronto se afigura individual.
No que concerne à modalidade de comunicação, pais e professores corroboram a ideia de a
comunicação ser garantida com recurso a mecanismos mais formais e oficiais, embora sejam
perspetivados como sendo fundamentais para que se estabeleça uma boa relação entre si, segundo a
lógica de um “diálogo permanente, aberto e construtivo” (Montadon & Perrenoud, 2001, p.2). A
propósito dos processos comunicacionais suscitadores do relacionamento de pais e prfessores,
Philippe Perrenoud (2001, p.29) insiste no facto de esses mesmos processos poderem ser diversos,
pois, “de escola para escola e de turma para turma, existem grandes diferenças na forma, substância
e densidade da comunicação direta entre pais e professores.”
Não obstante, tendo em linha de conta os nossos dados empíricos, nem sempre a comunicação direta
é o único meio de interação entre ambos os agentes educativos, daí que tenhamos que ponderar que
“a intensidade do contacto é importante e deve incluir não só encontros a dois, mas também reuniões
gerais e comunicação escrita através da caderneta escolar” (Marques, 1993b, p. 25). Com efeito, são
os próprios docentes que abrem a possibilidade do uso de formas de comunicação e relacionamento
diversificados e alternativos entre si, ao privilegiarem outras formas de contacto, como a caderneta
escolar (mais utilizada), o telefone, as reuniões, os diálogos informais (mais raros) e os recados no
caderno diário (menos recorrentes) (cf. Picanço, 2012). Congruentemente, pais e professores tendem
a privilegiar um contacto (quando individual) maioritariamente indireto com recurso aos alunos como
intermediários, passando estes a desempenharem o papel de mensageiros de serviço. A propósito,
Philippe Perrenoud (2001, p. 30) alerta para o facto de que “ainda que as trocas de mensagens escritas
ou telefónicas sejam mais frequentes, não se comparam, em densidade, com a comunicação que se
estabelece através da criança”. Estas comunicações indiretas levam a que muitas vezes os pais e
professores se esqueçam de que os alunos, mais do que um mensageiro, é o árbitro das relações entre
pais e professores e pode tornar possíveis ou demitir o sentido das comunicações diretas; é neste
contexto e processo comunicacional que o autor aciona o conceito de “go-between”, para relembrar
que é através dos alunos que se conduz e medeia, muitas vezes, a comunicação e a relação existente
entre pais e professores.
Analisando em concreto as formas de contacto e de relacionamento mais frequentes inscritos no nosso
estudo - a caderneta escolar e o telefone -, assaltam-nos as limitações da formação dos pais ao nível
das suas competências comunicacionais e, consequentemente, relacionais; na linha argumentativa de
Azenhas (2004), a caderneta escolar é um instrumento que permite uma comunicação rápida mas
subtil, porém deve existir algum cuidado com as mensagens enviadas, tanto no que se refere ao
conteúdo como à linguagem utilizada, pois “nem todos os pais compreendem bem as informações
escritas enviadas pelos docentes” (Silva, 2002, p.151). Por outro lado, devemos contar com eventuais,
mas prováveis, enviesamentos, sendo que, por exemplo, Serge Honoré (1980, p. 32) põe em causa a
chegada primordial da mensagem de um dos destinatários por via do aluno, visto que podem os alunos,
como mensageiros e mediadores, “apresentarem como exemplo de assinatura dos pais a sua própria
assinatura”. A troca de mensagens/recados escritos na caderneta revela, também, que tanto os pais
como os professores dão responsabilidade e confiança ao aluno para que a informação chegue ao
destinatário. Por outro lado, os contactos por telefone são a forma mais fácil e eficaz de chegar com
urgência ao professor ou aos pais.
Uma outra importante constatação que extraímos dos nossos dados tem que ver com a perceção mútua
(e respetivos efeitos ao nível do relacionamento/envolvimento dos pais na escola) do desnivelamento
das formações académicas (de pais e professores), suscitando uma acentuada discrepância de
culturas, de linguagens e de conhecimento geral do funcionamento da escola e do mundo. Neste caso
a comunicação e a ausência de competências para a consolidar de forma mais substantiva tendem a
inibir o envolvimento dos pais na vida escolar dos seus educandos (cf., a propósito, Martins, 2012).
Da discussão dos nossos dados empíricos sobressaem aspetos positivos e negativos que sinalizam
vantagens e fragilidades do envolvimento dos pais na vida escolar dos seus educandos. Alguns dos
aspetos positivos apontados pelos professores foram a maior motivação e desempenho do aluno, maior
envolvimento dos pais na escolaridade do educando, melhor comportamento, valorização dada à
escola, maior interação escola-família e mais conhecimento de pertinentes informações sobre os
educandos. Dos aspetos assinalados pelos professores, os pais apenas não nomearam melhor
comportamento e valorização da escola. Contudo apontaram a vantagem de um melhor conhecimento
do ambiente escolar.
Não obstante, será útil apreender e dar mais relevância empírica aos aspetos negativos, dado terem
especial interferência negativa no envolvimento dos pais na vida escolar. Congruentemente, como
aspeto negativo mais vincado apontado pelos pais e professores, em uníssono, surge a interferência
excessiva no trabalho do professor, suscitando um interpretação já dada por Silva (2002, p. 117): “o
envolvimento das famílias será bem-vindo desde que não ponha em causa a assimetria de poder que
caracteriza a relação”.
Pelo lado dos docentes, a demasiada proteção dos filhos e a pressão exagerada sobre os resultados
escolares, protagonizadas pelos encarregados de educação, constituem os aspetos mais negativos.
Por sua vez, os pais alegam que um exagerado envolvimento na escola pode causar desconfiança por
parte do filho em relação ao seu trabalho. Além disso, acusam a falta de formação como uma lacuna
que os inibe de se envolverem com mais intensidade e qualidade na vida escolar dos seus educandos,
suscitando, ao mesmo tempo, o sentimento de desvalorização das suas competências e capacidades
face ao papel e estatuto ocupado pelo professor.
Dos vários obstáculos ao envolvimento dos pais, tanto estes como docentes reconhecem que o maior
obstáculo é a incompatibilidade do horário escolar com o horário laboral, suscitando um elevado grau
de divergência dos quadros normativos (educacional e laboral) com o pressuposto do envolvimento
pleno dos pais na vida das escolas. No entanto, os pais consideram existir outros fatores inibidores da
sua participação, como é exemplo disso o desconhecimento dos programas, conteúdos e da linguagem
própria da escola/sala de aula. A propósito, Jorge Ávila de Lima (2002, p. 155) sugere que a “presença
dos pais em algumas atividades da sala de aula ajudaria a superar muitas destas limitações de
informação e de conhecimento, embora não esteja isenta de dificuldades.”
Pelo lado dos professores, são aspetos com influência negativa no envolvimento dos pais a falta de
interesse e a baixa valorização dos percursos escolares, sugerindo-se que, na senda do argumento de
Silva (1993, p. 69) “a maioria dos pais não vão à escola por falta de interesse”, penalizando o acesso
à escola que, para muitos, mantém a configuração de um mundo fechado e desconhecido.
Em termos de consequências e impactos dos aspetos negativos, as perspetivas dos pais e dos
professores tendem a congregar-se, exatamente no sentido de os alunos apresentarem níveis
motovacionais tendencialmente baixos, resultando em comportamentos de sala de aula pouco
conformes, cuja consequência última é perspetivada sob a forma de insucesso escolar. Também a
participação dos pais tem consequências/efeitos na vida escolar do aluno como sejam a motivação do
aluno e o maior sucesso escolar em relação aos alunos que os pais não participam. Interpretativamente,
confluímos para a ideia de Ramiro Marques (1993a, p. 9), ao sustentar que: “quando as famílias
participam na vida das escolas, quando os pais acompanham e ajudam o trabalho dos filhos, estes têm
melhores resultados do que colegas com idêntico background, mas cujos pais se mantem afastados
da escola.”

4 CONCLUSÃO

Um dos aspetos que fará, neste momento, convocar, é a narrativa legislativa de referência. Na verdade,
são parcas as garantias legislativas no sentido de tornar operacional o envolvimento dos pais na vida
das escolas, quando se percebe que um dos seus maiores entraves advém da vida laboral que se
mostra claramente incompatível com os horários das atividades escolares. Na primeira parte do texto
apresentamos, ainda que de forma suscinta, a evolução do modo como o envolvimento dos pais na
vida das escolas tem vindo a ser equacionado na perspetiva do discurso oficial. Ou seja, tem-se vindo
a desenvover um discurso normativo em torno do envolvimento das famílias na escola, sem que se
articule esse mesmo discurso e respetivo quadro normativo a outros quadros normativos importantes,
como é o caso da legislação laboral. Com efeito, nenhum diploma do domínio educacional teve, até
hoje, explícitamente, a intenção de se articular com a esfera laboral.
A focalização que fizemos ao discurso normativo serve, fundamentalmente, para (re)situar os
interesses, sentidos e significados da participação/envolvimento dos pais na vida escolar dos seus
educandos. Percebe-se que o corpus lesgilativo em referência sempre esteve, substancialmente,
afastada da perspetiva de uma participação formal, normativa e política dos pais no interior da escola,
orientada para a tomada de decisão. Pelo contrário, a narrative official do diploma mais recente e alvo
da nossa análise demonstra, discursivamente, a intenção de incrementar um envolvimento dos pais na
vida das escolas no sentido de os co-responsabilizar pelo comportamento e atitudes dos alunos face à
escola, onde uns pais e respetivos educandos ficam a ganhar, em detrimento de uma maioria, que fica
a perder. Claramente, o sentido da participação (de conotação política) perde relevância, facto pelo
qual preferimos o termo “envolvimento”, mas adstrito a relações afastadas dos centros de poder de
decisão das políticas locais de escola. Diríamos, portanto, que a tendência, formalmente instituída pelas
normas oficiais, será para a escola vincular os pais e professores ao tipo de envolvimento que se
pretende deles.
Congruentemente, assistimos a um envolvimento e colaboração pendulares dos pais, entre um efeito
cerimonial e simbólico (festas de Natal, carnival, de final de ano, dia da leitura, visitas de estudo, etc.)
e um envolvimento mais formalmente circunscrito à agenda restrita do professor/planeamento formal
da ação educativa (reuniões semanais, reuniões de final de período formais planeadas com
antecedência ou, mais raramente, esporádicas).
São privilegiadas formas de envolvimento coletivo, em detrimento de confrontos individuais incómodos,
mesmo ao nível das reuniões formais mais importantes (avaliação), suscitando a ideia de que os pais
e professores não esperam encontros casuais, sem controlo, impondo uma certa racionalidade prévia
aos sentidos e significados dados ao envolvimento mútuo.
Pelo lado dos professores, parece prevalecer a preocupação por uma racionalidade calculista e
estratégica que procura minimizar os riscos da ameaça ao seu território tradicionalmente tido com
inexpugnável.
Verifica-se uma discrepância de culturas, de linguagens, de códigos linguísticos, de racionalidades,
sentidos e significados sobre o funcionamento da escola. Algo que interfere com o grau de
adequabilidade dos processos e formas de comunicação entre estes dois atores: impõe-se a opção
entre a comunicação escrita (prevalencente - mais informativa e abstrata) e a comunicação oral (mais
explicativa e compreensiva).

Finalmente, dizer que, por um lado, pais oriundos de estratos socioculturais favorecidos não vêem
grande necessidade de se envolverem directamente na vida escolar, a não ser por estratégias de
controlo do que se passa em contexto escolar - os filhos não aparentam ter problemas de sucesso. No
entanto, envolvem-se fortemente em casa no apoio aos seus filhos (presença invisível). Trata-se de
uma tipologia de pais que corresponde aos requisitos de um paradigma de escola que pressupõe,
também, um modelo em conformidade de pais, se bem que é a mesma tipologia que introduz um
importante paradoxo nas relações entre escola-família: os pais de classe média são os que os
professores mais temem, pois são os que se colocam em posição de igualdade ou, até mesmo, de
superioridade sociocultural e económica em relação a eles. Por outro lado, pais oriundos de estratos
socioculturais desfavorecidos não têm a necessária competência comunicacional para se envolverem
diretamente na vida escolar, mesmo que os filhos aparentem ter problemas de insucesso, tendo como
consequência uma acrescida incapacidade para se envolverem no apoio domiciliário aos seus filhos.
Esta tipologia de pais, ao afastar-se do modelo suscitado pelo paradigma de escola dominante, tende
a criar outro tipo de dificuldades de relacionamento, na maior parte dos casos, devido às
incompatibilidades, sempre complexas, socioculturais, resultando, por exemplo, em processos de
desvalorização da escola.
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