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MANIFESTAÇÕES E SENTIDO

DO CONTEXTO SÓCIO-
EDUCACIONAL

Profa. Dra. Marise Ramos

Realização Fundação Getulio Vargas


IDE Cursos Corporativos
Todos os direitos reservados à Fundação Getulio Vargas

RAMOS, Marise.
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-
Educacional. 1ª ed. Rio de Janeiro; FGV Projetos –
Capacitação.
62p.

Bibliografia

1. Política Educacional. 2. Gestão Educacional. I. Título

Coordenação Acadêmica: Professoras Deborah Moares Zouain e Francisca de Oliveira


Cruz

i
Sumário

1. PROGRAMA DA DISCIPLINA 1

1.1 EMENTA 1
1.2 CARGA HORÁRIA TOTAL 1
1.3 OBJETIVOS 1
1.4 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 2
1.5 M ETODOLOGIA 3
1.6 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO 3
1.7 B IBLIOGRAFIA RECOMENDAD A 3
CURRIC ULUM RES UMIDO DO PROFESSOR 4

2. TEXTO PARA ESTUDO 6

2.1 INTRODUÇÃO 6
2.2 TRABALHO , EDUCAÇÃO E CULTURA NA GLOBALIZAÇÃO 7
2.3 CONTEXTO SÓCIO -EDUCACIONAL B RAS ILEIRO E GLOBALIZAÇÃO 12
2.4 PROPOS TAS , PROJETOS E AÇÕES POLÍTICAS 15
2.5 POSTURAS POLÍTICAS E FILOSÓFICAS S UBJACENTES A OPÇÕES E PRÁTICAS DA
GESTÃO EDUCACIONAL 17
2.6 IMPLICAÇÕES SÓCIO -C ULTURAIS NA G ESTÃO EDUCACIONAL 24
2.7 RELAÇÕES QUE ENVOLVEM O PROJETO EDUCACIONAL 31
2.8. CONCLUS ÃO 35
2.5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS 37

3. MATERIAL COMPLEMENTAR 40

ii
1

1. Programa da disciplina
1.1 Ementa
Contexto sócio-educacional brasileiro e globalização. Manifestações em propostas,
projetos e ações. Posturas políticas e filosóficas subjacentes a opções e práticas de
gestão. Implicações sócio-culturais na gestão educacional. Relação sociedade e escola, e
empresa e escola. Relação professor e gestor educacional. Cidadania e gestão
educacional. Sentido da gestão educacional, exclusão, conhecimento, tecnologia meio
ou fim. Postura do gestor e possibilidade de transformação sócio-educacional no sentido
da ética.

1.2 Carga horária total


12 horas-aula.

1.3 Objetivos

 Possibilitar aos cursistas a compreensão sobre o fenômeno da globalização como


modo de o capital se expandir e ordenar as relações contemporâneas, as
manifestações específicas desse fenômeno na formação social brasileira, bem
como as respectivas implicações na política educacional brasileira, por meio de
propostas, projetos e ações.
 Discutir os princípios políticos e filosóficos subjacentes a opções de práticas de
gestão, com especial atenção ao modelo de competências no ordenamento das
práticas de trabalho e pedagógicas.

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


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 Apreender as determinações e implicações sócio-culturais presentes na gestão


educacional, considerando as múltiplas relações que estruturam as práticas
educacionais, a exemplo das que se passam internamente à escola, mas também
externamente a elas.
 Analisar as contradições das mediações que envolvem a instituição educacional
e seus sujeitos, com especial atenção ao processo de tecnologização da
sociedade contemporânea, bem como os desafios de educadores para a
formulação e condução de propostas educacionais compromissados ético e
políticamente com a transformação social.

1.4 Conteúdo programático

Contexto sócio- Trabalho, Educação e Cultura na Globalização


Transformações Econômicas e Políticas.
educacional brasileiro e
Transformações Culturais.
globalização O Modelo de Competências:

Manifestações em As reformas educacionais dos anos 1990/2000


O trabalho como princípio educativo
propostas, projetos e
Educação politécnica e tecnológica
ações Os limites das propostas atuais:

Posturas políticas e A Pedagogia das Competências e o Sentido da Escola


Descolamento do conceito de qualificação para a noção de
filosóficas subjacentes a
competências.
opções e práticas de Reordenamento social das profissões.
Metodologias de investigação das competências
gestão
Implicações nos Projetos Pedagógicos: bases sociológica,
epistemológica e pedagógica.

Relação professor e Relação com a sociedade: perspectiva liberal produtivista ou


civil-democrática.
gestor educacional
Cidadania e gestão
educacional
Sentido da gestão Implicações Sócio-Culturais na Gestão Educacional
Humanismo x Produtivismo
educacional, exclusão,
Princípios de um Humanismo Historicista:
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conhecimento,
tecnologia meio ou fim
Postura do gestor e Pressupostos de uma educação efetivamente comprometida com o
desenvolvimento humano e social numa perspectiva ética
possibilidade de
transformação sócio-
educacional no sentido
da ética

1.5 Metodologia
As atividades compreenderão exposição e discussão do conteúdo programático,
valorizando-se as questões apresentadas pelos estudantes, tanto aquelas elaboradas a
partir de sua experiência prática, quanto as que se refiram ao texto de estudo e às
exposições em sala de aula. Buscar-se-á enfrentar e elucidar as questões mediante ao
retorno ao texto de estudo, bem como aos aprofundamento dos debates e às
sistematização da bibliografia recomendada.

1.6 Critérios de avaliação


Os alunos serão avaliados por meio dos seguintes instrumentos:
a) Apresentação de questões solicitadas em sala de aula;
b) Verificação da leitura e sistematização teórica nos debates realizados;
A observação em sala visará verificar a capacidade de elaboração de idéias próprias e de
argumentação dos alunos, especialmente quanto à sua coerência interna e à articulação
lógica e dialética do pensamento exposto oralmente e por escrito, com base nos
fundamentos teóricos apreendidos durante o curso.

1.7 Bibliografia recomendada


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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1996.


GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 8. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1991b.
RAMOS, Marise. A Pedagogia das Competências: Autonomia ou Adaptação?. 1. ed.
São Paulo: Cortez, 2001. 320 p.
SAVIANI, Dermeval. História das Idéias Pedagógicas no Brasil.Campinas: Autores
Associados, 2007.

Curriculum resumido do professor


Possui graduação em Licenciatura em Química pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (1990), mestrado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (1995) e
doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2001). Atualmente é
professora adjunta da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Políticas Públicas e Formação Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e
professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis,
atuando como pesquisadora na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da
Fundação Oswaldo Cruz. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Educação de Adultos, atuando principalmente nos seguintes temas: educação
profissional, ensino médio, ensino técnico, reforma da educação profissional e reforma
educacional. Foi Diretora de Ensino Médio da Secretaria de Educação Média e
Tecnológica do Ministério da Educação no período de 2003 a 2004. É autora de vários
livros e artigos sobre Educação.

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


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2. Texto para estudo


2.1 Introdução

Este texto analisa as políticas educacionais brasileiras tendo como referência


dois eixos principais. De um lado, os processos de globalização do capital e as
transformações no mundo do trabalho, que instauram uma nova cultura contemporânea
– por vezes designada como pós- moderna – que, por sua vez, questionam as referências
modernas da educação e da instituição fundada para realizá- la com abrangência
universal e laica, qual seja, a escola.
Discutimos, por este viés, a passagem do modelo de produção típico do século
XX, cujos fundamentos advêm da escola da administração científica do traba lho,
designado como o modelo taylorista- fordista de produção, para outro, tido como
flexível, considerando a flexibilidade da produção, do consumo e dos processos de
trabalho, baseados na automação tecnológica e informacional da indústria, do comércio
e dos serviços. Procuramos explicitar os debates sobre a explicação e a definição da
realidade econômica, política e cultural atual, considerando alguns matizes como, por
exemplo, a polêmica definição de sociedade pós-industrial que alguns pensadores
tentam aplicar ao tempo em que vivemos. Do ponto de vista político, restam poucas
dúvidas sobre a opção neoliberal que preside a organização dos Estados nacionais e as
relações internacionais do mundo atual. Finalmente, questiona-se se a crise de valores e
normas de conduta típicos da modernidade instauraria hoje uma cultura considerada
como pós-moderna. Neste lastro, também o conceito de ciência e o significado de
conhecimento científico que erigiram a escola moderna são questionados e, assim, o
próprio significado da escola nesse tempo de incertezas e indefinições.
Por outro lado, partindo de análises sobre a contemporaneidade, suas
indefinições e seus desafios, analisamos as tendências da política educacional brasileira,
especialmente a partir da década dos 1990, quando a nova configuração do capital
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional
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incide mais diretamente sobre nosso país. Analisamos, então, aspectos dessa política,
colocando foco sobre a emergência de novas referências sobre a relação entre trabalho e
educação, especialmente considerando o modelo de competências que trouxe
implicações tanto para a pedagogia quanto para as práticas de gestão do trabalho.
Nesse sentido, tanto as formas típicas da escola moderna baseadas nos saberes
científicos e disciplinares são deslocadas a favor de uma pedagogia voltada para o
desenvolvimento de competências cognitivas e comportamentais das pessoas, quanto os
modelos de gestão baseados na administração científica do trabalho dão lugar à gestão
por competências. Nos limites que este texto nos permite, analisaremos os fundamentos
desse modelo e apresentaremos também nossas críticas, bem como perspectivas de
superá- lo em direção a processos de gestão e formação integradas, cujo o centro sejam
os sujeitos estudantes e trabalhadores.
Considerando que a educação é afetada por inúmeros desafios, discutimos as
relações que implicam essa prática, sejam elas internas ou externas à escola,
considerando as perspectivas e os riscos que tais relações, em um tempo de indefinições
e crises de valores, nos colocam. Finalmente, reiteramos o compromisso que os
educadores precisam firmar quanto à formação ética, política, cultural e científica de
nossos estudantes, tendo a escola e os projetos educacionais como espaços
fundamentais e plenamente válidos para esse propósito. Sendo assim, propomos o
permanente questionamento sobre os limites e as possibilidades da educação no
enfrentamento das contradições contemporâneas, bem como as perspectivas que
podemos assumir como promissoras na formação de sujeitos que, conquanto adquiram
cada vez mais as condições para elaborar e perseguir seus projetos de vida, também se
ocupem do projeto de nação soberana que perseguimos há séculos.

2.2 Trabalho, Educação e Cultura na Globalização

O final da década de 60 já anunciava mudanças tanto na base material de


produção quanto no campo das idéias. Harvey (1996) demarca o período que vai de
1914 – surgimento dos métodos de racionalização do trabalho (FORD, EUA, 1914) com

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base nos princípios da Administração Científica (TAYLOR, EUA, 1911 e FAYOL,


França, 1916) – a 1973, como aquele que se caracterizou pelo paradigma
taylorista/fordista de organização do trabalho, tendo como base técnica da produção os
processos mecanizados. A partir de então, assiste-se nos países de capitalismo central o
esgotamento desses paradigmas, sendo esses substituídos por outros princípios da
organização da produção a partir do desenvolvimento da microeletrônica.

Bell (1973) desenvolve um esquema conceitual de sociedade formada por três


esferas distintas - social, política e cultural - cada uma delas regida por um princípio
axial diferente. Segundo este esquema, a sociedade pós-industrial, cujo princípio axial é
a tecnologia, refere-se à estrutura social e se contrapõe aos conceitos de pré-industrial e
industrial. A tese da sociedade de informação é uma espécie de aprofundamento da
desenvolvido por Bell, seguido por outros como Toffler (1973). Na sociedade pós-
industrial a produção seria voltada principalmente para atividades de processamento
com base em telecomunicações e computadores. O conhecimento, portanto, seria um
produto social e seu valor em muito se difere dos produtos industriais posto que,
diferentemente das mercadorias industriais, os conhecimentos, quando vendidos,
continuam com o produtor, não se esvaindo quando consumidos ou usados. O modelo
explicativo da sociedade pós-industrial e de informação, então, não seria mais o do
valor-trabalho, mas do valor-conhecimento. As dimensões que caracterizam esse tipo de
sociedade seria a centralidade do conhecimento teórico, co mo base das inovações
tecnológicas, a expansão do setor de serviços e a mudança da natureza do trabalho.

A idéia da sociedade pós- industrial baseia-se na sociedade de serviços e na


retração da produção industrial. O advento das tecnologias de informação fe z a análise
se estender para aspectos mais específicos da produção capitalista como, por exemplo,
sua determinação no jogo do espaço/tempo. O industrialismo teria legitimado o espaço
Estado-Nação e equiparado o tempo da natureza ao tempo das máquinas. A tecnologia
de informação comprimiu tanto o tempo quanto o espaço, estabelecendo novos
mecanismos de produção e circulação de mercadorias e, portanto, de acumulação do
capital. A necessidade da constante inovação técnica teria colocado o conhecimento
como principal valor produtivo, muito além do trabalho.

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O modelo de Bell (1973), no entanto, é predominantemente econômico e não


deduz dele as demais características da vida cultural e política. Outros autores de mesma
linha, porém, como Toffler (1973), anunciam a ocorrência de mudanças profundas em
toda a sociedade. Este último, por exemplo, associa as mudanças na esfera da
informação com mudanças nas esferas técnica, social, de poder, biológica e psicológica.
Para se ter idéia de como consideram essas mudanças uma revolução radical, a
sociedade de informação é tida como um novo modo de produção que implica num
novo estilo de vida completo.

A extensão dessas análises levou ainda à elaboração de duas outras correntes: as


classificadas como pós- fordista e como pós- moderna. A primeira ainda se apega ao
desenvolvimento capitalista como motor da mudança, mas identifica nossa época como
“novos tempos”, face às diferenças entre as velhas e novas formas do capitalismo. As
mudanças na sociedade na última parte do século XX seriam tão significativas que
constituiriam um rompimento radical com os padrões e práticas capitalistas anteriores.
A teoria pós- moderna, por outro lado, seria a terceira e mais radical variante da tese da
sociedade pós-industrial. Sendo muito mais abrangente do que as teorias anteriores,
acolhe em sua estrutura todas as formas de mudanças - cultural, política e econômica 1 .

Em que nível então, ou de que forma, as mudanças no processo de produção


efetuam mudanças no estilo de vida de uma sociedade, no seu éthos cultural? Porque a
cultura pós- moderna é adequada à forma que adquire o modo de produção capitalista na
contemporaneidade?

Marx (1988), em O Manifesto Comunista, demonstra que a tendência


expansionista do capital e a busca permanente de novos mercados não é um fenômeno
a-histórico. O que assistimos hoje é um incrível desenvolvimento do mercado mundial,
o avanço da tecnologia e dos meios de comunicação rápidos, precisos e eficientes,
rompendo barreiras nacionais e tornando o capital mais universal. Essas características
do desenvolvimento capitalista se relacionam com as condições que as classes sociais

1
Além de Harvey (1973), Jameson (1994, 1996) também reconhece que há mudanças significativas no
modo de organização do capitalismo e no conseqüente estilo de vida das sociedades. Eles, porém, não se
rendem a visões apologéticas que marcam autores como Bell. Enquanto Harvey tem a preocupação de
analisar a pós-modern idade valendo-se primo rdialmente (mas não exclusivamente) da dimensão
econômica do capitalismo deste fim de século, Jameson traz a questão cultural de tal modo que considera
o pós-modernismo co mo a lógica cultural do capitalis mo tardio
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional
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assumem nesse momento. A globalização se realiza como necessidade do capital de se


expandir, satisfazendo novas necessidades criadas por esse mesmo desenvolvimento,
processo que envolve também a cultura e a produção intelectual.

O impressionante avanço das forças produtivas verificado a partir do século XX,


principalmente no período pós-guerra, é o retrato mais fiel do que previu Marx. As
características fundamentais do capitalismo foram se comprovando: orientação para o
crescimento; exploração e controle do trabalho na produção e circulação de
mercadorias; dinamismo organizacional que provoca avanço das forças produtivas e
modificam relações de produção. Também se confirmou a tendência a crises, dentre as
quais a de acumulação à qual, de certa forma, o fordismo e as políticas keynesianas
deram resposta. Harvey (1973) conclui que a crise do fordismo pode ser interpretada até
certo ponto como esgotamento das opções para lidar com o problema da
superacumulação, de caráter geográfico e geopolítico, que incluiu endividamento, luta
de classes e estagnação corporativa nas nações- Estado. Em síntese, a seguinte afirmação
demonstra a face vida do capital: “O capital é um processo, e não uma coisa. (...). O
processo mascara e fetichiza, alcança crescimento mediante a destruição criativa, cria
novos desejos e necessidades, explora a capacidade do trabalho e do desejo humanos,
transforma espaços e acelera o ritmo da vida. Ele gera problemas de superacumulação
para os quais há um número limitado de soluções possíveis” (op. cit., p. 307).

O esgotamento do fordismo, portanto, foi acompanhado de uma crise do


mercado e do consumo. Se o fordismo não teve paralelo em sua capac idade de produzir
bens padronizados e em grande escala, ele teve que enfrentar a retração dos grupos
consumidores de massa. A diversificação de mercados e de produtos tornou-se uma
questão essencial para o movimento do capital. A inovação tecnológica constou desse
programa e alterações significativas na forma de produzir tornavam-se inevitáveis. O
mercado de massa, característico da produção fordista, se fragmentou em uma grande
diversidade de grupos de consumidores, de tal forma que a busca de mercadorias
diferentes e o descarte de padrões correntes de consumo pouco a pouco passam a ser a
norma do mercado e da vida burguesa.

Esse movimento de rápida mudança, de fluidez e de incerteza Harvey (id., ibid.)


caracteriza como a passagem do fordismo para o regime de “acumulação flexível”. Ele

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


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se apressa em alertar que não está claro se os novos sistemas de produção garantem ou
não o título de um novo regime de acumulação. Também na esfera das relações sociais,
cuida para se perguntar se o renascimento do empreendimento e do
neoconservadorismo, associado com a virada cultural para o pós-modernismo, garante
ou não o título de um novo modo de regulamentação 2 .

O modo de regulamentação consiste em adequar o comportamento dos


indivíduos a uma configuração que mantenha o regime de acumulação funcionando.
Tem de haver, portanto, uma materialização do regime de acumulação, que toma a
forma de normas, hábitos, leis, redes de regulamentação, etc. que garantam a unidade do
processo; isto é, a consistência apropriada entre comportamentos individuais e o
esquema de reprodução.

Esse é o eixo de análise de Gramsci (1991a, b) quando ele utiliza o conceito de


“Estado educador”. Ou seja, trata-se do que o exercício da hegemonia através do
consentimento ativo dos governados e do uso dos meios de coerção tanto na sociedade
civil quanto na sociedade política.

A racionalização do modo de produção implica a racionalização do uso da força


de trabalho e, para isso, disciplinamento e convencimento dos trabalhadores e da
sociedade em geral. O Fordismo foi expressão viva desse processo, expressando a
organização do modo de produção sobre uma base técnica racionalizada e de relações
de trabalho mais sofisticadas.

A questão que se colocou no período posterior é a organização da cultura pós-


moderna como um modo de regulamentação correspondente à “acumulação flexível”
baseada numa mudança geral de normas e valores coletivos hegemônicos no período
precedente.

A “especialização flexível” 3 , como condição de trabalho diante da tecnologia,


possibilitou a geração constante de novos produtos, adaptada a desejos e necessidades
muito específicos. Como conseqüência para as relações de classe, verificou-se um

2
O autor se baseia, aqui, na chamada Escola de Regulamentação de teóricos franceses, destacando -se,
dentre eles, Michel Aglietta, Robert Boyer e Alain Lip ietz. Os regulamentadores interpretam a história do
capitalis mo como marcada por sucessivos modos de desenvolvimento, nos quais um regime específico de
acumulação é orientado por um modo específico de regulamentação
3
Antunes (1995) discorre a respeito das diversas considerações críticas relativas a tese da especialização
flexível.
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enfraquecimento da luta coletiva, bem como a dissolução gradativa da política


corporativa de relações industriais.

Todos esses elementos de mudança reafirmam o movimento de superação


dialética de crise do capital, ao mesmo tempo que confirmam a ótica gramsciana de
construção de hegemonia da classe capitalista pela organização da cultura segundo a sua
lógica. Emergem novos elementos de política e cultura, junto com a organização do
trabalho e relações sociais de produção. Mudanças na educação e na socialização, no
papel do Estado, na função e reestruturação dos meios de comunicação de massa, no uso
das tecnologias de informação e nas formas e padrões de consumo e comportamento do
consumidor desafiam a modernidade não na sua estrutura essencial, mas na
representação social que se constrói a partir de seu questionamento.

2.3 Contexto Sócio-Educacional Brasileiro e


Globalização

As mudanças nos padrões de produção, de consumo e de sociabilidade


processadas ao final do século XX trouxeram implicações também para o pensamento
educacional, de tal forma que diversos países empreenderam reformas, principalmente
na educação básica e profissional.

Um conjunto de novos signos e significados foram talhados pela “nova” cultura,


desempenhando um papel específico na representação da sociedade quanto aos
processos de formação de comportamento do trabalhador. Dentre esses, a noção de
competência é exemplar, conformando uma pedagogia que, baseada em teorias
psicológicas da aprendizagem 4 , promovem uma supervalorização do processo
educacional como conformador de personalidades flexíveis. No âmbito da gestão do

4
As razões utilizadas para legitimar formas de desenvolvimento curricular globalizadas, integradas ou
interdisciplinares foram construídas mediante argumentos às vezes exclusivamente psicológicos, às vezes
epistemológicos, tendo predominado as teorias psicológicas da aprendizagem, principalmente aquelas
baseadas no pensamento de Jean Piaget. Atualmente, ressurge também o pragmatis mo como eixo de
argumentação prioritária a justificar a conveniência de currículos definidos com base na noção de
competência. Uma análise sobre a relação entre o construtivismo rad ical (Glaserfeld, 1998) e o
neopragmatismo pode ser encontrada em Ramos (2003).
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional
13

trabalho, essa noção orienta o envolvimento do trabalhador com a cultura da empresa ou


explica os insucessos das pessoas frente à luta desumana por um emprego.

No caso do Brasil, a pedagogia das competências tendeu a uma hegemonia,


tendo respaldo em importantes documentos emanados do Conselho Nacional de
Educação. Dentre esses, destaca-se o Parecer 15/98 da Câmara de Educação Básica, que
dispôs sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, por este tratar
de uma etapa escolar definitiva para a formação de jovens, sujeitos coletivos que
tendem a vivenciar plenamente essa nova cultura.

Com tal sentido, o referido documento apresenta princípios axiológicos que são
orientadores de condutas, bem como princípios pedagógicos, com vistas à construção
dos projetos escolares pelos sistemas e instituições de ensino. Esses princípios não são
neutros. Ao contrário, baseiam-se numa certa forma de compreender a sociedade e suas
relações no momento contemporâneo, demonstrando uma confiança quase apologética
no atual estágio de avanço da tecnologia e na capacidade da escola de preparar cidadãos
e trabalhadores intelectual e psicologicamente adequados à sociedade pós- moderna e
pós-industrial. Do processo educacional, então, solicita-se o desenvolvimento de
sensibilidades que orientem os jovens em suas condutas de acordo com valores do novo
tempo, visando à realização de seu projeto de vida com base nas capacidades próprias e
nos recursos que o meio oferece.

Em face disto, Kuenzer (2000) explica que as afirmações educação agora é para
a vida e educação profissional é complemento à educação básica são feitas com base
na constatação da identidade entre as capacidades demandadas pelo exercício da
cidadania e pela atividade produtiva, o que permitiria superar a dicotomia entre a
racionalidade técnica e o caráter abstrato dos ideais da formação humana.

Esta seria uma das principais características da sociedade contemporânea: uma


nova relação das pessoas com a ciência. Os “conhecimentos científicos, tecnológicos e
sócio-históricos, com particular destaque para as formas de comunicação e de gestão
dos processos sociais e produtivos” (ibid., p. 33) deixariam de ser demandas unicamente
da acumulação capitalista, para serem pressupostos da própria vida em sociedade, em
que as relações sociais são cada vez mais mediadas pela tecnologia e pela informação.

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


14

Ao mesmo tempo, o trabalho passa a exigir do sujeito mais do que conhecimentos,


mobilizando também aspectos da sua própria subjetividade.

Sob a lógica capitalista, porém, essa convergência é desafiada pela retração


massiva dos empregos e pela configuração do mercado de trabalho nas sociedades
atuais, que levam à degradação das relações de trabalho, pelo menos para uma grande
massa das populações mundiais. Analisado sob o ângulo da educação, o paradoxo é bem
expressado pela conclusão a que chega Kuenzer (ibid., p. 37): “quando finalmente as
exigências de competitividade econômica reclamam o uso intensivo do conhecimento e
da educação, estreitando as relações entre educação e trabalho, desaparece a
especificidade do vínculo formal com o emprego, transferindo-se a tensão para outro
ponto: embora educação para a cidadania e para o trabalho se confundam, ela é para
poucos; cada vez para menos.”

Como meio de contornar ideologicamente esse paradoxo a doutrina que


disciplina o ensino médio recorre à diversidade co mo reconhecimento das diferenças
que conformam horizontes determinados pela imprevisibilidade. Nesse cenário, a escola
é convocada a contribuir para o desenvolvimento de competências gerais, visando à
constituição de pessoas mais aptas a assimilar mudanças, pessoas mais autônomas em
suas escolhas, pessoas que respeitem as diferenças e, ainda, que constituam identidades
“capazes de suportar a inquietação, conviver com o incerto, o imprevisível e o
diferente” (BRASIL.MEC.CNE.CEB, 1998, p. 22).

Sabemos, entretanto, que as trajetóricas educacionais e profissionais das pessoas


são, no plano concreto, socialmente determinadas pela origem de classe e não
exclusivamente resultados de escolhas subjetivamente realizadas de acordo com os
projetos próprios de vida. A abertura dos projetos, as incertezas das trajetórias de vida, a
instabilidade da vida, o desemprego, a possível desfiliação social (CASTEL, 1998), não
podem ser assimiladas como inexoráveis e como a única realidade que a humanidade
poderá enfrentar daqui para frente, posto que isto diluiria todas as expectativas de se
olhar o mundo por outro viés, de se contestar o que parece instituído e único; de se
efetivar a organização coletiva que transcenda aos ideais personalistas, subjetivistas
e/ou produtivistas, mas que apontem no sentido da construção de projetos sócio-
coletivos emancipadores.

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


15

É por isso que se deve problematizar o conceito de trabalho que tem orientado a
pedagogia das competências, assim como a própria noção de competência.

2.4 Propostas, projetos e ações políticas

Marx (1988) considera o trabalho tanto na sua forma positiva geral - como
atividade produtiva ontológica da humanidade e mediação entre o homem e a natureza;
como na sua forma negativa - na divisão do trabalho capitalista, abordada co mo
trabalho alienado. Sob as relações capitalistas, a dimensão ontológica do trabalho é
subsumida à dimensão produtiva. Ao discutir o trabalho como princípio educativo,
porém, Gramsci (1991b) assim o considera não porque sob o modo de produção
capitalista ele se transforma em mercadoria e aliena o homem de sua própria produção.
Mas porque, sob a dimensão civilizatória do próprio capitalismo, este tende a
revolucionar permanente os meios de produção, a ponto de as forças produtivas
entrarem em contradição com o próprio modo de produção.

Sob capitalismo o homem se aliena pelo trabalho, mas também por meio dele
pode tomar consciência de si mesmo e de sua função social. Para Gramsci, portanto, não
é o trabalho concreto nem o trabalho alienado o princípio educativo, mas o trabalho
como elemento da atividade geral e universal que, no seu estado mais avançado, guarda
o momento histórico objetivo da própria liberdade concreta. Portanto, para Gramsci, é a
liberdade dos trabalhadores o sentido do trabalho como princíp io pedagógico. Liberdade
e necessidade são pressupostos e resultados da produção da existência humana, da
construção de um novo modo de produção e de uma nova cultura.

Numa leitura específica para a política educacional, Saviani (1987) afirma que o
trabalho pode ser considerado como princípio educativo em três sentidos diversos mas
articulados entre si:

Nu m primeiro sentido, o trabalho é princípio educativo na medida em que


determina, pelo grau de desenvolvimento social atingido historicamente, o
modo se ser da educação em seu conjunto. Nesse sentido, aos modos de
produção [...] correspondem modos distintos de educar com u ma
correspondente forma do minante de educação. [...]. Nu m segundo sentido, o
trabalho é princípio educativo na medida em que coloca exigê ncias
específicas que o processo educativo deve preencher em vista da participação

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


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direta dos membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo. [...].


Finalmente o trabalho é princípio educativo num terceiro sentido, à medida
em que determina a educação como uma modalidade específica e
diferenciada de trabalho: o trabalho pedagógico (op. cit., p. 1-2).
Sob esta referência, os conceitos de politecnia ou de educação tecnológica
organizaram as propostas de educação básica tendo-se o trabalho como princípio
educativo. A categoria educação tecnológica, na perspectiva do pensador italiano, é
própria da educação que toma a tecnologia como produto do trabalho humano que
transforma a natureza com vistas a objetivos coletivos. A educação tecnológica refere-se
à conexão entre ensino e trabalho como base para o trabalho produtivo que exclui toda
oposição entre cultura e profissão. Isto, não tanto na medida em que pode propiciar uma
multiplicidade de escolhas profissionais, mas na medida em que é atividade operativa
social, que se fundamenta nos aspectos mais modernos, revolucionários, integrais do
saber. Esse processo educativo se orienta no sentido de formar homens omnilaterais que
sejam inseridos na atividade social após terem sido "levado[s] a um certo grau de
maturidade e capacidade, à criação intelectual e prática e a uma certa autonomia na
orientação e na iniciativa" (GRAMSCI, 1991b, p.121).

A lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (BRASIL, 1996)


preservou formalmente o conceito de trabalho como princípio educativo na educação
básica. Entretanto, a ressignificação deste conceito sob a ótica pós- moderna é expressa
mais claramente no Parecer 15/98, quando a função da preparação básica para o
trabalho é também justificada pelo fato de “nas condições contemporâneas de produção
de bens, serviços e conhecimentos, a preparação de recursos humanos para um
desenvolvimento sustentável [supor] desenvolver capacidade de assimilar mudanças
tecnológicas e adaptar-se a novas formas de organização do trabalho” (op. cit., p. 19).

A partir disso, o sentido do trabalho como contexto passa a predominar em


detrimento da idéia de princípio: “o trabalho e a cidadania são previstos como os
principais contextos nos quais a capacidade de continuar aprendendo deve se aplicar, a
fim de que o educando possa adaptar-se às condições em mudança na sociedade,
especificamente no mundo das ocupações” (ibid., p. 36).

Essa abordagem compreende a realidade material e social de vida das pessoas


como contexto ao qual elas se adaptam. Diante da instabilidade social contemporânea, a
cidadania possível é conquistada de acordo com o alcance dos próprios projetos
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional
17

individuais e segundo os valores que permitam uma sociabilidade pacífica e adequada


aos padrões produtivos e culturais contemporâneos.

2.5 Posturas Políticas e Filosóficas Subjacentes a


opções e práticas da gestão educacional

Do que apresentamos até o momento, percebemos que a incorporação da cultura


pós-moderna na educação básica coloca para a escola a função de auxiliar no
desenvolvimento das competências das pessoas, que possibilitem sua adaptação às
instabilidades da vida, particularmente ao contexto de trabalho, de forma autônoma e
flexível.

De fato, tais mudanças culturais trazem implicações para a formação do


trabalhador. Se em relação ao trabalho pouco qualificado verifica-se a saída maciça de
trabalhadores do mercado formal de trabalho, do ponto de vista do trabalho qualificado,
o que se testemunha é um processo de profundo reordenamento social das profissões 5 .
Crescentes dúvidas vêm-se levantando a respeito da capacidade de sobrevivência de
profissões bem delimitadas, ao mesmo tempo em que diminui a expectativa da
construção de uma biografia profissional linear do ponto de vista do conteúdo e
ascendente do ponto de vista da renda e da mobilidade social. Alguns autores chegam a
apontar para a crise do valor dos diplomas, o qual perde importância para a qualificação
real do trabalhador capaz de ser demonstrada na prática (PAIVA, 1997).
Paradoxalmente, enquanto se defende uma formação centrada no desenvolvimento de
competências genéricas, em contraposição àquela centrada na transmissão de conteúdos,
permanece forte a demanda para que os processos educativos escolarizados se
aproximem mais do contexto do trabalho. Que mediações conformam essa realidade ou,
em outras palavras, que sentido tem a apropriação da noção de competências nos
mundos do trabalho e da educação?

Tomada como referência nos contextos de trabalho, a competência está sempre


associada à capacidade de o sujeito desempenhar-se satisfatoriamente em situações

5
Sobre uma análise mais detalhada sobre o conceito de qualificação e seu deslocamento pelo de
competência, ver Ramos (2002).
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional
18

reais, mobilizando os recursos cognitivos e sócio-afetivos. Nesse sentido, em qualquer


abordagem o corolário é: a competência é indissociável da ação.

As metodologias de investigação dos processos de trabalho, a partir das quais se


deduzem as competências que os trabalhadores devem ter desenvolvido para serem
considerados eficientes, objetivam evidenciar conhecimentos, habilidades e atitudes
postas em jogo na realização do trabalho. Esses resultados são utilizados como
referências tanto de classificação dos postos de trabalho e dos trabalhadores (neste caso
envolvendo admissão e permanência no emprego, carreira e remuneração), quanto de
melhorias organizacionais. Em todos os casos a competência humana é tomada como
fator de produção, acrescentando-se ao conceito de homo oeconomicus 6 , maximizador
de lucro e riqueza, o conceito de homem administrativo, que responde aos desafios do
meio e adapta-se às situações de acordo com seus interesses e objetivos. Esse enfoq ue,
entretanto, centra-se pontualmente nos indivíduos, dificultando a apreensão mais
sistêmica das organizações por meio da qual se percebem outras variáveis que atuam no
seu funcionamento. A busca dessa visão sistêmica resultará na apropriação do
funcionalismo pela teoria das organizações 7 .

Como sabemos, o funcionalismo não nasce nas Ciências Sociais, embora tenha
sido muito divulgado nessa área, mas é importado das Ciências Biológicas. Essa teoria
não considera as determinações históricas e contraditórias do objeto de conhecimento
que se propõe a explicar. Assim como na Biologia o objeto de conhecimento é o
organismo ou um subsistema de um organismo, no caso da Sociologia é um sistema de
ação. Em outras palavras, o sistema e seus pressupostos não são questionados, mas
somente o seu funcionamento. Não há lugar para as contradições, mas sim para a
integração.

Pela teoria dos sistemas, variante mais elaborada do funcionalismo, os elementos


sociais exercem funções específicas necessárias ao seu propósito, num contexto de
constante equilíbrio. O rompimento desse equilíbrio seria provocado por situações

6
O homem assim concebido é produto do sistema capitalista que agiria de acordo com suas
determinações "naturalmente dadas". Esse homem é individualista, maximizador da produção e do lucro,
racional e livre nas suas escolhas e no seu consumo. Sua racionalidade e seu potencial maximizador
contribuiriam, naturalmente, para a situação ótima das relações sociais. Sobre este conceito ver Hunt
(1989).
7
Detalhamento sobre a perspectiva funcionalista das metodologias de análise do trabalho ve r Ramos
(2002).
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional
19

disfuncionais e as ações que se seguem objetivam recompor o equilíbrio do sistema. A


organização produtiva, portanto, é vista em termos de comportamentos
interrelacionados.

Uma das tendências do funcionalismo é enfatizar sobremaneira os papéis que as


pessoas desempenham no sistema mais do que as próprias pessoas. Os papéis seriam as
atividades de trabalho associadas ao cargo ou ao posto de trabalho. No sistema
organizacional de base taylorista- fordista a unidade mínima de análise é o posto de
trabalho, aos quais as pessoas se associavam por suas funções, descritas principalmente
em termos de procedimentos.

No sistema integrado e flexível, a relação se inverte; isto é, a importância é


conferida mais às pessoas do que aos papéis que elas exercem. As funções são descritas
em termos de resultados, que podem ser atingidos por procedimentos diversos, desde
que o equilíbrio organizacional seja permanentemente mantido ou recomposto. Mas a
pessoa que interessa é a pessoa funcional, ou seja, aquela que mobiliza seus atributos
cognitivos e sócio-afetivos para obter os resultados esperados. Então, na verdade, a
unidade mínima da análise funcional desloca-se do posto de trabalho para a
competência dos trabalhadores.

Essa mudança de enfoque exige tomar a organização como um sistema aberto,


no qual intervêm variáveis tanto organizacionais quanto de personalidade e
interpessoais. Assim, a posição que as pessoas ocupam na hierarquia, a maior ou menor
flexibilidade de sua personalidade e as relações interpessoais que mantêm, são de
enorme importância para o processo. Por isto, os atributos psicológicos dos indivíduos
tomam importância para o funcionamento integrado e flexível das organizações. Ao
mesmo tempo, o que se considerava como disfunções no funcionalismo clássico, será
chamado agora de eventos e, ao invés de serem considerados indesejáveis ou anormais,
passarão a compor o funcionamento dos sistemas. A recomposição do equilíbrio como
necessidade provocada pelos eventos assume a forma de melhoria permanente dos
processos produtivos, bem como de oportunidade ao desenvolvimento de novas
competências para trabalhadores. A Teoria Geral dos Sistemas incorpora essas variáveis
na análise da eficiência das organizações, como meio de adequar o funcionalismo ao

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


20

contexto econômico-produtivo atual. É este o contexto do trabalho que passa a orientar


as finalidades educacionais.

Do ponto de vista da educação, recorrer à sociologia do currículo nos ajuda a


compreender a razão de se utilizar a noção de competência como referência. No nível
macro, está a relação entre a seleção e a organização dos conhecimentos e a maneira
como o poder é distribuído na sociedade. No plano micro está a construção dos
programas de estudo, bem como as interações entre os agentes do sistema educativo
(professores, alunos, administradores) e entre esses agentes e os grupos de interesses
econômico, políticos, culturais.

Conforme analisa Dubar (1998), sob a égide do taylorismo-fordismo os


conhecimentos transmitidos e adquiridos no sistema educativo representaram um dos
recursos dos egressos na sua negociação para a entrada no mercado de trabalho. A
articulação entre sistema educativo e sistema produtivo dependiam, em parte, da gestão
desses conhecimentos. Se a relação escolaridade-formação-emprego depende do modo
como o trabalho é organizado nas empresas, também ela é tributária de decisões
referentes à organização de currículos e dos comportamentos dos profissionais do
sistema educativo. Essa relação era construída principalmente em função dos
conhecimentos transmitidos e adquiridos pelos participantes sociais em interação
(docentes, alunos, funcionários, empregadores).

Se, num passado muito recente dir-se-ia da inserção profissional ser este o
“momento em que o indivíduo vai procurar negociar os conhecimentos adquiridos para
conseguir um emprego” (DUBAR, 1998, p.167), atualmente, pelo que observamos,
negociam-se competências, como a síntese de saberes, saber- fazer e saber-ser. É de se
estranhar, entretanto, que se requeira tanto o vínculo entre escola e mundo do trabalho,
justamente num momento em que o aumento do nível de abstração das forças leva a
uma simplificação na execução do trabalho, de um lado, e a dispensa de trabalhadores
qualificados, de outro. Porém, esse vínculo não se refere tanto aos saberes específicos
de trabalho, mas às respectivas dimensões comportamentais. Como caracterizar, então,
o currículo e a pedagogia que tem por base as competências:

Bernstein (1996) analisa as relações presentes entre o campo da produção, o


campo do controle simbólico e a educação, focando seu interesse na compreensão da

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


21

educação no contexto das práticas sociais. Considera ele que no campo do controle
simbólico atualmente estão “as novas profissões que regulam a mente, o corpo, as
relações sociais, seus contextos especiais e suas projeções temporais”, enquanto os
agentes do campo da produção regulam os recursos físicos. Ambos os campos
controlam os meios, os contextos e as possibilidades de realização nesses dois campos.
Enquanto o campo da produção estaria se simplificando, o campo do controle simbólico
estaria ampliando suas funções normalizadoras em decorrência do enfraquecimento da
disciplina do trabalho. Por isso, o vínculo entre educação e produção permaneceria forte
somente nos níveis superiores de educação. Mas o vínculo entre educação e controle
simbólico estaria se fortalecendo e se generalizando em todos os níveis. Essa visão
ratifica o papel da educação muito mais na co nformação da personalidade e da
consciência do que dos conhecimentos técnicos e científicos.

Tomando a dimensão propriamente pedagógica dessa questão, Bernstein vai


definir, por um lado o que ele denomina de pedagogias visíveis e, por outro, as
pedagogias invisíveis. As primeiras enfatizam a transmissão de conteúdos, o
desempenho explicitado pelo aluno, orientam-se para o mercado de trabalho,
preocupam-se com a eficiência do sistema de ensino e com as competências específicas
supostamente exigidas pelo mundo do trabalho. As segundas, caracterizam-se pelo
controle implícito do professor, pelo fato de os alunos serem os principais responsáveis
por seus atos e movimentos, enquanto o professor prepara o contexto a ser explorado
pelos alunos, e por enfatizarem as aquisições e as competência genéricas. Dentre essas
são identificadas os pedagogias renovadoras, críticas ou progressistas, incluindo “desde
as abordagens piagetianas até propostas mais radicais, como as fundamentadas em
idéias de educadores como Paulo Freire” (SANTOS, 1999, p. 72).

Outro aspecto importante para o nosso quadro de análise, é o fato de os saberes


científicos serem reconstruídos como saberes escolares a partir de mediações
contraditórias e configurações cognitivas próprias, compondo uma cultura escolar. Os
processos educativos sistematizados, portanto, não reproduzem o saber científico tal
como ele foi construído e tal como se apresenta para as comunidades científicas, isto é,
como objeto a ensinar, mas o transformam em objeto de ensino constr uído na e pela
cultura escolar.

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


22

Se percebemos a existência de transformações nessa cultura, depreende-se que


mudanças tendem a se processar nos modos de mediação didática. Para Bernstein, essa
reconfiguração dos saberes científicos em saberes escolares que se processa pela
mediação didática, dá vida a um discurso pedagógico, constituído por dois outros
discursos: o discurso instrucional e o discurso regulativo. Enquanto o primeiro
estabelece o que deve ser transmitido, o segundo define a forma como as relações
sociais de transmissão e aquisição são constituídas e mantidas. Parece- nos que, sob a
égide do currículo científico e das pedagogias visíveis, o discurso instrucional é o que
predomina. Já na perspectiva do currículo integrado 8 e das pedagogias invisíveis, é o
discurso regulativo que mais importa.

Isso possibilita- nos compreender a natureza atual dos saberes escolares ou dos
conhecimentos específicos no âmbito da pedagogia da competência, em face dos
processos de trabalho cujos fundamentos são complexos mas os procedimento simples 9 .
O construtivismo piagetiano 10 , com suas diversas nuanças, constitui-se no aporte
psicológico da pedagogia da competência. Vale registrar, então, com Miranda (2000),
que as pedagogias psicológicas, das quais o construtivismo é a expressão
contemporânea, aplica-se tanto aos processos intra-escolares de ensino e aprendizagem,
quanto aos processos mais globais de justificação e organização da ação educativa, nas
mais diversas expressões, compondo fortemente o discurso educacional contemporâneo.
Ele adequa-se, portanto, ao que Bernstein chama de discurso regulativo.

A pedagogia das competências confere ênfase aos aspectos subjetivos dos


alunos, em especial àqueles relacionados à aprendizagem, sem considerar o conjunto
das determinações históricas e sociais que incidem sobre a educação, promovendo uma
certa despolitização de todo o processo educacional. À medida que o foco do processo
educativo é a adaptação do sujeito, de seu projeto e de sua personalidade ao contexto do

8
A idéia de integração curricu lar é tributária da análise que faz Bernstein (1996) dos processos de
compartimentação dos saberes. A integração, segundo o autor, coloca as disciplinas e cursos isolados
numa perspectiva relacional, de tal modo que o abrandamento dos enquadramentos e das classificações do
conhecimento escolar pro move maior in iciat iva de professores e alunos, maior integração dos saberes
escolares com os saberes cotidianos dos alunos, combatendo, assim, a visão hierárquica e do gmát ica do
conhecimento.
9
Serón (1998) escreve um artigo em que demonstra como a pedagogia invisível de Bernstein aplica -se ao
modelo das competências profissionais dos novos módulos de formação profissional desenhada na
LOGSE (Lei Orgânica de Ordenação Geral do Sistema Educacional), representativa da reforma
educacional na Espanha.
10
Análise mais aprofundada dessa compreensão pode ser encontrada em Ramos (2002, 2003).
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional
23

trabalho flexível, que inclui o desemprego, evidencia-se um conceito de homem como


ser natural e biológico voltado para si e para sua sobrevivência independente dos outros.
A esta concepção se homem se coaduna uma concepção de conhecimento, definido
como a representação subjetiva que temos da realidade. Na vida individual seria
possível elaborar um projeto flexível o suficiente para reverter-se no projeto possível.

Por princípio, então, a educação deveria abandonar a suposição da existência de


saberes socialmente construídos e universalmente aceitos, a serem transmitidos. Nesse
contexto, a função do professor seria criar as condições para que os alunos construam
suas próprias representações sobre algo. A educação não teria mais o compromisso com
a transmissão de conhecimentos científicos socialmente construídos e universalmente
aceitos, mas com a geração de oportunidade para que os alunos possam se defrontar
com eles e, a partir deles, localizar-se diante de uma realidade objetiva, reconstruindo-
os subjetivamente em benefício de seu projeto e com o traço de sua personalidade, a
serviço de suas competências. Na cultura escolar, nos termos de Bernstein, a pedagogia
das competências é a forma como se efetiva o discurso regulativo. Em síntese, a
conformação de personalidades adquire ênfase em detrimento da construção do
conhecimento.

2.6 Implicações Sócio-Culturais na Gestão Educacional

Raymond Williams, em seu livro The long revolution, analisa as disputas em


torno da educação durante o século XIX, capitaneadas por três grupos distintos: os
educadores públicos, os humanistas tradicionais e os industrialistas. O primeiro grupo
defendia o ensino público de massa, enquanto o segundo grupo advogava o ensino em
termos de uma cultura mais desinteressada, desvalorizando os saberes científicos e
técnicos. O último grupo lutava por um currículo de caráter mais utilitarista, voltado
para as necessidades do mundo do trabalho (SANTOS, 1999). A partir dessas
discussões se definiam critérios para a seleção dos saberes escolares, predominando os
interesses de um ou de outro grupo, de acordo com as relações de poder presentes no
campo.
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional
24

O avanço das relações capitalistas de produção conferiu destaque ao


conhecimento científico e tecnológico, fazendo a escola se comprometer com uma
formação adequada à cultura industrialista (GRAMSCI, 1991a). A tendência de
universalização de um conjunto de técnicas básicas entre indústrias de ramos diferentes
foi gerando a necessidade de formação de pessoas com conhecimentos e destrezas para
o exercício do trabalho. À medida que as técnicas se aprimoraram, condensaram-se em
ofícios comuns aos processos diversificados de produção, dando origem às profissões.
De acordo com a divisão técnica e social do trabalho, associada à separação entre
trabalho manual e intelectual, as profissões passaram a ser classificadas de acordo com
o seu nível de complexidade que, por sua vez, se relacionou com o nível de escolaridade
necessário ao desenvolvimento de cada uma delas.

Inscritas no projeto burguês de progresso e de modernidade e sob a égide dos


padrões tayloristas- fordistas, as profissões, em sua dimensão econômica, foram
fortemente associadas ao princípio da eficiência técnica, especialmente no pós-guerra,
quando o uso da ciência como força produtiva atingiu seu ápice. A administração
científica dos tempos e movimentos, de Taylor, foi a materialização desses princípios,
que se inicia na produção de bens e serviços e se alastra para todas as dimensões da vida
moderna, incluindo a escola.

Levados para a organização do trabalho escolar, esses princípios fundamentaram


o currículo. O padrão de eficiência foi deduzido a partir da observação dos próprios
processos de trabalho, tendo o currículo a finalidade de corrigir deficiências dos
indivíduos, quer sejam culturais, pessoais ou sociais, que poderiam comprometer o
desenvolvimento racional e eficiente do trabalho (BOBBITT, 1918). Desses padrões
originaram-se, também, os métodos de análise ocupacional utilizados para a elaboração
de currículos da formação profissional que, ainda hoje, com novas conotações, são
recuperados para identificar as competências a serem adquiridas pelos trabalhadores
para se tornarem empregáveis.

Os princípios lógicos de planejamento curricular foram elaborados precisamente


por Tyler (1950), determinando-se os fins educacionais antes de qualquer experiência e
perseguindo-se a aprendizagem como objetivos de ensino, dirigido e controlado

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


25

mediante a seleção de conteúdos e metodologias de ensino baseados em funções sociais


e profissionais, seguida de avaliação.

No caso da educação profissional, a complexificação do trabalho industrial fez


com que o sentido do saber profissional fosse dado não somente pela habilidade técnica,
mas pela habilidade técnica baseada numa teoria subjacente. A existência de uma teo ria
subjacente significava que ninguém poderia tornar-se um profissional sozinho, mas
precisaria ser treinado e certificado por outros profissionais. O profissionalismo,
portanto, passou a se basear na habilidade técnica, no conhecimento teórico que subjaz à
habilidade e na aceitação por uma comunidade de outros profissionais.

Daí a necessidade de se “teorizar” as atividades práticas, buscando-se, em certa


medida, suas bases científicas 11 , o que levou à aproximação da formação técnica com as
ciências da formação geral. Essa aproximação, entretanto, seguiu a hierarquia positivista
das ciências 12 e a racionalidade taylorista- fordista de produção, de modo que a formação
profissional passou a obedecer a uma seqüência clara e linear: fundamentos seguidos
por métodos e esses seguidos pela experimentação. As disciplinas tomaram um caráter
abstrato e fixo, características dos currículos fragmentados que criticamos
freqüentemente e que buscamos superar, no plano do possível, com a proposta do
currículo integrado.

Em relação à formação geral, o objetivo que a orientava era o acesso aos


conhecimentos sistematizados que possibilitassem aos estudantes o prosseguimento de
estudos. Neste caso, o currículo era elaborado transpondo-se os conceitos didaticamente
dos campos científicos para as disciplinas escolares, segundo parâmetros de legitimação
dados pelos exames de acesso ao ensino superior. A fragmentação e a abstração
disciplinar não deixou de caracterizar também esse tipo de formação.

Sob a cultura industrialista do projeto nacional-desenvolvimentista e num


contexto de pleno emprego, a razão de ser da educação brasileira esteve

11
Tem-se, então, por exemp lo, que na fo rmação do Técnico em Quí mica, antes de dominar as técnicas de
laboratório, era p reciso conhecer os princípios da Química; para um Técnico em Eletrônica, os
procedimentos de um conserto eletrônico requer conhecer os princípios da Física; ou para o Técnico em
Enfermagem, sobre um procedimento de assistência à saúde e os princípios da Biologia.
12
Essa hierarquia se caracteriza pela preeminência da Matemática, co mo a origem de toda a teoria, junto
com a Física co mo a Ciência primeira, esta seguida pela Química, Biologia, Psicologia e outras Ciências
Sociais
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional
26

predominantemente centrada no mercado de trabalho. Com a crise dos empregos e


mediante um novo padrão de sociabilidade capitalista, caracterizado pela
desregulamentação da economia e pela flexibilização das relações e dos direitos sociais,
a possibilidade de desenvolvimento de projetos pessoais integrados a um projeto de
nação e de sociedade tornou-se significativamente frágil. Nesse contexto, se não seria
possível preparar para o mercado de trabalho, dada a sua instabilidade, dever-se-ia
preparar para a “vida”.

Esta foi a tônica adquirida pelo ensino médio a partir da atual LDB (Lei n.
9.394/96). Sob um determinado ideário que predominou em nossa sociedade nos anos
90, a função da escola estaria em proporcionar aos educandos o desenvolvimento de
competências genéricas e flexíveis adaptáveis à instabilidade da vida e não mais o
acesso aos conhecimentos sistematizados. No caso da formação profissiona l, não seria a
fundamentação científica das atividades profissionais o mais importante, e sim o
desenvolvimento de competências adequadas à operação de processos automatizados,
que requerem pouco do conhecimento especializado do trabalhador e mais uma
capacidade de agir diante dos imprevistos.

Em síntese, em nenhuma dessas perspectivas o projeto de formação esteve


centrado na pessoa humana. Um outro projeto de sociedade exige recolocar o foco do
projeto educacional sobre os sujeitos e os conhecimentos que permitem compreender e
transformar a realidade em que vivem. Neste projeto encontra-se também a formação
profissional, posto que a compreensão e a transformação da realidade implica a
capacidade de produção social da existência, que inclui a ação técnica, política e
cultural.

Vimos no item anterior que o elemento mais provocador de mudanças e/ou


instabilidades nas escolas a partir das reformas dos anos de 1990 foi a noção de
competências, contrapondo-se às disciplinas 13 . Pelo fato de a competência implicar a
resolução de problemas e a ação voltada para os resultados, a pedagogia das
competências foi promovida por sua suposta capacidade de converter o currículo em um

13
Uma análise crítica sobre a pedagogia das competências está em Ramos (2001), quando concluímos
que a noção de competência tem seus fundamentos filosóficos e ético -políticos radicalmente opostos à
perspectiva da formação hu mana. Seu caráter ideológico visa a conferir legitimidade aos novos padrões
de acumulação do capital e de relações sociais, desviando os processos educativos dos horizontes de
construção de uma concepção de mundo transformadora.
Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional
27

ensino integral, mesclando-se em problemas e projetos, os conhecimentos normalmente


distribuídos por diversas disciplinas e os saberes cotidianos. Desta forma, a organização
do currículo não passaria mais pela definição de um conjunto de conhecimentos
sistematizados a que o aluno deveria ter acesso. Antes, seriam definidas as
competências e, então, selecionados os conhecimentos exclusivamente necessários para
o seu desenvolvimento.

Também a crítica ao ensino transmissivo de conteúdos reverberou na pedagogia


das competências. Em tese, essa pedagogia seria centrada mais na aprendizagem do que
no ensino, dando espaço para a construção significativa do conhecimento. Essas
perspectivas desencadearam proposições metodológicas, das quais a mais difundida foi
o trabalho por projetos. Segundo Hernández (1998), os projetos normalmente têm a
adesão dos pedagogos devido à promissora possibilidade de superar, no plano
metodológico, a fragmentação disciplinar e o ensino transmissivo, levando a uma visão
integradora do currículo.

O que a pedagogia das competências não considera, entretanto, é que os


problemas a que se propõe resolver não são exclusivamente pedagógicos. Antes, têm
um fundo epistemológico e cultural que, se não for compreendido, desencadeia
inúmeras inovações sem nunca promover a compreensão do problema na sua essência e
sua superação.

Argumentos para a integração curricular, dos quais as reformas educacionais se


valeram para difundir a pedagogia das competências, não são novos. Santomé (1998),
por exemplo, explica que a denominação de currículo integrado tem sido utilizada
como tentativa de contemplar uma compreensão global do conhecimento e de promover
maiores parcelas de interdisciplinaridade na sua construção. Segundo ele, o termo
interdisciplinaridade surge ligado à necessidade de superação da esterilidade acarretada
pela ciência excessivamente compartimentada e sem comunicação entre os diversos
campos. O termo poderia ser reservado à inter-relação de diferentes campos do
conhecimento com finalidades de pesquisa ou de solução de problemas, sem que as
estruturas de cada área do conhecimento sejam necessariamente afetadas em
conseqüência dessa colaboração. A integração, por sua vez, ressaltaria a unidade que

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


28

deve existir entre as diferentes disciplinas e formas de conhecimento nas instituições


escolares.

A idéia de integração em educação é também tributária da análise de Bernstein


(1981). Segundo este autor, a integração coloca as disciplinas e cursos isolados numa
perspectiva relacional, de tal modo que o abrandamento dos enquadramentos e das
classificações do conhecimento escolar promove maior inic iativa de professores e
alunos, mais integração dos saberes escolares com os saberes cotidianos, combatendo,
assim, a visão hierárquica e dogmática do conhecimento.

A proposta de integração que defendemos incorpora elementos das análises


anteriores, mas vai além dessas, ao definir de forma mais clara as finalidades da
formação: possibilitar às pessoas compreenderem a realidade para além de sua
aparência fenomênica. Sob essa perspectiva, os conteúdos de ensino não têm fins em si
mesmos nem se limitam a insumos para o desenvolvimento de competências. Os
conteúdos de ensino são conceitos e teorias que constituem sínteses da apropriação
histórica da realidade material e social pelo homem. Dois pressupostos filosóficos
fundamentam a organização curricular nessa perspectiva.

O primeiro deles é a concepção de homem como ser histórico-social que age


sobre a natureza para satisfazer suas necessidades e, nessa ação produz conhecimentos
como síntese da transformação da natureza e de si próprio. Assim, a história da
humanidade é a história da produção da existência humana e a história do conhecimento
é a história do processo de apropriação social dos potenciais da natureza para o próprio
homem, mediada pelo trabalho. Por isto o trabalho é mediação ontológica e histórica na
produção de conhecimento.

O segundo princípio é que a realidade concreta é uma totalidade, síntese de


múltiplas relações. Totalidade significa um todo estruturado e dialético, do qual ou no
qual um fato ou conjunto de fatos pode ser racionalmente compreendido pela
determinação das relações que os constituem (KOSIK, 1978). O que Santomé (op. cit.)
fala sobre a compreensão global do conhecimento que o currículo integrado pode
proporcionar, nós expressaremos como a possibilidade se compreender o real como
totalidade.

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


29

Desses decorre um terceiro princípio, de ordem epistemológica, que consiste em


compreender o conhecimento como uma produção do pensamento pela qual se apreende
e se representam as relações que constituem e estruturam a realidade objetiva.
Apreender e determinar essas relações exige um método, que parte do concreto
empírico – forma como a realidade se manifesta – e, mediante uma determinação mais
precisa através da análise, chega a relações gerais que são determinantes da realidade
concreta. O processo de conhecimento implica, após a análise, elaborar a síntese que
representa o concreto, agora como uma reprodução do pensamento conduzido pelas
determinações que o constituem: “o método que consiste em elevar-se do abstrato ao
concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para se apropriar do
concreto, para reproduzi- lo como concreto pensado” (Marx, 1978, p. 117).

A compreensão do real como totalidade sócio-cultural exige que se conheçam


as partes e as relações entre elas, o que nos leva a constituir seções tematizadas da
realidade. Quando essas relações são “arrancadas” de seu contexto originário e
mediatamente ordenadas, tem-se a teoria. A teoria, então, é o real elevado ao plano do
pensamento.

Portanto, o conhecimento não é de coisas, entidades, seres, etc, mas sim das
relações que se tratam no plano sócio-cultural as quais o conhecimento trata de
descobrir, apreender no plano do pensamento. São as apreensões assim elaboradas e
formalizadas que constituem a teoria e os conceitos. A Ciência é a parte do
conhecimento melhor sistematizado e deliberadamente expresso na forma de conceitos
representativos das relações determinadas e apreendidas da realidade considerada. O
conhecimento de uma seção da realidade concreta ou a realidade concreta tematizada
constitui os campos da ciência.

O princípio básico de uma proposta pedagógica integrada é o direito ao


conhecimento. O ser humano se apropria da sua realidade pela mediação do trabalho e
do conhecimento. Mas todo novo conhecimento pressupõe um conhecimento anterior,
de modo que o acesso ao conhecimento já produzido pela humanidade é direito de
todos; e é um direito, ainda, que a formação possibilite a apropriação desses
conhecimentos para viabilizar a compreensão e a interação com a realidade no sentido
de transformá- la coletivamente com base em um outro projeto de sociedade,

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


30

transformando-se também a si próprio como uma dinâmica da interação com a natureza


e entre seres humanos.

2.7 Relações que envolvem o projeto educacional

Historicamente, à educação estão associados diversos papéis: educação como


direito, como socializadora e legitimadora de princípios socialmente aceitos e pactuados
e como formadora de subjetividades e de diferenciação coletiva. Esses papéis se
associam numa determinação mais genérica que vem a ser o desenvolvimento social
potencializado pela educação.

No campo dessa determinação duas posições oponentes entre si expressam a


forma como a educação tem sido compreendida. Utilizaremos a abordagem que faz
Singer (1996), a qual denomina uma delas de posição civil-democrática. Esta entende a
educação em geral e a escola em particular como processo de formação cidadã, tendo
em vista o exercício de direitos e obrigações típicos da democracia. O grande propósito
da educação, portanto seria proporcionar ao filho das classes trabalhadoras a
consciência, em conseqüência a motivação (além de instrumentos intelectuais), que lhe
permitam o engajamento em movimentos coletivos visando a tornar a sociedade mais
livre e igualitária. Por essa ótica a educação escolar cumpriria também muitos outros
propósitos, que resultariam na capacidade do indivíduo em se inserir de forma adequada
na vida adulta: profissional, familiar, esportiva, artística, etc. Esta visão, em síntese, não
vê contradição entre a formação do cidadão e a formação do profissional.

Ainda na abordagem de Singer (ibid.), o que se contrapõe a essa visão é a que


chamada de produtivista. Esta concebe a educação, sobretudo como preparação dos
indivíduos para o ingresso na divisão social do trabalho (lógica da acumulação de
capital humano). Assim, educar seria primordialmente instruir e desenvolver faculdades
que capacitem o educando a integrar o mercado de trabalho da forma mais vantajosa
possível. A educação proporcionaria, no processo de desenvolvimento social, o bem-
estar de todos enquanto resultante da soma dos ganhos individuais, que, num mercado

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


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de trabalho livre e concorrencial, seriam proporcionais ao capital humano acumulado


em cada um dos indivíduos.

As reformas educacionais contemporâneas filiam-se à visão produtivista de


educação, principalmente pelos fundamentos que as embasam, onde a educação pública
é encarada como ineficiente, não atendendo, portanto, às demandas e às regras do
mercado em geral e do mercado de trabalho em particular. A adequação a tais regras e a
competição inrente a elas significaria o melhor meio para promover a eficiência,
expressa pela combinação de qualidade com baixo custo, com pleno respeito à liberdade
de opção de cada indivíduo, aliada ao caráter eminentemente instrumental do processo
escolar.

As exigência impostas à escola devido ao assustador avanço das forças


produtivas neste final de século podem ser encaradas através de uma ou de outra visão,
dependendo de como compreendemos a inserção do sujeito nesse processo - se de forma
autônoma ou condicionada - e também a inserção do país no contexto da economia
globalizada - se de forma soberana ou subordinada.

É preciso reconhecer que a crescente tecnificação do cotidiano social constit ui


um fator impulsionador da tendência de incorporação do ensino da tecnologia na
educação, onde se dilui a separação entre formação geral e específica.
Independentemente da atividade de trabalho a ser exercida pelo indivíduo, as
qualificações básicas devem se capazes de cobrir os diversos campos profissionais ao
mesmo tempo. O processo educativo deve conferir ao indivíduo a capacidade de
transferir conhecimentos ao conjunto de ações que o desafiam não só na atividade
profissional como na relação com o cotidiano amplamente tecnificado. Trata-se de um
desafio formativo de vulto, pois significa o desenvolvimento de uma visão de
totalidade, em que parte e todo, geral e específico se interrelacionam, se interdependem
e se determinam reciprocamente. A contradição desse processo é conseguir realizar a
conversão do novo saber científico e da nova tecncultura escolar, quando nem mesmo
os princípios anteriores do saber tecnológico chegaram à escola.

Não se pode negar a emergência cada vez maior de novos espaços educativos
que transcendem a escola. Já não é mais exclusividade da escola a tarefa de promover o
processo de conhecimento e de capacitação das pessoas. Outros tantos espaços

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


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desempenham tal pregorrativa, principalmente aqueles cujo apelo lúdico seduz muito
mais as crianças e o jovens, como a televisão, o computador, etc. A escola ainda está
muito distante de uma postura que assuma o desenvolvimento da ciência e da tecnologia
como a materialidade que envolve as relações sociais e, portanto, como conjunto de
conhecimentos cuja compreensão e produção não podem ser deslocados para os espaços
educativos informais. Ao contrário, a educação formal é pressuposto para a
compreensão crítica do processo bem como para o rompimento com uma visão
determinística em que a tecnologia é vista como mítica máquina atuando
independentemente do homem. É compromisso da escola desenvolver os meios e as
condições para a sua reatualização cultural, científica e tecnológica do indivíduo, se
assumimos o ideal democrático de educação geral na nova sociedade tecnologizada.

Assim, trata-se de não alienar o ensino escolar das novas características tanto do
mercado de trabalho como do panorama político e social. Tendo o ideal democrático
como pressuposto, é preciso perguntar-nos sobre qual é o modelo de cidadão consciente
que inspira nosso ensino, e então buscar fazer com que nossos projetos político-
pedagógicos correspondam adequadamente ao desejo natural de aprender dos jovens,
motivando-os a participar ativamente do processo educativo onde a ciência, a tecnologia
e a informação, ao lado de tantas mazelas sociais, como a miséria, a forme e a
deseducação, são a materialidade concreta e contraditória sobre a qual a vida desses
jovens vem sendo construídas.

Discorremos sobre a necessidade da escola não se alienar quanto à realidade


político-social dos cidadãos educandos, o que implica estar inserida e ter consciência
disso, numa materialidade concreta onde se concentra uma infinidade de práticas
podutivas e onde se constróem representações sobre as relações originadas dessas,
expressando, na verdade, a realidade cultural de uma sociedade. O grande desafio que
essa questão apresenta, porém, é o de saber como a escola se relaciona com o mundo
produtivo de forma não condicionada ou determinística.

Impulsionar mudanças no sistemas educativo para que este se articule


coetâneamente com a realidade social não implica somente realizar reformas estruturais.
Os conteúdos do ensino devem refletir também a importância dada aos conhecimentos
adquiridos através dos diversos meios sociais; a transferência e a construção do

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


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conhecimento não são, portanto, monopólio da escola. A escola estaria desafiada,


portanto, a se abrir ao seu entorno, especialmente para o mundo econômico. Admite-se,
então, que o ensino deva ser definido e visar, também, construir competências
verificáveis em situações e tarefas específicas. Nisso a relação com o setor produtivo
torna-se fundamental, como forma de observar a capacidade de respostas do sistema
educativo ao mundo concreto. Isto, porém, não deve significar a limitação do
conhecimento às estritas necessidades desse, o que implica fechar o horizonte de
crescimento humano dos indivíduos. Defendemos, em outras palavras, a proximidade ao
setor produtivo livre da visão produtivista sobre a qual discorremos, mas como método
de pensar uma educação que não fuja aos compromissos concretos de exercer o papel de
conferir ao indivíduo a possibilidade de ingresso soberano neste mesmo mundo. Assim,
não é possível admitir mais a existência de um fosso entre ambos os sistemas, desde que
definido, claramente, a responsabilidade e a esfera de ação de cada um.

Para terminar, apresentamos alguns pressupostos de uma educação efetivamente


comprometida com o desenvolvimento humano e social numa perspectiva ética, e que
possa, ao mesmo tempo, responde às atuais necessidades do mundo produtivo
provocadas pelas transformações que nele se concretizam. São os seguintes tais
pressupostos a que os projetos educacionais poderiam atender, a fim de caminharem
nesse sentido:

- superar as dicotomias entre educação geral x educação específica, ciência pura


e ciência aplicada;

- compreender o mundo do trabalho como espaço em que se realiza a produção,


abrangendo as mediações entre o mundo material e social do homem. Portanto, a
dimensão das relações políticas e sociais tecidas no interior do processo produtivo
devem ser levadas em conta;

- incorporar o avanço tecnológico ao atendimento às necessidades humanas,


gerando condições para atender àquelas multiplicadas por este mesmo avanço;

- não atrelar a educação ao imediatismo do ganho e do lucro sabendo que ela, na


verdade, não é um fator imediatamente valorizável, mas componente do movimento de
valorização do capital, uma vez que potencializa força de trabalho e educa as

Manifestações e Sentido do Contexto Sócio-Educacional


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necessidades humanas criadas por esse desenvolvimento, alimentando a dinâmica do


consumo;

- formar permanentemente para enfrentar o mundo do trabalho. O conhecimento


e o trabalho compõem as práticas mediadoras da interação social e intelectual do
homem com a materialidade da produção;

- não ignorar a contradição existente entre capacidade humana para o trabalho e


condições concretas de acesso ao mundo do trabalho. Considerar que formação e
emprego se relacionam direta e linearmente equivale manter o fetiche do mercado de
trabalho como relação de liberdade e igualdade entre compradores e vendedores da
força de trabalho, o que é falso.

A escola, à medida que se compromete com a compreensão da realidade e a


busca de “verdades” históricas, cumpre a função de formar ética, cultural, científica e
politicamente, os cidadãos de uma sociedade que se pretende soberana.

2.8 Conclusão

Algumas idéias principais podem ser extraídas desse texto. A primeira é que, por
mais hegemônico que hoje se apresente, o modelo de competências pode levar a
processos de gestão e a formações pragmáticas e tecnicistas incompatíveis com a
formação integral dos estudantes. A segunda diz respeito à nossa contrariedade com a
adequação da escola ao mercado de trabalho, posto que o compromisso do processo
educativo deve ser com os sujeitos, para que esses sejam formados a fim de enfrentarem
as contradições do mercado de trabalho. Por fim, a terceira idéia é de que a escola, os
sistemas de ensino, seus professores e gestores precisam ter uma visão cr ítica do
mercado de trabalho e construir o processo formativo no qual, ao tempo em que
proporcionam acesso aos conhecimentos, contribuam para que os sujeitos se insiram no
mundo do trabalho e também questionem a lógica desse mesmo mundo.

Não temos dúvidas de que há duas lutas que se complementam na realidade


brasileira. Uma é a da educação, no sentido de uma reconstrução completa de suas

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concepções, de suas finalidade, a serem comprometidas com a classe trabalhadora. A


finalidade da educação não deve ser a formação “para”; seja “para o mercado de
trabalho” ou “para a vida”. É formação pelo trabalho e na vida. A outra luta é a questão
do trabalho como necessidade e meio de produzir a existência. O ponto de pauta
principal da classe trabalhadora hoje é a redução da jornada de trabalho sem redução de
salário. A esta se acrescenta a geração de emprego, trabalho e renda. Esse processo gera
uma contradição importante porque, se conseguimos uma redução drástica da jornada de
trabalho, lutando por uma política de inserção universal dos trabalhadores na vida
econômico-produtiva do país, estaríamos gerando e dilatando tempo livre (MARX,
1988). E ao gerarmos tempo livre estaríamos gerando o contrário do capitalismo, ou
seja, geraríamos tempo de criação, de formação, de leitura crítica do mundo, etc.

Ou nos imbuímos da vontade política, uma vontade ética de transformar, ou não


sabemos o que será de nós. O sentido da vida está na consciência e na vontade de
realizarmos, de agirmos, mesmo em condições adversas, pois o que significaria somente
constatarmos que as condições são difíceis e dizermos: então façamos o de sempre.
Acreditemos na capacidade transformadora dos sujeitos, especialmente na aliança
coletiva que caracteriza a prática social dos educadores. Não há questões absolutas
nesse contexto, mas sim uma análise da realidade, sempre orientada pelo sentido
histórico dos fenômenos.

Por essa perspectiva, entendemos que o existente hoje é produto de lutas e


contradições sociais. Acreditemos na capacidade coletiva e ague rrida de defender idéias
e de elaborarmos propostas para a construção de novas possibilidades. O novo nasce do
velho, daquilo que sabemos. A fórmula não existe e o pronto nunca existirá. Como diria
Antonio Gramsci, sejamos pessimistas na inteligência e otimistas na vontade. O
pessimismo da inteligência não quer dizer que nada daria certo. Ao contrário, significa
sermos capazes de identificarmos situações adversas para não criarmos mitos. Enquanto
o otimismo da vontade é a reunião da energia que nos alimenta para perseguirmos a
utopia e novos caminhos.

Concluo citando o filme “Segunda-feira ao Sol”, que trata do desemprego na


Espanha na década de 1990. No debate entre amigos em um bar, dentre os quais um
deles havia assinado a demissão voluntária na falência de um estaleiro naval, enquanto

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outros foram lutaram contra a demissão, um dos amigos que foi demitido fala para o
outro que assinou a demissão voluntária: “você não assinou a sua demissão; você
assinou a demissão dos seus filhos”. Essa frase, longe de se r um julgamento de valor
quanto à escolha de um dos trabalhadores, apresenta uma metáfora que significa que
nossas ações e escolhas não têm implicações somente sobre nossa vida. Há sempre
outros implicados em nossa decisão. Refletir sobre isso cotidianamente talvez nos ajude
a tomar decisões.

2.5. Referências bibliográficas

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