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Agenda ESG está mais desafiadora, mas segue importante

Ao mesmo tempo em que empresas são pressionadas a avançar


nos temas ambientais, sociais e de governança, o ESG é colocado
em cheque por eventos geopolíticos e diferenças partidárias
Por Eliane Sobral e Naiara Bertão
29/03/2023 05h04 Atualizado 29/03/2023

https://valor.globo.com/empresas/esg/noticia/2023/03/29/agenda-esg-esta-mais-
desafiadora-mas-segue-importante.ghtml

Intitulado ESG sob Tensão, um relatório especial produzido pelo Thomson


Reuters Institute, em setembro do ano passado, mostra que não foram poucos
os percalços no caminho da agenda ESG (de responsabilidade ambiental, social
e de governança corporativa, na sigla em inglês), ao longo de 2022. Questões
ambientais, sobretudo as que dizem respeito à transição global para uma matriz
energética pautada por energias renováveis, em detrimento do uso de
combustíveis fósseis, foram severamente colocadas em xeque pela invasão da
Ucrânia pela Rússia, com o consequente atraso no cronograma dessa transição
no continente europeu.

Como uma espécie de “cereja do bolo”, nos Estados Unidos, o segundo maior
emissor de gases do efeito estufa (GEE) do mundo, a responsabilidade
ambiental ganhou contornos políticos, com congressistas, sobretudo do Partido
Republicano, imprimindo o rótulo “esquerdista” aos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODSs) da Organização das Nações Unidas
(ONU), ligados ao clima, enquanto a maior gestora de ativos do mundo, a
BlackRock, com mais de US$ 10 trilhões sob gestão e uma espécie de porta-voz
da agenda ESG no mundo das finanças globais, reduziu de forma significativa
seu apoio aos investimentos atrelados a esta pauta. Não que ela tenha perdido
espaço, mas porque a BlackRock considerou desproporcionais as demandas
dos investidores.

No Brasil, o desmatamento florestal na Amazônia e em outros biomas bateu


recorde no ano passado, bem como os saldos das tragédias causadas por
chuvas com volumes históricos - atribuídos às mudanças climáticas. Como se
não bastasse, flagrantes de trabalho análogo à escravidão se multiplicaram,
como no caso das vinícolas gaúchas, e a almejada transparência corporativa
como resultado de uma governança sólida também foi abalada pelo rombo no
balanço da Americanas, na casa dos R$ 40 bilhões.
O quadro prenuncia que 2023 não será de menor tensão, mas está longe de
representar uma ameaça aos avanços de práticas sólidas em defesa da proteção
ambiental, social e de governança e, entre os especialistas no tema, é consenso
que não haverá recuos.

“Temos muitos avanços a contabilizar. Pela primeira vez, vemos que a pauta
[ESG] deixou de ser boa para a marca e passou a ser importante para o negócio”,
avalia Ricardo Assumpção, líder de ESG e Sustentabilidade na América Latina
da consultoria e auditoria EY. “O tema está na mesa do CEO, passou a ter
orçamento próprio. Antes, as companhias usavam os dados produzidos apenas
em seus balanços. Hoje, elas usam esses dados para refinarem suas
estratégias”, prossegue ele.

“O setor privado brasileiro tem uma agenda ESG reconhecida no mundo, mas
tem espaço para fazer mais”, completa Sonia Consiglio, especialista em
sustentabilidade e com assento em importantes conselhos de administração. Ela
cita o Estudo de CEOs do Pacto Global da ONU com a Accenture, já em sua 12ª
edição, segundo o qual, 98% dos líderes concordam que sustentabilidade é
assunto primordial em seus cargos. O aumento dessa percepção é 15% maior,
quando comparado aos últimos dez anos do estudo. Foram entrevistados 2,6 mil
CEOs de 128 países de 18 diferentes setores.

A maioria dos participantes da pesquisa (93%) está enfrentando dez ou mais


desafios simultâneos em seus negócios e 87% deles acreditam que o nível de
mudança está tão elevado que haverá impacto na entrega dos ODSs. “É preciso
ter em mente que tudo que fizermos será mais lento, porque as demandas são
muito grandes”, afirma Consiglio.

Se há consenso entre os especialistas de que os avanços são sustentáveis e


não há recuos no horizonte, as opiniões são diversas quando a questão é
apontar em quais pilares do ESG o Brasil mais teria avançado. “As empresas
vêm evoluindo em temas como coleta seletiva de resíduos, uso de energia
renovável, monitoramento e gestão do uso da água, e monitoramento do
consumo de energia. Sem dúvida, são temas que buscam uma iniciação à
temática de sustentabilidade ambiental e, hoje, são consideradas boas práticas
a serem adotadas pelas empresas” afirma Rodrigo Gaspar, diretor de
Desenvolvimento de Negócios do Sistema B no Brasil - movimento global, criado
nos Estados Unidos, com a missão de redefinir o sucesso da economia com
base também em critérios como bem-estar da sociedade e do planeta e não
apenas financeiro.

Para o executivo, há uma nova consciência no mercado, tanto de empresários


quanto de clientes. “Ver indicadores ambientais em produtos é algo cada vez
mais comum no Brasil”, diz Gaspar, lembrando da pesquisa Datafolha realizada
no último Rock in Rio de 2022, segundo a qual, 93% do público pesquisado
apontou a sustentabilidade como um fator de diferenciação entre as empresas”.

Atualmente, afirma Gaspar, as mais de 360 “empresas B” no Brasil devem


cumprir com requisitos básicos destas boas práticas na ferramenta de gestão de
impacto da plataforma. “A Avaliação de Impacto B eleva a barra destas empresas
com busca por modelos de negócio de impacto que vão a camadas ainda mais
profundas no impacto ambiental”, afirma ele.

Assumpção, da EY, chama a atenção para o trabalho desenvolvido em setores


como o de mineração, cimento e energia que, até pouco tempo eram chamados
de vilões da pauta ambiental e que hoje estão apresentando trabalho consistente
na agenda ESG. “Isso mostra o quanto a pauta está atrelada ao negócio e esse
esforço não tem passado despercebido pelos investidores”.

Ele chama a atenção para a pesquisa Global Reporting and Institutional Investor
Survey, realizada pela EY, junto a 1.040 líderes financeiros seniores de
empresas e 320 investidores. “Para 78% dos investidores entrevistados, as
empresas devem fazer investimentos que abordem questões ESG relevantes
para seus negócios, mesmo que isso reduza os lucros no curto prazo. O estudo
também identificou que 99% dos investidores pesquisados utilizam as
divulgações ESG das empresas como parte de suas decisões de investimento”,
lembra Assumpção.

Ainda no capítulo da responsabilidade ambiental, os especialistas cobram


maiores avanços no rastreamento das emissões na cadeia produtiva, e não
apenas na atividade das empresas, os chamados escopos 1, 2 3, sendo que os
dois primeiros se referem às emissões e ao consumo de energia da companhia,
e o escopo 3 diz respeito a seus fornecedores. “As empresas avançaram na
temática de mensuração das emissões de carbono de suas operações e no setor
rural mais especificamente o interesse pela “agricultura regenerativa” está
ganhando cada vez mais espaço. Por outro lado, não avançaram muito na
rastreabilidade de produtos que possam ter origem em áreas de desmatamento
na Amazônia e Cerrado”, avalia Eduardo Trevisan Gonçalves, gerente de
Cadeias Agropecuárias do Imaflora.

“Entendo que as empresas do setor agro precisam avançar mais rápido em


garantir produtos livres de desmatamento. A nova lei europeia, que restringe a
compra desses produtos, está sendo implementada, e como a Europa é um
importante destino de commodities brasileiras esse é um ponto de extrema
relevância”, alerta Gonçalves.

Se a responsabilidade ambiental é importante na agenda ESG, a área social


também vem conquistando grande visibilidade por aqui e não é apenas entre as
empresas. “Temas ligados a diversidade e inclusão, bioeconomia e pautas
climáticas podem ser alvo de ações e políticas públicas. Vários ministérios,
inclusive, estão recheados de pessoas que falam desses temas e até alguns
cargos já têm no nome a pauta Étnico-racial, de gênero, entre outras”, destaca
Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU no Brasil. “As empresas vão ter que
olhar não só operação, mas a cadeia nesse tema”, diz Pereira. Ele ressalva,
porém, que o assunto é recente até no âmbito global. “Mas o Brasil não demora
mais 30 anos para adotar diretrizes internacionais; deixamos essa época. O país
tem acompanhado mais rápido”.

Rafael Benke, fundador e CEO da Proactiva, consultoria especializada em


direitos humanos no ambiente corporativo, lembra que a devida diligência em
direitos humanos já é pré-requisito da taxonomia europeia usada na nova
legislação de finanças sustentáveis e que, aqui no Brasil, já está em curso um
Projeto de Lei (572/22) que estabelece um marco nacional sobre direitos
humanos e empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas
públicas sobre o tema.
Benke também cita que plataformas de mensuração ESG, como a MSCI e
Sustainalytics, já adoram critérios de direitos humanos, penalizando empresas
em seus ratings que não têm essa preocupação. No caso do alumínio, cita ele,
foi criada uma organização, chamada Aluminium Stewardship, que certifica, com
visitas técnicas a campo e a concessão de um selo, que as empresas do setor
estão fazendo a devida diligência de direitos humanos. No Brasil, Benke lembra
que a Petrobras firmou, no fim de 2022, acordo com o Pacto Global da ONU no
país para fazer a análise do compromisso de sua cadeia de fornecedores com
os direitos humanos, algo inédito no país. Inicialmente, serão 500 fornecedores.

O ESG Brazil Yearbook, produzido pela KPMG Brasil, a partir de informações


públicas de cerca de 200 empresas listadas na bolsa de valores brasileira,
mostra que 45,6% delas têm programa de diversidade - em 2018, quando o
estudo começou a ser produzido, eram apenas 20%. O tema também chegou
aos conselhos de administração. Se, em 2018 apenas 18,46% dos conselhos
eram considerados diversos, no ano passado, já eram 30,98%.

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